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Título I
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
IDO
Capítulo I
CONSTITUCIONALISMO
EG
1. NOTA INTRODUTÓRIA
OT
O termo “constitucionalismo” costuma gerar polêmica em função das
diversas acepções assumidas pelo vocábulo ao longo do tempo.
PR
Pode-se identificar pelo menos quatro sentidos para o constituciona-
lismo. Numa primeira acepção, emprega-se a referência ao movimento
político-social com origens históricas bastante remotas que pretende, em
AL
especial, limitar o poder arbitrário1. Numa segunda acepção, é identificado
com a imposição de que haja cartas constitucionais escritas2. Tem-se utili-
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está ainda totalmente consolidado”4. Pode-se alinhavar, contudo, como o
principal, a falta de um desenvolvimento mais sólido do termo. Realmente,
ressente-se a doutrina de um estudo mais acurado, pois comumente aban-
dona sua abordagem ou lhe dedica ponderações superficiais. Acrescente-se
IDO
a circunstância de que o próprio termo “constituição” (cujo significado é
essencial para a compreensão do constitucionalismo) padece de grande
insuficiência significativa, reinando diversas concepções acerca de seu
EG
preciso conteúdo5. Sua historicidade acaba, muitas vezes, por impedir a
construção de uma definição generalizante, que pudesse abarcar as diversas
OT
realidades históricas atuais e passadas.
PR
2. CONCEITO PRELIMINAR
Para MATTEUCCI o constitucionalismo representa as instituições (ou
AL
técnicas) que devem estar contempladas nos diversos regimes políticos, e
que, portanto, acabam variando de época para época, cujo objetivo último
OR
deve ser o “ideal das liberdades do cidadão”6.
Para GOMES CANOTILHO “o constitucionalismo exprime também uma
ideologia: ‘o liberalismo é constitucionalismo; é governo das leis e não dos
UT
22
IDO
sistema dotado de um corpo normativo máximo, que se encontra acima dos
próprios governantes — a Constituição. O aspecto sociológico está na mo-
vimentação social que confere a base de sustentação dessa limitação do
EG
poder, impedindo que os governantes passem a fazer valer seus próprios
interesses e regras na condução do Estado. O aspecto ideológico está no
tom garantístico (como decorrência da limitação do “poder”) pregado pelo
OT
constitucionalismo.
LOUIS HENKIN pretendeu catalogar as principais exigências para se
PR
reconhecer o constitucionalismo:
1) soberania popular para o constitucionalismo atual (we the people);
2) supremacia e imperatividade da Constituição, limitando e estabele-
AL
cendo o Governo;
3) sistema democrático e governo representativo, mesmo em tempos
OR
de emergência nacional;
4) governo limitado, separação de poderes e cheks and balances, con-
ARTS. 29, 102 E S. DA LEI N. 9.610/1998 E ART. 184 DO CÓDIGO PENAL
UT
trole civil dos militares, governo das leis e judicial control, assim como um
Judiciário independente;
5) direitos civis respeitados e assegurados pelo governo, geralmente
OA
3. RETROSPECTO HISTÓRICO
N
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É errôneo supor que o constitucionalismo surgiu apenas com o adven-
to das revoluções modernas, que instauraram a democracia e afastaram os
regimes absolutistas até então existentes.
Foi KARL LOEWENSTEIN9 quem identificou o nascimento desse movi-
IDO
mento entre os hebreus, que, já em seu Estado teocrático, criaram limites
ao poder político, por meio da imposição da chamada “lei do Senhor”.
Embora se trate de um movimento bastante tímido se comparado a seu
EG
atual estágio de desenvolvimento, é preciso aceitar que aos hebreus se deve
a primeira aparição do constitucionalismo.
OT
3.1.2. As Cidades-Estado gregas
PR
Mais tarde, no século V a.C., viriam os gregos com as Cidades-Estado.
Tais núcleos políticos configuraram o primeiro caso real de democracia
constitucional. AL
A Cidade-Estado grega representou o início de uma racionalização do
poder, e até hoje constitui o único exemplo concreto de regime constitucio-
OR
nal de identidade plena entre governantes e governados, uma vez que se
tratava de uma democracia direta. Além disso, o regime constitucional
UT
OA
Então, como que num movimento cíclico contínuo, esses prematuros regimes
constitucionais e democráticos são afastados para, em seu lugar, reerguerem-
-se os regimes despóticos, que não atendem a qualquer diploma legal.
TE
9. Sobre o fenômeno constitucional hebreu que aqui se relata, cf. Karl Loewenstein, Teoría de la
Constitución, p. 154.
24
IDO
como movimento de conquista de liberdades individuais, como bem o de-
monstra a aparição de uma Magna Carta. Não se limitou a impor balizas
para a atuação soberana, mas também representou o resgate de certos valo-
EG
res, como garantir direitos individuais em contraposição à opressão estatal.
Na Idade Média inicia-se, pois, o esboço de uma lei fundamental.
Primeiro, significou a consagração de um conjunto de princípios, normas e
OT
práticas adotadas nas relações religiosas e comunitárias, especialmente
entre as classes sociais e o soberano. Anota CANOTILHO que: “A ideia da
PR
lei fundamental como lei suprema limitativa dos poderes soberanos virá a
ser particularmente salientada pelos monarcas franceses e reconduzida à
velha distinção do século VI entre ‘lois de royaume’ e ‘lois du roi’. Estas
AL
últimas eram feitas pelo rei e, por conseguinte, a ele competia modificá-las
ou revogá-las; as primeiras eram leis fundamentais da sociedade, uma es-
OR
Rights, de 168912.
CO
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Constata-se que a Inglaterra, apesar dos rompantes revolucionários,
desenvolve um longo, lento e progressivo processo de construção das ins-
tituições constitucionais13, formando, por fim, uma Monarquia Constitucio-
nal, em contraposição à Monarquia Absolutista anteriormente vigente. Tal
IDO
mudança pode ser tomada como o renascimento do constitucionalismo,
trazendo consigo a alteração da fonte do poder estatal, que passa das mãos
do monarca (que possuía um poder fundado em sua própria imagem, com-
EG
preendido como ilimitado) para o Texto Constitucional. Segundo os estudos
de NUNO PIÇARRA, a doutrina da separação dos poderes remonta à Antigui-
OT
dade greco-romana mas, concretamente, é a teoria da constituição mista,
adverte PIÇARRA, que constitui a raiz histórica remota da doutrina. Na
PR
parte que envolve a garantia da liberdade individual, a doutrina é de origem
moderna, tendo nascido mais precisamente na Inglaterra do século XVII.
Esta, pois, sua raiz histórica próxima14.
AL
Em verdade, o poder decorre, diretamente, da Carta escrita, mas me-
diatamente é o povo que se apresenta como seu titular. O monarca, até então
OR
livre de limitações e impedimentos, passa a ter sua conduta balizada pelos
ditames constitucionais. Os súditos, por sua vez, são erigidos, paulatina-
mente, à condição de cidadãos.
UT
13. Marcello Cerqueira: “... não é correta a afirmação de que o constitucionalismo inglês é unica-
mente obra de lenta e gradual evolução. A transição da monarquia absoluta para um regime constitu-
cional foi consequência, também na Inglaterra, de uma violenta crise de natureza revolucionária. A
revolução inglesa não foi menos sangrenta e rica em incidentes do que a revolução francesa, sobre a
qual iria exercer enorme influência” (A Constituição na História, cit., p. 18-9).
14. Nuno Piçarra, A Separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional, p. 18.
15. Sobre o tema, vide: Santi Romano, Princípios de Direito Constitucional Geral, p. 42-55; Jorge
Miranda, Manual de Direito Constitucional, 5. ed., t. 1, p. 126.
16. Como vai sublinhar Piçarra: “A partir do momento em que o princípio democrático se torna
fundamento de legitimidade exclusivo do poder político-estadual, deixa de poder ser conteúdo do
26
IDO
clarece: “A Constituição mista atende, antes de mais, às desigualdades e
diversidades existentes na sociedade com o objectivo de as compor na or-
gânica constitucional de tal maneira que nenhuma classe adquira a prepon-
derância sobre a outra. Neste sentido, constituição mista não é mais do que
EG
um <sistema político-social pluralmente estruturado>”18. A doutrina aristo-
télica pretende a aproximação econômico-social das diversas classes.
OT
Por isso, a contribuição da doutrina da Constituição mista, em seu
modelo aristotélico, à teoria da separação dos poderes, de MONTESQUIEU,
PR
foi a agregação a esta da ideia de equilíbrio das classes sociais por meio de
sua participação no exercício do poder político. Isso, contudo, só se deu em
fase já avançada da doutrina de MONTESQUIEU19.
AL
Partindo da experiência da república romana, em diversas fases, PoLÍ-
BIO e CÍCERO teorizaram a Constituição mista. Para POLÍBIO, “Seria impos-
OR
sível dizer com certeza (da constituição da república romana) se era aristo-
télica, democrática ou monárquica (...) pois, quando se tem em conta o poder
ARTS. 29, 102 E S. DA LEI N. 9.610/1998 E ART. 184 DO CÓDIGO PENAL
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princípio da separação dos poderes o equilíbrio institucional de forças políticas mais ou menos autóge-
nas ou de pretendentes ao poder dotados de legitimidade próprias, como em Montesquieu” (A Separa-
ção dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional, p. 232).
17. Nuno Piçarra, A Separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional, p. 34.
18. Nuno Piçarra, A Separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional, p. 35 (a
expressão em destaque foi retirada de Ernest Barker).
19. Cf. Nuno Piçarra, A Separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional, p. 36.
20. Os trechos de Cícero e Políbio foram captados da seleção efetuada por Nuno Piçarra, A Separa-
ção dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional, p. 37.
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te prescritos, para assim evitar a fiscalização dos demais poderes sociais. Ao
dar ênfase ao equilíbrio do poder, “o modelo polibiano abstrai do desiderato
aristotélico de (...) se obter uma maior aproximação econômico-social das
classes”21. E isso porque, enquanto no modelo aristotélico todas as classes
IDO
teriam acesso a todos os poderes, o modelo polibiano parte de uma socieda-
de já pré-dividida, sendo assegurado a cada classe o acesso apenas ao órgão
que lhe é predeterminado, importando preservar esse equilíbrio “natural”.
EG
A doutrina da separação dos poderes surgiu, pela primeira vez, na
Inglaterra do século XVII, muito ligada à ideia da rule of law22. Esta, por
OT
sua vez, associou-se aí à pretensão antiabsolutista da época. Desde o sécu-
lo XV se concebia, na Inglaterra, toscamente, diga-se desde logo, uma
PR
classificação das funções estatais. Assim é que se distinguia entre o poder
governativo (gubernaculum), cujo titular principal era o rei, e o poder ju-
risdicional (jurisdictio), realizado pelos juízes, pelo sistema da common
AL
law. Mas, como muito bem enfoca o tema NUNO PIÇARRA, “a dicotomia
função legislativa-função executiva não se pretendia originariamente, nem
OR
uma descrição analítico-empírica exaustiva das funções estaduais, nem,
muito menos, uma teoria científica destas, pelo que não será de estranhar o
malogro da tentativa posterior de sua conversão numa teoria global das
UT
crição de que as leis não sejam feitas por quem, simultaneamente, tenha
OA
21. Nuno Piçarra, A Separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional, p. 39.
22. Nuno Piçarra, A Separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional, p. 44.
23. Nuno Piçarra, A Separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional, p. 50.
24. Nuno Piçarra, A Separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional, p. 50.
28
IDO
Defensor Pacis, de 1324, segundo a qual o poder legislativo, como poder
supremo, competiria ao povo, que o poderia delegar a uma assembleia de
representantes, e o poder executivo competiria ao príncipe, que não teria
EG
qualquer participação no primeiro.
A separação orgânico-funcional assim estabelecida significava, pois,
ausência de interferências das funções de um sobre o outro poder. Contrapunha-
OT
-se, nessa medida, à monarquia absolutista, ao exigir do soberano a submissão
às leis provenientes dos representantes da vontade popular. Quando se restau-
PR
rou em 1660 a monarquia mista, de forma alguma se suprimiu a doutrina da
separação dos poderes. Muito pelo contrário, passaram a ficar associadas
ambas as ideias na teoria constitucional inglesa. Foi dessa mistura ideológica
AL
que “nasceu aquela que veio a ser a teoria constitucional inglesa típica do sé-
culo XVIII, considerada ora como variante da doutrina da separação dos po-
OR
UT
um poder.
A transposição de regimes na Inglaterra se deve ao próprio continuís-
mo observado no comportamento inglês. A Inglaterra, diferentemente da
ÚD
França, não buscava desfazer o sistema antigo e fundar um novo, mas tão
somente preservar o sistema com o necessário ajuste às novas demandas
TE
25. Nuno Piçarra, A Separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional, p. 60.
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O autor aponta, ainda, com propriedade, um fator histórico que surge
como próprio do fenômeno ora descrito: “Em Inglaterra, é a Realeza que
ataca o Parlamento que, em nome da tradição, defende e se defende; em
França, o Rei remete-se ao papel de quem, sem forças nem convicção para
IDO
resistir, tenta obter um adiamento numa liquidação inevitável”26. Some-se
a isso que a nobreza inglesa, diante do surgimento da classe comerciante (o
terceiro estado a que se refere SIEYÈS), acaba por aburguesar-se também,
EG
fazendo coro com essa classe para conquistar mais poder ao parlamento,
que viria a ser composto exatamente pelas duas classes: a dos Lordes e a
OT
dos Comuns. É, portanto, em virtude desse não sufocamento do terceiro
Estado que decorrem o continuísmo e a gradação das mudanças constitu-
cionais inglesas, ao contrário da francesa, que, diante da opressão impingi-
PR
da à classe plebeia, acabou por estourar numa sangrenta revolução que vi-
sava pôr fim a tudo o que estava ali presente.
AL
É possível afirmar que a Inglaterra, a despeito de ter sido inovadora
no acabamento de um texto constitucional, nunca criou uma Constituição
OR
escrita no modelo difundido a partir dos Estados Unidos, sendo certo que
seus institutos de natureza constitucional permanecem assentados em tra-
dições e costumes do povo.
UT
OA
30
IDO
cionar a clareza necessária à compreensão do poder. Essa ideia é, em suas
linhas gerais, subscrita por GOMES CANOTILHO28.
Sinteticamente, tem-se que o constitucionalismo moderno revela-se
EG
na ideia básica de registrar por escrito o documento fundamental do povo.
Esse conteúdo constitucional traduzia, por certo, os termos do antigo
contrato social de ROUSSEAU, que, nesse momento, deixava a condição de
OT
ficção de teoria política para tornar-se o diploma jurídico de maior relevân-
cia dentro dos ordenamentos estatais.
PR
Assim, desde que haja uma divisão do poder, o que fatalmente impli-
cará sua limitação e controle, estar-se-á em harmonia com uma das princi-
pais exigências do constitucionalismo. Tal orientação, contudo, poderá não
AL
estar consubstanciada num documento escrito, mas sim arraigada na práti-
ca diuturna de uma comunidade, podendo-se, em tais circunstâncias, admi-
OR
UT
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americanos, pela edição da Constituição norte-americana de 1787 e pela
Revolução Francesa, em 178929.
A Constituição escrita, de outra parte, em sua origem, como se nota,
teve cunho acentuadamente revolucionário, tanto por força do processo
IDO
desencadeado nos Estados Unidos como também pela ocorrência na França.
Essa nota acaba por se projetar como uma das grandes características das
Constituições, que é o rompimento com a ordem jurídica até então vigente.
EG
Tal prática tomou posto nos Estados Unidos da América do Norte quando,
diante da independência das Treze Colônias, o Congresso de Filadélfia, em
OT
15 de maio de 1776, propôs aos Estados federados a formulação de suas
próprias constituições. A edição de tais diplomas representou o início do
PR
sistema de constituições escritas, que é até hoje uma tendência amplamen-
te praticada. Vale relembrar, com NICOLA MATTEUCCI30, neste passo, as
decisões das cortes judiciárias inglesas no século XVII, quando proclama-
AL
ram a superioridade das leis fundamentais sobre as do Parlamento.
No território americano foram proclamadas, ainda, as Fundamental
OR
Orders of Connecticut, de 1639, o mais antigo de uma série de documentos
(convenants) entre os colonos, e que já contêm a ideia de ordenação da
sociedade política. Costuma-se indicar o Agreement of the People (1647-
UT
do século XVIII. Foi na França que houve o estopim europeu para a “cor-
rida constitucionalista”, inaugurando-se uma nova etapa na ordem social do
velho mundo. A revolução francesa derruba a monarquia e a nobreza, castas
TE
dominantes até então, para impor uma Constituição escrita, com a preocu-
pação de assegurar amplamente seus ideais de liberté, egalité e fraternité.
N
29. Consoante Lewandowski: “ É interessante sublinhar que o objetivo que presidiu à elaboração
das primeiras constituições e que ainda permanece o mesmo para as atuais, consistia, basicamente, na
contenção do poder e na defesa dos direitos individuais” (Enrique Ricardo Lewandowski, Proteção dos
Direitos Humanos na Ordem Interna e Internacional, p. 53).
30. Dicionário de Política, p. 255, 2ª col.
31. Cf. Canotilho, Direito Constitucional, p. 63-4.
32
IDO
sas obras que foram surgindo acerca desse específico tema reacenderam a
influência do constitucionalismo inglês, incutindo-o na França e espraiando-
-o pelo restante da Europa.
EG
Mas, diante da dificuldade encontrada pelos franceses em compreender
a particular lógica do sistema esparso e costumeiro do direito constitucional
inglês, de fontes diversas e incertas, acabaram por preferir a captação do
OT
direito inglês de forma indireta e miraram-se nas cartas norte-americanas.
Tais diplomas eram mais precisos, pois decorriam de um sistema escrito
PR
consolidado num documento, muito embora também tivessem como fonte
inspiradora o sistema inglês32.
De qualquer forma, é com a eclosão da Revolução Francesa que o
AL
constitucionalismo ganha foros de evidência e espalha-se pelo continente
europeu.
OR
UT
quando a França tomou aquelas Cartas como modelo, estava fazendo quase
que uma retroalimentação, ou reimportação. Isto posto, fica clara a compli-
N
32. Santi Romano chega a afirmar que “o direito americano serviu como trâmites entre o direito
constitucional inglês e aquele dos vários Estados continentais da Europa” (Princípios de Direito Cons-
titucional Geral, p. 49-50).
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atribuídos apenas aos cidadãos, passam a ser direitos de todos os homens;
(b) divisão dos poderes; (c) princípio da soberania nacional — a soberania
deixa de ser um poder pessoal do príncipe para tornar-se um atributo da
“Nação” e, após, do Estado; (d) o princípio da igualdade — que se traduz
IDO
na mudança mais importante de todas, permitindo o estabelecimento de
novas instituições políticas.
Os ideais constitucionalistas consagrados na América do Norte espraia-
EG
ram-se por toda a América, na medida em que as colônias conseguiam
destacar-se de Portugal e Espanha.
OT
Aliás, o constitucionalismo alcança foros de movimento mundial,
consagrando-se em praticamente todos os Estados contemporâneos, salvo
PR
o caso da Inglaterra e, em certa medida, o caso dos Estados teocráticos ou
religiosos, nos quais vigora uma ideia de suprainfraordenação atrelada aos
postulados religiosos, como o Direito muçulmano, que se insere na cultura
do islamismo. AL
Por fim, as ideias iniciais de contrato social são abandonadas em fun-
OR
ção do próprio constitucionalismo, capaz de fundamentar e justificar o
exercício do poder em sociedade.
HOBBES, em seu Leviatã, LOCKE, em seu Tratado do Governo Civil, e
UT
um estatuto básico.
Ora, a ideia de formação de um texto constitucional é tributária, num
momento inicial, das denominadas teorias contratualistas, que justificavam
ÚD
34
IDO
tórico atual.
Para DROMI, o futuro do constitucionalismo “deve estar influenciado
até identificar-se com a verdade, a solidariedade, o consenso, a continuida-
EG
de, a participação, a integração e a universalização”34.
Importa salientar, aqui, o constitucionalismo da verdade. Nesta refe-
rência existem duas categorias de normas a serem analisadas. “Uma parce-
OT
la, que é constituída de normas que jamais passam de programáticas e são
praticamente inalcançáveis pela maioria dos Estados; e uma outra sorte de
PR
normas que não são implementadas por simples falta de motivação política
dos administradores e governantes responsáveis.”
“As primeiras precisam ser erradicadas dos corpos constitucionais,
AL
podendo figurar, no máximo, apenas como objetivos a serem alcançados a
longo prazo, e não como declarações de realidades utópicas, como se bas-
OR
UT
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nário em originário propriamente dito e instituído, sendo este último o
poder constituinte inserido numa continuidade histórica.
Cumpre registrar, ainda, um constitucionalismo fraternal, referido pelo
STF no julgamento da ADI 3510, “a traduzir verdadeira comunhão de vida ou
IDO
vida social em clima de transbordante solidariedade em benefício da saúde”.
EG
3.4.1. Constitucionalismo globalizado
Em outra perspectiva, poder-se-ia contextualizar, atualmente, o cons-
OT
titucionalismo no fenômeno mais amplo da globalização.
Não obstante as discussões que rodeiam o tema da “globalização”, e
PR
as críticas ideológicas que lhe são dirigidas pelos mais diversos grupos
sociais, impõe-se reconhecer a magnitude e a presença cada vez mais cons-
tante da integração econômica e cultural dos povos no mundo atual. Prova
AL
disso foram os acontecimentos do atentado terrorista de 11 de setembro e
a crise hipotecária e financeira norte-americana.
OR
Nessa reconhecida busca por maior integração insere-se uma tentativa
de ampliação dos ideais e princípios jurídicos adotados pelo Ocidente, de
UT
36
tituição37, não se pode olvidar que essa suposta fase “final” do constitucio-
nalismo se encontra, na realidade, em um árduo começo, repleto de sérios
e perigosos obstáculos, tais como as crises financeiras e econômicas globa-
lizadas e os obstáculos que erigem os países do Oriente (vide os Estados
não democráticos e o terrorismo), os quais, em parte, vislumbram, nessa
IDO
tentativa de unificar os ideais humanos, o “exercício sagaz do imperialismo
moral ocidental”, na expressão utilizada por IGNATIEFF38.
EG
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CO
37. E, nesse sentido, cumpre consignar a pontual lembrança, da lavra de Alexandre Pagliarini, de
que, muito embora ainda haja, na Europa, uma prevalência hierárquica das Cartas Magnas, no âmbito
interno, muitas Constituições têm sido modificadas para comportar a realidade comunitária suprana-
cional. Algo que, mais do que externar a sucumbência da Lei Magna às contingências político-históri-
cas da integração europeia, “equivale, mais ou menos, a uma invasão consentida, com o perdão do tom
jocoso” (Constituição e Direito Internacional — Cedências Possíveis no Brasil e no Mundo Globali-
zado, p. 237-8).
38. The Attack on Human Rights, Foreign Affairs, v. 80, n. 6, nov./dez. 2001, p. 102.
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