Você está na página 1de 8

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ

Presidente
Paulo Ernani Gadelha Vieira

ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE


JOAQUIM VENÂNCIO

Diretor
Mauro de Lima Gomes

Vice-diretor de Gestão e Desenvolvimento Institucional


José Orbílio de Souza Abreu

Vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico


Marcela Pronko

Vice-diretor de Ensino e Informação


Marco Antônio Santos
Roseli Salete Caldart
Isabel Brasil Pereira
Paulo Alentejano
Gaudêncio Frigotto
Organizadores

2012
Rio de Janeiro • São Paulo
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
Expressão Popular
Educação Corporativa

EDUCAÇÃO CORPORATIVA
Aparecida Tiradentes E
A educação corporativa é um mo- rativa por meio de programas dispersos,
delo de formação no qual a empresa mesmo sem ostentar uma universidade
ocupa o lugar da escola, desenvolven- corporativa ou um setor específico para
do programas de educação formal, in- este fim. Igualmente, uma universidade
formal e não formal de trabalhadores, corporativa pode desenvolver programas
de fornecedores e da comunidade, para em todos os níveis de ensino, não neces-
aumento de produtividade, valorização sariamente na educação superior, poden-
do capital de marca e como estratégia do, ainda, desenvolver cursos livres ou
hegemônica de difusão da concepção atividades formativas informais.
de mundo da classe dominante.
Quando atua no âmbito da educação
Ela surgiu na década de 1950, nos formal, a universidade corporativa, não
Estados Unidos, com o objetivo de tendo credenciamento para certificar e
treinar os trabalhadores de algumas in- emitir diplomas, institui parcerias com
dústrias, mas adquiriu maior expressão escolas e universidades acadêmicas.
no contexto neoliberal. Por um lado, a Nestes casos, a instituição credenciada
ideologia de desqualificação do Estado fornece sua chancela a um projeto que
social enseja que o capital se declare nasce exatamente da desqualificação da
“mais competente” para formar os tra- formação acadêmica oficial. Uma das
balhadores. Por outro lado, as mudan- demandas do movimento de educação
ças nas bases técnicas e de gestão do corporativa, representado pela Associa-
trabalho implicam a exigência de adesão ção Brasileira de Educação Corporativa
subjetiva do trabalhador aos valores da (Abec), é o poder de certificação pelo
empresa. A educação corporativa passa mercado. Até o momento, no Brasil,
a ter, então, a função de promover essa essa demanda não foi aceita. Caso seja
adesão. Sob a justificativa de oferecer a aprovada, constituirá um fator de agra-
formação intelectual e técnica suposta- vamento da subordinação do trabalho
mente exigida pelo mercado, de modo, ao capital, visto que, ao ser certificado,
segundo o capital, “mais eficiente do por exemplo, em um curso de gradua-
que o Estado”, a educação corporativa ção em Nutrição de determinada in-
avança sobre a dimensão ético-política, dústria de alimentos, esse trabalhador
impondo os modos de ser, pensar, agir tem sua capacidade de venda da força
e sentir convenientes ao capital. de trabalho limitada àquela empresa e
Denomina-se educação corporati- à sua tecnologia. Assim, caso a Uni-
va o projeto em seu sentido amplo, e versidade do Hambúrguer, como é
“universidade corporativa” ou “unidade denominada a universidade corporati-
de educação corporativa”, as instâncias va da rede McDonalds, obtivesse no
formais especialmente criadas pelas em- Brasil a autorização para certificar em
presas para este fim. Uma empresa pode seu próprio nome, isso implicaria o
desenvolver ações de educação corpo- cerceamento da liberdade formal de

247
Dicionário da Educação do Campo

venda da força de trabalho de seus universalidade. Agrava-se ao se de-


egressos às redes concorrentes. finir pelo alinhamento de estraté-
Seu público-alvo é “toda a cadeia gias, diretrizes e práticas de gestão
de valor”, incluindo, além dos trabalha- de pessoas às estratégias de negó-
dores, os fornecedores, a comunidade cio. A ação educativa consiste, por
e os consumidores reais e potenciais, este princípio, em criar o confor-
o que resulta numa ameaça ainda mais mismo ético-psíquico para a adesão
abrangente quanto aos danos políticos a um modelo de gestão pautado
de um projeto de formação diretamen- em competição e individualização
te controlado pelo mercado. Alegando das responsabilidades, fragmenta-
“responsabilidade social”, muitas vezes ção das redes de solidariedade de
com financiamento público direto ou classe e obstrução da construção
indireto (quando obtém isenção fiscal da consciência coletiva. Éboli reco-
como contrapartida), o capital estende menda, neste princípio, favorecer
suas ações “pedagógicas” e alcança um a implantação do modelo de ges-
triplo objetivo: controlar a formação tão por competências. Aconselha,
de trabalhadores, elevar seu capital de ainda, conceber programas edu-
marca (a valorização de sua imagem na cacionais a partir do mapeamento
sociedade majora o valor das ações no e alinhamento de competências –
mercado financeiro e constitui exigên- empresariais e humanas.
cia dos investidores para adquirir tais • Conectividade: é a integração entre
papéis) e obter vantagem na disputa de educação corporativa e gestão do co-
nhecimento. O sistema de gestão do
hegemonia, pela difusão de sua visão
conhecimento implica as atividades
de mundo para a empresa e além de
de pesquisa e difusão de competên-
seus muros.
cias e tecnologias adequadas à pro-
Segundo Éboli (2004), são sete os dução. Envolve a captura do conhe-
princípios da educação corporativa: cimento tácito e do conhecimento
competitividade, conectividade, parce- explícito do trabalhador e sua “en-
ria, perpetuidade, cidadania, sustenta- trega” à organização, o que, segundo
bilidade e disponibilidade. Não poden- Ricardo (2005), significa “agregar
do ter outra função, dada sua filiação valor”, quando o conceito de pesqui-
direta ao capital, são princípios con- sa refere-se à pesquisa informal nas
venientes ao capital e à reprodução de situações cotidianas de trabalho e à
seu modo de produção da existência. participação em círculos de qualida-
São, portanto, incongruentes com um de ou em projetos de “soluções para
modelo de educação que se coloque melhorias contínuas”, nos moldes
em perspectiva emancipatória. Os sen- toyotistas de participação intensifi-
tidos atribuídos a tais princípios pela cadora. Quando, no ciclo de gestão
literatura que fundamenta o modelo do conhecimento, o termo “pesqui-
denotam a perspectiva ideológica da sa” refere-se às atividades formais
classe dominante. de produção de conhecimento, este
• Competitividade : o princípio da princípio da educação corporativa
competitividade, a priori, já seria ina- representa o controle pelo mercado
dequado a um projeto de formação da produção e controle do conheci-
humana, por ser oposto à ideia de mento científico a seu favor.

248
Educação Corporativa

• Parceria: é o princípio segundo o • Disponibilidade : é a capacidade de


qual a empresa firma contratos de “aprender e ensinar em qualquer
colaboração com instituições edu- tempo e qualquer lugar” (Éboli,
cacionais formais para certificação. 2004, p. 181). Representa o devassa-
Neste caso, a escola ou universida- mento do tempo livre do trabalhador E
de formata uma proposta curricular na busca de conhecimentos e com-
com base nas estratégias de negó- petências referentes à valorização do
cios da empresa. Este princípio diz capital. A literatura recomenda que
respeito ainda à cultura de colabora- as atividades de educação corpora-
ção interna, que pode ser lida cri- tiva sejam realizadas na modalidade
ticamente como uma estratégia de de ensino a distância (EAD).
hegemonia que consiste na produ-
ção de uma consciência pactualista Segundo Meister:
e desmobilizadora das lutas sociais.
• Perpetuidade: é a transmissão da heran-
ça cultural da empresa para além de A universidade corporativa (UC)
seus muros e do seu tempo, segundo é um guarda-chuva estratégico
Éboli (2004). Trata-se da perenização para desenvolver e educar fun-
de seus valores e sua extensão às ou- cionários, clientes, fornecedores
tras dimensões da vida social. e comunidade, a fim de cumprir
• Cidadania: aqui, afirma-se o con- as estratégias empresariais da
ceito de cidadania corporativa ou organização. O modelo de UC
cidadania empresarial. É a exten- é baseado em competências
são do ethos do capital para toda a e interliga aprendizagem às ne-
cadeia de valor e a sociedade, con- cessidades estratégicas de negó-
sagrando o mercado e seus valores cios. O conceito de educação
como os norteadores da vida social. corporativa surge diretamente
Envolve, além da assimilação stricto relacionado à estratégia de ne-
sensu da cultura da empresa, o com- gócios. (1999, p. 29)
prometimento do trabalhador com
ações de responsabilidade social E segundo Éboli:
da empresa, com vistas aos ganhos
de capital. Educação corporativa é um
• Sustentabilidade: este princípio as- sistema de formação de pes-
segura, na infindável criatividade soas pautado por uma gestão
acumuladora do capital, que, além de pessoas com base em com-
de representar os ganhos financei- petências, devendo instalar e
ros e ideológicos já mencionados, desenvolver nos colaboradores
o setor de educação corporativa (internos e externos) as com-
torne-se um dos ramos de negócios petências consideradas críticas
lucrativos ou “autossustentáveis” para a viabilização das estraté-
da empresa, pela capacidade de ge- gias de negócio, promovendo
rar receita direta, seja por meio de um processo de aprendizagem
cobrança de matrículas e mensali- ativo vinculado aos propósitos,
dades, seja pela obtenção de finan- valores, objetivos e metas em-
ciamentos e bolsas. presariais. (2004, p. 181)

249
Dicionário da Educação do Campo

Para melhor assegurar a sintonia lutas sociais são expressivas), diversas


entre a estratégia de negócios e a edu- ações de função hegemônica.
cação corporativa, incluindo os aspec- A consolidação da hegemonia re-
tos atitudinais desejados no “novo tra- quer a atenuação dos conflitos sociais
balhador”, a literatura recomenda que e a imposição de uma concepção de
os docentes não sejam “professores mundo que atenda aos interesses
profissionais”, mas homens de negó- do capital. As universidades corpora-
cios e funcionários bem-sucedidos da tivas desempenham este papel, como
própria empresa. já foi mencionado. No caso da Valer,
Particularmente na esfera do agro- podemos citar alguns exemplos de sua
negócio, observam-se muitos progra- ofensiva política, cultural e ideológica
mas fundamentados na concepção nas comunidades em que atua, tanto na
ambiental e de produção congruente cidade quanto no campo: Vale Ambien-
com os interesses do capital. Muitos te; Vale Capacitação; Vale Educação
são os conglomerados vinculados Inclusiva (em Itabira, Santa Maria de
à produção agropecuária e seus de- Itabira e São Gonçalo do Rio Abaixo,
rivados, em atividade no Brasil, que em Minas Gerais); Vale Educação Pro-
desenvolvem atividades de educação fissional (no sul do Pará); Escola que
corporativa. A descaracterização dos Vale; Educação nos Trilhos; Canal Fu-
movimentos sociais, a ideologia pac- tura (parceria com a Rede Globo de Te-
tualista que desqualifica a ação das levisão); Voluntários Vale; Olha o Trem,
lutas no campo e na cidade, são tra- Lá Vem o Trem; Educação Ambiental;
ços deste projeto que vem penetran- Tecendo o Saber; Estação da Cidadania;
do no território da formação huma- Programa de Educação Afetivo-Sexual
na, representando antagonismo à sua (Peas Vale); Educação de Jovens e Adul-
perspectiva contra-hegemônica. tos (no Pará, em parceria com o Serviço
A lógica utilitarista e a função hege- Social da Indústria –Sesi).
mônica da educação corporativa, claras Pela Vale Ambiente, a empresa
em seus princípios e em toda a litera- atinge professores da rede pública em
tura que os sustenta, representam um regiões nas quais tem interesses por
modelo incompatível com a perspecti- meio de parcerias com prefeituras, es-
va emancipatória. pecialmente no interior da Bahia e de
A Vale – um dos grupos econô- Minas Gerais.
micos de maior expressão no Brasil e No vale do Itacaiúnas, no Pará
com significativa inserção no campo, (Paraupebas, Canaã, Carajás), a Valer
seja diretamente, por meio das ativi- forma técnicos em mineração, agrope-
dades de extração ou de transporte cuária, gestão empresarial e outras ativi-
ferroviário de carga e passageiros, seja dades referentes ao trabalho no campo.
indiretamente, por meio de empresas A Escola que Vale, com a função de
de diversos ramos sobre as quais tem capacitação de professores das redes pú-
influência e controle acionário, seja por blicas, atua no interior do Pará, Espírito
parcerias – desenvolve, por meio de Santo, Maranhão e Minas Gerais.
sua universidade corporativa (a Valer, O Vale Alfabetizar dirige-se aos tra-
que tem forte atuação no campo, espe- balhadores do interior dos estados cita-
cialmente no Pará, justamente onde as dos anteriormente, além de Sergipe.

250
Educação Corporativa

O projeto Educação nos Trilhos do grande público e vai sendo exposta


tem como objetivo declarado construir gradativamente. Sendo assim, a Vale é
ambientes promotores da cidadania nas a organização oficial por trás de marcas
comunidades no entorno das estradas como a FCA.
de ferro Vitória–Minas e Carajás. En- A Valer, apresentada aqui a título de
E
tre as ações deste programa, constam exemplo, cumpre, em termos de abran-
os Projetos Especiais de Mobilização gência, todo o escopo das universidades
Comunitária, voltados para as comuni- corporativas. Atua tanto na formação
dades afetadas pela ação da Vale. Desta de seus trabalhadores quanto em toda a
forma, a empresa busca o controle so- cadeia de valor: clientes, fornecedores,
bre as formas de mobilização. comunidade do entorno das regiões
O programa “Estação da Cidadania” afetadas e sociedade em geral. Atua
inclui uma sala de projeção em que são na educação tanto formal quanto não
veiculados filmes sobre mineração. formal e informal. Desenvolve ativida-
Olha o Trem, Lá Vem o Trem é um des presenciais e à distância. Envolve,
projeto que consiste em ações educati- como preconizam os mentores do mo-
vas voltadas à redução ou extinção de delo de educação corporativa, sua pró-
ações denominadas pela empresa como pria força de trabalho em muitos dos
“vandalismo” nas estações ferroviárias projetos e programas, transformando
e ao longo dos trilhos. Como se esten- os seus funcionários em “educadores
de à comunidade em geral e tem parce- da sociedade” e disseminadores de uma
rias com as secretarias de Educação, a “visão positiva” da empresa. Isto con-
Valer já prepara “corações e mentes” figura uma forma adicional de extração
para uma convivência pacífica e dócil de mais-valia, pois, na medida em que
com as ferrovias do Grupo Vale e com contribuem para gerar “capital de mar-
os danos sociais e ambientais provoca- ca”, os trabalhadores, que já geravam
dos pela ação da corporação. valor por meio de sua produção direta,
Registre-se que, com a privatiza- são coagidos a mais esta forma de ex-
ção da rede ferroviária federal, grande ploração. O “capital de marca” é uma
parte da malha ferroviária brasileira foi das dimensões do “capital intelectual”
adquirida pelo grupo Vale, sob nomes que influi diretamente no valor dos pa-
diferentes, como a Ferrovia Centro– péis no mercado financeiro: consiste
Atlântica (FCA). Como acontece no em reconhecimento público da mar-
processo capitalista de fusões, aquisi- ca como tendo valor positivo e tendo
ções e concentração do capital, inicial- também bom relacionamento com a
mente a marca controladora é omitida comunidade, sem conflitos sociais.

Para saber mais


ÉBOLI, M. Educação corporativa no Brasil: mitos e verdades. São Paulo: Gente, 2004.
MEISTER, J. Educação corporativa: a gestão do capital intelectual através das univer-
sidades corporativas. São Paulo: Pearson Makron Books, 1999.
RAMOS, G. S. Um novo espaço de conformação profissional: a Universidade Corporativa
da Vale do Rio Doce – Valer – e a legitimação da apropriação da subjetividade

251

Você também pode gostar