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Desigualdades socioterritoriais e comportamentos em saúde

Book · December 2012

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2 authors:

Paula Remoaldo Helena Nogueira


University of Minho University of Coimbra
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DESIGUALDADES SOCIOTERRITORIAIS
E COMPORTAMENTOS EM SAÚDE
DESIGUALDADES SOCIOTERRITORIAIS
E COMPORTAMENTOS EM SAÚDE

Paula Remoaldo e Helena Nogueira


(Coordenadoras)

Edições Colibri
Biblioteca Nacional de Portugal – Catalogação na Publicação

Título: Desigualdades Socioterritoriais e Comportamentos em Saúde

Coordenadoras: Paula Remoaldo e Helena Nogueira

Editor: Fernando Mão de Ferro

Depósito legal n.º

Lisboa, Fevereiro de 2013


ÍNDICE

Prefácio ............................................................................................................. 7

PARTE I. INTRODUÇÃO

Capítulo 1 – Variações e desigualdades socioterritoriais em saúde


Helena Nogueira e Paula Remoaldo .............................................................. 11

PARTE II – EDUCAÇÃO, PROMOÇÃO E COMPORTAMENTOS EM SAÚDE

Capítulo 2. Promoção da Saúde a partir de contextos territoriais


Samuel Lima .................................................................................................. 31

Capítulo 3. Educação para a Saúde versus Promoção da Saúde: mudança


conceptual inocente?
Clara Oliveira ................................................................................................. 47

Capítulo 4. Educação para a saúde como estratégia de promoção de saúde


na gravidez: Um estudo qualitativo
Maria de Fátima Martins ................................................................................ 75

Capítulo 5. Ambiente, comportamentos e obesidade na população portuguesa


Helena e Cláudia ............................................................................................ 93

PARTE III – VULNERABILIDADE, DESIGUALDADES E RISCOS EM SAÚDE

Capítulo 6 – Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas
mediterrânicos – o exemplo da área portuense
Ana Monteiro, Luís Fonseca, Sara Velho, Mário Almeida .......................... 117
6 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Capítulo 7 – Subestações de energia elétrica, radiação eletromagnética


e os efeitos na saúde humana – estudo de caso do município de Guimarães
Juliana, Paula e Helena ................................................................................ 141

Capítulo 8 – Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde


de Galicia e Portugal. O desmantelamento de modelos públicos consolidados
(Jésus González) .............................................................................................. 185

Capítulo 9 – A (in)equidade no acesso aos serviços de saúde:


uma abordagem à exclusão social no município de Braga (Vitor Ribeiro) ..... 221

Notas biográficas dos autores ......................................................................... 249


PREFÁCIO
PARTE I

INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1

VARIAÇÕES E DESIGUALDADES
SOCIOTERRITORIAIS EM SAÚDE

Helena Nogueira
Faculdade de Letras
Universidade de Coimbra
Paula Remoaldo
Instituto de Ciências Sociais
CICS/NIGP
Universidade do Minho

Resumo

O presente capítulo, de cariz teórico, pretende recordar a importância


das estruturas sociais quando se considera a saúde, a doença e a morte,
destacando o género, a idade e o estatuto socioeconómico. Reflete sobre as
desigualdades sociais em saúde, que continuam a ser na atualidade acentua-
das e, em alguns dos casos, pouco reconhecidas. O enfoque usado é o quali-
tativo e alicerça-se na análise de vários estudos realizados à escala interna-
cional e em Portugal, que revelam a importância da hierarquia socio-
económica, o impacte da pobreza e da privação na saúde, como a mais
estudada determinante social da saúde. Por último, a componente espacial é
ressaltada na explicação das desigualdades sociais, devido à singularidade e
expressividade do padrão geográfico das mesmas desigualdades em saúde.

1. Introdução

“(…) each society, in producing its own way of life,


produces its own way of death”.
(Freund, 1982: 3)

Desigualdades Socioterritoriais e Comportamentos de Saúde, Lisboa, Edições Colibri, 2013,


pp. 11-.
12 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Saúde, doença e morte encontram-se distribuídos de forma desigual em


cada sociedade, sabendo-se, desde há muito, que essa desigualdade se asso-
cia à posição de cada indivíduo na estrutura social. No entanto, estas desi-
gualdades não deixam de ser surpreendentes, uma vez que as francas melho-
rias ocorridas em fatores tão importantes para a saúde como a qualidade de
vida das populações e a acessibilidade aos serviços de saúde não as elimina-
ram e, em alguns casos, tão-pouco as reduziram (Nogueira, 2007). No mun-
do atual, não obstante a evolução global alcançada pelos padrões de morbili-
dade e de mortalidade, a probabilidade de se viver uma vida longa e saudável
mantém-se muito variável. Registam-se variações dramáticas na mortalidade
entre países com diferentes níveis de desenvolvimento – uma menina nascida
na Suécia viverá, em média, mais 43 anos do que outra nascida na Serra Leoa
(WHO, 2008) – mas verificam-se também acentuadas variações dentro do
mesmo país, inclusive nos chamados países desenvolvidos.
Este capítulo, que se assume de carácter introdutório à presente obra, re-
flete sobre as desigualdades sociais em saúde, que continuam a ser gritantes
e, em alguns dos casos, pouco reconhecidas (exempli gratia, o género), com
os primeiros registos sobre a importância das estruturas sociais a surgirem,
pelo menos, desde o século XII. Todavia é a partir do século XIX, que estas
desigualdades se tornaram reconhecidas como determinantes no espectro de
mortalidade e de morbilidade. Continua-se o mesmo centrando-se nas variá-
veis género, idade, nível de instrução e área de residência, que fazem cada
vez mais sentido serem consideradas num mundo em que a globalização
serviu para ressaltar a sua importância. Ao mesmo tempo, esta mesma globa-
lização comprovou, de forma angustiante, que a evolução da sociedade tem
trazido a má notícia de que as desigualdades, sejam de que tipo for, são
muito difíceis de combater. Ainda assim, há que continuar a combatê-las e o
começo inicia-se na reflexão e no denunciar da sua existência.

2. A importância das estruturas sociais

2.1 O género, a idade e o estatuto socioeconómico

O sistemático padrão das desigualdades em saúde tem sido preferen-


cialmente associado à posição de cada indivíduo na estrutura socioeconómi-
ca, dada a tendência quase universal de melhoria nos níveis de saúde com o
aumento da posição na hierarquia social, seja esta medida pelo estatuto
ocupacional (atividade profissional), nível de instrução, rendimento ou
classe social, esta última geralmente definida por um, ou por uma combina-
ção, dos três primeiros indicadores. Esta associação, sobejamente conhecida,
é referida na literatura, pelo menos, desde o século XII (Loslier, 1997),
mantendo-se uma das questões mais debatidas da atualidade.
Variações e desigualdades socioterritoriais em saúde 13

Na realidade, ainda que o conceito de “classe social” encerre um razoá-


vel grau de ambiguidade, que conduz a que não exista um consenso interna-
cional na sua definição no seio da comunidade académica, normalmente
considera-se que este comporta três dimensões: a cultural (medida sobretudo
pelo nível de instrução), a material (onde sobressai o rendimento e as condi-
ções de trabalho) e a simbólica (onde se inclui o prestígio e as redes sociais)
(Remoaldo e Machado, 2008).
A variável “nível de instrução” constitui per se uma potente condicio-
nante em saúde. Normalmente, esta variável articula-se com as variáveis
“rendimento” e “atividade profissional” (Remoaldo e Machado, 2008),
determinando-as, ou seja, é mais provável que uma pessoa com um mais
baixo nível de instrução detenha um rendimento mensal baixo decorrente de
uma atividade profissional menos qualificada. O contrário também pareceria
passível de acontecer, mas a instalada crise económica e social, bastante
visível em muitos países, estando entre eles Portugal, parece que deixou de
ditar tal relação. Na realidade, atualmente podemos encontrar com alguma
frequência indivíduos que possuem um elevado nível de instrução, mas que,
principalmente no início da sua vida profissional, desempenham funções não
coincidentes com a sua escolaridade.
Não obstante, a escolaridade concede ao indivíduo uma maior capaci-
dade para o acesso e descodificação das mensagens preventivas e para se
questionarem tradições (e.g., mitos e crenças) que podem afetar a saúde
(Remoaldo e Machado, 2008). Um dos exemplos que se podem avançar é o
do acesso, por exemplo, à informação sobre modos de vida e hábitos saudá-
veis. Os indivíduos que detêm um maior nível de instrução terão, em princí-
pio, uma maior capacidade para acederem a informação sobre modos de vida
e comportamentos saudáveis (quer através de literatura, quer através da
internet) e de a assimilar, detendo também, à partida, um maior controlo
sobre a sua saúde e a sua vida. Resumindo, podem possuir um maior empo-
deramento (empowerment), o que lhes permite maior autonomia.
Também, por exemplo, no domínio da saúde sexual e reprodutiva, o
rendimento e/ou o nível de instrução são fatores importantes para a compre-
ensão de fenómenos como a infertilidade (Remoaldo e Machado, 2008), o
planeamento de uma gravidez, o tipo de acompanhamento que é realizado
durante o período gestacional (Martins, 2007, 2011), a prevenção de infeções
sexualmente transmissíveis ou a morbilidade e a mortalidade infantil. Os
recursos económicos e as barreiras da distância devem jogar um papel consi-
derável no domínio da infertilidade, pois são efectivamente os casais com
um nível socioeconómico mais baixo que menos procuram os serviços de
infertilidade (Remoaldo e Machado, 2008).
Nos países mais desenvolvidos, o nível de instrução condiciona não só a
capacidade de acesso aos cuidados de saúde e permite empreender uma
relação mais igualitária com os profissionais de saúde, já que possibilita e
14 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

potencia afinidades culturais com o discurso médico e também com as


mensagens preventivas (Remoaldo e Machado, 2008).
No século XIX, reconhecia-se a existência de variações na saúde em
função da atividade profissional, utilizada como indicador da classe social
(Macintyre, 1997). As taxas de mortalidade eram então menores em indiví-
duos de mais elevado estatuto socioeconómico, associação esta explicada
pela maior possibilidade de evitar infeções, resultante das melhores condi-
ções alimentares e sanitárias das classes mais altas e da sua maior mobilida-
de, o que, em caso de epidemia, permitia minorar o risco de contágio (Adler,
et al., 1993).
Todavia, para além das variações socioeconómicas, observam-se outros
padrões persistentes de desigualdades em saúde, que emergem em função da
área de residência, da etnia, do estatuto marital e até do género e que, não
sendo necessariamente independentes da classe social, não podem ser resu-
midas a esta (Elstad, 2000). Importa, pois, não somente a posição na estrutu-
ra socioeconómica, mas a posição em todas as estruturas sociais. Conclui-se,
assim, que é restritiva a análise das desigualdades em saúde a partir unica-
mente da posição do indivíduo na estrutura socioeconómica, mas que tam-
bém se deve considerar o seu posicionamento em todas as estruturas sociais.
Olhar unicamente para a estratificação socioeconómica da sociedade, igno-
rando a hierarquia das restantes estruturas sociais, poderá conduzir a uma
visão limitada das desigualdades em saúde, a uma compreensão parcial e
incompleta das suas causas e a estratégias e políticas menos adequadas.
Sendo assim, um olhar holístico sobre as desigualdades em saúde, ainda que
torne a análise mais complexa, permite olhá-las de uma forma mais realista e
perceber melhor o funcionamento da sociedade. Estudar as desigualdades
sociais em saúde exige um olhar global sobre o funcionamento da sociedade,
procurando destrinçar a teia intrincada das causas que estão na base dessas
desigualdades. A tarefa não é fácil e será com certeza por isso que tem vindo
a ocupar sociólogos, epidemiologistas, médicos, políticos, geógrafos, eco-
nomistas, arquitetos e urbanistas sem que, mesmo assim, se tenha avançado
o suficiente para as conseguir eliminar, ou até diminuir.
O género, entendido como uma categoria social que define a construção
social e cultural da feminilidade e da masculinidade (Swain, 1995; Pritchard,
2001; Chant e Mcllwaine, 2009) é outras das potentes determinantes sociais
que durante muito tempo foi pouco considerada nas políticas de saúde.
Assume-se como a principal forma de estratificação social e tem uma grande
importância na hierarquia da sociedade em termos de saúde, poder e prestí-
gio, gerando desigualdades na distribuição de recursos, benefícios e respon-
sabilidades.
A desigualdade de género provoca danos na saúde física e mental de
milhões de raparigas e mulheres por todo o mundo, devido aos vários bene-
fícios tangíveis concedidos aos homens por meio de recursos, poder, autori-
Variações e desigualdades socioterritoriais em saúde 15

dade e controlo (Sen, et al., 2007). Por causa da magnitude do problema, é


premente tomar medidas para melhorar a equidade em saúde tendo em conta
o género e para abordar os direitos das mulheres à saúde, constituindo medi-
das discriminativas para reduzir as desigualdades em saúde e assegurar o uso
eficaz dos recursos de saúde. A consciencialização e implementação dos
direitos humanos pode ser um mecanismo poderoso para motivar e mobilizar
governos, pessoas e especialmente as mulheres (Sen, et al., 2007).
O exercício da maternidade, que é um fenómeno biológico e que gera
por si só desigualdades, sobretudo nos países em desenvolvimento, também
é determinado pela posição que a mulher ocupa na hierarquia social do
território onde habita. Isto significa que uma mulher que viva num território
onde tenha baixo poder de decisão no seio da família e onde as crenças e as
tradições se encontrem ainda bastante enraizadas, viverá, expectavelmente,
menos tempo do que um homem e manifestará quadros de morbilidade que
lhe condicionarão a vivência plena e saudável do menor número de anos a
que está habilitada. Mais cedo irá ter filhos, o que poderá afetar a sua saúde e
a da criança que venha a nascer, correndo mais riscos no decurso da gravi-
dez, no parto e no pós-parto.
Se aditarmos a esta situação a prevalência das mutilações genitais femi-
ninas, ainda vigentes em pelo menos 28 países africanos (com maior expres-
são na África Oriental), asiáticos e do Médio Oriente, que constituem uma
mutilação irreversível, e que podem causar efeitos deletérios na saúde das
mulheres a curto, médio e longo prazo, e até conduzir à sua morte, então
conseguimos entender o que expusemos anteriormente. De acordo com a
definição da Organização Mundial de Saúde (O.M.S.) a mutilação genital
feminina (M.G.F.) inclui procedimentos que alteram intencionalmente ou
causam danos nos órgãos genitais femininos para razões não-médicas
(WHO, 2001). Esta prática refere-se ao corte do clítoris ou ao corte dos
grandes e pequenos lábios (WHO, 2001) e, sofrendo a vítima (em caso de
sobrevivência) inúmeras consequências físicas e psicológicas, desde um
sofrimento atroz, um doloroso processo de cicatrização da ferida, infeções
como consequência da utilização de utensílios contaminados, dores ao urinar
e defecar, incontinência urinária, infertilidade, aumento de risco de contrair o
vírus da SIDA e uma maior mortalidade infantil. Na sua forma mais severa,
chamada infibulação, a abertura vaginal também é cosida, deixando apenas
um pequeno buraco para a libertação de urina e de sangue menstrual.
Não obstante, como consequência dos movimentos migratórios, esta prá-
tica alastrou-se a outras partes do mundo, como a Europa e a América do
Norte e Portugal não é exceção, apesar de ser reconhecida internacionalmente
como uma violação dos direitos humanos de raparigas e mulheres
(http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs241/en/ – acedido a 1/1/2013).
A verdade é que se cifram entre 100 a 140 milhões de raparigas e mulheres
que, em todo o mundo, vivem com as consequências da M.G.F. (WHO, 2001).
16 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Nas últimas décadas foi realizado um bom esforço à escala mundial no


sentido da igualdade de género, nomeadamente, através do equacionar da
questão da igualdade de género (meta 3, dentro dos oito Objetivos de Desen-
volvimento do Milênio – ODM) e no sentido do empoderamento das mulhe-
res, definidos pela Organização das Nações Unidas como metas a atingir até
2015. A igualdade de género passou, assim, desde o ano 2000 a ser conside-
rada como a chave para alcançar os outros sete ODM, mas a verdade é que
está longe de ser alcançada. Os ODM colocaram os direitos humanos e a
pobreza humana no centro da política de desenvolvimento (United Nations
Development Programme, 2005).
Como mencionámos antes, as crenças e tradições são um potente de-
terminante da saúde. De acordo com a Organização Mundial de Saúde
(2001) as tradições são os costumes, as crenças e os valores de uma comuni-
dade, que governam e influenciam os comportamentos das pessoas. Consti-
tuem hábitos aprendidos que são passados de geração em geração e não são
fáceis de mudar. As pessoas aderem a estes padrões de comportamento,
acreditando que eles são as coisas certas para fazer. Quando se fala de muti-
lação genital feminina temos uma mistura de fatores culturais, religiosos e
sociais que prevalecem no seio das famílias e comunidades.
Atualmente, continuam as ser relevantes as desigualdades entre homens
e mulheres em termos de esperança de vida à nascença. Por exemplo, en-
quanto no grupo dos países desenvolvidos, em 2012 a diferença entre os
homens e as mulheres se cifrava em 6 anos (75 anos para os primeiros e 81
anos para os segundos), no grupo dos países menos desenvolvidos a diferen-
ça era de 4 anos, mas chegava a ser de apenas dois anos nos países mais
pobres do grupo dos menos desenvolvidos (58 anos para os homens e 60
anos para as mulheres – Population Reference Bureau, 2012).
De acordo com o Population Reference Bureau (2012), os países onde a
esperança média de vida é superior nos homens são: Lesoto e Zimbabwe (48
anos para os homens versus 47 para as mulheres), Swaziland (49 anos versus
48 anos) e Botwsana (52 anos versus 50 anos), não ultrapassando os 50 anos
no sexo feminino, enquanto em Macau e em Hong Kong atingem os 87 anos
e no Japão os 86 anos. O exercício da maternidade é uma das explicações
para esta desigualdade (agravada nalguns países pelas mutilações genitais
femininas), assim como o mais baixo valor social das mulheres.
Em Portugal, assim como na maioria dos países, as mulheres tendem a
viver, em média, mais anos do que os seus congéneres do sexo masculino.
Vários fatores podem ser avançados para esta diferença que chega a alcançar
6-7 anos. A menor representatividade das doenças do aparelho circulatório
até à menopausa, o exercício de profissões, normalmente de menor risco
para a saúde, o consumo mais moderado de tabaco e de álcool, a menor
expressão de comportamentos de risco; a realização de uma condução menos
agressiva e a relação mais próxima com os serviços de saúde (Oliveira e
Variações e desigualdades socioterritoriais em saúde 17

Mendes, 2010 citados por Costa e Remoaldo, 2012) estão no cerne da dife-
rença. Na realidade, a relação mais próxima com os profissionais de saúde
decorre da maior facilidade de comunicação com estes e do papel da mulher
enquanto cuidadora da saúde dos filhos e ascendentes (Remoaldo e Macha-
do, 2008; Nogueira e Remoaldo, 2010; Costa e Remoaldo, 2012).

3. Observando o palco das desigualdades sociais em saúde

Um pouco por todo o mundo ocidental, têm sido reportadas profundas


variações sociais nos padrões de vida e morte das populações. Estas varia-
ções têm sido objeto de alguma incompreensão e muita perplexidade, dando
origem a uma vasta bibliografia científica e a extensos relatórios, que refle-
tem o esforço que a comunidade científica e o poder político têm dirigido a
esta temática. Refiram-se, como exemplo, O “Black Report” (elaborado
entre o final da década de 70 e início dos anos 80), o relatório Acheson (na
segunda metade da década de 90), o relatório da Comissão em Determinan-
tes Sociais da Saúde da OMS, de 2008, cujo título “Closing the gap in a
generation: health equity through action on the social determinants of He-
alth” não dá azo a qualquer ambiguidade e o mais recente relatório sobre
desigualdades em saúde intitulado “Fair society, healthy lives”, mais conhe-
cido como “The Marmot Review” (em 2010), revelando o papel do concei-
tuado Professor Michael Marmot na sua realização. No início deste último
relatório, é destacada uma frase de Pablo Neruda: “Rise up with me against
the organisation of misery” (Marmot, 2010: 2), epígrafe que sublinha a
importância imputada à estratificação socioeconómica da sociedade na
génese e manutenção das desigualdades em saúde.
A hierarquia socioeconómica, o impacte da pobreza e da privação na
saúde tem sido, desde sempre, a determinante social da saúde mais exausti-
vamente estudada. Em Inglaterra e Gales concluiu-se que a mortalidade
aumenta de forma consistente com a diminuição do estatuto socioeconómico
dos indivíduos (Sloggett e Joshi, 1994); nos EUA, na Califórnia, verificou-se
que a população residente nos locais socioeconomicamente mais desfavore-
cidos de Alameda (Alameda County), apresenta um risco acrescido de morte
de cerca de 53%, comparativamente aos residentes nos locais mais prósperos
da mesma área (Yen e Kaplan, 1999); na Nova Zelândia, concluiu-se que os
riscos para a saúde tendem a aumentar com o aumento dos níveis de priva-
ção socioeconómica, efeito mais forte em áreas urbanas e com previsíveis
impactos negativos na saúde (Hales, et al., 2003); em Amesterdão, a popula-
ção de menor estatuto socioeconómico enfrenta um risco aumentado de ser
obesa (20%), de sofrer de doenças incapacitantes de longa duração (30%) e
de fumar (23%) (Reijneveld, 1988); no Japão, há suportes científicos que
comprovam a relação entre baixo estatuto socioeconómico e pior saúde,
18 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

concluindo-se pela morte precoce dos indivíduos residentes nas áreas mais
carenciadas (Fukuda, et al., 2004); na Suécia, verificou-se uma estreita
associação positiva entre a taxa de incidência da doença cardíaca coronária e
o nível de privação das áreas de residência (Sundquist, et al., 2004); em
Glasgow, na Escócia, verificou-se que os residentes em áreas de maior
privação têm uma esperança de vida cerca de 12 anos menor do que aqueles
que residem nas áreas mais prósperas (Marmot, 2006). Para a mesma cidade,
Navarro refere que a diferença na esperança de vida entre um indivíduo do
topo e outro da base da hierarquia social – um operário não qualificado e um
empresário no escalão mais elevado de rendimentos – é de 28 anos (Navarro,
2009).
Em Portugal, ainda nos anos oitenta, Santos Lucas (1987) revelou a
existência de marcadas diferenças na mortalidade e na morbilidade em
função da ocupação. Na década seguinte, Giraldes verificou que os indiví-
duos com profissões manuais, e de baixo estatuto socioeconómico, apresen-
tam valores de mortalidade que ultrapassam os registados nas profissões de
maior estatuto (quadros médios e superiores), embora este padrão apresen-
tasse algumas exceções (Giraldes, 1996). À semelhança de investigações
desenvolvidas noutros países, diversos estudos procuraram associar a priva-
ção sociomaterial dos territórios ao nível de saúde das suas populações. Para
a Área Metropolitana de Lisboa, concluiu-se pela existência de uma forte
associação entre um indicador de privação múltipla e diferentes resultados
em saúde – mortalidade prematura e estado de saúde auto-avaliado (Noguei-
ra, 2007, 2008). No caso da mortalidade prematura, verificou-se que a rela-
ção é exaustiva, sendo pois transversal a toda a hierarquia social. Para a Área
Metropolitana do Porto, Nogueira e Remoaldo (2009) apontam também a
estreita associação entre um indicador de privação socioeconómica das áreas
de residência e a mortalidade prematura da população.
Como se referiu, para além do estatuto socioeconómico, existem outros
fatores de estratificação social geradores de hierarquias sociais, nas quais a
posição é também relevante para a saúde. O sexo e a idade, por exemplo,
sendo fatores biológicos, têm um impacte previsível e inexorável na saúde.
Todavia, idade e sexo são também categorias sociais. Adolescência, meia-
-idade e velhice são categorias que definem situações sociais particulares,
nas quais os indivíduos são influenciados por determinado tipo de normas e
expetativas; as diferenças em saúde entre os sexos podem refletir diferenças
puramente biológicas, mas as circunstâncias sociais inerentes às variações
em saúde observadas entre os sexos são evidentes. Diferentes papéis sociais,
diferentes posições no mercado de trabalho e nos níveis de participação
política (Kawachi, et al., 1999; Stafford, 2005; Nogueira, 2009a, 2009b), são
apenas algumas das diferenças de género com impacte nas desigualdades em
saúde. Como foi referido anteriormente, entende-se que a expressão sexo diz
respeito sobretudo a diferenças biológicas, enquanto a palavra género abran-
Variações e desigualdades socioterritoriais em saúde 19

ge os impactes sociais da diferença biológica. Desta forma, podemos afirmar


que, enquanto o conceito de “género” se reporta a papéis socialmente cons-
truídos de homens e mulheres, o conceito de “sexo” circunscreve-se a carac-
terísticas biológicas e físicas (Chant e Mcllwaine, 2009).
De modo análogo, as diferenças em saúde entre diferentes etnias podem
dever-se a fatores biológicos, mas refletem também diferentes posições
sociais, das quais resultam diferenças culturais e comportamentais, situações
de discriminação e segregação (por exemplo, no mercado de trabalho e de
habitação – Donovan, 1984) e diferentes acessos a serviços essenciais, como
os se saúde (Graham, 2000)

3.1. Os mecanismos que conduzem às desigualdades socias em saúde

Mas afinal porque existem, e persistem, as desigualdades sociais em sa-


úde? Esta é uma questão que tem dominado a investigação científica nesta
temática, uma vez que não será possível debelar estas desigualdades sem
saber que fatores ou mecanismos as produzem e mantêm. Embora esta
questão permaneça em debate, e novas hipóteses estejam a ser colocadas,
sugerimos aqui uma categorização das explicações em dois grupos, que
correspondem a dois mecanismos major que estabelecem a conexão entre
estrutura social e resultados/desigualdades em saúde: o material e o psicos-
social (Brunner e Marmot, 2006; Marmot, 2006).
Como se depreende do texto anterior, a explicação primária, e uma das
mais comuns e consensuais, atribui a causa das desigualdades sociais em
saúde à pobreza, num sentido mais lato, à privação material, sendo referida
como a explicação materialista ou estruturalista (Diez-Rouz, et al., 2000;
Macintyre, et al., 2005; Sundquist, et al., 2004). As condições materiais
individuais, possibilitando ou dificultando o acesso a recursos necessários ao
desenvolvimento de uma vida quotidiana saudável, como por exemplo,
alimentos saudáveis, habitação adequada e serviços de saúde, influenciam a
saúde. Também as áreas de residência e os locais de trabalho, largamente
determinados pela posição social, protegem ou expõem os indivíduos a um
largo leque de riscos para a saúde, relacionados com a qualidade do ar e da
água, nível de ruídos, horário de trabalho e proteção social, disponibilidade
de locais de lazer e desporto, entre muitos outros, condições estas criadas por
um processo macrossocial que não é controlável pelos indivíduos.
Não obstante a relevância da explicação materialista, vários autores ar-
gumentam a necessidade de considerar um outro conjunto de fatores, os
psicossociais, como mecanismo explicativo na génese das desigualdades
sociais em saúde. Segundo Wilkinson (2005), para além do reduzido acesso
aos recursos materiais e às oportunidades de vida, a privação relativa, a
desigualdade social e a perceção das iniquidades, reduzem os níveis de
20 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

capital social e de coesão social, corroem e corrompem as relações sociais,


aumentam o isolamento social, os conflitos, a falta de controlo sobre os
acontecimentos da vida, os níveis de stress e depressão, os sentimentos de
insegurança, entre outros riscos sociais que têm sido associados à degrada-
ção da saúde física e mental (Cohen, et al., 2006; Sundquist e Yang, 2007;
Yip, et al., 2007; Stafford, et al., 2007). A abordagem psicossocial enfatiza
também as respostas biológicas, neuroendócrinas e imunológicas que são
produzidas em situação de stress crónico, e que afetam a saúde física e
mental (Brunner e Marmot, 2006), de que é exemplo a produção de cortisol,
uma hormona que interfere em múltiplos mecanismos fisiológicos, inclusive
no regulador do apetite.
Referidas as abordagens materialista e psicossocial enquanto modelos
explicativos das desigualdades sociais em saúde, importa ainda realçar o
papel dos comportamentos e estilos de vida na génese e manutenção dessas
desigualdades. O impacte dos comportamentos na saúde é de tal modo
relevante que alguns autores fazem referência a uma abordagem comporta-
mental das desigualdades em saúde (Elstad, 2000). O consumo de tabaco,
uma dieta desequilibrada, a falta de atividade física, entre outros, são com-
portamentos que podem produzir pior saúde. Porém, é necessário procurar a
causa dos comportamentos e entender os estilos de vida como o resultado de
um conjunto de opções, geradoras de atitudes e padrões comportamentais
que, promovendo a identidade social dos indivíduos, são económica, histó-
rica, familiar, política e culturalmente contextualizados (Lynch, et al., 1997).
As opções individuais não são auto e livremente determinadas, mas antes o
resultado de um vasto conjunto de fatores psicológicos, cognitivos e mate-
riais, como a perceção, a motivação, a informação, o conhecimento, a aces-
sibilidade, a disponibilidade, o preço/rendimento, entre muitos outros. Indi-
víduos de baixo estatuto socioeconómico limitam o consumo de alimentos
saudáveis, como frutos e legumes, mais caros que os restantes alimentos;
restringem o acesso a instalações desportivas pagas e têm geralmente menos
tempo livre para dedicar ao desporto e ao lazer; são menos informados e
possuem menos capacidade de procurar informação sobre os fatores que
promovem a saúde; acresce que as condições stressantes e perigosas sob as
quais se desenrolam os seus empregos, e que muitas vezes caracterizam
também as suas áreas de residência, são geradoras de ansiedade, stress e
depressão. Como exemplo, refira-se o gradiente social da prevalência de
obesidade, patologia que aumenta com a diminuição do estatuto social.
Brunner e Marmot (2006) sugerem que este gradiente pode ser explicado por
fatores materiais, como a dificuldade em comprar alimentos saudáveis e
praticar exercício físico, mas também por um conjunto de fatores psicossoci-
ais, que conduzem a respostas psicobiológicas, envolvendo o sistema nervo-
so simpático e o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, como baixa de autoesti-
ma e de vontade em participar em atividades físicas formais e tendência
Variações e desigualdades socioterritoriais em saúde 21

acrescida de comer “para confortar”. Além disso, é provável que a depres-


são, a ansiedade e o isolamento social diminuam os níveis de atividade física
informal, por exemplo, a atividade física desenvolvida informalmente,
muitas vezes relacionada com as interações e os contatos sociais.

3.2. A geografia das desigualdades sociais em saúde

As desigualdades sociais em saúde observam-se, muitas vezes, numa


base espacial, dada a singularidade e expressividade do seu padrão geográ-
fico. As variações espaciais da saúde sublinham a complexidade causal das
desigualdades em saúde, que resultam de uma combinação intricada de
diferentes fatores, atuantes a distintos níveis, individual e contextual, e ainda
da sua interação.
O estatuto socioeconómico, o género, a etnia, os comportamentos e esti-
los de vida, influenciam a saúde individual. Mas o indivíduo não existe fora
de um espaço e não pode ser entendido senão por referência ao(s) seu(s)
espaço(s). Não se trata aqui de um espaço abstrato, geométrico, mas de um
espaço vivido, que cada um de nós identifica e que lhe dá identidade – o
lugar. Os lugares, espaços concretos da existência humana, são espaços de
carácter distintivo (Nogueira, 2008), caracterizados, em parte, pelos indiví-
duos que os habitam e experienciam. Sendo assim, uma área caracterizada
por possuir uma população de baixa condição social apresentará, face a outra
que contenha uma população de alto estatuto socioeconómico, piores níveis
de saúde. A concentração e segregação geográfica da riqueza e da pobreza
traduz-se, pois, em variações geográficas da saúde. Trata-se de um efeito
designado na literatura como “efeito composicional”, já que resulta da
agregação de atributos observados a nível individual (Cummin, et al., 2005).
Porém, para além das características da sua população, importam ainda
as características inerentes aos próprios lugares, já que a saúde é também
influenciada pelos atributos do contexto, decorrentes do seu ambiente físico,
social, económico, cultural e histórico. Os resultados em saúde dependem
não só de quem se é, mas também do lugar onde se vive (Nogueira, 2008).
Uma área pobre não é apenas uma área com população maioritariamente
pobre, de baixos rendimentos, baixo nível de instrução e profissões de risco
para a saúde. É, além disso, e talvez mais do que isso, uma área onde se
acumulam riscos para a saúde e onde falham as oportunidades que permitem
desenvolver uma vida quotidiana saudável, melhorar a qualidade de vida e
promover a saúde (Nogueira, 2009b). Ou seja, é uma área que cria e perpe-
tua iniquidades, sociais e de saúde.
Os fatores contextuais, como a qualidade do ambiente físico, a estética,
o ambiente económico e social (englobando-se neste a organização social, a
coesão e o capital social, a reputação e a segurança da área) têm um impacte
22 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

comprovado na saúde. Também têm um importante impacte a estrutura de


oportunidades locais, referindo-se esta ao conjunto diversificado de caracte-
rísticas locais e comunitárias, como os serviços locais existentes (de saúde,
educação, recreação e sociais, entre outros) até à qualidade e disponibilidade
de habitação, disponibilidade de alimentos saudáveis e de transporte público
(Raphael e outros, 2001). Por último, temos que aditar a qualidade, a dispo-
nibilidade e a acessibilidade a infraestruturas várias (desportivas, de trans-
porte ativo, como passeios e ciclovias, e outras), a oferta adequada de bens
essenciais, proporcionada por comércio local diversificado e de qualidade.
Macintyre, et al. (2002), num estudo desenvolvido em Glasgow, apon-
tam cinco características locais relacionadas com a saúde, destacando a
disponibilidade de ambientes saudáveis, tanto na habitação, como no traba-
lho e no lazer, o acesso a bens e a comodidades, como por exemplo, a dispo-
nibilidade de alimentos saudáveis e o acesso a estruturas e equipamentos
desportivos e ainda os serviços, públicos ou privados, providenciados para
suporte da vivência quotidiana da população, de que são exemplo os serviços
de educação, saúde, limpeza e iluminação das ruas, policiamento e transpor-
tes públicos.
Em Portugal, para a Área Metropolitana de Lisboa, vários estudos com-
provam o impacte dos fatores contextuais nos níveis de saúde da população.
O capital social, a coesão social, a disponibilidade de serviços de saúde, a
acessibilidade ao transporte público, a segurança, avaliada pela ocorrência de
crime e a privação sociomaterial demonstraram ter uma influência significa-
tiva no estado de saúde da população residente (Nogueira, 2008, 2009a,
2009b, 2010). A geografia das determinantes contextuais da saúde eviden-
ciou territórios caracterizados pela sua capacidade em promover saúde –
territórios de oportunidade – em oposição a territórios que a degradam –
territórios de vulnerabilidade e risco.
Acresce que os dois níveis de desvantagem aqui referenciados (indivi-
dual e contextual) combinam-se de forma interativa e sinergética para pro-
duzir desigualdades em saúde. No seu relatório de 2008, a Comissão da
Organização Mundial de Saúde para as Determinantes Sociais da Saúde
refere-se à emergência de “ambientes tóxicos” em espaços marcados pelo
declínio socioeconómico, considerando-os responsáveis pelos baixos níveis
de saúde das populações mais pobres e pelas crescentes iniquidades em
saúde (WHO, 2008). Alguns autores referem-se à existência de um processo
de sobreposição de riscos, que atua como um círculo vicioso de empobreci-
mento, ou seja, um lugar ocupado por uma população maioritariamente
pobre e carenciada vai perdendo a sua capacidade em atrair residentes de
maior poder económico, retendo e atraindo apenas aqueles que são mais
vulneráveis e que possuem mais constrangimentos económicos. As habita-
ções e espaços públicos tornam-se progressivamente degradados dados os
escassos recursos financeiros da sua população e a sua vontade em sair da
Variações e desigualdades socioterritoriais em saúde 23

área. Por outro lado, o investimento em novos comércios e serviços diminui


e é possível o encerramento de alguns dos existentes. É provável que se
verifique um aumento da violência e da insegurança, com maior ocorrência
de crimes, diminuindo as interações e os contatos sociais, bem como os
sentimentos de identidade, pertença e a participação comunitária (Wilkinson,
2005; Nogueira, 2010). Deste processo de degradação social e estrutural
emergem territórios de risco, onde a escassez de recursos se sobrepõe à
vulnerabilidade individual, intensificando-a.
A geografia das desigualdades sociais em saúde sublinha a importância
da estrutura espacial nos resultados em saúde, ela própria determinada pelo
conjunto de fatores geográficos, sociais, políticos, económicos, culturais e
históricos que, em interação, constituem os lugares. Se a saúde é uma produ-
ção social, o lugar assume-se então como um fator social crítico, devendo ser
analisado no estudo das variações e desigualdades sociais em saúde.

4. Conclusão

As variações em saúde não são um problema que se possa circunscrever


a um tempo e a um espaço. São, antes, um problema persistente e transversal
a todas as sociedades, que tem vindo a ganhar protagonismo, talvez porque
desafiem as melhorias conseguidas ao nível da qualidade de vida da popula-
ção e os esforços económicos, sociais e políticos que têm sido feitos para as
eliminar. Compreender as causas e os mecanismos que perpetuam estas
variações é atribuir a devida importância às determinantes individuais, como
a idade e o género.
Homens e mulheres, em diferentes idades, têm diferentes papéis sociais,
diferentes comportamentos e diferentes perceções que, interagindo, influen-
ciam desiguais experiências de saúde. Também a estruturação socioeconó-
mica da sociedade, influenciando tantos e tão diversos aspetos das condições
de vida, como a possibilidade de aquisição de bens e serviços, as condições
de trabalho e de habitação, a estabilidade no emprego, a exposição a riscos
de infeções e de acidentes e a capacidade de adquirir novos conhecimentos,
entre outros, é uma determinante crucial das variações e desigualdades em
saúde. Todavia, compreender as variações e as desigualdades em saúde é
ainda reconhecer que cada indivíduo se insere num contexto que, em parte, o
determina e é por ele determinado. Cada lugar deve ser entendido como
síntese de um conjunto de fatores sociais, psicológicos e materiais que
influenciam a saúde. Especialistas da saúde podem e devem procurar na
análise e nas ferramentas geográficas algumas das explicações para as desi-
gualdades em saúde, atribuindo relevância a algo que o geógrafo há muito
tempo sabe bem. Estamos a referir-nos à cultura, que não é apenas um
software operando na cabeça dos indivíduos. Ela está escrita na paisagem,
24 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

forma os territórios e, por isso, a paisagem e os territórios, reflexivamente,


afetam as pessoas. As desigualdades em saúde são, pois, de causalidade
complexa, exigindo uma abordagem holística aos mecanismos que as geram
e mantêm.

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PARTE II

EDUCAÇÃO, PROMOÇÃO
E COMPORTAMENTOS EM SAÚDE
CAPÍTULO 2

PROMOÇÃO DA SAÚDE A PARTIR


DE CONTEXTOS TERRITORIAIS

Samuel do Carmo Lima


Instituto de Geografia
Universidade Federal de Uberlândia

Resumo

Este texto apresenta uma discussão sobre as ações e práticas de saúde


numa visão que contesta o modelo biomédico, hospitalocêntrico e centrado
em ações curativas e no indivíduo. Os argumentos reforçam a ideia de que a
saúde é determinada por contextos territoriais, isto é, onde moramos pode
dizer mais sobre a nossa saúde do que quem somos. Portanto, estratégias de
promoção da saúde devem buscar mudança de contextos de vida e a contru-
ção de territórios saudáveis, o que, necessariamente depende de uma reorga-
nização das ações e das práticas nas unidades locais de saúde, para que se
considere mais que os indivíduos, também a população e o território.

1. Introdução

Budin dizia em seu livro Essai de Geographie Médicale, em 1843, “o


homem não nasce, vive, sofre e morre de maneira idêntica nas várias partes
do mundo” (Pessoa, 1978: 104). O que Budin queria afirmar é que a influên-
cia dos contextos ambientais na saúde varia de lugar para lugar, não somente
pela posição social, económica e cultural do indivíduo e das populações, mas
também, pelas condições físico-biológicas e climáticas. Seguindo essa
mesma ideia, Kawachi e Berkman (2003) dizem que onde cada indivíduo
reside é importante para a sua saúde, para além de quem é cada indivíduo.

Desigualdades Socioterritoriais e Comportamentos de Saúde, Lisboa, Edições Colibri, 2013,


pp. 31-46.
32 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Cada lugar representa contextos diversos, resultado da acumulação de


situações históricas, ambientais, sociais, que promovem condições particula-
res para a produção de saúde e doença. “Se a doença é uma manifestação do
indivíduo, a situação de saúde é uma manifestação do lugar” (Barcellos et
al., 2002: 130). Disto se depreende que a saúde depende de quem se é e de
onde se vive (Pickett e Pearl, 2001; Nogueira 2008; Proietti et al., 2008).
Não se trata de buscar a causa das doenças, porque a maioria das doen-
ças são multicausadas. Causas são o que produz a doença e, na maioria das
vezes, não se podem eliminar as causas enquanto permanece o contexto.
Contexto são as condições objetivas e subjetivas da vida de um lugar, que
podem influenciar ou condicionar de forma direta ou indireta saúde dos
indivíduos e das populações.
“A causa pode ser removida, pode desaparecer pela adoção, por exem-
plo, de medidas técnicas, enquanto o contexto é mais perene, para modificá-
-lo é necessária a intervenção de processos sociais e culturais mais comple-
xos, e não meramente pontuais” (Augusto, 2003: 182).
Portanto, as ações de saúde devem, assim, ser guiadas pelas especifici-
dades dos contextos dos territórios da vida cotidiana, nos diversos lugares
onde a vida acontece.
Para iniciar este breve argumento sobre a construção de territórios sau-
dáveis, onde a vida humana pode encontrar qualidade de vida e justiça
social, podemos afirmar que o território é um recorte espacial, social e
historicamente construído, em relações conflituosas, e não mero receptáculo
ou palco das ações humanas.
O território, sendo um recorte espacial pressupõe uma dada escala que
contém em si mesmo uma dinâmica multiescalar. As condições de saúde são
territorializadas, sendo a escala do cotidiano a escala privilegiada de análise
e intervenção. Entretanto, um território não se explica sem os nexos que
possui com os processos da realidade na escala local e com processos que se
dão em outras escalas, meso e macrorregionais, nacionais e internacionais.
Monken e Barcellos (2005: 904) concordam que “o reconhecimento do
território na escala do cotidiano não exclui a identificação de relações de
verticalidade com outros níveis de decisão que podem influenciar sobrema-
neira a vida social local”.
Lacoste (1993), também concorda com a necessidade de análises mul-
tiescalares, mas diz que, antes, é necessário encontrar a escala adequada para
a observação dos fenómenos que se quer estudar, que em outra escala não se
manifestariam.

2. O Território da Saúde

Territorializar a saúde é perceber os problemas e as situações de saúde


no território, por meio de um exercício de elaboração investigativa; é orde-
nar o território de acordo com as necessidades e possibilidades das práticas
Promoção da Saúde a partir de contextos territoriais 33

de intervenção, de modo que o território passa a ser um elemento funda-


mental para o planejamento das práticas e ações de saúde (Barcellos et al.,
2002).
Brandão (2007: 58), ao contrário, apresenta uma crítica, dizendo que a
territorialização das intervenções públicas não pode ser uma panaceia para
todos os problemas do desenvolvimento; e diz ainda: “Na verdade, parece
existir uma opção por substituir o Estado (‘que se foi’) por uma nova con-
densação de forças sociais e políticas (abstrata) que passa a ser chamada de
território”.
Na verdade, a territorialização não substitui o Estado, que continua ten-
do que responder por suas responsabilidades constitucionais, mas pode ser
um instrumento para a implementação de políticas públicas, que tenham
referências claras no território. Efetivamente, isso ocorre com as políticas
públicas de saúde no Brasil e com o Sistema Único de Saúde (SUS) que têm
diretrizes muito claras de territorialização e regionalização, que são pressu-
postos da organização dos processos de trabalho e das práticas de saúde.
Por outra parte, deve-se considerar que o Estado não pode ser visto co-
mo a única força capaz de intervir no território para atenuar os efeitos da
ordem económica selvagem das corporações económicas. Há dinâmicas
sociais e culturais que se estabelecem nos lugares que não estão contidas por
determinações económicas.

2.1. Da saúde do território ao território da saúde

O que se quer dizer quando se fala de saúde ambiental? Pode ser a saú-
de do ambiente, e sendo assim, podemos relacionar isso à saúde de plantas e
animais e à saúde dos ecossistemas. Neste caso, saúde ambiental é a expres-
são da qualidade do ambiente que pode afetar a saúde humana.
Muitos partem da ideia de que saúde ambiental refere-se à saúde do
ambiente, pondo o foco no ambiente, considerando a degradação ambiental e
a poluição. É verdade que a saúde dos ecossistemas e a degradação ambien-
tal afeta a saúde humana, mas, este entendimento vem de um conceito restri-
to de ambiente, como meio físico-biológico-climático, que separa comple-
tamente o homem da natureza.
A WHO (2003 1) diz que saúde ambiental “(…) comprises of those as-
pects of human health, including quality of life, that are determined by
physical, chemical, biological, social, and psychosocial factors in the envi-
ronment. It also refers to the theory and practice of assessing, correcting,
controlling, and preventing those factors in the environment that can poten-
tially affect adversely the health of present and future generations.”

1 http://www.ino.searo.who.int/en/Section4/Section14.htm
34 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Entretanto, outra compreensão de saúde ambiental, mais ampla e abran-


gente, que põe o foco na saúde humana e entende que o ambiente é mais que
a dimensão física ou “natural”, contendo ainda as dimensões socioeconó-
mica, política, psicológica e cultural, e relaciona-se ao lugar em que as
pessoas vivem: o lugar em que moram, trabalham; os lugares do lazer e
também o trajeto entre esses lugares. Neste sentido, saúde ambiental pode
referir-se ao ambiente da saúde, querendo dizer que a saúde dos indivíduos e
das populações é afetada por um contexto de fatores ambientais.
O ambiente da saúde é ao mesmo tempo físico e social, um espaço
de relações, no qual se manifesta a vida cotidiana dos indivíduos e das
populações. O lugar é o resultado de uma acumulação de situações
históricas, ambientais, sociais que promovem condições particulares para
a produção da saúde e das doenças (Monken e Barcellos, 2005).
Existe uma concepção de saúde ambiental fortemente baseada no
modelo da História Natural da Doença que critica o modelo monocausal,
a partir da ideia da tríade causal.
Com a tríade causal, busca-se a causa das doenças, principalmente, as
doenças infecciosas e parasitárias a partir de uma relação entre o patógeno, o
vetor e o ambiente. Ampliou-se o foco da visão para olhar o meio ambiente,
buscando compreender pela ecologia dos vetores os fatores determinantes da
causa, com uma visão finalista. Mas, ainda, busca-se a causa. Os aspectos
biológicos prevalecem e o modelo biomédico continua dominando o modelo
e as ações da vigilância e controle dos riscos ambientais para a saúde
(Augusto, 2003).
A visão biomédica hegemónica da relação saúde-ambiente é limitada e
considera o ambiente apenas como uma das variáveis a serem consideradas
no aparecimento das enfermidades. Neste caso, ambiente e saúde são coisas
separadas e, eventualmente, a primeira podendo exercer influência sobre a
segunda; ou seja, é uma visão tecnológica-tecnocrática para intervir sobre o
meio ambiente, por exemplo, controlando a poluição (Minayo, 2002).
Não há como negar que a saúde ambiental se trata de um campo trans-
disciplinar que envolve as disciplinas da área da saúde, das áreas ecológicas
e da área das ciências sociais, mas a relação entre saúde e ambiente, focada
apenas nos agravos à saúde devido a fatores físicos, químicos e biológicos,
mais diretamente relacionados com a poluição, tem uma clara filiação com o
modelo biomédico de saúde, quando atribuiu ao ambiente um caráter emi-
nentemente ecológico mecanicista no processo saúde-doença (Gouveia,
1999).
Para superar essas visões reducionistas, é preciso considerar a saúde
ambiental numa relação saúde-ambiente a partir de um modelo integrador,
ecossistémico e territorial. Numa concepção que superanda o paradigma
cartesiano, mecanicista e fragmentário por uma concepção holística e inte-
grada, ambiente é mais que o meio físico-biológico-climático (Capra, 1982).
Promoção da Saúde a partir de contextos territoriais 35

Saúde ambiental é mais do que saúde do meio ambiente, é também o


meio socioeconómico, cultural e psicológico, é o ambiente que importa à
saúde humana, tendo em vista que a saúde é resultado da produção social –
determinantes sociais da saúde, equivale a dizer, é o lugar em que as pessoas
vivem: o lugar em que moram e trabalham; o lugar do lazer e também o
trajeto entre esses lugares. Desse modo, não é possível pensar em promoção
da saúde sem pensar em saúde ambiental.
Os paradigmas de saúde estão em disputa nas ações de saúde, nas insti-
tuições e organizações e, também, nas definições teóricas e conceitos dos
campos de conhecimento que têm a saúde como objeto. Como não poderia
ser diferente, a saúde ambiental, que é um campo relativamente novo, tem
rumos divergentes a depender da filiação que faz com os modelos de saúde.
Esta saúde ambiental mais ampla, que se relaciona ao lugar de vida das
pessoas é fundamental para ações de promoção da saúde. Poderíamos dizer,
sem risco de errar, que não é possível fazer promoção da saúde sem promo-
ver a saúde ambiental.

2.2. O território da vida cotidiana

Nogueira (2008), citando Tornnelier (1997) diz: “O geógrafo deve mu-


dar de escala em função do problema proposto, como o fotógrafo muda de
objetiva”. Por isso devemos perguntar: qual é a escala espacial que corres-
ponde às condições de vida e situação de saúde dos indivíduos e das popula-
ções humanas?
Monken e Barcellos (2005: 901) “a escala geográfica operativa para a
territorialização emerge, principalmente, dos espaços da vida cotidiana,
compreendendo desde o domicílio (dos programas de saúde da família) a
áreas de abrangência (de unidades de saúde) e territórios comunitários (dos
distritos sanitários e municípios)”. É na escala da vida cotidiana que se
manifestam os determinantes sociais da saúde, porque a saúde é socialmente
produzida. É verdade que o corpo biológico manifesta saúde e doença, mas é
verdade também que a saúde é produzida socialmente e grande parte das
doenças é originada por fatores externos ao organismo. Isto representa uma
crítica fundamental ao modelo biomédico de saúde, hegemónico, que prefere
não olhar para além do corpo físico, para ver o lugar onde vive o indivíduo.
O território é a expressão do contexto de vida dos sujeitos e grupos so-
ciais, o espaço organizado das relações sociais que produzem saúde e doen-
ça. Sendo assim, para a realização de ações e práticas de saúde, é preciso
considerar o território na escala da vida cotidiana.
Diagnósticos de situação de saúde para expressar as relações complexas
entre os indivíduos e os grupos sociais devem considerar o território, com
todos os significados e conteúdos históricos, socioeconómicos, culturais e
epidemiológicos que possui.
36 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Considera-se, então, o indivíduo como sujeito integrado na família e no


domicílio e, ao mesmo tempo, considera-se o lugar, representado nas condi-
ções coletivas da vizinhança. O lugar delimitado por um contexto de saúde é
um território de saúde (Monken e Barcellos, 2005).
Mais uma vez, não é suficiente conhecer os eventos relativos à saúde
que afetam os indivíduos, é preciso conhecer os contextos ambientais do
lugar que os produzem, para promover estratégias consequentes e eficazes.
A partir dessas definições, precisamos discutir o lugar como uma uni-
dade territorial fundamental que representa o indivíduo e a vizinhança no
contexto da vida cotidiana, cujos limites podem ser o setor censitário, o
bairro, a área de abrangência de uma unidade de saúde, ou a área da “vizi-
nhança percebida” pelos moradores do lugar (Pickett e Pearl, 2001; Proietti
et al., 2008).
A escolha do setor censitário, ou da área de uma unidade administrativa
como unidade territorial da pesquisa pode ser útil pela possibilidade da
obtenção de dados e informações já disponíveis em instituições públicas, em
diversos bancos de dados (Proietti et al., 2008).
Como, então, apreender esses contextos ambientais do processo saúde-
-doença. Em primeiro lugar, é necessário reconhecer que os indicadores
individuais de saúde podem ser insuficientes para compreender os eventos
relativos à saúde, que resultam de uma complexa relação entre a situação dos
indivíduos, da população (dados agregados) e do território, sendo necessária
uma abordagem multinível.
Proietti et al. (2008) propõem uma abordagem com níveis de complexi-
dade hierarquicamente estabelecidos: individual, agregado e contextual. No
nível individual apreende-se a situação dos indivíduos, como idade, género,
ocupação, escolaridade, renda (variáveis individuais); as variáveis que são
propriedades do agregado caracterizam a população, nas suas condições de
vida (variáveis de composição) e as variáveis que caracterizam os atributos
físicos e sociais do lugar, que não resultam da agregação de características
dos indivíduos (variáveis integrais).
Na linguagem geográfica, chamaríamos essa abordagem de espacial
multiescalar que permite conhecer a realidade dos indivíduos, mas também
os contextos de vida cotidiana do lugar. Iniciando-se pela escala da moradia,
identificam-se as variáveis individuais. Na escala do lugar, o bairro, vizi-
nhança ou outro recorte espacial que permita apreender os contextos da vida
cotidiana dos indivíduos, identificam-se as variáveis de composição e as
variáveis integrais. Numa terceira escala de abordagem, ainda, devemos
considerar as conjunturas económicas, sociais, culturais e ambientais e as
políticas públicas que afetam o lugar.
Resta dizer que estamos tratando de identificar os contextos da vida coti-
diana como contextos de saúde, a partir das condições sociais e culturais do
lugar onde se vive, para além das condições socioeconómicas dos indivíduos.
Promoção da Saúde a partir de contextos territoriais 37

Os estudos sobre o “efeito de vizinhança” tentam reconhecer como o


lugar pode afetar a saúde e o bem estar dos indivíduos, identificando-se as
condições materiais e sociais como, por exemplo, rede de serviços de saúde
e assistência social, áreas de recreação e lazer, infraestrura urbana de vias
públicas e saneamento ambiental, níveis de poluição, agregação social e de
redes sociais de solidariedade, possibilidades de emprego e renda, violência
e criminalidade (Phelan et al., 2010).
Na Figura 1 apresenta-se um modelo esquemático de investigação de
um bairro ou uma vizinhança, para identificar contextos territoriais que
podem ajudar a estabelecer políticas públicas e estratégias de promoção da
saúde. Neste esquema apresentam-se duas escalas de trabalho.

Figura 1 – Esquema metodológico para o estudo de contextos territoriais

De um lado, a moradia identifica os dados dos indivíduos (variáveis in-


dividuais) e os dados agregados, que representam o conjunto dos indivíduos,
a população do lugar, obtida a partir do tratamento estatístico das variáveis
individuais (variáveis de composição). As informações podem ser obtidas a
partir das bases de dados oficiais e de inquéritos socioeconómicos e epide-
miológicos (quantitativas), assim como, observações e entrevistas para
conhecer as histórias de vida dos sujeitos (qualitativas).
Do outro lado, o território nos apresenta dados e informações (variáveis
integrais) que não se relacionam diretamente aos indivíduos nem à popula-
38 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

ção, mas ao lugar que apresenta características físicas e interações sociais


que não podem ser obtidas por meio de inquéritos populacionais, e seriam
obtidas com “observação social sistemática” (Phelan et al., 2010).
Um estudo interessante que demonstra como utilizar esta observação
social sistemática para caracterizar o território foi realizado por Cohen et al.
(2000) que investigaram a associação entre incidência de gonorreia, compor-
tamento sexual de alto risco e características físicas do local de vizinhança
como medida da desordem social, num bairro de Nova Orleans (EUA).
Foram observados 55 quarteirões, analisando-se as condições dos edifí-
cios e das vias públicas, a partir do índice de “janelas quebradas”, que media
a qualidade das moradias, carros abandonados, pichações, lixo, e deteriora-
ção de prédios públicos. A base teórica desse trabalho foi a teoria da janela
quebrada, originalmente proposta por Wilson (1989), que relaciona o nível
de desordem da vizinhança com a criminalidade, sugerindo que a aparência
do ambiente físico deteriorado não representa apenas negligência, mas
também um sinal de que comportamentos que são geralmente proibidos,
neste lugar são tolerados. Nesta pesquisa, a ideia era que a paisagem de
ambiente descuidado significava desordem social, um sinal de que ninguém
se importava com o lugar, não havia regras a serem seguidas e isto oferecia
oportunidades para comportamentos e situações de risco à saúde.
Os resultados sugeriam que a deterioração física do bairro pode ser um
indicador para comportamentos de risco para doenças sexualmente transmis-
síveis. Independente da validação das conclusões, essa pesquisa demonstrou
como utilizar a observação social sistemática como procedimento metodoló-
gico para estudos de contextos territoriais da saúde.
Outro estudo que pode ser citado é o de Nogueira (2008), realizado na
área metropolitana de Lisboa, relacionando indivíduos, lugares e saúde, a
partir da análise da privação sociomaterial e com as dimensões do ambiente
sociomaterial local.
Aqui é preciso tomar cuidado com que o que se apelida de falácia ecoló-
gica e falácia atomística. Não se pode, apenas com dados de contexto inferir a
situação de saúde dos indivíduos, e o contrário, não se pode com dados indivi-
duais apenas inferir sobre o contexto (Noronha e Andrade, 2006).
Sem incorrer no risco de tomar a escala local como a única ou de pensar
que as estratégias de desenvolvimento territorial local podem prescindir de
análises territoriais de outras escalas, e sem negligenciar as forças da globa-
lização, podemos responder, sem sombra de dúvida, que o lugar é o território
de vida e trabalho, com toda a sua dinâmica económica, social e cultural.
Na ideia de desenvolvimento local sustentável está implícita a noção de
lugar como escala territorial. É na escala local que ocorrem as inter-relações
pessoais da vida cotidiana, que se constroem identidades. É no lugar que se
manifestam os problemas concretos dos indivíduos e das populações, o
cotidiano conflitante e solidário vivido em comum (Martins, 2002).
Promoção da Saúde a partir de contextos territoriais 39

2.3. Promoção da Saúde

O conceito de promoção da saúde faz parte de uma nova concepção de


saúde que tenta romper com a hegemonia do modelo biomédico, para ampli-
ar o olhar para além do indivíduo e do corpo, para ver o lugar onde ele vive.
Essa ideia ganhou muita força a partir do relatório Lalonde, que dizia
que a saúde é resultado de um conjunto de fatores que podem ser grupados
em quatro categorias (Lalonde, 1974):
• Biologia Humana – envolve todos os fatos que se manifestam como
consequência da constituição orgânica do indivíduo, incluindo a sua
herança genética;
• Ambiente – agrupa os fatores externos ao organismo, nas suas di-
mensões física e social;
• Estilos de vida – inclui o conjunto das decisões que o indivíduo toma
a respeito da sua saúde, no que se refere às atividades de lazer e ali-
mentação;
• Organização da Atenção à Saúde – disponibilidade, quantidade e
qualidade dos recursos destinados aos cuidados com a saúde.

O ambiente de Lalonde, considerando todos os fatores externos ao or-


ganismo, nas suas dimensões física e social passa a ser o lócus da produção
social da saúde, o que equivale a dizer “determinação social da saúde”, na
qual se deve considerar como fatores preponderantes a pobreza, o desempre-
go, a habitação precária e outras desigualdades econômicas e sociais (Heid-
mann et al., 2006).
A partir deste entendimento, começou a ser construído um novo paradi-
gma para a saúde, que os conceitos de saúde e qualidade de vida se aproxi-
mam e dependem não só de uma condição biológica do corpo, mas depen-
dem, também, das relações construídas pelos indivíduos e grupos sociais nos
lugares onde se vive.
Portanto, os pré-requisitos básicos para se obter saúde estão nas condi-
ções e recursos fundamentais da vida cotidiana: paz, abrigo, educação,
alimentos, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e
equidade. Efetivamente, só é possível alcançar essa condição a partir de
estratégias de promoção da saúde, definida na carta de Ottawa com ações
baseadas em cinco princípios fundamentais (WHO, 2009):
• Elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis;
• Criação de ambientes favoráveis à saúde;
• Reforço da ação comunitária,
• Desenvolvimento de habilidades pessoais;
40 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

• Reorientação dos sistemas e serviços de saúde.

Políticas públicas saudáveis são necessárias tendo em vista que a saúde


exige mais do que ações do setor de saúde; depende das ações dos diversos
setores do governo e da sociedade, o que impõe a intersetorialidade na
governança política para as ações e práticas de saúde. A conferência interna-
cional de saúde de Adelaide, realizada em 2010, teve como tema “saúde em
todas as políticas”, o que requer uma nova forma de governar, em que haja
um envolvimento coordenado de todos os setores do governo para promover
a saúde e o bem estar (WHO, 2010).
Segundo Brasil (2010), a Promoção da Saúde pode ser vista como uma
estratégia intersetorial de atenção à saúde que visa melhorar a qualidade de
vida e a redução das vulnerabilidades e riscos à saúde. Tendo em vista que a
saúde depende da relação entre os indivíduos e grupos sociais com o lugar
em que vive, é possível promover saúde construindo ambientes saudáveis,
não só preocupando-se com o meio físico-biológico, mas também com o
ambiente socioeconómico, cultural e psicológico do cotidiano das pessoas e
coletividades, buscando reconhecer as situações de iniquidades nos territó-
rios de vida e trabalho. Não se pode falar em promoção da saúde sem falar
de construção de territórios saudáveis.
A partir de intervenções sobre o território, pode-se promover a saúde,
modificando os contextos relacionados com os modos de viver, condições de
trabalho, habitação, ambiente, educação, lazer, cultura, acesso a bens e
serviços essenciais (Polonia e Alves 2003).
A Carta de Ottawa (1986) remete-nos para a ideia de empoderamento
dos indivíduos e coletividades, que significa reconhecer-se como sujeito na
sociedade e no lugar em que se vive, para não esperar, simplesmente, pelo
poder público, mas que seja capaz de agir com organização e autonomia,
para estabelecer estilos de vida saudáveis e de ajudar na construção de
ambientes saudáveis. Portanto, o desenvolvimento de habilidades pessoais
para promover uma vida saudável é um requerimento fundamental para o
empoderamento dos indivíduos, não só para a autodeterminação de modos e
estilos de vida saudáveis, mas também para que sejam sujeitos e não simples
objeto das políticas públicas. Efetivamente, isso que exige o fortalecimento
dos mecanismos de participação política e controle social, assim como o
contínuo acesso às informações.
Por fim, nada disso pode acontecer se, antes, não se promover a reorien-
tação dos sistemas e serviços de saúde que devem alinhar-se cada vez mais
na direção desta nova concepção de promoção da saúde, que exige práticas
de saúde que ultrapassam as ações curativas e hospitalares e chegam ao
território de vida dos sujeitos e coletividades.
Promoção da saúde é uma estratégia para atuar sobre as iniquidades de
saúde, produzidas por determinantes sociais, ou seja, fatores socioeconómi-
Promoção da Saúde a partir de contextos territoriais 41

cos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que determi-


nam situações de saúde e problemas de saúde (Buss, 2007).
O modelo de determinantes da saúde de Dahlgren e Whitehead (1991),
juntamente com o conceito de território usado que dá concretude aos lugares
(Santos, 1988), pode ser muito útil para a compreensão das relações ambien-
tais que afetam o processo saúde-doença.

Figura 2 – Modelo de determinantes sociais da saúde de


Whitehead & Dahlgren (2001)

Fonte: CDSS (2008).

O modelo apresenta camadas concêntricas. Na camada mais interna es-


tão os fatores individuais de idade, sexo e fatores genéticos que influem
sobre a saúde. No nível externo seguinte estão os fatores relacionados com o
comportamento pessoal e modos de vida, que são fortemente influenciados
pelos padrões culturais dos grupos sociais. A próxima camada corresponde à
organização comunitária e redes de apoio social e de solidariedade. No
próximo nível estão os fatores que expressam as condições de vida e de
trabalho, ou seja, ambiente de trabalho, educação, disponibilidade de alimen-
tos, desemprego, saneamento ambiental, acesso a serviços de saúde e habita-
ção. Na camada mais externa estão os fatores estruturais relacionados com as
condições económicas, culturais e ambientais da sociedade exercendo grande
influência sobre todas as camadas subjacentes.
Como estratégia de intervenção sobre os determinantes da saúde, a
Promoção da Saúde estabelece uma proposta de ação holística e sistémica,
numa perspectiva socioecológica, entendendo que o processo saúde-doença
resulta de interações complexas dos sujeitos com o seu ambiente físico,
socioeconómico e cultural.
42 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Para efetivar intervenções sobre as condições de saúde com a ótica da


promoção da saúde, incorporando a integralidade, devem-se realizar articu-
lações intra e intersetorial, com atuação em rede do emprego de metodolo-
gias interdisciplinares e participativas, que visam a interação e a mobilização
social.
Como a saúde é marcada fortemente pela realidade social das popula-
ções, populações em situação de vulnerabilidade social estão sujeitas a
circunstâncias de pobreza, baixa escolaridade, insegurança alimentar, mora-
dia inadequada, falta de higiene e baixa qualificação profissional que consti-
tuem contextos muito favoráveis à doença. Os mais pobres estão mais expos-
tos aos contextos vulneráveis à saúde.
É o que House et al. (1990) reconheceram, ou seja, que indivíduos na
base da pirâmide social são acometidos por doenças crónico-degenerativas
com antecedência de aproximadamente 30 anos em relação aos indivíduos
socialmente mais abastados.
É verdade que a vulnerabilidade social pode ser percebida pelas condi-
ções socioeconómicas desfavoráveis em que vive uma população, mas
seriamos simplistas demais se pensássemos que a sociedade está determina-
da exclusivamente pela economia. Neste caso, estaríamos tentando livrar a
saúde de um determinismo biológico e corremos o risco de aprisioná-la ao
determinismo económico.
Outro fato importante a ser destacado é que quando falamos de vulnera-
bilidade social queremos mudar o foco da atenção do indivíduo para a popu-
lação. Quando é preciso tratar o doente, para curar ou controlar a doença, o
tratamento é individual, mas quando se quer realizar promoção da saúde tem
que se pensar nos grupos sociais, na população e, invariavelmente no contex-
to ambiental do território e do lugar.
Vulnerabilidade social é o conceito que explica o estado de maior ou
menor exposição das populações e grupos sociais aos fatores de exclusão
social, e refere-se a um conjunto de situações que conforma um contexto de
negação dos direitos sociais: educação, saúde, moradia, renda mínima para
um consumo que permita manter a vida e a dignidade humana. Estudos de
vulnerabilidade social para fins de estratégias de promoção da saúde e a
construção de territórios saudáveis deve considerar três aspectos: a popula-
ção, o território e as redes sociais.
Por tudo isso, a construção de territórios saudáveis passa pela operacio-
nalização dos conceitos de justiça social, de sistemas de produção sustentá-
veis, de redução de consumo, de acesso universal aos sistemas de atenção à
saúde, mas também de sistemas de vigilância em saúde (epidemiológica,
sanitária e saúde ambiental) e promoção da saúde, articulando políticas
públicas intersetoriais e redes sociais para a melhoria de condições de vida
da população (Teixeira e Costa, 2003).
Promoção da Saúde a partir de contextos territoriais 43

3. Conclusões

Os princípios e definições apresentados nos planos nacionais e interna-


cionais indicam uma nova concepção de saúde, que procuram dar mais
relevância à atenção primária, indicando como prioridade as ações de vigi-
lância, prevenção e promoção da saúde, o que parece ser mais adequado ao
momento histórico atual, e que pode realizar uma mudança radical, trans-
formando os sistemas de saúde para serem efetivamente da saúde e não da
doença.
Entretanto, no nível local, o modelo biomédico, medico-assistencialista,
curativo e hospitalocêntrico, continua hegemónico. Há um descompasso
imenso entre a teoria e a prática, entre a concepção e a ação. Será preciso
transformar as ações e práticas de saúde, reorganizando o trabalho nas uni-
dades locais de saúde, para incorporar as políticas de saúde nas ações.
Para as estratégias de vigilância e promoção da saúde torna-se funda-
mental considerar o território de vida e trabalho dos indivíduos e das popula-
ções, com ações e práticas de saúde que ajudem a melhorar a qualidade de
vida e atuem sobre os determinantes sociais da saúde, construindo territórios
saudáveis.
A construção de territórios saudáveis faz-se com o estabelecimento de
políticas públicas urbanas voltadas para a melhoria da qualidade de vida.
Cada território possui particularidades e diversidades, económicas, culturais
ou sociais. Não se pode fazer uma política única para lugares que possuem
características e necessidades diferentes. É preciso conhecer, em cada lugar,
a população, os seus costumes, hábitos, necessidades para que se possa
contribuir para a construção de ambientes saudáveis.
Promoção da saúde é a estratégia de ação intersetorial que operacionali-
za a ideia de territórios saudáveis. Mas, não é possível fazer promoção da
saúde sem considerar os indivíduos e os grupos sociais como sujeitos. É
preciso construir territórios saudáveis com políticas públicas intersetoriais,
inclusão social e, sobretudo com a participação das redes sociais de solidari-
edade.
Por isso, reconhecer os territórios, rompendo a ruptura entre objeto e su-
jeito, é a condição básica para os programas de promoção da saúde que se
devem estabelecer com intervenções intersetoriais e participativas, em que a
população seja considerada como sujeito do processo de transformação da
realidade.
É a partir dos conceitos de vulnerabilidade social, de saúde ambiental e
território saudável que se deve pensar a promoção da saúde, para a constru-
ção de cidades saudáveis. Promover a saúde é construir territórios saudáveis.
44 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

4. Agradecimentos

Agradecemos à Coordenação de CAPES – Coordenação de Aperfeiço-


amento de Pessoal de Nível Superior pelo apoio à pesquisa que originou este
trabalho.

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Australia, Adelaide. [Em linha] Disponível em: <http://www.who.int/social_
determinants/hiap_statement_who_sa_final.pdf>. [Consultado em 28/08/2012].
Wilson, J.Q.; Kelling, G.L. (1982), “Broken Windows: The Police and Neighborhood
Safety”, Atlantic Monthly, 249, pp. 29-38. [Em linha] Disponível em:
<http://www.theatlantic.com/magazine/archive/1982/03/broken-windows/4465/>.
[Consultado em 12 Ago. 2011].
CAPÍTULO 3

EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE VERSUS PROMOÇÃO DA


SAÚDE: MUDANÇA CONCEPTUAL INOCENTE?

Clara Costa Oliveira


IE-CEHUM
Universidade do Minho

Resumo

Faremos uma abordagem histórica das expressões em estudo, no âmbito


da OMS, indicando as ideologias que lhes subjazem, tendo anteriormente
dado conta da evolução do conceito de educação no século passado. Serão
ainda abordadas as várias gerações de Educação/Promoção da Saúde, bem
como os vários níveis de prevenção defendidos pelos especialistas. Entre
eles, será dada especial atenção ao quaternário, que só acredito poder ser
efetuado com recurso ao âmbito educativo (formal e não formal) de cuidado-
res de saúde. Faremos ainda uma abordagem epistemológica dos pressupos-
tos em que assenta a Promoção da saúde, propondo o modelo salutogénico
de A. Antonovsky como um pré-paradigma que se avizinha possível, centra-
do na saúde, em detrimento de uma exclusiva focalização na patogenia. É
ainda apresentada uma ampla bibliografia, que pode orientar os leitores
interessados em aprofundarem as questões aqui apresentadas.

1. Introdução

Até 1986, a expressão «educação para a saúde» era aquela que era utili-
zada, quer pelas equipas sanitaristas (enfermeiros e médicos, sobretudo),
quer pelos professores, e outros profissionais, que atuavam em programas de
prevenção da doença em todo o mundo.

Desigualdades Socioterritoriais e Comportamentos de Saúde, Lisboa, Edições Colibri, 2013,


pp. 47-73.
48 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

A partir da Conferência da OMS (Organização Mundial de Saúde), rea-


lizada em Ottawa (1986), aquela expressão começou a ser substituída por
«promoção da saúde». Iremos aqui refletir sobre algumas das razões históri-
cas, filosóficas, políticas, etc., de esta mudança conceptual.

2. Educação para a saúde: surgimento e desenvolvimento de uma ex-


pressão em declínio

A expressão „educação para a saúde‟ surge na história ocidental associ-


ada aos médicos sanitaristas, ou higienistas, do século XIX, que se preocu-
pavam com as condições miseráveis que o desenvolvimento do capitalismo
industrial criara, na vida das populações. O quotidiano de muitos milhares de
pessoas era a pobreza, a falta de higiene e de acesso a cuidados de saúde. A
maior parte destes homens eram médicos preocupados com a saúde pública,
tendo identificado que ela se associava às condições sociais em que as pes-
soas viviam. Alguns desses médicos foram: J. Snow, conhecido sobretudo
pela sua defesa da anestesia obstetrícia e pelo estudo epidemiológico da
cólera; W. Alison, M. Terris, o português Ricardo Jorge, e Charles-Edward
Winslow, este último bacteriologista, criador da mencionada expressão, que
acabou por ser retomada nas Conferências da Sociedade das Nações, insti-
tuição precursora das Organização das Nações Unidas (ONU).
Nas reestruturações dos cursos de Medicina de então (e a criação de vá-
rios deles) encarava-se com menos polémica a existência de áreas de saúde
pública/comunitária, também apelidada, por vezes, de «Medicina social». O
primeiro académico de Medicina social foi o médico John Ryle, na universi-
dade de Oxford, em 1943.
A que é que este homens (e sem dúvida que podemos considerar
Nightingale como uma higienista, ainda que não fosse médica) se referiam
quando falavam em „educar para a saúde‟? O seu objetivo era sobretudo
conseguirem controlar situações epidemiológicas, que se relacionavam
intrinsecamente com questões de ordem social. Acreditavam que era preciso
educar as pessoas para que elas passassem a ter cuidados de higiene básicos,
que impediriam muitas das epidemias, como a da cólera, tifo, tuberculose,
entre outras. O seu propósito era pois atuar no presente, e para isso se consti-
tuíram campanhas de educação junto das populações mais pobres, que se
deslocavam aos bairros onde estas pessoas viviam, ou aos seus locais de
trabalho (lembremo-nos que uma das instituições mais importantes das
sociedades atuais – a escola – era privilégio de muito poucos, e não de
pobres).
Havia pois uma intencionalidade deliberada e concreta num plano de
ação que delineavam, e que acreditavam que se devia ensinar aos médicos
em formação, a delinear. Três características dessa época se mantiveram, até
Educação para a Saúde versus Promoção da Saúde 49

hoje, nos projetos em educação para a saúde: 1) atuar ao nível individual,


focalizando-se no presente; 2) delinear-se ações combinadas entre si, que
promovam aprendizagens, das quais emergirão novos comportamentos, de
modo voluntário (Green e Kreuter, 1999); 3) estabelecimento de contacto
direto entre os educadores para a saúde e a população-alvo, mesmo quando
se aliava a campanhas de informação de tipo social.

[…] Mi madre fue la Visitadora Social que com el Dr. Vicente Dañino
organizaron a comienzos de la década del 40, lo que fuel a campaña
Antivenérea en Chile. […] Si cubrió el país de afiches que decían de todas
las maneras posibles, en que consistían las enfermidades venéreas. Se créo
en todo el país un sistema de policlínicos, donde podían ser atendidas las
personas que consultaban, que iban allá donde había una Assistente Social
que investigava discretamente la red sexual de la persona, y por supuesto
estaba el tratamiento gratuito. […] En dos anos […] bajó [mucho] el índice
de nuevos contágios. […] Como pasó así, que yo le pergunte a la mamá
como creia que ella había resultado esto. […] Un factor importante fue que
cuando una persona se saltaba una inyección, el policlínico mandaba un
Carabinero a su casa […], yo le decia no mamá no puede haber sido eso,
primero porque el Carabinero lo único que hacia era recordarle a uno. Há!
Pero el miedo, si claro, pero no había allí una acción, no había un acto
punitivo, no era una falta punible, habia outra cosa más importante, la gente
contaba de de su rede de relaciones sexuales. Y esto es interesante. Esto de
decir que me acoste com él o con ella, oye, pero por favor, esto no era
trivial contar com quien uno tiene una relación sexual imaginense en
1941/42 [….] (Maturana, 2002: 7).

Esta citação de Maturana (biólogo e pai da teoria da autopoiesis) ajuda-


-nos a compreender a crítica que posteriormente se vai fazer à educação para
a saúde, como sendo uma forma de saúde pública (enquanto área da Medici-
na; lembro que a Enfermagem, como área científica, dava então os primeiros
passos), apenas, e de carácter penalizador da vítima (blaming the victim),
ainda que manifeste também o carácter eficaz do programa de prevenção em
questão, que exemplifica muitos dos programas de educação para a saúde
dos anos 40 do século passado.
O carácter penalizador da educação para a saúde, e a sua vinculação à
autoridade médica, foram duas das razões que fizeram surgir o movimento
da Promoção da Saúde, como veremos adiante.

2.1 Evolução dos conceitos ‘educar’ e ‘aprender’ no séc. XX

Hoje, a educação para a saúde aparece muitas vezes como uma especia-
lidade dentro das ciências da educação; outras vezes, porém, os profissionais
de saúde reclamam-na como sua. A „educação para a saúde‟ refere-se pois a
50 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

uma área científica que exige uma (auto) formação interdisciplinar nem
sempre fácil de obter, dada a divisão, por vezes extremada, a que as entida-
des certificadoras da formação nesta área (sobretudo as universidades e os
institutos politécnicos) se encontram vinculados.
Tal dificuldade agrava-se, sobretudo com a abrangência de educadores
para a saúde (formais, não formais e informais) que podemos encontrar nas
sociedades humanas de todos os tempos, assunto que desenvolveremos em
breve.
Mas prende-se também com grandes mudanças concetuais que ocorre-
ram no âmbito educativo, durante o século passado, que foi o século de
expansão da educação escolar na Europa mediterrânica, abrindo-se às meni-
nas e aos filhos da classe operária, por exemplo. Não é pois de admirar que o
final desse século, e início do século XX, fossem muito dedicados à educa-
ção formal de tipo escolar. Ele iniciou-se com a “educação bancária” (Freire,
1976) mas também com a esperança trazida por autores como Maria Mon-
tessori, Célestin Freinet, John Dewey, Edouard Claparède, Faria de Vascon-
celos, Carrington da Costa, Delfim Santos, António Sérgio, e outros repre-
sentantes das Escolas Novas.
Ainda que divergindo entre si em vários aspetos, todos sublinharam du-
as dimensões: a valorização da aprendizagem não escolar e a compreensão
dos fenómenos educativos a partir da ciência. Este último era importante
para tentar desvincular a formação de pedagogos da dimensão normativa de
Filosofia, buscando-se antes uma dimensão descritiva dos fenómenos de
aprendizagem que permitisse (acreditava-se) uma educação mais eficaz.
Com os autores das Escolas Novas, foi o próprio mundo escolar que
começou a ser explicitamente confrontado com a educação não formal e
informal dos alunos; Freinet, entre outros, criou métodos inovadores originá-
rios na educação informal, tendo como propósito a revolução social, própria
do seu ideário marxista.
Foi, no entanto, sobretudo a partir da II Grande Guerra que o conceito
„Educação‟ se modificou extraordinariamente, no contexto das Conferências
Internacionais de Educação de Adultos, patrocinadas pela UNESCO. Em
1972 (Conferência de Tóquio), a educação escolar passa a ser considerada
um subsistema da educação permanente e comunitária. Desta Conferência
resultou a Declaração de Nairobi sobre Educação de Adultos (UNESCO,
1976). Nela se estabelecem vários aspetos que nos interessa ter presente: 1 –
a educação é um único processo, que se desenrola (pelo menos) desde o
nascimento até á morte das pessoas; 2 – a educação, enquanto processo
único, não se encontra ontologicamente faseada em etapas ontogénicas
diferenciadas; 3 – a educação ocorre não só em contexto formal (escolas e
centros de formação, por exemplo), mas também em contexto não formal
(associações religiosas, desportivas, por exemplo) e informal, sobretudo (a
educação familiar e entre amigos, por exemplo). Foi nesta Declaração que se
Educação para a Saúde versus Promoção da Saúde 51

passou a possuir uma definição sólida de educação permanente e comunitá-


ria (life long learning). Ela passa a ser entendida como os processos que
criam condições para que cada pessoa possa desenvolver, integral e harmo-
niosamente, todas as suas dimensões (emotiva, raciocinativa, ética, espiritual,
profissional, lúdica, etc), colocando cada pessoa essas capacidades ao serviço
da comunidade. Esta definição foi também um marco por implicar a educação
em contextos comunitários, e os responsabilizarem, ou seja, cabe às comuni-
dades criarem condições (políticas, económicas, por exemplo) para que os
cidadãos se eduquem, e cabe a estes servirem a comunidade com todas as suas
capacidades que vão desenvolvendo (cfr. Oliveira, 2004: 45-46)
As Conferências Internacionais de Educação de Adultos foram alargan-
do esta conceptualização, até atingir uma perspetiva ecossistémica; alguns
autores consideram, no entanto, que a partir dos finais dos anos 80 se vis-
lumbra claramente a subjugação da educação permanente e comunitária aos
interesses puramente produtivos da formação contínua de tipo empresarial
(Ribeiro-Dias, 2009). Tal pode ser, com efeito, um dos efeitos perversos de a
ONU ter declarado que a educação ocorre num único processo (life long
learning and education) com dois momentos: a educação de infância (até aos
18 anos) e a educação de adultos.
Este posicionamento por parte da UNESCO trouxe, contudo, aspetos
muito positivos, nomeadamente a valorização da educação não formal e
informal.
Aos educadores não formais reconhece-se um papel educativo funda-
mental no que respeita ao modo de lidar com o sofrimento (logo, na educa-
ção para a saúde) como por exemplo, os grupos de autoajuda, ou ao pastor
que acolhe a aconselha o jovem toxicodependente. Os educadores informais
somos todos nós, o filho que beija a mãe no seu desalento, a mulher que reza
pelo marido que acamou, o amigo que leva o amigo a ver o mar num mo-
mento especialmente difícil, etc. Os educadores formais de educação para a
saúde são, lato sensu, os profissionais de saúde (psicólogos, farmacêuticos,
radiologistas, assistentes sociais, fisiatras, fisioterapeutas, médicos, enfer-
meiros, etc).
Vemos pois que hoje, um educador para a saúde, não tem por mera mis-
são instruir, ensinar procedimentos que levem a mudanças comportamentais
voluntárias, mas usualmente coercivas e automáticas. A compreensão do que
significa educar, e também aprender, mudou substancialmente face ao signi-
ficado que lhe era atribuído pelos médicos higienistas-sanitaristas das pri-
meiras décadas do século passado.
A Educação para a Saúde foi reconhecida pela Organização Mundial de
Saúde (OMS, organismo da ONU) no final dos anos 70, na Declaração de
Alma Ata (1978); no entanto, a definição de saúde que aí podemos encontrar
(muito para além da ausência de enfermidade) é defendida pela OMS desde
a sua criação, em 1948, e vincula-se – mais ou menos diretamente – à conce-
52 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

ção de life long learning da Declaração de Nairobi. Os anos 70 e 80 do


século passado foram os anos áureos da educação para a saúde, com a ex-
pansão desta área em todos os subsistemas (incluindo o escolar) do sistema
educativo.

2.2 Evolução do conceito de ‘saúde’

Desde o surgimento da ciência moderna, nos séculos XV e XVI; que a


saúde tem vindo a ser entendida, no ocidente, como «ausência de doença».
Para tal muito contribuiu o paradigma mecanicista newtoniano no qual
assentaram todas a ciências, pelo menos até final do século passado. O
conceito „saúde‟ vinculou-se, na nossa cultura, sobretudo a duas áreas: a
Biologia e a Medicina, que utilizaram o conceito „doença‟ como defeito
numa máquina cujo funcionamento se assemelha ao de uma máquina cons-
truída por mãos humanas. A esta conceção de „saúde‟ apelida-se usualmente
„teoria/modelo biomédico‟ (Machado, 2006).
Em 1974, o relatório Lalonde (sobre a saúde dos canadianos) veio pro-
por que, além da dimensão biológica, se tivesse em consideração, na avalia-
ção de saúde dos cidadãos variáveis de âmbito comunitário (retomando a
ligação da pobreza à ausência de doença, por exemplo) e também individual,
de foro não fisiobiológico, como os estilos de vida (Tura, 2009). Foi no
entanto preciso esperar pela Conferência Internacional sobre Cuidados
Básicos de Saúde, promovida pela Organização Mundial de Saúde (OMS),
em 1978, em Alma-Ata, sob a égide Saúde para todos no ano 2000, para que
uma nova perspetiva ideológica se afirmasse (pelo menos teoricamente).
Nela, a saúde passa a ser entendida como um estado de completo bem-estar
físico, mental e social e não apenas como ausência de doença (OMS, 1978:
1). Dado não se negar a dimensão física, em Alma Ata, a enfermidade é
também contemplada como sendo uma forma de falta de saúde (dado que
provoca deficiência ao nível da autoperceção de bem estar), mas nessa
Conferência passa-se a definir a saúde pela positiva, dependente de autoper-
ceções individuais sobre o seu próprio bem-estar. Importante nesta Confe-
rência, sobretudo no âmbito deste livro, foi a identificação de assimetrias
chocantes entre o bem-estar de populações que vivem em localizações
geográficas diferenciadas (conectando esta situação com o (des)governo
político nessas áreas geográficas).
Os anos seguintes caracterizaram-se pois por uma educação para a saú-
de muito centrada na adoção de estilos de vida ditos saudáveis, ou na quali-
dade de vida das populações, jargões nem sempre utilizados, e muito menos
refletidos e problematizados, em função das conceções avançadas por Alma
Ata. À época, a maior parte dos projetos de Educação para a Saúde cabia ao
técnico de saúde, ou de educação – usualmente escolar – que procediam à
Educação para a Saúde versus Promoção da Saúde 53

identificação das variáveis consideradas encorajadoras de comportamentos, e


estilos de vida, saudáveis (Tones e Tilford, 2001). Do meu ponto de vista, a
orientação mais produtiva de Alma Ata prende-se com a sensibilização dos
estados membros da ONU para com os cuidados de saúde primários, tendo
sido implementadas em vários países medidas para a sua concretização
(ainda que estejamos muito longe de o termos conseguido, efetivamente;
veja-se o caso do saneamento básico em Portugal, onde existem cidades com
zonas sem esgotos, por exemplo (já para não falar da situação em mundo
rural, que rondará quase a totalidade do território).

3. Promoção da Saúde

A Declaração de Nairobi vincula definitivamente a educação às comu-


nidades nas quais ocorre (como vimos), um tema bem ao gosto dos defenso-
res da „Promoção da Saúde‟.
A expressão «promoção da saúde» parece ter sido expressa, com rigor,
pela primeira vez pelo francês Henry Sigerist, em 1945, apontando-a como
um dos quatro papéis da Medicina; para além dela, os outros três eram a
prevenção da doença, a restauração dos doentes, e a sua reabilitação. Health
is promoted by providing a decent standard of living, good labor conditions,
education, physical culture, means of recreation and rest. [...] the promotion
of health obviously tends to prevent illness, yet effective prevention calls for
special protective measures (Terris: 1992). Sigerist considerava que o factor
mais importante de todos na promoção da saúde era, curiosamente, educação
livre para todas as pessoas (incluindo educação para a saúde) 1, seguida de
condições de trabalho e de vida, meios para descanso e lazer e, em último
lugar, cuidados médicos. Esta expressão surge com relevo nos documentos
da OMS em 1986 (Carta de Ottawa), em continuidade com os princípios nos
quais se funda a própria Organização das Nações Unidas: a paz no mundo,
fundada na dignidade humana. A partir desta Conferência, até 2009 (Confe-
rência de Nairobi da OMS), esta expressão substitui paulatinamente «educa-
ção para a saúde», nos documentos da OMS.

[…] The emergence of health promotion has been paralleled by the


marginalisation of health education. This has not just been due to mere
fashion but has been indicative of an underlying dissatisfaction with the
aspects of the theory and practice of public health. [...]. The demise of the
conventional approach to health education centres on its ‘victim blaming’
philosophy –real or imagined. Unfortunately, the health education baby
was thrown out with the proverbial bath (Tones e Tilford, 2001: vii)

1 Note-se que ele se referia à educação escolar, mas não a circunscrevendo, necessaria-
mente, apenas às crianças e jovens.
54 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Convém salientar que tendo sido expressão ‟promoção da saúde‟ defi-


nida por Sigerist, quem a introduziu definitivamente na OMS foi a primeira
responsável vinda das ciências sociais – Ilona Kickbusch; todos os anteriores
dirigentes tinham sido médicos (Sakellarides, 2005). Isso ajuda a perceber
que a promoção da saúde pós Ottawa se direciona para mudanças de com-
portamento, a nível organizacional, desfocando-se gradualmente das pessoas
individuais. Dirige-se sobretudo para o futuro, em detrimento do presente, e
daí a sua aposta mais forte ocorrer ao nível da prevenção. Na mesma linha
socializante, perspetiva-se as mudanças em saúde como emergindo de mu-
danças sociais nas quais se envolvam políticos e outros agentes comunitá-
rios, situados fora do espaço usualmente considerado como o da educação
para a saúde. A situação tornou-se, a meu ver, perigosa: ao que se consta, o
financiamento da instituição (OMS) pelos estados membros da ONU já é
menor que o financiamento garantido pela indústria farmacêutica e por
ONGS, entre outras organizações.
1 Note-se que ele se referia à educação escolar, mas não a circunscre-
vendo, necessariamente, apenas às crianças e jovens.
Alguns documentos da ONU (da OMS, nomeadamente) são contraditórios
entre si, ainda que se digam em continuidade uns com os outros. Outras vezes
os documentos surgem com afirmações contraditórias entre si. Isso decorre de
vários fatores, como o facto de o documento final ter tido que negociar posicio-
namentos opostos, dentro da conferência, para poder ser aprovado: outra situa-
ção habitual é a de nessas reuniões se poderem encontrar especialistas nas áreas
com políticos poderosos, mas iletrados nos assuntos em questão.
Abordemos então, ainda que brevemente (cfr. Feio, 2011), as principais
conferências de promoção da saúde, realizadas no âmbito da ONU. Assim,
em Ottawa (1986) atribuiu-se aos indivíduos, inseridos em comunidades, a
capacidade de conseguirem, ou não, possuir saúde, dado que a eles cabe a
responsabilidade em optar pelo seu tipo de vida, um dos fatores mais impor-
tantes na saúde das pessoas, segundo o documento. Ainda que se fale na
necessidade de intervenção ao nível individual, na sua capacitação (empo-
werment), também se refere a importância da visão socioecológica, para a
sustentabilidade dos recursos, apontando para uma responsabilidade global.
Não se entende bem como estas duas preocupações se articulam entre si. Ao
considerar que a promoção da saúde se deve verificar em todas as organiza-
ções (escolas, lares, lugares e ambientes comunitários) o texto conota a
educação apenas com o subsistema escolar, sendo para esse espaço que
remete a educação para a saúde, manifestando um total desconhecimento
sobre a evolução do conceito de «educação» no século XX, anteriormente
abordado. Essa será, aliás, a abordagem comum da educação nos documen-
tos da OMS após Ottawa. O enfoque na questão ecológica surge aqui de um
modo claro pela primeira vez, nos documentos da OMS, e irá manifestar-se,
compreensivelmente, em todas as conferências posteriores da OMS.
Educação para a Saúde versus Promoção da Saúde 55

Em Adelaide (OMS, 1988) a focalização grupal acentua-se, dado cen-


trar-se nas necessidades de grupos minoritários e a grupos especialmente
atingidos pelas políticas de países ditos desenvolvidos, que se repercutem
nos países periféricos. Com o título Promoção da saúde e políticas públicas
saudáveis, apela-se a políticas transnacionais e que encontrem soluções para
as questões de injustiça social que o desenvolvimento tecnológico acarreta,
nomeadamente ao nível dos cuidados de saúde.
Em 1991, a OMS reuniu-se em Sundsvall, sob o tema da Promoção da
saúde e ambientes favoráveis à saúde (OMS, 1991), sob o tema da Promo-
ção da saúde e ambientes favoráveis à saúde. De novo se apela à capacita-
ção que a educação para a saúde pode proporcionar nas pessoas e nas comu-
nidades. Alerta-se ainda para a responsabilidade dos governos em fazer
cumprir diretrizes decididas em conferências anteriores, nomeadamente no
respeitante às questões ambientais e às desigualdades sociais entre países, e
zonas geográficas do mundo.
A quarta Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizou-
-se em Jacarta, sob o mote Promoção da Saúde no Século XXI (OMS, 1997);
foi uma dos encontros mais interessantes, a meu ver, sobre Promoção da
Saúde. Saliento os aspetos principais:
1 – Avaliação dos resultados obtidos em Promoção da Saúde desde
1986, Ottawa;
2 – Procedeu-se à redefinição de fatores determinantes de saúde (ou de
doença, digo eu), tais como o envelhecimento populacional, o sur-
gimento de novas doenças, e a cronicidade de muitas outras), tendo
sido considerado que a promoção da saúde lhes devia dedicar espe-
cial cuidado;
3 – Considerou-se que a dimensão espiritual é uma das dimensões hu-
manas de saúde;
4 – Salientou-se a importância do sector privado nos cuidados de saúde;
5 – Assumiu-se que muitas vezes os projetos comunitários de promo-
ção da saúde são construídos para as pessoas e comunidades, não
sendo elaborados, e efetivados, com, e por, as populações;
6 – Lamentou-se a continuidade de desigualdades e injustiças sociais
no acesso à saúde, por questões geográficas;
7 – Alertou-se para possíveis consequências da globalização de novos
valores, e de novos estilos de vida.

A reunião seguinte ocorreu na cidade do México, em 2000, onde nova-


mente a questão de assimetrias nos cuidados de saúde se colocou, tendo os
participantes centrado muita da sua atenção nas novas doenças. As questões
ambientais na influência da saúde das populações continuaram a ser discuti-
56 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

das. O mote da conferência foi Promoção da Saúde – rumo a uma maior


equidade.
Em 2005, em Banguecoque, a OMS reuniu para se questionar sobre a
Promoção da saúde num mundo globalizado. As preocupações com a globa-
lização foram, obviamente, centrais, quer nos seus aspetos positivos (comu-
nicação interplanetária), quer nos negativos (vulnerabilidade das crianças,
como no caso da pedofilia, e discriminação de populações analfabetas funci-
onais quanto às novas tecnologias).
Apelou-se à participação de toda a sociedade na promoção da saúde, em
nome da cidadania solidária. Por fim, em 2009, em Nairobi, retomaram-se
alguns dos compromissos anteriores: o incentivo à capacitação individual e
comunitária, ao envolvimento de todos os sectores da sociedade na promo-
ção da saúde, e a necessidade de ela ser vinculada cada vez mais aos deciso-
res políticos no que respeita às suas promessas de desenvolvimento. Já
anteriormente manifestei críticas ao movimento de Promoção da saúde
(Oliveira, 2004: 46-50), pelo que referirei aqui o mais fundamental. As
conferências da OMS sobre Promoção da Saúde enfermam todas elas de um
grave problema: não possuem um (nem vários) quadro teórico rigoroso e
explícito. A expressão „Promoção da saúde‟ é utilizada de modo confuso e
remetendo para questões epistemológicas, e até éticas, que se contradizem,
por vezes. Ao não esclarecer o novo quadro conceptual (face ao de „educa-
ção para a saúde‟), criou-se um reino de ninguém e de todos, aos técnicos.
Daí que todos eles reclamem que os seus projetos promovem a saúde das
populações, mesmo quando assentam em premissas, objetivos, metodologi-
as, resultados de tipo biomédico, paternalista, infantilizante, etc, das popula-
ções. We argue, quite forcibly that it is both possible and desirable to theo-
rise: a sound theoretical framework is essential to the development of
effective health promotion programmes and evaluating them (Tones e Til-
ford, 2001: viii).
Os relatórios das comissões internacionais sobre esses progra-
mas/projetos permitem verificar que há poucos que promovam, efetivamen-
te, a saúde das comunidades (e ainda menos, de indivíduos, diretamente); a
grande maioria previne (ou assim o pretende) doenças, o que sendo impor-
tante, não esgota a promoção da saúde 2.
Outro problema reside nos projetos de tipo transnacional (eg: escolas
promotoras de saúde, hospitais saudáveis, cidades saudáveis, etc), onde
usualmente não houve o cuidado em se construir um quadro teórico, inclusi-
vo de metodologias e práticas com ele coerentes. Parte-se do princípio de
haver uma única leitura, e implementação, possíveis de tais projetos transna-

2 Veja-se a avaliação empreendida pela OMS em 1998 desde Ottawa (o documento


completo pode ser consultado no site da OMS (WHO – World Health Organisation),
mas pode também ser apreciado resumidamente em Tones e Tilford, 2001: 491-492).
Educação para a Saúde versus Promoção da Saúde 57

cionais, no que resulta por vezes em modos de atuação contraditórios, dentro


do mesmo projeto. Isso é aliás compreensível se tivermos em conta a diver-
sidade formativa de técnicos envolvidos, como psicólogos, médicos, enfer-
meiros, professores de Biologia, assistentes sociais, etc. O que cada um
destes grupos profissionais aprendeu na sua área de formação sobre „Promo-
ção da saúde‟ é bastante diferente (e alguns destes grupos profissionais
podem nem ter ouvido, ou terem ouvido muito pouco, essa expressão na
boca de seus mestres académicos).
No que respeita a projetos nacionais, um dos maiores problemas é a
competitividade entre as várias equipas que andam no terreno. De acordo,
aliás, com a mentalidade portuguesa usual, as outras equipas dificilmente são
consideradas possíveis colaboradores e parceiros, mas antes rivais. Assim se
têm desgraçado fundos financeiros, recursos humanos e físicos, cujos princi-
pais prejudicados são as populações-alvo, inundados por projetos sobre a
mesma temática, mas sem articulação entre si. Evidentemente, que alguns
casos há de excelente cooperação entre as instituições (eg: centros de saúde e
escolas), mas infelizmente ainda são exceções. Uma outra questão relaciona-
da com o que acabei de afirmar prende-se com a não avaliação de muitos
projetos de promoção da saúde que proliferam neste país. Aliás, tenho dúvi-
das que cada ministério tenha conhecimento dos projetos que existem nesta
área e que lhes estão afetos, direta ou indiretamente (já para não falar na
quase total falta de articulação de Ministérios entre si). E, no entanto, tudo
isto contradiz totalmente a vontade de intervir junta da classe política (enun-
ciada em todas as reuniões da OMS a que nos referimos), ainda que aparen-
temente assim não seja. De facto, a classe política (os governos, em particu-
lar) pouco, ou nada, têm contribuído para a criação de um terreno comum
entre as instituições envolvidas nestes projetos, onde muitos dos parceiros
receiam perder visibilidade.
Que quadro teórico poderia ser utilizado como sustentação epistemoló-
gica da Promoção da Saúde? Para muitos (onde me incluo) deveria ser o de
Aaron Antonovsky:

In the 1980s, Antonovsky’s salutogenic model of health influenced the


development of health promotion (although not explicitly stated in the
Ottawa Charter). The underlying theories of health promotion research
were discussed in a seminar held at the WHO Regional Office in
Copenhagen in 1992. Antonovsky attended this workshop and presented
his salutogenic model as one direction for health promotion. There was an
agreement and conclusion that the focus henceforth should be on health
rather than on disease. This was a fundamental shift from the old and
previous theoretical perspectives that largely stemmed from the
biomedical model of disease (Eriksson e Lindstrom, 2008, p. 191).
58 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

3.1 Ottawa e Antonovsky

Aaron Antonovsky (1923-1994) desenvolveu o conceito „salutogenesis‟


a partir de uma investigação que realizou com dois grupos de mulheres sobre
a perceção de felicidade nas suas vidas. Um desses grupos era constituído
por pessoas que tinham estado em campos de concentração na II Guerra
Mundial. Os resultados do estudo foram surpreendentes: a maior parte destas
mulheres consideravam-se mais felizes que as mulheres do outro grupo,
apesar das terríveis experiências que tinham tido nas suas vidas.
Antonovsky decidiu saber porquê e dedicou a sua vida a esta questão:
como é que pessoas sujeitas a situações extraordinariamente adversas na vida
conseguem sentir-se felizes e vivem com menor incidência de patologias?
A hipótese a considerar era que a saúde de uma pessoa dependia muito
mais de si própria do que dos fatores externos, aos quais estaria sujeita.
Colocou a hipótese de haver formas de produzir saúde, mesmo em situações
adversas e plenas de stress (como passar fome, estar sujeita a tortura, ver os
seres que ama serem mortos, etc.).
A investigação deste autor levou-o à conclusão que ter saúde é muito
mais do que não ser portador de patogenias; percebeu, aliás, que a patogenia
é muitas vezes uma consequência de quem não consegue produzir saúde na
sua vida!
A produção de saúde ocorre quando as pessoas encontram sentido para
o sofrimento (Cassell, 2004) ao qual vão estando sujeitas ao longo da vida,
conseguindo descobrir soluções para problemas com que se deparam conti-
nuamente.
O modo mais usual de criar soluções é utilizando corretamente recursos
gerais de resistência (GRR-Generalised Resistance Resources), de vário
tipo:
1 – Ambientais e naturais: vivendo em ambientes pouco poluídos, con-
sumindo água potável, contactando amiúde com a natureza, etc;
2 – Físicos e bioquímicos: exercitando o corpo e a mente, alimentando-
-se de modo a assegurar nutrientes básicos, utilizando a panóplia de
substâncias químicas ao dispor da humanidade, etc.
3 – Emocionais: exprimindo emoções em contextos adequados; gerin-
do emoções; sendo recetivo às emoções dos outros, etc;
4 – Interpessoais: desenvolvendo e mantendo uma rede de amigos; tra-
tando e sendo tratado como igual em contextos profissionais, etc.
5 – Socioculturais: apreciando arte, produzindo e consumindo cultura,
tendo momentos de lazer e de ócio, praticando rituais de espiritua-
lidade ou de religião regularmente (como meditação, oração), etc;
Educação para a Saúde versus Promoção da Saúde 59

Os incontáveis GRR com que cada ser humano se pode deparar, e criar,
foram agrupados por Antonovsky em três grandes categorias: compreensibi-
lidade (comprehensibility), capacidade de gerir (manageability, usualmente
traduzido por gerenciamento) e significação (meaningfulness).

Comprehensibility […] refers to the extent to which one perceives the


stimuli that confront one, deriving from the internal and external
environments, as making cognitive sense […]. The person high on the
sense of comprehensibility expects that stimuli he or she will encounter,
then they do come as surprises, that they will be orderable or explicable.
[…]
Manageability is the extent to one perceives that resources are at one’s
disposal which are adequate to meet the demands posed by the stimuli
that bombard one. […]To the extent one has a high sense of
manageability one will not feel victimized by events or feel that life treats
one unfairly. Outward things do happen in life, but when they occur, one
will be able to cope and not to grieve endlessly. […]
The meaningfulness component t[…] refers to the extent to which one
feels that life makes sense emotionally, that at least some of the problems
and demands posed by living are worth investing energy in, are worthy of
commitment and engagement, are challenges that are ‘welcome’ rather
than burdens that one would much rather do without. […] When unhappy
experiences are imposed […] he or she will willingly take up the
challenge, will be determined to seek meaning in it, and will do his or her
best to overcome it with dignity (Antonovsky, 1988: 17-19).

No entanto, segundo este autor, estas capacidades de atribuição de sig-


nificação, de utilização dos recursos de que dispomos, e de compreendermos
a especificidade e os contornos do sofrimento que estamos a viver, só se
obtêm quando possuímos sentido interno de coerência (SOC), ou seja, quan-
do soubermos ir desenvolvendo, no percurso da nossa existência, uma pro-
funda e sólida noção de identidade que resista ao efeito desestruturante que o
sofrimento sempre acarreta.
O SOC é passível de ser reforçado, flexibilizado, desenvolvido, desde que
nascemos até que morremos, sendo que usualmente aumenta ao longo de uma
vida mais longa, constituindo uma base poderosa para compreendermos corre-
lações positivas entre saúde percecionada, saúde mental e qualidade de vida.
Os três tipos de GRR mencionados foram encontrados em todas as pes-
soas estudadas, que evidenciaram forte sentido de coerência. Muito embora
os GRR estejam relacionados entre si, algumas pessoas são melhores na
utilização e construção de uns, em detrimento de outros. Tal relaciona-se
com o conteúdo do sentido de coerência existencial da pessoa em questão.
Faço notar que este autor não menosprezava a importância, para a área
da saúde humana, da doença. Para ela, contudo, a doença não se opõe à
60 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

saúde; ambas se articulam continuamente, na vida. Há pois a negação de


uma perspetiva dualista, na qual assenta usualmente a prevenção da doença,
enquanto ausência de doença. Uma perspetiva salutogénica focaliza-se
naquilo que é resistente aos fatores stressantes (stressors) da vida humana,
descentrando-se dos fatores predisponentes para o surgimento de patologias.
Deste modo, por exemplo, um programa salutogénico sobre o consumo
de álcool poderia focalizar-se em pessoas que estiveram desde a mais tenra
infância inseridos em contextos de alcoolemia e, ainda assim decidiram, no
entanto, não a consumir. Obviamente que um estudo deste tipo seria também
muito útil para a prevenção do alcoolismo, ou seja, a promoção da saúde não
se opõe à prevenção da doença; ambas se complementam.
O pensamento de Antonovsky tem sido utilizado por muita gente para
enquadrar teorias, modelos, e práticas. No entanto, ele sempre se mostrou
reticente em relação a este tipo de abordagem do seu pensamento, nomea-
damente à eventual ligação da sua perspetiva salutogénica com os „fatores
de risco‟, „estilos de vida‟, „psicosomatização‟, jargões imensamente utili-
zados, quer nas Conferências da OMS, quer nos projetos transnacionais,
nacionais e locais de „Promoção da saúde‟, vinculados a Ottawa.

In the 1930s it was revolutionary to suggest that something in the mind


could lead to somatic diseases. Today, I submit (though many would
disagree), we are held back by the concept, because it implies that some
diseases are psychosomatic and others are not. It perpetuates dualistic
thinking and prevents us from seeing that all human distress is always
that of an integrated organism, always has a psychic (and a social, I might
add) and a somatic aspect» (Antonovsky, 1996: 11).

4. As gerações de educação/promoção da saúde

O conceito “Educação para a Saúde” foi variando ao longo dos tempos,


como vimos, sendo hoje utilizado – muitas vezes – indiscriminadamente com
o de “Promoção da Saúde”, ainda que haja diferenças históricas e ideológicas,
que brevemente acabámos de descrever. Se a Conferência de Alma Ata nos
proporcionou um conceito de Saúde, no qual ainda nos revemos hoje, foi
também fundamental para a criação e o reforço dos cuidados de saúde primá-
rios em todo o mundo. A Carta de Ottawa (1986) proporcionou-nos uma outra
forma de encarar a saúde, salientando a necessidade da sua promoção, através
da definição de políticas de saúde promotoras do bem-estar. […] Health
education is viewed as making a major contribution to health promotion,
while not being synonymous with it. Indeed, an admittedly somewhat simplistic
formula is used to capture the essence of the synergetic relationship between
policy and education. It asserts that Health Promotion = Health Education x
Healthy Public Policy (Tones e Tilford, 2001: xiii).
Educação para a Saúde versus Promoção da Saúde 61

Cruzando as conceções nestas duas expressões, Sánchez Moreno, Ra-


mos Garcia e Marset Campos (2000) identificam três gerações no desenvol-
vimento da educação para a saúde; elas foram surgindo por influência das
mudanças sociopolíticas e da avaliação dos considerados fatores de risco: a
“educação para a saúde informativa”, “a educação para a saúde centrada no
comportamento” e a “educação para a saúde crítica”.
Na primeira situação, acredita-se que a doença é causada por hábitos e
comportamentos de risco decorrentes de falta de informação; a saúde resulta,
por consequência, da prevenção e do tratamento da doença, num claro reco-
nhecimento do modelo biomédico. Esta posição ancora-se na transmissão de
informação, recorrendo usualmente a uma metodologia expositiva e magis-
tocêntrica, reservando-se ao educando um papel tendencialmente passivo. A
Educação/Promoção da Saúde, neste contexto, ocorre em instituições mera-
mente formais (o hospital, o centro de saúde, a escola), onde o técnico se
assume como quem sabe face ao outro, considerado ignorante, vinculando-se
à educação bancária (Freire, 1976). Representa a abordagem dos higienistas-
-sanitaristas, em geral, do século XIX, sendo ainda hoje especialmente útil
ao nível epidemiológico, dado os seus objetivos serem facilmente mensurá-
veis (Loureiro & Miranda, 2010). O maior problema deste posicionamento
remete para estatitização de dados, não tendo em conta os saberes específi-
cos de pessoas e comunidades (Oliveira, 2007; Turábian & Franco, 2001),
nomeadamente os recursos individuais/grupais para implementar as instru-
ções emanadas das autoridades. Aliás, podem as pessoas terem recursos, e
não os saberem utilizar!
A segunda linhagem emergiu na sequência da crescente morbilidade e
mortalidade associadas a doenças oncológicas e cardiovasculares, considera-
das resultantes sobretudo de estilos de vida não saudáveis. Com ela pretende-
-se a implementação de comportamentos saudáveis, nomeadamente nas popu-
lações consideradas de risco. A saúde releva do comportamento do indivíduo,
o qual é determinado por estímulos do meio. O processo educativo desenvol-
ve-se em torno da aprendizagem efetiva, considerando-se a informação apenas
uma parte desse processo; a sua finalidade é conseguir que ocorram mudanças
estáveis de comportamento em pessoas pertencentes a grupos de risco. Aqui a
abordagem continua a ser claramente preventiva, mas de foro mais individual;
não se espera, porém, que o indivíduo intervenha na sociedade na qual se
move, mas sobretudo que ele se ajuste às prescrições de quem sabe mais e
melhor. A comunicação pretende, normalmente, ser persuasiva e recorre-se
usualmente à culpabilidade; podemos incluir nesta geração o modelo de
crenças da saúde (Health Belief Model). A crítica mais usual é que se apela
usualmente a racionalidade („bom-senso‟) dos indivíduos, desvalorizando
outras das suas dimensões (como a emotivo-afectiva, a volitiva, a moral, a
ética ou a espiritual, tão importantes, como a raciocinativa para a manutenção,
produção de saúde (Santos, 2000; Valadez et al., 2004).
62 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

A terceira geração, designada “educação para a saúde crítica” surgiu na


década de noventa do século passado, associada a uma cultura democrática
com preocupações sociais. Estabelece relações entre, por um lado, a morbili-
dade e mortalidade e, por outro, as estruturas socioeconómicas, apostando
em mudanças sociais significativas, o que, crê-se, reduziria as desigualdades,
promovendo a participação comunitária (Moreno, Garcia e Campos, 2000).
Foi influenciada, entre outras, pelas correntes humanistas e de psicologia
grupal (no que se refere à Psicologia), pela educação problematizadora de
Freire, pela conceção de empowerment (advindo das ciências sociais, desde a
economia ao serviço social), desviando-se pois das perspetivas, sobretudo
fisiobiológicas, das gerações anteriores. O poder político é responsabilizado
pela saúde dos cidadãos, e a estes cabe intervir na modificação das condições
socioeconómicas que promovam a desigualdade e falta de equidade nos
cuidados de saúde. A educação/promoção da saúde desta geração pretende
estabelecer uma relação horizontal entre educandos-educadores, e – pelo
menos teoricamente – procura-se que os indivíduos, e sobretudo as comuni-
dades, sejam ativas no significado que se atribui à vida, nela se incluindo as
questões de saúde e de doença. A história de vida das pessoas (e todas as
suas dimensões), bem como a história das comunidades, devem ser tidas em
conta. Estas características apontam para o papel relevante que educadores
não formais e informais podem desempenhar. Para tal precisam, no entanto,
de formação específica, nomeadamente em educação permanente e comuni-
tária (life long learning). Infelizmente, muitos dos projetos que se reclamam
teoricamente desta geração, apresentam modos de atuação característicos de
uma das outras gerações, pois falta capacidade e formação (além de vontade,
por vezes) de estabelecer relações baseadas na confiança mútua, nas quais
por vezes cabe ao pretenso educador saber ouvir e calar, comunicando não
verbalmente a sua empatia. Saber apagar-se para que o outro avance na sua
vida pode aprender-se em contextos informais, mas sem dúvida que a forma-
ção específica ajuda bastante, ainda que esta, sem crença verdadeira naquilo
que se defende ideologicamente, nada vale.

5. Níveis de prevenção e educação em saúde

Como vimos, os conceitos „educação para a saúde‟ e „promoção da sa-


úde‟ são usados quase sempre indiscriminadamente ao nível das práticas
comunitárias de prevenção da doença. Não existindo consenso sobre os tipos
de prevenção existentes, podemos, ainda assim, avançar com indicadores
genéricos, praticamente aceites por vários especialistas (Tones e Tilford,
2001; Gérvas, 2004; Almeida, 2005; Kuehlein et al., 2010; Jamoulle, 2011).
A prevenção básica, dita primária (expressão criada por Leavell e
Clarck em 1940), não se refere especificamente a nenhum público determi-
Educação para a Saúde versus Promoção da Saúde 63

nado, mas antes a toda a população de um país, ou até a população transna-


cional. Pretende prevenir o surgimento de determinada patologia, fornecendo
indicadores de vigilância, ou de indicadores que se acredita prevenirem
aquela patologia específica, ou que previnem patologias em geral. Temos
como exemplos a campanha de uso de preservativo (para prevenção de
SIDA) ou de campanhas que apelam ao exercício físico diário („pela sua
saúde, mexa-se‟). A nível secundário, a prevenção pretende retardar o de-
senvolvimento de uma patologia em fase inicial, ou até invertê-lo. Aplica-se
a pessoas que já possuem uma patologia diagnosticada; pretende responsabi-
lizar as pessoas pelo seu autocuidado e controle, como na toma de medica-
mentação adequada e controle de alimentação de tensão arterial em doentes
coronários, por exemplo. Dirige-se pois usualmente a grupos específicos.
Ao nível terciário, a prevenção reporta-se usualmente a doentes cróni-
cos, visando a sua reabilitação e a sua reintegração comunitária. O que se
pretende é que as pessoas aprendam a viver o melhor possível com as limita-
ções que as suas doenças lhes trazem; aplica-se a diabéticos, doentes onco-
lógicos em fase de remissão, fibromiálgicos, etc. A prevenção terciária
aplica-se também a grupos específicos (como a secundária), e, preferencial-
mente, a indivíduos.
Alguns autores têm vindo a chamar a atenção para a „cultura do risco‟
que as sociedades ocidentais criaram com uma patogenização crescente; em
princípio, alguém enferma de algo (illness) até prova em contrário (Gérvas e
Fernández, 2006; Norman e Tesser, 2009)! O mínimo desconfor-
to/sofrimento (ainda que na hipótese do possível) tem que ser imediatamente
travado, mesmo que não venha a existir, ou ainda que o alívio desse pequeno
desconforto possa acarretar danos pesados ao nível biológico, ou psicológico
(é o caso, por exemplo, da medicação de mulheres em perimenopausa com
hormonas de substituição, em função do princípio a priori de que a mulher
ficará com menor qualidade de vida nesta fase da sua vida). A força da
indústria farmacêutica e do paradigma biomédico revelam-se bem nesta
obsessão pelos riscos (isolados, ou cruzados, mais a gosto dos epidemiólo-
gos), com a qual muitos identificam a educação/promoção da saúde.
Na especialidade médica de Medicina familiar, sobretudo, tem-se vindo
a falar de „prevenção quaternária‟; esta expressão surgiu pela primeira vez
num poster de uma conferência Wonca (Jamoulle e Roland, 2005). Desde
essa data que surge no dicionário oficial da mesma organização internacional
(Dicionário Wonca de Prática Clínica), originalmente em francês, utilizado
por vários autores norte-americanos, espanhóis, portugueses (Melo, 2007;
Mendes e Moreira, 2009) e brasileiros.
O significado desta expressão remete para uma prevenção das preven-
ções primária, secundária e terciária, ou seja, pretende alertar para o excesso
de medicalização (e de farmacalização, digo eu) pois, em muitos casos, pode
ela gerar mais prejuízos que benefícios. Se os três tipos de prevenção menci-
64 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

onadas anteriormente se fundam sobretudo na noção de equidade e justiça


social, tão queridos aos mentores da OMS da promoção da saúde, a preven-
ção quaternária exige que não seja esquecido um dos princípios éticos mais
antigos e fundamentadores das práticas de saúde: o princípio de não malefi-
cência (Jamoulle, 2011), sendo a prevenção quaternária definida como
iniciativa para identificar doentes em risco de sobre medicalização, para os
proteger de novas invasões médicas e para lhes sugerir intervenções etica-
mente aceitáveis” (Jamoulle e Roland, 2005). Ela visa ainda (no entender de
Jamoulle, médico de família e de comunidade, belga) criar critérios e pro-
postas concretas dirigidas para o uso excessivo de intervenção e medicação,
tanto diagnóstica como terapêutica.
Esta expressão tem vindo, pouco a pouco, a assumir relevância entre
médicos de família, dada a sua importância para a saúde pública e para os
Sistema Nacionais de Saúde, nomeadamente no que concerne ao eventual
excesso de rastreios, à imensidão de pedidos de exames auxiliares de diag-
nóstico, bem como à medicação dos fatores de risco.
Quanto à eficácia de uma prevenção quaternária, ela exige um trabalho
em equipa efetivo, formação médica contínua e reestruturação profunda da
formação académica médica. Caso ela venha a ser efetiva no que respeita aos
médicos, ela terá repercussão em todos os âmbitos, contextos e níveis da
„promoção da saúde‟ (mais corretamente: da doença, neste caso). Isto deve-
-se a dois fatores: o poder do modelo biomédico na efetiva consecução dos
programas/projetos de educação/promoção da saúde, e ao facto de ser a
classe médica a única que tem poder de prescrição de medicação em quase
todos os países do mundo ocidental.

6. Conclusão

À mudança de expressões no âmbito da OMS subjazem razões de vária


ordem. Uma delas foi a tentativa de descentrar as questões da educação para
a saúde do âmbito médico para a esfera das ciências sociais. Com tal, pre-
tendia-se obter vários resultados, entre outros: responsabilizar a sociedade
pelas questões da doença e da saúde (com especial ênfase na classe política);
obter-se um mundo mais justo e equitativo no que respeita às questões de
saúde/doença; conseguir uma atuação mais rápida e mais eficaz junto de
populações de risco. Esta vertente coletiva no âmbito da prevenção da doen-
ça, e da promoção da saúde, trouxe imensos benefícios às sociedades ociden-
tais, nomeadamente no que respeita à prevenção primária e à secundária, e
sem dúvida da agenda política de qualquer sociedade fazem hoje parte
fundamental as questões da doença/saúde. No entanto, ela foi também uma
das causas para a vinculação cada vez crescente, ainda que não assumida, da
saúde à ausência de enfermidade de origem bioquímica e, por consequência,
Educação para a Saúde versus Promoção da Saúde 65

ao descuramento do sofrimento humano, o qual possui sempre uma vertente


pessoal muito forte, mesmo quando nela se inclui a dimensão comunitária.
Por que o paradigma biomédico se manteve, inclusive na atuação dos técni-
cos de Promoção da Saúde com formação no âmbito das ciências sociais?
Por que razão o público em geral considera que tem havido uma desumani-
zação crescente, nomeadamente nos serviço de saúde, e de promoção da
saúde, nomeadamente por parte de (alguns) profissionais de saúde?
As principais causas por nós identificadas como tendo provocado a de-
sumanização crescente dos cuidados de saúde, sobretudo ao nível da medici-
na ocidental são os seguintes: o mecanicismo na Física; o evolucionismo
biológico; o liberalismo económico; a biologia molecular; o sucesso antibac-
teriano; a analgesia na Medicina ocidental; a tecnologia sem limites éticos; o
mito da cura.
Consideramos, com muitos epistemólogos, que a criação da ciência, en-
quanto invenção humana como área organizada do saber, ocorreu no ociden-
te entre os séculos XVI e o XIX, portanto na Idade Moderna, identificando-
-se o início da Idade Contemporânea com a publicação do primeiro artigo de
Einstein (1905) sobre a teoria da relatividade.
A formação médica oscilou sempre entre a discursividade argumentati-
va das universidades escolásticas e a arte da prática clínica, o que faz com
que seja considerada epistemologicamente uma ciência aplicada (Caraça,
2001). Esta situação modificou-se contudo substancialmente (ao nível da
formação) com a criação no século XIX das academias, dirigidas sobretudo à
investigação científica. O paradigma então em vigor era o do mecanicismo
newtoniano e foi adotado, naturalmente, nestes centros de investigação
médica, alicerçados pelas teorias biológicas mais significativas da época, a
saber: o criacionismo e o evolucionismo.
Ainda que o criacionismo tenha mantido algum estatuto científico den-
tro da Medicina até antes da II Guerra, ele foi diminuindo substancialmente
face ao prestígio das teorias evolucionistas, sobretudo o darwinismo, especi-
almente a partir do momento em que se descobriu que ele poderia ser articu-
lado com a teoria genética de Mendel, que tão desprezado fora na sua época.
Darwin fora explicitamente influenciado pelo liberalismo económico de
Malthus; o ambiente de expansão deste modelo económico no século XX
favoreceu imensamente a aceitação do darwinismo-mendelnismo como
teoria dominante dentro da biologia e, por extensão, na Medicina. […] The
Struggle for Existence amongst all organic beings throughout the world,
which inevitably follows the high geometrical ratio of their increase, will be
considered. This is the doctrine of Malthus, applied to the whole animal and
vegetable kingdoms (Darwin, 1998:3). O desenvolvimento tecnológico
concomitante à II Guerra proporcionou a construção de microscópios eletró-
nicos e atómicos, focalizando a investigação biológica no mundo intracelu-
lar.
66 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Na descrição deste DNA com estrutura físico-química, utilizou-se como


quadro explanatório 3 a teoria da informação, impondo-se a partir de então o
paradigma da biologia molecular, vinculado à causalidade mecanicista de
tipo newtoniano, e suportado pela perspetiva neodarwinista. (Oliveira, 2004,
Oliveira e Costa, 2012; Oliveira, 2008). O sucesso antibacteriano foi no
entanto bastante devedor ao paradigma molecular na Biologia (para além da
dívida de toda a humanidade a Pasteur), tendo-nos criado a ilusão de que
seríamos capazes de curar e controlar quase todas as patologias. É claro que
esta situação ainda não se deparara com o surgimento de novas doenças,
sobretudo as de tipo crónico, já referidas anteriormente. A luta pelo controlo
da dor foi um outro êxito (imensamente tardio, face à Medicina oriental) da
biologia pós-guerra, tendo tido, porém, um efeito perverso no modo como a
sociedade em geral, e os profissionais de saúde em particular, compreendem
o sofrimento humano, reduzindo-o usualmente à dor.
Para a ilusão de que o sofrimento humano se encontrava resolvido com
o controlo da dor, muito contribuiu o extraordinário aumento da tecnologia
nos últimos 40 anos; se hoje vivemos (alguns de nós, melhor dizendo) mais
anos que os nossos avós, cabe-nos agradecer aos cientistas e engenheiros que
nos proporcionaram os exames auxiliares e as técnicas de diagnóstico atuais.
Eles acarretaram contudo questões éticas complexas, como a da eutanásia
ativa, a distanásia, a clonagem, as células estaminais, etc.
Este conjunto de fatores, entre outros, veio reforçar o mito da cura que
contamina sobretudo a classe médica, sustentando muitas vezes (de forma
não consciente) a discriminação no atendimento de doentes com possibilida-
des de cura a curto prazo face ao de doentes crónicos (Groopman, 2007).
Com esta abordagem epistemológica, pretendo sensibilizar o leitor para
a importância da educação quaternária, acima explicitada, sobretudo na
formação técnica e académica de profissionais de saúde. Sem esse investi-
mento, dificilmente conseguiremos mudar substancialmente o panorama da
humanização dos cuidados de saúde, e de doença. Eles são os atores a quem
mais legitimidade o cidadão reconhece nestas questões, pelo que é neles que
devemos apostar o nosso investimento social. Tal não é contudo fácil, devido
aos avanços que se têm verificado na biologia molecular, com repercussões
nos vários domínios da Medicina. Essas novidades científicas servem de
pretexto, compreensivelmente, para que a formação académica de foro
científico se imponha e ocupe cada vez mais espaço na formação de profis-
sionais de saúde, em todo o mundo, apesar do movimento de inclusão das
Humanidades neste tipo de formação (Oliveira, 2009).
Ainda que os programas de Educação/Promoção da saúde de grande
parte dos profissionais com formação nas ciências sociais possam ser deline-

3 Um princípio explanatório, em epistemologia, é uma espécie de mapa conceptual


organizado e lógico que estrutura a explicação que se faz a partir dele.
Educação para a Saúde versus Promoção da Saúde 67

ados com um enquadramento teórico diferenciado, as suas práticas enfer-


mam muitas vezes, também, de vícios próprios do paradigma mecanicista
aplicado à saúde/doença, ou seja, o modelo biomédico. Isso ocorre muitas
vezes sem consciência de tal, e decorre também da formação académica
deste tipo de profissionais.
Urge pois mudar o paradigma formativo dos educadores/promotores de
saúde, isso implicando um investimento muito forte ao nível da educação
quaternária. Mas não nos iludamos: segundo Kuhn (1962) a instauração de
um novo paradigma exige a sua distanciação total do paradigma anterior;
exige pois uma metateoria organizada e estruturada que paulatinamente vá
conquistando terreno em todas as formas de explicação científica de uma
determinada época. Men whose research is based on shared paradigms are
committed to the same rules and standards for scientific practice» (Kuhn,
1962: 11). Anteriormente ao paradigma mecanicista, na nossa cultura, po-
demos identificar o ptolemaico-euclidiano-aristotélico; não era propriamente
científico, mas continha uma uma epistemê articulada, lógica e com carácter
explanatório.
Qualquer paradigma se alicerça em pressupostos, crenças de tipo histó-
rico-cultural, sendo eles que indicam as questões que se podem colocar, que
fazem sentido, dentro desse paradigma 4. Assim, os métodos nele adotados
alicerçam-se, e reforçam, as crenças aceites axiomaticamente. New para-
digms arise with destructive changes in beliefs about nature (Kuhn, 1962:
98). A investigação, e práticas, sobre a saúde/doença humana inseriram-se,
claro, no paradigma das épocas históricas, e daí o modelo biomédico ser de
natureza mecanicista, salientando o método causal de tipo eficiente, ou
formal nas suas explicações, o que acarretou, como já afirmámos, imensos
benefícios para a humanidade. A medicina evidence-based (explicitamente
defendida pelos promotores da saúde, segundo a OMS), baseia-se explicita-
mente no método experimental-dedutivo, tal como se encontra estabelecido e
ratificado desde o século XIX. Os médicos de medicina geral e familiar são
aqueles que mais têm vindo a público a dar conta da mudança da prática
clínica, nomeadamente quanto à prevenção quaternária, mas na leitura de
seus textos não se percebe muito bem como se pode articular uma medicina
estatística (que muitos benefícios nos traz, note-se) com a premissa da rela-
ção médico-doente ser a base da prevenção quaternária. Ainda que tal possa
ser viável, parece-me importante que estes especialistas aprofundassem
explicitamente a POEM (evidência orientada ao paciente e a que tem impor-
tância) (Norman; Tesser, 2009). Kuhn também nos alertou para o principal

4 Por exemplo, no paradigma mecanicista, a teleologia (ou causalidade final, como lhe
chamava Aristóteles) nos sistemas físicos e nos biológicos, deixou de existir, tendo sido
apenas mantida em algumas teorias filosóficas (a Filosofia não pode ser considerada,
rigorosamente falando, uma ciência.
68 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

meio de divulgação e de aceitação da ciência normal, a educação, e daí a


ênfase que nela se coloca neste capítulo, especialmente no que se refere à
educação de tipo quaternário.
No final do séc. XIX, a algumas áreas das Humanidades foi reconheci-
do o estatuto de scientia; na mesma época, a Medicina reconhecia-se sobre-
tudo como ciência de cariz bioquímico. Ainda nesse século, porém, começa-
ram a emergir teorias pré-paradigmáticas (Kuhn, 1962: 18), tanto na Física,
como na Matemática (mecânica quântica, geometrias não euclidianas, Godel,
entre outros). Foi preciso esperar por Aaron Antonovsky até se detetar uma
dimensão pré-paradigmática na Medicina, centrada na explicação da patoge-
nia, e da sua prevenção, sobretudo secundária; somente no pós-guerra as
prevenções primária e terciária ganharam importância, como acima expli-
citámos.
O conceito de salutogenia, tal como teorizado por Antonovsky, caracte-
riza-se por envolver uma pesquisa de cariz holista (Rorty, 1989; von Quine,
1969), onde a causalidade eficiente deve ser compreendida, e encaixada, em
causalidades múltiplas (a compreensão da salutogenia tem implícita vários
fatores, devido ao seu cariz complexo), causalidades de tipo retroativo (pois
o equilíbrio homeostático é fulcral na compreensão de fenómenos salutogé-
nicos, nomeadamente quanto ao sentido interno de coerência), e causalidades
teleológicas dado que a salutogenia tem em conta, e constrói, o bem-estar
global da pessoa (e não só do organismo). Assim, além de diminuir o impac-
to da casualidade eficiente do modelo biomédico, Antonovsky distancia-se
também dele ao recusar a visão dualista típica do mecanicismo (sujei-
to/objeto; sujeito/natureza; mente/corpo; espírito/mente, etc).
Uma das preocupações para que as várias declarações sobre Promoção
da saúde remetem é a ecológica; ela, contudo, exige também uma abordagem
não mecanicista, se a queremos efetivamente ver concretizada. Exige ver-nos
inseridos em patamares de complexidade crescente, com co-dependência
mútua (Bateson, 1972). Daí ela revelar outra das lacunas do movimento da
Promoção da Saúde: a quase omissão da dimensão moral e ética das pessoas,
e das comunidades, com exceção dos princípios bioéticos de justiça (como
equidade social) e de autonomia. Sem a acuidade do princípio de responsabi-
lidade (Jonas, 2006) não é possível concretizarmos projetos favorecedores de
equilíbrio ecológico, e sem generosidade, altruísmo e confiança, também
não. Se não premiarmos explicitamente na educação familiar, escolar, pro-
fissional, comunitária, atitudes de generosidade e altruísmo, não podemos
esperar que as pessoas pensem em outras pessoas (ou em outros seres vivos)
no momento em que lhes dizem que o seu consumo aditivo lhes é prejudicial.
Programas que esperam mudanças de comportamento por meros condi-
cionalismos punitivos já demonstraram ser muito pouco eficazes, ainda que
não inúteis. Mera informação, por si só, não garante mudanças de estilo de
vida, como também já sabemos. Para que isso aconteça, têm que estar en-
Educação para a Saúde versus Promoção da Saúde 69

quadrados em relações de confiança no educador para a saúde; daí a necessi-


dade de as relações serem pessoais, e não coletivizantes, sobretudo ao nível
das prevenções secundária e terciária (Neto, Aitken, Paldron, 2004; Oliveira,
2004).

Não se respeita quem nos ofende, ainda que racionalmente consideremos


que erramos; pois a maior parte dos estilos de vida não saudáveis não
resultam de uma má vontade, ou teimosia simples, das pessoas. A
absoluta necessidade de respeitar a dignidade humana de quem opta por
formas de vida consideradas menos saudáveis é a única possibilidade de
sermos por elas escutados (Oliveira e Fonte, 2009).

Se culpabilizar, por si, só leva a resultados a curto prazo (dado o ser


humano ser bem mais complexo que um cão de Pavlov), a paternalização
infantilizante das populações também não produz reais consequências nem
na promoção da saúde, nem sequer na prevenção da doença; a desresponsa-
bilização individual e comunitária em nome de diferenças tem também que
ser questionada. Ser responsável pelas consequências dos nossos atos é algo
problemático nesta área, sobretudo por termos tendência em cair em duas
ciladas: culpar a vítima, ou tudo perdoar à vítima. Existe o pressuposto que
quem é vítima não é responsável, não possui deveres, mas apenas direitos.
Do ponto de vista comunitário, isto é muito sério, e radica na crença de que
quem sofre de uma patologia, é alguém superior, em termos éticos. Infeliz-
mente, nem sempre assim é, e devemos responsabilizar as pesso-
as/comunidades (sem as culpabilizar somente, também) pelas consequências
de seus atos, base de qualquer ato educativo baseado na justiça social. Inter-
vir comunitariamente ao nível da saúde não pode ter implícito não promover
a mudança. Em nome de idiossincrasias grupais, ou de direitos (sem deveres)
de quem sofre, em parte devido às suas próprias opções. Se não queremos
que as pessoas nem as populações mudem, então não somos precisos para
nada, a não ser que tenhamos a visão de que os promotores da saúde devem
desempenhar um papel assistencialista, no pior sentido. Assim, se eu tenho
autonomia para consumir drogas ilegais em salas de chuto não deverei ser
responsável por esse acto quando ele me acarretar problemas de ordem
financeira, por exemplo, aquando me quiser reabilitar? (Oliveira e Fonte,
2009).
Considero pois que a expressão «promoção para a saúde» é importante,
pelas razões anteriormente apontadas. Defendo, contudo, que devemos
continuar a utilizar a expressão «educação para a saúde» quando pretende-
mos contribuir para que pessoas concretas, em contato direto com o educa-
dor, construam projetos de vida com sentido, que nele incluam a resistência
à frustração, ao sofrimento, ao erro, à derrota, bem como à fruição da beleza
e da alegria. Isso implica investirmos, pela educação permanente e comuni-
tária, na construção de sentido interno de coerência interna das pessoas
70 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

(começando pela dos formadores, na educação quaternária), de modo a


identificarem, criarem e gerirem eficazmente os seus recursos gerais de
resistência (Antonovsky, 1988).
Defendo que a Educação para a Saúde deve ter como principal finalida-
de compreender como se produz e se mantém saúde em seres que trazem
consigo a marca da morte termodinâmica no ato do seu nascimento. Tal
equivale a assumir a existência de seres vivos que produzem significados
positivos (para si próprios) face a situações muito perturbadoras do seu
equilíbrio, transformando-as em fatores de aprendizagem acrescida. Com-
preender como estes fenómenos auto-organizativos ocorrem surge como
especialmente importante quando as grandes preocupações da saúde mundial
se deslocam progressivamente para as doenças crónicas, situação para a qual
a formação de profissionais de saúde parece encontrar-se ainda bastante
deficitária (Oliveira, 2004).

7. Agradecimentos

Muitos destes pensamentos emergiram de conversas, algumas ocorridas


há mais de meia dúzia de anos, com a Professora Doutora Fernanda Navarro.
Mantenho comigo, bem guardados, todos os apontamentos dessas conversas
ocorridas ao longo dos anos, bem como documentos por ela a mim endere-
çados, sobre estas questões. Além da experiência nacional que possui nestas
matérias, é uma interlocutora privilegiada por ter pertencido à equipa da
OMS.

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CAPÍTULO 4

EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE COMO ESTRATÉGIA


DE PROMOÇÃO DE SAÚDE NA GRAVIDEZ:
UM ESTUDO QUALITATIVO

Maria de Fátima da Silva Vieira Martins


Escola Superior de Enfermagem
Universidade do Minho

Resumo

O presente capítulo tem como objetivo discutir, os significados de


vivências associadas à gravidez e os contributos das práticas educativas
desenvolvidas pelas enfermeiras especialistas em saúde materna e obstétrica
no âmbito da vivência da gravidez. O enfoque seguido é o da pesquisa quali-
tativa. A amostra teve uma construção intencional e foi obtida pelo critério
de saturação de informações. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas a
50 mulheres grávidas do noroeste português e posteriormente tratadas
através da análise de conteúdo. Desta análise, obtivemos duas categorias:
“vivências da gravidez” e “contributos das práticas educativas para o bom
desenvolvimento da gravidez”. Dos resultados, concluímos que a gravidez
representa para a mulher um remoinho emocional que leva ao aparecimento
de ambivalências e de dúvidas que se manifestam por sentimentos de medo,
de insegurança e de desânimo. As práticas de educação para a saúde realiza-
das durante a vigilância pré-natal permitiram à gravida adquirir novos co-
nhecimentos e viver a gravidez de forma mais saudável. Acreditamos que os
resultados obtidos possam contribuir para que o enfermeiro especialista em
saúde materna e obstétrica tome consciência de que é uma figura-chave no
âmbito da educação para a saúde e que deve desenvolver ações educativas
mais integradas e dirigidas.

Desigualdades Socioterritoriais e Comportamentos de Saúde, Lisboa, Edições Colibri, 2013,


pp. 75-91.
76 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

1. Introdução

A Saúde foi, é e será sempre, estudada e analisada em todas as socieda-


des como um direito fundamental da pessoa humana, muito embora, tendo
em conta as épocas e os contextos sociais, a valorização e a preocupação
com a saúde assumam interesses e importâncias distintas. Hoje, podemos
constatar que viver com saúde é também objecto de aprendizagem. Neste
processo é necessário que o ser humano seja colocado no centro, de forma a
poder atingir um estado completo de bem-estar, sendo ainda necessário que
este esteja apto a identificar as suas necessidades e a modificar os seus
comportamentos para promover estilos de vida mais saudáveis (Antunes,
2008). É na persecução deste objetivo que a saúde da mulher grávida consti-
tui uma preocupação dos profissionais de saúde.
Um dos aspetos mais característicos da gravidez é, sem dúvida, o seu
carácter dinâmico, situando-a num processo de mudanças permanentes. Sem
risco de exagerar, pode-se afirmar que esta é um paradigma de mudança
biológica, construtiva e criativa, que afeta os indivíduos no seu processo de
saúde em todas as áreas que integram a pessoa (Colomer, 2000). Assim, a
gravidez é considerada como um período de tensão, determinado biologica-
mente, que se caracteriza por complexas mudanças metabólicas. Configura,
ainda, um estado de desequilíbrio temporário devido às grandes perspetivas
de mudança de índole social, à necessidade de novas adaptações e de reajus-
tamentos intrapsíquicos e interpessoais.
O período pré-natal é, deste modo, uma época de preparação física, psi-
cológica e social da mulher e da sua família para a gravidez, para o parto e
para a maternidade. Por isso, constitui um período de intensa aprendizagem
para os pais sendo considerado uma oportunidade única para os profissionais
de saúde poderem influenciar a saúde da grávida e da sua família através de
um atendimento adequado e de orientações específicas, aumentando os
conhecimentos relativos à saúde.
A reflexão sobre a problemática da educação para a saúde que nos pro-
pomos levar avante no presente capítulo, não constitui propriamente uma
questão nova. Todavia, surge da constatação que as práticas educativas
realizadas pelas enfermeiras especialistas são, quase sempre, executadas de
forma casual e segmentada, social e culturalmente indeterminada e pouco
preocupadas com a preparação da grávida para a gravidez, para o parto e para
a maternidade. Não podemos esquecer que the nurse interacts (interaction)
with a human being in a health/illness situation (nursing client), who is in
integral part of his sociocultural context (environment) and who is in some
sort of transition or is anticipating a transition (transition). The nurse-
-patient interactions are organized around some purpose (nursing process,
problem solving, holistic assessment, or caring actions), and the nurse uses
Educação para a saúde como estratégia de promoção de saúde na gravidez 77

some actions (nursing therapeutics) to enhance, bring about, or facilate


health (health) (Meleis, 2007: 466). Desde logo, uma questão se levanta:
será que as práticas educativas desenvolvidas pelas enfermeiras especialistas
em saúde materna e obstétrica, no âmbito da vigilância pré-natal nos cuida-
dos de saúde primários, contribuem para o bom desenvolvimento da saúde
da grávida?

2. A Educação para a Saúde durante a gravidez

A gravidez manifesta-se como o período, com cerca de quarenta sema-


nas, que decorre entre a conceção e o parto (Leal, 1990). É considerada uma
fase temporalmente bem definida onde aparecem alterações físicas que
acarretam, do ponto de vista psicológico, vivências muito particulares permi-
tindo, de uma forma lenta mas gradual, a preparação para ser mãe. Esta
preparação permite empreender cognitivamente papéis e tarefas maternas
possibilitando que o seu projeto de maternidade se continue a construir e a
consolidar de forma progressiva. A vivência desta fase vai permitir a incor-
poração existencial de um filho na identidade de mãe. É importante que este
processo se desenvolva de uma forma harmoniosa, dentro de um contexto
saudável, de modo a permitir uma vivência feliz e agradável da gravidez. A
educação para a saúde desempenha neste âmbito um papel de importância
capital.
Assim, educação e saúde são lugares de produção e utilização de sabe-
res necessários ao desenvolvimento humano. Ao longo dos tempos, a educa-
ção para a saúde manifestou-se como uma das principais estratégias utiliza-
das pelo poder para possibilitar o progresso de intervenções de controlo e
prevenção de doenças. Foi, essencialmente no início do século passado, que
este tipo de estratégias foi desenvolvido, assumindo a educação para a saúde
uma forte preocupação no estabelecimento de normas de conduta moral, de
convívio social e de higiene (Martins, 2004). Estas estratégias eram neces-
sárias para provocar uma mudança de comportamentos, susceptível de
permitir aos indivíduos uma adaptação às novas realidades da sua vida.
Contudo, não se pode desprezar que o que alicerçava os argumentos de
atendimento à saúde era a noção de que esses danos ampliavam os índices de
mortalidade. Dentro deste cenário, foi valorizada a função educadora da
enfermeira e da família, sobretudo da mãe, sobressaindo, porém, ambigui-
dades sobre o tipo de educação que devia ser executada. É ainda de salientar
que a profissão de enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica tem
vindo a transformar-se através das mudanças demográficas, provocando uma
reestruturação dos cuidados de saúde através do desenvolvimento das
tecnologias de informação, levando mesmo à alteração na organização dos
serviços de saúde. Ces changements s’inscrivent également dans le contexte
78 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

de la mondialisation qui pose un problème de réglementation de la profes-


sion tout en limitant l’assurance et l’accès aux soins à des valeurs éthiques,
politiques sinon à des restrictions économiques (Benoit et al., 2004: 59).
Destacamos o facto da Ordem dos Enfermeiros em 2001 na definição dos
Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem ter salientado a importân-
cia do desempenho do papel de agente de educação para a saúde ao referir-se
que na procura permanente da excelência no exercício profissional, o enfer-
meiro ajuda os clientes a alcançarem o máximo potencial de saúde, através de:
• identificação da situação de saúde da população e dos recursos do
utente/família e comunidade;
• criação e aproveitamento de oportunidades para promover estilos de
vida saudáveis identificados;
• promoção do potencial de saúde do utente através da otimização do
trabalho adaptativo aos processos vitais, crescimento e desenvolvi-
mento;
• fornecimento de informação geradora de aprendizagem cognitiva e
de novas capacidades pelo utente.

Resulta daqui que a realização de ações educativas no decorrer de todas


as etapas do ciclo grávido-puerperal é fundamental para o secesso da gravi-
dez. No âmbito da consulta de vigilância pré-natal, a educação para a saúde
surge como um meio facilitador no sentido de preparar as grávidas para um
papel ativo na saúde. Pretende-se que as grávidas se sintam capazes para
colaborarem nos processos de mudança, com vista à adopção de estilos de
vida saudáveis que sejam também promotores de saúde. Neste sentido, as
sessões realisadas podem ajudar as mulheres grávidas a desenvolverem a sua
capacidade na tomada de decisão, responsabilizando-as não só pela sua
saúde, mas também, pela saúde do seu filho.

2.1 O conceito de Educação para a Saúde versus Promoção de Saúde

O conceito de educação tem sofrido, ao longo dos tempos, diversas


transformações que acompanham, de algum modo, a evolução das socieda-
des. Embora por vezes denominada “Educação ao Paciente”, grande parte
dos fundamentos da Educação para a Saúde já existem desde a antiguidade
como se pode comprovar nos escritos de Hipócrates. Não obstante esta
referência histórica, o seu grande impacto apenas se fez sentir, de forma
centuada, após a II Guerra Mundial (Martins, 2007).
Rodrigues, Pereira e Barroso (2005) afirmam que a educação para a sa-
úde é um processo que serve de ligação entre a informação de saúde e as
práticas de saúde, considerando o indivíduo como centro da educação. Por
Educação para a saúde como estratégia de promoção de saúde na gravidez 79

sua vez, Green, Kreuter, Deeds e Partridge (1980) descrevem a educação


para a saúde como uma combinação de experiências de aprendizagem
planeadas, com o objectivo de facilitar a mudança voluntária de comporta-
mentos saudáveis.
A educação para a saúde sofreu uma rápida mudança paradigmática
acompanhando a evolução das Ciências da Saúde e da Educação, podendo ser
definida como um processo contínuo e gradual de educação e aprendizagem
que se inicia na primeira infância e se amplia ao longo da vida, implicando
motivação, comunicação e tomada de decisões. Inicialmente, foi marcada pela
visão biomédica em que os factores ligados ao processo saúde/doença eram
mais valorizados tendo os factores psico-sócio-culturais um papel mais
secundário. A educação para a saúde limitava-se, nessa fase, aos conselhos
emanados pelos técnicos de saúde, partindo do princípio que a saúde
melhoraria se agissem de acordo com essas recomendações. Embora o Comité
de Peritos em Educação Sanitária, em 1954, tenha referido a importância da
cultura, da religião e da sociedade sobre o comportamento do indivíduo, estes
factores raras vezes foram tidos em conta no planeamento das actividades de
educação para a saúde (Pestana, 1996).
Na opinião de Sanmarti (1988), podemos distinguir duas grandes etapas
na evolução do conceito da educação para a saúde. A primeira, denominada
de clássica, vai desde os princípios do século XX até meados da década de
setenta, na qual a educação para a saúde visava essencialmente a promoção
de condutas saudáveis através de acções educativas dirigidas exclusivamente
ao indivíduo, sem qualquer intervenção no ambiente. Na segunda etapa, a
partir dos anos setenta, os conceitos e objectivos sofreram uma mudança
apreciável. Para além de incidir sobre o indivíduo, considerava-se que a
educação para a saúde deveria promover mudanças ambientais e sociais para
poder alterar uma determinada conduta. Hoje em dia, os aspectos físicos,
psicológicos e sociais não podem ser percebidos como isolados. Mais recen-
temente, a educação para a saúde abriu-se aos aspectos sociais, ambientais e
culturais das pessoas, intervindo nos conhecimentos, nos valores e nos
comportamentos.
Entendendo a educação para a saúde como um meio de dar a informa-
ção necessária para alterar uma série de hábitos e atitudes pouco saudáveis
ou de contribuir para um melhor nível de saúde e bem-estar, parece-nos que
este conceito pode significar a disponibilização de informação, mas visa,
sobretudo, a corresponsabilidade das utentes nas tomadas de decisão. Neste
sentido, a educação para a saúde precisa de proporcionar um conjunto de
meios ou de instrumentos que permitam aos indivíduos encontrar a solução
adequada à sua personalidade e cultura. Desta forma, os indivíduos tornam-
-se co-produtores activos da transformação do seu perfil. Precioso (1999)
salienta que a educação para a saúde não se deverá restringir às actividades
tradicionais, nem se limitar, apenas, às informações sobre saúde.
80 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Por vezes, confunde-se “educação para a saúde” e “promoção de saúde”


embora esta última se tenha vindo a diferenciar como sendo mais ampla.
Sendo uma definição mais abrangente, a promoção de saúde envolve a
participação de toda a população no contexto da sua vida quotidiana e não
apenas as pessoas em risco de adoecer. Essa noção está baseada num
conceito de saúde também mais amplo, isto é, como um estado positivo e
dinâmico na procura de um bem-estar que integra os aspectos físico, mental,
ambiental, pessoal e emocional, como a auto-realização pessoal e afectiva, e,
não menos importante, os aspectos sociais, tendo como referência o para-
digma da igualdade social. No manual de educação para a saúde, a Direcção-
-Geral da Saúde, citando dois autores Green e Kreuter (1991), define a
Promoção de Saúde como qualquer combinação planeada de suportes
educativos, políticos e organizacionais para ações e condições de vida que
conduzem à saúde dos indivíduos, grupos ou comunidades (Russel, 1996: 5).
Nesta perspectiva, a educação para a eaúde está incluída na promoção da
saúde.
A promoção da saúde deve, deste modo, aparecer como um processo
que visa a criação de condições para que as utentes adquiram capacidades
que lhes permitam controlar a saúde, responsabilizando-se por ela e agindo
sobre os fatores que a influenciam. Os programas de prevenção devem
centrar-se, essencialmente, na modificação de comportamentos e atitudes.

2.1 Bases teóricas da Educação para a Saúde

A educação para a saúde tem sido considerada internacionalmente como


parte integrante dos esforços para prevenir a doença e promover a saúde.
Como processo, a educação para a saúde é encarada como uma educação
permanente e progressiva, ou seja, uma aprendizagem que dura vários anos e
que se inicia na primeira infância, amplificando-se ao longo da vida (Araújo,
2004). A Educação para a Saúde tem sido descrita como a inter-relação entre
as ciências biológicas e as ciências do comportamento (Russel, 1996). Desta
forma, quatro pilares formam as bases da Educação para a Saúde como se
pode observar no Quadro 1.
As Ciências da Saúde têm por base uma conceção holística do homem
como ser biopsicossocial e desenvolvem a sua ação de forma a atuar aos três
níveis de prevenção, remetendo-nos para as disciplinas de Medicina Clássica
e suas especialidades ou para as Medicinas Paralelas como a Nutrição, a
Fisioterapia, a Saúde Comunitária e as Ciências Sociais.
As Ciências do Comportamento conduzem-nos à análise, compreensão
e explicação da origem e factores causais de diferentes comportamentos. A
Psicologia debruça-se sobre o comportamento individual e a Sociologia
analisa o comportamento dos indivíduos inseridos em grupo, consoante o
Educação para a saúde como estratégia de promoção de saúde na gravidez 81

Quadro 1 – Bases teóricas da Educação para a Saúde


Sectores específicos de
Objectivos Bases teóricas
actividades
Promoção da saúde
Melhorar a saúde Ciências da Saúde Prevenção da doença
Tratamento e reabilitação
Psicologia
Produzir adaptação de
Ciências do Comportamento Sociologia
comportamentos
Antropologia
Pedagogia
Facilitar a aprendizagem Ciências da Educação
Andragogia
Comunicar com as pessoas Ciências da Comunicação Comunicação
Fonte: Elaboração própria (Martins, 2004), adaptado de Rochon (1992, 6).

papel que desempenham na família, no emprego ou na própria comunidade


em que se inserem. A Antropologia estuda os diferentes modos de vida,
cultura, crenças, tradições e hábitos dos indivíduos, vivendo em sociedade.
Estas ciências, na medida em que permitem observar os comportamentos
individuais e colectivos, tornam-se um precioso auxílio no processo de
Educação para a Saúde (Martins, 2007).
As Ciências da Educação ocupam também um lugar de destaque no
processo de Educação para a Saúde devido ao forte contributo das discipli-
nas de Pedagogia e Andragogia que, dispondo de uma gama de saberes, per-
mitem analisar e compreender os diferentes processos da aprendizagem e
interpretação dos comportamentos humanos ao longo da vida e nos dife-
rentes contextos onde se produzem.
Finalmente, as Ciências da Comunicação, valendo-se dos mais variados
meios escritos, orais e audiovisuais, representam um efectivo suporte de
transmissão da mensagem à comunidade, de modo a que sejam atingidos os
objectivos pretendidos (Martins, 2007).
A educação para a saúde não poderá nunca resultar de uma única
concepção teórica, mas sim do cruzamento destas várias filosofias e áreas do
saber. Isto significa que os profissionais devem desempenhar um novo papel
de educadores, investir e fazer um grande esforço para ajudar os indivíduos a
tomar as atitudes certas e eficazes a favor da sua saúde, analisando com eles
as situações que permitam auto determinar-se e agir.
Como podemos analisar no Quadro 2, observámos também que, na prá-
tica, persistem diversos modelos de educação para a saúde (Modelo Informa-
tivo, Modelo Persuasivo-Motivacional, Modelo Político-Económico-Ecoló-
gico), os quais condicionam as diferentes práticas, muitas das quais, reducio-
nistas (Rodrigues, Pereira e Barroso, 2005).
82 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Quadro 2 – Comparação entre o modelo informativo,


persuasivo-motivacional e político-económico-ecológico
Modelo Modelo Persuasivo- Modelo Político-
Informativo -Motivacional -Económico-Ecológico
Transmissão de Persuasão Participação.
conhecimentos; comportamental Intercâmbio;
Metodologia
paternalismo aprendizagem
contextual
Prescritivo: ditadura Controlador do Mediador com a
Papel do do expert processo de comunidade. O
profissional aprendizagem formando é
protagonista

Fonte: Rodrigues, Pereira e Barroso (2005: 106).

Sabemos que as enfermeiras especialistas em saúde materna e obsté-


trica, durante ou após a sua formação académica, estabelecem um corpo de
conhecimentos científicos passíveis de aperfeiçoar a saúde das pessoas. Esse
conjunto de conhecimentos arquitecta no profissional um misto de
significados que lhe conferem uma visão e uma explicação dos fenómenos
diferentes da visão que as pessoas possuem sobre os mesmos acontecimentos
(Sousa, 2006). Esta constatação permite a uniformização de algumas práticas
educativas, uma vez que constatámos que as intervenções educativas ainda
permanecem centradas na transmissão de conhecimentos fundados nas
concepções dos profissionais que, nem sempre, têm em consideração os
saberes familiares, a existência de práticas populares ou as representações
sobre o processo saúde-doença-corpo (Martins, 2007). Apesar dos profissio-
nais terem intenção de orientar os cuidados para a saúde, transmitem conhe-
cimentos elaborados cientificamente, dificultando a compreensão da grávida.
O relacionamento, muitas das vezes dá-se de forma assimétrica, coercitiva,
confirmando somente as opiniões do profissional, faltando informações
sobre o significado que essas pessoas atribuem ao processo saúde-doença
(Queiroz e Jorge, 2004: 72). Assim, encarar a educação como um simples
instrumento de transmissão de informações, é olhar a grávida como um
recipiente passivo do conhecimento. Mendes (2009) reconheceu que a maio-
ria das acções educativas se canalizam para a prevenção das doenças e a
responsabilidade individual, o que indica que as causas sociais da falta de
saúde não têm sido consideradas com a devida importância.
Numa perspectiva idealista, a educação para a saúde na vigilância pré-
-natal deveria iniciar-se antes da gravidez (e.g., na consulta pré-concepcio-
nal) ou precocemente na gravidez e prolongar-se até três meses após o parto.
Redman (2003) realça que o ensino formal precoce na gravidez, tem sido
descurado e que as aulas do segundo trimestre de gravidez são quase inexis-
Educação para a saúde como estratégia de promoção de saúde na gravidez 83

tentes. A maior parte das vezes, o ensino pré-natal surge no terceiro trimes-
tre, inserido na vertente de preparação para o parto.
Normalmente, o aumento da informação durante a gravidez contribui
para aumentar os conhecimentos e o bem-estar da mulher, evidenciando
menor ocorrência de complicações e problemas. A intervenção em grupo
pode funcionar como um suporte que permite as trocas de vivências e a
reflexão sobre as mesmas (Nascimento, 2003; Mendes, 2009). Além disso,
uma consciencialização colectiva sobre as condições de vida é resultante do
diálogo estabelecido (Mendes, 2009). Não podemos omitir que cada cidadão
[grávida] assume assim um papel inelutável de actor e de educador de
saúde, pelo que a educação se deve centrar nas disposições e capacidades
individuais e grupais, oferecendo conhecimentos, influenciando modos de
pensar, gerando ou clarificando valores, ajudando a mudar atitudes e
crenças, facilitando a aquisição de competências e produzindo mudanças de
comportamento e estilos de vida (Rodrigues, Pereira e Barroso, 2005: 19).

3. Metodologia

Neste trabalho, demos prioridade às técnicas de pesquisa qualitativa, na


medida em que constitui uma modalidade de investigação cada vez mais
utilizada no domínio da saúde. Esta técnica metodológica é particularmente
vantajosa para o estudo de questões ligadas à vida das pessoas e aos signifi-
cados que as mesmas atribuem ao contexto social que as rodeia. De facto, a
abordagem qualitativa trabalha com o universo dos significados, dos moti-
vos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes, ou seja, com um
conjunto de fenómenos que fazem parte da realidade social (Minayo, Des-
landes e Gomes, 2007). Assim, nesta abordagem, a existência de um propó-
sito comum consiste em analisar com profundidade o significado atribuído
pelos sujeitos aos factos, às relações e às práticas desenvolvidas.
A entrevista semiestruturada foi a técnica usada, uma vez que, constitui
uma técnica de colheita de dados regularmente empregue na investigação e
relacionada com paradigmas interpretativos ou compreensivos. Esta é, não
raras vezes, considerada como uma interação verbal ou uma conversa com
sentido. Em termos cronológicos, as entrevistas foram realizadas durante a 6ª
semana após o parto, tendo como alvo cinquenta (50) mulheres que tinham
acabado de viver a sua gravidez. Em termos geográficos, o presente estudo
circunscreveu-se aos municípios de Braga, Vila Verde e Vieira do Minho e
proporcionou-nos obter a opinião das utentes relativamente ao contribu-
to/utilidade das práticas desenvolvidas durante a gravidez.
Os dados recolhidos pelas entrevistas foram submetidos à análise de
conteúdo, técnica que nos pareceu mais adequada para o tipo de investigação
que desenvolvemos, uma vez que parte do pressuposto de que, por detrás do
84 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

discurso aparente, simbólico e polissémico, se mascara um sentido que


convém desvendar (Bogdan e Biklen, 1994; Bardin, 1995; Poirier, Clapier-
-Valladon e Raybaut, 1999; Guerra, 2006).

4. Analise dos relatos: um olhar sobre a gravidez e a educação para a


saúde

4.1. Como vive a grávida a sua gravidez?

A gravidez desencadeia no organismo materno uma série complexa de


fenómenos fisiológicos que, no seu conjunto e interdependência, asseguram
as condições adequadas para o normal desenvolvimento e crescimento do
feto. As alterações devem-se a um processo fantástico no qual uma célula
germinal, o zigoto, origina uma estrutura organizada e altamente complexa,
formada por biliões de células. Deste modo, a maioria dos autores ressalta
que, a gravidez constitui, para cada mulher, um momento particular da sua
vida, em que mudanças fisiológicas envolvem quase todos os órgãos e
sistemas, podendo surgir alguns distúrbios e desconfortos (Burroughs, 1995;
Graça, 1996; Colomer, 2000). Esta fase é, ou deveria ser, um feliz aconteci-
mento com momentos de alegria e de tristeza que afectam o corpo da mulher
mas que também despertam nela desejos e fantasias.
Assim, aceitar a gravidez como um tempo de preparação para a materni-
dade sem que nada suceda é impossível porque é um período demasiado
longo. Neste sentido, a gravidez não é uma experiência imóvel, mas um tempo
pleno de vida e de significado simbólico, de transformação e de desafio.
Colomer (2000) salienta um dos aspetos mais característicos da gravidez e que
é, sem dúvida, o seu carácter dinâmico, situando-a num processo de mudanças
permanentes. Podemos, desde já, salientar que uma gravidez bem acompanha-
da terminará certamente com sucesso, dando, assim, origem a uma nova vida.
Quando questionadas sobre este período e referindo-se à vivência da gravidez,
a maioria destas mulheres relata sentimentos positivos aquando do diagnóstico
de gravidez, mesmo quando a mesma não foi planeada.

O primeiro impacto foi começar a chorar. (…) comecei a chorar mas era
um choro de alegria. Toda a gente perguntava porque é que eu chorava
…, Estava tão feliz … (Branca, 30 anos, unida de facto, 12º ano de escola-
ridade, 2ª gravidez).

Há problemas diferentes em cada gravidez e cada uma é geradora de


medos e preocupações distintos, como consequência das inevitáveis altera-
ções que ocorrem durante aquele período. A história de gravidezes anteriores
e o facto de não terem planeado a gravidez, são aspetos relevantes nestas
vivências. Contudo, o sentimento dominante e comummente referido é um
Educação para a saúde como estratégia de promoção de saúde na gravidez 85

sentimento de profunda alegria. Este sentimento é muito peculiar e simboli-


za, de algum modo, um tipo de beleza feminina. A gravidez torna-se, assim,
na concretização de um sonho, na realização de um projeto de vida que não
raras vezes, permite a unificação do relacionamento conjugal, tornando-o
mais forte e mais intenso.

Ah!…. Acho que foi um turbilhão de emoções. Alegria, …claro. Primeiro


fiquei muito contente, depois fiquei em estado de choque. Mais tarde come-
cei a chorar, e pensei se conseguiria dar conta do recado, mas o senti-
mento que perdurou foi a alegria porque era uma coisa que eu queria
muito. (…) Acho que é uma experiência única. É muito bonito. É mais uma
etapa da minha vida e talvez a mais bonita, embora depois, também deva
ser muito bom. Acho que é uma coisa a que só nós, as mulheres, consegui-
mos dar aquele valor que ela merece porque só nós é que a conseguimos
sentir. (…) Acho que é um sentimento, um sentimento muito nosso (Berta,
24 anos, casada, 12º ano de escolaridade, 1ª gravidez).
Algo muito importante, o concretizar de um sonho que eu sempre quis.
Chegava a dizer: posso vir a não ser nada na vida, mas de ser mãe, gos-
tava muito (Débora, 33 anos, casada, Licenciatura, 1ª gravidez).
Principalmente e em primeiro lugar, a felicidade. Estou felicíssima. Acho
que, neste, considero-me a mulher mais feliz do mundo. E, depois, a
nossa união ficou mais forte. Ela já era forte, mas acho que ainda ficou
mais forte com esta gravidez (…) (Beatriz, 27 anos, casada, 9º ano de
escolaridade, 1ª gravidez).

A vivência da gravidez é um fenômeno complexo no qual estão presen-


tes diversos aspetos que compõem a realidade de cada mulher. Lembramos
que a gravidez é um processo biológico com dimensões emocionais, sociais
e culturais. A experiência da gravidez envolve sentimentos que podem ser
simultaneamente gratificantes, frustrantes, ou mesmo confusos. Todavia,
como a gravidez é para as mulheres um período de mudanças físicas e psico-
lógicas, quase sempre acompanhado pela vivência de ansiedades, fantasias,
temores e expectativas, a maternidade não deixa de ser percebida como um
motivo de satisfação e realização pessoal, mesmo que daí possam advir
algumas dificuldades e restrições (Nazario e Turato, 2007; Buchabqui,
Abeche e Brietzke, 2010). O medo foi um dos principais sentimentos deteta-
dos no estudo e complementou o espaço que poderia ser de sentimentos
positivos, tal como o sentimento de alegria ou de realização pessoal.

4.2. Contributos das práticas educativas desenvolvidas

Na perspetiva de promoção da saúde, as práticas educativas deveriam


assumir um novo enfoque, uma vez que o seu eixo norteador é o fortaleci-
86 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

mento da capacidade de escolha das pessoas, neste caso, as mulheres grávi-


das. No entanto, é necessário que haja um processo de interação entre o
conteúdo teórico e a experiência de vida de cada uma e o estabelecimento da
confiança e da vinculação da mulher ao serviço de saúde e à enfermeira
(Guimarães e Aerts, 2011).
Da análise dos relatos, ressaltaram três categorias da contribuição das
práticas de educação para a saúde durante a vigilância pré-natal: “pouco
contribuíram”, “adquirir novos conhecimentos” e “viver a gravidez de forma
mais saudável”.
Resulta desta análise que duas grávidas mencionaram que as práticas
educativas «pouco contribuíram» para a mudança de comportamentos duran-
te a gravidez, uma vez que, já antes deste período, tinham comportamentos
saudáveis pelo que não sentiram necessidade de mudar os seus comporta-
mentos. Desta forma, e reportando-nos essencialmente à variável nutrição,
verificamos que os ensinos transmitidos no âmbito da educação para a saúde
não foram percebidos pela grávida como necessários. Constatamos ainda que
as grávidas que veicularam esta opinião residiam em áreas predominante-
mente urbanas. Este tema foi assumido por algumas enfermeiras como
importante e, por isso, não deixou de ser abordado em cada uma das consul-
tas. A enfermeira especialista deve ter discernimento suficiente para perce-
ber as necessidades evidenciadas pela grávida, desvendando as situações que
a estão incomodar, bem como, o motivo prioritário que a levou à consulta. A
informação transmitida não pode partir do pressuposto que as grávidas que
se apresentam são “seres vazios” onde o profissional de saúde é aquele que
as “enche” de conteúdos. A educação para a saúde deve ser um processo de
transformação contínuo e progressivo como salientava Paulo Freire.
Uma outra grávida relatou que a ausência de ensinos, ou a sua superfi-
cialidade, contribuiu para que vivesse a sua gravidez de forma mais ansiosa.
Esta mesma grávida alertou, ainda, para a necessidade das enfermeiras
abordarem determinados temas de forma mais pormenorizada como, por
exemplo, o trabalho de parto e parto. Vejamos a seguinte narrativa.

Vivi a gravidez sempre muito ansiosa. O último mês foi o pior de todos.
São os formigueiros que aparecem durante a noite (…). Não se consegue
dormir e, depois (….) nunca mais chega a hora do nascimento. E,
durante o dia, estava sempre a pensar. Sonhava muito com o parto.
Aquela ansiedade. Se me tivessem explicado, se calhar ficaria um boca-
dinho mais sossegada (Graça, 23 anos, unida de facto, 9º ano de escolari-
dade, 1ª gravidez).

Das cinquenta mulheres entrevistadas, dezanove salientaram que as prá-


ticas educativas desenvolvidas pelas enfermeiras especialistas permitiram
«adquirir novos conhecimentos». Os mais destacados foram as alterações
corporais e os cuidados com o corpo (n=24), a alimentação (n=19), os cuida-
Educação para a saúde como estratégia de promoção de saúde na gravidez 87

dos com o recém-nascido (n=16), a amamentação (n=15), o desenvolvimento


fetal (n=12), o parto (n=12), a sexualidade (n=7), o pós-parto (n=5) e a toma
de medicação (n=3). Da observação efetuada a diversas consultas, verifica-
mos que a educação para a saúde oscila entre momentos de informação e
momentos de esclarecimento sobre aqueles temas.

Sim, aprendi coisas sobre a sexualidade, sobre o exercício, isto é, como


me baixar e evitar pesos. (Amélia, 25 anos, casada, 9º ano de escolari-
dade, 1ª gravidez).
Aprendi muitas coisas novas. Quase tudo. Relembrar só se foi em termos
do crescimento embrionário, mas em termos do que se sente, do que
fazer, que cuidados ter, isso foi tudo novo. (Cecília, 28 anos, casada,
Licenciada, 1ª gravidez).
Temos falado de muita coisa, embora algumas coisas não me sejam
estranhas porque já vivi uma experiência. Temos falado da epidural,
como dar banho ao bebé (…) O enxoval, como se deve preparar os
peitos. Tudo isso (Érica, 30 anos, divorciada, 9º ano de escolaridade, 2ª
gravidez).

A adoção dos diferentes tipos de comportamentos em função dos co-


nhecimentos adquiridos, manifestou-se claramente na opinião das mulheres.
As restantes entrevistadas (n=32) aludem que os ensinamentos efetuados
contribuíram para «viver a gravidez de uma forma mais saudável». Estes
aspetos lembram-nos a definição de educação para a saúde de Rochon
(1991) explicitada no enquadramento teórico e que alude ao facto desta se
destinar a facilitar as mudanças voluntárias para uma vida saudável. O
modus vivendi das grávidas foi-se alterando à medida que estas foram rece-
bendo os conteúdos científicos na educação para a saúde como, por exemplo,
passar a comer legumes, fazer refeições mais equilibradas, controlar os
esforços, evitar pegar em pesos, não fumar, não beber bebidas alcoólicas,
criar um ambiente calmo com poucas atividades, sempre com o objetivo de
promover uma melhor qualidade de vida mas, essencialmente, com o objeti-
vo de proteger a criança que se encontra no seu ventre. No estudo realizado
por Valentini (1987), no Québec, esta autora descreve que as prescrições e as
interdições estão bem presentes nos discursos dos profissionais de saúde
durante a vigilância pré-natal. Esta autora descreve que estas prescrições e
proibições são apresentadas no discurso pré-natal como um constrangimento
a que a mulher deve ser sujeita, sugerindo-lhe ainda o abandono de “coisas
más” e a adoção ou consumo de “coisas boas”.

Os meus comportamentos mudaram. Eu costumava ser uma pessoa muito


ativa, aliás, trabalhava quase 14 horas por dia porque eu era trabalha-
dora independente. Então, tive mesmo de parar porque não era possível.
88 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Antes, dormia apenas 5 horas por noite e agora, durmo ente 8 e 10 horas.
Estas mudanças são notáveis porque eu não costumava estar muito
tempo em casa. Temos que pensar mais no nosso filho. (Cecília, 28 anos,
casada, Licenciatura, 1ª gravidez).
(…) Sou uma pessoa que vive muito o stress. Ando sempre a correr. (…)
Agora saio de casa, ando a pé, faço piscina ao sábado à noite para
aliviar um bocadito, mas as aulas e todo este acompanhamento, ajuda-
ram-me a ficar mais calma (…) (Flávia, 22 anos, casada, 12º ano de
escolaridade, 1ª gravidez).

É precisamente neste contexto que a necessidade de falar dos seus me-


dos é primordial. Porém, parece-nos que as práticas educativas não respon-
dem sempre a esta procura. La compréhension et la prise en conte des états
émotionnels intrinsèques à l’état de grossesse sont pour beaucoup de profes-
sionnels, méconnus; cela peut entrainer soit un déni, soit une banalisation
des souffrances (Association Sages-femmes et Recherches, 2000, 310).
Comparando os resultados obtidos, constatamos que foram as mulheres
seguidas no Centro de Saúde de Braga e de Vila Verde que, de forma mais
acentuada, manifestaram a opinião de que as práticas educativas lhes permi-
tiram adquirir novos conhecimentos (40%), quase o dobro das manifestadas
pelas grávidas seguidas em Vieira do Minho que não foi além de 23%. Na
terceira dimensão, viver a gravidez de uma forma mais saudável, estas
diferenças não se verificaram.
Não podemos esquecer que a comunicação em enfermagem constitui-se
um instrumento básico para o cuidado de enfermagem no âmbito da vigilân-
cia pré-natal que deve ser utilizada de modo terapêutico de forma a permitir
o atendimento da grávida em todas as suas dimensões. Nestes termos, a
educação para a saúde deve ser percebida como uma relação entre sujeitos.

3. Conclusão

A necessidade de preparar a mulher grávida para ser mãe, em todas as


vertentes do seu novo papel, pondo em relevo o facto de que, antes de ser
mãe, é mulher, e que, durante a vivência da gravidez, há cuidados específi-
cos que deve ter consigo própria e para os quais deve estar bem informada e
preparada, é salientado por diversos autores (Ziegel e Cranley, 1986).
Ao analisar os dados apresentados, observámos que a gravidez, quer seja
desejada, ou não, representa para a mulher um remoinho emocional que leva
ao aparecimento de ambivalências e de dúvidas que se manifestam por
sentimentos de medo, de insegurança e de desânimo. Pensamos que são as
experiências, as vivências e o significado que a gravidez assume para cada
mulher que devem orientar os processos e as práticas dos enfermeiros, com as
necessárias implicações na organização da prestação de cuidados de saúde.
Educação para a saúde como estratégia de promoção de saúde na gravidez 89

As acções educativas nas consultas são direccionadas sobretudo para a


grávida e caracterizam-se por serem essencialmente prescritivas. Tal como
diversos dos autores referidos têm sustentado, são introduzidos por expres-
sões do tipo: “tem que”, “não deve” ou “deve”, “evite” e tentam transmitir
normas de cuidados, sem saber as condições concretas de vida da sua interlo-
cotora, o que pode condicionar, de algum modo, a promoção de saúde. De
igual modo, sendo a abordagem centrada na mulher como grávida, significa
que a enfermeira especialista destaca particularmente as questões ligadas à
gravidez, sem considerar as vivências e as experiências que envolvem o ser
mulher, como, por exemplo, a relação do corpo com a sexualidade, o relacio-
namento familiar ou o relacionamento com o marido/companheiro e com
outros filhos dendo em conta o processo de gestação. Pedrosa (2003: 24)
assinalou que as actividades educativas dos programas incrementados pelas
instituições e pelas unidades de cuidados de saúde, são, frequentemente,
prescritivas, individualistas e autoritárias, voltadas, principalmente, para a
mudança de hábitos cuja referência é o estilo de vida idealizado de pessoas
e famílias que parecem viver num mundo sem conflitos e sem contradições.
É como se o indivíduo fosse culpado por hábitos insanos e deve modificar-
-se, adoptando-se a regras consideradas normais. Concordamos com o
referido autor quando alude à importância de considerar as práticas educati-
vas numa construção partilhada de saberes, respeitando a visão de cada um
dos intervenientes no processo, potencializando o protagonismo das pessoas.
Para que o desenvolvimento de práticas educativas seja sensível à dimensão
psicossocial e cultural é imprescindível integrar a família nos cuidados.
Neste campo de acção, necessitamos de pensar a saúde numa perspectiva de
participação social. Assim, este estudo aponta para que, apesar das dificul-
dades encontradas, é necessário a persistência das enfermeiras especialistas
em saúde materna e obstétrica no sentido de que sejam implementadas ativi-
dades que visem à melhoria das ações educativas.

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CAPÍTULO 5

AMBIENTE, COMPORTAMENTOS E OBESIDADE


NA POPULAÇÃO PORTUGUESA

Helena Nogueira
Departamento de Geografia
CIAS
Universidade de Coimbra
Ana Lourenço
Departamento de Geografia
Universidade de Coimbra

Resumo

Este capítulo inicia-se com uma breve análise teórica sobre a evolução
sofrida pelo conceito de saúde, dado que essa evolução justifica um novo
paradigma em saúde, fundamentado nas inter-relações entre os indivíduos e os
seus lugares. Oportunidade, vulnerabilidade e risco, decorrem não apenas das
características individuais, mas também das condições de vida quotidiana.
Apresenta-se o exemplo da obesidade, cuja evolução nas últimas décadas tem
conduzido os investigadores ao conceito de ambiente obesogénico. Utilizando
dados da Organização Mundial da Saúde e dos Inquéritos Nacionais de Saúde,
termina-se com uma análise aos comportamentos dos portugueses implicados
no aumento de peso e aos níveis de obesidade observados na população,
comparando-se alguns indicadores com outros países europeus.

1. Introdução

Ao longo do tempo, os conceitos de saúde e de doença têm evoluído sob


a influência de diferentes paradigmas, destacando-se o paradigma mecanicis-

Desigualdades Socioterritoriais e Comportamentos de Saúde, Lisboa, Edições Colibri, 2013,


pp. 93-114.
94 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

ta, newtoniano e o socioecológico ou ambiental, hipocrático. O primeiro,


mecanicista, reducionista, racionalista e positivista, tem sido o principal
estruturante do conhecimento científico desde o século XVI. Esta matriz,
subjacente ao modelo biomédico, dominou a prática médica ocidental, sobre-
tudo a partir da eclosão da “revolução bacteriológica”. Neste modelo, o
universo e todos os seres vivos são metaforicamente comparados a sistemas
mecânicos, cujo funcionamento obedece a leis matemáticas. Cada máquina
que existe no universo é composta por peças que podem ser separadas em
componentes, progressivamente menores e mais simples. O corpo humano é,
pois, uma máquina, entendendo-se saúde como “bom funcionamento”, ou
seja, ausência de doença e doença como “avaria”, ou desvio da normalidade;
a medicina é normativa e normalizadora, ignorando especificidades e singu-
laridades.
A evolução ocorrida no perfil epidemiólogo das populações, e a cres-
cente importância das patologias crónico-degenerativas e psicossociais, para
as quais se reconhecem múltiplas causas, sem que alguma seja considerada
simultaneamente necessária e suficiente (Meade et al., 1988), sublinhou as
insuficiências da abordagem biomédica.
A partir da década de 70 do século XX, o paradigma socioecológico,
presente na filosofia e na prática médica de Hipócrates, reemerge e torna-se
dominante. Neste modelo, para além da dimensão biofísica, a saúde adquire
uma dimensão social, cultural e económica, devendo ser entendida de uma
forma holística. A medicina torna-se progressivamente ambiental e relacio-
nal e os conceitos de saúde e de doença cada vez mais vivenciados, sensí-
veis, particulares.
A mudança que ocorre no conceito de saúde é radical, sendo este cada
vez mais entendido como progresso, capacidade, recurso e potencial. Torna-se
então um conceito expansivo e inclusivo, culturalmente determinado e depen-
dente da posição social dos indivíduos; longe de ser normativo, sublinha
particularidades e singularidades, apresentando-se como um conceito perceci-
onal – baseado nas perspetivas e expetativas individuais – e adaptativo/funcio-
nal – relacionando-se com a capacidade de desempenhar papéis. O conceito de
saúde deixa de ser entendido num modelo patogénico, passando a ser perspeti-
vado num modelo salutogénico (Charlton, 1994): a saúde cria-se, conquista-se,
é um recurso que deve ser explorado, um potencial a desenvolver.

2. Saúde, indivíduos e contexto

Fundamentando o novo conceito de saúde está a mudança no perfil epi-


demiológico dos países desenvolvidos, progressivamente marcado pela
relevância de novas patologias, de evolução prolongada e etiologia comple-
xa, que vêm reforçar o papel dos comportamentos e estilos de vida na saúde.
Ambiente, comportamentos e obesidade na população portuguesa 95

Hábitos, comportamentos e exposições, atuais e passadas, bem como o


prolongamento dessas exposições, ganham relevância enquanto fatores
determinantes da saúde e das desigualdades em saúde (Power, 1998; Holland
et al., 1999). Acresce que o impacte dos comportamentos e exposições na
saúde apresenta-se como um processo que atua por acumulação e interação,
sendo frequente verificar-se sobreposição entre diferentes fatores de risco.
Assim, é usual, até esperado, que o consumo excessivo de bebidas alcoólicas
e de tabaco da mãe grávida, o baixo peso ao nascer, a sobrelotação e más
condições de habitabilidade das habitações e as infeções pulmonares ocor-
ram em sobreposição, afetando o desenvolvimento pulmonar das crianças.
Porém, estas desvantagens e exposições iniciais tendem a acumular-se
durante a vida (Holland et al., 1999) e a combinar-se com modelos tardios de
comportamentos pouco saudáveis: o declínio da função pulmonar agrava-se
com o hábito de fumar, a poluição e o baixo consumo de vegetais e frutos
frescos (Power, 1998).
A perspetiva comportamental da saúde e da doença responsabiliza cada
indivíduo pelo seu estado de saúde. Esta focalização no indivíduo deve ser
entendida no âmbito do quadro político dominante no final da década de 70.
De facto, a par da afirmação do modelo da transição epidemiológica, en-
quanto teoria explicativa do perfil de saúde das populações (Omran, 1971),
ocorre a ressurgência política do liberalismo, nos anos 80, com o Presidente
Regan, nos EUA e a Primeira-ministra Tatcher, no Reino Unido. O neolibe-
ralismo de Margaret Thatcher, bem expresso por esta num famoso dito –
“não há tal coisa de sociedade, há apenas indivíduos” – não deixa margem a
quaisquer equívocos relativamente ao papel e à responsabilidade atribuída a
cada indivíduo singularmente considerado (Macintyre et al., 2002).
No entanto, sabe-se que exposições e comportamentos não são sempre,
nem necessariamente, o resultado de opções individuais, mas antes o resul-
tado de oportunidades e constrangimentos estruturais. À semelhança do que
acontecia com os riscos para a saúde associados às doenças infeciosas no
século XIX, também agora se argumenta que os novos riscos para a saúde
devem ser entendidos como função da estrutura social. Assim, considera-se
que oportunidades e constrangimentos são modelados pelo estatuto socioe-
conómico, estando, por isso, embutidos nas estruturas sociais (Costa e Fag-
giano, 1994). Situações de pobreza precoces, vividas na infância, determi-
nam exposições perigosas tardias e tendem a acumular-se nas classes sociais
mais baixas. A exposição ao risco, avaliada por fatores como o hábito de
fumar da mãe grávida, o peso à nascença, os comportamentos tabágicos, o
baixo consumo de vegetais e de legumes frescos e as más condições de
habitabilidade, é maior para as classes socias mais baixas (Macintyre, 1997).
Para além das estruturas sociais, os comportamentos individuais são
também um resultado do contexto socioecológico em que cada indivíduo
opera. A reorientação contextual da ação individual acentua a importância
96 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

dos locais de residência e de trabalho nos comportamentos e na saúde indi-


vidual. Vários estudos revelam que os atributos do contexto são determinan-
tes dos comportamentos individuais, exigindo uma compreensão contextua-
lizada desses comportamentos. O homem é um agente de transformação do
meio, interagindo com esse meio, ele próprio sempre em evolução e em
contínua mudança, de formas diferentes, em diferentes tempos (Duncan et
al., 1996).

2.1 Lugares e saúde

Investigações desenvolvidas em diferentes contextos mostram que os


resultados em saúde dependem não só de quem se é, mas também do lugar
em que se vive, variando em função dos bairros, dos lugares, das vizinhanças
(Brimblecombe et al., 1999; Gatrell et al., 2000; Walczac, 2002; Cummins
et al., 2004, 2005; Wilson et al., 2004; Nogueira, 2008), o que enfatiza a
necessidade de considerar o espaço geográfico e social nos estudos de saúde.
Estudando variações em saúde na Área Metropolitana de Lisboa, No-
gueira (2008) refere-se à emergência de territórios de oportunidade, cujas
características os tornam capazes de promover a saúde da sua população,
mas também de territórios de vulnerabilidade e risco, marcados pela acumu-
lação de problemas e complexificação das necessidades sociais, com impac-
tes negativos na saúde da população. A privação socioeconómica, o acesso a
recursos (equipamentos e infraestruturas) necessários ao quotidiano, a dispo-
nibilidade e acessibilidade ao transporte público, a coesão e o capital social
são alguns dos fatores que podem promover a saúde da população; uma das
vias de conexão entre estes atributos e a saúde são os comportamentos.
Vários estudos têm analisado as inter-relações entre ambiente e compor-
tamentos relacionados com a saúde, sobretudo consumo de álcool, tabagis-
mo, dieta e atividade física. Lawlor et al., (2003) sublinham o impacte do
ambiente nos níveis de atividade física, atribuindo especial importância à
qualidade e segurança de espaços apropriados à prática de exercício físico
regular. Neste sentido, vários autores entendem que a qualidade, segurança e
localização de vias pedonais e ciclovias, a disponibilidade e segurança de
espaços públicos abertos, o desenho urbano e a estética ambiental, entre
outros aspetos, condicionam a prática de exercício físico, como andar a pé
ou de bicicleta e o desenvolvimento de atividades lúdicas no exterior (Barton
e Tsourou, 2000; Lawor et al., 2003; Wheeler, 2004; Banister, 2005; Van
Lenthe et al., 2005).
Também a disponibilidade e a qualidade das oportunidades locais pode
influenciar positiva ou negativamente a saúde. Recursos locais de qualidade,
acessíveis por meio de deslocações a pé ou de bicicleta, incrementam os
níveis de atividade física e diminuem a utilização do transporte privado,
Ambiente, comportamentos e obesidade na população portuguesa 97

melhorando a saúde (Wheeler, 2004; Banister, 2005). O tipo de comércio


que existe num dado lugar parece também influenciar hábitos de consumo.
Refiram-se os trabalhos de Weitzman et al., (2003), que concluem pela
existência de correlações positivas e significativas entre a densidade de lojas
de bebidas alcoólicas e hábitos de consumo excessivo de álcool; Chuang et
al., (2005), que apontam conclusões semelhantes para a relação entre pontos
de venda de tabaco e hábitos tabágicos; Macintyre et al., (1993, 2002) e
Cummins (2005) que, em Glasgow, concluem que a proximidade de lojas
alimentares e a disponibilidade de alimentos frescos e saudáveis condicio-
nam a dieta individual e familiar. Van Lenthe et al., (2005) concluem ainda
que a disponibilidade e qualidade das infraestruturas desportivas pode ser
um fator promotor da prática de exercício físico.
O estudo da interação das determinantes comportamentais, individuais,
e contextuais da saúde revela que os comportamentos, apesar de serem
entendidos como uma opção individual, devem também ser perspetivados
como o resultado do jogo dos fatores ambientais. Por exemplo, o comporta-
mento sedentário ou, em oposição, de atividade física, para além de ser
influenciado por fatores individuais (como o género, a idade e a ocupação),
é-o também pelas infraestruturas de lazer e desporto disponíveis, o acesso ao
transporte público e ao transporte ativo, as condições para caminhar e andar
a pé (desde a existência de passeios até à sinalização e iluminação), a segu-
rança, real e percecionada, tanto a rodoviária (relacionada com a intensidade
e velocidade do tráfego automóvel), como a criminal, dependendo esta
última, muitas vezes, do ambiente social, nomeadamente da coesão social e
do capital social (Cohen et al., 2006). A este propósito, O’Donnell (2005)
refere que uma abundância de oportunidade pode minimizar a necessidade
de educação e motivação, enquanto uma ausência de oportunidade prova-
velmente impede a prática de um estilo de vida saudável, mesmo para uma
pessoa informada e motivada. Os comportamentos promotores de desigual-
dades em saúde são, pois, comportamentos contextuais, já que dependem das
condições de vida quotidiana, ou seja, dos atributos dos lugares em que se
vive e trabalha.
Porém, para o caráter único e irrepetível dos lugares, para a sua singula-
ridade, contribuem também as pessoas que o habitam e nele desenvolvem as
suas vidas, os seus comportamentos e estilos de vida. Lawson (2001) refere
que os lugares são “contextos comportamentais” uma vez que, influenciando
os comportamentos individuais, são também, simultaneamente, uma exten-
são desses próprios comportamentos. Sendo os comportamentos, comporta-
mentos contextuais, também os contextos são contextos comportamentais,
dado que comportamentos saudáveis criam lugares saudáveis, capazes de
gerar comportamentos progressivamente mais saudáveis, podendo desenca-
dear-se uma cadeia de efeitos retroativos e cumulativos, com grande impacte
positivo na saúde individual e coletiva (Nogueira, 2009). Note-se, no entan-
98 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

to, que a cadeia pode desenrolar-se em sentido oposto, conduzindo à emer-


gência de espaços segregados, promotores de vulnerabilidade e risco para a
saúde.

2.2 Ambiente Obesogénico

As doenças crónicas e degenerativas dominam o perfil epidemiológico


dos países desenvolvidos. Estas patologias, apesar de diversificadas, parti-
lham os mesmos comportamentos de risco – inatividade física, dieta desequi-
librada, tabagismo. Dois destes comportamentos estão diretamente implica-
dos na tendência mundialmente verificada de aumento de peso, revelando-se
este aumento de peso, e a obesidade, como importantes contributos para o
acréscimo das doenças crónicas.
A obesidade é hoje um dos maiores problemas de saúde pública da hu-
manidade. É-o pelo seu impacto na mortalidade e na morbilidade, dado o seu
papel potenciador, ou mesmo desencadeador, em várias doenças crónicas e
é-o também pelas suas elevadas prevalências, tendo sido designada como a
pandemia do século XXI. Trata-se de uma patologia característica de perfis
epidemiológicos modernos, revelando-se como um problema multifatorial,
cujo desenvolvimento tem sido atribuído a uma interação entre os genes e o
ambiente. De facto, e apesar do reconhecido papel dos fatores genéticos
como promotores de “suscetibilidade” a esta patologia, o aumento das preva-
lências entre populações geneticamente estáveis destaca o papel dos fatores
ambientais e do seu efeito “obesogénico”. Resultando a obesidade de um
desequilíbrio entre a energia consumida e a energia despendida, a comunida-
de científica tem procurado saber que fatores do ambiente promovem o
aporte calórico e/ou desencorajam o gasto de energia na atividade física
quotidiana (Calthorpe e Fulton, 2001; Jochelson, 2004; Kim et al., 2006;
Poortinga, 2006), tendo sido já apontados vários fatores, físicos e imateriais,
como promotores de ambientes obesogénicos.

2.2.1 Aporte calórico

Vários estudos mostram que a adoção de uma dieta variada e saudável é


mais fácil se o mercado local responder a essa necessidade, disponibilizando
alimentos saudáveis a preços acessíveis. No seu relatório anual de 2002, a
OMS sublinha a associação entre o pior acesso a alimentos saudáveis, ou o
melhor acesso a alimentos pouco saudáveis, com as doenças relacionadas
com os comportamentos alimentares: obesidade, mas também diabetes,
cancro e doenças cardiovasculares (OMS, 2002).
O tipo de lojas disponíveis na área de residência influencia a dieta, uma
vez que certos alimentos são mais característicos de determinadas lojas,
Ambiente, comportamentos e obesidade na população portuguesa 99

sendo por isso mais consumidos nas áreas em que estas são mais abundantes.
Segundo Morland et al. (2002), os residentes em áreas com maior disponibi-
lidade de supermercados têm maior probabilidade de adotar uma dieta sau-
dável; o consumo de fruta e vegetais é maior entre aqueles que compram os
seus alimentos em supermercados, por comparação a quem compra em lojas
mais pequenas (lojas de conveniência), sugerindo-se a existência de uma
relação entre a disponibilidade de certos alimentos, associada a determinado
tipo de comércio alimentar, e a dieta. Nos EUA, Kwate et al. (2009) relacio-
nam a elevada prevalência de obesidade em populações Afro-Americanas ao
ambiente alimentar das suas áreas de residência, com destaque para a densi-
dade de restaurantes de “fast food. Na Holanda, Kamphuis et al. (2007),
sugerem também a existência de uma associação entre disponibilidade e
consumo de alimentos frescos (frutos e legumes).

2.2.2 Dispêndio energético

Se é verdade que se têm verificado mudanças alimentares, com conse-


quências no aumento de peso, é também verdade que tem havido uma mu-
dança progressiva dos estilos de vida, para modelos caracterizados por
maiores níveis de sedentarismo, mudanças estas que têm sido imputadas a
alterações sociais e tecnológicas que afetam os comportamentos dos indiví-
duos nos locais de trabalho, em casa e nos modos de transporte (Cerin et al.,
2009).
Uso do solo, desenho urbano, organização social e segurança, ambiente
sociorelacional, são alguns dos fatores ambientais implicados na formação
de comunidades caminháveis (walkable community), definidas como aquelas
em que as características do ambiente físico e social contribuem para a
adoção de estilos de vida ativos e saudáveis. Numa “comunidade caminhá-
vel”, segurança, suporte e coesão social, propiciam o desenvolvimento da
atividade física formal e informal, sobretudo a que resulta de caminhar e
andar de bicicleta, tanto por necessidade (deslocações para o local de traba-
lho e para aceder a recursos), como por lazer (prática de desporto e ativida-
des recreativas) (Leslie et al., 2007).
Em relação ao ambiente construído, vários fatores têm sido relacionados
com a atividade física. Densidade, uso do solo, desenho urbano, conetivida-
de, entre outras características, contribuem para a pedonização dos lugares
(Nogueira, 2009). Ao nível do uso do solo, a diversidade – mixed de funções
urbanas, como a residencial e comercial – associa-se ao aumento da ativida-
de física, sobretudo a informal, resultante do caminhar (Frank et al., 2006); a
disponibilidade e qualidade de infraestruturas e equipamentos de suporte ao
desporto e ao lazer (Giles-Corti e Donovan, 2002), como ginásios, centros
recreativos, espaços verdes, parques e espaços abertos atrativos, particular-
100 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

mente quando estes possuem equipamentos destinados ao lazer e ao despor-


to, como cafés e circuitos de manutenção. A densificação urbana tem sido
também associada ao aumento da atividade física, considerando-se que áreas
densas, caracterizadas pela proximidade de pontos de interesse, proporcio-
nam e potenciam acessos pedonais; em oposição, aponta-se a dispersão
urbana, referida na literatura como sprawl urbano, relacionando-a com a
diminuição da atividade física (Frank et al., 2006), pelo uso crescente do
automóvel que lhe está associada.

3. Comportamentos e obesidade na população portuguesa

Efetua-se, nesta parte do texto, uma análise a alguns dados disponíveis,


que permitem caraterizar comportamentos da população portuguesa implica-
dos no ganho de peso, comparando alguns valores com os observados noutros
países europeus. Refere-se, em particular, o exemplo dos adolescentes, quer
pela maior disponibilidade de informação para esta faixa etária, quer pela
importância da adolescência enquanto fase de transição entre comportamentos
adquiridos na infância e assunção de novos comportamentos, com provável
prolongamento para a vida adulta, quer ainda porque muitas das patologias
que se manifestam na vida adulta têm as suas raízes na adolescência. Termina-
-se com uma análise da prevalência da obesidade na população portuguesa,
sublinhando-se as variações socioterritoriais que esta patologia apresenta.

3.1 Comportamentos alimentares

Em 1989, segundo a Organização Mundial de Saúde (2012), Portugal


apresentava um consumo calórico médio de 3348 kcal por pessoa/dia, valor
excessivo mas não o mais alto da Europa (Hungria, Turquia e Grécia). Em
2009, o valor tinha subido para 3617 kcal 1, refletindo um aumento de 616
kcal face a 1970 (OMS, 2012).
Em Portugal, no período 2009/2010, à semelhança do que era reportado
em outros países da Europa, o consumo de vegetais e legumes encontrava-se
muito aquém do desejado, uma vez que apenas 27,5% dos adolescentes
ingeriam este tipo de alimentos diariamente 2 (Currie et al., 2012). Refira-se

1 Este valor ultrapassa largamente o valor médio recomendado para o consumo diário de
um adulto (2000 a 2500 kcal).
2 Em 2009/2010, segundo o Health Behaviour in Shool-aged Children Study, a Bélgica
(51,8%), Ucrânia (45,3%), França (45,5%) e Suíça (42,5%) referiram os valores
percentuais mais elevados de adolescentes a consumir uma ou mais porções de vegetais
por dia. Já os piores valores foram referidos pela Estónia (20%), Espanha (21,5%) e
Croácia (24%) (Currie, et al., 2012).
Ambiente, comportamentos e obesidade na população portuguesa 101

ainda que este consumo é diferenciado por género, com os adolescentes do


sexo feminino a relatarem quer um maior consumo, quer um consumo mais
precoce, ou seja, em idades mais jovens (Figura 1). Observa-se ainda que o
valor percentual de adolescentes a consumir uma ou mais porções de vege-
tais diminui com o aumento da idade, em ambos os sexos.

Figura 1. Prevalência de consumo de vegetais e legumes


em Portugal, segundo o género e a idade, 2009/2010

Fonte: Elaborado a partir de Currie et al. (2012).

Considerando o consumo de fruta, verifica-se que Portugal está no con-


junto dos países europeus com valores mais altos, acompanhado pela Dina-
marca (48,8%), Arménia (48,5%) e Suíça (42,8%) (Currie et al., 2012). Se-
gundo o Health Behavior School-aged Children Study, em 2009-2010, cerca
de 43,8% dos adolescentes portugueses referiam ingerir uma ou mais porções
diárias de fruta, sendo a frequência nas raparigas muito superior à observada
nos rapazes, independentemente da idade (Currie et al., 2012). Os resultados
deste estudo mostram, por outro lado, um decréscimo na frequência de con-
sumo de frutas com o avanço da idade, em ambos os sexos (Figura 2).
Refira-se ainda que o mesmo relatório (HBSC 2009/2010) sublinha o
impacte do estatuto socioeconómico do agregado familiar no padrão de
consumo de fruta dos adolescentes de ambos os sexos. Rapazes e raparigas
de elevado estatuto socioeconómico consomem diariamente mais fruta do
que aqueles que pertencem a famílias mais desfavorecidas.
Relativamente ao consumo de chocolates e doces, Portugal apresenta
valores mais altos, quando comparado com a Finlândia (8,9%), Dinamarca
(13,5%), Suécia (13,5%) e Noruega (15,7%). Segundo os dados do Health
Behaviour in School-aged Children Study, em 2001-2002, cerca de 22,6%
dos adolescentes portugueses ingeriam chocolates e doces uma ou mais
vezes por dia (Currie et al., 2004). Refira-se ainda que o menor consumo
102 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 2. Consumo de frutas em Portugal, segundo


o género e a idade, 2009/2010

Fonte: Elaborado a partir de Currie et al. (2012).

diário destes alimentos de baixo valor nutricional registava-se nos adolescen-


tes de 11 anos e do sexo feminino (Currie et al., 2004). Este resultado é
concordante com o diagnóstico efetuado pelo Health Behavior in School-
-aged Children Study de 2009-2010, que indicava que 21,1% dos adolescen-
tes portugueses declaravam beber refrigerante pelo menos uma vez por dia,
sendo a frequência na população masculina superior à observada na popula-
ção feminina (Currie et al., 2012). Uma vez mais, é entre os adolescentes de
11 anos que a ingestão destes alimentos é menor (Figura 3). O mesmo estudo
refere ainda que o consumo de refrigerantes é menor entre os adolescentes
pertencentes aos agregados familiares de elevado estatuto socioeconómico,
diferença que se acentua para o sexo masculino.
A atividade física é outro comportamento, para além dos alimentares,
com importância no aumento de peso (More et al., 1995). A este nível,
Portugal apresenta valores mais baixos de prática regular, quando compara-
do com a Noruega (69,5%), Luxemburgo (70%), Dinamarca (70,1%) e
Holanda (93,2%). Em 2009-2010, somente 38,3% dos adolescentes portu-
gueses referiam prática de exercício físico, de intensidade vigorosa, pelo
menos duas vezes por semana (Currie et al., 2012). De acordo com o Health
Behavior in School-aged Children Study, os rapazes (49,3%) referem ser
mais ativos do que as raparigas (27,3%) (Figura 5). Este estudo refere ainda
que os jovens mais velhos praticam mais frequentemente atividade física do
que os jovens mais novos. Segundo o Health Behaviour in Shool-aged
Children Study (2009/2010), a prática desportiva é também um comporta-
mento diferenciado segundo o estatuto socioeconómico, verificando-se
maior frequência desportiva entre os adolescentes do topo da hierarquia
social (Currie et al., 2012).
Ambiente, comportamentos e obesidade na população portuguesa 103

Figura 3. Consumo de doces e chocolates em Portugal, segundo


o género e a idade, 2001/2002

Fonte: Elaborado a partir de Currie et al. (2004).

Figura 4. Consumo de refrigerante em Portugal,


segundo género e idade, 2009/2010

Fonte: Elaborado a partir de Currie et al. (2012).


104 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

3.2 Comportamentos de atividade física e sedentários

Figura 5. Participação em atividades físicas de intensidade vigorosa,


segundo género e idade, 2009/2010

Fonte: Elaborado a partir de Currie et al. (2012).

De acordo com a informação publicada pela Organização Mundial de


Saúde, em 2009-2010, 66,3% dos adolescentes portugueses declaravam ver
televisão duas ou mais horas por dia, sendo este comportamento menos
frequente nos adolescentes de 11 anos e do sexo feminino (Figura 6) (Currie
et al., 2012). Os valores mais elevados são observados na Estónia (69,1%),

Figura 6. Visionamento televisivo em Portugal,


segundo género e idade, 2009/2010

Fonte: Elaborado a partir de Currie et al. (2012).


Ambiente, comportamentos e obesidade na população portuguesa 105

Lituânia (71,1%), Croácia (71,5%), Ucrânia (72%) e Eslováquia (72,5%)


(adolescentes com consumos televisivo diário de pelo menos uma hora). Este
comportamento apresenta-se também diferenciado segundo o género, regis-
tando-se menores consumos televisivos nas raparigas pertencentes a agrega-
dos familiares de elevado estatuto socioeconómico, contrariamente ao obser-
vado nos rapazes (Currie et al., 2012).
Ainda em relação aos comportamentos sedentários, e segundo o Health
Behavior in School-aged Children de 2009-2010, refira-se que 35% dos ado-
lescentes afirmavam jogar computador ou consola pelo menos uma hora por
dia, valor que coloca Portugal muito próximo dos países com os maiores
valores da Europa 3 (Currie et al., 2012). O Health Behavior in School-aged
Children de 2009-2010 revela, por outro lado, a existência de padrões de
consumo diferentes segundo género e idade. De acordo com este estudo, são
os adolescentes de 15 anos do sexo masculino que referem passar mais tem-
po a jogar computador e consola, contrariamente ao revelado pelos adoles-
centes do sexo feminino (Currie et al., 2012).

Figura 7. Uso de consola de jogos e de computador,


segundo género e idade, 2009/2010

Fonte: Elaborado a partir de Currie et al. (2012).

3.3 Obesidade na população portuguesa

Em Portugal, o excesso de peso e obesidade na população adulta atin-


gem valores preocupantes em ambos os sexos. Torres et al., (1989) com base
numa amostra de 1249 indivíduos com mais de 20 anos, residentes na área
do Grande Porto, descrevem prevalências de obesidade de 59,5% no sexo

3 Em 2009/2010, a Roménia, a Escócia e a Estónia referem os valores mais altos,


respetivamente, 60%, 47% e 46,3%.
106 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

masculino e de 54,8% no sexo feminino, tendo sido neste último grupo que
se registaram as formas de obesidade mais severas. Em 1990, baseado nos
registos da inspeção militar de 1983, Cardoso e Vieira (1990) mostram que
10% dos mancebos portugueses com 20 anos são obesos. Num estudo reali-
zado com base nos registos das inspeções militares, relativos ao período de
1960/1990, Castro et al. (1998) verificam que a percentagem de jovens
obesos (IMC≥30 Kg/m2) aumentou de 0,9% para 2,9%. Por sua vez, um
estudo realizado com dados relativos ao período entre 1985 e 1998, utilizan-
do uma amostra de 741476 recrutas nascidos entre 1988 e 1979, mostrou um
aumento da prevalência de excesso de peso de 10% para 13,5% em 13 anos
de intervalo (Padez, 2000). Num estudo realizado no distrito de Setúbal no
âmbito do programa CINDI, Martins, et al., (1993) concluíram que 49,1%
dos homens e 37,7% das mulheres tinham excesso de peso e que 15,3% dos
homens e 20,3% das mulheres apresentavam obesidade. Padez (2002), com
base numa amostra de 6201 estudantes matriculados na Universidade de
Coimbra, encontrou valores de excesso de peso em 20,3% dos rapazes e
10,5% das raparigas e de obesidade de 2,7% e 1,3%, respetivamente em
rapazes e raparigas. Num estudo realizado em Portugal Continental, com
uma amostra representativa da população portuguesa entre os 18 e os 65
anos. Carmo et al. (2008) concluíram que, em 2003/2005, 34,4% das mulhe-
res e 45,2% dos homens apresentavam excesso de peso e que 13,4% das
mulheres e 15,5% dos homens apresentavam obesidade. Este estudo revela,
por outro lado, que a prevalência de excesso de peso e obesidade entre 1995/
1998 e 2003/2005 aumentou de 49,6% para 53,6% 4 (Carmo et al., 2008).
Em 2005/2006, de acordo com o Inquérito Nacional de Saúde (INSA,
2009), 15,2% da população residente em Portugal Continental com mais de
18 anos era obesa 5, sendo a prevalência de obesidade no sexo feminino
superior à verificada no sexo masculino (15,9% vs. 14,4%). Comparando os
resultados dos dois últimos Inquéritos Nacionais de Saúde, verifica-se que a
prevalência de obesidade aumentou 3,2 % nos últimos 7 anos; a Região
Norte e a Região de Lisboa e Vale do Tejo registaram os aumentos mais
acentuados (11,1% e 12,9% em 1999 para 14,9% e 16,8% em 2005, respeti-
vamente) (INSA, 2001; INSA, 2009).
Ao analisar a prevalência de obesidade em 2005/2006 desagregada se-
gundo as cinco regiões plano, observa-se a existência de diferenças geográfi-
cas relevantes, com a região do Alentejo (15,5%) e Lisboa e Vale do Tejo
(16,8%) a registar a maior proporção de obesos, em oposição ao Algarve
(12,0%) (Figura 8) (INSA, 2009).

4 Estes dados sugerem que, apesar de a obesidade ter sido identificada como um
problema de saúde pública há uma década atrás, os esforços desenvolvidos até à data
não surtiram grandes efeitos.
5 No inquérito referido foram consideradas obesas todas as pessoas com um
IMC≥30Kg/m2 (INS, 2005/2006).
Ambiente, comportamentos e obesidade na população portuguesa 107

Figura 8. Prevalência de obesidade em Portugal Continental


por Região, 2005/2006

Fonte: Elaborado a partir de INSA, 2009.

O Inquérito Nacional de Saúde de 2005/2006 revelou, por outro lado,


que a proporção de indivíduos com obesidade vai aumentando à medida que
aumenta a idade, até atingir os 74 anos, diminuindo ligeiramente a partir daí.
Tanto nos homens como nas mulheres, a prevalência de obesidade aumenta
gradualmente, sobretudo a partir do escalão etário 25-34 anos, com o pico da
prevalência a registar-se entre os 55-64 anos (mulheres: 24,3%; homens:
22,0%) (Figura 9).

Figura 9. Prevalência de obesidade em Portugal Continental,


segundo género e idade, 2005/206

Fonte: Elaborado a partir de INSA, 2009.


108 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Ainda segundo este inquérito, a proporção de indivíduos pré-obesos e


obesos aumenta com a diminuição da escolaridade, tendência esperada face
ao padrão social dos comportamentos relacionados com o ganho de peso,
anteriormente analisados, e possivelmente responsável pela maior prevalên-
cia de obesidade em comunidades socialmente desfavorecidas (Quadro 1)
(INSA, 2009).

Quadro. 1.População inquirida com pré-obesidade e obesidade,


segundo anos de escolaridade completos e género, em Portugal
Continental, 2005/2006
Pré-obesidade Obesidade
Escolaridade (IMC≥27Kg/m2 e <30Kg/m2) (IMC≥30Kg/m2)
H M HM H M HM
Menos de 5 anos 47,1 64,7 55,9 54,8 69,7 62,2
De 5 a 9 anos 30,5 18,8 24,9 25,4 19,7 22,6
De 10 a 12 anos 11,7 10,0 10,9 9,6 5,5 7,6
De 13 a mais anos 10,7 6,6 8,6 10,1 5,1 7,6
Fonte: Elaborado a partir de INSA, 2009.

Portugal não ocupa um lugar muito diferente no que diz respeito à pre-
valência de excesso de peso e obesidade infantil indicada pelos outros paí-
ses, apesar dos estudos representativos nesta área serem escassos 6. Um
estudo realizado por Padez et al. (2004), com uma amostra representativa
nacional de crianças dos 7 aos 9 anos, revelou que 20,3% das crianças portu-
guesas têm excesso de peso e que 11,3% são obesas. No distrito de Coimbra,
num estudo realizado com crianças entre os 3 e os 5 anos, foram calculadas
prevalências de excesso de peso de 17% e de obesidade de 6,7%, superiores
no sexo feminino (Rito, 2006). Outro estudo realizado com crianças entre os
5 e os 10 anos, matriculadas em escolas do ensino público da área de abran-
gência do Centro de Saúde Norton de Matos, em Coimbra, evidenciou
prevalências de excesso de peso de 14,3% no sexo feminino e 13,3% no sexo
masculino (Cordeiro et al., 2007). Esse mesmo estudo conclui que a preva-
lência de obesidade no sexo feminino era de 11,5% e no sexo masculino de
11,4%. Num estudo mais recente, Rito et al. (2012) revelam que 17,6% das
crianças portuguesas dos 6 aos 9 anos apresentam pré-obesidade e que
14,5% são obesas. Verifica-se, ainda, que os rapazes apresentam valores

6 Em Malta, num estudo com crianças entre crianças e adolescentes dos 10 aos 16 anos,
foram calculadas prevalências de pré-obesidade de 25,4% e de obesidade de 7,9%
(Janssen, et al., 2005). Um estudo realizado na Grécia, envolvendo crianças com idades
compreendidas entre os 6 e os 10 anos, revelou que 25,3% tinham pré-obesidade e
5,6% eram obesas (Krassas, et al., 2001). Na Itália, Lazzeri, et al., (2008) verificaram
que 33,4% das crianças com 9 anos eram pré-obesas e obesas.
Ambiente, comportamentos e obesidade na população portuguesa 109

superiores de pré-obesidade e obesidade (18,4% e 15,6%, respetivamente),


comparativamente às raparigas (16,8% e 13,5%, respetivamente) (Rito et al.,
2012). Este estudo aponta também diferenças na prevalência de pré-
-obesidade e obesidade entre regiões, sendo os valores mais altos observados
nas crianças da Região dos Açores (46,6%) e os mais baixos nas crianças da
Região do Algarve (21,4%), embora não tenham sido produzidos dados de
amostras representativas regionais.
O aumento da prevalência de pré-obesidade e obesidade na adolescên-
cia é igualmente preocupante. De acordo com vários estudos, a obesidade na
adolescência está diretamente associada com o aumento da morbilidade e
mortalidade na vida adulta, independentemente do peso corporal (Guo et al.,
2002; Freedman et al., 2001). Um estudo realizado na área do Grande Porto,
por exemplo, mostrou que a prevalência de excesso de peso e obesidade em
crianças e adolescentes com idades compreendidas entre os 10 e os 15 anos
foi, respetivamente, de 20,5% e de 6,8% (Ribeiro et al., 2003). Este estudo
revelou, por outro lado, que os rapazes apresentavam valores ligeiramente
superiores de excesso de peso (22,5% vs. 18,5%) e de obesidade (8,4% vs.
5,3%), comparativamente às raparigas (Ribeiro, et al., 2003). Amaral et al.
(2007) detetou prevalências de excesso de peso de 16% no sexo masculino e
11,6% no sexo feminino e de obesidade de 4,2% no sexo masculino e 2,8%
no sexo feminino, num estudo abrangendo adolescentes dos 12 aos 18 anos
residentes no distrito de Viseu. Por sua vez, um estudo realizado na área da
Grande Lisboa estimou valores de prevalência de obesidade, a partir do Dual
Energy X-Ray Absorptiometry 7, em 27,3% dos rapazes e 44,8% das rapari-
gas (Sardinha et al., 1999). Outro estudo realizado com adolescentes entre os
11 e os 13 anos, utentes da Unidade II do Centro de Saúde de Santarém,
revelou que 5,2% dos adolescentes avaliados eram obesos e que 21,5%
tinham excesso de peso (Marujo e Leitão, 2004). Os resultados deste estudo
revelaram, ainda, diferenças de género, com os rapazes a apresentarem
valores ligeiramente superiores de excesso de peso (12,6% vs. 7,4%), mas
inferiores de obesidade (2,2% vs. 3%) (Marujo e Leitão, 2004).

4. Conclusão

Ancorado num modelo salutogénico, o conceito de saúde é progressi-


vamente entendido como um recurso que pode e deve ser explorado, um
potencial que cabe a todos, e a cada um, desenvolver. A capacidade de criar
saúde está dependente de um conjunto complexo de determinantes que
atuam em interação, distinguindo-se dois níveis nessa atuação: o individual e

7 O Dual Energy X-Ray Absorptiometry (DEXA) é um método indireto de avaliação da


composição corporal.
110 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

o contextual. Comportamentos e estilos de vida são determinantes da saúde


que ligam estas duas esferas, uma vez que o jogo dos fatores ambientais, que
atribui a cada lugar a sua singularidade, influencia as opções individuais.
Vários estudos mostram que os comportamentos implicados no ganho peso
são comportamentos contextuais, dependentes de diversos atributos ambien-
tais, o que fundamenta o conceito de ambiente obesogénico. Todavia, tam-
bém os lugares são contextos comportamentais, modelados pelos comporta-
mentos e ações dos indivíduos que os experienciam e que contribuem para a
sua especificidade.
Os níveis crescentes de obesidade observados na população portuguesa
decorrem possivelmente de modificações nos comportamentos alimentares,
acompanhadas por mudanças progressivas dos estilos de vida, em direção a
modelos cada vez mais sedentários, caracterizados por menores níveis de
atividade física. As alterações alimentares e na atividade física devem ser
entendidas como resultado de transformações sociais, tecnológicas e ambien-
tais que afetam os comportamentos dos indivíduos nos locais de trabalho, em
casa e nos modos de transporte. Falta de transporte público, escassez de
infraestruturas desportivas, insegurança, inexistência de locais de venda de
alimentos frescos e saudáveis poderão ser, entre outros, alguns dos fatores
implicados na mudança comportamental e no ganho de peso. A variação
socioterritorial nas prevalências de obesidade e excesso de peso observadas
nos estudos apontados poderão refletir quer os efeitos dos fatores ambientais
e culturais, quer diferenças nos níveis de sedentarismo e nos padrões alimen-
tares adotados localmente, quer ainda diferenças relacionadas com a própria
avaliação efetuada (momento/época da avaliação; grupos etários; medidas
antropométricas utilizadas, entre outras).

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PARTE III

VULNERABILIDADE, DESIGUALDADES E
RISCOS EM SAÚDE
CAPÍTULO 6

SUBESTAÇÕES DE ENERGIA ELÉTRICA, RADIAÇÃO


ELETROMAGNÉTICA E OS EFEITOS NA SAÚDE HUMANA
– ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DE GUIMARÃES

Juliana Araújo Alves


Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades
na Amazônia Brasileira NEPECAB/UFAM
Paula Remoaldo
Instituto de Ciências Sociais
CICS/NIGP
Universidade do Minho
Helena Nogueira
Faculdade de Letras
Universidade de Coimbra

Resumo

Este capítulo faz uma abordagem sobre os efeitos da radiação eletro-


magnética na saúde humana, ressaltando a importância da Geografia, em
especial da Geografia da Saúde, e da componente territorial neste tipo de
análise. Trata-se de um enfoque que não tem sido realizado pelos geógrafos
portugueses e também tem muito pouca expressão noutros países de língua
oficial portuguesa como, por exemplo, no Brasil.
São recordadas as três etapas de realização de estudos internacionais re-
alizados sobre esta temática e as principais ilações retiradas, seguindo-se a
apresentação dos resultados de um estudo concretizado, em 2010, no muni-
cípio de Guimarães (Noroeste de Portugal) sobre o eletromagnetismo e a
saúde humana.

Desigualdades Socioterritoriais e Comportamentos de Saúde, Lisboa, Edições Colibri, 2013,


pp. 117-140.
118 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

1. Introdução

O momento atual continua marcado pela concentração da população nas


cidades. Este processo é visível à escala mundial, prevendo-se que em 2050
dois terços da população estará vivendo em espaços urbanos. As cidades são
responsáveis pela maior parte do crescimento populacional do mundo, cujo
pico, de cerca de 10 milhares de milhão de habitantes, espera-se que acon-
teça em 2050 (Davis, 2006).
Portugal também tem seguido este processo, tendo já cerca de dois
terços da sua população a residir em espaços urbanos (UNFPA, 2011).
Este intenso processo de urbanização produz importantes mudanças nos
perfis de doenças, revelando claramente o processo de transição epidemio-
lógica.
O fenómeno de crescimento urbano pressupõe que as cidades criem
infraestruturas de serviços e equipamentos, principalmente em termos das
novas tecnologias da informação e da comunicação. Estas devem ser conso-
lidadas para suportar o grande crescimento populacional que elas têm com-
portado no último quarto do século XX, como por exemplo, os serviços de
acesso ao sistema de energia elétrica e de telefone móvel.
Em Portugal continental a rede de transmissão de energia elétrica está
concentrada no litoral, território que concentra a maior pressão demográfica
e com maior necessidade de consumo, sendo o município de Guimarães, no
noroeste português, um exemplo de território que apresenta uma grande
concentração de linhas elétricas de muito alta tensão (Azevedo, 2010).
Nessa configuração, as cidades limitam o planeamento urbano, condu-
zindo a população à exposição aos campos eletromagnéticos decorrentes da
estrutura das tecnologias da informação e comunicação, por intermédio de
campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos criados pela presença de
fios, cabos elétricos, postes de alta tensão provenientes de subestações e de
linhas de transmissão de energia elétrica.
Os campos elétrico, magnético e eletromagnético são agentes físicos
associados ao uso da eletricidade para transmissão e transporte de energia
(baixa frequência, 60 Hz 1) e para as tecnologias da comunicação (alta fre-
quência, acima de 9 kHz). Esses campos interagem com os seres vivos, em
geral, e com o corpo humano (em particular) causando efeitos danosos ao
induzirem correntes elétricas, que ultrapassam a blindagem da pele, danifi-
cando células e órgãos mais sensíveis (Déoux e Déoux, 1996; WHO, 1998).
A avaliação dos efeitos na saúde decorrentes da exposição, refere-se

1 Os campos de baixa frequência ocupam a faixa de 3 a 3.000 Hz, com um longo


comprimento de onda. As redes de geração e transmissão de energia elétrica são
campos de frequência extremamente baixa, compreendendo as faixas de 50 a 60 Hz.
Subestações de energia elétrica, radiação eletromagnética 119

frequentemente aos campos magnéticos (CM), pois os materiais comuns da


construção civil não blindam a passagem das correntes induzidas pelo CM,
diferentemente do que ocorre com os campos elétricos.
Com base nestes pressupostos optámos por realizar, em 2010, um estu-
do de tipo exploratório usando uma amostra de 118 indivíduos expostos e 55
não expostos às linhas de muito alta tensão, numa freguesia do município de
Guimarães (Serzedelo).
O presente capítulo possui três secções para além da introdução. A
primeira, a seguir à introdução, debruça-se sobre os tipos de estudos que
foram realizados em domicílios próximos de subestações de energia elétrica
relacionando o fator proximidade com os casos de cancro. Na segunda sec-
ção aborda-se a importância e o contributo da Geografia e da componente
territorial para este tipo de análise. Para tanto, são considerados geógrafos
clássicos como Maxmmilian Sorre e Henri Picheral. Na terceira e última
secção é apresentado o estudo de caso da influência do eletromagnetismo na
saúde humana em Guimarães (Noroeste de Portugal).

2. Tipo de estudos realizados e principais ilações

O primeiro estudo sobre a ocorrência de efeitos biológicos decorrentes


da exposição à eletricidade foi realizado na antiga União Soviética, em 1972
por Asanova e Rakov, apresentando a possibilidade de efeitos psicológicos e
psiquiátricos relacionados com a exposição aos CEM (cefaleias, insónias e
perdas de memória).
Em 1979, Nancy Wertheimer e Ed Leeper associaram a maior incidên-
cia de leucemia infantil com a proximidade da residência às linhas de ener-
gia elétrica. Essa associação é explicada pela medicina, a partir de evidências
experimentais, em que os campos magnéticos podem influenciar algumas
funções celulares, como a proliferação das células e a comunicação intrace-
lular. Desta forma, afere-se que a exposição elevada pode promover tumores
ou outros tipos de danos celulares (Marcílio et al., 2009).
Na década de 1990 surge uma série de investigações que associam a
proximidade geográfica a outras doenças crónico-degenerativas (NRPB,
1992, 1993, 1994; ORAU, 1992; Savitz, 1993; Health, 1996; Stevens e
Davis, 1996; Tenforde, 1996; NAS, 1996). Trata-se de estudos realizados
principalmente nos Estado Unidos e centrados nos casos de cancro infantil e
publicados no American Journal of Epidemiology.
O funcionamento do sistema nervoso estabelece-se pelos estímulos
elétricos e é considerado particularmente vulnerável aos efeitos dos campos
magnéticos e às correntes por eles induzidas. Apesar de os campos magnéti-
cos de frequência extremamente baixa induzirem correntes menores do que
as fisiologicamente presentes e capazes de estimular o tecido nervoso perifé-
120 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

rico, evidências científicas sugerem que eles podem modular a atividade


elétrica funcional no sistema nervoso central (Marcílio et al., 2009).¶
Mattos e Koiffman (2004) dividem os estudos sobre campos eletro-
magnéticos em quatro etapas. Na primeira etapa listam-se os estudos epide-
miológicos que evidenciam o aumento na incidência e mortalidade, princi-
palmente por leucemias e tumores no cérebro, bem como linfomas não-
-Hodgkin, melanoma e cancer masculino de mama em grupos de trabalhado-
res com exposição potencial aos campos eletromagnéticos e em áreas
residências situadas nas proximidades de fontes de alta tensão elétrica
(Milham, 1982; Wright et al., 1982; Tomenius, 1986; Speers et al., 1988;
Matanoski et al., 1991).
A segunda etapa de estudos epidemiológicos é caracterizada pela
melhoria da qualidade dos trabalhos publicados. Os estudos dessa etapa
concebem a exposição como ocorrência, concomitante no tempo e no
espaço, de um agente capaz de produzir doença, bem como de indivíduos
que são por ele afetados (Patterson, 1991), o que vai consolidar a tradição na
medição dos campos eletromagnéticos. Os primeiros estudos epidemioló-
gicos dessa etapa revelaram-se contrários aos estudos iniciais (estudos
epidemiológicos da primeira etapa), apontando a ausência de associação, ou
associação fraca entre a exposição a campos eletromagnéticos e a ocorrência
de cancer (Tomenius, 1986; Savitz et al., 1988; Severson et al., 1988;
London et al., 1991). Na década de 1980, Richard G. Stevens (1987) publica
no American Jornal of Epidemiology, o artigo Electric power use and breast
cancer: a hypothesis, levantando a hipótese de que a exposição prolongada
aos campos eletromagnéticos poderia diminuir os níveis fisiológicos de
melatonina (hormona produzida pela glândula pineal) no sangue, que ocorre
no período noturno. Stevens (1987) sustentou a hipótese em estudos
experimentais realizados por El-Domeir e Das Gupta (1973), Tamarkin et
al., 1981 e Shah et al. (1984), que demonstravam que os baixos níveis de
melatonina podem contribuir para o desenvolvimento de tumores mamários.
Estudos recentes (e.g., Bordet et al., 2003; Arendt e Skene, 2005;
Brzezinski et al., 2005) evidenciam que a melatonina tem importância no
estado de amaurose 2, no traumatismo craneano, na esquizofrenia 3, no enve-
lhecimento e função cognitiva 4 e na doença de Parkinson. A melatonina é
uma hormona que transmite informações circadianas e sazonais para todo o

2 Na amaurose ou perda visual total, perde-se a capacidade de perceber a luz necessária à


regulação do ritmo circadiano. Nessa situação clínica a melatonina é benéfica.
3 Nas situações clínicas como trauma craneano e na esquizofrenia auxilia a conciliar o
ritmo monofásico de sono.
4 Estudos do tipo clínico revelam que a redução de níveis liquóricos de melatonina
expressam-se antes da evidência clínica de demência sugerindo alterações precoces
dessas neurohormonas na doença de Alzheimer.
Subestações de energia elétrica, radiação eletromagnética 121

organismo, sincronizando os processos fisiológicos e metabólicos que têm


um bioritmo. Mudanças no perfil de secreção dessa hormona podem
contribuir para uma perda da homeostase que facilita a instalação de
síndromes metabólicas (Ferreira, 2007). A concentração de melatonina no
organismo reduz a proliferação de células cancerígenas e o crescimento
tumoral.
Na terceira etapa de estudos epidemiológicos destacam-se as pesquisas
que incluíam medições diretas dos campos eletromagnéticos, analisando
grandes grupos populacionais e garantindo a segurança estatística, possibili-
tando a associação estatística significativa entre a exposição e a ocorrência
de cancer. Os mais importantes estudos desse período (e.g., Feychting e
Ahlbom, 1993; Thériault et al., 1994; Savitz e Loomis, 1995) apresentam-se
bem desenhados do ponto de vista metodológico e dispondo de grandes
amostras populacionais, permitindo estabelecer algumas conclusões. Em
primeiro lugar, a hipótese de associação não pode ser descartada, em abso-
luto, principalmente a da associação entre a exposição e a ocorrência de
cancer (sobretudo, leucemias e cancer cerebral). Em segundo lugar, diz
respeito à magnitude de associação entre a exposição e o desenvolvimento
de cancer, principalmente, com a diversidade de fontes de exposição aos
campos eletromagnéticos existentes nas sociedades urbano-industrial
(Mattos e Koiffman, 2004).
O cancro e outras doenças crónico-degenerativas constituem um
evidente problema de saúde pública mundial. A Organização Mundial de
Saúde (OMS ) estima que, em 2030, existirão 27 milhões de novos casos de
cancro, 17 milhões de mortes por cancro e 75 milhões de pessoas vivas, por
ano, com cancro (INCA, 2011).
Em Portugal, o cancro é a segunda das doenças crónico-degenerativas
que mais causa mortalidade no país, seguida das doenças cerebrovasculares e
cardiovasculares. Para a região Norte de Portugal, as neoplasias com maior
incidência, são a colo-retal, próstata, mama, estômago e pulmão. No
município de Guimarães, nota-se um aumento significativo no número de
registros entre os anos de 2000 e 2006, de 341 casos para 2.947 registos
oncológicos (Azevedo, 2010).
Na nossa perspetiva a associação entre exposição a campos eletro-
magnéticos e a ocorrência de doenças crónico-degenerativas (e.g., cancer,
diabetes, depressão, doença de Parkinson, Alzheimer, esclerose múltipla) só
se valida quando está aliada a outros fatores, tais como susceptibilidade
genética, tipo de dieta alimentar, grupo etário, estilo de vida (consumo de
alcool e de tabaco, dependência química), rendimento, habitação. A exposi-
ção aliada a fatores relacionais acelera o processo de danos nas células e
órgãos do corpo humano. Nesse grupo, agrupam-se os três pilares da Ecolo-
gia das Doenças (população, ambiente e estilo de vida). Ressalta-se que esse
ambiente não deve ser entendido apenas como o ambiente natural, mas deve
122 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

englobar uma série de outros mecanismos que revelam a estrutura social na


qual o indivíduo se insere, os momentos de transição da sociedade rural-
-agrária, urbano-industrial e os incrementos de modernização destes perío-
dos. Nestes últimos, destaca-se o uso de sementes geneticamente melhora-
das, os fertilizantes, os agrotóxicos, o uso intensivo de telemóveis e de
aparelhos eletrónicos e a intensificação de linhas de transmissão e transporte
de energia.

3. O contributo da Geografia da Saúde para o estudo das doenças asso-


ciadas ao eletromagnetismo

O geógrafo francês Maximmiliam Sorre, com forte influência do con-


ceito de género de vida de Paul Vidal de La Blache, formulou o conceito de
complexos patogênicos (1955). “[...] a constituição dos complexos patogêni-
cos depende, em grande parte, do gênero de vida dos grupos humanos e dos
costumes que este gênero de vida exerce sobre o vestuário, alimentação,
ocupação e condição de moradia” (Sorre, 1955: 279). Sorre utilizou a deno-
minação de complexos patogénicos para definir uma região e a integração de
dados físicos e humanos, demonstrando a individualidade do fenómeno
espacial. Por outras palavras, o complexo patogênico foi criado para desig-
nar um espaço que reunia as condições físicas naturais (e.g., temperatura,
humidade, direção do vento, radiação solar, morfologia do terreno, condi-
ções limnológicas) e as condições humanas e sociais (e.g., rendimento,
habitação, hábitos culturais) associados a condições ambientais propícias ao
vetor.
Pierre George (1978) ampliou o conceito de Sorre, considerando o uso
da tecnologia como fator primordial para o surgimento das patologias atuais,
surgerindo o termo sistemas tecno-patogénicos. Henri Picheral (1982) tam-
bém propôs a ampliação do conceito de complexos patogénicos, referindo-se
a eles enquanto complexos sócio-patogénicos.
Posteriormente, surgiram outras adaptações resultantes do acelerado
processo de urbanização e industrialização das e nas cidades. Autores como
Casas (1993) discutiram a existência de dois sistemas: o sistema patogénico
da pobreza e o sistema patogénico da industrialização (Alves, 2011).
O espaço, juntamente, com a discussão do território cada vez mais tem
interessado aos profissionais da área da saúde, para compreender o compor-
tamento, a evolução e a difusão de determinadas doenças.
Recentemente, não deve ser negligenciado o contributo dos geógrafos,
que ganharam espaço em pesquisas inicialmente discutidas apenas por médi-
cos, pois os seus estudos procuram as correlações entre os elementos natu-
rais do ambiente e os elementos sociais das populações. Além disso, os geó-
grafos têm revelado uma especial capacidade para representar espacialmente
Subestações de energia elétrica, radiação eletromagnética 123

as doenças com o uso de Sistemas de Informação Geográfica (SIG), conse-


guindo realizar uma análise simultânea da dimensão dinâmica e espacial das
doenças (Nogueira e Remoaldo, 2010).
Iniciada em finais do século XVIII, uma das vertentes da Ecologia das
Doenças, a Cartografia Médica ou Cartografia das Doenças (Disease
Mapping) disseminou-se e conseguiu manter a sua importância até às últimas
décadas do século XX. No Reino Unido, Andrew Cliff e Peter Haggett são
os autores que maior contributo deram a esta vertente. Nos EUA, foi reali-
zada a primeira tentativa de construção de um mapa de doenças por médicos,
que cartografaram as residências de infetados com o vírus da febre amarela
(1798). É, também, atribuída aos médicos a descoberta da potencialidade dos
mapas na identificação de alguns tipos de relações causais. No século XVIII
surgiram os dot maps (mapas de pontos que mostravam o padrão da epide-
mia), sobressaindo o de Seaman e o de Pascalis de 1798, relativos à febre-
-amarela num setor de Nova York. Mas foi John Snow, médico britânico do
período vitoriano, quem elaborou verdadeiramente, em 1854, o primeiro
mapa de Geografia da Saúde, que estabelece de forma clara uma relação
causal entre o número de mortes por cólera (vibrio cholerae) e a localização
do poço com água contaminada causador da doença, em cerca de seis
quarteirões de Londres (Nogueira e Remoaldo, 2010).
O ramo mais tradicional da Geografia da Saúde, que compreende a
Ecologia das Doenças, abarca a análise da doença e a sua expressão espacial,
investigando a potencialidade das questões ambientais na morbilidade e,
sobretudo, na mortalidade das populações: The human ecology of disease is
concerned with the ways human behavior, in its cultural and socioeconomic
contexts, interacts with environmental conditions to produce or prevent
disease among suceptible people (Meade e Emch, 2010: 26).
A Ecologia das Doenças remonta ao século XVIII e desenvolveu-se no
ambiente académico no século XIX direcionando-se, inicialmente, para as
relações entre o meio natural e as doenças e, mais recentemente, para as
iniquidades espaciais e sociais da morbilidade e da mortalidade e a etiologia
e difusão das doenças abordando, sobretudo, as causas sociais e ambientais
(Remoaldo, 2005).
Meade e Emch (2010) afirmam que a Geografia, tradicionalmente
estuda a formação da paisagem, desde os estudos populacionais, as ativida-
des econômicas, até a difusão tecnológica. Todas estas componentes, cor-
relacionando-se ou agindo separadamente, produzem consequências sociais
pertinentes que merecem ser estudadas pela Geografia da Saúde. Essa
natureza modificada pelo homem interage com o meio, contribuindo para o
aparecimento de doenças que são, principalmente, intensificadas com os
estilos de vida e as características genéticas peculiares de cada indivíduo.
Elements of population composition include not only age structure and
ethnicity, but also immunological and nutritional status and genetic
124 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

susceptibility (Meade e Emch, 2010: 27). Essa corrente da Geografia da


Saúde Tradicional tem uma forte componente cultural que é baseada nos
diferentes comportamentos estabelecidos pelos grupos humanos, já que
Geographic studies of disease had a strong cultural component from the
very beginning. Specific diseases were typically studied using a tripartite
approach: population, environment and behavior (and the interactions
among these factors) (Gesler, 1991: 7).
As chamadas “tecnologias da informação” possibilitam a representação
da superfície terrestre e dos seus atributos de forma digital. Os dados de
saúde, que durante muito tempo se restringiam apenas ao quantitativo e a
ações voltadas para o controlo de vetores, ganham uma nova configuração
com a Geografia e o auxílio das geotecnologias, permitindo a espacialização
das doenças e a correlação com outros fatores geográficos, como a redução
da cobertura vegetal e a urbanização, permitindo a interação entre espaço e
saúde. No geoprocessamento, a topologia permite que estruturas/representa-
ções geométricas possam descrever posição, relações de vizinhança e cone-
xão com outros elementos.
Nesse sentindo, o SIG surge como ferramenta que permite a recolha, o
armazenamento, a manipulação e o tratamento da informação de dados refe-
renciados geograficamente. O que torna essas geotecnologias tão impor-
tantes para a análise da Geografia da Saúde é a possibilidade de determinado
fenómeno estar relacionado com a localização espacial, o que permite
estudar a associação da incidência de determinada doença com a formulação
de indagações sobre as possíveis causas de maior foco.
Os dados sobre saúde e doença têm uma dimensão espacial e podem ser
expressos neste contexto, pois a distribuição geográfica é uma das primeiras
características a ser analisada na avaliação dos resultados das pesquisas em
saúde. Por seu turno, as séries estatísticas completam a visão espacial,
atribuindo os fatos e fenómenos considerados à dimensão temporal. Em
Sistemas de Informação Geográfica (SIG) a distribuição é assegurada pela
base de dados gráficos, enquanto a base de dados alfanuméricos contempla a
visão estatística.
A estatística espacial, que permite analisar a localização espacial de
eventos, além de identificar, localizar e visualizar a ocorrência de fenómenos
que se materializam no espaço, tarefas possibilitadas pelo SIG, proporciona
o modelar da ocorrência destes fenómenos, incorporando, por exemplo, os
fatores determinantes, a estrutura de distribuição espacial ou a identificação
de padrões.
Mas, apesar de todos estes avanços conceptuais e técnicos a discussão
saúde-doença na perspectiva espacial e territorial, ainda é tímida em vários
países. Por exemplo, no Brasil, foram realizadas poucas pesquisas sobre a
influência do clima e das condições atmosféricas na saúde, principalmente,
relacionadas com as doenças respiratórias, e outras pesquisas acerca do
Subestações de energia elétrica, radiação eletromagnética 125

padrão espacial da malária e do dengue. No caso da temática da exposição à


radiação eletromagnética e seus efeitos na saúde humana, não existem estu-
dos realizados por geógrafos no Brasil. Em Portugal, apenas foi realizado um
estudo introdutório e exploratório (Azevedo, 2010). No Brasil existem
alguns estudos (Rodríguez, 2001; Dode, 2003; Wollinger, 2003; Virtuoso,
2004) quase todos no campo da medicina, engenharia elétrica, engenharia de
telecomunicações e na ciência ambiental, centrados na exposição à radiação
eletromagnética pelas antenas de telefones móveis. As pesquisas realizadas
até ao momento, tanto em Portugal como no Brasil, não levam em considera-
ção grandes amostras populacionais, devido entre outros fatores o de ser
realizado na escala da freguesia, do bairro e do lugar e de centrar-se em
dados secundários oficiais na escala do município.
Acreditamos que a interação entre a população, o meio e o comporta-
mento humano (estilo de vida) é o ponto de partida para uma análise com-
pleta da temática (Mead e Emch, 2010) ao tratar dos condicionantes ou estí-
mulos (insults or stimuli), principalmente, os físicos (physical insults) que
compreendem a radiação.

Quadro 1 – Exemplos de condicionantes ou estímulos: infecciosos,


psicossociais, físicos e químicos

(Prions) Perigo (Danger)

Vírus (Viruses) Multidões (Crowds)


Condicionantes Condicionantes
Infecciosos Rickettsiae Psicossociais Isolamento (Isolation)
(Infectious (Psychosocial
insults) Bactérias (Bacterias) insults) Ansiedade (Anxiety)

Protozoários (Protozoa)
Amor (Love)
(Helminths)
Trauma Monóxido de Carbono
(Trauma) (Carbon monoxide)
Radiação (Radiation) Drogas (Drugs)
Light (Luz) Benzeno (Benzene)
Condicionantes Condicionantes
Físicos Químicos Formaldeído (Formal-
Ruídos (Noise)
(physical insults) (chemical insults) dehyde)
Eletricidade Deficiência de Cálcio
(Electricity) (Calcium deficiency)
Pressão de ar Privação de Oxigénio
(Air pressure) (Oxygen deprivation)

Elaboração própria com base em Mead e Emch (2010).


126 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Esse tipo de pesquisa deve buscar suporte na estatística espacial que


permite analisar a localização espacial de eventos, além de identificar loca-
lizar e visualizar a ocorrência de fenómenos que se materializam no espaço,
tarefas possibilitadas pelo SIG. A estatística espacial possibilita o modelar a
ocorrência destes fenómenos, incorporando, por exemplo, os fatores
determinantes, a estrutura de distribuição espacial ou a identificação de
padrões. Nesse sentido, essas pesquisas devem incorporar a análise de
cluster, constituindo grupos a partir de um conjunto de objetos, conforme um
padrão de similaridade, medida a partir das várias estabelecidas na análise da
saúde (Ministério da Saúde, 2007). Desta forma, a maior parte das ocorrên-
cias, naturais ou sociais, relacionam-se em sinergia ou em antagonismo,
relação que se enfraquece com a variável distância. A importância deste tipo
de análise, para este estudo, reside na possibilidade de modelar os fenóme-
nos cuja distribuição seja afetada pela sua localização geográfica (proximi-
dade das linhas de alta tensão e de transmissão de energia) e pela sua relação
com os vizinhos. Com a modelagem de dados espaciais e métodos que espe-
cificam modelos estatísticos pode-se estimar parâmetros que revelem os
fenómenos estocásticos (aqueles sujeitos à incerteza ou influenciados pelas
leis da probabilidade). Nesse sentido, utilizando métodos de análise que
consideram a probabilidade de ocorrência de um evento (doenças crónico-
-degenerativas) em relação ao conjunto de outros eventos (e.g., proximidade
de linhas de transmissão e transporte de energia, susceptibilidade genética,
renda, condições de moradia, ambiente, estilos de vida) localizados no espaço.
Além disto deve estar em sintonia com os métodos da Epidemiologia,
por esta considerar a hipótese de relação casual entre um determinado fator
de exposição (radiação eletromagnética) e uma determinada doença (cancro
e outras doenças crónico-degenerativas). De acordo com Mattos e Koifman
(2004), é necessário considerar algumas condições (repetibilidade, plausibili-
dade biológica, magnitude da associação e a robustez da associação) para
que a associação não seja apenas fortuita, mas, sobretudo, de bases sólidas e
verdadeiras.

4. Estudo de caso no município de Guimarães

Serzedelo, freguesia do município de Guimarães, no noroeste de Portu-


gal, foi objeto de um estudo de Geografia da Saúde que procurou relacionar
a exposição aos campos eletromagnéticos (CEM) com a saúde da população.
A escolha de Serzedelo foi condicionada por diversos fatores, relevando,
desde logo, a elevada densidade de postes e linhas de alta e muito alta tensão
que cruzam o território em questão. No limite desta freguesia com a fregue-
sia de Riba de Ave encontra-se localizada uma subestação que integra a rede
nacional de transporte de energia eléctrica da Rede Eléctrica Nacional
Subestações de energia elétrica, radiação eletromagnética 127

(REN). Esta subestação, em funcionamento pleno desde 1984, tem sido


constantemente melhorada, vendo aumentada a sua capacidade de transfor-
mação e de transporte de energia eléctrica. Este aumento progressivo, e a
crescente urbanização do território, intensificada por uma dinâmica demo-
gráfica ímpar no contexto português, refletiu-se na situação que justifica este
estudo: o crescente povoamento dos territórios adjacentes aos postes e linhas
de alta e muito alta tensão e a progressiva aproximação destes últimos a
territórios previamente urbanizados.

4.1 Dados e métodos

Este estudo baseou-se numa análise comparativa entre grupos expostos


e não expostos aos CEM, metodologia apropriada quando se pretende explo-
rar a hipótese de associação entre uma causa e o(s) seu(s) efeito(s). A defini-
ção dos dois grupos em estudo efetuou-se sabendo que a energia ou intensi-
dade dos CEM emitidos pelas linhas de alta e muito alta tensão diminui, a
partir da fonte de emissão dos referidos campos, em função do quadrado da
distância a essa fonte (Déoux e Déoux, 1996).
Os grupos populacionais em estudo, expostos versus não expostos,
foram definidos com o auxílio de cartografia do município de Guimarães,
freguesia de Serzedelo. Recorrendo ao ArcMap, mais concretamente, à
cartografia do edificado e das linhas de alta tensão de Serzedelo, foi
efectuada uma “Selecção por Localização”(Select by Location) de todas as
habitações que se encontram até 50 metros das referidas linhas, estando
assim definido o grupo dos expostos (Figura 1).
Para delimitar o grupo dos não expostos, efectuou-se operação idêntica,
divergindo apenas a distância, tendo sido realizada uma “Selecção por Loca-
lização”de todas as habitações que se encontram a uma distância igual ou
superior a 250 metros das linhas de alta tensão, uma vez que os CEM per-
dem intensidade com o aumento da distância à fonte de emissão, sendo mais
intensos nos primeiros 50 metros. Refira-se que alguns estudos epidemioló-
gicos internacionais definem a distância de 200 metros como o limite para a
existência de risco para a saúde da população.
Tratando-se de uma problemática estudada à escala local, e por não
estarem disponíveis dados de morbilidade e de mortalidade com a necessária
desagregação, considerou-se a realização de um inquérito por entrevista semi-
-estruturada. Este inquérito afigurou-se essencial para avaliar os efeitos dos
campos electromagnéticos “emitidos” pelas linhas de alta e muito alta tensão e
de alguns electrodomésticos (e.g., microondas, frigorífico, máquina de
barbear, secador de cabelo) na saúde da população de Serzedelo, dado que
permitiu a observação, pormenorização e compreensão dos sintomas e das
patologias que afectam e/ou afectaram parte da população residente na área.
128 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 1 – Habitações expostas e não expostas aos campos


electromagnéticos das linhas de alta tensão na freguesia de Serzedelo

Fonte: Elaboração própria através da Cartografia Digital fornecida em Abril de 2010 pela
Câmara Municipal de Guimarães.

O objectivo principal da realização do inquérito foi procurar perceber a


existência de sintomatologia, ou mesmo patologias diagnosticadas, específi-
cas e divergentes no grupo dos expostos e dos não expostos. A confirmação
da existência de morbilidades específicas e não coincidentes poderá sugerir a
hipótese de associação entre a proximidade às linhas de alta e muito alta
tensão e o estado de saúde. Consideraram-se as patologias/sintomatologias
mais utilizadas nos trabalhos realizados à escala internacional, nomeada-
mente, vários tipos de cancro, doenças do sangue, Parkinson, Alzheimer,
abortamento, distúrbios do sono (insónias), esclerose múltipla, cefaleias,
depressão, irritabilidade e estado de saúde autoavaliado, tendo sido este
último o resultado em saúde utilizado neste estudo.
O guião de entrevista apresentava 26 questões, estruturadas em quatro
grupos temáticos, procurando obter informações relativas ao perfil
geográfico e socioeconómico dos inquiridos, precisar os anos e o tempo de
exposição diária aos CEM, decorrentes das linhas de alta e muito alta tensão,
mas também do uso de vários eletrodomésticos, não esquecendo a utilização
do telemóvel; averiguar e conhecer um pouco do percurso de vida dos
inquiridos, com especial atenção para alguns comportamentos e estilos de
vida (e.g., hábitos tabágicos, atividade física).
Subestações de energia elétrica, radiação eletromagnética 129

Entre Julho e Dezembro de 2010, o inquérito foi a aplicado a 118 indi-


víduos expostos e 55 não expostos. A diferença no número de inquiridos em
função da exposição pode ser explicada pela diferença no número de áreas
residenciais expostas e não expostas, com o predomínio das primeiras em
relação às segundas (360 residências “expostas” e apenas 98 “não expostas”
(ver Figura 1). Os requisitos de inclusão dos indivíduos na amostra foram: 1.
a residência naquele lugar (área exposta ou não exposta) há, pelo menos, dez
anos; 2. ter 40 ou mais anos de idade, dado que a probabilidade de se con-
trair um cancro aumenta proporcionalmente com o avançar da idade. Por
outro lado, o cancro não é geralmente uma doença que se desenvolva num
período curto, ou seja, o surgimento de um cancro na atualidade reflete
comportamentos e vivências passados, muitas vezes, décadas atrás.
Face à dificuldade de obtenção de dados, e ao caráter inovador do
estudo, sugere-se que este seja encarado como um estudo piloto que venha a
permitir, num futuro próximo, e em colaboração com outras instituições
proceder a uma análise mais completa.

4.2 Resultados

No Quadro 1 apresentam-se algumas características demográficas (sexo e


idade) da população inquirida. Dos 118 inquiridos no grupo dos expostos, 59
são do sexo feminino (50%). No grupo dos 55 inquiridos não expostos, apenas
37 são do sexo feminino (67,3%). Esta diferença de género na composição dos
grupos é relevante e terá, necessariamente, que ser considerada nas análises
que forem posteriormente efectuadas, uma vez que os resultados em saúde são
fortemente condicionados por esta determinante. Vários autores têm vindo a
reportar diferenças de género na autoavaliação do estado de saúde, na
morbilidade, no reconhecimento dos sintomas da doença, na procura de
cuidados de saúde, nos comportamentos de actividade física, tabágicos e ali-
mentares, aspectos que estão parcialmente contemplados nas entrevistas
efectuadas. Como exemplo, refira-se que as mulheres reportam, tendencial-
mente, piores estados de saúde do que os homens (Nogueira, 2008).
Em relação à idade, verifica-se que a idade média dos inquiridos é
semelhante, 54,7 e 53,1 anos, respectivamente, para o grupo dos não expos-
tos e dos expostos. A variação intragrupo é pouco importante, sendo ligeira-
mente superior no grupo dos indivíduos não expostos (desvio-padrão de 14,7
e 11,5 anos, respectivamente, para não expostos e expostos e coeficiente de
variação é de 27,8 no grupo dos não expostos e de 21,1% no dos expostos).
A maior diferença entre os grupos ocorre no grupo etário dos 60 a 69 anos,
que apresenta maior peso no grupo dos não expostos, compensada pela
menor percentagem dos grupos etários mais jovens. Globalmente, 94,4% da
população inquirida no grupo dos não expostos tem 50 ou mais anos,
enquanto no grupo dos expostos essa percentagem é de 71,2%.
130 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Relacionando sexo e idade, podem apontar-se ainda algumas diferenças


entre os grupos, nomeadamente a maior juventude dos indivíduos do sexo
feminino no grupo dos não expostos, por comparação com os dos restantes
grupos (40,5% das mulheres do grupo dos não expostos tem menos de 50
anos, valor que diminui para 30,5% para as mulheres do grupo dos expostos
e para valores ainda inferiores no sexo masculino).
Esta análise da amostra permite-nos afirmar que o sexo e a idade, duas
das determinantes individuais da saúde, variam na amostra estudada e
combinam-se de forma a poderem produzir variações e desigualdades em
saúde entre os grupos em estudo, o que sublinha a necessidade de considerar
estas variáveis em análises posteriores.

Quadro 1 – Caracterização por sexo e grupo etário dos inquiridos


Grupos Grupos Sexo Total
etários
Masculino Feminino
Número % Número % Número %
14 a 39 anos 4 6,8 2 3,4 6 5,1
40 a 49 anos 13 22,0 16 27,1 29 24,5
Expostos

50 a 59 anos 22 37,3 26 44,1 48 40,7


60 a 69 anos 16 27,1 9 15,2 25 21,2
71 a 83 anos 4 6,8 6 10,2 10 8,5
Total 59 100 59 100 118 100
14 a 39 anos 2 11,1 9 24,3 11 20,0
Não expostos

40 a 49 anos 1 5,5 6 16,2 7 12,7


50 a 59 anos 6 33,3 9 24,3 15 27,3
60 a 69 anos 6 33,3 8 21,6 14 25,4
71 a 83 anos 5 27,8 5 13,5 8 14,6
Total 18 37 100 55 100
Fonte: Inquérito realizado à população da freguesia de Serzedelo entre Julho e Dezembro de
2010.

O Quadro 2 apresenta o nível de escolaridade por sexo dos indivíduos


inquiridos. Analisando esta variável nos dois grupos de inquiridos, expostos
e não expostos, e para além das diferenças que se podem observar entre os
géneros, destaca-se uma diferença de maior relevância: no grupo dos expos-
tos, 70,3% dos inquiridos possui, como nível máximo de escolaridade, o pri-
meiro ciclo do Ensino Básico (inquiridos que possuem a antiga quarta classe
ou menos), e apenas 9,3% possui um nível de ensino superior ao ensino
básico obrigatório (secundário e médio ou superior). No grupo dos não
expostos, a percentagem de inquiridos com a quarta classe ou menos diminui
para 56,4%, enquanto a percentagem de inquiridos com nível de escolari-
dade mais elevado (secundário e médio ou superior) aumenta para 16,3%.
Esta diferença, para além de poder condicionar diferenças na saúde, deve ser
Subestações de energia elétrica, radiação eletromagnética 131

Quadro 2 – Nível de escolaridade e sexo dos inquiridos


Sexo Total
Grupos Nível de escolaridade Masculino Feminino
Número % Número % Número %
Não sabe ler nem
0 0,0 2 3,4 2 1,7
escrever
Sabe ler e escrever
sem ter frequentado 4 6,8 1 1,7 5 4,2
o sistema de ensino
Primeiro Ciclo do
Ensino Básico
38 64,4 38 64,4 76 64,4
(antiga quarta
classe)
Expostos

Segundo Ciclo do
Ensino Básico
5 8,5 3 5,1 8 6,8
(antigo ensino
Preparatório).
Terceiro Ciclo do
Ensino Básico (9º
6 10,2 10 16,9 16 13,6
ano ou antigo 5º ano
do liceu)
Ensino Secundário 4 6,8 5 8,5 9 7,6
Curso Médio ou
2 3,4 0 0,0 2 1,7
Superior
Total 59 100 59 100 118 100
Não sabe ler nem
1 5,6 3 8,1 4 7,3
escrever
Sabe ler e escrever
sem ter frequentado 0 0,0 1 2,7 1 1,8
o sistema de ensino
Primeiro Ciclo do
Ensino Básico
8 44,4 18 48,6 26 47,3
(antiga quarta
Não expostos

classe).
Segundo Ciclo do
Ensino Básico
5 27,8 8 21,6 12 21,8
(antigo ensino
Preparatório).
Terceiro Ciclo do
Ensino Básico (9º
1 5,6 2 5,4 3 5,5
ano ou antigo 5º ano
do liceu)
Ensino Secundário 3 16,6 4 10,8 7 12,7
Curso Médio ou
0 0,0 2 5,4 2 3,6
Superior
Total 18 100 37 100 55 100
Fonte: Inquérito realizado à população da freguesia de Serzedelo entre Julho e Dezembro de
2010.
132 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

posteriormente abordada de uma perspectiva de “justiça ambiental”, ou


“modelos de amplificação da privação” (Macintyre, 2007; Nogueira, 2010).
A questão que se deve colocar é a da ocorrência, em Serzedelo, de um
modelo de amplificação de riscos em saúde, caracterizado por uma acumu-
lação de desvantagens individuais e ambientais. Concretizando, será possível
que indivíduos mais vulneráveis, pelo seu estatuto socioeconómico, neste
caso, pela sua menor escolaridade, vejam a sua vulnerabilidade ser poten-
ciada pelo local em que residem, uma vez que se tratam de áreas de maior
exposição aos riscos electromagnéticos? Esta é uma hipótese que merece ser
investigada e à qual nos dedicaremos no futuro.
No Quadro 3 analisa-se a permanência da residência dos indivíduos
inquiridos em Serzedelo, procurando-se, com esta variável, obter uma apro-
ximação do tempo de exposição ao lugar, dado que exposições frequentes e
prolongadas ao longo do tempo (décadas) a um factor ou agente de risco é
um aspecto importante na etiologia de várias patologias.
Observa-se, em relação ao total da amostra, uma média de anos de resi-
dência em Serzedelo de 39,5, valor que aumenta para 41,4 anos no grupo dos
expostos, diminuindo para 35,3 anos no grupo dos não expostos. Todavia, a
variabilidade dos anos de residência em Serzedelo é elevada, sendo maior no
grupo dos não expostos (coeficiente de variação de 41,5% e 55,3%, respeti-
vamente para expostos e não expostos).

Quadro 3 – Período de residência em Serzedelo

Grupo dos Expostos


Anos de Percen- Percen- Percen-
Masculino Feminino Total
residência tagem tagem tagem
<10 1 1,7 2 3,4 3 2,5
10 a 20 6 10,2 7 11,9 13 11,0
21 a 39 23 39,0 14 23,7 37 31,4
40 a 59 35,6 44,1 39,8
21 26 47
anos
60 e mais 8 13,5 10 16,9 18 15,3
Total 59 100 59 100 118 100
Grupo dos não Expostos
<10 2 11,1 4 10,8 6 10,9
10 a 20 2 11,1 5 13,5 7 12,7
21 a 39 7 38,9 14 37,8 21 38,2
40 a 59 4 22,2 8 21,6 12 21,8
60 e mais 3 16,7 6 16,2 9 16,4
Total 18 100 37 100 55 100
Fonte: Inquérito realizado à população da freguesia de Serzedelo entre Julho e Outubro de
2010.
Subestações de energia elétrica, radiação eletromagnética 133

Uma análise dos valores constantes do quadro permite sublinhar a


diferença já evidenciada pelos valores médios: 23,6% dos inquiridos do
grupo dos não expostos apresentam um período de residência máximo de 20
anos; 13,5% dos inquiridos do grupos dos expostos encontra-se em situação
idêntica. Em oposição, 55,1% dos inquiridos no grupo dos expostos reside
em Serzedelo há 40 ou mais anos, valor que é de 38,25% nos grupos dos não
expostos.
Estes resultados estão coadunantes com o facto dos inquiridos não ex-
postos residirem em áreas de urbanização mais recente do que os inquiridos
expostos. Acresce a possibilidade de ocorrência de um mecanismo de mobi-
lidade selectiva, condicionado pelo estatuto socioeconómico, que agrava a
questão da justiça ambiental atrás referida. Indivíduos expostos, de menor
estatuto socioeconómico, podem ter mais dificuldades em mudar de área de
residência, dados os seus constrangimentos económicos, aumentando assim
o tempo de residência em Serzedelo.
O Quadro 4 refere-se ao número de anos na atual residência. Os elemen-
tos da amostra apresentam, em média, um período de residência na casa actual
de 26,6 anos, valor que pouco varia entre os grupos: 26,97 anos para o grupo
dos expostos versus 25,9 anos para o grupo dos não expostos. Todavia, a
variação desta característica é elevada, sobretudo no grupo dos não expostos
(coeficientes de variação de 60% e 71%, respetivamente para os grupos dos
expostos e dos não expostos). Estes valores podem refletir uma maior
mobilidade de residência no grupo dos não expostos, que poderá, eventual-
mente, ser decorrente do seu provável maior estatuto socioeconómico,

Quadro 4 – Período de residência na casa atual em Serzedelo

Grupo dos Expostos


Anos de
Masculino Percentagem Feminino Percentagem Total Percentagem
residência
<10 5 8,5 7 11,9 12 10,1
10 a 20 18 30,5 21 35,6 39 33,1
21 a 30 17 28,8 13 22,0 30 25,4
31 a 40 8 13,6 6 10,2 14 11,9
41 e mais 11 18,6 12 23,3 23 19,5
Total 59 100 59 100 118 100
Grupo dos não Expostos
<10 1 5,6 9 24,3 10 18,2
10 a 20 3 16,7 10 27,0 13 23,6
21 a 30 4 22,2 10 27,0 14 25,5
31 a 40 6 33,3 2 5,4 8 14,5
41 e mais 4 22,2 6 16,2 10 18,2
Total 18 100 37 100 55 100
Fonte: Inquérito realizado à população da freguesia de Serzedelo entre Julho e Outubro de
2010.
134 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

O Quadro 5 mostra a distribuição da autoavaliação do estado de saúde na


população inquirida, único resultado em saúde analisado neste estudo. A
análise deste indicador, em detrimento de outros mais sensíveis, porventura
proporcionadores de uma informação mais detalhada (como, por exemplo, as
morbilidades sentidas), justifica-se pelo objetivo que norteia esta fase do
trabalho – verificar a existência, ou não, de variações entre os grupos em estu-
do. Ora a autoavaliação do estado de saúde, por se tratar de um indicador glo-
bal, que encerra, em si, múltiplas dimensões da saúde (física, mental, social),
poderá ser mais discriminativo dessas variações do que outros, mais específi-
cos, mas também mais limitados, sobretudo em amostras de pequena dimen-
são. No entanto, refira-se que este indicador, sendo subjetivo, apresenta fortes
correlações com as determinantes da saúde, biológicas, sociais e comporta-
mentais, nomeadamente com o género e a idade, a profissão e a escolaridade,
o consumo de tabaco e de álcool, a dieta e a atividade física, as características
da habitação, o acesso a serviços e a recursos comunitários, as redes sociais, os
níveis de ansiedade e de stress, entre outras, o que faz com que seja um dos
mais utilizados no estudo das variações em saúde (Nogueira, 2008).
No grupo dos expostos, 59,3% % avaliou o seu estado de saúde como
“razoável”, 9,3% posicionou-se no nível no nível “mau”, e 31,3% reportou
estados de saúde nos níveis superiores (bom e muito bom). No grupo dos
não expostos, verifica-se que 41,8% dos inquiridos reporta estados de saúde
positivos (níveis bom e muito bom), 50,9% avalia-o como razoável e 7,3%
reporta estados de saúde no nível mau.
Desta breve análise, emerge uma diferença considerável na autoavaliação
do estado de saúde entre os dois grupos. No grupo dos expostos, não só a
percentagem de inquiridos que avalia de forma negativa o estado de saúde é
maior do que a encontrada no grupo dos não expostos (9,3% 7,3%, respectiva-
mente para expostos e não expostos), como é menor a percentagem daqueles
que avaliam a saúde de forma positiva, verificando-se a este nível uma
diferença relevante (41,8% e 31,3% de autoavaliações positivas, respetiva-
mente para não expostos e expostos, ou seja, cerca de 10,5 % mais de
inquiridos não expostos com auto-avaliações nos níveis bom e muito bom.

Quadro 5 – Autoavaliação do estado de saúde

Autoavaliação do Grupo dos não


Grupo dos expostos
estado de saúde expostos
Número Percentagem Número Percentagem
Mau 11 9,3 4 7,3
Razoável 70 59,3 28 50,9
Bom 30 25,4 22 40
Muito Bom 7 5,9 1 1,8
Total 118 100 55 100

Fonte: Inquérito realizado à população da freguesia de Serzedelo entre Julho e Outubro de 2010.
Subestações de energia elétrica, radiação eletromagnética 135

3.3 Discussão

O estudo de caso apresentado neste texto baseou-se numa metodologia


de comparação entre grupos expostos e grupos não expostos, diferente
daquela que costuma ser equacionada (estudo de caso-controlo). Os resulta-
dos da análise aos dados permite assinalar algumas diferenças entre os gru-
pos em estudo – expostos e não expostos –relativamente a características que
podem fazer variar o estado de saúde e as morbilidades individualmente
experienciadas. Observaram-se variações de género, idade, nível socioeco-
nómico, tempo de residência em Serzedelo e tempo de permanência na
habitação atual entre os inquiridos em função da exposição, ou não, às linhas
de alta tensão. Simultaneamente, registaram-se também diferenças no estado
de saúde individual em função dessa mesma exposição. Embora não seja
possível concluir pela existência de associação entre as determinantes da
saúde aqui analisadas e o estado de saúde, o estudo efectuado não invalida
essa possibilidade, dadas as variações observadas no estado de saúde entre
os grupos expostos e não expostos. Porém, há a considerar a influência de
outras variáveis, para além da exposição aos CEM, no estado de saúde.
Algumas delas foram aqui abordadas, e é possível que as variações no estado
de saúde reflitam diferenças de sex ratio entre os grupos, ou de idade. Acres-
ce que a posição social dos indivíduos, aqui avaliada pelos anos de escolari-
dade, e considerada como a mais importante determinante social da saúde,
varia entre os grupos estudados. A maior escolaridade observada no grupo
dos não expostos pode, pois, explicar os melhores níveis de saúde encontra-
dos neste grupo, decorrentes, por exemplo, da maior capacidade de comprar
bens e serviços, do maior acesso à informação e a comportamentos mais
saudáveis.

4. Conclusão

O impacto na saúde da exposição a campos elétricos e eletromagnéticos


tem sido uma temática recorrentemente estudada, sem que, até agora, se
tenham obtido resultados consensuais. A inexistência de resultados concretos
pode dever-se à própria complexidade da temática abordada. De fato, trata-
-se de uma poluição invisível, o que torna por vezes difícil a identificação
das fontes emissoras. Sabe-se que as doenças mais frequentemente associa-
das aos efeitos dos campos electromagnéticos na saúde são raras, dificultan-
do, assim o estabelecimento de uma correlação ou associação entre exposi-
ção e morbilidade. Por outro lado, é necessário um tempo prolongado de
exposição (não quantificado) para que os efeitos na saúde se façam sentir.
No entanto, segundo o princípio da precaução (WHO, 2007), a não
identificação, até ao presente, de um mecanismo que explique as alterações
136 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

na saúde dos indivíduos, não elimina a possibilidade da sua existência. Os


responsáveis pelo planeamento e pelo ordenamento do território devem,
pois, aplicar este princípio, criando corredores que limitem a construção até,
pelo menos, 100 metros das linhas (distância a partir da qual a influência
parece ser menos importante), atribuindo a esses corredores a mesma impor-
tância que é dada, por exemplo, aos leitos de cheia. As áreas próximas das
linhas de alta tensão são bacias de risco, não apenas do tipo de riscos equa-
cionados neste trabalho, mas também, por exemplo, do risco de incêndio e
de morte, numa situação de queda de uma linha.
O estudo apresentado, assumindo-se como essencialmente exploratório
e descritivo, constitui-se como uma base necessária ao desenvolvimento de
análises mais aprofundadas e explicativas, que coloquem em evidência a
existência de situações de risco e de “injustiça ambiental” em Portugal e o
impacto dessas situações e desses riscos na saúde das populações.

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CAPÍTULO 7

OS RISCOS PARA A SAÚDE HUMANA CAUSADOS


PELO FRIO NOS CLIMAS MEDITERRÂNICOS
– O EXEMPLO DA ÁREA PORTUENSE

Ana Monteiro, Luís Fonseca, Sara Velho, Mário Almeida


Departamento de Geografia
CITTA, ISPUP
Universidade do Porto

Resumo

Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas tempera-
dos mediterrânicos, apesar de serem muito graves são, em Portugal, esqueci-
dos ou subestimados pelas autoridades de saúde e da proteção civil. Uma boa
parte da explicação para esta perigosa lacuna deve-se ao fato da sua previ-
são, prevenção e mitigação exigir, por um lado, a adequação dos limiares
térmicos de risco ao contexto climático local e regional específico e, por
outro lado, à grande diferenciação nas consequências consoante o fácies do
indivíduo alvo. Em Portugal como num grande número de países do sul da
europa, a injustiça ambiental, isto é, os espaços mais degradados e mais
inóspitos tanto no verão como no inverno, coincide com a injustiça social.
Os mais pobres, os mais idosos, os mais dependentes e/ou os que têm maior
grau de iliteracia, ocupam frequentemente as áreas onde os edifícios estão
menos preparados para responder como envelope adequado às variabilidades
térmicas exteriores. São também estes os que têm menos condições para
atenuar o desconforto térmico recorrendo a sistemas de aquecimento artifici-
al e, normalmente, os que têm também mais dificuldades em fazer a sua
autoavaliação de sintomas sinalizadores de risco de doença ou morte.

Desigualdades Socioterritoriais e Comportamentos de Saúde, Lisboa, Edições Colibri, 2013,


pp. 141-183.
142 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Por isso, a prevenção dos riscos de doença e morte pelo frio nestes ca-
sos não pode cingir-se à monitorização climática, tem de ter previamente
diagnosticadas as características de privação da população alvo.
Demonstrámos isso mesmo neste contributo, definindo para a Grande
Área Metropolitana do Porto (GAMP) os limiares térmicos de risco de frio
excecional, mas também a população com níveis elevados de privação
ambiental, social e económica aos quais eles se aplicam.

1. Introdução

A Grande Área Metropolitana do Porto (GAMP) ocupa uma área litoral


atlântica no paralelo 41ºN e beneficia de um clima temperado mediterrânico
tal como a maioria dos países do sul da Europa onde a atenção, quando se fala
das relações entre a saúde e o clima, é sobretudo para o período de verão e
para os eventos extremos de calor (Almeida, 2012; Monteiro et al., 2012a).
Todavia, existe uma sobremortalidade e sobremorbilidade 1 na época mais fria
do ano – entre novembro e março – que deveria conquistar uma maior atenção
por parte da população e sobretudo dos vários atores e decisores da área da
saúde, da proteção civil e dos políticos (Quadro 1, Quadro 2 e Quadro 3).

Quadro 1 – Mortalidade observada e esperada na GAMP


nos eventos extremos de frio mais graves da última década (2002-2007)
EVENTO EXTREMO DE Observados Esperados (O-E) / E
(O-E) PET
FRIO (O) (E) *100
MORTALIDADE
20 janeiro - 20 fevereiro 2005 1316 1171 145 12% [-6ºC-1ºC]
23 fevereiro -11 março 2005 751 559 192 34% [-9ºC-(-1)ºC]
19 - 27 dezembro 2006 358 297 61 21% [-5ºC-(-1º)C]
Fonte: Monteiro et al., 2012ª.

Todavia, as circunstâncias dramáticas que este excesso de mortes e de


internamentos expressa na GAMP não têm ocorrido exclusivamente quando
se verificam as condições definidas pela Organização Meteorológica Mundi-
al (OMM) e adotadas pela Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC)
como vaga de frio – pelo menos 6 dias consecutivos com a temperatura 5°C

1 Os dados de mortalidade diária por freguesia foram cedidos pelo Instituto Nacional de
Estatística (INE) para o período 2002-2007. Os dados de morbilidade diária, entre 2000
e 2007, foram cedidos pela Administração Central dos Serviços de Saúde (ACSS) para
os 4 maiores hospitais públicos da GAMP – hospital S. João, hospital Stº António,
hospital Santos Silva e hospital Pedro Hispano.
Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 143

Quadro 2 – Morbilidade por todas as causas respiratórias e circulatórias


observada e esperada na GAMP durante os eventos extremos de frio
mais graves da última década (2002-2007)
EVENTO EXTREMO DE Observados Esperados (O-E) / E
(O-E) PET
FRIO (O) (E) *100
MORBILIDADE
DOENÇAS RESPIRATÓRIAS (TODAS AS CAUSAS)
20 janeiro - 20 fevereiro 2005 1319 1045 274 26% [-6ºC-1ºC]
23 fevereiro - 11 março 2005 598 455 143 31% [-9ºC-(-1)ºC]
19 - 27 dezembro 2006 304 209 95 46% [-5ºC-(-1)ºC]
DOENÇAS CIRCULATÓRIAS (TODAS AS CAUSAS)
9 - 17 janeiro 2003 295 284 11 4% [-8ºC-(-4)ºC]
23 fevereiro -11 março 2005 530 498 32 6% [-9ºC-(-1)ºC]
19 - 27 dezembro 2006 253 194 59 30% [-5ºC-(-1)ºC]
Fonte: Monteiro et al., 2012ª.

Quadro 3 – Morbilidade observada e esperada por algumas doenças na GAMP


durante os eventos extremos de frio mais graves da última década (2002-2007)
EVENTO EXTREMO DE Observados Esperados (O-E) / E
(O-E) PET
FRIO (O) (E) *100
BRONQUITE E ASMA
20 janeiro - 20 fevereiro 2005 125 71 54 76% [-6ºC-1ºC]
23 fevereiro -11 março 2005 36 28 8 27% [-9ºC-(-1)ºC]
19 - 27 dezembro 2006 15 12 3 29% [-5ºC-(-1)ºC]
DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÓNICA
20 janeiro - 20 fevereiro 2005 151 107 44 41% [-6ºC-1ºC]
23 fevereiro - 11 março 2005 64 44 20 44% [-9ºC-(-1)ºC]
19 - 27 dezembro 2006 34 24 10 43% [-5ºC-(-1)ºC]
PNEUMONIA E PLEURISIA
20 janeiro - 20 fevereiro 2005 276 185 91 49% [-6ºC-1ºC]
23 fevereiro -11 março 2005 137 83 54 65% [-9ºC-(-1)ºC]
19 - 27 dezembro 2006 82 42 40 97% [-5ºC-(-1)ºC]
ENFARTE DO MIOCÁRDIO
9 - 17 janeiro 2003 39 33 7 20% [-8ºC-(-4)ºC]
20 janeiro - 20 fevereiro 2005 121 109 12 11% [-6ºC-1ºC]
23 fevereiro -11 março 2005 55 54 1 1% [-9ºC-(-1)ºC]
19 - 27 dezembro 2006 39 26 13 51% [-5ºC-(-1)ºC]
ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
9 - 17 janeiro 2003 35 32 3 9% [-8ºC-(-4)ºC]
20 janeiro - 20 fevereiro 2005 136 109 27 25% [-6ºC-1ºC]
23 fevereiro -11 março 2005 86 58 28 49% [-9ºC-(-1)ºC]
3 - 17 janeiro 2006 65 61 4 6% [-4ºC-1ºC]
19 - 27 dezembro 2006 56 27 29 107% [-5ºC-(-1)ºC]
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
20 janeiro - 20 fevereiro 2005 107 104 3 3% [-6ºC-1ºC]
23 fevereiro -11 março 2005 59 56 3 5% [-9ºC-(-1)ºC]
3 - 17 janeiro 2006 62 55 7 12% [-4ºC-1ºC]
19 - 27 dezembro 2006 40 26 14 57% [-5ºC-(-1)ºC]
Fonte: Monteiro et al., 2012ª.
144 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

abaixo da normal climatológica desse período 2. Por esse motivo, não foram,
na maioria dos casos prevenidas pela emissão dos alertas e das recomenda-
ções adequadas.
As consequências do frio na saúde humana – hipotermia, vasoconstrição
periférica e aumento da sobrecarga na função cardíaca e respiratória; gan-
grena das extremidades; fadiga física; agravamento de doenças cardiovascu-
lares, respiratórias, crónicas do foro músculo-esquelético, metabólico, men-
tal; estado confusional, comportamentos irracionais; síncope – que podem
conduzir até à morte por falência cardiorrespiratória, têm coincidido, na
GAMP, com dias em que a temperatura é baixa, mas nem sempre, necessari-
amente, 5°C abaixo da normal climatológica do Porto (Quadro 4), nem
perdurando, forçosamente, por pelo menos 6 dias consecutivos.

Quadro 4 – Normal Climatológica Sazonal


(Porto-Serra do Pilar, 1901-2007)

Primavera Verão Outono Inverno Anual


Temp. Média (ºC) 13,5 19,4 15,7 9,7 14,6
Temp. Mínima (ºC) 9,1 14,6 11,1 5,6 10,2
Temp. Máxima (ºC) 17,8 24,1 20,2 13,8 19,0
Fonte: Monteiro et al., 2012c.

Todavia, nos climas temperados mediterrânicos do sul da Europa onde


estão também as economias mais pobres e com maiores desigualdades
sociais (Lombardo et al., 2009), os grupos mais vulneráveis – crianças;
idosos; dependentes; doentes crónicos, mentais ou com patologias do foro
metabólico; imigrantes e visitantes da área inadaptados ao clima local;
indivíduos isolados socialmente, sem recursos para suportar os custos do
aquecimento artificial e/ou residentes em habitações degradadas, etc. – são
os alvos mais frequentes de degradação da sua saúde, tanto quando há uma
descida súbita de temperatura, como quando a temperatura mínima e máxi-
ma diária é baixa e prolongada durante vários dias, ou às vezes até, quando
há apenas uma variação térmica diária e interdiária. Isto, porque vivem em
envelopes – a habitação ou o local de trabalho – mais inadequados e, são os
indivíduos com menor capacidade de perceber e reagir ao risco a que estão
expostos. Não têm recursos financeiros para suportar os custos dos sistemas

2 O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) emite alertas para vagas de frio
para o Porto quando a temperatura mínima é durante mais de 48h entre -1ºC e 1ºC
(amarelo); entre -3ºC e -2ºC (laranja) e abaixo de -3ºC (vermelho).
Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 145

de aquecimento/arrefecimento artificial, residem e frequentam as áreas


ambientalmente mais degradadas, têm um menor grau de literacia, etc.
Esta condição de injustiça social e ambiental é particularmente relevan-
te, nestes contextos climáticos onde os espaços indoor estão muito mais
preparados para o calor do que para o frio.
No caso do frio, a vulnerabilidade é, por isso, tão ou mais relevante do
que a magnitude e intensidade do evento térmico extremo para explicar a
gravidade dos riscos para a saúde. Por isso, a análise do risco climático,
associado aos extremos térmicos frios para a saúde humana, implica, neste
tipo de paroxismo, uma avaliação muito precisa do perfil social e económico
do público-alvo porque é, para a maioria dos países da europa mediterrânica,
muito mais importante até do que a magnitude e a intensidade do episódio de
per si.
A avaliação dos riscos para a saúde humana gerados pelo frio extremo
na GAMP pode ser, portanto, um bom exemplo da necessidade de ajustar os
sistemas de alerta e resposta aos contextos climáticos, mas também à matriz
cultural, social e económica local se a finalidade for de fato torná-los verda-
deiramente eficazes. E é esta precisamente a nossa principal motivação com
este contributo.
Para isso, começaremos por analisar o contexto climático portuense pa-
ra procurar compreender o que, neste caso em concreto, é percebido pelos
residentes como um ambiente térmico normal e excecional. Seguidamente,
selecionaremos alguns episódios extremos de frio na última década e, procu-
raremos avaliar a relação com a mortalidade e morbilidade para procurar
estabelecer os limiares de resistência locais. Por fim, tendo em conta a
vulnerabilidade socioeconómica ao frio, estimaremos as áreas mais vulnerá-
veis seguindo os resultados representação do índice de privação.

2. Será o frio um risco climático no clima portuense?

2.1. Tendências seculares

O clima, na GAMP, pode ser analisado a partir da série secular da esta-


ção de Porto-Serra do Pilar (1901-2007) ou de Porto-Pedras Rubras (1978-
-2007). São ambas estações oficiais e embora localizadas em posições geo-
gráficas diferentes, corporizam uma oportunidade quase rara no mundo para
perceber a variabilidade do sistema climático nestas latitudes (41ºN). A área
portuense, ao longo do século XX e XXI, testemunhou as características
típicas do subtipo temperado mediterrânico com inverno ameno e húmido e
verão quente e seco e uma temperatura média anual de 14,6°C (Figura 1 e
Quadro 5). A transição do inverno para o verão foi sempre muito mais
irregular do que a do verão para o inverno (Monteiro, 1997).
146 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 1 – Temperatura mensal média, mínima e máxima


no Porto-Serra do Pilar (1901-2007)

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.

O mês de janeiro foi, ao longo dos últimos 107 anos de registos, fre-
quentemente o mês mais frio do ano tanto no que diz respeito à temperatura
média como à máxima e à mínima, e, agosto foi quase sempre o mês mais
quente, sobretudo tendo em conta o comportamento da temperatura média e
máxima. As temperaturas mínimas mais elevadas ocorreram sobretudo em
julho.
A observação do comportamento da temperatura entre 1901 e 2007
mostra a esperada variabilidade intrínseca do sistema climático com uma
notória tendência positiva a partir da década de 80 do século XX (Fig. 2 a
Fig. 4). Ao longo destes 107 anos a temperatura média aumentou 0,95°C, a
mínima 0,42°C e a máxima 1,59°C. Estes valores excedem os 0,6°C menci-
onados em McElwain (2007), e em IPCC (2001), e, estão mesmo acima do
intervalo projetado pelo IPCC (2007) que aponta para aumentos entre 0,56°C
e 0,92°C.
Tudo isto parece porém reforçar o interesse do enfoque sobretudo nos
extremos térmicos de calor e não, como pretendemos, nos de frio. Todavia, a
sobremorbilidade e sobremortalidade verificada no Porto (Quadro 1, Quadro
2 e Quadro 3) durante o período mais frio do ano suscita um olhar mais
cuidadoso sobre os limiares de resistência ao frio dos portuenses e sobre o
que o seu corpo de fato percebe como um momento de frio normal e exceci-
onal.
Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 147

Figura 2 – Temperatura média anual e médias móveis de 5 anos


(5 per Mov. Avg.) no Porto-Serra do Pilar (1901-2007)

Fonte: Monteiro et al., 2012c.

Figura 3 – Temperatura média máxima anual e médias móveis


de 5 anos (5 per Mov. Avg.) no Porto-Serra do Pilar (1901-2007)

Fonte: Monteiro et al., 2012c.


148 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 4 – Temperatura média mínima anual e médias


móveis de 5 anos (5 per Mov. Avg.) no Porto-Serra do Pilar (1901-2007)

Fonte: Monteiro et al., 2012c.

Quadro 5 – Tendência secular e anual da temperatura


(Porto-Serra do Pilar, 1901-2007)

Tméd Tméd mín Tméd máx


Tend. anual Tend.séc. Tend. anual Tend.séc. Tend. anual Tend.séc.
(ºC) (ºC) (ºC) (ºC) (ºC) (ºC)
ano 0,009 0,95 0,004 0,42 0,015 1,59
inverno 0,010 1,06 0,007 0,74 0,014 1,48
outono 0,010 1,06 0,007 0,74 0,014 1,48
primavera 0,009 0,95 0,00 0,00 0,019 2,01
verão 0,011 1,17 0,004 0,42 0,018 1,91
janeiro 0,009 0,95 0,006 0,64 0,011 1,17
fevereiro 0,013 1,38 0,008 0,85 0,017 1,80
março 0,016 1,70 0,005 0,53 0,028 2,97
abril 0,006 0,64 0,002 0,21 0,015 1,59
maio 0,006 0,64 0,002 0,21 0,014 1,48
junho 0,011 1,17 0,003 0,35 0,020 2,12
julho 0,011 1,17 0,003 0,32 0,018 1,91
agosto 0,011 1,17 0,005 0,53 0,016 1,70
setembro 0,008 0,85 0,003 0,32 0,013 1,38
outubro 0,014 1,48 0,012 1,27 0,015 1,59
novembro 0,009 0,95 0,007 0,74 0,013 1,38
dezembro 0,010 1,06 0,005 0,53 0,013 1,38
Fonte: Monteiro et al., 2012ª.
Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 149

2.2. A norma e a exceção durante o inverno portuense

A vasta bibliografia que se tem debruçado sobre os impactes causados


pelo frio na saúde humana tanto no caso das infeções respiratórias em idosos
(Elliot et al., 2008; Makinen et al., 2009; Wilkinson et al., 2004; Monteiro et
al., 2012d), como nas doenças coronárias (Barnett et al., 2005), como nos
acidentes vasculares cerebrais (Myint et al., 2007), como no aumento da
mortalidade cardiovascular (Naya, 2012; Kysely et al., 2009), ou na mortali-
dade em geral (Hassi, 2005; Carson et al., 2005), analisa exemplos de con-
textos climáticos com invernos frios e muito frios onde o número de dias
com temperaturas mínimas e máximas negativas é muito elevado. Poucos
são os estudos em que a área de trabalho versou um subtipo climático medi-
terrânico como o Porto onde as temperaturas negativas são muitíssimo raras.
O Eurowinter Group (1997), Healy (2003), Hassi (2005), Analitis et al.,
(2008) e Monteiro et al. (2011; 2012d) incluem-se neste grupo menos nume-
roso onde a preocupação principal foi valorizar a importância da adaptação
dos seres humanos ao contexto climático vivido antes de definir propriamen-
te os limiares térmicos a partir dos quais o paroxismo pode eventualmente
estar na origem do agravamento da doença ou mesmo da morte de alguns
indivíduos. Todos eles concluem que o frio não deve ser subestimado nos
países do sul da Europa mas que a perspetiva de análise tem de considerar a
especificidade social e económica do público-alvo e que a morbilidade e
mortalidade, nestes casos, estão muito relacionadas com o efeito negativo
acumulado do desconforto outdoor e indoor provocado pela fraca capacida-
de térmica das habitações, pelo ineficaz isolamento das paredes, dos telha-
dos, do chão e das janelas, pela baixa capacidade económica das famílias e
pela inexistência de hábitos e de condições de acesso a sistemas artificiais de
aquecimento.
No Porto, considerando que o período mais frio do ano é de novembro a
março (Figura 5 e Quadro 6), os dias excecionalmente frios serão aqueles em
que a temperatura mínima diária varia entre 1°C e 5°C (percentil 5 e percen-
til 30), e a temperatura máxima diária é entre 10°C e 13°C (percentil 5 e
percentil 30). Estes valores diários de inverno, embora excecionais no Porto,
são muito superiores aos considerados como de risco nos países de latitudes
mais elevadas e considerados na maioria da bibliografia sobre este tema
assim como bastante superior ao limiar estabelecido pelas autoridades res-
ponsáveis pela emissão de alertas.
Apesar da frequência de dias frios e muito frios bem como da sua per-
sistência em dias consecutivos ter vindo a decrescer desde a década de 60 e
sobretudo a partir de 1980 (Figura 6 e Figura 7), alguns cenários climáticos
preveem que apesar de no final do século XXI estes eventos extremos de frio
serem menos frequentes poderão ser, em muitas partes do mundo, mais
150 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

intensos e prolongados (Kodra et al., 2011). E, mais importante ainda, far-


-se-ão sentir numa população cada vez menos adaptada. Monteiro et al.
(2012a, 2012d), estima que, tendo em conta o efeito de adaptação dos seres
humanos ao frio no Porto, um evento excecional e grave de frio para a saúde
humana pode ser definido por uma sequência de pelo menos 7 dias consecu-
tivos com temperatura mínima ≤ 5°C – o percentil 30 da temperatura mínima
entre novembro e março.

Figura 5 – Conforto bioclimático no Porto 3 estimado a partir da


Physiological Equivalent Temperature (PET) obtido no software
SOLWEIG 4 (as classes de conforto são as predefinidas na PET)

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.

Se considerarmos este critério, adaptado para o Porto (Monteiro, et al.


2012a, 2012d), em vez do sugerido pela OMM e adotado pelos responsáveis
institucionais pelas emissões de alertas, verificamos que o número de even-
tos extremos potencialmente gravosos para os seres humanos mais vulnerá-
veis merece uma atenção especial sobretudo nos meses de dezembro, janeiro
e fevereiro (Figura 8, Figura 9 e Quadro 7). Muito recentemente, em 2003,

3 A Physiological Equivalent Temperature (PET) foi calculada com os dados de Porto-


-Pedras Rubras porque é a única série de registos na área de estudo que disponibiliza os
dados horários de todas as variáveis necessárias.
4 Modelo desenvolvido pelo departamento de Geografia da Universidade de Gotemburgo
com a designação Solar and Long Wave Environmental Irradiance Geometry
(SOLWEIG).
Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 151

2005 e 2006, houve aliás, vários exemplos de sequências prolongadas de frio


intenso em que coincidiram períodos de longa duração com valores extre-
mamente baixos de temperatura (Quadro 7).

Quadro 6 – Média e percentis da temperatura média, mínima


e máxima anual (Porto-Serra do Pilar, 1901-2007)
Temp. Média Temp. Mínima Temp. Máxima
(ºC) (ºC) (ºC)
Anual

Média 14,6 10,2 19


15,8 11,5 20,5
Perc 97
(2006) (1997) (1995)
13,8 9 17,7
Perc 3
(1932;1956;1972) (1932;1935) (1901;1909)
novembro - março (1901-2007)
Perc 30 8,9 4,5 13,2
Perc 10 6,4 1,6 11,2
Perc 5 5,3 0,4 10,2
Perc 4 5,1 0,1 10,0
Perc 3 4,6 -0,3 9,5
Perc 2 4,1 -0,7 8,9
Perc 1 3,4 -1,4 8,1
Fonte: Monteiro et al., 2012ª.

Figura 6 – Número de dias por ano com temperatura mínima diária


excecionalmente baixa (Percentil 1= ≤-1 °C e Percentil 3= ≤1 °C) no
Porto-Serra do Pilar (1901-2007)

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.


152 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 7 – Número de dias por década com a temperatura mínima diária


excecionalmente baixa (Percentil 1= ≤-1 °C e Percentil 3= ≤1 °C) no
Porto-Serra do Pilar (1901-2007)

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.

Figura 8 – Eventos extremos de frio por ano, em que durante pelo


menos 7 dias consecutivos a temperatura mínima foi ≤ 5°C
(Percentil 30) de acordo com o critério Monteiro, A., et al. 2012a
(Porto-Serra do Pilar, 1901-2007)

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.


Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 153

Figura 9 – Eventos extremos de frio nos meses de inverno em que durante pelo
menos 7 dias consecutivos a temperatura mínima foi ≤ 5°C (Percentil 30) de
acordo com o critério Monteiro, et al. 2012a (Porto-Serra do Pilar, 1901-2007)

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.

Quadro 7 – Os episódios mais graves de frio intenso no Porto (2002-2007)


Duração de eventos extremos de frio Duração de eventos extremos de frio
(2002-2007) (2002-2007)
Ano Número de dias Ano Posição
janeiro e fevereiro 2005 32 janeiro e fevereiro 2005 1º
fevereiro e março 2005 17 fevereiro e março 2005 2º
janeiro 2006 15 janeiro 2006 3º
janeiro 2003 9 janeiro 2003 4º
dezembro 2006 9 dezembro 2006 5º
dezembro 2007 9
janeiro e fevereiro 2005 8
janeiro 2005 7
janeiro 2007 7

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.

3. A mortalidade e morbilidade durante os episódios de frio intenso

Apesar de sabermos que há um ligeiro aumento da mortalidade no in-


verno e uma grande irregularidade da morbilidade ao longo do ano (Figura
10 e Figura 11), procuramos averiguar se existiu alguma evidência do im-
pacte causado pelo frio intenso.
154 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 10 – Conforto bioclimático mensal e mortalidade no Porto (2002-2007)

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.

Figura 11 – Conforto bioclimático mensal e morbilidade no Porto (2002-2007)

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.


Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 155

A título de exemplo, foram selecionados apenas dois períodos frios pa-


roxismáticos para o Porto: i) 23 fevereiro a 11 de março de 2005; ii) dezem-
bro de 2006. Nestes dias a mortalidade e a morbilidade quotidiana atingiu o
seu pico quando a PET foi de -5ºC e de -3ºC respetivamente (Figura 12 a
Figura17 e Quadros 8 e 9). É também muito expressivo, nesta análise mais
detalhada, o desfasamento temporal de 5 a 10 dias entre o pico de frio e as
consequências na saúde humana (Figura 12 a Figura 17).

Figura 12 – Mortalidade (todas as causas) esperada e observada e PET


no Porto entre 23 de fevereiro e 11 de março de 2005

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.

Figura 13 – Mortalidade (todas as causas) esperada e observada e PET,


no Porto em dezembro de 2006

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.


156 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 14 – Morbilidade respiratória (todas as causas) esperada e


observada e PET no Porto entre 23 de fevereiro e 11 de março de 2005

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.

Figura 15 – Morbilidade respiratória (todas as causas) esperada


e observada e PET no Porto em dezembro de 2006

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.


Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 157

Figura 16 – Morbilidade circulatória (todas as causas) esperada e observada


e PET no Porto entre 23 de fevereiro e 11 de março de 2005

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.

Figura 17 – Morbilidade circulatória (todas as causas) esperada e observada


e PET no Porto em dezembro de 2006

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.


158 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Quadro 8 – Síntese dos contextos de desconforto térmico no Porto durante


o inverno avaliados pela PET e os impactes negativos na saúde humana
(mortalidade e morbilidade)

23 fevereiro - 11março 2005 CLASSES DE INDICES IMPACTES DURANTE O EVENTO EXTREMO DE FRIO

1º MORTALIDADE
34% de excesso por todas as causas
2º MORBILIDADE
65% de excesso de pneumonia e pleurisia
PET - [-9ºC-(-1)ºC] ≤4ºC 49% de excesso de acidente vascular cerebral
PET ≤-5ºC (50% do período) + Extremamente Frio 44% de excesso por doença pulmonar obstructiva crónica
PET ≤-1 (100% do período) 31% de excesso de causas respiratórias (todas as causas)
27% de excesso por bronquite e asma
6% de excesso de doenças circulatórias (todas as causas)
5% de excesso de insuficiência cardíaca
1% de morbilidade de enfarte do miocárdio

19 - 27 dezembro 2006 CLASSES DE INDICES IMPACTES DURANTE O EVENTO EXTREMO DE FRIO

2º MORTALIDADE
34% de excesso por todas as causas
1º MORBILIDADE
107% de excesso de acidente vascular cerebral
97% de excesso de pneumonia e pleurisia
PET - [-5ºC-(-1)ºC]
≤4ºC 57% de excesso de insuficiência cardíaca
PET ≤-3ºC (80% do período)
Extremamente Frio 51% de morbilidade de enfarte do miocárdio
46% de doenças respiratórias (por todas as causas)
43% de excesso de doença pulmonar obstructiva crónica
30% de excesso de doenças circulatórias (por todas as causas)
29% de excesso de bronquite e asma

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.

Quadro 9 – Síntese dos limiares de risco para a saúde humana avaliados


pela PET para o Porto no período de inverno

MORTALIDADE IMPACTES DURANTE O EVENTO EXTREMO DE FRIO

O excesso de mortalidade acontece a partir de -3ºC e a sua magnitude é


PET
superior a partir de -5ºC.

MORBILIDADE IMPACTES DURANTE O EVENTO EXTREMO DE FRIO

O excesso de morbilidade acontece a partir de 3ºC e diminui a partir de -5ºC.


PET
(a partir de -5ºC a mortalidade aumenta)

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.

Note-se que na maioria dos casos analisados (Monteiro et al., 2012c),


observou-se uma diminuição da morbilidade quando a PET desceu abaixo
dos -5ºC que coincide com o limiar a partir do qual a mortalidade aumenta.
Sabendo que a PET não é um indicador de cálculo fácil e que exige a
reunião de um grande número de variáveis climáticas que apenas são moni-
torizadas nas estações principais, procuramos para o caso do Porto, estimar
os intervalos de temperatura mínima e máxima – uma variável climática
Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 159

comum – que foram vivenciados sempre que a PET atingiu estes valores
limite de desconforto pelo frio. Assim, parece razoável acreditar que para um
ser humano adaptado ao contexto climático, social, cultural e económico
portuense, a emissão de alertas para o frio deveria iniciar-se sempre que a
temperatura mínima fosse 3ºC e a temperatura máxima 13ºC (Quadro 10).

Quadro 10 – Proposta de limiares de risco pelo frio para o Porto


tendo em conta os valores de PET, a adaptação ao contexto
vivenciado e às caraterísticas do lugar

Tmax Tmin
Amarelo [13ºC-11ºC[ [5ºC-3ºC[
Laranja [11ºC-9ºC[ [3ºC-1ºC[
Vermelho [9ºC-7ºC[ [1ºC--1ºC[
Castanho ≤7ºC ≤-1ºC
≈P30 T max ou T min 13 5
≈P10 T max ou ≈P15 T min 11 3
≈P2T max ou ≈P7 T min 9 1

Fonte: Monteiro et al., 2012ª.

4. Vulnerabilidade e Risco ao frio

Pelo que já foi dito sobre a especificidade dos riscos para a saúde hu-
mana causados pelo frio, sobretudo, relativamente à enorme importância da
matriz ambiental, cultural, social e económica do indivíduo para que um
contexto térmico excecionalmente frio se transforme de facto num risco
climático gerador de sobremortalidade e sobremorbilidade, torna-se impres-
cindível, depois de obtidos os limiares térmicos de resistência, definir as
principais determinantes de privação que podem incrementar a vulnerabili-
dade a este risco climático e, só então, estaremos dotados da informação
necessária para prevenir este risco.
Contudo, o cálculo desta vulnerabilidade – a privação social e ambiental
que potencia a exposição aos impactes negativos causados pelo frio em
contextos temperados mediterrânicos – é muito complexo, já que para ser
obtido de uma forma simples, implicaria a utilização de um conjunto de
informação individual desagregada que colide com os mais elementares
códigos de ética, reserva e sigilo há muito consagrados na maioria dos
países. Por isso, só é possível estimá-lo por aproximações, mais ou menos
grosseiras, tratando variáveis indiciadoras da condição social e económica.
Acresce ainda que a privação de per si é um conceito muito controverso
e que envolve dimensões subjetivas cuja valoração, tanto pode depender da
personalidade e da condição física do indivíduo e da sociedade a que perten-
160 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

ce, como do momento histórico e político em que vive ou até da sua porosi-
dade à manipulação de influências externas, por exemplo, quanto ao que
define como felicidade, qualidade de vida, bem-estar e saúde.
Há inúmeros exemplos de aplicação deste conceito para o desenho de
estratégias de promoção da saúde e prevenção da doença (Lombardo, 2009;
Nogueira, 2007, 2009 e 2010). Jarman, (1983 e 1984), para descrever as
fragilidades na resposta aos episódios de frio excecional, considerou o peso
dos idosos isolados, da população com menos de 5 anos, dos desemprega-
dos, das habitações sobrelotadas, dos imigrantes há menos de um ano, das
minorias étnicas. Townsend (1992), utilizou apenas o peso dos desemprega-
dos, das famílias sem carro próprio, dos que não são proprietários da sua
habitação e das habitações sobrelotadas. Carstairs et al. (1989) combinou
apenas o peso das habitações sobrelotadas, dos rendimentos mais baixos e
dos que não têm carro próprio.
No caso da GAMP socorremo-nos da análise hierárquica multicritério
(Saaty, 1980, 2008; Adda et al., 2003; Laszlo et al., 2010; Monteiro et al.,
2012a e d), para, tendo em conta as características da área de estudo, ponde-
rar as variáveis que melhor podem ilustrar as áreas que deveriam ser alvo de
atenção redobrada durante os períodos de frio excecional.
A combinação de variáveis avaliada na análise hierárquica multicritério
teve em conta a enorme heterogeneidade na distribuição da mortalidade e
morbilidade (Figura 18 a Figura 20), na condição social e económica dos
residentes (Figura 21 a Figura 32) e no contexto biogeofísico (Figura 33 a
Figura 35).
Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 161

Figura 18 – Mortalidade na GAMP entre 2002 a 2007


162 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 19 – Morbilidade por Doenças e Perturbações do Aparelho


Respiratório (GCD4) na GAMP entre 2000 e 2007
Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 163

Figura 20 – Morbilidade por Doenças e Perturbações do Aparelho


Circulatório (GCD5) na GAMP entre 2000 e 2007
164 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 21 – Peso dos idosos isolados – INE 2011 (V1)


Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 165

Figura 22 – Peso dos sem-abrigo – INE 2011 (V2)


166 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 23 – Peso dos edifícios sem aquecimento – INE 2011 (V3)


Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 167

Figura 24 – Peso dos edifícios com necessidades de reparação


– INE 2011 (V4)
168 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 25 – Peso de deficientes – INE 2011 (V5)


Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 169

Figura 26 – Peso da população residente com mais de 64 anos


– INE 2011 (V6)
170 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 27 – Peso da população cujo rendimento é proveniente de


apoios sociais – rendimento social de inserção ou de outros apoios
sociais – INE 2011 (V7)
Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 171

Figura 28 – Peso dos alojamentos superlotados


– INE 2011 (V8)
172 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 29 – Taxa desemprego – INE 2011 (V9)


Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 173

Figura 30 – Taxa analfabetismo – INE 2011 (V10)


174 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 31 – Alojamentos clássicos arrendados com 4 ou mais


divisões cuja renda é menor do que 150€ e o residente tem uma
profissão pouco qualificada – INE 2011 (V11)
Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 175

Figura 32 – Edifícios clássicos construídos antes de1960


– INE 2011 (V12)
176 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 33 – Exposição solar a norte (V13)


Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 177

Figura 34– Altitude (V14)


178 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 35 – Declives maiores de 15% /9º (V15)

Figura 36 – Vulnerabilidade

A escolha destas variáveis para caraterizar as áreas onde efetivamente o


risco climático de frio pode gerar um aumento da sobremortalidade e da
sobremorbilidade teve subjacente outras experiências já realizadas na GAMP
(Monteiro et al., 2011, 2012b) e sobretudo as características das sociedades
que vivem nos contextos climáticos temperados mediterrânicos do sul da
europa, mas também os resultados de trabalhos aplicados noutras áreas
(Mercer, 2003; Mitchell et al., 2002; Lawlor et al., 2000). Todos reconhe-
cem a importância do sítio e da posição geográfica já que, por exemplo, um
lugar exposto a norte nas latitudes médias recebe muito menos sol do que um
Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 179

exposto a sul 5, da altitude, do declive, da qualidade da construção das habi-


tação e do seu adequado isolamento porque uma grande parte do dia é vivida
indoor, da idade do edifício e do seu estado de conservação uma vez que
nestas latitudes o envelope habitacional tem de proteger simultaneamente do
calor no verão e do frio no inverno, da capacidade económica para custear
sistemas de aquecimento artificial, da literacia porque determina tanto a
acuidade na compreensão da informação divulgada como na avaliação da
sua condição física e na identificação dos sinais de perigo. Existe também
uma grande unanimidade na definição do perfil etário acima dos 64 anos
como um dos mais vulneráveis porque acumula muitas vezes todas as condi-
ções facilitadoras da exposição indesejada aos riscos do frio excecional.
Tendo em conta a ponderação atribuída a cada uma das variáveis (Qua-
dro 11), as áreas da GAMP que deveriam merecer uma atenção especial por
parte dos responsáveis pela emissão de alertas de risco de frio e pela preven-
ção do agravamento da doença, estão sobretudo no concelho do Porto (São
Nicolau, Vitória, Sé, Miragaia, Campanhã, Santo Ildefonso, Lordelo do
Ouro, Bonfim e Paranhos), no de Vila Nova de Gaia (São Pedro da Afurada
e Vilar de Andorinho) e de Matosinhos, onde este índice varia entre 12 e
22,4 (Figura 36).

Quadro 11 – Ponderação das variáveis consideradas para a definição


da vulnerabilidade ao frio na GAMP (análise hierárquica multicritério)
MATRIZ V1 V2 V3 V4 V5 V6 V7 V8 V9 V10 V11 V12 V13 V14 V15 Ponderação
+ V1 1 1 1 1 3 3 3 3 3 5 5 7 7 9 9 0,14
V2 1 1 1 1 3 3 3 3 3 5 5 7 7 9 9 0,14
V3 1 1 1 1 3 3 3 3 3 5 5 7 7 9 9 0,14
V4 1 1 1 1 3 3 3 3 3 5 5 7 7 9 9 0,14
Nível de importância

V5 1/3 1/3 1/3 1/3 1 1 1 1 1 3 3 5 5 7 7 0,06


V6 1/3 1/3 1/3 1/3 1 1 1 1 1 3 3 5 5 7 7 0,06
V7 1/3 1/3 1/3 1/3 1 1 1 1 1 3 3 5 5 7 7 0,06
V8 1/3 1/3 1/3 1/3 1 1 1 1 1 3 3 5 5 7 7 0,06
V9 1/3 1/3 1/3 1/3 1 1 1 1 1 3 3 5 5 7 7 0,06
V10 1/5 1/5 1/5 1/5 1/3 1/3 1/3 1/3 1/3 1 1 3 3 5 5 0,03
V11 1/5 1/5 1/5 1/5 1/3 1/3 1/3 1/3 1/3 1 1 1 3 5 5 0,03
V12 1/7 1/7 1/7 1/7 1/5 1/5 1/5 1/5 1/5 1/3 1/3 1 1 3 3 0,02
V13 1/7 1/7 1/7 1/7 1/5 1/5 1/5 1/5 1/5 1/3 1/3 1 1 3 3 0,02
V14 1/9 1/9 1/9 1/9 1/7 1/7 1/7 1/7 1/7 1/5 1/5 1/3 1/3 1 1 0,01
- V15 1/9 1/9 1/9 1/9 1/7 1/7 1/7 1/7 1/7 1/5 1/5 1/3 1/3 1 1 0,01

Importância relativa
Muitíssimo mais importante 9 Pouco menos importante 1/3
Muito mais importante 7 Ligeiramente menos importante 1/5
Ligeiramente mais importante 5 Muito menos importante 1/7
Pouco mais importante 3 Muitíssimo menos importante 1/9
Igual importância 1

5 Em média no verão, à latitude do Porto, um lugar exposto a norte recebe 200 kWh/m2
enquanto um lugar exposto a sul recebe 380kWh/m2. Em média no inverno, à latitude
do Porto, um lugar exposto a norte recebe 70 kWh/m2 enquanto um lugar exposto a sul
recebe 108 kWh/m2.
180 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 37 – Índice de Privação socioeconómica e ambiental para o risco


de frio excecional na GAMP

5. Considerações Finais

Depois de ter demonstrado que o frio pode ser excecional para um ser
humano residente na GAMP a partir de temperaturas máximas e mínimas
muito superiores às consideradas nos alertas institucionais, e de ter evidenci-
ado a magnitude dos impactes na sobremortalidade e sobremorbilidade
durante e até 10 dias após o episódio paroxismático, foi sublinhada a impor-
tância, neste tipo de risco, da condição ambiental, social e económica do
indivíduo que ao acumular-se com a sua condição física pode transformar o
frio excecional num risco muito severo de doença e de morte.
Os riscos para a saúde humana causados pelo frio nos climas mediterrânicos 181

Assim, em primeiro lugar e antes de qualquer outra diligência é neces-


sário dar muito mais importância ao frio em climas ditos com invernos
amenos. Depois, é necessário reajustar os limiares de resistência à adaptação
climática e local aos estados de tempo vivenciados. Finalmente, é urgente
diferenciar os sistema de alerta e resposta para episódios excecionais de
calor dos de frio tendo em conta a importância da privação ambiental, social
e económica na equação final do risco.

6. Agradecimentos

Este trabalho beneficiou do apoio de:


PTDC/SAU-ESA/73016/2006 Human health risks caused by heat and cold
waves, financiado pelos fundos FEDER através do COMPETE e por Fundos
Nacionais através da FCT.
URBAN/0001/2009 Potential impact of climate trends and weather extremes on
outdoor thermal comfort in European cities – implications for sustainable urban
design, financiado pela rede ERA/UrbanNet.
Dr. Célia Ramos – Comissão de Coordenação da Região norte (CCDRn).
Dr. Fátima Candoso – Administração Central dos Serviços de Saúde (ACSS ).
Professor Fernando José Oliveira Lopes – Hospital de São João.
Professor Fredrik Lindberg – Universidade de Gotemburgo.
Professor Victor Prior – Instituto Português do Mar e da Atmosfera.

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CAPÍTULO 8

CONSTRUCCIÓN, DESENVOLVEMENTO E CRISE


DOS SISTEMAS DE SAÚDE DE GALICIA E PORTUGAL.
O DESMANTELAMENTO DE MODELOS
PÚBLICOS CONSOLIDADOS

Jesús M. González Pérez


Departament de Ciències de la Terra
Universitat de les Illes Balears

Resumo

No contexto da crise económica y das políticas de reducción do déficit


público, os gobernos de Portugal e Galicia están a aplicar ambiciosas refor-
mas nos seus respectivos sistemas de saúde. Unhas revisións marcadas polo
predominio de medidas ultraliberais e políticas de recortes de dereitos que
están a aumentar a fractura social e o desequilibrio territorial nos dous paí-
ses. Sen embargo, se ben a situación económica actual está a acelerar os
procesos, a reforma dos sistemas de saúde, dende un modelo de Sistema
Nacional de Saúde a un de tipo mixto, non é algo recente. Neste traballo,
estúdiase a formación, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde de
Portugal e Galicia, centrando a análise nas décadas de 1990 e 2000, cando se
planificaron as máis importantes políticas de reforma dos sistemas nacionais
de saúde. A destrucción do sistema público na actualidade é unha conse-
cuencia deste proceso iniciado hai dúas ou tres décadas, e impulsado por
gobernos de dereitas incondicionais do neoliberalismo.

Desigualdades Socioterritoriais e Comportamentos de Saúde, Lisboa, Edições Colibri, 2013,


pp. 185-219.
186 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

1. Introducción

As características dos sistema sanitarios de Galicia e Portugal mante-


ñen, máis do que parecería nun principio, importantes similitudes. Nos dous
casos, os acontecementos históricos acaecidos na última metade do século
XX definiron os actuais sistemas sanitarios. Ás características comúns de
formar parte de rexións europeas semiperiféricas, ámbalas dúas sufriron un
longo período de dictadura militar que non só condicionou un deficiente
desenvolvemento de tódalas políticas sociais, senón que tamén sentaron
unhas bases normativas profundamente insolidarias e ineficientes que tive-
ron que ser modificadas coa entrada no período democrático. A evolución
histórica común comeza polas datas de formación dos respectivos sistemas
de saúde modernos, e continúan pola necesidade de asumir os principios do
Estado do Benestar a principios da década de 1980 dirixidos a potenciala
sanidade pública co obxectivo de superar a falta de solidariedade precedente.
Este proceso remata coas últimas propostas de revisión dos sistemas públi-
cos proxectadas nos anos de bonanza económica (finais da década dos 1990
e comenzos do 2000), e confirmadas nos anos da crise actual.
O novo e transcendental ciclo político que se inaugura nos estados da
península Ibérica a mediados da década dos 1970 vai representar o peche
dun período desafortunado non só para a política e as liberdades, a economía
ou a cultura senón tamén para todo o que abrangue ós modelos de desenvol-
vemento e protección social. Entre as primeiras medidas dos modernos
gobernos democráticos de Portugal e España estaban as sanitarias. Aínda que
con certo atraso con respecto a outros países da Europa Occidental, os go-
bernos socialdemócratas destes dous países introduciron algúns dos princi-
pios do Estado do Benestar, entre as que destacaron as prestacións sanitarias
segundo un modelo de cobertura universal, gratuíto e de acceso equitativo.
A finais dos anos 1980, o Instituto Nacional de Salud (INSALUD)
transfire as súas competencias á Comunidade Autónoma de Galicia. A
lexislación básica é de carácter estatal, pero Galicia vai ser un “banco de
probas” para España dos novos modelos neoliberais favorables á privatiza-
ción da xestión sanitaria. Como exemplo, cando o Partido Popular logra o
goberno de España no 1996, sitúa na carteira de sanidade ó anterior con-
selleiro de saúde galego. Ós poucos anos da reforma sanitaria democrática
en Portugal, ponse en dúbida o sistema social público e adóptanse esquemas
privatizadores. Estes cambios, difíciles de entender nun país territorialmente
desequilibrado e con graves problemas de pobreza e desigualdade social,
probablemente débanse ó impacto das reformas estructurais adoptadas por
países como o Reino Unido de M. Tatcher. A diferencia é que ó Nacional
Health Service (NHS) británico foi creado había case que corenta anos, e o
sistema de saúde portugués tiña menos dunha década.
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 187

Sobre estas bases, este capítulo ten dous obxectivos principais. Por un
lado, analizar a construcción dos sistemas de saúde modernos en Galicia e
Portugal, destacando os profundos cambios acontecidos nas últimas décadas
motivados pola influencia de posturas e ideoloxías conservadoras e neolibe-
rais que están producindo o desmantelamento dos modelos públicos. Por
outro, demostrar como as profundas reformas nos sistemas públicos que
están coñecendo Galicia e Portugal na actualidade non teñen a súa orixe na
crise económica e as políticas de control do déficit público, se ben éstas
utilízanse como escusa e xustificación dos recortes que están a ser acometi-
dos. As reformas comezaron con anterioridade a crise actual e aceléranse no
actual escenario económico regresivo. En este sentido, as últimas reformas
sanitarias en Portugal e Galicia están caracterizadas pola privatización, a
reducción de dereitos, a defensa de estratexias ultraliberais, etc.. Medidas
que están a xerar un grave aumento das desigualdades sociais e desequili-
brios territoriais.
O traballo comeza coa última etapa das dictaduras militares (1970) pero
centrándose nas reformas sanitarias da década dos 1990 e principios do
2000, xermes dos actuais cambios de modelo. O capítulo estructúrase en
dúas partes principais. O primeiro introduce o modelo Beveridge, sistema
sanitario no que se fundamentan Galicia e Portugal. A segunda desenvolve
de forma extendida o proceso de formación, desenvolmento e reforma dos
sistemas públicos en Galicia e Portugal.

2. Modelo Beveridge: Servizo Nacional de Saúde (SNS)

Os catro sistemas máis comúns no Primeiro Mundo son o Beveridge, o


Bismarck, o seguro privado e, aínda que case extinguido, o Semashko. Os
sistemas de saúde de Galicia e Portugal están articulados entorno ó Servizo
Nacional de Saúde (SNS). Na actualidade, o Beveridge constitúe un dos
modelos predominantes nos países desenvolvidos. Recollido no Informe de
Beveridge do 1942 é adoptado, en primeiro lugar, por Suecia nos anos 1930,
caracterízase pola súa cobertura universal, un financiamento público a través
de impostos xerais, control parlamentario, liberdade de acceso para todos os
cidadáns ou residentes, xestión e, frecuentemente, provisión por parte de
empregados públicos, con propiedade pública dos medios de producción e
provisión pública da atención sanitaria. Os médicos son asalariados públicos
ou ben remunerados por capitación, mentres que os hospitais reciben un
orzamento global limitado. O público coexiste cun sector privado relativa-
mente pouco desenvolvido e son obrigatorios algúns pagos directos por parte
dos usuarios. Este sistema é adoptado por practicamente tódolos países da
Europa do norte despois da Segunda Guerra Mundial (Dinamarca, Finlandia,
Irlanda, Noruega, Suecia e Reino Unido), ós que se engadiron os países do
188 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

sur na década dos 1980 (Grecia, Italia, Portugal e España). Canadá optou
polo Servizo Nacional de Saúde nos anos 1970. As vantaxes que implica
son, fundamentalmente, o seu carácter universal, o control de gastos, maior
xustiza e liberdade de acceso. As reformas sanitarias desenvolvidas nos
E.U.A. nos últimos anos están influenciadas polo modelo canadense e o
europeo do SNS. A pesar dos seus recoñecidos logros sobre todo respecto á
mellora da saúde da poboación e a universalidade, as reformas actuais dos
sistemas están a introducir elementos contractuais dentro das estructuras
administrativas, co obxectivo de aumenta-la flexibilidade e de, parcialmente,
abandonala planificación.
Evans y Hurst agruparon os sistemas públicos en tres modelos atenden-
do á forma de pago ós provedores sanitarios (Gervás, López e Sánchez,
1993): reembolso, por salario e por contrato. O modelo utilizado tanto en
Galicia como en Portugal é o segundo, o de pago por salario. O médico é un
empregado ou un funcionario do sector público (Estado ou Comunidade
Autónoma) que traballa en edificios de propiedade pública. Este é o sistema
desenvolvido tamén en países como Suecia, Noruega, Finlandia, Bulgaria,
Hungría, Polonia ou Romanía. Algunhas nacións o están abandonando, ben
de forma experimental (Suecia e Finlandia) ou ben definitivamente (Bulga-
ria, Romanía).
O financiamento do SNS tanto en Galicia como en Portugal (Orzamento
Xeral do Estado, OXE) é público e efectúase a través dos impostos. Este
sistema, baseado na solidariedade e no principio redistributivo, facilita o
acceso universal e o control parlamentario. Este carácter universal e equitati-
vo, coherente co Obxectivo 1 do principio “Saúde para todos no ano 2000”
(SPT) da Organización Mundial da Saúde (OMS), é una avantaxa importante
se valoramos as elevadas taxas de desemprego, as desigualdades sociais, o
empobrecemento das clases baixas e medias e os crecentes problemas de
segregación urbana e exclusión social en Portugal e Galicia. Segundo este
modelo, o Parlamento aproba o orzamento global e monitoriza a asignación
dos recursos (Majnoni, 1993). O financiamento vía impostos esconde igual-
mente un principio redistributivo. É dicir, unha parte importante dos recursos
son obtidos das rendas, dunha maneira progresiva (quen máis ten, máis paga)
e o resto do imposto sobre o valor engadido. Así, cando o gasto en saúde
increméntase incluso tan so un pouco coa renda, os pagos dos grupos máis
favorecidos pasan a financiar ós máis pobres. Non obstante, un financiamen-
to por impostos non trae consigo obrigatoriamente unha xestión funcionarial.
É máis, os actuais procesos de reforma separan o financiamento a través dos
impostos do que é a xestión administrativa do sistema, pudendo ser utilizada
tanto para financiar institucións privadas como públicas.
Diferentes estudios demostraron co réxime de financiamento do gasto
sanitario non condiciona a cantidade total do gasto ou o gasto por habitante.
O nivel de renda nacional constitúe o principal factor que se relaciona co
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 189

nivel de gasto por habitante nos países desenvolvidos. Tanto é así co factor
de correlación pode estar entre o 0,8 e 0,92, e a elasticidade do gasto sanita-
rio comparado co Producto Interior Bruto (PIB) é 1,34. Isto significa cun
incremento do 10% do PIB trae consigo, como termo medio, un aumento do
13,4% do gasto sanitario. E á inversa, para poder incrementalo gasto sanita-
rio nun 10%, o PIB ten que facelo nun 7,35%. De acordo con isto, unha
maior atención e prestación de servizos sanitarios só se poderá lograr a
través do crecemento económico (Majnoni, 1993). Non obstante, a política
sanitaria e a organización do propio sistema (concepcións ideolóxicas e
desenvolvemento do Estado social) poden introducir excepcións a esta regra
xeral. Por exemplo, países como o Reino Unido teñen un gasto inferior do
que teoricamente lles correspondería polo seu PIB, mentres que outros
(como Francia), gastan máis.
A evolución do gasto sanitario en España, Galicia e Portugal incremén-
tase progresivamente dende que, coa entrada no período democrático, a
saúde pasa a desempeñar un papel clave na construcción do Estado. A ten-
dencia é a reducir os investimentos públicos e as diferencias respecto a
outras Comunidades Autónomas do Estado e doustros países do noso en-
torno increméntanse de forma notable. O gasto sanitario público en Galicia
representaba unicamente o 4,07% do PIB no 1989, chegando ao 6,70% no
2009 para inmediatamente descender ata o 6,05% no 2010. E o gasto por
habitante en Galicia é o máis baixo da Unión Europea dos 15, coa excepción
de Grecia.
O gasto real do Sergas no 2009 superou os 4.100 millóns de euros, o
que representa uns 400 millóns de euros máis que no 2008, e un gasto por
habitante que supera en case 1.200 euros os datos do 1990, último ano de
xestión do Insalud na nosa Comunidade Autónoma. O incremento do gasto
máis importante produciuse a finais dos anos 1980, cando estaba a concluír o
proceso de transferencias. Pola contra dende o 1997 hai unha acusada des-
aceleración no incremento do gasto sanitario real a causa das reformas
iniciadas no sistema dirixidas á contención do gasto. Aínda que as cifras de
partida son habitualmente moi superiores ás galegas, este proceso de estan-
camento do investimento sanitario público é común en case tódalas nacións
europeas a partir dalgún ano da década dos 1990. No obstante, en contra
desta tendencia, entre 2005 e 2009 o gasto aumenta nuns 100 euros per-
soa/ano, debido probablemente a factores poboacionais relacionados co
avellentamento, pero sobre todo explícase polo aumento do investimento
sanitario realizado polo goberno de coalición socialista-nacionalista que
dirixiu Galicia nestes memos anos, entre o 2005 e 2009. (Táboa 1).
A series estatísticas máis completas e actualizadas son anualmente pu-
blicadas pola OCDE. A análise comparativa entre Galicia e Portugal é com-
plexa debido a que, en tódolos casos, os datos son presentados por estados
nacionais. Aínda que non se correspondan exactamente os investimentos
190 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Táboa 1 – Evolución do gasto sanitario real e por habitante en Galicia (SNS)2)


Gasto real (1) Incremento (%) Gasto/habitante (2)
1982 247,35 - 87,96
1983 273,63 10,63 97,31
1984 308,57 12,77 109,74
INSALUD

1985 358,65 16,23 127,55


1986 403,35 12,46 141,80
1987 447,84 11,03 157,44
1988 537,22 19,96 188,86
1989 659,89 22,83 231,99
1990 806,53 22,22 283,54
1991 905,58 12,28 331,51
1992 1.083,16 19,61 396,52
1993 1.205,16 11,26 441,18
1994 1.249,46 3,68 457,40
1995 1.393,88 11,56 510,27
1996 1.546,56 10,95 563,90
1997 1.650,57 6,73 601,82
1998 1.757,65 6,49 645,12
SERGAS

1999 1.884,89 7,24 690,35


2000 1.988,68 5,51 727,95
2001 2.146,85 7,95 785,55
2002 2.208,13 2,85 806,66
2003 2.438,68 10,44 886,44
2004 2.685,68 10,13 976,26
2005 2.872,52 6,96 1.039,94
2006 3.136,31 9,18 1.133,26
2007 3.357,85 7,06 1.211,11
2008 3.702,03 10,25 1.329,67
2009 4.075,31 21,37 1.457,50
(1)En millóns de Euros. (2) En Euros. Fonte: Servizo Galego de Saúde.

sanitarios de España e Galicia sobre todo despois do 1989, presentamos unha


táboa comparativa da evolución de distintos indicadores que expresan os prin-
cipais episodios da sanidade nas últimas décadas: o impacto producido polas
transformacións derivadas da entrada nos respectivos períodos democráticos, a
aprobación de leis modernas e integrais, o inicio dos procesos de reforma e o
paralelo desgaste do sector público a favor do privado, etc.. O gasto sanitario
público en España pasou de representar o 1% do PIB no 1960 a case o 7% no
2010 (Galicia 2009: 7,3% total e 6,70% o público). Pola sua parte, Portugal,
cun nivel de desenvolvemento económico inferior a España, ten un gasto
sanitario total (% PIB) superior ó español dende o 1995 e un maior investi-
mento público entre 1996 e 2008, interrumpíndose esta tendencia no último
ano da serie estatística. Pola contra, o sector español susténtase máis nun
sector privado moi fortalecido dende o 1996. Neste mesmo ano produciuse o
máis importante retroceso no investimento público dende o 1960 (Táboa 2).
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 191

Táboa 2 – Evolución do gasto sanitario, 1960-2010


Gasto sanitario Gasto sanitario Gasto sanitario Sector privado-%
total per cápita total-% PIB público total-% gasto sanitario
(US$) PIB total
Portugal España Portugal España Portugal España Portugal España
1960 - 14 - 1,5 - 0,9 - -
1970 40 83 2,6 3,6 1,6 2,3 - 3,3
1980 265 328 5,6 5,4 3,6 4,3 - 3,2
1985 383 455 6,0 5,4 3,3 4,4 0,2 3,7
1990 611 813 6,2 6,6 4,1 5,2 0,8 3,7
1991 729 917 6,8 6,8 4,3 5,3 0,9 2,7
1992 802 990 7,0 7,2 4,2 5,6 1,2 2,8
1993 880 1.053 7,3 7,5 4,6 5,8 1,3 3,0
1994 939 1.055 7,3 7,4 4,6 5,6 1,4 3,1
1995 1.146 1.184 8,3 7,7 5,1 5,5 1,3 2,9
1996 1.211 1.238 8,5 7,7 5,5 5,5 1,4 3,1
1997 1.360 1.294 8,6 7,6 5,5 5,4 1,5 3,2
1998 1.345 1.384 8,3 7,6 5,6 5,4 - 3,3
1999 1.402 1.469 8,4 7,7 5,9 5,4 - 3,4
2000 1.441 1.556 9,3 7,2 5,8 5,4 - -
2003 1.894 2. 026 9,7 8,2 6,4 5,5 4,7 5,7
2004 1. 995 2. 135 10,0 8,2 6,6 5,6 4,9 5,8
2005 2. 212 2.274 10,3 8,3 6,8 5,6 4,4 6,0
2006 2.304 2 552 10,0 8,4 6,4 5,7 4,8 6,3
2007 2.481 2 .739 9,9 8,5 6,3 5,9 4,7 6,5
2008 2.548 2.965 10,2 8,9 6,4 6,3 4,9 6,0
2009 2. 697 3.097 10,8 9,6 6,9 6,9 4,6 5,7
2010 2.728 3. 056 10,7 9,6 6,8 6,9 4,6 5,7
Fonte: OECD Health data 2002 e OECD.StatExtracts (http://stats.oecd.org/index.aspx?Data
SetCode=HEALTH_STAT#).

En definitiva, as sanidades públicas española e portuguesa están entre as


peor financiadas da UE-15. Pola contra, España gasta en sanidade unha
cantidade menor do que debiera gastarse polo seu nivel de riqueza e ten un
dos máis altos gastos privados da Unión Europea que, previsiblemente,
aumentarán como consecuencia dos recentes recortes aplicados á sanidade
pública. Polo tanto, a sanidade pública está subfinanciada e son erróneos,
pero interesados, os comentarios que xustifican os recortes do gasto público
en España e Portugal co argumento de que o sector sanitario público está
hipertrofiado e necesita unha reducción para sanealo. (Figura 1).
192 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 1 – Unha visión crítica sobre as reformas sanitarias

Fonte: El Roto (www.elpais.com).

3. A organización dos sistemas de saúde: Portugal e Galicia

A caracterización dun sistema sanitario está definido por diferentes varia-


bles: financiamento, cobertura e xestión. O financiamento da sanidade galega
e portuguesa é público. Os ingresos proceden dos impostos xerais en Portugal
e, aínda que con particularidades, tamén en Galicia. Este é tamén o modelo
máis seguido en países como o Reino Unido e Suecia. A cobertura é pública e
universal, mostrando un énfase especial na prevención, sobre todo nas vacina-
cións e na atención prenatal. Os servizos preventivos están integrados na
atención primaria. A unidade sanitaria elemental na maioría das nacións
europeas é a rexión. Ésta é o nivel territorial de referencia no proceso de
distribución de equipamentos, independentemente se trate de sistemas públi-
cos financiados con impostos (Dinamarca, Suecia, Finlandia e Reino Unido)
ou noutros públicos pero financiados a través de contribucións obrigatorias
(Alemania, Suíza e Holanda). As reformas máis recentes nos sistemas de
saúde europeos combinan o financiamento público central con formas máis ou
menos responsabilizadas das rexións (Cabeza e Gonçalves, 1998).
En España, a rexionalización está imposta por unha concepción política
(Constitución Española do 1978, Estado das Autonomías). Os principios
xerais do sistema sanitario galego están regulados dende o Estado, segundo
os principios da Ley General de Sanidad de 1986. Sen embargo, o remate
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 193

das transferencias en materia sanitaria a Galicia no 1990 inaugurou un novo


período segundo o cal este país ten competencias lexislativas para deseñar un
sistema adaptado a súas necesidades. Pola contra, o centralismo político
portugués implica co poder lexislativo recae no Estado. E máis, a Lei marco
das rexións administrativas do 1991 (Lei nº 56/1991) non preveía novas
atribucións ás rexións no campo da saúde. Non obstante, a partir do 1996,
simultaneamente á institución das rexións administrativas, comezouse a
admitir a necesidade de impulsar un proceso descentralizador tamén en
materia sanitaria. Definitivamente, as Administraçoes Regionais de Saúde
(ARS) deixaron de ser unicamente coordinadoras das prestacións e transfe-
ríronse competencias á escala rexional, co obxectivo de dota-las ARS de
recursos financeiros propios e de autonomía para negociar acordos e conve-
nios para a prestación de coidados con unidades de saúde públicas, de orien-
tación social e privada. No caso oposto, as responsabilidades de xestión e
financiamento por exemplo en Suecia chegan ata o nivel municipal, ata o
punto de anotar vinteseis sistemas de saúde diferentes organizados territo-
rialmente entorno ós county councils. Todos eles teñen financiamento e
prestación de carácter público, pero na organización son independentes.
Tanto Portugal como Galicia non se mantiveron ó marxe dos procesos
de reforma do sistemas sanitarios que se estaban a producir a finais do século
pasado en toda Europa. O financiamento e a cobertura pública dominante
contrasta cunha xestión e provisión de servizos que, progresivamente, incor-
pora ó sector privado e empresarial. A maioría dos países desenvolvidos
decidiron ó longo das décadas do 1980 e 1990 que os actuais gastos sanita-
rios son incontenibles, e que é precisa unha reducción dos mesmos para así
non danar e, ó mesmo tempo, apoiar a outros sectores dunha economía en
crise. As solucións formuladas apuntaron a reducir a separación entre os tres
axentes que participan no sistema sanitario: oferentes, demandantes e asegu-
radores. E todo isto mediante unha progresiva e ocultada política de privati-
zación da xestión e provisión. Os especialistas argumentaban que se lograría
diminuír gastos, optimizar a eficacia do sistema e que, por medio de métodos
de administración empresarial, lograríase unha máis óptima xestión do
sistema. A tendencia na primeira década do século XXI non é a proxectada:
o gasto segue a ser incontrolable debido a múltiples factores (avellentamento
demográfico, elevado consumo en equipos de alta tecnoloxía para técnicas
diagnósticas e terapéuticas, incremento ou aparición de novas patoloxías
relacionadas co desenvolvemento económico, etc.), increméntanse as de-
sigualdades sociais relacionadas coa iniquidade de acceso, agrávase o debate
sobre a financiamento do sistema, etc.
A vista destes datos, os métodos empresariais parecen non ser os ade-
cuados para a administración dun servizo público tan complexo. Os procesos
de reforma formuláronse, máis que pola ineficacia dos respectivos sistemas,
por causas externas á sanidade. Existen fortes presións sobre os gobernos
194 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

para reduci-los orzamentos nun entorno altamente competitivo. O neolibera-


lismo e o atractivo xeneralizado pola xestión empresarial desbancaron ó
papel da planificación pública, en moitas ocasións asociada ós países de
economía centralizada, ás nacións europeas comunistas que nestes 1980
estaban a mudar cara ó capitalismo. En definitiva, os cambios proxectados
para conseguir maiores cotas de eficiencia, efectividade e responsabilidade
cara os pacientes están inmersos nun contexto de crise económica xenerali-
zada e de dominio das ideoloxías conservadoras. O resultado, na maioría dos
casos, é un modelo híbrido que combina a responsabilidade social e as
vantaxes da saúde pública do modelo de planificación vertical tradicional
cos poderosos incentivos para mellorala eficiencia da teoría neoclásica do
mercado. Este novo paradigma foi conceptualizado e chamado de moi dife-
rentes maneiras: “mercados internos”, “case mercados”, formas de “merca-
dos planificados” e de “competencia pública”, “competencia xestionada”, ou
“mercados competitivos”.
A ordenación territorial sanitaria e os mapas de saúde forman parte da
planificación e organización dos sistemas de saúde. A rexionalización ou
zonificación dos servizos, equipamentos e persoal sanitario ofrece importan-
tes vantaxes: descentralizar recursos, marcar responsabilidade sanitaria
territorializada, facilitala prestación de servizos e a avaliación dos mesmos,
permitila descentralización administrativa e de recursos, e incitala participa-
ción cidadá ó achegar a administración ós propios usuarios. A problemática
da localización e o establecemento das áreas de referencia dos recursos ten
na comarcalización sanitaria o seu principal soporte planificador. En Portu-
gal, o sistema de saúde está subordinado a unha organización rexionalizada e
a unha xestión descentralizada e participada. Con anterioridade a outros
países europeos, a primeira rexionalización hospitalaria en Portugal data do
1946 (Lei nº 2.001/46). O papel central recaía nas chamadas Misericórdias
ata o punto de que, unha vez co Estado construía hospitais rexionais e subre-
xionais, eximíase das responsabilidades e entregábaos á estas. As delimita-
cións das rexións coincidían coa dos distritos e a organización dos hospitais
producíase en tres niveis: concello, distrito e zonas. Recentemente, o Decre-
to-Lei nº 11/93 relativo ó Estatuto do SNS determinou que cada Região de
Saúde debía ser administrada e regulada por unha Administração Regional
de Saúde (ARS), dotada de personalidade xurídica e autonomía administrati-
va e financeira. A partir deste momento, asístese a un importante proceso de
rexionalización do sector da saúde, que pretende incidir sobre unha efectiva
descentralización na xestión dos servizos de saúde e no planeamento local
dos coidados que se lle presta á poboación, mediante a transferencia de
amplas competencias ás respectivas administracións de saúde rexionais. Polo
que se refire á organización rexionalizada, a Base XVIII da Lei nº 48/90 de
Bases de Saúde establece unha auténtica ordenación sanitaria do territorio
estructurada en tres niveis:
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 195

– Regiões de Saúde. Son as encargadas de establecelo contacto entre o


nivel local e o Ministerio da Saúde. O territorio nacional divídese en
cinco regiões: Norte (sede en Porto), Centro (Coimbra), Lisboa e Va-
le do Tejo (Lisboa), Alentejo (Évora) e Algarve (Faro). En determi-
nados casos, é posible establecer acordos interrexionais para a utiliza-
ción de determinados recursos. As Regiões Autónomas das Açores e
de Madeira teñen competencias para establecer as súas propias zoni-
ficacións. Madeira optou por adoptar a división do Continente. Pro-
bablemente debido ás dificultades para o ordenamento territorial do
arquipélago, as Açores non teñen definido un mapa de saúde propia-
mente dito.
– Sub-regiões de Saúde. De acordo ás necesidades da poboación e á ope-
ratividade do sistema, as Regiões de Saúde poden subdividirse en Sub-
-regiões. Existen un total de 18 Sub-regiões correspondentes a cada un
dos Distritos do Continente. É interesante resaltar esta coincidencia en-
tre a organización territorial do Estado (Distritos) e a ordenación sanita-
ria (Sub-regiões), sobre todo cando as delimitacións sanitarias en Gali-
cia non manteñen negunha relación, máis que casuais, co nivel
provincial ou comarcal. A Região de Saúde de Madeira está dividida en
dous sub-regiões: Ilha de Madeira e Ilha de Porto Santo.
– Áreas de Saúde. Cada concello constitúe un Área de Saúde, máis po-
den algunhas localidades ser incluídas en áreas diferentes das dos
concellos á que pertencen cando se verifica que isto é indispensable
para unha máis óptima prestación de coidados de saúde. Independen-
temente desta zonificación, a lei faculta ás grandes aglomeracións ur-
banas a ter unha organización propia en función das súas particulares
condicións demográficas e sanitarias.

Formando parte das reformas regulamentadas nos últimos anos, no 1999


aprobouse o establecemento e réxime do que se deu en chamar Sistemas
Locais de Saúde (SLS) (Decreto-Lei nº 156/99). Trátase do conxunto de
recursos (centros de saúde, hospitais e outros servizos públicos e privados)
articulados na base da complementariedade e organizados segundo criterios
xeográficos e poboacionais. Cada SLS abrangue un área correspondente,
como máximo, a un distrito e unha poboación máxima de 500.000 habitan-
tes. Cada SLS integra unha unidade de saúde pública.
Pola súa parte, o Mapa Sanitario de Galicia está a sufrir importantes
modificacións dende o máis importante mapa aprobado no 1989 (Decreto
55/1989). Éste revísase de maneira específica no 1992 (decretos 50/1992 e
342/1992) e 1998 (Decreto 352/1998), ademais dos cambios introducidos
polas Lei de Ordenación Sanitaria de Galicia (LOSGA) do 2003 e a Lei de
Saúde de Galicia (2008). Ata principios da década do 2000, o mapa estrutu-
196 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

rábase en cinco xerarquías sanitarias a nivel ascendente sobre os que vanse


distribuír os distintos dispositivos: Unidade Básica de Atención Primaria
(UBAP), Zona de Saúde de Atención Primaria (ZSAP), Zona de Saúde de
Atención Integrada (ZSAI), Área de Saúde (AS) e Rexión Sanitaria (RS).
Sobre esta estructura territorial producíronse tódolas modificacións posterio-
res. A ordenación territorial sanitaria resultante da lei do 2003 estaba organi-
zada en áreas sanitarias e, dentro do seu ámbito, en distritos hospitalarios e
zonas de atención primaria. No 2008, elimínanse os distritos, e o mapa
organízase en áreas de saúde, zonas sanitarias e zonas básicas de saúde.

3.1. A formación do moderno sistema de saúde de Portugal: 1970-


-1989

Ó longo do século XX producíronse tres grandes reformas sanitarias en


Portugal: a do 1899-1901, 1945 e 1971 (Remoaldo, 2002). Antes da Segunda
Guerra Mundial, o papel do Estado era reducido e fundamentalmente de tipo
benéfico. Centrábase en financiar unha serie de servizos médicos para os
grupos sociais máis desfavorecidos. As clases medias e altas disfrutaban de
dispositivos e servizos de certa calidade, que eran soportados pola mesma
poboación e desenvolvidos nos denominados consultorios médicos e nas
casas de saúde. No 1944 aprobouse a Lei nº 1.998 de 15 de maio de 1944, de
Estatuto da Asistência Social. Mentres neste anos, en moitos países da
Europa occidental reforzábase o papel do Estado (Welfare State), a Lei do
1944 dotaba de funcións supletorias ó Estado portugués. A responsabilidade
dos servizos de saúde recaía na iniciativa particular. Dous anos máis tarde,
no 1946, aprobouse o Decreto-Lei nº 35.311, de 25 de abril, sobre a Fede-
raçao das Caixas de Previdência. Os avances foron escasos. Esta entidade
paraestatal cometeu o erro de non considerar a posibilidade de crear unha
rede de servizos de saúde propia, adecuada para construír un sistema máis
equitativo e accesible. Desafortunadamente recorreu á antigua rede de casas
de saúde (Remoaldo, 2002). Entre o 1945 e 1971, o sistema de saúde portu-
gués estaba formado por unha grande cantidade de subsistemas independen-
tes, de difícil coordinación e organización. A participación do Estado redu-
cíase a financiar o sistema, a penas producía coidados de saúde e participaba
na formación de persoal sanitario, especialmente médicos. No 1970, o 44%
da poboación non posuía cobertura da seguridade social e o 40% dependía
das prestacións exercidas pola Previdência Social. A maioría dos dispositi-
vos sanitarios, principalmente hospitalarios, pertencían ás Misericórdias e a
outras entidades sen fins lucrativos.
De acordo con Asensio (2008), as reformas sanitarias en Portugal du-
rante a etapa democrática poden dividirse en tres períodos. O primeiro
(1974-1989) caracterízase polo predominio de propostas de reforma basea-
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 197

das no modelo do National Health Service británico. No 1971 esbozouse


legalmente o Servizo Nacional de Saúde (SNS), de impronta beveridgeana
(universalista e público). O segundo período comezou no 1990 e está carac-
terizado polas tensións entre as iniciativas políticas dirixidas a consolidar o
modelo adoptado na etapa anterior e as propostas de reforma sanitaria favo-
rables á penetración da xestión privada na prestación de servizos sanitarios e
á privatización dos servizos públicos (Asensio, 2008). Por último, a partir do
2005 abriuse unha etapa de políticas situadas entre as iniciativas sociais
incorporadas polo Partido Socialista e as profundas reformas sanitarias
impulsadas pola dereita política (Partido Social Demócrata) en plena crise
económica e financieira capitalista.
A década do 1970 é probablemente o momento máis transcendental pa-
ra a organización do moderno sector da saúde en Portugal. A Lei Orgânica
do Ministério da Saúde e Asistencia do 1971 (Decreto-Lei nº 413/71, de 27
de setembro), responsabilidade do profesor Gonçalves Ferreira, deseñou os
principios do actual sistema de saúde portugués. Como estaba a suceder
noutras nacións europeas dende hai décadas, o Estado pasou a desempeñar
un papel principal na organización e prestación sanitaria. Por primeira vez
recoñeceuse o dereito á saúde dos portugueses recaendo a máxima responsa-
bilidade no Estado, deuse prioridade á Atención Primaria e se impulsaron ás
áreas de promoción da saúde e prevención da enfermidade. Esta regulación
xurídica e o Decreto-Lei nº 414/71 organizaron o Ministerio da Saúde e de
Asistencia. A pesar de que o sistema naceu con intencións claramente cen-
tralizadoras, artillou unha completa rede de centros de saúde (Centros de
Saúde Concelhios e Centros de Saúde Distritais) en tódolos concellos do
país. Ademais, co obxectivo de cubrir á atención sanitaria nos espazos máis
desfavorecidos do rural e interior, o Despacho de 19 de março de 1975
regulou a creación dun Serviço Médico á Periferia (Remoaldo, 2002). Polo
que respecta á ordenación da Atención Especializada hospitalaria, a Lei
413/71 implantou interesantes esquemas de planificación sanitaria a través
da creación dunha rede hospitalaria que, en coordinación cos respectivos
servizos de atención primaria, estaba estructurada en tres categorías: Hospi-
tais Concelhios, Hospitais Distritais e Hospitais Centrais. Os resultados da
aplicación desta moderna política sanitaria non se deixaron esperar: os
indicadores de saúde da poboación melloraron considerablemente.
En resumo, antes do 25 de abril de 1974, a saúde en Portugal estaba cu-
berta por catro tipos de servizos:
– Misericórdias. Institucións centenarias de solidariedade social.
– Serviços Médico-Sociais. Prestaban coidados médicos ós beneficia-
rios da Federação de Caixa de Previdência.
– Serviços de Saúde Pública. Destinados fundamentalmente á protec-
ción da saúde: vacinacións, protección maternoinfantil, saneamento
ambiental, etc.
198 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

– Hospitais estatais, gerais e especializados. Localizados nas principias


cidades.
– Servizos privados. Atención dirixida ós estratos sociais máis elevados.

A pesar de que algúns autores sitúan a orixe do débil Estado do Benes-


tar portugués nunha etapa entre finais dos anos 1960 e principios dos 1970, o
actual sistema de saúde desenvolveu adecuadamente os seus principios
despois das transformacións sociopolíticas derivadas da Revolución de abril
do 1974. Coa entrada da democracia, afiánzouse o papel do Estado na orga-
nización, financiamento e provisión de servizos sociais en xeral, e sanitarios
en particular. Aceptando ás reivindicacións dos grupos políticos e organiza-
cións sociais progresistas, os artigos 63 e 64 da Constitución da República
do 1976 conságranse a crear o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que xa fora
previamente proxectado no 1974 (Decreto-Lei nº 203). Baseado na universa-
lidade e no carácter gratuíto, o SNS garantiza o dereito á protección da saúde
de tódolos cidadáns. O Estado portugués converteuse no principal financeiro
e provedor. Xunto á construcción de novos dispositivos sanitarios, nacionalí-
zaronse os hospitais das Misericórdias e intégrouse o seu persoal na Función
Pública (Decreto-Lei nº 704/74 e Decreto-Lei nº 618/75). En definitiva, o
Estado portugués pasou a ser o maior propietario e xestor de servizos de
saúde (Santana, 1995). A administración do sistema de saúde é competencia
do Estado, a través do goberno que define a política sanitaria, e o Ministerio
da Saúde, que propón a súa definición promovendo e coordinando a súa
execución. O crecemento na prestación de coidados foi continuo, fundamen-
talmente a causa do aumento da cobertura do sistema público, ata acadar ó
99% da poboación. De forma paralela, advírtese unha notable melloría nos
indicadores de saúde dos portugueses.
A Lei que regulamenta definitivamente o Serviço Nacional de Saúde é
promulgada no 1979 (Lei nº 56/79, coñecida tamén como Lei Arnaud).
Inspirada no modelo inglés do Nacional Health Service (NHS) foi polémica
dende a súa aprobación, debido á introducción de preceptos destinados a
reducir algúns dos principios básicos de gratuidade e universalidade do SNS
asegurados dende 1974. A causa desta regresividade social probablemente
débase a que se fraguou nun momento de transición política e profunda crise
económica, o que dificultou o impulso das políticas sociais ó modo do
ocorrido na Europa occidental nas décadas de 1950 e 1960.

O SNS organizouse como un sistema integrado e dependente do Estado.


Proxectada para dar asistencia universal, incluso ós habitantes estranxeiros,
afrontou á atención sanitaria dende unha perspectiva global: preventiva, de
promoción da saúde, curativa e rehabilitadora. O financiamento corre a
cargo do orzamento do Estado (receitas fiscais). A prestación de servizos é
basicamente pública. Os aspectos positivos incorporados afectaron sobre
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 199

todo á Atención Primaria, á reorganización da rede hospitalaria, na reestruc-


turación dos estudos de Medicina e Enfermería, no control exercido sobre a
medicina privada e ás prestacións e productos farmacéuticos (Santana,
1995). Sen embargo, demasiado pronto adoptou propostas de racionalización
e contención do gasto público a través da reducción do principio de gratui-
dade. A Lei abriu a posibilidade de aplicalas controvertidas taxas moderado-
ras co obxectivo principal, nun primeiro momento, de reducila utilización
dos servizos de urxencia. Ditas taxas concretáronse por un despacho ministe-
rial no 1982 segundo o cal cóbrase unha taxa moderadora en función do tipo
de hospital, máis alta canto maior sexa a categoría do centro: Hospital Con-
celhios, 150$00; Distritais, 250$00 e Centrais, 300$00. En xeral, os estratos
de poboación de menos recursos están ó marxe do pago das taxas. No 1983 e
1987 reformuláronse e actualizáronse os valores das mesmas e, xa no 1992,
de acordo co regulamentado na actual Lei de Bases de Saúde do 1990,
ampliouse a aplicación das taxas ás urxencias e servizos de apoio diagnósti-
co e terapéutico en réxime ambulatorio (Remoaldo, 2002). Este retroceso do
Estado Social xa durante a primeira metade dos 1980 ten graves consecuen-
cias sobre a distribución dos gastos en saúde. Durante este período, o Go-
berno diminuíu de forma alarmante ós investimentos no sector público (de
ata un 7,5%) a favor do privado, que chegou a incrementala súa participa-
ción nun 45%. Os cambios son de tal entidade que, para algúns autores, as
políticas sociais do Estado-Providencia portugués inscribíanse máis na
posibilidade de satisfacción das esixencias de sectores diferenciados que
dunha política estructural de reorganización dos servizos sociais (Mozzica-
fredo, 2000).
A organización sanitaria complétase coa aprobación de dous decretos
leis no 1982 e 1983: o Decreto-Lei nº 254 creou as Administraçoes Re-
gionais de Cuidados de Saúde (ARS) e o Decreto-Lei nº 74c/84 a Direcçao
Geral de Cuidados de Saúde Primários. Como resultado, o SNS artíllase en
tres niveis: central (Administração Central de Saúde: departamentos de
Cuidados Primàrios e Diferenciados), rexional (Administraçoes Regionais de
Saúde) e local (hospitais de distinto nivel, centros de saúde e extensões).

3.2. O cuestionamento do sistema e a introducción de novos mode-


los de xestión e provisión (1989-2013)

Os Gobernos de Cavaco Silva (1985-1995) comezaron a introducir me-


didas de política sanitaria favorables á expansión da financiación e a presta-
ción privada. Nun entorno económico internacional crecentemente competi-
tivo, Portugal optou por moderar a expansión do gasto e permitir ao sector
privado ampliar a súa representatividade dentro do sistema sanitario, aínda
cando o discurso político seguía subraiando a adhesión ao modelo do SNS
200 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

(Asensio, 2008). Portugal foi un dos países pioneiros en Europa na posta en


dúbida do propio sistema de saúde á procura da contención de gastos. Xus-
tamente, cando a aplicación do sistema parecía concluír en melloras asisten-
ciais e de indicadores de saúde, o Estado inicia no 1980 un novo modelo de
prestación de coidados diferente ó configurado na Constitución da Repúbli-
ca. Asístese a unha desvalorización dos dereitos sociais, a unha perda de
calidade nos servizos e a unha crecente presenza das entidades privadas
como productoras de bens e servizos. A consolidación da reforma sitúa ó
Estado como mero financiador da sanidade. Ante o descrédito e crise dos
servizos públicos, a poboación centrou a súa confianza nun sector privado
cada vez máis primado. Os últimos cambios introducidos permítenos afirmar
que, actualmente, o sistema sanitario portugués pode definirse como mixto.
O proceso de reforma do sistema iniciados a principios dos anos 1980
confírmanse a finais da década coa chegada dun Goberno á presidencia da
República de signo conservador. Na mesma liña que as reformas parciais
aprobadas ó longo da década, a revisión da Constitución da República apro-
bada no 1989 substitúe a gratuidade no acceso ós coidados de saúde para
toda a poboación por un carácter tendencialmente gratuíto, en función das
condicións económicas e sociais dos cidadáns. A consecuencia foi a non
gratuidade do SNS e o asino de convenios entre o Estado e as entidades
privadas para a prestación de servizos. Este desvío orzamentario estatal cara
mans privadas provocou a devaluación do propio SNS e a valoración do
sector privado como alternativa ó sistema público. Así, ó Estado cabe a
producción de custos elevados (hospitais), mentres o sector privado fíxase na
prestación de actos médicos menos penalizantes, en termos de investimento
e custos de financiamento, e sobre todo máis lucrativos (Santos, 1987). O
Serviço Nacional de Saúde deixa de ser universal e de balde a se clasifica
como selectivo e inxusto.
Se na década dos 1980 o obxectivo principal da política de saúde con-
sistiu en garantizar o acceso de tódolos cidadáns ao sistema de saúde, nos
anos 1990 o propósito da universalización abriu paso aos obxectivos de
mellora da calidade dos servizos e eficiencia na xestión dos recursos públi-
cos destinos a financiar a sanidade (Lucena, Gouveia e Barros, 1996). Unha
búsqueda da eficiencia que, sen embargo, insiste na erosión do antigo SNS, a
través de reformas parciais que afectan ós preceptos básicos do sistema. No
1990 aprobouse unha nova lei sanitaria, a Lei 48/90 de Bases de Saúde. O
seu principal obxectivo é dar cobertura xurídica ás novas propostas deseña-
das ó longo da década pasada polo que afecta ó financiamento e á organiza-
ción, xestión e prestación de servizos por parte do Estado portugués. Esta
ampla reforma modificou estructuralmente o tipo de financiamento (respon-
sabilidade conxunta do Estado e dos cidadáns nun sistema de libre elección
no financiamento e prestación da atención sanitaria), a gratuidade (xunto ás
taxas moderadoras xa existentes, amplíanse as posibilidades para o pago das
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 201

prestacións a través sector privado: pago por acto médico e a través de


compañías de seguros privados) e o acceso ás prestacións do SNS (a presta-
ción de coidados pode asegurarse por medio de organizacións externas ó
sistema público) (Cabeza e Gonçalves, 1998).
Coa nova lei, o sistema de saúde está constituído polo Serviço Nacional
de Saúde, que está formado por tódalas entidades públicas de carácter sanita-
rio, ademais das privadas e dos profesionais en réxime liberal. Defínese
como universal, tendencialmente gratuíto, equitativo, de organización rexio-
nalizada e xestión descentralizada. O financiamento procede do Orzamento
do Estado aínda que, coa finalidade de completalas medidas reguladoras do
uso dos servizos, poden ser cobradas taxas moderadoras ós pacientes ou á
poboación beneficiaria. É dicir, instáurase o principio de responsabilidade
conxunta dos cidadáns, da sociedade e do Estado para o financiamento do
pagamento, a cambio da liberdade na procura e na prestación de coidados. A
victoria das teses neoliberais e a admiración polos modelos de xestión da
empresa privada explica que, por exemplo, na Base XXXVI se anote que a
xestión das unidades de saúde (hospitais e centros de saúde) deben obedecer
ás regras flexibles e innovadoras da xestión empresarial. O apoio mostrado
polo Estado ó sector privado (Base XXXVII) pode traducirse, entre outras
avantaxes, no aumento de facilidades para propiciala mobilidade do persoal
do SNS que desexe traballar no privado, na concesión de incentivos para a
creación de unidades privadas e, incluso, na reserva de cuotas de interna-
mento para este sector nas regiãos de saúde. Os principios básicos da lexisla-
ción sanitaria portuguesa son de obrigado cumprimento para todo o país
(Continente e illas). Non obstante, de acordo coa Lei de bases do 1990, os
órganos de goberno das regiões autónomas das Açores e de Madeira teñen as
competencias necesarias para definir e executar a súas respectivas políticas
sanitarias en materia de organización, funcionamento e rexionalización dos
servizos de saúde. A organización, funcionamento e xestión do Serviço
Nacional de Saúde regúlase a través do Decreto-Lei nº 11/93.
O proceso descentralizador recibe un impulso importante no 1993 coa
aprobación do regulamento das Administraçoes Regionais da Saúde (Decre-
to-Lei nº 335/93). Éstas son entidades colectivas públicas dotadas de auto-
nomía administrativa e financeira e de patrimonio propio, baixo a tutela do
Ministro da Saúde. A partir destas datas asístese a un contido aumento dos
gastos públicos de forma correlativa ó lixeiro incremento do gasto sanitario
total, debido fundamentalmente a factores demográficos (avellentamento),
de crecemento do gasto en tecnoloxía sanitaria e do elevado consumo de
productos farmacéuticos.
O longo proceso de reformas require unha necesaria regulamentación
normativa. Progresivamente, a Lei de Bases de Saúde do 1990 é parcialmen-
te derogada por toda unha serie de novidades normativas. En consecuencia,
un dos períodos de maior actividade lexislativa desenvólvese a partir do
202 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

1999. A intención é regular a organización da atención primaria e secunda-


ria. Primeiro, nun mesmo día (10 de maio) do 1999 aprobáronse os decretos-
-leis números 156/99 (réxime dos sistemas locais de saúde) e 157/99 (réxime
de creación, organización e funcionamento dos centros de saúde) que,
parcialmente, derogan preceptos da Lei do 1993 e artigos do Estatuto do
SNS. Dous anos máis tarde, a reestructuración interna do Ministerio afrónta-
se coa aprobación da Lei Orgánica do Ministerio da Saúde (Decreto-Lei nº
257/2001, de 15 de Janeiro. Alteração polo Decreto-Lei nº 257/2001 de 22
de setembro). Unha lei que aposta, por un lado, polo aumento das atribucións
concedidas á Direcçao-Geral da Saúde e, por outro, polo acompañamento de
medidas de descentralización das intervencións operacionais do Ministerio
cara as regiões. A Direcçao-Geral da Saúde pasa a concentrar tódalas com-
petencias anteriormente distribuídas entre as direcçoes gerais de Cuidados
Primarios, dos Hospitais e do Departamento de Estudos e Planeamento.
Nestes mesmas datas destacan tamén dúas novas modificacións normativas:
unha destinada a dar un novo réxime xurídico de xestión hospitalaria (Lei nº
27/2002) e, a segunda, dirixida á creación da rede de coidados de saúde
primarios (Decreto-Lei nº 60/2003). A Lei nº 27 da unha nova redacción a
catro bases da Lei 48/90 e aproba un novo réxime xurídico da xestión hospita-
laria diferenciando entre aqueles hospitais do sector público administrativo
(SPA) (establecementos públicos e establecementos con natureza empresarial),
sociedades anónimas de capitais públicos e establecementos privados. A
modificación da Base XXXVI da lei do 1990 posibilita tamén a creación de
unidades de saúde con natureza de sociedades anónimas de capitais públicos.
O Decreto-Lei nº 157/99, do 10 de maio, é revogado e substituído ós ca-
tro de anos da súa aprobación polo Decreto-Lei nº 60/2003, de 1 de abril,
que crea a rede de cuidados de saúde primarios de Portugal. Definitivamen-
te, entramos nunha nova fase do proceso de reforma do sistema de saúde
público. Ata agora, foran introducidas reformas para a privatización parcial
da xestión e a prestación de servizos na atención especializada. Pero este
novo marco xurídico significa estender o modelo de atención sanitaria mixta
á Atención Primaria. O reducido articulado da Lei (31 artigos) vai dirixido
exclusivamente a regular a total incorporación do sector privado na Atención
Primaria. Todo o capítulo IV da Lei está destinado ós novos modelos de
xestión e prestación de coidados de saúde primarios. Está norteada polo
principio da diversidade na oferta e pola liberdade de escolla de coidados. E,
en ningún momento, proxecta estructurar redes de coidados, tal e como
enuncia o título da Lei. Unha norma que abre a posibilidade de optar por
esquemas totalmente privados na xestión e provisión de servizos para o
primeiro nivel de asistencia. A privatización do sistema de saúde, cara unha
atención sanitaria mixta, abandona definitivamente a ambigüidade.
O Goberno portugués, excesivamente preocupado polo crecemento
“descontrolado” dos gastos públicos, substitúe o sistema público tradicional
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 203

centralizador e burocratizado por unha nova rede integrada de servizos de


saúde onde, xunto o papel do Estado, poidan coexistir entidades de natureza
privada e social, coa intención de crear unha renovada rede de servizos
primarios de saúde. Dita rede está constituída polos servizos públicos de
prestación de coidados de saúde primarios, dotados de autonomías técnica e
administrativa (centros de saúde), as entidades privadas (con ou sen ánimo
de lucro) e os profesionais en réxime liberal que presten coidados de saúde
primarios a enfermos do SNS en termos de contratos ou acordos de coopera-
ción. Así, a partir deste momento, os consellos de administración das Admi-
nistraçoes Regionais de Saúde (ARS) poden celebrar contratos de servizos
con entidades privadas, cooperativas de profesionais da saúde e médicos
para prestación de coidados de saúde primarios para pacientes do SNS. Dado
que o mercado sanitario privado non é perfecto, este sistema non está en
condicións de asegurar o principio de equidade. Aínda que determinados
espazos urbanos poden verse parcialmente beneficiados cun aumento da
oferta de certa calidade, non sucede o mesmo cos barrios máis desfavoreci-
dos das urbes e coas áreas rurais máis pobres e inaccesibles, espazos estes
últimos pouco atractivos para o capital privado.
O Goberno do socialista José Sócrates impulsou dende 2005 unha nova
reforma do SNS, de forte resistencia ideolóxica e política, no marco de recon-
figuración do Estado do Benestar portugués. Así, recén chegado ao Goberno,
Sócrates creou o Alto Comisariado da Saúde (ACS) co obxectivo de artellar e
ordenar as políticas públicas derivadas do Plan Nacional de Saúde 2004-2010
(PNS). Pero os posibles éxitos da reforma enseguida fóron abandoados polo
triunfo das teses da dereita liberal e polo comezo dunha grave crise económica
e financieira que está rematando por destruir o Estado social portugués.
A introducción de taxas moderadoras non é algo novo no sistema portu-
gués pero, no marco de reducción do déficit público por imposición da
Unión Europea, están a ser especialmente elevadas nos últimos anos. Que-
dan excluídos do seu pago (total ou parcial) detrminados colectivos ou
persoas. Entre éstes se diferencia entre aquelas persoas con insuficiencia
económica (rendimento medio mensual igual ou inferior a 628,83€ -485€ no
31.12.11-, e os novos desempregados inscritos nos centros de emprego, os
seus conxuges e dependentes menores – com subsidio de desemprego até
628,38€/mes-) e os catalogados como sen insuficiencia económica (idade
menor ou igual a 12 anos, embarazadas e parturientes, transplantados, inca-
pacidade igual ou superior a 60%, militares e ex-militares con incapacidade
permanente, bombeiros en razón do exercicio da súa atividade). As taxas
abarcan practicamente tódolos aspectos da sanidade, incluidas as probas
encargadas polo médico que tamén supoñen un coste para o usuario: análisis
de sangue, ecografías, radiografías... Ademais, as autoridades do país están a
pór en marcha unha nova reforma: a centralización das urxencias. Esta
proposta é similar á concentración de servizos que Galicia implantou a finais
204 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

dos 1990 e que supuso o peche de numerosos puntos de atención en núcleos


pequenos e a conseguinte concentración en localidades de referencia. Na
práctica, esta decisión supón para moitos pacientes un aumento importante
da distancia para o acceso ás urxencias e, consecuentemente, una decisión
con importantes consecuencias sociais e territoriais. (Cadro 1).

Cadro 1 – Valor das taxas moderadoras no SNS portugués reguladas no 2012

Fonte: Portal de Saúde (http://www.portaldasaude.pt/portal).

Estes cambios organizativos e na estructura do sistema ten a súa corres-


pondencia na orixe e distribución do financiamento da sanidade. A mediados
da década do 1990, estimouse que o 55,2% dos gastos totais da saúde en
Portugal son financiados a través do Orzamento do Estado; o 6% provén dun
modelo de seguro social pagado con fondos de saúde de matriz profesional;
o seguro voluntario financiado individualmente absorbe o 1,4% do total e,
finalmente, o 37,4% derívase do pagamento directo (Baganha, Sousa e Pires,
2002). Esta distribución verase fortemente alterada nos seguintes anos.
Según datos provisionais do 2011 publicados pola OCDE, o 64,1% do
financiamento procede dos orzamentos das administracións públicas, o 1,4%
da Seguridade Social, o 5% dos seguros privados e o 28,9% do pago privado
directo. Máis testimonial, o 0,1% e o 0,5% proceden de organizacións sen
ámino de lucro e outro tipo de corporacións, respectivamente.
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 205

Polo tanto, a feble construcción do Estado social portugués deriva no


progresivo abandono dos principios básicos do modelo Beveridge implanta-
dos na década dos 1970. Moitos autores eran partidarios de catalogar o
sistema portugués, xa no 1990, como mixto, pola convivencia de diferentes
modelos de pagamento e pola complexa coexistencia de organismos. As
reformas que están a ser introducidas nos últimos anos significan a non
gratuidade do sistema, incluidas as receitas farmacéuticas (os medicamentos
teñen diferentes prezos en función do réxime do paciente), e o conseguinte
copago para ir ao médico de familia ou recibir a maioría de atencións e
servizos sanitarios. Asemesmo, os cambios nas estructuras da Atención
Primaria están a ser importantes na última década. Reformas cara a privati-
zación producidas con anterioridade a Galicia pero que non son alleas a
outros territorios do Estado español como Cataluña (1996), Comunidade
Valenciana (1999) ou, de maneira moi acusada, en Madrid (2012 e 2013).
Pola súa parte, as modificacións na regulamentación da atención hospitalaria
xa estaban a ser introducidas dende hai algúns anos, pero cun novo ritmo de
desenvolvemento en datas recentes. Hai cerca de dez anos que se iniciou o
programa de empresarialización dos hospitais. Un novo modelo xurídico
onde cada hospital recibe financiamento en función da súa actividade efecti-
va, moi na liña das últimas reformas cara a privatización. A terminoloxía
utilizada é moi gráfica da organización e xestión programada: cada centro
ten que elaborar Planos de Negocio e, según o Despacho nº 2508/2012, de
10 de decembro, cada un dos hospitais e unidades de saúde teñen que elabo-
rar planos estratéxicos.

3.3. A vertebración do sistema sanitario dende Galicia

A inexistencia dun auténtico sistema de saúde en España ata hai menos


de tres décadas, incidiu de maneira especialmente negativa nun territorio
como Galicia, semiperiférico, rural e con baixos niveis de rendas. A presta-
ción sanitaria entendida como beneficencia, cargada ademais de múltiples
connotacións caritativas de carácter relixioso, estivo presente durante todo o
século XIX e boa parte do XX. Un bo exemplo é a longa duración dos pre-
ceptos e da filosofía da primeira lei de sanidade española, a Ley sobre el
Servicio General de Sanidad de 1855. No 1911, Lugo e Ourense atopábanse
entre as provincias españolas con máis deficientes dotacións en instalacións
sanitarias de todo o Estado. Por exemplo, Ourense tiña de media unha cama
hospitalaria por aproximadamente cada 100.000 habitantes. O curto período
progresista e innovador da Segunda República foi substituído pola asistencia
social caritativa desenvolvida durante ó período da dictadura militar do
Xeneral Franco. No 1944, aprobouse a Ley de Bases de la Sanidad Nacional,
tan insolidaria coma incapaz de construír un sistema de saúde. A lei reafir-
206 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

mou a estatalización da sanidade, pero entendida baixo criterios centralistas


e sostida cada vez menos por medio dos entes locais (Múñoz, 1995). Unha
vez máis optouse por modelos benéficos. As clases acomodadas podían
permitirse unha asistencia completa e de certa calidade, os pobres tiñan que
valerse dun sistema inxusto e insolidario (beneficencia), e as clases medias
non recibían axuda algunha ó non estar clasificados legalmente como pobres.
Neste caso, o Estado fomentaba a previsión aconsellando o aforro. En pleno
desarrollismo español, aprobouse a Ley Reguladora de Hospitales do 1962
que deu lugar a creación dun ambicioso plan nacional de construccións
hospitalarias. Como resultado, na segunda metade da década do 1960 abor-
douse a construcción de grandes centros hospitalarios co obxectivo de de-
mostrar o suposto elevado nivel de desenvolvemento de España tamén na
atención sanitaria. O teórico despegue da economía española e a apertura
internacional supuxeron a inauguración de hospitais e a multiplicación de
camas polas cidades españolas, pero cunha demostrada ausencia de coheren-
cia e de criterios planificadores. Entre outros, o Hospital Xeral de Vigo, o
antigo Xeral de Santiago ou o Juan Canalejo de A Coruña son resultado
desta política hospitalaria. A concentración de recursos nas cidades e o
practicamente nulo desenvolvemento da Atención Primaria contribuíu deci-
sivamente ó aumento dos desequilibrios urbano-rurais en Galicia. Proceso,
ademais, que coincide co declive dos espazos rurais e interiores do país
(despoboamento, éxodo rural, crise do sector agropecuario, etc.).
A Constitución Española do 1978 constitúe a base xurídica fundamental
na formación do sistema de saúde de Galicia, polo que afecta á definición do
modelo de organización territorial do Estado e polos principios básicos que
anos máis tarde tivo que conter a Ley General de Sanidad do 1986. A Cons-
titución promulga a descentralización administrativa e o reparto de compe-
tencias entre o Estado e as Comunidades Autónomas. Adquiriuse o compro-
miso de transferila sanidade a tódalas autonomías, así como as funcións do
INSALUD (Instituto Nacional de Salud) ás denominadas Comunidades
históricas (Cataluña, País Vasco e Galicia). Dentro do marco que prevén os
artigos 148 e 149 da Constitución Española, en orde á distribución de com-
petencias entre o Estado e as Comunidades Autónomas, o Estatuto de Auto-
nomía de Galicia asume plena capacidade para o desenvolvemento normati-
vo e a execución da lexislación básica do Estado en materia de sanidade
interior. As primeiras transferencias da administración do Estado á Comuni-
dade Autónoma de Galicia producíronse a finais da década de 1970. A
Consellería de Sanidade e Seguridade Social asumiu as competencias e
funcións en saúde pública. Uns anos máis tarde, no 1982, Galicia obtivo
novos poderes en materia de servizos e asistencia social, reforzou as fun-
cións da mencionada Consellería e comezou a regular a organización da
Atención Primaria e Especializada. No 1985, concretáronse as transferencias
á Comunidade Autónoma das funcións e servizos da Administración Central
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 207

do Estado en relación coa Administración Institucional de Sanidad Nacional


(AISNA).
En España, a victoria electoral do Partido Socialista (PSOE) nas elec-
cións de outubro do 1982 foin decisivas para a modernización do sistema
sanitario, o reforzamento da sanidade pública, a universalización na cobertu-
ra sanitaria e na continuidade do principio descentralizador. A reforma
socialista avogaba pola creación dun sistema sanitario público unificado e
descentralizado a nivel das Comunidades Autónomas. No 1986 aprobouse a
transcendental, e aínda vixente, Ley 14/1986, de 25 de abril, General de
Sanidad. O desartellado sistema precedente ó aborda a través do impulso
proporcionado ó principio integrador. O Sistema Nacional de Salud (1987)
pasou a integrar tódolos subsistemas públicos (Seguridade Social, Benefi-
cencia, AISNA, etc.). Pero o que máis nos interesa para Galicia é que o eixo
do modelo da lei do 1986 é a Comunidade Autónoma.
A construcción do sistema galego propiamente dito fragouse entre finais
da década do 1980 e principios da do 1990. A Xunta de Portavoces do
Parlamento de Galicia acordou o 26 de febreiro do 1988 a tramitación do
Proxecto de Lei polo que se crea o Servizo Galego de Saúde (SERGAS). Un
ano despois, regulamentouse a Lei 8/1989, do 2 de xaneiro, do Servicio
Galego de Saúde. Uns meses máis tarde, o Decreto 148/1989, do 26 de
xullo, estableceu a estructura e funcións dos órganos de xestión do Servicio
Galego de Saúde. E un ano despois aprobouse o Real Decreto 1.679/1990,
do 28 de decembro, sobre o traspaso á Comunidade Autónoma de Galicia
das funcións e servicios do Instituto Nacional de Salud. Os cargos e servizos
do Insalud en Galicia traspasáronse definitivamente á Consellería de Sanida-
de e Servizos Sociais da Xunta de Galicia, incluídos os recursos humanos e
materiais sanitarios desta Comunidade, conferidos ó Sergas. Este feito
permitiu desenvolver as funcións e as competencias sancionadas tanto na
Ley General de Sanidad do 1986 como na Lei do Servizo Galego de Saúde
do 1989. No 1991, co obxectivo de adaptarse á nova situación, acordouse a
reforma da lei do Sergas (Lei 8/1991, do 23 de xullo, de reforma da Lei
1/1989 do Servicio Galego de Saúde). Entre as modificacións promulgadas
(funcións, estructura interna, persoal, etc.) destacamos o artigo 3, segundo o
cal entre as funcións do Sergas engádese a xestión dos centros, servizos e
establecementos sanitarios do Sergas e dos adscritos funcionalmente a el, así
como a formalización e actualización de acordos, convenios e concertos coas
entidades non administradas pola Comunidade Autónoma. Con isto, ábrese a
posibilidade de introducir cambios no sistema de prestación de servizos
sanitarios. Ós poucos anos, o sector privado participará activamente nos
coidados de saúde, sobre todo especializados, do SNS.
A finalidade do Sergas é a xestión dos servizos sanitarios de carácter
público dependentes da Comunidade Autónoma de Galicia e a coordinación
integral de tódolos recursos sanitarios e asistenciais existentes. Constitúese
208 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

como un organismo autónomo de carácter administrativo, dotado de perso-


nalidade propia, adscrito á Consellería de Sanidade, que é a encargada de
exercer a dirección e o control do mesmo. Entre as funcións do Sergas
destacan catro principias: o desenvolvemento das diferentes áreas que com-
poñen o concepto integral da saúde (física, mental, social ou de relación,
ecolóxica ou ambiental), a xestión da sanidade en tódalas súas facetas (in-
formación e educación sanitaria, promoción da saúde e prevención da en-
fermidade, asistencia, rehabilitación e reinserción social), a execución e
desenvolvemento dos programas de docencia e investigación, e a xestión das
prestacións farmacéuticas.
Un fito importante na formación do sistema de saúde galego foi a incor-
poración de principios de planificación sanitaria. O artigo 54 da Ley General
de Sanidad esixe que cada Comunidade Autónoma elabore un Plan de Saúde
que comprenda tódalas accións sanitarias necesarias para cumprir cos obxec-
tivos dos seus servizos de saúde. Igualmente, o artigo 4 da Lei do Sergas do
1989 e a reforma do 1991 manifestan a obrigatoriedade de deseñalos crite-
rios para a planificación sanitaria de Galicia e de propoñer ó Consello da
Xunta de Galicia, para a súa aprobación, o Plan de Saúde da Comunidade
Autónoma. Definitivamente no 1993, por primeira vez dende Galicia, pre-
sentouse o denominado Plan de Saúde de Galicia, 1993-1997. Aínda que
debemos valorar moi positivamente a introducción da planificación na
sanidade galega mediante un plan de saúde ambicioso e teoricamente ben
plantexado, é pouco realista de aí que non lograra cumprir con tódolos seus
obxectivos. Con certo atraso, o segundo plan foi o Plan de Saúde de Galicia,
2002-2005. O último é o Plan de Saúde 2006/2010. Tomamos moi en serio a
túa saúde. Seguindo esta liña planificadora, no 2011 publicouse o denomi-
nado Plan de Prioridades Sanitarias 2011-2014. No caso de Portugal, o
vixente publicouse no 2010: Plano Nacional de Saúde 2011-2016.
Todo este proceso de xestación e desenvolvemento do sistema de saúde
galego coñeceu un importante impulso cos novos traspasos de servizos á
administración pública sanitaria (SNS). No 1994, os hospitais de dependen-
cia municipal (como o Nicolás Peña de Vigo) foron transferidos á Comuni-
dade Autónoma. Ademais dende xaneiro do 1996, os centros e servizos
dependentes das deputacións provinciais, onde destacan os hospitais, pasan a
depender do Sergas. E, finalmente, en febreiro deste mesmo ano regulouse o
traspaso á Comunidade Autónoma das funcións e servizos da Seguridade
Social en materia de asistencia sanitaria (Instituto Social de la Marina).
Dende o 1 de marzo do 1996, éstes dependen a tódolos efectos do Sergas.
Esta situación deu lugar a que un único sistema de saúde público sexa o
encargado da organización e xestión da sanidade galega, o cal facilita a
racionalización dos recursos, unha xestión máis eficiente dos servizos e o
establecemento dunha ordenación sanitaria máis adaptada ao noso territorio
e estructuras demográficas. A administración pública galega planifica a
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 209

política sanitaria e é propietaria dos recursos aquí instalados, pero ata moi
recentemente non delimitou normativamente e de maneira global todas estas
avantaxes. Coas excepcións das comunidades autónomas que asumiron
plenas competencias recentemente, Galicia foi una das últimas autonomías
coa totalidade das competencias sanitarias trasnferidas en aprobar un com-
pleto marco normativo que ordene os seus servizos sanitarios. O primeiro
Plan de Saúde anunciou a intención de presentar unha lei de sanidade duran-
te o 1993-1994. Cun importante atraso, no 1998 preséntouse o Anteproxecto
de Lei de Sanidade de Galicia. Unha proposta moi polémica por canto
defendía unha importante reforma do sistema. A oposición social e política
aconsellou a paralización do proceso lexislativo cando, en realidade, non era
máis que a constatación, por medio dunha norma, das reformas parciais xa
postas en marcha dende hai anos, tendentes á privatización encuberta da
xestión e provisión de servizos sanitarios públicos. Pasados cinco anos, a
Xunta de Galicia anuncia o controvertido Proxecto de Lei de Sanidade de
Galicia. Introducíronse cambios respecto ó Anteproxecto do 1998, pero os
principios básicos do futuro sistema de saúde non difiren da primeira idea.
Mediante múltiples e complexas formas de organización empresarial, o
sector privado recebe un impulso sen precedentes na xestión e provisión de
coidados do SNS. Finalmente no 2003 aprobouse a non menos polémica Lei
de Ordenación Sanitaria de Galicia (LOSGA) e, no 2008, o novo goberno
de coalición de esquerdas (PSdeG-PSOE e BNG) aprobou a denominada Lei
8/2008, do 10 de xullo, de saúde de Galicia.

3.4. A conclusión dun proceso: o paso dun sistema público integra-


do a un sistema público de contrato

Se cando analizabamos o caso portugués concluíamos certificando a


evolución cara un sistema de saúde mixto, Galicia optou dende o momento
en que asumiu plenas competencias na materia, por incorporar propostas
neoliberais para a organización do SNS. En poucos anos, evolucionouse
dende un sistema socializado e baseado no antigo SNS cara un modelo
esencialmente regulado, é dicir que utiliza instrumentos de planificación
selectivos para regular e guiar os diferentes mercados sanitarios. Moitos
foron os factores que influíron neste proceso. Entre todos eles, destacariamos
tres principais: a) a influencia das experiencias de reforma desenvolvidas en
países do noso entorno (Holanda, Reino Unido, Suecia, Portugal, etc.); b) a
importancia e as presións exercida polo mercado sanitario privado nos
órganos de decisión gubernamental; e c) o crecente dominio do pensamento
liberal e a crise do xoven Estado do Benestar español. As transferencias a
Galicia coincidiron cun cambio fundamental na política sanitaria deseñada
dende o goberno central en Madrid que, se ben non se traduciron en refor-
210 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

mas inmediatas, si foron decisivas para a introducción de cambios paulatinos


no sistema. A presentación do denominado Informe Abril no 1991, auspicia-
do polo Grupo Parlamentario del Centro Democrático y Social (CDS) e
realizado por unha comisión dependente do Consejo Interterritorial del
Sistema Nacional de Salud, describiu e avaliou o sistema, afondando nas
súas debilidades para, a continuación, presentar recomendacións para a súa
mellora. Este informe aconsellou aplicar reformas con enfoques próximos a
unha organización de carácter empresarial (introducción do sector privado a
través do establecemento de concertos, creación de novas institucións tipo
fundacións ou institutos de carácter público-privado, etc.). Moitas das súas
recomendacións foron recollidas polos servizos rexionais de saúde e polo
propio Insalud.
A pesar de que o financiamento continúa a ser público, Galicia é un bo
lugar onde analizar o proceso de privatización na xestión e provisión de
servizos sanitarios públicos. Despois de Cataluña, o noso país está entre os
pioneiros do Estado na aplicación das novas formas de privatización do
SNS. Mentres que nos primeiros anos da formación do sistema de saúde, a
Xunta de Galicia centrou os seus esforzos no aumento do investimento
público para a construcción e reforma dos dispositivos sanitarios, principal-
mente de centros de saúde, toda unha serie de reformas parciais escasamente
articuladas desenvólvense a medida que avanza a década do 1990. No seu
conxunto, os cambios na xestión de determinados servizos e o papel que
pasan a desempeñar os novos provedores permiten definir á sanidade galega
actual como de tipo mixto. Unha evolución visible a través de catro procesos
de privatización. Primeiro, o establecemento de concertos entre o SNS e o
sector privado para a prestación de determinados servizos (hospitalización,
consultas, transporte urxente, etc.). A Comunidade Autónoma de Galicia
destinou máis de 137 millóns de euros no 2001 a facturar os servizos concer-
tados máis importantes e algo menos de 94 millóns no 2007. É interesante
destacar o descenso detectado nos últimos datos do 2007, ano que coincide
co goberno de coalición integrado por socialistas e nacionalistas (táboa 3).
Dende este ano, as memorias do Sergas non presentan datos ao respecto. En
segundo lugar, a creación de sociedades mixtas para a xestión de determina-
dos recursos sanitarios, con referencia especial ás fundacións públicas hospi-
talarias. Terceiro, o Sergas dispón para a prestación dos servizos asistenciais
dunha rede sanitaria integrada por hospitais propios con poboación de refe-
rencia pero tamén dun número importante de hospitais privados complemen-
tarios, que sen ter asignada poboación, prestan servizos concertados. Por
último, o aumento na contratación de servizos externos de carácter privado
como hostalaría, mantemento, seguridade, lavandería pero tamén de probas
diagnósticas tipo análises clínicos, está a converterse nunha práctica habitual
en beneficio de empresas privadas.
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 211

Táboa 3 – Facturación, en euros, dos servizos privados


concertados polo Sergas
ANO 2001
A Coruña Lugo Ourense Pontevedra Galicia
Hospitalización
36.211.085,27 5.610.596,35 9.642.883,99 69.676.571,62 121.141.137,22
e consultas
Centros de
7.361.339,21 2.513.537,62 1.324.592,04 3.315.484,42 14.514.953,28
diálise
Centros de
358.565,65 242.086,71 38.152,80 970.966,16 1.609.771,32
rehabilitación
Centros de
- 15.298,47 - 155.987,50 171.285,98
logopedia
TOTAL 43.930.990,13 8.381.519,15 11.005.628,83 74.119.009,7 137.437.147,8
ANO 2007
A Coruña Lugo Ourense Pontevedra Galicia
Hospitalización 49.722.967,37
4.829.679,60 3.281.605,99 14.301.264,03 72.135.516,99
e consultas
Centros de 11.511.000,72
3,216,128,02 3.143.031,30 4.943.824,82 19.597.856,84
diálise
Centros de 245.694,97 246.959,90 1.361.758,44 1.854.413,31
-
rehabilitación
Centros de 47.045,47
- 53.103,82 204.056,26 304.205,55
logopedia
TOTAL 61.479.663,06 8.345.871,34 6.471.682,76 16.360.903,55 93.891.992,69

Fonte: Servizo Galego de Saúde.

Cada vez é unha práctica máis habitual o establecemento de concertos


entre o Sergas e os hospitais privados (cobertura en determinadas consultas e
progas diagnósticas especializadas e en cirurxía) co obxectivo de reducilas
listas de espera do SNS. Unha estratexia máis de privatización da sanidade
onde, en vez de incrementalo patrimonio público e a xestión directa por parte
do Sergas, optase por un tipo de prestación non pública para a poboación
adscrita á Seguridade Social. Así, un total de vintecatro centros hospitalarios
do país teñen asinado algún tipo de concerto co Sergas. Unha clase de con-
venios altamente beneficiosos para o sector de pago dado que, segundo
revelan distintos estudios, esta colaboración público-privado é o sustentador
principal de moitos hospitais, sobre todo os de pequeno tamaño, e o factor
máis importante para explicalo actual fortalecemento do sector sanitario
privado galego (González, 2002). Independentemente do caso das funda-
cións públicas, o exemplo de privatización na provisión de atención sanitaria
máis importante é o concerto especial asinado con PO.VI.SA., segundo o
cal, este pasa a ser o hospital de referencia para uns 150.000 habitantes do
Área de Saúde de Vigo. (Cadro 2).
212 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Cadro 2 – Relación nominal dos centros de hospitalización e consultas


concertados co Sergas no 2007
NOME DO CENTRO CONCELLO
Centro Oncolóxico de Galicia A Coruña
Instituto Policlínico Santa Teresa, S.A. A Coruña
Instituto Médico Quirúrgico San Rafael A Coruña
Sanatorio Quirúrgico Modelo, S.A. A Coruña
Hospital General Juan Cardona Ferrol
Instituto Policlínico La Rosaleda, S.A. Santiago de Compostela
Sanatorio Nuestra Señora de la Esperanza Santiago de Compostela
Fundación Pública Instituto Galego de Oftalmoloxía Santiago de Compostela
Fundación Pública Hospital Virxe da Xunqueira Cee
Fundación Pública Hospital da Barbanza Ribeira
Policlínico Lucense, S.A. Lugo
Sanatorio Nosa Señora dos Ollos Grandes Lugo
Cooperativa Sanitaria Gallega (CO.SA.GA.) Ourense
Centro Médico del Carmen, S.A. Ourense
Fundación Pública Hospital Verín Verín
Hospital Miguel Domínguez Pontevedra
Sanatorio Marescot, S.L. Pontevedra
Sanatorio Santa María, S.L. Pontevedra
Sanatorio Nuestra Señora de La Merced, S.L. Pontevedra
Centro Médico Galego, S.A. (Clínica Fátima) Vigo
Hospital de la Cruz Roja Vigo
Policlínico de Vigo, S.A. (POVISA) Vigo
Instituto Galego de Medicina Técnica, S.A. (MEDTEC) Vigo
Fundación Pública Hospital Comarcal de O Salnés Vilagarcía de Arousa
Fonte: Secretaría Xeral Técnica da Consellería de Sanidade (2008) Sistema público de saúde
de Galicia. Memoria 2007.

En segundo lugar destacábamos o impacto producido pola creación de


sociedades de xestión de carácter mixto. Por un lado, o papel desempeñado
por distintos organismos (institutos ou fundacións) con funcións primordial-
mente de xestión e organización. Por outro, está a práctica común dende o
1993 de constituír os hospitais comarcais baixo a categoría de fundacións
públicas (Verín, Cee, Barbanza e Salnés). E entre ambos situamos o controver-
tido Instituto Galego de Medicina Técnica, S.A. (MEDTEC), denominado
durante un curto tempo Fundación Pública Galega de Medicina Xenómica e
actualmente coñecido como Galaria, Empresa Pública de Servizos Sanitarios.
O Medtec creouse en agosto do 1994 como instrumento de diversificación e
dinamización dos provedores de servizos sanitarios públicos de Galicia. So-
ciedade Pública Autómica adscrita ao Sergas, tiña como obxectivos a xestión
sanitaria, a consultoría especializada e as prestacións sanitarias de alta tecno-
loxía. Inicialmente, as súas actuacións máis destacadas foron a posta en fun-
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 213

cionamento de unidades de alta tecnoloxía (cirurxía cardíaca, medicina nu-


clear, radioterapia e radiodiagnóstico), a xestión da Central de Urxencias
Sanitarias de Galicia e o Instituto Galego de Oftalmoloxía. As maiores polé-
micas foron entorno á unidade de alta tecnoloxía cardíaca instalada no Hospi-
tal Meixoeiro de Vigo ou a xestión das urxencias sanitarias do 061 (González,
1998). Na actualidade, as funcións aumentaron de forma considerable: xestión
de unidades de alta tecnoloxía sanitaria nos complexos hospitalarios de Vigo e
Ourense; asesoramento en materia de avaliación, planificación, adquisición,
organización e xestión de recursos asistenciais; servizos de protección radio-
lóxica e radiofísica hospitalaria, por medio da Unidade Técnica de Protección
Radiolóxica e do Servizo de Radiofísica do Hospital do Meixoeiro; xestión da
Unidade de Radiofármacos PET Galicia; xestión do Servizo de Atención
Telefónica á Cidadanía “Saúde en Liña”; ademais de contar cun 27% de
participación na Unidade Central de Radiofármacos de Galicia. Dado que
trátase de servizos públicos prestados e xestionados por unha sociedade anó-
nima, o conflicto non só se produce cos defensores da sanidade pública senón
tamén co sector privado, que o acusa de desenvolver unha competencia des-
leal. A diferencia de calquera outra empresa, esta desenvolve un contrato sen
necesidade de presentarse a un concurso público. (Cadro 3).

Cadro 3. Fundacións públicas non hospitalarias e sociedades públicas autonómicas


creadas pola Xunta de Galicia que operan na sanidade pública galega
Denominación do organismo Ano de creación
Fundación Pública Centro de Transfusión de Galicia 1993
Fundación Pública Instituto Galego de Oftalmoloxía (INGO) 1994
Galaria, Empresa Pública de Servizos Sanitarios (primeiro denomina- 1994
da MEDTEC e logo Fundación Pública Galega de Medicina Xenómi-
ca)
Fundación Pública Urxencias Sanitarias de Galicia-061 1995
Fundación Pública Escola Galega de Administración Sanitaria 1997
(FEGAS)
Fonte: Secretaría Xeral da Consellería de Sanidade (2011) Sistema público de saúde de
Galicia. Memoria 2009.

A consolidación dun sistema de saúde mixto prodúcese co proceso de


xestación do Proxecto de Lei de Ordenación Sanitaria de Galicia (LOSGA),
que estaba chamada a ser a primeira lei de saúde galega que regula integral-
mente o sistema sanitario. O primeiro borrador do 1998 (Anteproxecto de Lei
de Ordenación Sanitaria de Galicia) ten continuidade coa aprobación por parte
do Consello da Xunta do proxecto da Losga o 27 de febreiro do 2003. Final-
mente, o 9 de decembro, apóbase a Lei 7/2003 de ordenación sanitaria de
Galicia. No exercicio das competencias asumidas pola Comunidade Autóno-
ma, o obxectivo da lei é a ordenación do sistema sanitario de Galicia. Como
214 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

no 1998, o debate xerado sobre a mesma en determinados círculos foi intenso.


Tal e como diciamos na introducción deste capítulo, o proceso de desenvol-
vemento dos sistemas de saúde de Galicia e Portugal manteñen moitas coinci-
dencias, ata o punto de que é neste 2003 cando se producen as reformas estruc-
turais máis transcendentais nos respectivos SNS. A Losga amplía o papel a
desempeñar pola actividade sanitaria privada na vertebración do sistema. Con
esta, aquela privatización en certo modo encuberta confírmase a través dun
texto legal. O sistema é universal, integral e mixto. O financiamento é público.
A exposición de motivos da Losga así o manifesta: “…configúrase así o
Sistema como mixto…”. O artigo 4 define o Sistema Sanitario de Galicia
como “o conxunto de tódolos recursos, servizos e prestacións de persoas
físicas ou xurídicas, públicas ou privadas, no territorio de Galicia…”. En
resumo, con este modelo, inspirado nas experiencias de Cataluña e Madrid, a
Xunta de Galicia habilitou un marco legal que lle permite ampliar as relacións
coa sanidade privada. A administración autonómica admite que necesita da
participación dos centros de pago para dar cobertura á poboación galega.
A principal novidade da Losga foi a creación da Rede Galega de Aten-
ción Sanitaria de Utilización Pública. Trátase dun instrumento integrador de
tódolos recursos, actividades, servizos e prestacións do Sergas e do sector
privado. O seu desenvolvemento permitiría superar o actual sistema de
concertos e regular o financiamento con fondos públicos de servizos sanita-
rios prestados por entidades privadas. En concreto, a Rede estaría composta
polos centros, servizos e establecementos públicos do Sergas ou adscritos a
este; aqueles outros con personalidade xurídica propia que están adscritos ou
vinculados á Consellería de Sanidade; os pertencentes a outras administra-
cións públicas galegas e aqueloutros contratados para a prestación de servi-
zos polo Sergas co obxecto de dar asistencia sanitaria de cobertura pública.
Os centros públicos e privados están suxeitos ás mesmas inspeccións e
controis sanitarios, administrativos e económicos. Previamente, para integra-
se na Rede, os privados deberían estar debidamente acreditados. Nese mo-
mento están en condicións de subscribir un contrato de servizos sanitarios
coa Xunta de Galicia para a provisión de servizos de cobertura pública que,
en tódolos casos, debe respectar o principio de gratuidade. Non obstante o
artigo 19 autoriza, de maneira excepcional, o uso dos centros e servizos que
non están integrados na Rede Galega de Atención Sanitaria de Utilización
Pública, cando os recursos propios desta non poidan atender necesidades
asistenciais específicas. Respecto ás Fundacións, a lei as faculta e impulsa,
aínda que abandonando definitivamente as propostas de vinculación das
mesmas co Dereito Privado. Proxéctase a creación dos denominados Con-
sello Galego de Saúde, Consello Asesor do Sistema Sanitario de Galicia e a
figura de Vedor do Paciente.
Por último, a lei destina todo o capítulo segundo (tres artigos) a regular
o que denomina “ordenación territorial da sanidade”. Da análise da mesma
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 215

podemos extraer dúas conclusións. Por un lado, tal e como tivemos ocasión
de estudiar noutra ocasión (González, 2000), intúese a escasa transcendencia
atribuída ó Mapa de Saúde e, polo tanto, a falta de integración entre a orde-
nación territorial sanitaria e a organización da Atención Primaria e Especia-
lizada. E isto a pesar de que teóricamente trátase dunha lei de ordenación. En
segundo lugar, o mapa simplifícase de maneira significativa respecto ás
anteriores experiencias. Dos cinco niveis territorial-asistenciais vixentes no
2003, a nova lei redúceos a tres: Áreas Sanitarias (similar ás Áreas de Saú-
de), Distritos Hospitalarios (a medio camiño entre as Zonas de Saúde de
Atención Integrada e as áreas de referencia hospitalarias) e as Zonas Aten-
ción Primaria (similar ás Zonas Sanitarias de Atención Primaria vixentes ata
ese momento). As delimitacións territoriais precisas, é dicir o debuxo do
mapa de saúde propiamente dito, deixase para unha regulación posterior.
Despois dun proceso de xestación longo e complexo, a Losga estivo vi-
xente menos de cinco anos, ata o 24 de setembro do 2008. Neste día entrou
en vigor a Lei 8/2008, de 10 de xullo, de saúde de Galicia. Unha lei marcada
polo novo signo político do goberno de esquerdas (PSdeG-BNG) da Xunta
de Galicia, aspecto que se deixou sentir nos principios fundamentais da lei.
Estamos ante unha lei de tipo integral que, dende o primeiro momento, e
dados os procedentes das anteriores normas, procurou un maior consenso e
acordo social, destacando o novo papel otorgado á cidadanía e os seus derei-
tos. (Cadro 4).

Cadro 4 – Obxectivos das leis de saúde de Galicia


Ley 7/2003, de 9 de diciembre, de ordenación sanitaria de Galicia
Artigo 1. Obxecto. A presente Lei ten por obxecto a ordenación sanitaria na Comunidade
Autónoma de Galicia, a través da delimitación xeral das actuacións que permitan facer
efectivo no seu ámbito territorial o dereito dos cidadáns á protección da saúde previsto no
artigo 43 e concordantes da Constitución Española, no marco das competencias que lle
atribúe o Estatuto de Autonomía.
Lei 8/2008, de 10 de xullo, de saúde de Galicia
Artigo 1º.-Obxecto. Esta lei ten por obxecto a regulación xeral de todas as accións que
permitan facer efectivo, no ámbito territorial da Comunidade Autónoma de Galicia, o
dereito constitucional á protección da saúde no marco das competencias que lle atribúe o
Estatuto de Autonomía, mediante a ordenación do Sistema de Saúde de Galicia, que
comprende os sectores sanitarios público e privado, e a regulación do Sistema Público de
Saúde de Galicia e mais dos dereitos e dos deberes sanitarios da cidadanía galega, así como
dos instrumentos que garanten o seu cumprimento.

A diferencia da Losga, a lei do 2008 potencia o carácter público do sis-


tema de saúde, apostando por fórmulas colaborativas en lugar de fórmulas
competitivas. A Losga incluía nun mesmo sistema as actividades e os cen-
tros públicos y privados. No denominado Sistema de Saúde de Galicia
regulado no 2008, a utilización de recursos privados considérase como com-
216 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

plementaria e subsidiaria. E non se inclúen dentro do Sistema Público de


Saúde de Galicia as actividades ou os servizos que sexan prestados con
recursos non públicos (art. 30.2). Todo o capítulo VII está adicado á ordena-
ción territorial do sistema de saúde de Galicia. Como no 2003, estamos ante
un mapa non debuxado, deixando para un desenvolvemento posterior a
delimitación territorial precisa. En calqueira caso, o Sistema Público de
Saúde de Galicia estrutúrase territorialmente en áreas e zonas sanitarias
articuladas no Mapa Sanitario de Galicia, desaparecendo os distritos sanita-
rios. As primeiras son o ámbito territorial fundamental para a prestación de
servizos asistenciales. Nos concellos cunha poboación superior aos 50.000
habitantes (ou menos se así fose considerado adecuado funcionalmente), as
zonas sanitarias deberanse subdividir en zonas básicas. Sen embargo, tras
este breve paréntese de posta en valor do sistema público, o novo goberno
autonómico de signo conservador (Partido Popular) iniciou un novo proceso
de reforma do sistema. A sanidade, xunto á educación, centralizan os recor-
tes presupuestarios co obxectivo de reducir o déficit público. As políticas
actuais están capitalizadas polo debilitamento do sector público e nunha
política de recortes en dereitos sanitarios, que está a producir unha reposta
social sen precedentes e un incremento das desigualdades sociais galegas de
consecuencias descoñecidas. (Figura 2).

Figura 2 – A resposta social aos recortes sanitarios


e á privatización da sanidade pública

Vigo, 21-11-2010 Lisboa, 11-11-2012

Fontes: www.galizacig.com; www.elpais.es.

4. Conclusións

As revisións dos sistemas sanitarios portugués e galego continúan a de-


rribalas bases da sanidade pública. Algúns especialistas defenden ós actuais
procesos de reforma argumentando que, unha vez de ter alcanzado un deter-
Construcción, desenvolvemento e crise dos sistemas de saúde 217

minado nivel de desenvolvemento, é necesario centrar esforzos na equidade


e calidade. Segundo estes, á sociedade non lle preocupa de onde proceden as
prestacións sanitarias sempre e cando sexan de calidade. Ata certo punto
pode ser certo. Pero o que non sabe unha grande parte da sociedade é que os
actuais procesos de reforma dos sistemas públicos están a modificar os
principios de igualdade e equidade. O mercado sanitario non é perfecto e os
maiores prexudicados son os grupos sociais máis vulnerables e os espazos
máis deprimidos, en definitiva os menos interesantes ó capital.
As formacións políticas conservadoras difunden, baixo sospeitosos
obxectivos de aumentala eficiencia, a necesidade de introducir novos actores
con criterios de funcionamento empresarial. Incluso en España, hai anos
anunciouse a incorporación ó Ministerio de Sanidade dun coñecido e polé-
mico personaxe con ampla experiencia consultora no sector automobilístico.
Pero, ata o de agora, os triunfalismos empresariais parecen non estar a dar os
resultados esperados na xestión pública. A ruptura das bases do feble Estado
social, construído principalmente na segunda metade dos 1970 en Portugal e
nos 1980 en Galicia, é constante. Ata hai uns anos, ó tempo que se reducía a
participación dos sectores públicos na xestión e provisión sanitarias, case
tódalas formacións políticas estiveron facendo electoralismo enxalzando os
valores do Estado do Benestar. Sen embargo, isto xa non é así. A dereita
política volve a poñer o acento no Welfare State, como sucedeu no 1973,
como causa da crise actual e soamente reducindo o público e recortando
dereitos e conquistas sociais os países poderán acadar o benestar. Sen dú-
bida, unha contradicción difícil de comprender e demostrar.
A destrucción do sistema de saúde público e a introducción de estrate-
xias privatizadoras en Portugal producíronse antes que en Galicia. Os éxitos
do sistema público portugués cara a mellora do estado de saúde da poboa-
ción non foron suficientes para evitar unha temperán revisión do mesmo nos
1980. O inicio do sistema de saúde galego nado nos 1990 coincidiu coa
adopción de propostas de tipo liberal que se estaban a desenvolver noutras
nacións. Sen embargo, durante uns pocuo anos, gobernos progresistas en
Portugal (2005-2011) e Galicia (2005-2009) paralizaron ou a lo menos
ralentizaron a destrucción do sector público da saúde. Neste traballo demos-
tramos cómo o proceso de reforma e privatización dos sistemas de saúde
teñen un longo percorrido nos dous países. Non é algo recente auspiciado
pola crise económica. Non obstante, ésta e política de reducción do déficit
público son aproveitadas para acelerar os recortes sociais e sanitarios, como
se fosen ás únicas alternativas posibles, confirmando a importancia do factor
ideolóxico e dos intereses económicos nos contidos das reformas.
Os peores presaxios cara a destrucción do tradicional SNS constátanse
definitivamente nos dous países a comezos da década do 2010. Prima a
contención do gasto sobre a mellora dos indicadores de saúde e a reducción
de desigualdades sociais. Desconfíase das avantaxes económicas dos novos
218 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

modelos, pero sobre todo dos resultados sociais. Agora ninguén pode dubi-
dar de que o sistema de saúde mixto está plenamente instaurado en Portugal
e Galicia. Veremos se isto logra facer fronte ó incremento dos gastos sen
abandonalo aumento da calidade das prestacións e a reducción da iniquidade.
De momento, isto non está a suceder. Como xeógrafos, probablemente sexa
necesario impulsar máis que nunca o análise territorial na planificación
sanitaria. Pero isto, sempre e cando a crise do modelo público non afecte
tamén ás prácticas planificadoras e de ordenamento territorial.

5. Agradecementos

A investigación que da lugar a este artigo finánciase co proxecto de in-


vestigación titulado “Geografías de la crisis: análisis de los territorios
urbano-turísticos de las Islas Baleares, Costa del Sol y principales destinos
turísticos del Caribe y Centroamérica” (CSO2012-30840) do Plan Nacional
de I+D+I do Ministerio de Ciencia e Innovación.

6. Referencias
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CAPÍTULO 9

A (IN)EQUIDADE NO ACESSO AOS SERVIÇOS


DE SAÚDE: UMA ABORDAGEM À EXCLUSÃO SOCIAL
NO MUNICÍPIO DE BRAGA

Vitor Ribeiro
Instituto de Ciências Sociais
CICS/NIGP
Universidade do Minho
e Departamento de Educação Básica
Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti (Porto)

Resumo

No contexto da sociedade actual, os serviços de saúde são um dos ser-


viços fundamentais para a população. Contudo, a população pode ser afetada
por um conjunto de barreiras que podem limitar o acesso a estes serviços.
Entre estas encontram-se as de natureza geográfica que, em Portugal, rara-
mente têm sido estudadas à grande escala. Não obstante, recentemente as
orientações para o planeamento em saúde reorientaram-se para valorizar a
proximidade geográfica dos serviços de saúde à população.
Atualmente, em Portugal, a acessibilidades aos serviços de saúde, de-
signadamente aos cuidados de saúde primários, passaram a assumir um papel
de relevo em matéria de planeamento. Por este facto, a metodologia apresen-
tada neste capítulo pretende dar um contributo para melhorar o processo de
planeamento das acessibilidades aos serviços de saúde. Do mesmo modo,
também se pretende contribuir para integrar os serviços de saúde, a exclusão
social e o planeamento, conforme preconizado recentemente pela Comissão
Europeia.

Desigualdades Socioterritoriais e Comportamentos de Saúde, Lisboa, Edições Colibri, 2013,


pp. 221-248.
222 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

1. Introdução

O aumento dos níveis de acessibilidade, aos serviços de saúde, é fun-


damental no contexto da organização da sociedade atual. Deste modo, pro-
move-se a inclusão social e contribui-se para uma maior equidade no acesso
aos serviços de saúde.
Atualmente a exclusão social é um fenómeno que faz parte das princi-
pais agendas políticas, desde a escala europeia até à municipal. O aumento
deste fenómeno está diretamente relacionado com os sistemas de transportes,
enquanto elementos facilitadores da acessibilidade, e com os fatores de
localização. Isto porque os grupos mais vulneráveis à exclusão social, e.g.,
os idosos, os de mobilidade reduzida, as mulheres, os jovens, apresentam
uma menor relação com a utilização/disponibilidade de automóvel.
As práticas de planeamento têm sido orientadas, na generalidade dos
municípios portugueses, para a promoção do automóvel e para a disper-
são/fragmentação da população e das atividades. Assim, o crescimento das
desigualdades no acesso a bens e serviços essenciais, e.g., saúde, emprego,
ensino ou supermercados, é expectável que aumentem principalmente duran-
te os períodos em que o ciclo económico é desfavorável.
Neste contexto, os Sistemas de Informação Geográfica (S.I.G.) consti-
tuem-se cada vez mais como uma das ferramentas que apresenta maiores
potencialidades para avaliar, de uma forma mais realista, os níveis de acessi-
bilidade. Porém, não podemos ignorar, à semelhança da generalidade dos
estudos nacionais e internacionais, os aspetos relacionados com as diferentes
características de mobilidade dos idosos e da restante população.
Pelo facto, procuramos medir a acessibilidade da população aos servi-
ços de saúde “a pé”, designadamente dos indivíduos mais vulneráveis ao
processo de exclusão social: os idosos. Este modo de transporte assume, na
sociedade actual, um papel central, uma vez que se mantém como o mais
equitativo, mais económico e com melhores resultados em termos de benefí-
cios para a saúde.
Em Portugal raramente se avaliam os níveis de acessibilidade da popu-
lação aos serviços de saúde e aos sistemas de transportes a andar “a pé”. Do
mesmo modo, as condições de mobilidade”a pé” da população idosa nunca
são tidas em conta no planeamento em saúde.
Neste capítulo procura-se utilizar uma medida de acessibilidade aos
serviços de saúde centrada no modo “a pé”, introduzindo algumas variáveis
que são frequentemente ignoradas na sua modelação quer em estudos nacio-
nais quer internacionais. Como resultado pretende-se identificar os espaços
que apresentam maiores desigualdades, hierarquizando as freguesias. Pre-
tende-se, deste modo, obter uma imagem mais realista do território identifi-
cando os espaços que apresentam maiores desigualdades no acesso aos
serviços de saúde.
A (in)equidade no acesso aos serviços de saúde 223

Os resultados apresentados neste capítulo resultam, em parte, da inves-


tigação desenvolvida para a realização de uma tese de doutoramento, que
agora se ampliam e atualizam. Inicia-se este capítulo relacionando a acessi-
bilidade aos serviços de saúde com a exclusão social e o envelhecimento.
Também se aborda a organização do sistema de saúde, em Portugal, e o seu
enfoque na proximidade e na acessibilidade. Segue-se uma caracterização da
área de estudo que tende a afirmar-se como um dos municípios mais populo-
sos de Portugal. Inclui-se ainda uma descrição da metodologia adotada, a
qual se diferencia da que é habitualmente utilizada. Por fim apresentam-se
alguns resultados da acessibilidade “a pé” dos serviços de saúde.

2. Iniquidades no acesso aos serviços de saúde

2.1 Exclusão social e envelhecimento

A Europa está a ser afetada por um processo de envelhecimento da po-


pulação. A União Europeia prevê um aumento da população com 65 ou mais
anos de idade, na ordem dos 70%, e de 170% dos idosos com 80 ou mais
anos. Uma das principais consequências do envelhecimento é o aumento da
necessidade de recorrer aos serviços de saúde, nomeadamente pelos idosos
(http://ec.europa.eu/health-eu/my_health/elderly/index_en.htm, consultado
em 1 de fevereiro de 2013).
O acesso universal aos serviços de saúde é um dos pilares de desen-
volvimento dos diversos estados membros. O acesso universal resulta,
desde logo, na disponibilização dos serviços de saúde com níveis de aces-
sibilidade adequados a toda a população. Contudo, a combinação destes
dois factores, aumento da população idosa e da dependência destes dos
serviços de saúde, pode conduzir ao agravamento das desigualdades para
aceder a estes serviços.
A acessibilidade pode ser entendida como uma medida que avalia a
proporção de indivíduos que pode alcançar adequadamente os serviços de
saúde (Roberts, 1998). Atualmente o automóvel é, na generalidade dos
territórios, o principal meio de transporte para a população satisfazer as
necessidades de deslocação. Porém, a indisponibilidade de veículo ou de
habilitação de conduzir é responsável pela diminuição nas condições de
acesso aos serviços de saúde (Bostock, 2001).
Em Geografia da Saúde os estudos têm sido frequentemente orientados
para avaliar a acessibilidade aos hospitais ou serviços especializados e
menos os efeitos da distância aos cuidados de saúde primários (Guagliardo,
2004; Hiscock et al., 2008; Santana, 2010). Contudo, estes são o primeiro
contacto com o sistema, designadamente pela população idosa (Zenk et al.,
2005; Luo e Qi, 2009).
224 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Do mesmo modo, também raramente se avalia a acessibilidade às farmá-


cias (Lin e Chang, 2004; Law et al., 2011). Porém, estas também têm um
papel de relevo pois são o elemento final para obter o tratamento pois é nestes
estabelecimentos que o indivíduo avia a receita com a prescrição médica. Por
vezes os indivíduos dispõem de receitas para aviar durante vários meses, pelo
que em determinadas situações os indivíduos poderão recorrer com mais
frequência à farmácia do que aos restantes serviços de saúde.
Os idosos são os principais utilizadores dos transportes públicos e si-
multaneamente dos grupos que mais dependem de outros para aceder aos
serviços de saúde (Ribeiro, 2012). A ausência de transportes públicos, em
alguns espaços, limita os indivíduos sem transporte privado de utilizar
adequadamente os vários serviços que são disponibilizados à população
(Bavoux et al., 2005). Na realidade vários serviços de saúde estão localiza-
dos em espaços onde é difícil aceder de outro modo que não o automóvel
(Lucas, 2006, 2011). Pelo facto, é fundamental identificar os espaços que
apresentam maiores desigualdades.

2.2 Acessibilidade aos serviços de saúde

Os serviços de saúde são considerados como bens de primeira necessi-


dade, sendo a acessibilidade um fator de equidade importante (Guagliardo,
2004; Zenk et al., 2005; Luo e Qi, 2009). A equidade ocorre quando os
serviços estão distribuídos equitativamente (distribuição justa), em relação às
necessidades de cuidados da população, e proporcionam um acesso igual aos
diferentes grupos etários e socioeconómicos (Nogueira et al., 2007;
Nogueira e Remoaldo, 2010).
A acessibilidade geográfica continua a ser uma das principais barreiras
para alcançar uma “saúde para todos”. Um dos principais desafios reside na
necessidade de disponibilizar as unidades de cuidados de serviços primários
com elevados níveis de acessibilidade, num tempo de deslocação adequado
através de um meio de transporte que seja equitativo (Guagliardo, 2004;
Guagliardo et al., 2004).
O modo de transporte “a pé” e os transportes públicos têm um papel
fulcral na redução da incidência da exclusão social, uma vez que são facili-
tadores da equidade, onde a acessibilidade ao sistema de transportes é fun-
damental (Gutiérrez, 2001; Gutiérrez et al., 2010; Gutiérrez et al., 2011;
Mavoa et al., 2012).
A proximidade e a disponibilidade de transportes públicos e a oferta de
serviços saúde são fundamentais para avaliar a acessibilidade (Phillips et al.,
1987; Gutiérrez e García-Palomares, 2008). Alguns autores distinguem entre
a acessibilidade potencial e a acessibilidade revelada. A primeira centra-se
nos padrões espaciais, nos fatores socioeconómicos e na oferta agregada dos
A (in)equidade no acesso aos serviços de saúde 225

serviços de saúde. Por sua vez, a segunda foca-se na utilização atual dos
serviços sendo medida pela frequência de atendimento (Joseph e Phillips,
1984; Thouez et al., 1988; Luo, 2004). Segundo esta perspectiva o acesso
geográfico aos serviços de saúde é influenciado quer pelos fatores espaciais
(localização e distância) quer pelos fatores não espaciais (e.g., género, idade
e condição económica dos indivíduos) (Remoaldo, 2002; Luo, 2004;
Remoaldo, 2005; Remoaldo e Ribeiro, 2010).
Assim, a distância entre a residência dos indivíduos e os equipamentos
de saúde tem sido reconhecida como uma das premissas mais importantes a
ter em conta em planeamento de serviços de saúde (Guagliardo, 2004;
Guagliardo et al., 2004). Uma grande parte dos estudos sobre esta temática
recorre às distâncias euclidianas, às distâncias-tempo ou às distâncias físicas
(em quilómetros) da rede de acesso. Porém, os estudos raramente são desen-
volvidos à escala local onde se considere algumas barreiras como a influên-
cia do declive ou a velocidade dos idosos “a pé” (Ribeiro et al., 2013;
García-Palomares et al., in press). Atualmente, conhecemos relativamente
bem as taxas de utilização e a disponibilidade dos serviços de saúde, mas
sabemos muito pouco sobre as barreiras que criam desigualdades no acesso
geográfico da população (Guagliardo, 2004).
Os transportes são, por isso, fundamentais para ultrapassar a barreira da
distância entre a população e as oportunidades. Deste modo, é fundamental
avaliar os níveis de acessibilidade das infraestruturas de transportes, ao invés
de se avaliar, exclusivamente a eficiência do sistema de transportes
(Banister, 2002; Straatemeier, 2008).
O planeamento dos transportes deverá ser (re)orientado para enriquecer
a componente social dos territórios (Straatemeier, 2008), dando primazia à
conectividade dos lugares, à qualidade de vida dos indivíduos e à promoção
da inclusão social.

2.3 O Sistema de saúde em Portugal

Um dos grandes referenciais do novo ciclo das políticas de saúde é o re-


latório Lalonde, produzido no Canadá em 1974. Reconheceu-se que para se
solucionar os problemas de saúde é necessário ir para além das intervenções
específicas no setor bem como incluir os fatores sociais (Simões, 2007).
Outro marco importante nas políticas de saúde foi a “Declaração de Al-
ma-Ata” publicada em 1978, na sequência da conferência internacional sobre
cuidados de saúde primários. Esta regeu-se pelo desígnio “saúde para todos no
ano 2000” tendo alertado que nos países com maiores debilidades económicas
e sociais as instituições e os setores de atividade têm um papel fundamental na
promoção da saúde. Também se frisou que os cuidados de saúde primários são
serviços essenciais que devem estar universalmente acessíveis aos indivíduos e
226 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

às famílias (Pereira e Costa, 2007). Porém, as características dos territórios,


associadas às práticas/estratégias de planeamento, ou ausência destas, podem
influenciar positiva ou negativamente a acessibilidade dos indivíduos e das
famílias aos serviços de saúde (Santana et al., 2010).
A 1ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde decorreu no
Canadá, em 1986, concretizando-se na “Carta de Ottawa”. Esta Carta lançou
o desafio de uma nova saúde pública, realçando a justiça social e a equidade.
De acordo com a revisão do quadro legal da Lei de Bases do sistema de
saúde em Portugal, de 1990, afirma-se que “é objetivo fundamental obter
igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados de saúde, seja qual for a sua
condição económica e onde quer que vivam, bem como garantir a equidade
na distribuição de recursos e na utilização de serviços” (Lei nº 48/90). Po-
rém, só com o Plano Nacional de Saúde (P.N.S.) 2010-2016 se adotou uma
estratégia coordenada para a promoção da equidade na saúde e do acesso aos
cuidados de saúde (Furtado e Pereira, 2010). Esta estratégia está presente nos
últimos relatórios da Organização Mundial de Saúde (2008 e 2010).

2.4 O enfoque da última reforma do sistema de saúde na proximi-


dade e na acessibilidade

Podemos identificar três gerações de centros de saúde em Portugal. Em


1971 procedeu-se a uma reforma do sistema de saúde, conhecida pela reforma
de “Gonçalves Ferreira” onde se implementaram os “centros de saúde de
primeira geração”. A filosofia destes equipamentos centrava-se na proteção da
população, prevenção das principais doenças infecto-contagiosas e na assis-
tência aos grupos mais vulneráveis da sociedade, designadamente as mulheres
e as crianças. Em 1974 foram criadas as condições políticas e sociais para
implementar o Sistema Nacional de Saúde (S.N.S.) português que surgiu um
ano após a “Declaração de Alma-Ata” (Pereira e Costa, 2007).
Em 1983 surgem os “centros de saúde de segunda geração” que resulta-
ram da fusão dos “centros de saúde de primeira geração”, dos postos médi-
cos sociais e dos Hospitais concelhios (Direcção Geral de Saúde, 2002;
Martins, 2011). Esta fusão conduziu a uma maior racionalidade na prestação
dos cuidados primários. Contudo, contrariamente ao esperado não produziu
efeitos na melhoria da acessibilidade às consultas ou às visitas domiciliárias
(Branco e Ramos, 2001).
Nos últimos anos tem-se realizado novas transformações na organização
do Sistema Nacional de Saúde que irão culminar nos “centros de saúde de
terceira geração”. Esta reorganização, ainda em curso, assenta na implementa-
ção de autonomia administrativa e financeira e na organização assente em
unidades funcionais, tecnicamente autónomas e funcionalmente interligadas.
Estas devem favorecer a proximidade e a acessibilidade ao cidadão (Direcção
Geral de Saúde, 2002).
A (in)equidade no acesso aos serviços de saúde 227

Atualmente o cerne das unidades que prestam cuidados de saúde primá-


rios são os centros de saúde e as unidades de saúde familiar. Os hospitais
prestam cuidados hospitalares (secundários), que são mais diferenciados e
abrangentes do que os cuidados primários. Por fim, os cuidados continuados
estão vocacionados para a recuperação e a reintegração de doentes crónicos e
de pessoas em situação de dependência, bem como de assistência ao domicí-
lio. As farmácias são unidades do Sistema Nacional de Saúde assumindo-se
como um dos veículos mais importantes, pois é nestes serviços que são
dispensados os medicamentos sujeitos a receita médica.
Presentemente assiste-se a uma reorganização do sistema de saúde que
incide fundamentalmente no sistema de prestadores de cuidados de saúde
primários e que é composto por todas as entidades públicas prestadoras de
cuidados de saúde. Pode ser dividido em diferentes níveis de organização,
conforme representado no Quadro 1.
Considerando que as realidades variam muito de local para local é
grande o desafio da interligação entre as várias unidades operacionais destes
centros de saúde de terceira geração. Em todo o caso os cidadãos, a proximi-
dade e a acessibilidade aos serviços de saúde são vertentes que sobressaem
nesta reestruturação.

Quadro 1 – Unidades funcionais de prestação de cuidados


de saúde em Portugal

Fonte: Ribeiro (2012).


228 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Porém, apesar deste enfoque é difícil descortinar nesta reforma qualquer


medida concreta que promova/incentive a localização geográfica mais ade-
quada das unidades operacionais assentes em critérios de acessibilidade. Este
é um aspeto central para alcançar o desiderato de se disponibilizar o serviço
de saúde mais próximo de quem mais precisa.

3. Dinâmica demográfica e acessibilidade aos serviços de saúde

3.1 – Enquadramento do caso de estudo

O território selecionado para aplicar a metodologia proposta nesta in-


vestigação é o município de Braga, capital do Distrito, que está localizado no
Noroeste de Portugal Continental (Figura 1).

Figura 1 – Enquadramento geográfico do município de Braga

Fonte: Ribeiro, 2012.

A dinâmica demográfica que caracteriza Portugal é marcada pelo fenó-


meno da litoralização que contínua a atrair atividades e população para os
municípios mais próximos do litoral, principalmente nas áreas urbanas. Em
Portugal, a litoralização é um processo que se estende, desde o município de
Viana do Castelo até à península de Setúbal, bem como ao longo da costa
A (in)equidade no acesso aos serviços de saúde 229

Algarvia, onde se destacam as duas Grandes Áreas Metropolitanas (GAM)


de Lisboa e do Porto.Na última década manteve-se a tendência de aumento
da população portuguesa ao crescer cerca de 2%. Porém, este crescimento
tem acentuado as alterações na pirâmide etária, diminuindo os indivíduos na
sua base e aumentando os do topo. Tal reflete o aumento da população idosa
(com 65 ou mais anos de idade) que contrasta com a diminuição da
população jovem (com idade inferior aos 15 anos).
Este facto resulta do aumento da longevidade da população portuguesa
e da diminuição da natalidade. A população vive, por isso, em média, mais
anos e dispõe de serviços de saúde com melhor qualidade, pelo que o futuro
terá menos jovens e mais idosos (Instituto Nacional de Estatística, 2011). A
região Norte de Portugal é, segundo projeções do Eurostat para 2030, a que
sofrerá um maior aumento da percentagem de população idosa, passando de
15,7%, em 2010, para 23,5% em 2030 (Wolff, 2010).
Assim, o país não pode ignorar as alterações demográficas que estão a
ocorrer, designadamente o decréscimo continuado da taxa de natalidade e o
aumento da população idosa. Para além dos impactos ao nível dos índices de
dependência é fundamental manter a sustentabilidade demográfica
portuguesa para as próximas décadas.
Tal deve-se ao facto, de a imigração, processo que marcou os fluxos
migratórios da última década, contrariando o predomínio da emigração que até
então caracterizou Portugal, ter tido efeitos positivos na taxa de natalidade.
Contudo, a inversão destas tendências na atualidade, onde se assiste ao
aumento da emigração e à diminuição da imigração, terá impactos nos
números da população adulta, diminuindo-os, e consequentemente poderá
acentuar o decréscimo da taxa de natalidade, já problemática na atualidade.
O relatório de envelhecimento, The 2012 Ageing Report:Underlying
Assumptions and Projection Methodologies, publicado, em 2012, pela
Comissão Europeia prevê que a etrutura da população europeia se altere
profundamente durante as próximas décadas. Em 2060 prevê-se um aumento
da população, contudo esta será mais envelhecida. As projeções apontam
que, nesse ano, a população adulta (15-64 anos) terá um decréscimo dos
atuais 67% para cerca de 56%, enquanto a população idosa aumentará dos
atuais 17% para 30%. O mesmo relatório alerta para as consequências
económicas que as alterações demográficas terão para as finanças públicas
dos vários estados membros (Giannakouris, 2010; Directorate-General for
Economic and Financial Affairs, 2011).
Neste sentido, urge criar medidas públicas para mitigar os efeitos que
estão a contribuir para a diminuição da base da pirâmide etária (jovens) e,
fundamentalmente, evitar os processos de exclusão social associados ao
aumento do seu topo (idosos). Em termos de acessibilidade às U.C.S.P.
relembramos que os idosos são um dos grupos mais vulneráveis à exclusão
social e, ao mesmo tempo, os que mais necessitam de receber esses
230 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

cuidados. As práticas de planeamento que têm sido orientadas para a utiliza-


ção do automóvel estão a contribuir para diminuir os níveis de acessibilidade
deste grupo aos serviços de saúde.

3.2 A crescente afirmação do município de Braga no contexto nacional

3.2.1 O crescimento da população

A última década continuou a ser marcada pelo despovoamento na


generalidade dos municípios portugueses localizados no interior, com exceção
de algumas capitais de distrito. Entre 2001 e 2011 a generalidade dos municí-
pios portugueses tiveram um decréscimo da população residente (Figura 2).

Figura 2 – População residente e taxa de variação


da população em Portugal, em 2011

Fonte: Ribeiro, 2012.

Atualmente, cerca de ¼ da população portuguesa reside nos 10


municípios mais populosos. No contexto nacional, o município de Braga é
único que, deste grupo, não integra uma Área Metropolitana. (Figura 3). Dos
restantes nove municípios seis integram a GAM de Lisboa (Lisboa, Sintra,
Cascais, Loures, Amadora e Almada) e três a GAM do Porto (Vila Nova de
Gaia, Porto e Matosinhos).
A (in)equidade no acesso aos serviços de saúde 231

Figura 3 – População residente nos 10 municípios


mais populosos em Portugal, em 2011

Fonte: Elaboração própria, com base nos Censos 2011, INE, Lisboa.

Na última década, deste grupo de municípios, o de Braga foi o segundo


que mais cresceu em termos populacionais (10,5%) a seguir ao de Cascais
(21%). Em sentido contrário, acentuou-se a perda de população em três
destes municípios: Porto (-9,7%), Lisboa (-3%) e Amadora (-0,5%). O efeito
de atração de população pelo município de Braga permitiu-lhe passar da
nona posição, em 1991, para a sétima posição em 2011 (Quadro 2).
Os problemas demográficos que Portugal enfrenta na actualidade colo-
cam desafios em termos da sustentabilidade demográfica para as próximas
décadas. Por este facto, para mitigar estes problemas demográficos é funda-
mental criar condições para inverter esta tendência de decréscimo continua-
do da taxa de natalidade. Ainda assim, o município de Braga apresenta uma
pirâmide etária com uma estrutura diferenciada da de Portugal (Figura 4).
232 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Quadro 2 – Ranking dos 10 municípios portugueses


mais populosos em 2011
600.000
547.733 564.657 2011 2001
500.000

400.000 377.835
363.749
302.295
300.000
288.749 237.591
263.131 206.479 205.054
200.000 170.683 181.494 175.478 175.136 174.030
199.059 164.192 167.026 175.872 160.825
100.000

0
Lisboa Sintra Vila Nova de Porto Cascais Loures Braga Matosinhos Amadora Almada
Gaia

Fonte: Elaboração própria com base nos Censos 2011, INE, Lisboa.

3.2.2 Envelhecimento

A vitalidade demográfica do município de Braga é demonstrada quando


comparamos a estrutura etária da população destes 10 municípios. Por um
lado, Braga destaca-se por ser o município com a segunda maior proporção
de jovens (indivíduos com idade compreendida entre os 0 e os 14 anos). Por
outro lado, também se destaca por ser o que possuí a maior proporção de
população adulta (15-64 anos).

Figura 4– Pirâmide etária de Portugal e do Município de Braga, 2011

85 e + Homens Mulheres
80 - 84
75 - 79
70 - 74
65 - 69
60 - 64
55 - 59
Grupo etário

50 - 54
45 - 49
40 - 44 Portugal
35 - 39
30 - 34 Braga
25 - 29
20 - 24
15 - 19
10 - 14
5-9
0-4
10 8 6 4 2 0 2 4 6 8 10
%

Fonte: Elaboração própria com base nos Censos 2011, INE, Lisboa.
A (in)equidade no acesso aos serviços de saúde 233

No contexto dos indicadores de envelhecimento, Portugal apresentou,


em 2011, 128 idosos por cada 100 jovens o que representa um agravamento
do indicador que, em 1960, era de 27 idosos por cada 100 jovens. Portugal
passou a ter mais idosos do que jovens a partir do ano 2000.
Contrariamente aos restantes municípios, o de Sintra seguido pelo de
Braga, apresentaram o Índice de Envelhecimento mais baixo. Enquanto
Sintra possui 78 idosos por cada 100 jovens, o município de Braga apresenta
80 idosos por cada 100 jovens (58% em 2001). Tal revela, que apesar de
apresentar um rácio muito inferior ao de Portugal (128%), também em Braga
estão a aumentar os níveis de envelhecimento da população.
A presença do Ensino universitário em Braga tem, certamente, favorecido
o crescimento populacional no município potenciando dinâmicas económicas
a ele associadas. Em 2011 cerca 52% da população residente, em Braga,
possuía um nível de instrução ao nível do ensino básico e 16% ao nível do
ensino superior. Braga também se destacou pelo facto de ser o município que
apresentou a maior percentagem de desempregados com o ensino superior, ou
seja, representam cerca de ¼ dos desempregados (Figura 5).

Figura 5 – População residente (%) e desempregados (%) nos 10 municípios


mais populosos, com ensino superior completo em 2011
30

25

20

15
%

10

0
Braga Cascais Porto Lisboa Sintra Amadora Matosinhos Almada Loures Vila Nova de
Gaia

Ensino Superior Desempregados com Ensino Superior

Fonte: Elaboração própria com base nos Censos 2011, INE, Lisboa.

O setor de actividade mais representativo no município de Braga, em


2011, é o terciário, onde se enquadra cerca de 70% da população empregada.
O índice de rejuvenescimento da população ativa permite comparar entre a
população que potencialmente está a entrar e a que está a sair do mercado de
trabalho. Neste sentido, em Portugal potencialmente por cada 100 indivíduos
que saem do mercado de trabalho, apenas entram 94. No município de Braga
esta relação é atualmente de 101 o que demonstra uma maior capacidade de
rejuvenescimento da sua população ativa.
234 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

3.2.3 A oferta de serviços de saúde em Braga

O município de Braga é abrangido pelo Agrupamento de Centros de


Saúde (A.C.E.S.) do Cávado I. Este é composto por três unidades de saúde
(centros de saúde) e, em Dezembro de 2011, incluía sete Unidades de Saúde
Familiar (U.S.F.) e doze Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados
(U.C.S.P.). A geografia das unidades de saúde permite identificar três espa-
ços de influência: a norte, a leste e a sudoeste. A área de influência definida
aquando da constituição de cada unidade funcional encontra-se representada
na Figura 6.
As características de cada unidade funcional não são homogéneas con-
forme se pode constatar pela análise do Quadro 3.
A unidade de saúde de Maximinos é a mais representativa, possuindo a
maior área de influência e consequentemente o maior número de população
potencial abrangida. A sua área de influência é de cerca de 74 km2 e estende-
-se por 32 freguesias localizadas a oeste e a sudoeste do município. Estas
freguesias totalizavam, em 2011, cerca de 111.556 indivíduos residentes.

Figura 6 – Área de influência das unidades funcionais do A.C.E.S.


do Cávado I, em 2011

Fonte: Ribeiro (2012).


A (in)equidade no acesso aos serviços de saúde 235

Por seu turno, a unidade de saúde do Carandá configura-se como a se-


gunda unidade com maior representatividade. A sua área de influência
abrange 19 freguesias situadas a leste e a sudeste da área central do municí-
pio totalizando uma área com 63 km2. Em 2011, residiam, nestas freguesias,
92.254 habitantes que dispunham de quatro U.S.F. e de outras tantas
U.C.S.P..
Por último, o setor Norte do município encontra-se incluído na área de
influência da unidade de saúde de São Vicente/Infias. Esta abrange 16 fre-
guesias, as quais totalizam uma área com 58 Km2 onde residem cerca de 49
mil indivíduos.

Quadro 3 – Características das Unidades Funcionais do Agrupamento


de Centros de Saúde do Cávado I – Braga, em 2011

Total de População
Unidade de Unidades N.º de
Unidades Código Designação Observação potencial Área (km2)
saúde funcionais freguesias
Funcionais 2011

Centro de 413 S. Vicente/ Infias 5 31.787 18,2


Saúde Braga - UCSP 3 411 Adaúfe 5 6.046 24,4
Unidade de 412 Ruães 6 11.245 15
em fase de
Saúde São UCC 1 414 Braga Saudável candidatura ......
Vicente / Infias URAP 1 999 .......
400 16 49.078 57,5
311 São Lourenço  3 6.672 7,6
USF 3 312 Manuel Rocha Peixoto funcionam no 7 58.452 9
Centro de 313 Maxisaúde mesmo edifício 7 30.577 13
Saúde Braga - 321 Tadim 6 1.142 13,4
Três
Unidade de 322 Tadim - Pólo sequeira 1 1.815 4,4
horizontes
Saúde UCSP 5 323 Tadim - Pólo Cabreiros 2 2.205 4,8
Maximinos 324 Pólo Tebosa 4 3.518 11
Maximinos
325 Pólo de Veiga do Penso 5 3.900 11,3
UCC 1 331 Unidade de Cuidados na Comunidade Colina 
300 32 111.556 74,42
213 (+) Carandá 7 60.599 17,7
214 Bracara Augusta 7 60.599 17,7
USF 4
Centro de 215 Gualtar 4 10.482 14,2
Saúde Braga - 216 S. João de Braga 5 62.958 13,5
Unidade de 224 Sanus Carandá
Saúde do 221 Carandá
UCSP 4
Carandá 222 Carandá Carandá - Pólo Esporões 4 3.918 10,2
223 Carandá - Pólo Pedralva 3 3.659 18,3
em fase de
UCC 1 251 Assucena Lopes Teixeira candidatura
URAP 1 999
200 19 92254 62,9
Total: Unidades de saúde: 3; Unidades de Saúde Familiar: 7; Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados: 12; Unidade de Cuidados Continuados: 2+1; Unidade de Recursos
Assistenciais e Partilhados:1

Fonte: Ribeiro (2012).

No município de Braga as U.S.F. abrangem territórios com maior den-


sidade populacional do que as U.C.S.P. Destaca-se a U.S.F. Manuel Rocha
Peixoto, com 6.500 hab./Km2 seguida das U.S.F. de São João, do Carandá e
a Bracara Augusta, cujas densidades populacionais oscilam entre os 3.000 e
os 5.000 hab./Km2. Estas U.S.F. têm em comum o facto de se localizarem no
núcleo central de Braga (Ribeiro, 2012).
236 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

3.2.4 Crescimento populacional: a atratividade da cidade

Nas últimas décadas o município de Braga tem vindo a aumentar o po-


der de atração populacional, que lhe permite ocupar um papel de relevo, no
contexto nacional, e principalmente no noroeste português. O quadrilátero
urbano composto pelos municípios de Braga, Guimarães, Barcelos e Vila
Nova de Famalicão, corresponde a um território onde reside cerca de 600 mil
indivíduos. Na última década, o município de Braga foi o que mais cresceu,
em termos de população, enquanto os municípios de Guimarães e de Barce-
los perderam população.
O crescimento populacional registado em Braga (10,5%) ocorreu prin-
cipalmente nas freguesias, próximas do núcleo central, que integram a cida-
de (cresceu 16%), com exceção das do centro histórico que viram a sua
população diminuir. Certamente o facto da cidade de Braga apresentar um
modelo de crescimento mais compacto, ao invés do da dispersão de activi-
dades e população como acontece na generalidade dos municípios, pode
estar a contribuir para esta atratividade pelo espaço urbano. De facto, mais
de 60% da população reside a menos de 3km do núcleo central e aproxima-
damente 80% a menos de 5km.
Contudo, a manter-se o efeito de atração populacional que este território
tem revelado nas últimas décadas é fundamental não ignorar os impactos que
o mesmo terá sobre as condições de vida da população. Em termos de mobi-
lidade, o facto de a generalidade dos fluxos gerados dentro do município
serem de curta distância e na maioria dos casos realizadas em automóvel
implica acautelar o papel da mobilidade sustentável, sob pena de se degrada-
rem as condições de vida neste espaço.

3.3 A perceção da população sobre as condições de vida

O inquérito Perception survey on quality of life in European cities, rea-


lizado foi realizado em 2009, no âmbito do programa Urban Audit, a 75
cidades. Os resultados deste inquérito permitem comparar a perceção da
população residente nestas cidades, designadamente a de Lisboa e de Braga,
em Portugal.
A cidade de Braga aparece no topo do ranking das cidades onde os in-
quiridos mais optaram pelo automóvel para se deslocarem para o trabalho ou
para a escola. Cerca de 63% destes inquiridos revelou utilizar habitualmente
o automóvel e 25% optam pelo modo “a pé”. A percentagem de indivíduos
que utilizam os transportes públicos é substancialmente inferior em Braga,
embora nas deslocações a “a pé” superem as verificadas em Lisboa.
Os principais problemas da cidade de Braga foram identificados pela
população inquirida como sendo a criação de emprego (70%), os serviços de
A (in)equidade no acesso aos serviços de saúde 237

saúde (67%) e a educação (43%) (Directorate General for Regional Policy,


2009). Salienta-se que, no quadro das 75 cidades europeias, relativamente
aos serviços de saúde, a cidade de Braga foi a que registou maior proporção
de respostas a referirem-nos como um dos três principais problemas da
cidade (Figura 7).

Figura 7 – Perceção da população residente em Braga e em Lisboa


sobre os maiores problemas dessas cidades, em 2009
80
Braga
Lisboa
70

60

50

% 40

30

20

10

0
Criação de Serviços de Educação Segurança Serviços sociais Poluição do ar Transportes Condições da Infraestruturas Ruído Não responde
emprego saúde urbana públicos habitação rodoviárias

Problema

Fonte: elaboração própria com base em Directorate General for Regional Policy, 2009.

Neste território, os Transportes Urbanos de Braga são a principal alter-


nativa ao automóvel. Por esse facto têm um papel de facilitador da acessibi-
lidade da população aos diversos serviços tidos comos essenciais, e.g. os
serviços de saúde, contribuindo, deste modo, para diminuir o fenómeno da
exclusão social.
Quando analisamos a acessibilidade aos serviços de saúde a vulnerabi-
lidade dos idosos à exclusão aumenta pois este é um dos grupos que mais
depende e utiliza estes serviços. Atendendo, à continuada tendência para o
aumento da população idosa, na generalidade dos municípios, é fundamental
cuidar das condições de acessibilidade, melhorando-as. Contudo, a acessibi-
lidade geográfica aos serviços de saúde raramente é avaliada, à grande escala
e “a pé”.
238 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

4. Acessibilidade e SIG

4.1 Metodologia e dados geográficos

A acessibilidade da população aos serviços de saúde (farmácias e


U.C.S.P.) da população idosa é uma das preocupações centrais desta investi-
gação. Para avaliar as condições de proximidade e os tempos de deslocação
recorreu-se à análise de redes onde se simula a velocidade de deslocação “a
pé” por grupos funcionais (Quadro 4).

Quadro 4 – Velocidade dos jovens/adultos a andar


“a pe´” segundo o declive
Subir descer
Grupo funcional Declive (%)
Metros/minuto Impacto (%) Metros/minuto Impacto (%)
Jovem/adulto (a)

<a5 80 ……….. 80 ………..


5-10 76 -5% 84 -5%
11 – 20 72 -10% 76 -10%
> a 20 56 -30% 72 -30%
<a2 50 0% 50 0%
2-4 45 -10% 50 0%
Idoso (b)

5-6 40 -20% 45 -10%


7-8 35 -30% 40 -20%
9 - 10 30 -40% 35 -30%
> a 10 25 -50% 30 -40%

Fonte: a) Finnis e Walton (2008); b) Ribeiro et al. (2013).

A velocidade dos jovens/adultos foi obtida com base na literatura, en-


quanto a dos idosos foi obtida através de trabalho de campo tendo em consi-
deração o declive das vias. A acessibilidade dos idosos foi medida através da
modelação em SIG recorrendo às áreas de serviço para gerar as diversas
isócronas.

4.2 Acessibilidade aos serviços de saúde em Braga

A acessibilidade dos serviços de saúde é superior para a população idosa


que reside no núcleo central comparativamente com a das restantes áreas pois
permite-lhes alcançar os serviços de saúde em menos de trinta minutos a “a
pé”. No entanto, a partir do núcleo central a quantidade de idosos que reside
A (in)equidade no acesso aos serviços de saúde 239

para além dessa distância tempo aumenta substancialmente. Na generalidade


do território municipal os idosos têm que recorrer a outro meio de transporte
alternativo ao andar “a pé” para aceder aos serviços de saúde. Tal revela um
desajustamento entre a localização dos equipamentos de saúde e a população,
contrariando o objectivo de promover a proximidade entre ambos.
No município de Braga apenas 9% dos idosos reside a menos de cinco
minutos, “a pé”, de uma farmácia, sendo que a generalidade destes reside,
sobretudo, no núcleo central enquanto a maioria da restante população (51%)
reside entre cinco e trinta minutos (Figura 8).
Ainda assim, destaca-se o facto de cerca de 40% dos idosos necessitar
de mais de trinta minutos “a pé” para alcançar a farmácia mais próxima.
Excetuando o núcleo central, as condições para andar “a pé” são pouco
atrativas, por vezes inseguras, conforme comprovam os dados de sinistrali-
dade relacionados com o atropelamento de peões. Nos espaços onde a dis-
tância entre a oferta e a procura dos serviços de saúde é mais acentuada os
transportes urbanos têm um papel facilitador da acessibilidade a esses servi-
ços. No município de Braga a maioria do território apresenta uma boa cober-
tura territorial mas o serviço nas áreas mais periféricas é ineficiente (Ribeiro,
2012).

Figura 8 – Acessibilidade individual dos idosos às farmácias


no município de Braga em 2011

Fonte: Ribeiro (2012).


240 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

A proporção de população idosa, que reside a menos de 15 minutos de


um serviço de saúde (farmácia ou unidade de cuidados de saúde primários-
-U.C.S.P.), em relação ao total de idosos que reside em cada freguesia, está
expressa na Figura 9. Constata-se que a acessibilidade às farmácias é superi-
or à das U.C.S.P.. As farmácias também apresentam uma correlação mais
elevada com a distância ao centro da cidade (r2 de 0,648). Nas freguesias,
cuja sede se localiza a menos de um quilómetro da sede do município, ape-
nas numa freguesia a totalidade da população idosa pode aceder aos cuida-
dos de saúde primários em menos de 15 minutos. Nas restantes freguesias,
localizadas a menos de um quilómetro da sede do município, mais de metade
dos idosos necessita de mais de quinze minutos para alcançar esses serviços.

Figura 9 – Proporção de população idosa que reside a menos de 15 minutos “a pé”


de um serviço de saúde, por freguesia, no município de Braga em 2011

Fonte: Ribeiro (2012).

No entanto, os níveis de acessibilidades mais baixos encontram-se nas


freguesias entre um e quatro quilómetros da sede do município. Na generali-
dade das freguesias que se localizam neste espaço todos os idosos residem a
mais de quinze minutos da U.C.S.P. mais próxima. Nestas freguesias esta
situação é ligeiramente mais favorável no caso da acessibilidade às farmá-
cias, onde nalguns casos a percentagem de idosos que reside a menos de
quinze minutos supera os 30%.
Contrariamente a este conjunto de freguesias está o grupo das freguesias
que se localizam entre os quatro e os seis quilómetros da sede do município.
Nestes casos, os níveis de acessibilidade melhoram substancialmente em
nove das freguesias. Contudo, em nenhuma delas a percentagem de idosos a
residir a menos de quinze minutos da U.C.S.P. mais próxima ultrapassar os
30%. Neste cluster de freguesias a acessibilidade às U.C.S.P. é mais favorá-
vel do que à das farmácias.
A (in)equidade no acesso aos serviços de saúde 241

Relativamente às freguesias mais periféricas do município, localizadas


para além dos seis quilómetros, os níveis de acessibilidade dos idosos a
qualquer um dos serviços de saúde em análise deterioram-se significativa-
mente. Ainda assim, salienta-se o facto de numa das freguesias das mais
periféricas (Tadim) se ter registado a segunda maior percentagem de idosos a
residir a menos de quinze minutos (56%) de uma U.C.S.P., apesar de em
termos de acessibilidade à farmácia a percentagem ter baixado para os 37%.
A acessibilidade da população idosa, que reside a menos de quinze mi-
nutos de uma farmácia, encontra-se hierarquizada por freguesia no Quadro 5.
As primeiras posições nesta lista ordenada são ocupadas pelas freguesias do
núcleo central. A freguesia da Cividade, localizada no núcleo central, é a que
apresenta os níveis mais favoráveis de acessibilidade. A freguesia de São
João de Souto ocupa a segunda posição nesta hierarquia, pelo facto de dis-
ponibilizar uma farmácia a toda a população em menos de quinze minutos,
embora em termos de acessibilidade aos cuidados de saúde primários ocupe
a quinta posição.
Observa-se que entre as 25 posições cimeiras 6 correspondem a fregue-
sias que se localizam a uma distância superior a seis quilómetros da sede do
município. Nas últimas 25 posições do ranking também se destacam sete
freguesias por se localizarem a menos de quatro quilómetros do núcleo
central. Entre estas, sobressai a freguesia de Nogueira por se localizar muito
próxima do núcleo central (2,7 km), não obstante ser uma das freguesias que
ocupa a última posição. Para tal contribui a inexistência de qualquer farmá-
cia ou U.C.S.P.. Destaca-se ainda o facto de esta freguesia ter sido a escolhi-
da para a localização do Hospital privado de Braga que já se encontra em
funcionamento desde 2010.
O posicionamento de cada freguesia no ranking global encontra-se repre-
sentado na Figura 10. O núcleo central possui o melhor indicador de acessibi-
lidade, nomeadamente a freguesia da Cividade. Salienta-se o baixo nível de
acessibilidade demonstrado pelas freguesias que compõem o eixo entre Te-
nões e Nogueira que é um dos que mais tem crescido mais em termos popula-
cionais nas últimas décadas. Também se destacam as freguesias de Tadim, de
Tebosa e de Mire de Tibães se destacam, pois apesar de se localizarem em
espaços mais periféricos alcançaram uma posição de destaque na hierarquia
devido à proximidade da população idosa aos serviços de saúde.
No entanto, a posição cimeira que ocupam não significa que a maioria
da população idosa se encontre a menos de quinze minutos destes serviços
de saúde. Como se observa no caso de Mire de Tibães apenas 28% da popu-
lação idosa, no caso das U.C.S.P., e 27%, no caso das farmácias, se encon-
tram nessas condições. Não obstante as reduzidas percentagens, estas fregue-
sias ocupam a nona e a décima posição, respetivamente, sobressaindo as
debilidades no acesso geográfico aos serviços de saúde por parte das fregue-
sias mais próximas do núcleo central.
242 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Quadro 5 – Hierarquia das freguesias segundo a população idosa a menos de 15


minutos de um serviço de saúde, e paragem de autocarro

Fonte: Ribeiro (2012).


A (in)equidade no acesso aos serviços de saúde 243

Figura 10 – Hierarquia das freguesias segundo a percentagem da população idosa que


reside a menos de 15 minutos “a pé” de um serviço de saúde público

Fonte: Ribeiro (2012).

A distribuição das unidades de cuidados de saúde primários e das far-


mácias não ocorre de uma forma homogénea. Pelo facto é possível identifi-
car vários espaços onde a ausência de serviços de saúde limita o acesso da
população a estes serviços (Figura 11).
Os principais “desertos de serviços de saúde” ocorrem nas freguesias
mais periféricas do município sendo que algumas delas correspondem às
áreas de maior altitude do município. Deste modo, estes espaços são, em
termos potencias, as áreas com maior vulnerabilidade à exclusão social. No
entanto, é ainda possível identificar na franja suburbana e periurbana do
município alguns espaços onde, apesar da existir pelo menos uma farmácia,
a distância ao prestador de cuidados de saúde primários é significativa.
244 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Figura 11 – Densidade populacional do município de Braga, em 2001,


e localização dos serviços de saúde

Fonte: Ribeiro (2012).

5. Conclusão

A melhoria da acessibilidade aos serviços de saúde pode ser alcançada


segundo duas vias. A primeira via passa pela relocalização das unidades
funcionais e das farmácias com vista a maximizar a acessibilidade aos servi-
ços de saúde. A segunda via passa por otimizar a rede de transportes públi-
cos adequando a oferta às necessidades da população. Esta visão integrada
do uso do solo e dos transportes é fundamental para colmatar as desigualda-
des que vão surgindo nos territórios, tornando, deste modo, o acesso aos
serviços de saúde mais equitativo.
O serviço de proximidade assume-se como um dos principais objetivos
das políticas de saúde em Portugal. Deste modo, a localização das unidades
funcionais é um elemento fundamental para o concretizar, onde a acessibili-
dade deve ser maximizada. Porém, apesar de concetualmente este ser um dos
objetivos não existe uma prática de planeamento que a procure concretizar.
Numa sociedade que envelhece, a necessidade de utilização das
U.C.S.P. e das farmácias aumentará substancialmente. Do mesmo modo,
também as desigualdades no acesso a estes serviços tendem a aumentar,
A (in)equidade no acesso aos serviços de saúde 245

devido às práticas de planeamento que incentivam a dispersão das activida-


des, a fragmentação espacial da sociedade aumentando a dependência do
automóvel.
A cidade de Braga apresenta um modelo de crescimento mais compacto
do que o da generalidade das cidades portuguesas. Considerando a proximi-
dade da população ao núcleo central e as altas densidades deste espaço seria
expectável que as áreas com maiores desigualdades no acesso aos serviços
de saúde fossem muito reduzidas. Porém, recorrendo às isócronas para medir
a acessibilidade, da população idosa, identificamos ainda assim, diversas
áreas onde a acessibilidade é muito reduzida. Tal evidencia que poderão
estar a ocorrer situações de exclusão social, que os transportes urbanos
deveriam mitigar.
Por este facto, nesta investigação contribuiu-se para identificar esses es-
paços que carecem urgentemente de intervenção para mitigar a incidência da
exclusão social. A análise através das redes permitiu obter uma imagem mais
realista da acessibilidade aos serviços de saúde de quem mais precisa deles:
os idosos. Ao identificar os desertos de serviços de saúdes criam-se instru-
mentos que permitem às entidades que gerem o território municipal desen-
volver medidas de inclusão.
Pelo exposto, torna-se urgente orientar o planeamento em saúde para a
promoção da proximidade da população às unidades de cuidados de saúde
primários. O recurso às medidas de acessibilidade, “a pé”, através da análise
de redes contribuiu para melhor compreender e atuar no território, promo-
vendo a equidade no acesso geográfico a estes serviços.

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NOTAS BIOGRÁFICAS DOS AUTORES

Ana Cláudia Vieira Lourenço, natural de Aveiro, é licenciada em Geografia


pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Em 2011, nessa
mesma instituição, prestou as provas de mestrado em Geografia Humana,
Ordenamento do Território e Desenvolvimento, com a apresentação da tese
intitulada Obesidade infantil e Ambiente: considerações sobre o distrito de
Aveiro, obtendo a classificação final de 18 (dezoito) valores. A sua investi-
gação, desenvolvida nas relações entre lugares e saúde, sobretudo na temáti-
ca dos ambientes obesogénicos, tem sido divulgada em diversos congressos,
nacionais e estrangeiros e os resultados publicados em artigos e resumos de
apresentações, em revistas nacionais e estrangeiras.

Ana Monteiro, natural do Porto, é Professora Catedrática do Departamento


de Geografia da Universidade do Porto, Membro da direção e investigadora
do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), membro do
Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente (CITTA) e
colaboradora do Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Territó-
rio (CEGOT). É licenciada em geografia, pós graduada em Avaliação de
Impacte Ambiental pela Universidade de Aberdeen (Reino Unido) e em
geografia física pela Universidade do Porto. Doutorou-se em geografia física
na Universidade do Porto em 1993 onde fez também a agregação em 2004. É
Auditora de Defesa Nacional desde 2001. Foi vice-presidente e presidente do
Conselho Directivo da Faculdade de Letras da Universidade do Porto entre
1996 e 1998 e entre 2003 e 2005. É representante nacional em diversas Cost
Actions e colabora com a Comissão Europeia integrando o painel de avalia-
dores do 7º Programa Quadro. Pertence, desde 2009, à Comissão Científica
do Grupo de Climatologia da União Geográfica Internacional. É, desde
2010, Diretora do Mestrado de Riscos, Cidades e Ordenamento do Territó-
rio. É membro das comissões científicas do Curso de Doutoramento em
Museologia e do Mestrado de Sistemas de Informação Geográfica e Orde-
namento do Território. Tem sido professora convidada em diversas universi-
dades nacionais e estrangeiras. Tem sido coordenadora e investigadora em
mais de 30 projetos de investigação científica nacionais e internacionais.
Leciona e realiza investigação desde 1983 nas áreas de climatologia urbana,
bioclimatologia, agroclimatologia, avaliação de impactes ambientais, polui-
ção atmosférica, geopolítica, saúde e qualidade de vida e planeamento urba-
250 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

no, procurando, sempre que possível, transferir os resultados da sua investi-


gação para a sociedade como expressam os 17 livros e capítulos de livros
publicados, os 46 artigos em revistas nacionais e internacionais e os cerca de
100 resumos em atas de colóquios nacionais e internacionais. Orientou e co-
-orientou mais de 50 estudantes de pós-doutoramento, doutoramento e
mestrado nacionais e estrangeiros.

Clara Costa Oliveira, natural de Angola (nacionalidade portuguesa), é


Professora Associada com Agregação em Educação para a Saúde (2010);
docente do Instituto de Educação da Universidade do Minho há 22 anos;
investigadora do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Mi-
nho, coordenando o grupo de pesquisa em ‘Sofrimento, Educação e Saúde’.
Foi coordenadora do mestrado em Educação para a Saúde da UM, onde é
docente. Formadora formal e não formal de profissionais de saúde e de
educadores não formais e informais de saúde. Autora de vários livros e
artigos; proferiu várias comunicações e conferências, em Portugal e no
estrangeiro. Investiga nas áreas de Teoria da Educação, Humanidades em
Ciências da Saúde, Educação para a Saúde e Comunitária, sobretudo em
torno do movimento da auto-organização, e do modelo salutogénico. Cola-
bora com três grupos de pesquisa brasileiros.

Helena Guilhermina da Silva Marques Nogueira é Professora Auxiliar do


Departamento de Geografia da Universidade de Coimbra e membro do
Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS, Universidade).
Doutorou-se em 2007 em Geografia; em 2006 recebeu o prémio Bial de
Medicina Clínica (em coautoria) e em 2008, o Prémio de Reconhecimento
Científico “Saúde e Qualidade de Vida em Meio Urbano”, atribuído pela
Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis.
Realiza investigação na área da Geografia da Saúde e do Planeamento Ur-
bano Saudável, sobretudo nos temas das determinantes sociais da saúde,
variações e iniquidades em saúde, territórios urbanos saudáveis e ambientes
obesogénicos. Tem vários trabalhos publicados em livro e como capítulos de
livro, nacionais e internacionais e cerca de setenta artigos em revistas portu-
guesas e estrangeiras, alguns dos quais em periódicos internacionais, como a
Health & Place, a Social Science and Medicine e o American Journal of
Preventive Medicine.

Jesús M. González Pérez, natural de A Ramallosa, Pontevedra, é Doutor em


Geografía pela Universidade de Santiago de Compostela e Professor Titular
de Análise Geográfica Regional na Universidade das Ilhas Baleares. Foi
professor noutras duas Universidades de Espanha e México e realizou esta-
dias de investigação (como professor ou investigador) em sete Universidades
Europeias e Americanas. Realiza docência em cursos de doutoramento e
Notas biográficas dos autores 251

mestrado sobre temáticas urbanas e territoriais nas Universidades de Santia-


go de Compostela, Ilhas Baleares e Barcelona. É autor ou co-autor de cerca
de cem publicações científicas de carácter nacional e internacional (Reino
Unido, França, Eslovénia, Portugal, Japão, Estados Unidos, México, Brasil,
etc.). Participou en 24 projetos de investigação e realizou cerca de cinquenta
conferências e seminarios em cidades Europeias e Americanas. A sua Tese
de Doutoramento sobre Geografía da Saúde (1998) foi a primeira sobre esta
temática apresentada numa universidade galega. É membro fundador da
“Asociación Galega de Investigadores en Ciencias da Saúde” (1996).
Atualmente é coordenador do tema “Asentamientos Humanos” do Atlas
Nacional de España Siglo XXI e Vicepresidente do Grupo de Geografía
Urbana (GGU) da Associação de Geógrafos Espanhóis (AGE).

Juliana Araújo Alves, natural de Manaus (Brasil), é Mestre em Geografia


pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Está vinculada ao Núcleo
de Estudos e Pesquisas das Cidades na Amazônia Brasileira na linha de
pesquisa “Rede urbana da Amazônia” (UFAM) e ao Grupo de Pesquisa
Geomática na construção civil, nos transportes e no meio ambiente, através
da linha de pesquisa “A saúde no ambiente amazônico” da Universidade do
Estado do Amazonas (UEA). Desenvolve pesquisas na área da Geografia
Humana, com ênfase nas temáticas de Geografia da Saúde e Geografia das
Cidades na Amazônia Brasileira, assim como em Sociologia Rural. Tem
experiência nos temas de comunidades ribeirinhas na Amazônia e políticas
territoriais.

Luís Fonseca, géografo, mestre em Sistemas de Informação Geográfica e


Ordenamento do Território, especialista em sistemas de informação geográ-
fica para a tomada de decisão nos cuidados de saúde primários. Colabora
com o grupo de investigação em Clima e Saúde desde 2009.

Maria de Fátima da Silva Vieira Martins, natural de Amares, é Professora


Adjunta na Escola Superior de Enfermagem da Universidade do Minho.
Mestre em Sociologia da Saúde desde 2004 e Doutora em Sociologia desde
2011. Coordenadora da linha de Investigação «Desenvolvimento Humano,
Saúde e Contextos Sociais» do Núcleo de Investigação em Enfermagem da
Escola Superior de Enfermagem da Universidade do Minho. Colabora,
também com o Centro de Investigação em Ciências Sociais da mesma Uni-
versidade.
Realiza investigação no âmbito da Enfermagem e da Sociologia da Saúde. É
vice representante portuguesa da Rede Ibero-Americana de Mercadotecnia
en Salud que agrega 17 países. Participou em Congressos Nacionais e Inter-
nacionais no âmbito da Saúde, Enfermagem e Sociologia e publicou vários
artigos em revistas portuguesas e estrangeiras.
252 Desigualdades Socioterritoriais e comportamentos em saúde

Mário Almeida, geógrafo, mestre em Riscos, Cidades e Ordenamento do


Território, especialista em sistemas de alerta e resposta de eventos extremos
de calor e de frio adaptados à escala local e às características da população-
-alvo. Colabora com o grupo de investigação em Clima e Saúde desde 2009.

Paula Cristina Almeida Cadima Remoaldo, natural do Porto, é Professora


Associada do Departamento de Geografia da Universidade do Minho, Dire-
tora do Núcleo de Investigação em Geografia e Planeamento e Coordenadora
da Linha de Investigação “Organizações, Território e Desenvolvimento” do
Centro de Investigação em Ciências Sociais da mesma Universidade. Douto-
rou-se em 1999 em Geografia Humana e foi de 2000 a 2004 e de 2006 a
2007 Diretora do Departamento de Geografia e Diretora do Curso de Geo-
grafia e Planeamento da Universidade do Minho. Também integrou a Dire-
ção do Mestrado em Património e Turismo da mesma Universidade. Detém
23 anos de experiência na análise demográfica, social, cultural e em saúde
do noroeste português.
Realiza investigação na área da Geografia da Saúde e do Turismo Cultural e
é representante portuguesa da Rede Ibero-Americana de Mercadotecnia en
Salud que agrega 17 países. Tem cerca de setenta artigos publicados em
revistas portuguesas e estrangeiras. Publicou, até ao momento, onze livros e
participou na redação de 22 capítulos de livros e em 24 projetos de investi-
gação, nacionais e internacionais.

Samuel do Carmo Lima, natural do Rio de Janeiro, é Professor Associado


do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, Coordena-
dor do Observatório da Saúde, do Laboratório de Geografia Médica e Vigi-
lância em Saúde da UFU e Editor de Hygeia – Revista Brasileira de Geogra-
fia Médica e da Saúde. Foi coordenador do curso de graduação em Geografia
da UFU de 1999 a 2000 e de 1997 e 1998, diretor do Instituto de Geografia
da UFU de 2000 a 2005 e coordenador do Programa de Pós-graduação em
Geografia da UFU, de 2007 a 2011. Realizou estágio de Pós-doutorado na
UNESP – Pres. Prudente (bolsista – CNPq): Malária, Aquecimento Global e
Globalização (2006/2007).

Sara Velho, arquitecta paisagista, mestre em Sistemas de Informação Geo-


gráfica e Ordenamento do Território, especialista em avaliação e cenarização
de condições de conforto bioclimático para seres humanos indoor e outdoor
e na utilização dos espaços verdes como elemento mitigador dos efeitos
adversos para a saúde humana causados pelos extremos climáticos em es-
paços urbanizados. Colabora com o grupo de investigação em Clima e Saúde
desde 2009.
Notas biográficas dos autores 253

Vitor Patrício Rodrigues Ribeiro, natural de Braga, é Assistente Convidado


do Departamento de Geografia da Universidade do Minho e Professor Ad-
junto do Departamento de Educação Básica da Escola Superior de Educação
Paula Frassinetti. É membro do Núcleo de Investigação em Geografia e
Planeamento e membro efectivo da Linha de Investigação “Organizações,
Território e Desenvolvimento” do Centro de Investigação em Ciências
Sociais da Universidade do Minho.
Doutorou-se em 2012 em Geografia e Planeamento Regional com a tese
intitulada “Mobilidade e Acessibilidade da População aos Serviços de Saú-
de: o caso do município de Braga”. Detém 9 anos de experiência na utili-
zação e no ensino dos Sistemas de Informação Geográfica.
Realiza investigação na área dos Sistemas de Informação Geográfica, do
Planeamento Regional e Urbano e da Geografia dos Transportes. Tem várias
participações em congressos nacionais e internacionais. Publicou, em co-
-autoria, 3 capítulos de livros.
Colibri – Artes Gráficas
Apartado 42 001
1601-801 Lisboa
Tel: 21 931 74 99
www.edi-colibri.pt
colibri@edi-colibri.pt

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