Você está na página 1de 15

As práticas capitalistas e a liberdade negativa de Isaiah Berlin

João Henrique da Silva – 000jhs@gmail.com


2012 - Universidade Estadual de Maringá – UEM (Maringá, Brasil)

Resumo: A elaboração de ferramentas conceituais pelas ciências sociais é uma


prática recorrente, desenvolvida para facilitar a compreensão do objeto social. Ao mediar as
hipóteses implícitas no fundamento teórico visando a observação do objeto social, utilizamos
deste tipo de ferramenta abstrata para selecionar quais fenômenos compreenderemos entre a
multitude de fenômenos de natureza social que presenciamos. Partido do ensaio de Isaiah
Berlin (1969) entitulado “Two concepts of liberty1” propomos o uso da ferramenta conceito aí
apresentada chamada liberdade negativa, enquanto hipótese. Fazemos isto afim de
desenvolvermos um embasamento capaz de compreender aspectos da conotação
idiossincrática dada pela necessidade de autopreservação que legitima a não intervenção na
capacidade individual de acumular, ademais, entendemos ser esta conotação dada ao termo
liberdade necessária à lógica da reprodução do modo de produção capitalista2. Defendemos
que esta conotação centrada na proteção indivídual3 que o termo liberdade ganhou dentro da
ideologia explicitamente liberal e ainda presente na ideologia neoliberal é um condicionante
radical necessário à reprodução da ordem capitalista vigente implícito nas observações destes
e de diversos outros autores.

Palavras-chave: Liberdade negativa, Liberdade positiva, Hipótese, Ideologia.

1
Ensaio publicado originalmente na coletânea de (1969) Four Essays on Liberty. Oxford: Oxford University Press.
2
YAMAUTIi (2010) p.345 A questão da reprodução e da transformação da ordem nome perpectiva marxista.
3
Subentenda-se neste artigo o uso do termo individual, principalmente em sua conotação compreendida pela
liberdade dada à pessoa Jurídica.
1 - O fundamento

Embora oriundas de contextos e bases epistemológicas as quais não serão


compreendidas neste artigo, as digressões4 de, primeiramente Weber (1999) sobre o sentido
atribuído à dominação e o que este sentido significa para os agentes sociais implicados, e num
outro contexto, a compreensão5 paralática de Zizek (2008) que observa a oposicão entre o
Real (abstrato e não noumenal) e o Imaginário é mediada pelo Simbólico indiretamente nos
propõem um questionamento mais aprofundado sobre a problemática do exercício daquilo que
é compreendido dentro do rótulo “Liberdade.” Pretendemos então, com análise desta
dimensão abstrata, expandir o embasamento utilizado para a análise histórica da coação
exercida através das práticas econômicas cujas raizes remontam ao ideário liberal e, ao
observar como tal concepção permeia a ontologia das práticas alienadoras e acumuladoras,
contribuir para o entendimento sobre como tal conotação atribuída ao termo liberdade gera
desdobramentos políticos mais complexos de ordem monetária, industrial, tributária e
financeira. Percebemos implícita em tais práticas orientadas pelo ideário liberal, uma raiz
semântica, orientada por um viés ideológico capaz de repercutir na conduta dos participantes
inseridos na lógica capitalista. Estendemos então a análise ideológica através do embasamento
dado por esta hipótese ao observar o impacto deste condicionate radical de natureza
ideológica ainda pouco estudado e não apropriado pelos estudos focados na crítica ao modo
de produção capitalista. Embora tais práticas já tenham sido estudadas por diversos autores e
utilizando de bases epistemológicas diversas, isto é algo que não será analisado em
profundidade neste trabalho preliminar, por entendermos se tratar de uma observação
demasiado extensa e que requer uma obra maior à parte capaz de compreender tais
desdobramentos político-ideológicos explícitos, ou provavelmente implícitos, em outras
abordagens epistemológicas.

Aqui exploraremos uma abordagem centrada na ferramenta conceitual


liberdade negativa visando uma compreensão das soluções necessárias à manutenção do
poder, sendo este em certa medida, mediado por esta conotação atribuída ao termo liberdade.
Defendemos que o pragmatismo exercitado através destas práticas políticas, enquanto
intermédio racionalizado e possivelmente técnico, atua como instrumento político-ideológico,
manifesto através dos condicionantes históricamente instituídos pelas práticas capitalistas

4
WEBER (1999) p.196 3-Dominação por meio de “organização”. Fundamentos da validade da dominação.
5
ZIZEK (2008) p.34. 1-O sujeito, esse “judeu circuncidado interiormente” e 3-O Peso insuportável de ser merda
divina.
alienadoras e acumuladoras nomeadamente liberais e neoliberais. Com tal embasamento,
futuros estudos, poderão observar seus possíveis desdobramentos nas macro ontologias
monetárias, industriais, tributárias e financeiras legitimadas pelos Estados coniventes com a
coação dada pela lógica capitalista. Defendemos aqui que o exercício das soluções político-
ideológicas manifestas através dos condicionantes históricamente instituídos pelas práticas
alienantes características do modo de produção capitalista e legitimadas pelos Estados
coniventes com coação capitalista, devem, ao serem analisadas, levar em conta este
condicionate radical de natureza ideológica descrito por Berlin. Este condicionante, aqui
compreendido como hipótese orientadora implícita nas soluções político-ideológicas
exercitadas através das práticas características do modo de produção capitalista pode ser
compreendido, na análise de seu processo histórico, através das práticas políticas orientadas
por essa dimensão ideológica abstrata. Esta dimensão abstrata, compreendida pela possivel
conotação negativa atribuída ao termo liberdade, que é o tema tratado neste artigo; tais outras
dimensões subsequentes, previstas ou não, poderão ser objeto de estudos futuros embasados
nesta compreensão.

Para tanto, propomos a conceituação e utilização da ferramenta conceitual


liberdade negativa enquanto hipótese e, a partir, daí pretendemos extender esta análise, afim
de compreendermos as possíveis funções que esta hipótese poderá vir a exercer dentro da
análise das práticas capitalistas. Para construirmos esta compreensão do possível uso deste
condicionante radical nas interpretações da realidade providênciadas pelas ciências sociais,
utilizaremos a matriz6 analítica desenvolvida por José D’assunção Barros (2008), que nos
providencia uma orientação sobre as funções da hipótese na pesquisa e no desenvolvimento
do conhecimento científico com especial ênfase nas funções que a hipótese exerce nas
ciências humanas.

6
BARROS (2008) p.153 Quadro 1 – Funções da Hipótese na pesquisa e no conhecimento científico.
2 - Os conceitos de liberdade positiva e liberdade negativa segundo Isaiah Berlin.

No ensaio “Two concepts of liberty” o Berlin disserta sobre duas conotações


distintas e diametralmente opostas que podem ser atribuídas ao termo liberdade.
Primeiramente observemos a conotação chamada de positiva, e as práticas que este rótulo
abarca. Segundo o autor:

For it is this, the ‘positive’ conception of liberty, not freedom


from, but freedom to – to lead one prescribed form of life – (…) The posive sense
of the word ‘liberty’ derives from the wish on the part of the individual to be his
own master. I wish my life and decisions to depend on myself, not on external forces
of whatever kind. I wish to be the instrument of my own, not of other men's, acts of
will. I wish to be a subject, not an object; to be moved by reasons, by conscious
purposes, which are my own, not by causes which affect me, as it were, from
outside. I wish to be somebody, not nobody; a doer - deciding, not being decided
for, self-directed and not acted upon by external nature or by other men as if I were a
thing, or an animal, or a slave incapable of playing a human role, that is, of
conceiving goals and policies of my own and realising them. This is at least part of
what I mean when I say that I am rational, and that it is my reason that distinguishes
me as a human being from the rest of the world. I wish, above all, to be conscious of
myself as a thinking, willing, active being, bearing responsibility for my choices and
able to explain them by reference to my own ideas and purposes. I feel free to the
degree that I believe this to be true, and enslaved to the degree that I am made to
realise that it is not.

The freedom which consists in being one's own master, and the
freedom which consists in not being prevented from choosing as I do by other men,
may, on the face of it, seem concepts at no great 'negative’ notions of freedom
historically developed in divergent directions, not always by logically reputable
steps, until, in the end, they came into direct conflict with each other. (BERLIN
1969, pg.8).

Partindo desta observação, percebemos na compreensão do autor argumentado


sobre a conotação positiva que pode ser atribuída ao termo liberdade, um esforço ao focar os
aspectos relativos ao exercício da possibilidade de ser algo previamente idealizado; para além
das pulsões mais simples características dos seres humanos, o exercício da liberdade enquanto
valor positivo se dá através do exercício das possibilidades existentes para os indivíduos numa
determinada conjuntura, cuja repercussão na dimensão social pode, de alguma maneira,
transpassar a ontologia dada pela necessidade de uma área mínima de não intervenção externa
nas liberdades individuais. Essa liberdade, compreendida enquanto exercício de
possibilidades, é característica enquanto prática política, por explícitamente exceder a
complexidade da problemática existente na ontologia da preservação da individual. Tal
característica será observada adiante, ao ilustrarmos a diamentralmente oposta conotação
negativa, atribuível ao termo liberdade. Esta transpessoalidade se dá na medida em que esta o
exercício da liberdade enquanto valor positivo transpõe o limite interpessoal e abre margem
para uma coação que afeta outros indivíduos, sujeitos ao exercício desta liberdade de, por
exemplo: intervir na conduta ou propriedade alheia. Exercício esse oriundo de vontades
humanas exteriores às do indivíduo coagido, reais e racionalizadas por outrem ou por algum
grupo de pressão.

Ao tomar a liberdade de exercitar uma possibilidade, cujo impacto


provavelmente afetará outros indivíduos, observamos algo diametralmente diferente da
possível conotação negativa que apropriamos em nossa análise e que pode ser atribuída ao
termo liberdade . Segundo a análise de Berlin7 esta conotação pode ser compreendida como
um condicionante radical para o ideário liberal e para a subsequente manifestação das práticas
capitalistas. Na conotação negativa vemos a liberdade compreendida como um instrumento
de conservação da ontologia compreendida pela àrea mínima de liberdade pessoal que deve
ser garantida pelo Estado e que preocupava, segundo Berlin, os contratulistas britâncos
clássicos; sobre a conotação negativa atribuída ao termo liberdade, o autor alega que:

I am normally said to be free to the degree to which no man or body of men


interferes with my activity. Political liberty in this sense is simply the area within
which a man can act unobstructed by others. If I am prevented by others from doing
what I could otherwise do, I am to that degree unfree; and if this area is contracted
by other men beyond a certain minimum, I can be described as being coerced, or, it
may be, enslaved. (…) By being free in this sense I mean not being interfered with
by others. The wider the area of non-interference the wider my freedom.
This is what the classical English political philosophers meant when they used this
word. They disagreed about how wide the area could or should be. They supposed
that it could not, as things were, be unlimited, because if it were, it would entail a
state in which all men could boundlessly interfere with all other men; and this kind
of 'natural' freedom would lead to social chaos in which men's minimum needs
would not be satisfied; or else the liberties of the weak would be suppressed by the
strong. Because they perceived that human purposes and activities do not
automatically harmonize with one another, and because (whatever their official
doctrines) they put high value on other goals, such as justice, or happiness, or
culture, or security, or varying degrees of equality, they were prepared to curtail
freedom in the interests of other values and, indeed, of freedom itself. For, without
this, it was impossible to create the kind of association that they thought desirable.
Consequently, it is assumed by these thinkers that the area of men's free action must
be limited by law. But equally it is assumed, especially by such libertarians as Locke
and Mill in England, and Constant and Tocqueville in France, that there ought to
exist a certain minimum area of personal freedom which must on no account be
violated; for if it is overstepped, the individual will find himself in an area too
narrow for even that minimum development of his natural faculties which alone
makes it possible to pursue, and even to conceive, the various ends which men hold
good or right or sacred. It follows that a frontier must be drawn between the area of
private life and that of public authority. Where it is to be drawn is a matter of
argument, indeed of haggling. Men are largely interdependent, and no man's activity

7 BERLIN (1969) p. 1, 4, 6 e 7.
is so completely private as never to obstruct the lives of others in any way.
(BERLIN 1969, pg.3).

Podemos então observar como nesta tênue “fronteira que deve ser traçada entre
a àrea da vida privada e aquela da autoridade pública” reside o limiar ontológico das duas
possíveis conotações que podem ser atribuídas ao termo liberdade que estão sendo discutidas
aqui. E defendemos que reside aí o núcleo-duro abstrato capaz de orientar a conduta liberal e
seus desdobramentos enquanto base das práticas capitalistas. Resumidamente, a liberdade
positiva pode ser compreendida como: possibilidade, liberdade para exercitar uma
possibilidade e consequentemente manifestar alguma coação ou influência sobre outrem;
enquanto que a liberdade negativa pode ser compreendida como: preservação, liberdade para
se preservar de alguma influência externa oriunda da possibilidade que existe para outrem.
Para além da concepcão maniqueísta destas concepções diametralmente opostas, vemos como
a apropriação implícita daquilo que pode ser compreendido através dos conceitos acima
apresentados, manifesta possíveis contradições causadas pela possível compreensão
reducionista dada pela mudança de perspectiva causada pelas diferentes análises ontológicas.
3 –Contradições e generalizações

Extendendo a análise destes conceitos, analisaremos possíveis contradições


dadas pela generalidade dos termos cunhados acima. Alegamos, de maneira reducionista, que
a ontologia da liberdade negativa pode existir dentro da ontologia liberdade positiva, na forma
de luta pela sobrevivência coletiva. Alegamos também que o contrário não seja perfeitamente
possível. Este não se dá por completo por não podermos reduzir a complexidade ontológica
dada pelos condicionantes presentes em ambas à uma lógica intrínseca comum. A mínima
diferença enextinguivel presente na conotação negativa reside numa complexidade que atende
às exigências da ontologia individual e, em certa medida e em íltima instância, negligência o
impacto desta sobre outrem. Ao se exercitar esta conotação negativa atribuída ao termo
liberdade, em última instância se prefere a conservação da dita mínima área de influência
essencial para evitar-se a alegada descaracterização da natureza humana. Diferentemente, na
conotação positiva, vemos algo ontológicamente diverso na medida em que esta supera as
exigências da ontologia individual ao legitimar a proatividade da interferência externa
justificada por uma cadeia lógica de causa e efeito que leva em conta exigências de ordem
tanto individual quanto coletiva. Devido à este caráter generalista com compreende o
indivíduo como compenente da coletividade e que exige algo deste, afirmamos que a
liberdade, enquanto valor positivo é ontológicamente irredutível às exigências dadas pelos
condicionantes existentes na lógica que responde aos imperativos dados pela lógica da
preservação manifestos no exercício da liberdade enquanto valor negativo; isto se dá,
fundamentalmente, por estas manifestações atenderem à necessidades políticas divergentes. A
compreensão dada pelo conjuto de condicionantes que se pretende conservar, a ética que
emerge das duas ontologias, difere na medida em que preserva-se algo diferente. Por agirem
ao preservarem ontologias diferentes: o indivíduo8 é preservado frente alguma forma de
colaboração exigida pelos imperativos de uma ontologia (social) mais abrangente. Esta outra
ontologia demanda de seus partícipes, o exercício da liberdade enquanto valor positivo, afim
de se sustentar, e daí emerge uma ética orientada por imperativos mais abrangentes e
fundamentais. O argumento acima encontra seu limite ao ter de levar em conta o momento da
escolha entre a preservação individual e a coletiva, vivida pelo indivíduo participando
simultâneamente nas ontologias individual e coletiva.

8
E levem em conta aí também as pessoas jurídicas, Estados e outras organizações que gozam de direitos
semelhantes.
O raciocício contrário, que foca a possibilidade de se reduzir o exercíco da
liberdade enquanto valor positivo através do exercício da liberdade enquanto valor negativo é
válido apenas com grandes ressalvas capazes de descaracterizarem os fundamentos do
exercício da liberdade enquanto valor positivo. Na medida em que o exercício da liberdade
enquanto valor positivo é mediado pela percepção de seus agentes políticos e que este valor se
mostra na medida em que estes agentes exercitam suas pulsões políticas, aí reside implícita a
lógica necessidade de alguma medida de sobrevivência para o grupo que enverga tal projeto
político não suicida9 e que pretende instituir determinadas possibilidades reais acumuladas por
outros grupos ou indivíduos. Em suma, fora o caso do suicídio altruísta, ao mesmo tempo, o
indivíduo/grupo que enverga a liberdade enquanto valor positivo, necessita da preservação
garantida pela não interferência em seu projeto político. Portanto defendemos que reside aí
ama contradição centrada na conotação negativa atribuída ao termo liberdade na medida em
que esta instrumentaliza a preservação do grupo que leva adiante o exercício político das
possibilidades reais que, quando conquistadas, instituem, em certa medida, a interferência
evitada pela conotação negativa atribuída ao termo liberdade. Tal contradição característica
do processo político, pode ser compreendida como manifestação da emergênca da
necessidade de um salto ontológico recorrente no processo histórico do conflito entre os
grupos humanos e, que de maneira implícita, pode ser ilustrada pelos momentos de
“aceleração evolutiva” e “atualização histórica” presentes na epistême da obra “O processo
civilizatório10” de Darcy Ribeiro (2000) que não observa explicitamente11 o processo histórico
nesta dimensão de conflito ideológico, mas contribui para a compreensão ao ilustrar a
dinâmica do exercício das possibilidade técnico-científicas vividas pela civilizaçao humana
em sua sucessao de paradigmas. Esta obra que foca nas manifestações técnico-científicas que
geraram novas possibilidades, sintomáticas das condições reais dadas pelo avanço técnico-
científico dos povos em seu processo histórico, mostra como determinadas novas relações de
poder entre grupos humanos detentores de determinadas soluções técnico-científicas atuaram
nos processos de regressão e progressão civilizatório e mediaram (na medida em que
instituiram e exercitaram) tais possibilidades existentes para os numerosos casos analisados.
Compreendemos que estas são macro manifestaçaões do exercício das liberdades e

9
Que nos sugere uma leitura comparada frente a compreensão Durkheimiana do fato social suicídio.
10
RIBEIRO (2000) p. 26-34
11
Ao construir sua teoria da evolução sociocultural, Darcy Ribeiro observa a emergência de formas
imperialistas de cunho neocolonial conflitando com formas socialistas evolutivas e revolucionárias num conflito
que, em sua dimensão ideológica, implicitamente utiliza das duas conotações dadas ao termo liberdade
discutidas acima.
possibilidades dadas pelas condições históricas reais providênciadas pelo processo histórico
de avanço humano no controle das forças naturais.

Finalizando por hora as generalizações e retomando às contradições, notamos


que ao se usar da liberdade enquanto valor positivo para sustentar um exercício político
calcado na conotação negativa, como foi acima citado, tal projeto se contradiz
ontológicamente na medida em que se sustenta no reducionismo que coloca a complexidade
da conotação conservadora negativa (que em última instância de desdobrará para garantir a
permanência da mínima àrea necessária à preservação da ontologia individual) acima da mais
abrangente conotação positiva (que em suas últimas instâncias poderá se desdobrar afim de
garantir as possibilidades supra-pessoais reais que, ao coagirem outrem, de alguma maneira
poderão atender ao imperativo das necessidades coletivas). Tal demagogia se sustenta ao
resignificar-se o mais abrangente denominador comum presente nos desdobramentos do
exercício positivo da liberdade, afim de implicita e contraditóriamente, apelar para a
preservação individual, virtualmente ameaçada, como fim último. Vemos este processo12 de
ressignificação na alegação liberal que compreende a suposta aplicação do Estado mínimo,
preservador das liberdades individuais, como o melhor instrumento para a construção do bem
estar coletivo. Tal compreensão reducionista é falaciosa pelos motivos expostos acima pois
age ao interpretar as necessidades oriundas da preservação da ontologia coletiva como mero
generalização das necessidades oriundas dos imperativos da preservação da ontologia
individual; ao agir assim, esta interpretação omite sinergias e relações causais mais complexas
implícitas no objeto mais complexo que é a ontologia coletiva (composta pelas ontologias
individuais e por todas as possíveis relações entre elas, ambas sujeitas e respondendo, em
escalas diferentes à mesma realidade, limitada pela compreensão da realidade dada por seus
paradigmas). Neste processo de ressignificação a complexidade das ontologias individual e
coletiva não é propriamente compreendida e ambas acabam impropriamente misturadas ao se
utilizar de tal demagogia para se preservar o ideário liberal. Ao se projetar na ontologia
coletiva, os imperativos que atendem à preservação das liberdades (negativas) individuais,
cometemos uma falácia ontológica reducionista que analisa os imperativos exigidos pela
preservação (positiva e transpessoal) da ontologia coletiva enquanto meras generalizações dos
imperativos exigidos pela preservação da ontologia individual (negativa em última instância);
tal equívoco se dá ao invés da interpretação capaz de analisar os imperativos exigidos pela

12
PANITCH, Leo.; GINDIN, Sam (2004) analisam relação entre a indústria financeira Estadunidense e a
política interna/externa e observa uma ressignificação impondo a agenda da indústria financeira enquanto
condicão para os alívios causados pela baixa oferta de crédito na economia.
preservação (positiva e transpessoal) da ontologia coletiva enquanto práxis da manutenção de
uma ontologia diferente, mais complexa e abrangente. O indivíduo é o que é, apenas um
indivíduo; da mesma maneira a coletividade é o que é, uma coletividade; logo a complexidade
ontológica da coletividade não pode ser reduzida aos imperativos menos complexos de ordem
individual sob o risco de se descaracterizar a coletividade ao individualizá-la. Tal concepcão
somente será verdadeira se a realidade social se mostrar naturalmente antropomórfica,
totemista, em última instância.

4 – Hipótese13 geral da liberdade negativa enquanto núcleo-duro da


ideologia liberal:

Partindo de tais obserções aprofundaremos o embasamento utilizável para a


compreensão do exercício da liberdade enquanto valor negativo em sua correlação com a
ideologia liberal e com as suas consequentes práticas capitalistas e afim de embasarmos uma
utilização mais aprofundada do possível uso do conceito liberdade negativa enquanto núcleo-
duro orientador das práticas liberais vigentes no modo de produção capitalista, usaremos a
matriz analítica proposta por Barros afim de analisarmos as possíveis utilizações desta
conotação enquanto hipótese:

H0 – A conotação negativa atribuída ao conceito liberdade não atua como


condicionante fundamental no exercício das práticas econômico-políticas orientadas pela
ideologia liberal.

H1 – A conotação negativa atribuída ao conceito liberdade atua como


condicionante fundamental no exercício das práticas econômico-políticas orientadas pela
ideologia liberal.

Segundo Barros14, as hipóteses podem exercer as seguintes funções:

Função 1: Norteadora, manifesta quando a hipótese age “fixando finalidades


relacionadas a etapas a serem cumpridas durante a pesquisa” e “implica em procedimentos
metodológicos específicos” os quais, no caso específico da nossa hipótese impõem a

13
À ser refutada em futuros estudos.
14
BARROS (2008) p.153 Quadro 1 – Funções da Hipótese na pesquisa e no conhecimento científico.
necessidade de utilizarmos um método interpretativo e comparativo entre obras teóricas de
diferentes bases epistemológicas que, indiretamente compreenderam o exercício das práticas
econômico-políticas orientadas pelas conotações atribuíveos ao termo liberdade analisadas
acima e exige a construção de etapas de estudo coerentes com a dimensão objeto selecionado.

Função 2: Delimitadora, manifesta nos imperativos do recorte que agem ao


“restringir o campo de pesquisa” e que impõem um recorte ao tema se mostra uma tarefa
particularmente difícil no caso deste estudo preliminar. Sugerimos uma abordagem que
observará, numa perspectiva interpretativa e comparativa, práticas políticas orientadas por
bases epistemológicas divergentes. Tal situação pode ser resolvida, em parte, através da
análise de estudos de caso observando o processo de tomada de decisão ocorrido em casos
reais bem documentados; o estudo histórico da normatização e legislação que sustenta tais
práticas liberais, acompanhado de análise de discurso dos atores políticos, enquanto guia de
estudo de caso, pode servir como um ponto de partida.

Função 3: Interpretativa, que atua ao “propor uma possível solução para o


problema investigado” algo que, em certa medida, já foi executada acima na análise
preliminar da incompatibilidade ontológica ilustrada na análise do exercício das duas
possíveis conotações atruibídas ao conceito liberdade sugeridas por Berlin, seus
desdobramentos e possíveis interpretações reducionistas.

Função 4: Argumentativa, que atua ao “desencadear inferências e funcionar


como ponto de partida para deduções” atuando como “encaminhamento do processo
hipotético-dedutivo de raciocícnio” que, novamente, em certa medida, já foi executada acima
na análise preliminar da generalizações e contradiçoões implícitas ilustradas pela análise do
exercício das duas possíveis conotações atruibídas ao conceito liberdade sugeridas por Berlin,
seus desdobramentos e possíveis interpretações reducionistas.

Função 5: Complementadora, que atua ao “preencher lacunas no


conhecimento” e age “ao propor explicações provisórias”; promissora função oriunda da
nossa hipótese, esta se calca na possibilidade de se analisar o desenvolvimento histórico
através dos pressupostos dados por esta hipótese que permite-nos observar e extressar o
impacto deste condicionate radical de natureza ideológica ainda pouco estudado e não
apropriado pelos estudos focados na crítica ao modo de produção capitalista.
Função 6: Multiplicadora, que “Se potencialmente generalizável, (age ao)
permitir uma aplicabilidade adaptada a outras pesquisas” “possibilitando, desta forma, o
avanço ou o enriquecimento do conhecimento científico”, função já manifesta de maneira
implícita nas funções 2, 3, 4 e 5.

Função 7: Unificadora, que atua ao “Organizar ou unificar conhecimentos já


adquiridos” através de “inclusive através de generalizações construídas através de
‘uniformidades empíricas’ que tenham sido eventualemnte verificadas em pesquisas
diversas”. Coloca a possibilidadede um resultado mais abrangente e aceitável para uma
pesquisa que pretende observar um condicionate radical de natureza ideológica ainda pouco
estudado. Se trata de uma “costura” capaz de realizar tal organização compreendendo
fundamentos dados por este tipode condicionate radical de natureza ideológica, capaz de
orientar uma conduta política historicamente analisável através de suas manifestações
mediadas pelas possibilidades reais exercitadas por grupos humanos que envergam, em
diferentes situações, as conotações negativa e positiva atribuíveis ao termo liberdade.

5 – Conclusão

As observações de Berlin sobre as duas possíveis contoções atribuíveis ao


termo liberdade são um ponto de partida rico para uma observação das ideologias que
sustentam o planejamento e a prática política. Tais observações nos permitem uma abordagem
compreensiva de fundamentos explícitos na ideologia política liberal e ainda presentes no
ideário neoliberal. Partindo deste embasamento poderemos estender as bases para uma
interpretação crítica da influência deste condicionante radical necessário à reprodução da
ordem capitalista vigente implícito nas de diversos outros autores, trabalho à ser realizado
tendo como foco mínimo as dimensões ideológica e, subsequentemente, com a análise desta
dimensão abstrata, poderemos expandir o compreensão necessária para a análise histórica da
coação exercida através das práticas econômicas cujas raizes remontam ao ideário liberal. Ao
observar como tal concepção permeia a ontologia das práticas alienadoras e acumuladoras,
possivelmente compreenderemos melhor como tais práticas geraram os desdobramentos
políticos mais complexos de ordem monetária, industrial, tributária e financeira vigentes no
atual capitalismo globalizado. Como alegado acima, vemos, em tais práticas orientadas pelo
ideário liberal, uma raiz semântica, criadora de um viés ideológico capaz de orientar a
conduta dos participantes inseridos na lógica capitalista. Percebemos então a necessidade de
estenderemos a análise ideológica através do embasamento dado por esta hipótese ao
conceituar e especular sobre o impacto deste condicionate radical ainda pouco estudado e não
apropriado pelos estudos focados na crítica ao modo de produção capitalista; pretendemos
assim gerar uma análise capaz de compreender o subsequente impacto político-científico de
decisões orientadas por este tipo de viés semântico implícito nesta dimensão político-
ideológica da atividade humana;contribuímos então, na medida em que esta análise visa a
compreensão e utilização política daqueles conjuntos de práticas que, sob diferentes
perspectivas15, podem ser chamados de “Liberdade”.

15
A visão em Paralaxe, surge novamente como referência para possíveis estudos futuros.
BIBLIOGRAFIA

BERLIN, Isaiah. (1958) Two Concepts of Liberty. In: Isaiah Berlin (1969) Four Essays on
Liberty. - Oxford: Oxford University Press. Disponível, na data de 14/10/2012, em
http://www.wiso.uni-
hamburg.de/fileadmin/wiso_vwl/johannes/Ankuendigungen/Berlin_twoconceptsofliberty.pdf

YAMAUTI, Nilson. Nobuaki. (2010) A questão da reprodução e da transformação da


ordem numa perspectiva marxista. In: (2010) Teorias e pesquisas em Ciências Sociais.
Simone Pereira da Costa Dourado e Walter Lúcionde Alencar Praxedes (organizadores).
Maringá: Eduem.

WEBER, Max. (1999) Economia e sociedade: fudamentos da sociologia compreensiva /


Max Weber; tradução de Regis barbosa e Karen Elsabe Bardosa; Revisão técnica de Gabriel
Cohn – Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília : São Paulo : Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 1999. 586 p.

ZIZEK, Slavoj. (2008) A Visão em Paralaxe / Slavoj Zizek, tradução de Maria Beatriz de
Medina. – São Paulo : Boitempo.

RIBEIRO, Darcy. (2000) O Processo civilizatório : estudos de antropologia da civilização


: etapas da evolução sociocultural / Darcy Ribeiro. – São Paulo : Companhia das Letras ;
Publifolha, 200. – (Grandes nomes do pensamento brasileiro).

PANITCH, Leo.; GINDIN, Sam (2004) As Finanças e o Império Estadunidense. In:


Socialist Register 2005 : O império reloaded / edición literária de: Leo Panitch y Colin Leys –
1a ed. – Buenos Aires : Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, CLACSO, 2006.

RUDE, Cristopher (2004) O Papel da Disciplina Financeira na Estratégia Imperial. In:


Socialist Register 2005 : O império reloaded / edición literária de: Leo Panitch y Colin Leys –
1a ed. – Buenos Aires : Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, CLACSO, 2006.

BOURDIEU, Pierre. (1998) A essência do neoliberalismo. In: Le Monde


Diplomatique publicado originalmente em Le Monde Diplomatique em março de 1998, que
autorizou tradução e publicação. Tradução, do francês, de Marcos Bernardino de
Carvalho; revisão da tradução por Silvia Helena Simões Borelli e Júlio Pimentel Pinto.
Disponível na data de 14/10/2012 em: http://infoalternativa.org/teoria/teo007.htm e o original
em http://www.monde-diplomatique.fr/1998/03/BOURDIEU/10167

Você também pode gostar