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A Ángel Crespo
O poema tem duas estrofes de doze versos, neste que é o quadragésimo oitavo e
último poema de A educação pela pedra, amplamente considerada como a obra máxima
do construtivismo cabralino. Cada uma das estrofes comporta três blocos sintáticos de
quatro versos em rima toante de versos pares. A escansão revela versos que variam de
dez a doze sílabas poéticas, com predominância dos endecassílabos, métrica muito
favorecida na poesia medieval espanhola que, como sabemos, exerceu grande influência
sobre João Cabral, sobretudo a partir de O cão sem plumas de 1950. As duas estrofes
dialogam entre si: em largos traços, a primeira se ocupa da folha (a parte), a segunda do
livro (o todo). Em cada estrofe, os dois primeiros blocos sintáticos, que juntos
constituem uma única sentença separada com ponto e vírgula ao final do primeiro bloco,
falam do que o objeto (folha/livro) é ou faz; o último bloco, encerrado em sua própria
sentença, traz o contraste (o choque, a ironia), introduzido pelas locuções “todavia” e
“apesar”. A simetria formal é um dos pilares do projeto arquitetônico-poético de Cabral,
como destacamos no Comentário (ainda não escrito).
João Cabral, o poeta dos objetos, constrói este poema ao redor de três objetos
concretos, aos quais somos apresentados já no primeiro bloco sintático: a folha, o livro,
a árvore.
Nesse bloco, como em toda esta segunda estrofe, o livro/poesia é descrito por
adjetivos (“silencioso”, “anônimo”, “modesto”, “oposto”, “paciente”, “severo”,
“fechado”), todos eles de uma duplicação sonoro-semântica de fechamento, de aversão
ao explícito, ao exposto, ao fácil. O poema opõe o livro/poesia tanto à pintura, quanto à
música, que lhe são essencialmente opostas, uma pelo despudor com que se expõe aos
olhos, a outra pela efemeridade de seu voo. Faltar-lhes-iam exatamente o comedimento,
o recato sedutor do verso bem elaborado, bem como sua perenidade, sua constância e
permanência.
PS:
Caro Ari,
Desculpe a imaturidade dessas análises. Elas não são mais do que “anotações” para o ensaio, que
espero fique mais bem acabado. Conto com sua orientação para dar daqui em diante um rumo
melhor a esta análise.
Um abraço,
Jessé