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PALESTRA

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DOENÇAS BACTERIANAS EM HORTALIÇAS

Luiz Otávio Saggion Beriam

Instituto Biológico, Centro Experimental do Instituto Biológico


Campinas, SP, Brasil.
E-mail: beriam@biologico.sp.gov.br

Há um grande número de doenças bacterianas em agroquímicos registrados para as diferentes cultu-


hortaliças, muitas das quais limitantes para o desen- ras. Há registros de quatro formulados comerciais
volvimento da cultura. Algumas dessas bactérias contendo antibióticos de uso agrícola, sendo eles a
estão presentes praticamente em todas as hortaliças. Agri-Micina (oxitetraciclina 1,5% + estreptomicina
Por exemplo, bactérias do gênero Pectobacterium (sin.: 15%); o Agrimaicin 500 (oxitetraciclina 3% + sulfato
Erwinia),responsáveis por quadros de “podridão de cobre 40%); o Hokko Kasumin (casugamicina 2%)
mole”, “talo oco” e “canela preta” já foram relacio- e o Mycoshield (oxitetraciclina 20%). Além do redu-
nadas nas culturas de alface, alho, brócolos, cebola, zido número de produtos, a maioria das doenças
cenoura, chicória, couve, couve-chinesa, couve-flor, bacterianas em hortaliças não tem nenhum produto
nabo, pimentão, tomateiro, entre outras. Outrabactéria registrado. Não há nenhum produto registrado para
que também pode ser considerada como cosmopoli- controle de doenças bacterianas nas culturas de
ta é Pseudomonas cichorii, responsável por diferentes alface, alho, cebola, cebolinha e nas crucíferas como
quadros sintomatológicos em um grande número de um todo.
hospedeiras, muitas das quais pertencentes ao gru- Os antibióticos, quando aplicados preventiva-
po das hortaliças (alface, cebola, cenoura, chicória, mente são mais eficientes. Quando a doença já está
couve, couve-chinesa, couve-flor, pimentão, quiabo, instalada no campo e as condições ambientais são
repolho, salsa) (MALAVOLTA et al., 2007) e mais recen- favoráveis, essa eficiência diminui. A utilização re-
temente também relacionada em tomateiro) (SILVA petida e freqüente do mesmo antibiótico leva ao
JUNIOR et al., 2007). Há ainda que se considerar aque- surgimento de bactérias resistentes aos princípios
les casos em que ocorrem associações entre grupos ativos. O surgimento de linhagens resistentes já é
de patógenos (bactéria-fungo, bactéria-vírus ou mes- conhecido para doenças bacterianas para diversos
mo bactéria-bactéria), o que dificulta a diagnose e patógenos de vegetais. Há ainda que se considerar
impossibilita a adoção de medidas de controle ade- que ferramentas para a aquisição de resistência ou
quadas. O Quadro 1 resume as principais doenças resistência múltipla estão presentes no meio ambi-
relacionadas em hortaliças no Brasil. Cuidados de- ente. As bactérias saprofíticas podem servir como
vem ser tomados na diagnose das doenças fonte de plasmídeos ou mesmo tranposons, os ele-
bacterianas, visando a adoção de medidas de con- mentos responsáveis pela transferência de resistên-
trole adequadas para cada caso. cia de uma espécie ou gênero bacteriano para outro.
O principal problema das doenças bacterianas em Algumas recomendações relacionadas ao uso corre-
hortaliças é o controle, que deve ser conduzido pela to de antibióticos na agricultura podem ser consul-
combinação de várias medidas – o chamado controle tados em MALAVOLTA & BERIAM (2005) e BERIAM &
integrado, abrangendo desde o plantio até a fase de MALAVOLTA (2006).
comercialização. LOPES & QUEZADO-S OARES (1997) O Quadro 1 apresenta, de forma resumida, as
apresentam, de forma genérica, essas medidas, que doenças bacterianas relacionadas em hortaliças no
incluem basicamente: (a) plantio de sementes e mu- Brasil, de acordo com levantamento efetuado até
das de boa qualidade; (b) os tratamentos físicos, fevereiro de 2007 (MALAVOLTA et al., 2007). Neste
incluindo a água quente e o calor seco; (c) os trata- quadro só foram incluídas aquelas ocorrências em
mentos químicos, incluindo desinfetantes, antibióti- que a bactéria foi identificada pelo menos em nível
cos e fungicidas. As fitobacterioses são de difícil de espécie. Desta forma, algumas ocorrências recen-
controle e as doenças bacterianas em hortaliças não tes, como a presença de Acidovorax sp. em cenoura
fogem dessa generalização. Inúmeros problemas (BERIAM et al., 2003), não constam na listagem, uma
estão relacionados à baixa eficácia do controle quí- vez que a bactéria só foi identificada em nível gené-
mico e entre eles está relacionado o baixo número de rico.

Biológico, São Paulo, v.69, n.2, p.81-84, jul./dez., 2007


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Quadro 1 -Doenças bacterianas em hortaliças relacionadas no Brasil.


Hospedeiros Fitobactérias
Escherichia coli (BR)(1)
Klebsiella oxytoca (BR)
Erwinia carotovora subsp. não determinada (TO)(2)
Dickeya chrysanthemi (Região Sudeste)
Enterobacter cloacae (BR), (RJ)
Pantoea agglomerans (RJ)
Pectobacterium atrosepticum (BR),(DF)
Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (AM), (BR, (DF), (Região Sudeste),
(RJ), (SP)
Alface (Lactuca sativa) Pseudomonas aeruginosa (BR), (Região Sudeste)
Pseudomonas cichorii (DF), (PR), (RJ), (Região Sudeste), (RS), (SP)
Pseudomonas fluorescens (BR), (Região Sudeste)
Pseudomonas marginalis (BR), (Região Sudeste), (Região Sul), (RJ)
Pseudomonas viridiflava (DF)
Pseudomonas viridilivida (RJ)
Rhizobium radiobacter (RJ)
Serratia marcescens (BR), (RJ), (SP)
Xanthomonas axonopodis pv. vitians (DF), (RJ), (SP), (Região Centro-Oeste), (Região
Sul), (Região Sudeste)
Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (BR), (Região Nordeste), (PE),
(MG), (RJ)
Pseudomonas fluorescens (ES), (MG), (PR)
Alho(Allium sativum) Pseudomonas fuscovaginae (BR)
Pseudomonas marginalis (ES), (MG), (Região Sudeste), (Região Sul), (RS),
(SC)
Pseudomonas viridiflava (SC)
Erwinia carotovora subsp. não determinada (MG)
Pectobacterium atrosepticum (BR)
Brócolos Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (DF)
(Brassica oleraceae var. italica) Pseudomonas syringae pv. maculicola (SP)
Xanthomonas campestris pv. campestris (DF) , (MG), (PR), (RJ), (SP)
Dickeya chrysanthemi (BR)
Erwinia carotovora subsp. não determinada (BA), (PE)
Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (BR), (RJ), (RS), (SC), (SP)
Pseudomonas aeruginosa (BR)
Pseudomonas cichorii (PE)
Cebola (Allium cepa) Pseudomonas fluorescens (BR)
Pseudomonas marginalis (Região Sudeste), (Região Sul), (SP), (RS)
Pseudomonas putida (BR)
Pseudomonas viridiflava (SP)
Serratia marcescens (SP)
Xanthomonas axonopodis pv. allii (BR)
Xanthomonas campestris pv. não determinado (SP)
Dickeya chrysanthemi (RS), (SP)
Erwinia carotovora subsp. não determinada (BA)
Pectobacterium atrosepticum (BR), (DF)
Cenoura (Daucus carota) Pectobacterium carotovorum subsp. brasiliensis (RS)
Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (BR), (DF), (ES), (PR), (RJ), (RS),
(SP)
Pseudomonas cichorii (DF)
Xanthomonas hortorum pv. carotae (BA), (DF), (ES)
Continua

Biológico, São Paulo, v.69, n.2, p.81-84, jul./dez., 2007


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Quadro 1 - Continuação.
Hospedeiros Fitobactérias
Pectobacterium atrosepticum (MA)
Chicória (Chichorium endivia) Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (BR), (DF), (RJ)
Pseudomonas cichorii (BR), (DF), (PR), (RJ), (RS), (SP)
Xanthomonas axonopodis pv. vitians (PR)
Erwinia carotovora subsp. não determinada (AM)
Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (AP), (ES), (RJ), (RS), (SP)
Couve Pseudomonas cichorii (SP)
(Brassica oleraceae var. acephala) Xanthomonas campestris pv. campestris (AM), (AP), (BR), (DF), (ES), (GO), (MG), (PE),
(PR) (Região Amazônica) (RJ), (RS), (SE), (SP)
Xanthomonas campestris pv. não determinado (PE)
Couve-Chinesa Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (AM), (MG), (RJ), (SP)
(Brassica rapa var. pekinensis) Pseudomonas syringae pv. não determinado (MG)
Xanthomonas campestris pv. campestris (DF), (PE), (RJ), (SP)
Dickeya chrysanthemi (BR)
Erwinia carotovora subsp. não determinada (MG)
Couve-flor Pectobacterium atrosepticum (BR)
(Brassica oleraceae var. botrytis) Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (BR, (RS); (SP)
Pseudomonas cichorii (DF), (RJ), (SP)
Pseudomonas syringae pv. maculicola (SP)
Xanthomonas campestris pv. campestris (AM), (DF), (ES), (GO), (MG), (PE), (PR), (RJ), (RS),(SP)
Xanthomonas campestris pv. não determinado (PE)
Nabo Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (BR)
(Brassica napus var. napobrassica)
Pectobacterium atrosepticum (BR), (DF)
Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (BR), (DF)
Pseudomonas syringae pv. lachrymans (DF), (ES), (PR); (Região Centro-Oeste),
(Região Sudeste), (RS), (SP)
Pepino (Cucumis sativus) Pseudomonas syringae pv. tabaci (SP)
Ralstonia solanacearum (AM), (DF)
Xanthomonas cucurbitae (PR)
Xanthomonas melonis (DF)
Dickeya chrysanthemi (MG), (DF)
Erwinia carotovora subsp. não determinada (AM), (BA), (MG), (PE)
Pectobacterium atrosepticum (AM), (BR), (DF)
Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (BR), (DF), (ES), (MG), (Região
Nordeste), (RJ), (SP)
Pseudomonas aeruginosa (RJ)
Pimentão Pseudomonas cichorii (DF)
(Capsicum annuum) Ralstonia solanacearum (AM), (BA), (ES, (MA), (PB), (PE), (PR), (RJ), (RO), (RR), (SP)
Xanthomonas axonopodis pv. vesicatoria (BR)
Xanthomonas campestris pv. vesicatoria (AM), (BR), (DF), (ES), (MA), (MG), (Região
Nordeste), (PB), (PE), (PR), (RJ), (RR), (SE), (SP)
Xanthomonas vesicatoria (SP)
Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (MG), (RJ)
Pseudomonas cichorii (BR), (RJ), (SP)
Quiabo Pseudomonas syringae pv. syringae (DF), (MG), (RJ)
(Abelmoschus esculentus) Ralstonia solanacearum (BR), (PR), (Região Nordeste)
Xanthomonas campestris pv. esculenti (ES), (DF), (Região Centro-Oeste), (Região
Sudeste), (RJ)
Xanthomonas campestris pv. não determinado (PE)
Continua

Biológico, São Paulo, v.69, n.2, p.81-84, jul./dez., 2007


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Quadro 1 - Continuação.
Hospedeiros Fitobactérias
Dickeya chrysanthemi. (BR)
Erwinia carotovora subsp. não determinada (AC), (AM)
Pectobacterium atrosepticum (BR)
Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (AM), (AP), (DF), (MG), (RJ), (RS),
(SP)
Repolho Pseudomonas brassicae (RS)
(Brassica oleracea var. capitata) Pseudomonas cichorii (BR), (SP)
Pseudomonas syringae pv. maculicola (BR)
Xanthomonas campestris pv. campestris (AC), (AL), (AM), (AP), (BR), (CE), (DF), (ES),
(GO), (MA), (MG), (MT), (Região Nordeste), (PE), (PR), (Região Amazô-
nica), (RJ), (RR), (RS), (SC), (SE), (SP)
Xanthomonas campestris pv. não determinado (PE)
Xanthomonas campestris pv. nigri (RR)
Erwinia carotovora subsp. não determinada (AM), (BA), (PE), (TO)
Dickeya chrysanthemi (BR), (DF), (MG), (PA), (SP)
Pectobacterium atrosepticum (BR), (DF)
Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (DF), (ES), (MG), (PE), (RJ)
Phytobacter lycopersici (BR)
Pseudomonas briosii (RS)
Pseudomonas cichorii (SP)
Pseudomonas corrugata (RS), (SP)
Pseudomonas marginalis (BR), (MG)
Pseudomonas syringae pv. garcae (BR)
Pseudomonas syringae pv. syringae (MG)
Tomateiro Pseudomonas syringae pv. tomato (DF), (ES), (GO), (MG), (PR), (RR), (SP)
(Lycopersicon esculentum) Ralstonia solanacearum (AMAZÔNIA), (AM), (AP), (BA), (BR), (CE), (DF), (ES),
(MA), (MG), (Região Nordeste), (PA), (PB), (PE), (PI), (PR), (RJ), (RR), (RS),
(SP), (TO)
Rhizobium radiobacter (BR)
Xanthomonas axonopodis pv. vesicatoria (BA), (GO), (PE)
Xanthomonas campestris pv. não determinado (MG)
Xanthomonas campestris pv. vesicatoria (AM), (AP), (BA), (BR), (CE), (DF), (ES), (MG),
(PE), (PR), (Região Sudeste), (RJ), (RR), (SP)
Xanthomonas euvesicatoria (Região Centro-Oeste), (Região Nordeste)
Xanthomonas gardneri (GO), (MG)
Xanthomonas perforans (Região Centro-Oeste), (Região Nordeste)
Xanthomonas vesicatoria (GO), (Região Centro-Oeste)
BR – Brasil- utilizado naqueles casos onde não foi possível determinar-se o estado onde foi detectada a bactéria.
(1)

Estados da Federação.
(2)

REFERÊNCIAS MALAVOLTA JUNIOR, V.A. & BERIAM , L.O.S. Histórico da utili-


zação de antibióticos no controle de fitopatógenos.
BERIAM , L.O.S. & A LMEIDA, I.M.G.; D ESTÉFANO, S.A.L.; G RABERT, Summa Phytopathologica, v.31, suplemento, p.125-1228,
E.; GONELLA, L.G.A.; R ODRIGUES NETO, J. Mancha corticosa 2006.
em raiz de cenoura (Daucus carota) causada por MALAVOLTA JUNIOR, V.A.; BERIAM , L.O.S.; ALMEIDA, I.M.G.;
Acidovorax sp. Fitopatologia Brasileira, v.28, suplemen- RODRIGUES.NETO, J.; R OBBS, C.F. Bactérias fitopatogênicas
to, p.S236, 2003 assinaladas no Brasil: uma atualização. Summa
BERIAM , L.O.S.; M ALAVOLTA JUNIOR.,V.A. Antibióticos: viabi- Phytopathologica, suplemento, p. (no prelo). 2007.
lidade do uso em sementes. IN. SIMPÓSIOBRASILEI- SILVA JÚNIOR , T.A.F.; BERIAM , L.O.S.; ALMEIDA , I.M.G.;
RO DE PATOLOGIA DE SEMENTES, 5., 2006, Passo MARINGONI, A.C.; B RUNELLI, K.R.; A ZEVEDO, S.M.; S ANTOS,
Fundo, RS. Resumos. Passo Fundo: 2005. W.B.;.GIORIA, R.. Ocorrência de queima bacteriana
LOPES, C.A. & QUEZADO-SOARES, A.M. Doenças bacterianas em causada por Pseudomonas cichorii em tomateiro no
hortaliças. Diagnose e controle. Brasília EMBRAPA. Estado de São Paulo. Summa Phytopathologica, v.33,
CNHP, 1997. 70p. suplemento, p.S.47, 2007.

Biológico, São Paulo, v.69, n.2, p.81-84, jul./dez., 2007

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