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AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE DE PRODUÇÃO DE BIOMASSA

POR LEVEDURA DO GÊNERO RHODOTORULA UTILIZANDO A


MANIPUEIRA COMO SUBSTRATO

T. B. SIMÕES1, F. L. H. da SILVA1, A. DOMICIANO1, J. SILVA2, L. L. MEDEIROS2 e J. E. S.


RIBEIRO2
1
Universidade Federal da Paraíba, Centro de Tecnologia, Departamento de Engenharia Química
2
Universidade Federal da Paraíba, Centro de Tecnologia, Departamento de Engenharia de Alimentos
E-mail para contato: thiago_bs_06@hotmail.com

RESUMO – O cultivo de leveduras do gênero Rhodotorula é de grande interesse


econômico uma vez que diversos compostos de alto valor comercial podem ser produzidos
em grande quantidade por estes microrganismos. Na produção da mandioca são gerados
diversos resíduos, tais como casca, farelo e manipueira (resíduo líquido com alto teor de
Demanda Bioquímica de Oxigênio). O presente trabalho teve como objetivo avaliar o
crescimento e a produção de biomassa por Rhodotorula mucilaginosa cultivada em meio de
cultura à base de manipueira. Para a comparação dos resultados foi realizado um
experimento controle utilizando-se um meio de cultura sintético. O potencial para a
aplicação da manipueira como substrato para a levedura Rhodotorula mucilaginosa foi
evidenciado por meio de uma caracterização físico-química prévia. A manipueira utilizada
apresentou pH equivalente a 5,26, 92,38% de umidade, 0,53% de matéria mineral, 1,17% de
proteínas, 3,02% de açúcares redutores e 5,1% de açúcares redutores totais. No cultivo
sintético, a maior quantidade de biomassa produzida foi de 14,05 g/L, enquanto que no
cultivo com a manipueira obteve-se um máximo de 3,5 g/L. A manipueira apresenta-se como
um resíduo com potencial para ser substrato na produção de lipídeos utilizando a levedura.

1. INTRODUÇÃO
Leveduras do gênero Rhodotorula são reconhecidas por sua capacidade para a produção, em
grande quantidade, de compostos de alto valor comercial, como pigmentos carotenoides e lipídeos
(Cutzu, Coi, Rosso, & Bardi, 2013; Schneider et al., 2013).
No entanto, os custos do processo de fermentação microbiana para a obtenção da biomassa
ainda são elevados, inviabilizando a produção em escala industrial. Como alternativa para tornar este
processo economicamente viável, diversas fontes de carbono de baixo custo têm sido testadas,
destacando-se o uso de subprodutos ou de excedentes agroindustriais como substratos alternativos
para o cultivo microbiano (AKSU, 2007; CUTZU, 2013; CHANDI, 2010).
Diversos estudos têm apontado a boa capacidade de crescimento e de produção de biomassa de
Rhodotorula sp. em meios de cultura de baixo custo (BUZZINI; MARTINI, 1999; MALISORN;
SUNTORNSUK, 2008; MAROVA et al., 2012; PARK et al., 2005).
A indústria da mandioca é responsável pela geração de diversos resíduos, tais como a casca, o
farelo e a manipueira, que é o principal resíduo gerado no processamento da mandioca (Suman, et. al.,
2011). Para cada tonelada de mandioca processada, são gerados, aproximadamente, 300 L de
manipueira (Fernandes Junior & Takahashi, 1994).
A manipueira é um resíduo rico em carboidratos e sais minerais, sendo considerado um
substrato muito atrativo para processos biotecnológicos (Nitschke; Pastore, 2006). Apesar disto,
normalmente não é aproveitada pelos produtores, devido à falta de conhecimento sobre o seu
potencial de uso, tornando-se um dos principais problemas da cadeia produtiva da mandioca, em
função do impacto ambiental ocasionado pelo descarte inadequado deste resíduo na natureza (COSTA
et al., 2010).
Portanto, considerando o baixo custo e a grande quantidade de manipueira produzida no Brasil,
o presente estudo foi realizado com o objetivo de avaliar o potencial de uso da manipueira como meio
de cultura alternativo para o cultivo da levedura Rhodotorula mucilaginosa.

2. METODOLOGIA
2.1. Obtenção da matéria-prima
A manipueira utilizada foi fornecida por uma casa de farinha localizada no município de
Sobrado-PB e armazenada a -18º C. O cultivo e as análises da matéria-prima (manipueira) e do
produto obtido foram conduzidos no laboratório de bioengenharia do Departamento de Engenharia
Química (DEQ) da Universidade Federal da Paraíba, campus I.

2.2. Análises físico-químicas


As análises físico-químicas (pH, umidade, matéria mineral, proteínas, açúcares redutores e
totais) foram todas determinadas de acordo com a metodologia da Association of Official Analytical
Chemists (AOAC, 2005).

2.3. Processo de cultivo do microrganismo


No processo de cultivo, a R. mucilaginosa foi incubada em meio YMA (Yeast, Malt, Agar),
composto por 10 g/L de Dextrose, 3 g/L de Extrato de levedura, 3 g/L de Extrato de malte, 5 g/L de
Bacto peptona e 20 g/L de Ágar a 30° C durante 5 dias, conforme mostra a Figura 1.
Figura 1 – Levedura Rhodotorula mucilaginosa.

Foram utilizados dois substratos para comparação, a manipueira in natura e um substrato


sintético (composto de glicose, KH2PO4, MgSO4 7H2O e extrato de levedura). As células de R.
mucilaginosa foram inoculadas na manipueira e no o meio sintético contendo 40 g/L de glicose, 8 g/L
de KH2PO4, 0,5 g/L de MgSO4 7H2O, 3 g/L de extrato de levedura e pH de 5,5 (foi utilizado como
tratamento controle). Os dois substratos utilizados (substrato sintético e manipueira, respectivamente),
estão representados na Figura 2.

Figura 2 – Substrato sintético e Manipueira.

Os meios foram incubados à temperatura de 30° C sob agitação constante de 180 rpm por 120
horas, ambos em duplicata. Durante o cultivo alíquotas, em duplicata, foram retiradas dos meios nos
tempos equivalentes a 0, 2, 4, 6, 8, 10, 12, 24, 36, 48, 72, 96 e 120 horas após o inóculo para
determinação da biomassa produzida.

2.4. Biomassa
Alíquotas foram retiradas em intervalos de tempo pré-estabelecidos e centrifugadas a 10000
rpm por 5min. Após a centrifugação, o sobrenadante foi descartado e a biomassa fresca foi colocada
na estufa sob temperatura de 105 ºC por 24 h. Por fim, a biomassa seca foi determinada por
gravimetria.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

A caracterização físico-química da manipueira, com a média e o desvio padrão, utilizada está


apresentada na Tabela 1.

Tabela 1 – Resultados da caracterização físico-química da manipueira


Caracterização Resultados
pH 5,26 ± 0,04
Umidade (%) 92,38 ± 0,34
Matéria mineral (%) 0,53 ± 0,021
Proteínas (%) 1,17 ± 0,004
Açúcares redutores (g/L) 30,20 ± 1,40
Açúcares não-redutores (g/L) 20,40 ± 0,67
Açúcares totais (g/L) 50,60 ± 0,66

Damasceno et al. (2003), na utilização da manipueira para a produção de compostos voláteis por
Geotrichum fragrans, encontraram no substrato analisado 58,18 g/L de açúcares totais, sendo 37,96
g/L de açúcares redutores e 20,22 g/L de açúcares não-redutores.

O teor de açúcares redutores (12,8 g/L), encontrados por Nitschke e Pastore (2006) no uso da
manipueira para a produção de biossurfactante através do Bacillus subtilis foi bem abaixo, já o pH,
equivalente a 5,9, um pouco mais alcalino comparado a 5,26.

Segundo Avancini et al. (2007), na caracterização e avaliação da toxicologia da manipueira, o


teor de proteínas encontrado foi equivalente a 1,37%, valor bem próximo comparado a 1,17%. Já o
pH e o teor de matéria mineral (cinzas) encontrados foram 3,20 e 0,02%, respectivamente. Valores
estes bem abaixo ao do presente trabalho, que foram 5,26 e 0,53%, respectivamente.

Na Figura 3 é possível observar o crescimento da levedura Rhodotorula mucilaginosa em meio


sintético. Observa-se que no meio sintético houve crescimento da levedura até 96 horas, sendo este o
ponto de máxima biomassa produzida equivalente a 14,05 g/L. Após esse período houve decréscimo
celular ou início da fase de declínio.
Figura 3 - Crescimento da levedura Rhodotorula mucilaginosa em meio sintético.
*Biomassa em g/L

Na Figura 4 está apresentado o crescimento da levedura, cultivada manipueira 100%. O


crescimento foi menor, em comparação com o meio sintético, obtendo-se no máximo, 3,5 g/L em 10
horas de cultivo, e nos tempos futuros foi observada uma suposta inibição do crescimento, com a
redução acentuada da biomassa, chegando a total morte celular.

Figura 4 - Crescimento da levedura Rhodotorula mucilaginosa usando a manipueira como substrato.

Observando-se a Figura 3, pode-se perceber também que quase não houve crescimento nas
primeiras 12 horas de cultivo, caracterizando a fase lag, segundo Schmidell e Faccioti (2001), nessa
fase de latência o crescimento celular é nulo devido à adaptação das células, seguida de um
crescimento exponencial, atingindo-se seu ponto máximo 96 horas após o inoculo, destaque para a
pequena fase estacionária, durando poucas horas, seguida da fase de declínio ou morte celular.

A Figura 4 apresenta um nítido processo de inibição, onde se conseguiu atingir uma


concentração máxima de biomassa em células secas de apenas 3,5 g/L 10 h após o início do processo
de cultivo, havendo em seguida um acentuado decréscimo. Essa inibição se deve possivelmente a
presença de compostos tóxicos na manipueira, como os cianetos, que com a utilização do substrato
sem diluição, podem agir provocando a morte celular.
Leonel e Cereda (1995) na produção de ácido cítrico utilizando a manipueira e o fungo
Aspergillus niger, constataram que só houve crescimento nos cultivos utilizando-se concentrações de
5, 10, 20 e 30% de manipueira, que foi diluída com água e acrescida de uma solução de 10% de
sacarose. A presença de compostos tóxicos como o ácido cianídrico na manipueira possivelmente
impede o crescimento em concentrações mais elevadas do substrato, sendo necessário diluí-la
previamente para crescimentos mais satisfatórios.
Diante disso, nos estudos futuros de utilização da manipueira como substrato para produção de
lipídeos e carotenoides, usando a levedura como agente da fermentação, serão estudados os substratos
com adição de nutrientes na manipueira diluída (10-50%) e realizar, anteriormente ao cultivo, um
tratamento térmico para eliminação dos cianetos.

4. CONCLUSÃO
Com base nos resultados obtidos pode-se concluir que a manipueira, devido a sua composição
nutricional favorável, apresenta potencial para uso como substrato no processo biotecnológico de
produção de lipídeos e carotenoides, desde que não seja utilizada pura.
A levedura Rhodotorula mucilaginosa mostrou-se promissora para a produção de biomassa,
cresceu bem em meio sintético atingindo altas concentrações de células em poucos dias.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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