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folhafeminista Boletim da SOF na luta feminista junho 2003 nº43 ISSN 1516-8042

editorial Reprodução Festa da Palabra / 2002

A prostituição absorve milhares de


jovens e mulheres e gera enormes be-
nefícios para o crime organizado. A cada
ano, milhares de mulheres são traficadas
para a prostituição e para a indústria do
sexo em todo o mundo. As práticas são
extremamente opressivas e incompatíveis
com os direitos humanos consagrados
universalmente. O mercado sexual é uma
forma contemporânea de escravidão e
vários indicadores mostram o seu au-
mento e expansão no século XXI.
Aproximadamente três quartos das
mulheres traficadas não sabem que se
destinam a clubes de strip, bordéis ou para
as ruas, onde são vendidas a compradores
ansiosos. A maioria das mulheres procura
escapar da pobreza, da violência e da falta
de oportunidades mas, uma vez sob o
controle de cafetões, são apanhadas pela
prostituição por coação e violência física,
sexual e econômica. A comercialização de corpos e vidas das mulheres não é inata à condição feminina e por isso
A prostituição é uma procura de podemos e devemos impedir que a exploração continue
mercado criada por homens que com-
pram e vendem a sexualidade feminina
para seu benefício pessoal e seu próprio
prazer. As reformas legais deveriam criar
O cruel negócio da prostituição
soluções para assistir as vítimas e condenar Por Maria Encarna Sanahuja YII (Trechos do artigo publicado em Poder e Liberdade)
os culpados. O combate contra a regu-
lação da prostituição é, assim, uma luta de O mito masculino mantém que a da menor delinqüência entre as mulhe-
todas as mulheres, porque está em causa prostituta se vende em um ato livre de res. Mas a prostituição é um negócio de
o reconhecimento do direito da mulher à disposição do seu corpo, esquecendo homens. O Estado e a classe dominante
dignidade. A legalização da prostituição que estas mulheres foram impulsionadas – o homem – assentam o seu poder e os
significa que os Estados criarão regula- à prostituição devido a elementos de seus recursos econômicos sobre a ex-
mentações que permitem que as mulheres ordem social: miséria, desemprego e ploração das mulheres. A prostituição,
possam ser prostituídas. deficiências do meio familiar: pobreza; assim como a tortura domiciliar, estupro
Na luta que travamos contra a glo- por serem abandonadas pelo marido; e o assassinato de mulheres, constituem
balização excludente que assola econo- por serem expulsas do lar por causa de um claro expoente do machismo.
mias nacionais, reverte direitos e, entre gravidez indesejada; por terem filhos ile-
outros males, mercantiliza tudo e todas, gítimos, etc. Nem vocação nem liberdade
está pautado o combate à mercantilização As mulheres, devido às características A ideologia machista, que afirma
dos corpos das mulheres. Somos mu- sexuais da sociedade patriarcal, têm o re- que a prostituta vende o seu corpo
lheres, não mercadorias! curso do comércio do seu sexo, em lugar porque gosta, que se trata de um tra-
do roubo ou de golpes. Esta é uma razão balho vocacional, repercutiu em algum
As Semprevivas
continua na página 2
folhafeminista 1
Machismo

continuação da capa

setor das prostitutas. À prostituta não capitalista, gigolôs e cafetões, agrupados


causa prazer realizar serviços sexuais que em clãs e máfias supra-nacionais, en- Os métodos indiretos do patriarcado de
só satisfazem ao homem. Vende seu chem os bolsos com a exploração de indução à prostituição são mais sutis do
corpo para poder sobreviver ou obter mulheres escravizadas, sendo impossível que nunca. Entre eles podemos destacar
mais dinheiro. Ignora-se, entretanto, para elas saírem do alucinante mundo a comercialização do corpo da mulher
que a maioria das prostitutas não são da prostituição. apresentada pelos meios de comunicação;
livres. Nem as pobres, nem as ricas. O proxenetismo não só está repre- e a ausência de uma autêntica igualdade de
Tanto as da rua ou as dos bares e clubes sentado pelos gigolôs que vigiam suas oportunidades entre os sexos que deixa as
como as de luxo que exercem outro tipo mulheres, mas também por todos aque- mulheres em posição débil e insegura, e
de prostituição clandestina, de convite, les que vivem, enriquecem e se apro- dependentes dos homens.
de agenda, estão controladas por cafe- veitam das prostitutas. Homens que
O ofício mais antigo do mundo, expressão
tões, que são os principais beneficiários vendem, compram, espancam, mal-
do negócio. As máfias impedem que as tratam e até assassinam estas mulheres. machista e sexista, quer dar a entender que
mulheres públicas obtenham um be- Só a valentia de algumas, fartas de mau a prostituição foi, é e será, ou, o que é o
nefício individual, pois trata-se de um tratos e humilhações, permite que conhe- mesmo, que é inata à condição da mulher e
negócio para homens e não para as çamos a extorsão a que são submetidas. imodificável.
mulheres. Victoria Sau
A ignorância frente aos fatos reais faz Soluções para a prostituição Dicionário Ideológico Feminista
com que ninguém se volte contra a A luta organizada das prostitutas
figura do cliente nem do cafetão. Onde nascida na França está dividida em dois
se viu que para erradicar uma injustiça se ramos fundamentais: a primeira, o setor
ataque os explorados e não os explo- com menos consciência de classe, mais vender a sua pessoa a um amo, as mu-
radores? Quem compra é quem tem o reacionário, e que tem a aprovação dos lheres, se realmente querem levar sua re-
poder. cafetões, defende o trabalho e quer volução sexual adiante, deveriam come-
exerce-lo mediante a legalização. As çar por gritar que são seres humanos
Sobre os clientes mulheres reclamam a liberdade para com a mesma capacidade que os ho-
A clientela que procura as prostitu- vender o seu corpo e a prática da pros- mens para integrar-se ao mundo do
tas é heterogenia, entretanto, a classe tituição por vocação. trabalho, político, cultural e criativo,
social a que pertence e suas condições A outra ala do movimento, com a monopolizado pela outra metade da
econômicas não significa diferenças qual nos sentimos mais próximas, pro- população mundial”.
substanciais na forma como se rela- clamam que a prostituição é degradante O atroz é que, com a legalização, as
cionam com a prostituição. A pros- e vil, e apresenta um plano de medidas máfias, mais ou menos distinguidas, que
tituição é o símbolo mais tangível da governamentais para reinserir as pros- controlam a prostituição atuarão com
ditadura heterossexual da nossa so- titutas. Muitas mulheres que estão sem maior impunidade. A legalização, que
ciedade: o macho impõem o seu desejo trabalho, sem meios econômicos, são aceita o comércio do corpo da mulher e
em troca de dinheiro. A superioridade vítimas das máfias e estão obrigadas a as relações que com ele estabelece o
econômica lhe permite assegurar os prostituírem-se. Estamos mais próximas cliente e a prostituta, não faria mais do
serviços de prostitutas. deste setor porque as mulheres do pri- que favorecer este negócio que nutre
Foi dito que a prostituição é o ofício meiro ainda não descobriram que de- capitalistas, fascistas e inclusive demo-
mais antigo do mundo. Isto se encaixa vem ser donas de seu corpo. Carmem cratas. Em uma palavra, o movimento
perfeitamente em nossa tese fundamen- Alcalde considera que “estas mulheres feminista não pode tolerar a legalização
tal, a saber, que a mulher é a primeira não entenderam que a sua única alter- da escravidão sexual.
classe explorada e oprimida pelo ho- nativa é exigir o direito à cultura, à É necessária uma transformação pro-
mem. Logo, tem seu sexo explorado informação e ao trabalho, por mais funda da sociedade e, sobretudo, à toma-
individualmente ou de forma pública, explorado e alienado que seja. Assim da de consciência por parte das mulheres
quando o homem descobre que o co- como os escravos preferiram mudar sua para sermos donas dos nossos corpos e
mércio do sexo pode lhe beneficiar. situação de servos corporais pelo traba- contrárias a qualquer tipo de exploração,
Entre os povos primitivos atuais a pros- lho nas minas ou nas fábricas. Assim incluída a sexual. Com a revolução fe-
tituição é um fenômeno corrente. No como hoje seguem preferindo a venda minista emergerá uma sociedade onde a
nosso adiantado e progressista mundo da sua força de trabalho no lugar de prostituição não terá razão de ser.
folhafeminista 2
Reprodução

Sociedade

Desigualdade continua
sendo nossa marca
Lançada pelo IBGE agora em junho, a
Síntese de Indicadores Sociais 2002 continua
mostrando o que todas já sabiam: o traço
mais marcante da sociedade brasileira é a
desigualdade. As mulheres ganham menos
que os homens em todos os estados bra-
sileiros e em todos os níveis de escolarida-
de. Elas também se aposentam em menor
proporção que os homens e há mais mu-
lheres idosas que não recebem nem apo- vidade masculina – ainda a maior – e se destacam como a principal causa de
sentadoria nem pensão. aumento da feminina. Em 2001, a taxa mortes no País (28,8% para homens e
Na questão racial tudo ficar pior. Ne- feminina foi de 48,9%, enquanto a mas- 36,9% para mulheres), em todas as re-
gros e pardos recebem metade do ren- culina caiu um ponto percentual, passando giões e estados. A região Sul e o estado
dimento de brancos (sobretudo nas regiões para 72,8%. A taxa de desemprego das do Rio Grande do Sul, em particular,
metropolitanas de Salvador, Rio de Janeiro, mulheres (6,7%) é maior que a dos ho- registram as maiores proporções, sendo
São Paulo e Curitiba). Os homens negros e mens (5,9%). responsáveis por 40% das mortes de
pardos ganhavam, em 2001, 30% a menos mulheres.
que as mulheres brancas e as mulheres Previdência Na média nacional, apenas 46% das
negras, 50% do que recebiam as brancas. Mais da metade da população ocu- gestantes realizaram mais de sete consultas
pada não tem seguridade social. A taxa de durante a gravidez. De modo geral, as
A pobreza é feminina contribuição previdenciária da população proporções são extremamente baixas nos
O levantamento apresenta o perfil da ocupada é de 45,7% (homens – 46,1%; estados do Norte (25,8%) e Nordeste
mulher brasileira: escolaridade, média de mulheres – 45,1%). Entre os 6.174.448 (32,9%) e, mesmo nas regiões mais desen-
filhos, ocupação, rendimento, posição nos empregados, 61,5% têm carteira de traba- volvidas essas proporções estão um pouco
diferentes tipos de família e situação na lho (mulheres - 65,4%; homens - 59,6%). acima de 50%. Em decorrência, as taxas
Previdência. As diferenças entre homens e O percentual de trabalhadores domésticos de mortalidade infantil dos menores de
mulheres são expressivas: mesmo que com carteira assinada aumentou, chegan- seis dias são extremamente altas nas
ambos tenham a mesma média de anos de do a 26,1% em 2001. regiões onde a assistência pré-natal, ao
estudo, os homens ganham mais que as As doenças do aparelho circulatório parto e ao recém-nascido é mais precária.
mulheres.
A população feminina ocupada con-
centra-se entre os rendimento mais baixos: Principais tendências demográficas observadas no País
71,3% das mulheres que trabalham rece-
bem até 2 salários mínimos, contra 55,1% - Redução do ritmo de crescimento da - Redução da fecundidade: a taxa caiu de
dos homens. A desigualdade salarial au- população. 2,7 para 2,4 filhos por mulher, de 1992
menta conforme a remuneração. A pro- - Aumento da proporção de pessoas para 2001. A taxa bruta de natalidade
porção de homens que ganham mais de 5 vivendo em áreas urbanas. também caiu: em 1992 houve 23
salários mínimos é de 15,5% e das mu- nascimentos por mil habitantes e, em
- Maior proporção de mulheres do que 2001, 20,9 por mil.
lheres, 9,2%. de homens: 94,9 homens para cada 100
A proporção de mulheres dedicadas mulheres. - Queda da mortalidade: em 1992 a
aos empregos domésticos (19,2%) e que razão era de 7,5 óbitos para cada mil
- Diferença entre as expectativas de vida habitantes e em 2001, 6,9 por mil.
não recebem remuneração (10,5%) é bem de mulheres e homens: elas vivem em
maior do que a dos homens (0,8% e 5,9%, média até os 72,8 anos de idade, 7,8 - Queda da mortalidade infantil: a
respectivamente). Mais de 70% das ocupa- anos a mais que os homens. participação de óbitos de menores
das concentram-se no setor de serviços. de 1 ano de idade no total de óbitos
- Envelhecimento da população: a registrados caiu de 9,7%, em 1992, para
Em 2001, a população ocupada era de
proporção de pessoas de 60 anos ou 5%, em 2001.
75,4 milhões. Os empregados e traba-
mais passou de 7,9% em 1992 para
lhadores por conta-própria eram 47,8% e 9,1% em 2001 e estima-se que chegue a A íntegra do levantamento está
22,3%, respectivamente. Desde a década 16% em 2030. disponível em www.ibge.gov.br.
de 1990 verifica-se queda da taxa de ati-
folhafeminista 3
Comunicação

folhafeminista
Crioulas, a voz e as letras da resistência
nº 43 junho de 2003 ISSN 1516-8042
Reprodução
A Associação Quilombola de Con-
ceição das Crioulas nasceu em 17 de CONSELHO EDITORIAL
julho de 2000, como representante de Andréa Butto, Francisca Rocicleide da Silva
Conceição das Crioulas, comunidade (Roci), Helena Bonumá, Ivete Garcia,
quilombola com cerca de 3.800 habi- Maria Amélia de Almeida Teles (Amelinha),
tantes, localizada no Distrito de Salguei- Maria Ednalva Bezerra de Lima, Maria
ro, sertão pernambucano. A Associação é Emília Lisboa Pacheco, Maria de Fátima da
formada pelas lideranças das dez asso- Costa, Maria Otília Bocchini, Martha de la
ciações de agricultores e agricultoras da Fuente, Mary Garcia Castro, Matilde
comunidade e é a detentora do título de Ribeiro, Raimunda Celestino Macena e
posse do território de Conceição (16.865 Edição nº 1 do jornal da Associação Tatau Godinho.
hectares). Entre as lutas da Associação Quilombola
estão a regularização fundiária, educação A Folha Feminista, ISSN 1516-8042,
específica e diferenciada, e desenvolvi- tro das Comunidades Quilombolas de é um boletim da SOF na luta feminista.
mento sustentável, a partir das poten- Pernambuco, em maio deste ano, e que Este número tem apoio financeiro
cialidades e tradições locais, sempre na teve como temas Terra, Direitos e Cida- da Christian Aid.
perspectiva do fortalecimento da iden- dania Quilombolas. O encontro teve
tidade quilombola. Trabalho que é desen- como principal objetivo contribuir para EQUIPE EDITORIAL
volvido pelas mulheres da comunidade. o fortalecimento da organização das Diretora Responsável: Nalu Faria
A publicação “Crioulas, a voz da resis- comunidades quilombolas, além de Editora: Fernanda Estima (Mtb 25.075)
tência” é fruto desse trabalho. O jornal foi possibilitar maior intercâmbio, iden- Projeto Gráfico: Alexandre Bessa
feito a partir da construção coletiva das tificar problemas comuns, sensibilizar Diagramação: Márcia Helena Ramos
seções e pautas, além do projeto gráfico. órgãos e autoridades governamentais
Fotolito: Input
O Crioulas tem como objetivos estimular para promoção de políticas públicas.
Impressão: RWC Artes Gráficas
a comunicação interna em Conceição, O primeiro número do Crioulas, com
tiragem de dois mil exemplares, trabalha Tiragem: 1.500 exemplares
promover o encontro entre as gerações,
articular as comunidades quilombolas e muito bem as fotografias e ilustrações das Número avulso: R$1,50
dar visibilidade às suas lutas. matérias e dá destaque às discussões sobre
A publicação nos foi apresentada educação, geração de renda, tradições
quando a SOF participou do II Encon- quilombolas e a questão da água.

o que rola Assinatura anual (10 números): R$15,00

Movimentos Sociais em ação no Brasil Rua Ministro Costa e Silva, 36, Pinheiros
A Marcha Mundial das Mulheres, Via Campesina, CUT, CMP, UNE, dentre 05417-080 - São Paulo / SP
outras organizações convocaram os movimentos sociais brasileiros a construir um Tel/fax: 3819-3876
espaço de reflexão e ações conjuntas. Duas reuniões já aconteceram definindo uma Correio Eletrônico: sof@sof.org.br
plataforma política e o modo de funcionamento. Página na internet:
Os eixos de ação desta plataforma são a luta contra o imperialismo (campanhas e http://www.sof.org.br
lutas contra a Alca e OMC, FMI, dívida externa e transgênicos); um projeto de
desenvolvimento sustentável para o Brasil (organizar uma campanha por emprego,
salário e renda); e as reformas do governo (como intervir nas reformas da Previdência,
Tributária e Trabalhista). próximos números
No período de junho a agosto diversas mobilizações ocorrerão. Esses eventos, assim
como a organização constante de ativistas, serão momentos importantes no avanço • LUTA CONTRA A OMC
das lutas postas para todas, já que temos consciência que somente por meio da • POLÍTICAS PÚBLICAS E
mobilização e pressão alcançaremos as mudanças necessárias para mudar os rumos de PERSPECTIVAS DE GÊNERO
nossa sociedade.

folhafeminista 4

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