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Por que os médicos erram

As armadilhas mentais que produzem


diagnósticos enganosos
CRISTIANE SEGATTO Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde
o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de
10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato é: 
cristianes@edglobo.com.br. 

Errar é humano, mas o erro de alguns humanos é menos tolerado que o de outros. Com
os médicos, é assim. Diante da preciosidade da matéria com a qual eles lidam, o mínimo
equívoco pode ser a diferença entre a vida e a morte.

Quase sempre os erros médicos são atribuídos à má qualidade da formação profissional,


à carga de trabalho extenuante, à negligência ou ao excesso de confiança nas próprias
habilidades. Existem, porém, outros fatores potencialmente fatais.

São falhas cometidas até mesmo pelos médicos mais bem formados, que trabalham nas
melhores condições e que tem a clientela mais poderosa. Elas não são fruto apenas da
má vontade, da pressa ou do descontentamento com as condições de trabalho.

Qualquer médico está sujeito a erros de julgamento. Nem os mais respeitados do mundo
estão imunes a isso. Quem melhor abordou esse tema foi Jerome Groopman, professor
de medicina da Universidade Harvard e brilhante escritor que contribui regularmente
com veículos como The New Yorker, Washington Post and New York Times. 

No livro How Doctors Think (Como os médicos pensam), Groopman faz um relato
sincero e propõe um debate construtivo. Como aperitivo, reproduzo alguns trechos da
obra e os principais aspectos que ela propõe. Em um dos capítulos, ele descreve quatro
pensamentos comuns que levam os médicos a produzir diagnósticos errados. 

1) “Conheço este tipo de paciente”

O médico se baseia em estereótipos. Em geral, é influenciado pela aparência e pelo


estado emocional do paciente

2) “Acabei de ver outro caso como este”

O médico é influenciado pela última experiência ou por um caso que o marcou muito

3) “Preciso fazer alguma coisa”

O médico decide agir rápido mesmo sem ter certeza da natureza do problema

4) “Adoro este paciente”


O médico tende a descartar a hipótese de uma doença grave quando gosta muito do
paciente

Groopman conta o caso de Evan McKinley, um guarda-florestal forte e na faixa dos 40


anos, que certa noite foi atendido pelo médico Pat Croskerry. O paciente reclamou de
dores no peito. Croskerry o examinou e pediu vários exames. Nenhum deles dava
indícios de que o guarda florestal estava à beira de um infarto. O médico mandou o
paciente para casa.

Na noite seguinte, quando chegou ao pronto-socorro para iniciar seu turno, um colega
puxou conversa. "O caso do homem que você examinou ontem é muito interessante",
disse o médico. "Ele deu entrada hoje de manhã com infarto agudo do miocárdio."

Croskerry ficou chocado. O colega tentou consolá-lo: "Se eu o tivesse examinado, não
teria sido tão cuidadoso a ponto de pedir todos aqueles exames". Croskerry sabia que
havia cometido um erro que poderia ter custado a vida do guarda-florestal. Por sorte,
McKinley sobreviveu.

 "É claro que deixei passar", disse Croskerry sobre o infarto de McKinley. "Onde foi
que errei? Não foi por conduta inadequada ou negligência. Num esforço de autocrítica,
concluiu que seu raciocínio foi excessivamente influenciado pela aparência saudável do
paciente e pela ausência de fatores de risco.

Groopman conta que Croskerry decidiu tomar uma atitude quando assumiu a chefia do
departamento de emergência do Dartmouth General Hospital. Ficava impressionado
com a quantidade de erros que os médicos sob sua supervisão cometiam. Fazia listas de
equívocos e tentava agrupá-los em categorias. 

Alguns anos depois, começou a publicar artigos em periódicos de medicina, tomando


emprestadas ideias da psicologia para explicar como os médicos tomavam decisões
clínicas - principalmente as erradas - nas condições estressantes do pronto-socorro.

Essas decisões médicas implicam necessariamente uma grande dose de incerteza. Na


maior parte das vezes, os pacientes não são conhecidos, e suas doenças são analisadas
apenas a partir de pequenos intervalos de tempo e observação. 

Normalmente os médicos começam a diagnosticar o paciente logo que o vêem. Antes de


começar o exame, interpretam a aparência dele: a coloração, a inclinação da cabeça, o
movimento dos olhos e da boca, a forma como se senta ou fica em pé, o som da
respiração. 

As teorias dos médicos sobre o que há de errado continuam a evoluir quando ouvem o
coração ou pressionam o fígado. As pesquisas mostram que a maioria dos médicos já
tem em mente dois ou três diagnósticos possíveis poucos minutos depois de entrar em
contato com o paciente e que tende a desenvolver seus palpites a partir de informações
incompletas.   
 Os médicos, especialmente no pronto-socorro, muitas vezes precisam fazer julgamentos
rápidos sobre como tratar um paciente com base em poucos sintomas potencialmente
muito sérios. Um médico é treinado para supor, por exemplo, que um paciente com
febre alta e dores fortes no lado direito da parte inferior do abdome pode estar com
apendicite.

Ele imediatamente encaminha o paciente ao serviço de raios-X e entra em contato com


o cirurgião de plantão. Fazendo uma retrospectiva, Croskerry percebeu que, quando viu
McKinley no pronto-socorro, o guarda-florestal tinha uma onda de dor no peito que
pode anteceder um ataque do coração, a angina instável. "Ela não apareceu no
eletrocardiograma porque, em 50% desses casos, não aparece", disse Croskerry. 

"A angina instável dele não apareceu no exame de enzimas cardíacas porque ainda não
havia dano ao músculo do coração. E não apareceu na radiografia do tórax porque o
coração ainda não havia começado a falhar, então não havia líquido acumulado nos
pulmões."

Segundo Groopman, o erro que Croskerry cometeu é chamado de erro de


representatividade. Médicos cometem esse tipo de falha quando seu raciocínio é
excessivamente influenciado pelo que acontece na maioria dos casos. Não consideram
possibilidades que contradigam seus modelos mentais e atribuem os sintomas à causa
errada. 

Croskerry disse que havia observado de imediato a constituição física do guarda


florestal: a maioria dos homens na faixa de 40 anos em boa forma tem pouca
probabilidade de ter doença do coração. Mais ainda, a dor de McKinley não era
característica de doença cardíaca e os resultados do exame físico e dos exames de
sangue não indicavam um problema de coração. 

Mas esse era exatamente o problema. A cabeça do médico precisa estar preparada para
o que é atípico. Ele poderia ter deixado McKinley em observação e ter feito um segundo
exame de enzimas cardíacas ou submetê-lo a um teste de esforço, o que talvez revelasse
a origem da dor no peito. 

“A formação dos médicos não mudou substancialmente depois que Pat Croskerry e eu
nos formamos”, escreveu Jerome Groopman. Médicos jovens ainda aprendem muito por
meio da observação dos profissionais experientes de sua área. "Veja, faça e ensine"
continua a ser uma máxima em escolas de Medicina. 

“O ideal que ela sugere - o médico como um ator frio e racional - é equivocado. Quando
as pessoas se vêem diante da incerteza, situação em que todo médico ao tentar fazer o
diagnóstico se vê, são suscetíveis a emoções inconscientes e parcialidades pessoais e
têm mais chance de cometer erros”, afirma Groopman.

Croskerry resume a situação com muita lucidez. "Atualmente, na formação dos


médicos, não reconhecemos a importância do pensamento crítico e do raciocínio
crítico", diz Croskerry. "A noção implícita na medicina é que sabemos como pensar,
mas não sabemos."
O livro de Groopman foi lançado nos Estados Unidos em 2007. As questões que ele
levanta e as críticas construtivas que faz continuam atualíssimas. 

(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)

Miguel Srougi deixa cargo de diretor


clínico do Sírio Libanês
Bruno Poletti/Folhapress

O urologista Miguel Srougi


03/08/2017 02h00

O urologista Miguel Srougi pediu demissão do cargo de diretor clínico do hospital Sírio
Libanês.

Em carta enviada aos médicos, ele afirma que tomou a decisão "por motivos de razão
íntima e sem que me fosse permitido exercer com altivez" a função. Srougi não entra
em detalhes sobre as razões de seu descontentamento.

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