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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
CURSO DE BACHARELADO EM FILOSOFIA
TÓPICOS ESPECIAIS DE FILOSOFIA POLÍTICA I

A LIBERDADE E SUA EVOLUÇÃO CONCEITUAL

Aluno: Marcus Vinícius de Medeiros

Natal/RN - 2013
RESUMO

O tema da liberdade tem ganhado um grande destaque nas discussões


acerca de seu limite e extensão da evolução de seu conceito, atribuindo maior relevância ao
conceito que melhor se coaduna com a sua expressão politica. O primeiro conceito
fundamental expressa a ideia de autodeterminação ou autocausalidade. Outro conceito
desenvolvido ao longo da história da filosofia a identifica como necessidade que se vinculam
de alguma forma com a ordem cósmica ou superior. Para o terceiro conceito acerca do tema, a
liberdade se relaciona à ideia de possibilidade. A liberdade como escolha possível a ser
efetuada pelo homem é a medida do possível. Entendemos que a maior contribuição dada à
construção do conceito de liberdade que melhor se adequa à demanda atual é realmente
atribuída aos modernos, haja vista que a filosofia contemporânea retomado certos conceitos
de liberdade que não guardam pertinência com as expressões das liberdades públicas.
INTRODUÇÃO

O tema da liberdade tem ganhado um grande destaque nas discussões


acerca de seu limite e extensão na atual conjuntura política, haja vista as implementações de
operações de vigilância por várias nações, sob o pretexto da tutela de interesses relativos à
segurança pública nacional e transnacional.

Aliado a isso, importa que tenhamos a exata noção do que esse termo
representa para nós e quais são as implicações disso para a vida prática dos sujeitos que
pretendem exercê-la. Qual a sua extensão? Sofre limitações? De que se origina? São perguntas
comuns que são suscitadas do primeiro pensar acerca do tema.

Proponho a análise, mesmo que sumária, da evolução de alguns dos


conceitos de liberdade, atribuindo maior relevância ao conceito que melhor se coaduna com a
sua expressão politica.
A LIBERDADE E SUA EVOLUÇÃO CONCEITUAL

Ao longo do tempo o conceito de liberdade tem sido objeto de diversas e


profundas modificações, segundo a filosofia própria de cada época e as demandas específicas
de cada sociedade.

Na filosofia clássica, a investigação a respeito da ideia de liberdade foi


norteada por conceitos bem distintos e que expressavam uma demanda filosófica específica.
Nesse sentido, destaca-se, na sua origem, como sendo de maior importância, no mínimo, três
conceitos fundamentais acerca do tema, guardando cada um delas sua particular evolução no
pensamento filosófico da antiguidade à modernidade e alguns, de certo modo, até receberam
atenção especial na filosofia contemporânea.

O primeiro dos três conceitos fundamentais expressa a ideia de


autodeterminação ou autocausalidade. Pensar a liberdade, segundo esse prisma, seria atribuir
o seguinte contorno: a liberdade como expressão da vontade humana sem restrições ou
limites. É a liberdade absoluta, livre de causas, por ser a causa de si mesmo. Essa investigação
filosófica se propõe a explicar as causas, o princípio das coisas, principalmente da vontade
humana.

Outro conceito de liberdade desenvolvido ao longo da história da filosofia a


identifica como necessidade, ainda se referindo à ideia central de causalidade. Nesta outra
vertente tem-se deslocado o seu cerne do indivíduo a algo mais geral, um contexto maior que
o engloba e o condiciona. Para essa forma de pensar a liberdade, livres seriam aqueles que se
vinculam de alguma forma com a ordem cósmica, com aquilo que transcende os seus próprios
interesses e vontades. Com sua origem no pensamento desenvolvido pelos estoicos, “a
liberdade consiste na autodeterminação e, portanto, só o sábio é livre.”1 Essa liberdade
irremediavelmente se confundirá com a necessidade do cosmos, entendida como a adequação
à vontade da Divindade, à Natureza, ao Estado.

Essa ideia carrega em si mesmo um aparente paradoxo por assemelhar a


liberdade com a vontade condicionante daquilo que lhe é considerado superior, pelo Absoluto.
Nesse aspecto, esse condicionamento seria especificado segundo o momento filosófico
correspondente, indicando sua semelhança com a Natureza, com Deus e, em alguma instância,
com o Estado (considerada sua natureza no estágio próprio do absolutismo). O aparente
paradoxo se apresenta através do afastamento do livre-arbítrio do centro de exercício da

1
(DIÓG. Liberdade, VII, 121) apud Nicolla.
liberdade, é o afastamento da própria autodeterminação da vontade do indivíduo, frente a
suposta vontade da entidade que o transcende e condiciona sua vontade.

A liberdade pensada como condicionada pelo absoluto é desenvolvida na


pelos idealistas, principalmente por Schelling que entendia que é o Absoluto que age por meio
de cada inteligência, e torna possível a expressão da liberdade. Noutro momento, o autor
transfere para a natureza ou o fundamento de Deus a determinação de todas as suas
inclinações.

Hegel, por sua vez, mantem esse condicionamento da liberdade, mas o


transfere para a figura do Estado, o considerando como o “Deus real”. Cita que o Estado “é a
realidade em que o indivíduo tem liberdade e usufrui, mas só quando o indivíduo é ciência, fé e
vontade do universal. Assim, o Estado é o centro dos outros aspectos concretos da vida: direito,
arte, costumes, bem-estar”2. Mesmo se aproximando de uma ideia de Estado condizente com
o respeito às liberdades individuais, ainda se parece com uma entidade que avança e invade o
espaço do sujeito, não respeitando sua individualidade, mesmo que a pretexto de prover suas
necessidades mais básicas, ainda assim, se parecendo mais com uma divindade, que
estabelece o absoluto, que deve ser observado, sem mediações, do que o Estado que
passaremos a falar a seguir.

A investigação acerca da liberdade vai ganhar essa matiz específica de


causa sui ou autocausalidade até a idade média, passando por todo o período da antiguidade
sem ser deslocada para medida de possibilidade de cada indivíduo ou instituição, o que
somente se verá com formulações filosóficas na modernidade e adiante.

Entretanto, quero dar maior destaque ao terceiro conceito acerca do tema.


Liberdade relacionada à ideia de possibilidade. A liberdade como escolha possível a ser
efetuada pelo homem é a medida do possível.

Nesse terceiro diapasão de entendimento, a liberdade se expressa como


escolha motivada ou condicionada, não mais à vontade considerada superior, nem aos
problemas relacionados à primeira linha de pensamento. É, portanto, aberta uma nova linha
de pensar a liberdade, a fim de que seja determinado o seu conteúdo e o seu exercício, com o
fito de ampliar as chamadas possibilidades.

Na antiguidade, esse conceito de liberdade é abordado por Platão em A


República, quando trata das consequências e possibilidades de ação no mito de Er. Para o
2
HEGEL. Filosofia do Direito. Apud Nicolla. P. 609
autor a liberdade é tratada como justa medida, ou condicionada pelo que é considerado justo.
“Para a virtude, anuncia a parca Láquesis, não existem padrões: cada um terá mais ou menos,
conforme a honre ou a negligencie. Cada um é autor de sua escolha; a divindade está fora de
questão”3. Fica bastante patente que a responsabilidade ou a causalidade das ações é
deslocada do cosmos para a vontade do indivíduo. E é nesse sentido que a liberdade agora
passa a ser caracterizada.

O tema volta a ser pensado na idade moderna, em especial pelos


contratualistas, visto que seria fundamental precisar o conceito de liberdade para, nessa
medida, delinear os contornos do Estado. Hume e Locke tiveram esse cuidado, adotando um
conceito de liberdade que relaciona, por vezes, a vontade de agir e, em certos momentos, as
condições ou não do agir. Investiga-se, portanto, o determinismo dos motivos, tangenciando a
discussão impertinente do livre-arbítrio como causa máxima da vontade.

Para os pensadores dessa fase, a liberdade sofreria sempre


condicionamentos próprios que caracterizariam o ambiente em que se insere o homem e o
contexto onde, por sua vontade, somente tomará decisões se estiverem em conformidade
com as leis naturais, considerando as restrições à realização da vontade humana ao seu
ambiente e aos limites nele implícitos. Mesmo possuindo maior amplitude de decisões ou de
exercício de liberdade, sofrerá com suas próprias incapacidades, sem seu consenso, no tocante
ao seu próprio meio, denominado de Estado natural.

Em sociedade, essa liberdade ou volição pessoal e individual sofrerá outros


condicionamentos, particulares à vida comum, mas que lhe são consensuais. Essas condições
foram mediadas pela participação do indivíduo quando da formulação de um pacto ou
contrato social, onde sua vontade não mais tem prevalência sobre qualquer outro, mas agora
se condiciona à vontade de uma entidade abstrata e com contornos absolutos: o Estado.

É nesse contexto que se fala em liberdade política. Nicolla Abagnano


estabelece que essa liberdade supõe duas condições: “1ª existência de normas que
circunscrevam as possibilidades de escolha dos cidadãos; 2º possibilidade de os próprios
cidadãos fiscalizarem, em determinada medida, o estabelecimento dessas normas.” Mais à
frente assevera que “o problema da liberdade política é um problema de medida: a medida na
qual os cidadãos devem participar da fiscalização das leis e a medida na qual tais leis devem
restringir as possibilidades de escolha dos cidadãos.”4

3
A República, X, 617e, apud Nicolla
4
Abbagnano, Nicolla. Pg. 611
É precisamente nesse ponto que Kant, no texto A Paz Perpétua, preceitua
que a liberdade jurídica ou externa do homem (fazendo oposição à ideia de liberdade interna,
no tocante à volição ou autodeterminação da vontade) seria “a faculdade de não obedecer a
quaisquer leis externas senão enquanto lhes puder dar o meu consentimento”5, ideia essa que
encontra suporte no conceito de igualdade jurídica ou externa, qual seja “a relação entre os
cidadãos segundo a qual nenhum pode vincular juridicamente outro sem que ele se submeta
ao mesmo tempo à lei e possa ser reciprocamente também de igual modo vinculado por ela” 6.

Essas noções parecem ser releituras, até certo ponto, das experiências e
ideias desenvolvidas na política prática dos gregos, mormente quando se rememora a
democracia ateniense, a forma de participação que os homens exerciam nos assuntos de
interesse da polis. Entretanto, há uma grande distinção a ser feita nesses dois períodos. A
primeira deve partir do contexto que notadamente se mostram distintos. No mundo grego
antigo, as relações politicas entre os homens e o que realmente estava em jogo não pode ser
comparado às demandas de um Estado moderno. Enquanto as necessidades e problemas
surgiam e reclamavam aos cidadãos uma decisão de ampla participação, qualquer que ela
fosse vincularia apenas e tão somente um universo bastante restrito e definido de pessoas,
considerados cidadãos, em cuja dependência viviam todos os demais homens. O que era
comum a todos eles ganhava sempre o interesse de todos e a participação individual nesses
assuntos era de vital importância para o destino da cidade. A democracia era efetivamente o
governo de todos e não apenas o que mais tarde vem a ser conhecido ou classificado como
regime de governo, revelando-se precisamente pela participação indireta dos cidadãos no
futuro da coisa pública.

Segundo, que a naquele contexto não foi marcado pelo reconhecimento de


interesses e liberdades individuais em relação ao que é de interesse público. Nota-se,
portanto, que os interesses da polis sempre prevalecer-se-iam sobre os demais, ou, muitas
vez, ocorrendo confusão acerca do que seria realmente interesse pertinente a todos ou a
alguns de maior poder efetivo sobre os demais cidadãos (como se percebe historicamente pelo
ofício dos chamados sofistas).

No Estado moderno esses problemas não ocorrerão, pelo menos não


daquele modo. Os interesses individuais e públicos ganham maior distinção, superando certos
problemas que seriam comuns àquela época, mas imprimindo a cada um novos papeis e

5
KANT, Immanuel. A Paz Perpetua. P. 11
6
Idem Op. Cit. P. 12.
importâncias distintas na vida pública, caracterizando, como nunca antes, a relação entre
Estado e os indivíduos.

Benjamin Constant expressa bem a diferença entre as liberdades dos


antigos e dos modernos, expondo o seguinte:

Conclui-se do que acabo de expor que não podemos mais desfrutar da


liberdade dos antigos a qual se compunha da participação ativa e
constante do poder coletivo. Nossa liberdade deve compor-se do
exercício pacifico da independência privada. A participação que, na
antiguidade, cada um tinha na soberania nacional não era, como em
nossos dias, uma suposição abstrata. A vontade de cada um tinha uma
influência real; o exercício dessa vontade era um prazer forte e
repetido. Em conseqüência, os antigos estavam dispostos a fazer
muitos sacrifícios pela conservação de seus direitos políticos e de sua
parte na administração do Estado. Cada um, sentindo com orgulho o
que valia seu voto, experimentava uma enorme compensação na
consciência de sua importância social.
Essa compensação já não existe para nós. Perdido na multidão, o
indivíduo quase nunca percebe a influência que exerce. Sua vontade
não marca o conjunto; nada prova, a seus olhos, sua cooperação. O
exercício dos direitos políticos somente nos proporciona pequena
parte das satisfações que os antigos nela encontravam e, ao mesmo
tempo, os progressos da civilização, a tendência comercial da época, a
comunicação entre os povos multiplicaram e variaram ao infinito as
formas de felicidade particular.
Concluí-se que devemos ser bem mais apegados que os antigos à nossa
independência individual. Pois os antigos, quando sacrificavam essa
independência aos direitos políticos, sacrificavam menos para obter
mais; enquanto que, fazendo o mesmo sacrifício, nós daríamos mais
para obter menos.7

Somente nas formulações próprias ao Estado moderno e contemporâneo é


que a construção teórica relativa às liberdades individuais foram firmadas a ponto de
influenciar a adequação do Estado, como ente jurídico-abstrato que fornece a proteção a cada
indivíduo e a respectiva sansão aos contumazes que ultrapassam esse condicionamento.

Assim, não mais se diz de liberdade a plena realização da vontade ou dos


próprios interesses, mas sim o cumprimento específico de interesses que encontram respaldo
específico no consenso de todos os demais cidadãos, cujo tutor desse acordo é o próprio
Estado.

7
CONSTANT, Benjamim. Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos.
CONCLUSÃO

Desse modo, entendemos que a maior contribuição dada à construção do


conceito de liberdade que melhor se adequa à demanda atual é realmente atribuída aos
modernos, haja vista que a filosofia contemporânea retomado certos conceitos de liberdade
que não guardam pertinência com as expressões das liberdades públicas.

Cito, à guisa de exemplificação, o pensamento de Sartre acerca do tema,


por retomar o desenvolvimento da ideia de autocausalidade e autodeterminação da vontade
como expressão da liberdade, empregando um conceito que recebe uma impressão própria do
existencialismo, mais se assemelhando com uma ideia de autocriação e expressão ilimitada e
gratuita do ser.

Ideias semelhantes a essas não encaminham a discussão para o


aprofundamento do desenvolvimento do conceito político de liberdade. Contudo, a partir
dessas formulações, têm surgido novas formulações que tentam combinar a ideia liberdade
política com a noção de autocausalidade, fazendo surgir noção de liberdade política com
matizes anarquistas.

As reflexões acerca da evolução do conceito da liberdade são muito


pertinentes, não apenas para que possamos entender como hoje é definida, mas,
notadamente, para ser por nós valorada diante de momentos em que seu conceito possa
sofrer modificações e redundar em perda de seu sentido real para a democracia e a república.

Feitas essas considerações, concluo aduzindo que a liberdade deve ser


entendida como valor máximo de uma democracia, exercida através de meios estratégicos,
garantidos pelo próprio Estado, tais como as liberdades de expressão, de pensamento, de
impressa, de reunião, facultando aos sujeitos de direitos a possibilidade de escolha de se
exprimir por meio dos vários assuntos da vida, quer seja na política, economia, planejamento
familiar, ou mesmo na religião.
BIBLIOGRAFIA

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. 2ª


Ed. - São Paulo : Martins Fontes, 1998.

CONSTANT, Benjamin. DA LIBERDADE DOS ANTIGOS COMPARADA A DOS


MODERNOS. Extraído da internet (sigaa).

KANT, Immanuel. A Paz Perpétua. Um Projecto Filosófico. Tradutor: Artur


Morão. Colecção: Textos Clássicos de Filosofia. Universidade da Beira Interior. Covilhã, 2008.

Sítios no Wikipédia:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Wilhelm_Joseph_von_Schelling

http://pt.wikipedia.org/wiki/Liberdade

http://pt.wikipedia.org/wiki/Mito_de_er

http://pt.wikipedia.org/wiki/Sartre

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