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Do Arena ao Ato Institucional Nº 5

Mariangela Alves de Lima

Há conceitos variáveis, no tempo e no espaço, revestidos pela palavra “grupo” e os


recortes cronológicos são, antes de tudo, convenções adotadas por historiadores e
críticos como instrumentos para abordar um campo semântico expandido. Para a
historiografia do teatro, por exemplo, o ano de 1958 tornou-se um marco consagrado
porque a encenação da peça Eles Não Usam Black-Tie, pelo Teatro de Arena de São
Paulo, dramatizou os dilemas do operariado brasileiro. Embora útil para identificar um
ponto de mutação estético, a fronteira cronológica não se ajusta às transformações
ocorridas na organização da produção teatral. Liderado por jovens sintonizados com a
esquerda nacionalista, o Arena apresentava-se, nas reflexões que vieram a público no
fim desse decênio, como um coletivo designado pelo pronome “nós”.

Sábato Magaldi, crítico e historiador que acompanhou o Arena desde o início,


sintetizaria, anos mais tarde, a transformação da companhia em grupo: “De uma
espécie de TBC pobre, ou econômico, o grupo evoluiu, para converter-se em porta-voz
das aspirações de fins dos anos 50”. Embora funcionasse sob a ordenação jurídica de
empresa teatral, contratando funcionários e amealhando um parco capital para produzir
espetáculos, o Arena amalgamava-se em torno de um ideário de esquerda. Esse
acontecimento, de ordem íntima e extra-artística, deveria se tornar público através da
arte. A identidade entre pessoas com diferentes atribuições na economia da cena
(dramaturgos, técnicos, atores), mas todas preocupadas com a “função da arte”, seria
um denominador comum nas dezenas de conjuntos amadores e profissionais que, em
todo o país, se constituíram sob a inspiração do Arena. No lugar do pronome da
segunda pessoa instalou-se o vocábulo “grupo” nos textos escritos em meados dos
anos de 1960.

Ao mesmo tempo, outra forma transicional da empresa implantava-se no cenário


paulistano, também com conseqüências futuras sobre a organização do teatro brasileiro.
Tendo se profissionalizado em 1958 como companhia, o Teatro Oficina de São Paulo
começava por redefinir o teatro de equipe por uma frase de impacto: “É preciso que nos
transformemos para sermos transformados. E é preciso que nós sejamos transformados
para podermos transformar”. Em vez de agrupar-se sob a égide de um ideário político
comunista ou socialista, o Oficina prefigurava, ainda de modo inconsciente, uma forma
de associação em que o ideário coletivista tem um fundo comportamental. Desse modo,
o conceito de grupo inclui operações sobre a esfera da subjetividade. Em 1961, pela
primeira vez se autodenominando “grupo”, o Oficina repudiava o teatro de instrução
porque, afirmava, não queria fazer “um catecismo tacanho”.

Delineados aqui com traço grosso, os dois tipos de grupo foram modelares ou
encontraram, na cena brasileira, correspondentes fraternais. O Arena, primeiro conjunto
a refletir sobre identidade e organização dos coletivos artísticos mostrou que o grupo
pode formar e incluir todas as funções da cena: dramaturgo, diretor, cenógrafo, músico
e atores, desde que unidos por um propósito comum. Além disso, morte e ressurreição
estética serão os motivos recorrentes do Oficina. O Ato Institucional Nº 5, em dezembro
de 1968, reconhecerá no conceito de “grupo teatral” a fagulha insurgente que
efetivamento o anima. Mas, então, um pouco mais longe, ergue-se outra labareda.

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