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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

FACULDADE MINEIRA DE DIREITO

Disciplina: Direito Processual Penal - Inquérito, Prisão e Provas


Período: 6º / Manhã
Professor (a): José de Assis Santiago Neto
Alunos (as): Beatriz Joana Ferreira Lourenço e Gleysa Marília Santos Rodrigues

A persistência da visão inquisitorial no Processo Penal Brasileiro

“Mas o que devo confessar?” “Me diga qual é a verdade!”. Essas falas foram
retiradas respectivamente do livro “O nome da Rosa”, de Umberto Eco, e do filme “Sombras
de Goya”, produzido por Saul Zaentz. Ambas se conectam na medida em que possuem o mesmo
plano de fundo: o Sistema Inquisitorial e a sua busca pela mítica verdade real.

Durante a Baixa Idade Média (1088 - 1453), se desenvolve a Inquisição


Eclesiástica, tendo em vista que os Reis necessitavam de poder político, enquanto a Igreja
precisava de poder bélico para perseguir os dissidentes, razão pela qual formam uma aliança.
Nesse sentido, o IV Concílio de Latrão, ocorrido no ano de 1215, determina que as funções de
investigar, acusar e julgar fossem aglutinadas nas mãos do inquisidor e que a confissão seria a
“rainha das provas”.

Diante desse cenário, o braço forte da Igreja Católica era a Inquisição, por meio do
qual se buscava a verdade em sua essência, conseguida com a confissão do acusado após um
longo tempo de tortura. Entretanto, esse modelo fadado ao fracasso, nem sempre conseguia
chegar ao seu objetivo final (a verdade real), pois muitos dos torturados confessavam crimes
ou heresias que não haviam cometido, apenas para cessar aquela aflição.

Esse aspecto é demonstrado no livro outrora citado, quando o despenseiro Remigio


assume ter cometido determinados crimes apenas para não ser submetido à tortura, se
relacionando, inclusive, com a fala de Goya no filme mencionado: “E se meu medo da tortura
for maior que o meu temor à Deus?”.

Outrossim, ainda como demonstração da ineficácia e injustiça da tortura, o filme


exibe uma cena em que o genitor de Inês coloca o Padre Lorenzo, principal Inquisidor
responsável pela tortura de sua filha, para confessar algo absurdo mediante tortura. E, mesmo
após este ter afirmado que o temor a Deus impediria o indivíduo de fazer uma falsa confissão,
pois se a pessoa fosse inocente, Deus lhe daria forças para suportar a dor, Padre Lorenzo realiza
a “confissão” para se livrar dela.

Ante o exposto, tem-se o Sistema Inquisitorial, incrustado com o mito da verdade


real e baseado na gestão probatória nas mãos de um juiz parcial, ausência de uma separação nas
funções de acusar e julgar, desigualdade de armas e oportunidades, além de inexistência de
contraditório pleno.

Em se tratando do Brasil, esse modelo também foi adotado e consiste na base do


Código Processual Penal Brasileiro de 1941. Isso pode ser constatado em alguns dispositivos
da referida norma, como por exemplo, o antigo art. 187 (já revogado pela Lei nº 10.792, de
2003), que estabelecia a impossibilidade de intervenção por parte da defesa no interrogatório
do acusado. Dessa maneira, era ato exclusivo do juiz, o que poderia permitir a elaboração de
perguntas à moda do Inquisidor Medieval, ou seja, “de tal modo que só pudesse responder sim
ou não, tornando-se incapaz de mentir” (ECO, 2019, pág. 412). Importante destacar que em
caso de silêncio, este poderia constituir elemento para a formação do convencimento do juiz
(art. 198, revogado tacitamente pelo parágrafo único do art. 186, o qual foi introduzido pela Lei
nº 10.792/2003)

A citada Lei de dezembro de 2003 consistiu em uma das reformas do CPP propostas
por juristas e ministros brasileiros, frente a Constituição de 1988, que estabeleceu um Sistema
Acusatório, isto é, marcado pela separação clara entre as atividades de acusar e julgar, iniciativa
probatória das partes, juiz como terceiro imparcial e possibilidade de contraditório e ampla
defesa. Desse modo, se buscava instituir um Processo Penal como um instrumento de garantia
dos direitos fundamentais do indivíduo, o qual tem a sua inocência presumida, diferentemente
da Inquisição Eclesiástica-Estatal, onde vigorava a presunção de culpa do réu.

Não obstante a realização dessas reformas, o princípio inquisitivo ainda tem grande
influência no Direito Processual Brasileiro, por conta das mentalidades inquisitoriais dos
aplicadores do Direito. A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu texto uma estrutura
acusatória, uma vez que dispõe que ao Ministério Público cabe a função de acusar, assegura ao
acusado o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, além de dispor
sobre a imparcialidade do julgador. Contudo, na prática, conforme Aury Lopes Junior (2022),
a mentalidade inquisitória faz com que se resista a essa estrutura acusatória, principalmente por
conta do mito da “busca da verdade real” e pelo anseio pelo juiz justiceiro, que faça justiça
mesmo que o acusador não produza provas suficientes.

Por essa razão, Aury Lopes Junior (2022) diz que é necessária uma mudança de
cultura pelos julgadores e por todos os atores do judiciário, abandonando o pensamento
inquisitório e assumindo uma postura acusatória.
REFERÊNCIAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Brasília, DF: Presidência da República, [2022]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 12 out. 2022.

ECO, Umberto. O nome da Rosa. São Paulo: Record, 2019, pág. 407 – 427.

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal.19. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2022.

SOMBRAS de Goya. Direção: Miloš Forman. Produção: Saul Zaentz. Espanha: Kanzaman
S.A.l, 2006 (113 min), son., color.

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