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da oração
ISBN 978-85-5510-021-5
17-08395 CDD-242.722
Preâmbulo.......................................................................9
Cap. 1 — Introdução.....................................................11
* Tradução literal; o original diz: “But there’s a power which faith can wield/When mortal aid is
vain,/That eye, that arm, that love to reach,/That listening ear to gain.//That power is prayer,
which soars on high,/Through Jesus to the throne,/And moves the hand which moves the world,/
To bring deliverance down.” (N. T.)
Cap. 1 — Introdução
Por Brian Currie, Irlanda do Norte
Preâmbulo
Orar a Deus é um dos sinais de verdadeira conversão. Isso nos lem-
bra do que é dito sobre Saulo de Tarso logo depois da sua conversão: “…
ele está orando” (At 9:11). Talvez antes disso ele orava, usando palavras
relacionadas com a liturgia, mas é incerto se ele orava de verdade. É
verdade que todos nós começamos a nossa vida espiritual com um de-
sejo interior e uma oração, que foi um clamor por salvação. Assim foi o
começo da vida espiritual do publicano em Lucas 18:10.
Sem dúvida, a oração é o ar natural que um cristão respira, e, no
entanto, é algo muito negligenciado por muitos que se chamam cris-
tãos. Outros apreciam o valor da oração. Foi Alfred Lord Tennyson que
escreveu no século XIX: “Muito mais é conseguido pela oração do que
este mundo imagina” (The Idylls of the King). E. M. Bounds, no século
XX, afirmou*: “Quanto mais oração houver no mundo, melhor será o
mundo”. Numerosas citações poderiam ser dadas aqui para demonstrar
que muitas pessoas, de todas as classes sociais, tiveram uma percepção
da importância e do poder da oração. Neste capítulo tentaremos apre-
sentar o vasto assunto de oração e lançar uma base para os capítulos que
seguirão.
O privilégio da oração
Há pessoas que não dão muita importância à oração. Podemos no-
tar isto pela atitude informal que adotam, vista na sua linguagem irre-
verente e na sua postura desrespeitosa. O fato que, em oração, estamos
nos aproximando do “Alto e Sublime, que habita na eternidade, e cujo
nome é Santo” (Is 57:15), deve reger nossa maneira de nos aproximar
dEle. No Velho Testamento o privilégio do sacerdócio, que havia sido
concedido à nação de Israel depois da sua redenção do Egito (Êx 19:6),
foi retirado, e a tribo de Levi em geral, e a família de Arão especifica-
mente, foram escolhidas para gozar deste grande privilégio. Parece que
* BOUNDS, E. M. Prayer. Whitaker House, 1997.
12 A glória da oração
O propósito da oração
Uma pergunta pode surgir: “Por que devemos orar?” Na vida do
cristão há duas grandes influências, a Palavra de Deus e a oração. D. L.
Moody disse:
Se lemos a Palavra, mas não oramos, podemos nos tornar orgu-
lhosos com o conhecimento que adquirimos, sem ter o amor que
edifica. Se oramos sem ler a Palavra, não conheceremos a mente e a
vontade de Deus, e nos tornaremos místicos e fanáticos, e sujeitos a
sermos levados por qualquer vento de doutrina.*
voz, porque a tua voz é doce e a tua face graciosa” (Ct 2:14).
Ele ensinou os Seus a orar: “Portanto, vós orareis assim …” (Mt
6:9). Ele os encorajou a orar para que mais trabalhadores fossem en-
viados à obra do Senhor: “Rogai, pois, ao Senhor da seara, que mande
ceifeiros para sua ceara” (Mt 9:38). Eles foram ensinados que a oração
é necessária para se obter sucesso no serviço: “Mas esta casta de demô-
nios não se expulsa senão pela oração e pelo jejum” (Mt 17:21). Eles
deveriam orar com fé: “E, tudo que o que pedirdes na oração, crendo, o
recebereis” (Mt 21:22).
O Pai espera que oremos
Todos que nasceram na família de Deus podem chamar Deus de
“Pai”. É assim que aqueles que estão próximos e em comunhão com
Deus se dirigem a Ele. As epístolas do Novo Testamento nunca nos
ensinam a usar o título “Pai Celestial” em oração. Este título é mais
apropriado para um povo terrestre, não para aqueles que, no propósito
divino, já estão assentados nos lugares celestiais em Cristo Jesus (Ef
2:6).
Enquanto estava com os Seus no cenáculo, o Senhor Jesus lhes en-
sinou: “Tudo quanto pedirdes a meu Pai, em meu nome, Ele vo-lo há de
dar” ( Jo 16:23). Ele também ensinou a mulher de Samaria sobre quem
deve ser adorado: “Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros
adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, porque o Pai pro-
cura a tais que assim O adorem” ( Jo 4:23). Ele mesmo frequentemente
chamou Deus de Seu Pai: “Pai, glorifica o teu nome” ( Jo 12:28); “Pai,
é chegada a hora, glorifica a teu Filho, para que também o teu Filho te
glorifique a ti” ( Jo 17:1); “Pai, se queres, passa de mim este cálice; toda-
via não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lc 22:42); “Pai, perdoa lhes,
porque não sabem o que fazem” (Lc 23:34); “Pai, nas tuas mãos entrego
o meu espírito” (Lc 23:46).
Não podemos errar se seguirmos o Seu exemplo, e assim é normal
para os cristãos chamarem Deus de “Pai”. “E, se invocais por Pai aquele
que, sem acepção de pessoas, julga segundo a obra de cada um” (I Pe
1:17). Paulo declarou: “Por causa disto me ponho de joelhos perante o
Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 3:14), e depois ensinou: “Dando
sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor
Jesus Cristo” (Ef 5:20).
Cap. 1 — Introdução 15
guidos, o recurso dos salvos era a oração: “E, tendo orado, moveu-se o
lugar em que estavam reunidos; e todos foram cheios do Espírito San-
to, e anunciavam com ousadia a palavra de Deus” (At 4:31). A oração
acompanhava o ministério da Palavra: “Mas nós perseveraremos na ora-
ção e no ministério da palavra” (At 6:4). O apóstolo Paulo reconheceu
que as orações dos coríntios ajudariam a obra de Deus: “… em quem
esperamos que também nos livrará ainda. Ajudando-nos, também vós
com orações por nós …” (II Co 1:10-11). A oração pela obra de Deus,
em seus vários aspectos, pode ser vista em Atos, e o cap. 12 deste livro
mostrará, mais detalhadamente, este aspecto da oração.
Pedidos a Deus explicam o que é orar
As orações dos santos ilustram bem o assunto da nossa vida de
oração, e podemos discernir o seguinte:
Orar é uma expressão de dependência
Quando nos aproximamos de Deus é nossa incumbência reconhe-
cer a Sua grandeza e a nossa fraqueza. Davi sabia que não foi seu pró-
prio poder que o livrou de Saul: “Na angústia invoquei ao Senhor, e
clamei ao meu Deus; desde o seu templo ouviu a minha voz, aos seus
ouvidos chegou o meu clamor …” (Sl 18:6). Asafe escreveu: “E invoca-
-me no dia da angústia; e eu te livrarei, e tu me glorificarás” (Sl 50:15).
Esta verdade é facilmente vista na oração de Jônatas: “Vem, passemos
à guarnição destes incircuncisos; porventura operará o Senhor por nós,
porque para com o Senhor nenhum impedimento há de livrar com mui-
tos ou com poucos” (I Sm 14:6). Asa revelou o mesmo espírito quando
ele demonstrou a sua confiança em Deus: “E Asa clamou ao Senhor
seu Deus e disse: Senhor, nada é para ti ajudar, quer o poderoso quer
o de nenhuma força, ajuda-nos, pois Senhor nosso Deus, porque em ti
confiamos, e no teu nome viemos contra esta multidão” (II Cr 14:11).
Foi assim também com Ezequias: “Com ele está o braço de carne, mas
conosco o Senhor nosso Deus, para nos ajudar, e para guerrear por nós”
(II Cr 32:8). Isaías encorajou o povo quando escreveu: “Dá força ao
cansado, e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor” (40:29).
O mesmo acontece no Novo Testamento quando Paulo se lembrou das
palavras do Senhor a ele: “A minha graça te basta, porque o meu poder
se aperfeiçoa na fraqueza … Porque quando estou fraco então sou forte”
(II Co 12:9-10).
Cap. 1 — Introdução 17
A persistência na oração
Somos encorajados a mostrar certa persistência quando oramos —
não somente pedir uma vez e nunca mais repetir aquele pedido espe-
cífico.
O ensino do Salvador
Os discípulos vieram ao Senhor Jesus com o pedido: “Senhor, en-
sina-nos a orar …” (Lc 11:1). Ele os atendeu com a oração: “Pai nosso
que estás nos céus …” Em seguida Ele contou uma parábola que con-
trasta a reação negativa de um homem que já estava confortavelmente
deitado em sua cama, e a resposta de um Deus bondoso e amoroso.
Com isso, os filhos de Deus são encorajados a vir com seus pedidos, e
a persistir em vir. Assim o Senhor acrescentou: “Pedi, e dar-se-vos-á;
buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á” (v. 9). Rotherham transmite
bem a ideia no original com sua tradução: “Estejam pedindo, e dar-se-
-vos-á; estejam buscando, e achareis; estejam batendo, e abrir-se-vos-á”.
Esta atitude traz a promessa de coisas boas. Um pai humano não daria
ao seu filho uma pedra que é dura; ou uma serpente que é perigosa; ou
um escorpião que é doloroso. Em contraste com o pai humano está a
bondade insuperável de Deus com os Seus filhos.
O Senhor Jesus novamente ensinou os Seus sobre a persistência
em oração: “E contou-lhes também uma parábola sobre o dever de orar
sempre, e nunca desfalecer” (Lc 18:1). Esta passagem é sobre uma viú-
va que pedia justiça: “Faze-me justiça contra o meu adversário” (v. 3).
Embora esta não seja a atitude correta dos salvos no dia da graça, o
princípio que está sendo ensinado é que precisamos ser persistentes na
oração. O juiz era indiferente, insensível e indolente em relação à situa-
ção daquela viúva, mas ela conseguiu o que queria pela sua persistência.
Se alguém de caráter tão duro agiu, como podemos duvidar da resposta
do nosso Deus, que é um Juiz justo e que cuida especialmente das viúvas
e dos oprimidos?
Cap. 1 — Introdução 19
O exemplo do Salvador
Seria difícil achar uma cena mais comovente do que a do Salvador
prostrado em oração no Jardim de Getsêmani. Provavelmente, a melhor
maneira de apreciar esta cena é simplesmente ler Mateus 26:36-44, em
espírito de adoração. Note especialmente o v. 44: “E, deixando-os de
novo, foi orar pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras”.
O exemplo do apóstolo Paulo
Paulo recebeu um “espinho na carne” (II Co 12:7). Ele relata: “Acer-
ca do qual, três vezes orei ao Senhor para que se desviasse de mim” (v.
8). Ele recebeu uma resposta, mas não foi a resposta que ele queria: “E
disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na
fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para
que em mim habite o poder de Cristo” (v. 9). Paulo persistiu até que
sua oração foi respondida, e quando ele se tornou cônscio da vontade
de Deus sobre o seu pedido, o assunto foi encerrado. Este caso ilustra
o fato que haverá situações na vida quando aprenderemos que a oração
não muda as circunstâncias, mas muda a minha atitude nas circunstân-
cias. É dito que a oração muda as coisas, mas em casos como o de Paulo
podemos dizer que a oração muda a pessoa.
O ensino do apóstolo Paulo
As seguintes passagens já foram citadas, mas são repetidas aqui para
enfatizar o valor da persistência em oração: “Perseverai na oração” (Rm
12:12); “Orando em todo o tempo com toda a oração e súplica no Espí-
rito” (Ef 6:18); “Perseverai em oração, velando nela com ação de graças”
(Cl 4:2); “Orai sem cessar” (I Ts 5:17).
O exemplo dos santos
Descobrimos que todas as pessoas que estiveram em contato com
Deus, tanto no Velho como no Novo Testamento, tinham uma vida de
oração consistente.
No Velho Testamento, Samuel disse: “E quanto a mim, longe de
mim que eu peque contra o Senhor, deixando de orar por vós” (I Sm
12:23). Davi escreveu: “De tarde e de manhã e ao meio dia orarei; e
clamarei, e ele ouvirá a minha voz” (Sl 55:17). Lemos de Daniel que
“três vezes no dia se punha de joelhos, e orava, e dava graças diante do
20 A glória da oração
Lugares de oração
A oração pode ser feita em qualquer lugar. Um santuário terrestre
ou “terra consagrada” não são necessários. Deus sempre está disponível
quando entramos no santuário celestial e desfrutamos da nossa posição
como parte do sacerdócio santo (I Pe 2:5). Há muitos exemplos, e os
que seguem são apenas amostras representativas. Jacó orou num campo
(Gn 28:20; 32:9); Elias num quarto de dormir (I Rs 17:20) e no monte
Carmelo (I Rs 18:37); Neemias orou no palácio do rei (Ne 2:4); Jonas,
no ventre do peixe ( Jn 2:1); Habacuque orou numa torre de vigia (Hc
2:1, 3:1); parece que Natanael orou debaixo de uma figueira ( Jo 1:48-
49); os discípulos num barco (Mt 8:25); Pedro quando estava afundan-
do no mar (Mt 14:30), e também no terraço de uma casa (At 10:9-16);
Paulo e Silas oraram na prisão (At 16:25).
Posturas ao orar
Nas Escrituras muitas posturas diferentes são usadas pelas pessoas
que oravam. A posição normal era de joelhos, como no caso de Davi:
“Ó vinde, adoremos e prostremo-nos; ajoelhemos diante do Senhor que
nos criou” (Sl 95:6). Salomão estava “de joelhos” (I Rs 8:54); Esdras
disse: “e me pus de joelhos” (Ed 9:5). Daniel “três vezes no dia se pu-
nha de joelhos” (Dn 6:10). Estêvão pôs-se “de joelhos” (At 7:60); Paulo
“pôs-se de joelhos” (At 20:36); um grupo pôs-se de joelhos na praia e
orou (At 21:5). Paulo escreveu: “Por causa disso me ponho de joelhos
perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 3:14). Também temos
22 A glória da oração
Petições na oração
Não há circunstância, pedido, ou problema pequeno demais ou in-
significante demais para ser trazido à presença de Deus. “Não estejais
inquietos por coisa alguma; antes as vossas petições sejam em tudo co-
nhecidas diante de Deus pela oração e súplica, com ação de graças” (Fp
4:6). Às vezes pensamos que Deus apenas deve ser consultado sobre
as grandes provações da nossa vida, mas, porque Ele cuida de nós, po-
demos vir com todas as nossas ansiedades. Pedro nos encoraja nisto:
“Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de
vós” (I Pe 5:7). Quando descobrimos a Sua vontade sobre um assunto
e consequentemente apreciamos a resposta, então “em tudo dai graças
…” (I Ts 5:18). Uma consideração prática é compreender que não de-
* Na AV é dito que Ana esteve em pé (“…woman that stood by thee…”). O verbo no original
é natsab (05324), que quer dizer “em pé”. (N. T.)
† Na AV é dito: “Quando estiverdes em pé orando”. (N. T.)
Cap. 1 — Introdução 23
Proibições ao orar
A oração é dirigida a Deus, portanto é vertical. A oração não é
horizontal, e também não é melhorada por verbosidade ou eloquência.
Usar a ocasião de dirigir-se a Deus como uma oportunidade para pregar
a alguém presente é indicação de carnalidade. Se há algum assunto que
precisa ser tratado ou um relacionamento que precisa ser corrigido, isto
deve ser feito de uma maneira pessoal e digna, não por meio de uma
oração hipócrita e covarde que deve entristecer muito o Senhor e o Seu
Espírito Santo.
* Tradução literal. O original diz: “Thou art coming to a King/Large petitions with thee bring/For
His grace and power are such,/None can ever ask too much”. (N. T.)
24 A glória da oração
Obstáculos à oração
Uma pergunta surge na mente de muitos cristãos: por que as ora-
ções nem sempre são respondidas de modo positivo? As razões agora
oferecidas não são exaustivas, mas podem servir como base para uma
meditação mais profunda na presença de Deus.
Cap. 1 — Introdução 25
Incredulidade
Na sua epístola Tiago afirma: “Se algum de vós tem falta de sabedo-
ria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto,
e ser-lhe-á dada. Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; porque o
que duvida é semelhante à onda do mar, que é levada pelo vento, e lan-
çada de uma parte para outra parte. Não pense tal homem que receberá
do Senhor alguma coisa” (1:5-7). O contexto é sofrimento e provação.
Isso não é um “cheque em branco” para ser usado em qualquer ocasião.
Quando estamos passando por uma provação, precisamos de sabedo-
ria para agir corretamente e descobrir a vontade de Deus no meio da
provação. Alguns prefeririam astúcia para escapar da tribulação, mas
o cristão espiritual deseja sabedoria para vencê-la com Deus. A pes-
soa continuamente vem a Deus e, reconhecendo a sua incapacidade e
fraqueza, com sinceridade pede que Ele lhe dê sabedoria. Ela faz a sua
petição “com fé … nada duvidando” (v. 6). O Senhor Jesus ensinou: “E,
tudo o que pedirdes na oração, crendo, o recebereis” (Mt 21:22). Paulo
diz que Abraão “não duvidou da promessa de Deus por incredulidade,
mas foi fortificado na fé …” (Rm 4:20). O grande capítulo da fé declara:
“Ora, sem fé é impossível agradar-lhe; porque é necessário que aquele
que se aproxima de Deus creia que Ele existe, e que é galardoador dos
que o buscam” (Hb 11:6).
Pecado não confessado
O salmista expressou este pensamento de maneira negativa, e o
apóstolo Paulo o expressou de maneira positiva.
Motivos inaceitáveis
Tiago escreveu: “De onde procedem guerras e pelejas entre vós? De
onde, senão dos prazeres que militam na vossa carne? Cobiçais, e nada
tendes; matais, e invejais, e nada podeis obter; viveis a lutar e fazer guer-
ras. Nada tendes, porque não pedis; pedis, e não recebeis, porque pedis
mal, para esbanjardes em vossos prazeres” (Tg 4:1-3, ARA).
Conforme o v. 1, havia divisão entre os salvos e isso era o resultado
de atividades canais. As consequências disto são enfatizadas no v. 2:
“Cobiçais, e nada tendes; matais, e invejais, e nada podeis obter; viveis
a lutar e fazer guerras, e nada tendes, porque não pedis”. Este versículo
poderia ser melhor pontuado da seguinte maneira, para dar uma estru-
tura equilibrada de duas causas e dois efeitos: “cobiçais e nada tendes e
por isso matais, e invejais e nada podeis obter e por isso viveis a lutar e
fazer guerras”. Neste contexto de contendas e divisões o Espírito Santo
afirma: “Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em
vossos deleites” (v. 3). Será que estavam orando para que o seu “partido”
na igreja prevalecesse? Seu motivo era puramente egoísta e não visava
a glória de Deus. Tal motivação significa que Deus não concederá o
pedido.
Não controlados pela Sua Palavra
Parece que João nos dá um cheque em branco quando ele escreve:
“E qualquer coisa que lhe pedirmos, dele a receberemos” (I Jo 3:22).
Alguns amados irmãos usam este versículo fora de seu contexto, e ficam
muito desanimados quando sua oração não é respondida. Precisamos ler
o versículo todo: “Porque guardamos os seus mandamentos, e fazemos
o que é agradável à sua vista”. Há duas condições apresentadas para que
a oração seja respondida: i) guardar os Seus mandamentos, e ii) fazer
o que é agradável à Sua vista. Estas condições são inseparáveis, porque
se guardarmos os Seus mandamentos, faremos o que é agradável à Sua
vista. O inverso também é verdade, se formos desobedientes não fare-
mos o que é agravável a Ele, e Ele não responderá as nossas orações. O
Senhor Jesus ensinou a mesma verdade: “Se vós estiverdes em mim, e
as minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo que quiserdes, e vos
será feito” ( Jo 15:7). Isso é semelhante a Provérbios 28:9: “O que desvia
os seus ouvidos de ouvir a lei, até a sua oração será abominável”. Se re-
jeitarmos os padrões que Deus revela na Sua Palavra, as nossas orações
serão abomináveis e repugnantes a Ele.
28 A glória da oração
a Sua carne (v. 20) nos desse este acesso. Que privilégio maravilhoso é
este, mas quão pouco uso fazemos dele!
Nosso Pastor: para cuidar
O salmista Davi expressou as gloriosas e frequentemente repetidas
palavras: “O Senhor é o meu pastor” (Sl 23:1), e este sentimento tem
sido um grande encorajamento a muitos através das gerações. Foi no
contexto de pastores que Pedro escreveu: “Lançando sobre ele toda a
vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós (I Pe 5:7). A palavra
“ansiedade” significa um cuidado que perturba, que puxa em direções
contrárias, deixando-nos sem saber o que fazer. Obviamente o Senhor
nunca está neste estado de perturbação e, com “cuidado” compreensivo
e amoroso, Ele cuida de nós enquanto Ele leva as nossas ansiedades.
Nosso Advogado: para confissão
João escreveu: “Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que
não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai,
Jesus Cristo, o justo” (I Jo 2:1). É importante notar que João escreveu
“se alguém pecar”, não “quando alguém pecar”. Se fosse “quando” indi-
caria que seria normal o salvo pecar, mas a palavra “se” mostra que pecar,
para o cristão, deve ser uma ocorrência rara. Entretanto, há um recurso
para este acontecimento raro por intermédio do Senhor Jesus Cristo,
como Advogado. Esta é a palavra grega parakletos, que significa “um
que chega ao lado”. Assim, se nós pecamos, Ele chega ao nosso lado
para nos tornar cientes do fato do pecado e para efetuar a restauração.
O Seu trabalho é “para com” (pros) o Pai, não Deus. A pessoa que pecou
ainda está na família, portanto não é como um pecador se aproximando
de Deus, mas como um filho vindo ao seu Pai, e ele vem para confessar
o seu pecado e conhecer a bem-aventurança de comunhão restaurada.
A perplexidade na oração
Uma pergunta antiga sobre a oração é: “Será que a oração faz Deus
mudar de ideia?” Isto introduz o extenso assunto da vontade permissiva
de Deus e Seu propósito soberano. Claramente há assuntos que Deus,
na Sua soberania, tem predeterminado, e estes não podem ser mudados.
Estes acontecimentos predeterminados frequentemente são o assunto
de profecias divinas, tanto no Velho como no Novo Testamento. Estas
revelações proféticas foram definidas como “história revelada antecipa-
Cap. 1 — Introdução 31
* Tradução literal. O original diz: “Change and decay in all around I see;/O Thou Who changest
not, abide with me.” (N. T.)
32 A glória da oração
Introdução
Antes de considerarmos as orações destes três grandes patriarcas,
talvez seria útil falar sobre os parâmetros usados neste capítulo para de-
terminar o que é uma “oração”, uma tarefa que não é tão simples quanto
parece. Por exemplo, será que uma curta afirmação como: “Quem dera
que viva Ismael diante do teu rosto” constitui uma oração? Quando
Abraão começa a conversar com Deus sobre a cidade de Sodoma, e
continua até que o Senhor afirma que não destruirá Sodoma se houver
ali dez pessoas justas, as palavras de Abraão podem ser chamadas de
uma oração? Quando Jacó fala depois da noite em Betel, é claro que ele
fala a Deus, mas será que é uma oração, e se é, quando é que ele começa
a falar com Deus naqueles versículos?
Ao preparar este capítulo o autor seguiu uma regra simples: “Se
houver dúvida, inclua”. Assim estão incluídas aqui todas as vezes que
alguém fala com Deus, como também quando alguém faz um pedido
a Deus. No caso de passagens onde não é claro onde a oração começa,
será entendido que a pessoa está falando com Deus desde o começo da
passagem.
Portanto, pode haver ocasiões quando o leitor poderá pensar: “Eu
não considero que isto seja uma oração”. Se isto acontecer, o escritor en-
tenderá esta dúvida, e oferece somente duas explicações em sua defesa:
em primeiro lugar, onde houver dúvida é melhor incluir mais do que o
necessário, do que omitir algo; e em segundo lugar, mesmo se não for
uma oração, é parte das Escrituras inspiradas, e, portanto, é proveitosa,
mesmo que esteja fora do assunto do capítulo!
Poderíamos considerar as orações de Abraão, Isaque e Jacó de vá-
rios ângulos diferentes, mas temos de nos limitar a somente um aspecto.
Para o propósito deste capítulo, vamos estudá-las do ponto de vista que
considera a favor de quem estas orações foram feitas. Veremos que hou-
34 A glória da oração
Por si mesmo
Há cinco orações que podemos considerar como orações relaciona-
das especificamente a circunstâncias pessoais da pessoa que orava. Há
grande diferenças nelas, mas todas elas contêm instruções para nós, nas
variadas circunstâncias das nossas vidas.
Um problema (15:2-3)
O pano de fundo aqui é muito interessante. No cap. 14, Abrão in-
teragiu com uma variedade enorme de pessoas e, sem exceção, se com-
portou de modo exemplar. Ele:
• Mobilizou seus servos domésticos; lutou para salvar pessoas que
estavam cativas (não somente seu sobrinho Ló, mas também as pes-
soas ímpias de Sodoma que estavam presas com ele);
• Recebeu a bênção do poderoso Melquisedeque;
• Resistiu às sugestões sutis do rei de Sodoma.
Agora Deus chega a ele numa visão (15:1), e diz: “Não temas,
Abrão, eu sou o teu escudo, o teu grandíssimo galardão”. Mas Abrão
tem um problema. Ele pode armar trezentos e dezoito servos “nascidos
em sua casa” para lutar numa batalha (14:14), mas ele não tem filho. Seu
herdeiro é “um nascido na minha casa” (15:3), pois, como ele diz, “ando
sem filhos” (v. 2), e “não me tens dado filhos” (v. 3).
Um observador insensível talvez poderia criticar Abrão. Talvez diria
a ele: “Abrão, qual o seu problema? Deus tem prometido fazer de você
uma grande nação (12:2), e que a sua descendência será como o pó da
terra (13:16). Você acabou de ganhar uma grande vitória. Você tem ao
seu redor muitas pessoas úteis e do mesmo pensamento. Você está na
companhia dos grandes e sendo honrado por eles. E, melhor de tudo,
Cap. 2 — As orações de Abraão, Isaque e Jacó 35
Deus acabou de afirmar que Ele é tudo que você precisa. Por que levan-
tar a questão de não ter um filho?”
Entretanto é bem possível que muitos podem se identificar com
Abrão exatamente nesta questão. Sim, temos recebido muitas grandes
promessas na Palavra de Deus. Além disso, temos conhecido vitórias
espirituais, onde Deus tem provado a Sua fidelidade a nós. Temos tam-
bém gozado da comunhão com outros salvos, e sido abençoados por
eles, a “aristocracia do céu”. Mas, mesmo assim, temos problemas pes-
soais que nos deixam muito tristes. Será que podemos obter algum con-
forto desta passagem em Gênesis 15?
Sem dúvida podemos, pois a maneira como Deus responde a Abrão
é muito instrutiva. Repare que Ele não repreende a Abrão pelas suas pa-
lavras. As palavras hipotéticas do “observador insensível” acima mencio-
nadas estão totalmente ausentes na resposta divina. “Pois ele conhece a
nossa estrutura, lembra-se de que somos pó” (Sl 103:14). Damos graças
a Deus por Ele ser mais compassivo do que os homens.
Não somente isto, mas Deus respondeu exatamente como Abrão
precisava. Abrão falou do “herdeiro” como alguém “nascido em minha
casa”. A resposta de Deus chega bem neste ponto. Ele diz que o herdeiro
de Abrão não será seu servo Eliézer, será “aquele que de tuas entranhas
sair” (v. 4). A resposta é direta, clara, e não é ambígua. É exatamente o
que Abrão precisa ouvir.
Além disso, Deus dá a Abrão uma lição clara para reforçar a Sua
promessa. Ele o leva para fora para observar o Céu noturno, e o desafia a
contar as estrelas (v. 5). Obviamente ele não consegue, e assim ele recebe
a promessa de que também será impossível contar a sua descendência.
Este incidente não deve ser tirado do seu contexto. Deus não fala
conosco verbalmente hoje em dia, nem nos leva para fora para nos mos-
trar coisas. Mas nós temos algo que Abrão não tinha — a Palavra escrita
de Deus, na qual temos bastante evidência do Seu caráter compassivo,
Suas respostas diretas e apropriadas aos pedidos do Seu povo, e lições
objetivas e ilustrações que nos ajudam. E embora as nossas situações
sejam diferentes das de Abrão, os mesmos princípios ainda continuam
verdadeiros. Estes princípios são: Deus é compassivo às necessidades do
Seu povo; Ele responde da melhor maneira possível; e pela Sua Pala-
vra Ele nos supre com o encorajamento que precisamos para podermos
descansar nas Suas promessas.
E assim como Abrão “creu no Senhor” (v. 6), nós também podemos.
36 A glória da oração
isto com o seu avô Abraão, que deu o dízimo a Melquisedeque (14:20).
Portanto, Jacó está seguindo o bom exemplo do seu progenitor.
O que aprendemos disto? Não que devemos dar o dízimo como no
sistema da Lei. Na nossa época é claro que cada um deve dar “conforme
a sua prosperidade” (I Co 16:2). Não, nós temos um princípio mais
amplo a seguir, e este é que quando consideramos as bênçãos que temos
recebido de Deus, devemos reconhecer que Ele merece tudo que temos.
Não somente as nossas possessões materiais, mas tudo que temos —
tesouros, talentos e tempo. E, como no caso de Jacó, deve ser dado com
um coração voluntário; um coração cheio de apreciação por quem Ele é
e por tudo que Ele tem feito.
Além disso, também aprendemos que, tendo feito uma promessa
a Deus, precisamos cumpri-la. Não erguemos colunas de pedras, nem
derramamos óleo, nem fazemos votos, como Jacó fez, mas quando, à luz
da bondade de Deus para conosco, dizemos a Ele o que faremos por
Ele, quão importante é cumprir a nossa palavra, e não permitir que nada
nos impeça de cumprir a nossa promessa a Ele.
Um perigo (32:9-12)
Chegamos agora a uma situação diferente na vida de Jacó. No caso
já mencionado ele estava fugindo do seu irmão, Esaú; agora, muitos
anos mais tarde, ele está voltando, e está prestes a encontrar-se com o
mesmo Esaú. Naturalmente ele está muito apreensivo, mas ele faz uma
decisão muito sábia ao trazer o assunto a Deus em oração.
Poucos de nós teremos que enfrentar circunstâncias tão difíceis
como estas que Jacó enfrentou, mas todos nós, em alguma ocasião, te-
mos enfrentado situações que causaram incerteza e medo. E, com cer-
teza, se ficarmos muito mais tempo neste mundo, enfrentaremos estas
situações novamente. Em tais circunstâncias, podemos seguir o exem-
plo de Jacó e trazer o assunto a Deus em oração.
A boa ação de Jacó nesta ocasião não somente nos dá um bom
exemplo a seguir, em termos gerais, mas os pontos específicos da sua
oração também são exemplares. Há pelo menos seis aspectos na sua
oração que devemos imitar.
Reconhecendo o caráter de Deus
Jacó O chama de “Deus do meu pai Abraão, e Deus do meu pai
Isaque” (v. 9). O mesmo Deus que eles conheciam e que fora fiel para
Cap. 2 — As orações de Abraão, Isaque e Jacó 39
com eles, seria também fiel com ele. Nós conhecemos a Deus de uma
maneira ainda mais maravilhosa, como “o Deus e Pai do nosso Senhor
Jesus Cristo (II Co 11:31; Ef 1:3; I Pe 1:3). É bom, antes de começar-
mos a fazer pedidos, que nos aproximemos de Deus, como Jacó faz aqui,
com reverência, reconhecendo a grandeza da Sua pessoa.
Reivindicando as promessas de Deus
Jacó “lembra” Deus que Ele é aquele que dissera a ele: “Torna-te à
tua terra, e à tua parentela”, e que Ele tinha-lhe prometido: “far-te-ei
bem” (v. 9). Ele sabia que estava andando em obediência à palavra de
Deus, e assim ele podia reivindicar as promessas de Deus. Se (e somente
se) estivermos andando conforme a Palavra de Deus, é que podemos ter
confiança para reivindicar a bênção de Deus.
Confessando o Seu próprio demérito
Jacó se aproxima de Deus com humildade: “Menor sou eu que todas
as beneficências e que toda a fidelidade que fizeste ao teu servo” (v. 10).
Ele não está exigindo os seus “direitos”. Ele francamente reconhece que
tudo quanto ele tem, ou pede, é unicamente por causa da misericórdia
de Deus, e por isto ele implora. Quão bom seria seguirmos também
este exemplo, pois nossos corações facilmente se enchem de orgulho.
Como Jacó, nós não temos “direito” a nada que Deus nos dá, ou do que
pedimos a Ele. É tudo por causa da Sua misericórdia e graça.
Afirmando as bênçãos de Deus
“Porque com meu cajado passei este Jordão, e agora me tornei em
dois bandos” (v. 10). Jacó agora tem uma família tão grande, e tantos
servos, bens e rebanhos, que pode dividir tudo em “dois bandos” (v. 7).
Que contraste — um cajado quando saiu de casa; dois bandos ao re-
tornar! Entretanto, não há sugestão alguma de vanglória. Ele reconhece
que tudo veio de Deus. A lição que aprendemos de Jacó é que tudo
quanto temos, seja material ou espiritual, vem de Deus, e nunca deve-
mos deixar de expressar a Ele o nosso reconhecimento de tudo que Ele
tem feito por nós.
Pedindo a proteção de Deus
“Livra-me, peço-te …” (v. 11). Jacó sabe que a sua situação é grave.
Esaú bem pode querer vingar-se, não somente dele, mas também da
40 A glória da oração
sua família. Mas ele vem à pessoa certa — o Senhor, que pode livrá-lo,
e pede proteção. Como precisamos fazer o mesmo! Quantas e quão
variadas são as circunstâncias difíceis que enfrentamos. O mesmo Deus
que ajudou Jacó pode nos ajudar também.
Citando a Palavra de Deus
“E tu o disseste: Certamente te farei bem, e farei a tua descendência
como a areia do mar, que pela multidão não se pode contar” (v. 12). Jacó
cita o que Deus tinha dito; não porque Deus tinha se esquecido, como
nós esquecemos. Ele nunca se esquece, mas mesmo assim, com sabedo-
ria, Jacó baseia a sua oração na Palavra imutável de Deus. Como é bom
quando nós podemos citar as Escrituras em oração, assim colocando
perante Ele o que Ele tem dito. Não devemos esquecer que embora toda
a Palavra de Deus seja para nós, nem tudo é sobre nós, e nem todas as
promessas de Deus se referem, especificamente, a nós. Podemos provar
este fato desta passagem — Deus não prometeu que a nossa descendên-
cia “será como a areia do mar”! Mas temos recebido dEle “grandíssimas
e preciosas promessas” (II Pe 1:4), e certamente podemos citá-las em
oração, e nos regozijarmos no fato que elas são nossas.
Uma petição (32:26-29)
Antes de encontrar com seu irmão Esaú, Jacó encontrou com “um
homem” (v. 24) com quem ele lutou. Mais tarde lemos que foi “um anjo”
(Os 12:4), e Jacó diz que ele viu “a Deus face a face” (v. 30). Portanto
sabemos que este foi um encontro com o próprio Deus. (Não podemos
entrar nos detalhes deste assunto aqui, mas cremos que foi uma “Cristo-
fania”, e que Aquele que apareceu a Jacó, aqui, foi o Senhor Jesus Cristo,
numa aparição antes da Sua encarnação.) Tendo deslocado a coxa de
Jacó, o Senhor deseja ir, mas Jacó diz: “Não te deixarei ir, se não me
abençoares” (v. 26).
Deus certamente queria abençoar a Jacó, mas antes Jacó precisava
aprender uma lição dada fisicamente, e uma dada verbalmente.
A lição física foi a deficiência que Jacó recebeu, quando o Senhor
tocou na sua coxa (v. 25). Sem dúvida este ato foi importante em vários
aspectos, e um deles deve ter sido mostrar a Jacó que ele não podia de-
pender da sua própria força. O Senhor foi misericordioso ao tratar com
ele, pois Ele poderia ter matado Jacó, ou ter lhe dado uma deficiência
mais grave. O que Ele fez foi relativamente pequeno, mas suficiente
Cap. 2 — As orações de Abraão, Isaque e Jacó 41
para lhe mostrar qual dos dois era o mais forte, apesar da luta valente
de Jacó.
A lição ensinada verbalmente se encontra na pergunta do Senhor,
como resposta à petição de Jacó: “Qual é o teu nome?” (v. 27). De acordo
com o relato bíblico, a ocasião anterior quando Jacó teve que se identi-
ficar pelo seu nome foi em 27:18-19, quando ele respondeu, mentindo:
“Sou Esaú”. Será que aqui Jacó se lembrou, com culpa, daquela ocasião,
ao responder usando somente uma palavra: “Jacó”? Como frequente-
mente acontece nas Escrituras, o nome indica a natureza. Jacó era o
“Suplantador”. Ele teve que confessar a sua verdadeira natureza. Deus
lhe diz que Jacó não seria mais o seu nome; ele agora seria chamado
“Israel”. Este nome não somente seria o seu nome, mas também o nome
da grande nação que viria dele; um nome que significava como ele tinha
agido com Deus. Que privilégio!
Em seguida, no v. 29, Jacó pergunta ao Estranho qual é o seu nome,
mas isto não lhe é dito. Por que o Senhor não lhe revela o Seu nome?
Sugerimos que é para ensiná-lo que o Senhor não somente é maior do
que Jacó em força (como é mostrado pela coxa deslocada), mas que Ele
é também totalmente diferente em natureza. Se o Senhor tivesse dito o
Seu nome a Jacó, isto teria colocado os dois no mesmo nível ( Jacó tendo
o direito de exigir e ser informado do nome do Senhor, assim como o
Senhor tinha exigido e sido informado do seu); ao recusar, o Senhor
estava mostrando que Ele é superior a Jacó em caráter.
Assim Jacó recebe a bênção que pediu (v. 29). Sua oração foi res-
pondida, mas nos termos de Deus, não nos seus. A bênção veio quando
a força de Deus foi reconhecida como maior que a dele, e quando o
caráter de Deus foi provado ser diferente do seu. E Deus responderá
as nossas orações quando pedimos a Sua bênção, hoje. Mas, como Jacó,
a bênção será recebida nos termos de Deus, e não nos nossos, quando
nos vemos como realmente somos, em comparação com o Seu poder e
santidade. Com este conhecimento não teremos confiança na carne (Fp
3:3), e nossos pecados serão confessados e perdoados (I Jo 1:9).
Esposa (25:21)
Ao considerar o título deste capítulo, as grandes e eloquentes ora-
ções de Abraão e Jacó logo vêm à mente, mas será que há algo escrito
sobre Isaque? As Escrituras relatam que ele orou? Sim, e foi uma oração
muita preciosa. Encontramo-la em 25:21: “E Isaque orou insistente-
42 A glória da oração
Filho (17:18)
Voltamos para Abraão, agora no cap. 17. Ele tem um filho, Ismael,
com treze anos de idade (17:25). As circunstâncias do seu nascimento
e da sua juventude não foram felizes. Ele nasceu por causa de falta de
fé e paciência (16:1-4). Este assunto todo causou o rompimento do re-
lacionamento entre Sarai e Agar (16:4, 6) e tensão entre Abrão e Sarai
(16:5-6). Os anos futuros trariam mais problemas, a ponto de Ismael e
sua mãe terem que partir (21:9-21).
Deus diz a Abraão que Sara terá um filho, e que este é o filho em
quem as promessas de Deus a ele serão cumpridas (17:16, 19). No meio
de tudo isto, Abraão diz: “Quem dera que viva Ismael diante de teu
rosto!” (v. 18).
Como devemos interpretar este clamor em relação a Ismael? Cer-
tamente poderia ser interpretado do ponto de vista negativo, e podería-
mos dizer que Abraão está sendo devagar em aceitar o plano e propósito
de Deus. Embora ele não esteja negando os propósitos de Deus para
com Isaque (de fato, os últimos versículos de Romanos 4 mostram que
ele creu totalmente neste plano), talvez há uma sugestão de que Abraão
estava desejando que Deus tivesse cumprido os Seus propósitos através
de Ismael!
Entretanto, sem negar esta possibilidade, também é possível ver a
afirmação de Abraão de uma maneira mais positiva. Sugerimos que,
embora Abraão reconhece e aceita que as promessas serão cumpridas
em Isaque, ele também ama muito o seu filho Ismael, e deseja que ele
também seja abençoado. Abraão bem sabe que o nascimento de Ismael
não ocorreu como deveria, mas isto não reduz o seu amor pelo seu fi-
lho, e também ele não procura se afastar do seu filho e agir como se ele
não existisse. Embora o futuro não pareça promissor para Ismael, isto
não impede Abraão de orar a favor dele e desejar, sinceramente, a sua
bênção.
Faríamos bem em seguir este exemplo de Abraão. Muitos de nós
44 A glória da oração
temos filhos jovens, como era Ismael, mas, quer sejam mais novos ou
mais velhos, cada fase da sua vida tem as suas dificuldades, e ficamos
pensando, muito preocupados, o que o futuro trará para eles. Como
Abraão, nosso desejo é que sejam homens e mulheres de Deus. Superfi-
cialmente, as probabilidades muitas vezes não são muito encorajadoras,
mas nunca devemos parar de clamar a Deus em favor deles.
Será que há encorajamento para nós nisto? Sim, pois Deus diz a
Abraão: “E quanto a Ismael, também te tenho ouvido” (17:20). Não
importa quão desencorajadoras sejam as circunstâncias, temos um Deus
que ouve e responde as orações do Seu povo a favor das suas famílias.
Nunca devemos desistir de orar por eles.
Descendentes (48:15-16)
Agora mudamos de uma oração por um filho para uma oração a
favor de netos. Estamos no cap. 48, e José trouxe seus dois filhos ao
seu pai Jacó. Nos vs. 15 e 16 Jacó ora por eles, e nesta breve oração ele
mostra sua apreciação de Deus de três maneiras:
• Ele é o Deus perante quem seus pais Abraão e Isaque andaram —
um Deus pessoal.
• Ele é o Deus que o sustentou durante toda a sua longa vida até
aquele momento — um Deus provedor.
• Ele é o Anjo que o remiu de todo o mal — um Deus protetor.
Em seguida ele pede de Deus três coisas para seus netos: que Deus
os abençoe; que o seu nome, e os nomes de Abraão e de Isaque, sejam
chamado neles; e que cresçam e se transformem numa multidão.
Os paralelos entre seu reconhecimento triplo de Deus e este pedido
triplo são facilmente vistos. Em resumo, o que Deus era para Abraão,
Isaque e Israel, o avô deseja que seja para eles: a provisão e a proteção
que ele próprio conhecia, ele quer também para eles. A sua descrição do
que Deus tinha feito é igual ao que desejava que Deus fizesse por eles.
Há muito envolvido aqui em relação à aliança entre Deus e os pa-
triarcas e em relação ao futuro das tribos de Israel, com Efraim e Ma-
nasses ocupando o seu pleno lugar entre as tribos. Vamos omitir tudo
isto, e chegar à lição prática para nós hoje: como devemos desejar e orar
pelas ricas bênçãos de Deus sobre aqueles que, se o Senhor não voltar
antes, continuarão a levar o nome de Cristo depois da nossa partida
para o Céu.
Cap. 2 — As orações de Abraão, Isaque e Jacó 45
Sofredores (20:17)
Todas as orações já consideradas foram a favor da própria pessoa
que orava, ou pela sua família. Agora vamos considerar uma oração a
favor de pessoas que não são parentes.
No cap. 20 as circunstâncias são tristes. Abraão disse que Sara era
sua irmã (v. 2), procurando escapar de dificuldades para si mesmo (v.
11), e assim o rei Abimeleque levou Sara para a sua casa (v. 2). Por causa
disso, Deus tornou as mulheres do rei e dos seus servos estéreis (v. 18)
e, num sonho, Deus revela a verdade a Abimeleque, e o avisa que ele
deveria devolver Sara a Abraão, e que Abraão oraria por ele. Se ele não
fizesse isto, então todos eles morreriam (vs. 3-7). Abimeleque age de
maneira correta, obedecendo a palavra de Deus e repreendendo Abraão
e Sara pelo seu engano (vs. 8-10). Abraão ora por ele, e ele e a sua famí-
lia são curados (v. 17).
Há muitas lições que podemos aprender desta história, tais como:
46 A glória da oração
Pecadores (18:23-33)
No nosso caso final, continuamos com Abraão. Agora ele não está
orando por si mesmo, nem pela sua família ou seus conhecidos, mas
pelos pecadores de Sodoma, a maioria dos quais ele provavelmente nem
conhecia.
Como observado na introdução, esta não é uma situação típica de
oração, como poderíamos ter hoje. Aqui Abraão está face a face com
o Senhor (uma consideração cuidadosa do capítulo todo, do primei-
ro ao último versículo, indica isto), e é um diálogo, no qual ele recebe
respostas audíveis às suas perguntas. Entretanto, nesta intercessão que
Abraão faz em prol do povo de Sodoma, aprendemos princípios que são
aplicáveis a nós.
Em primeiro lugar, ficamos impressionados com a reverência com
que Abraão se aproxima de Deus. A sua linguagem é totalmente respei-
tosa e faríamos bem em notar isso, em dias quando frequentemente há
uma terrível falta de respeito na maneira como as pessoas falam sobre,
e às vezes com, Deus.
Ligado a isto, vemos a humildade de Abraão na presença de Deus.
Vai além da sua linguagem, e afeta até as frases que ele usa, tais como:
“Eis que agora me atrevi a falar ao Senhor, ainda que sou pó e cinza” (vs.
27, 31). Sabemos que temos acesso à presença de Deus e que podemos
chegar sem medo, mas nunca devemos esquecer que somos somente “pó
e cinza”, sem mérito próprio, e que convém que sempre nos acheguemos
48 A glória da oração
Conclusão
Ao considerar as orações dos patriarcas, Abraão, Isaque e Jacó, não
podemos deixar de ficar impressionados com as suas vidas de oração.
Princípios de oração são apresentados desde o primeiro livro da Bíblia,
e eles ainda são aplicáveis a nós hoje. Temos muito que aprender, e
o alvo deste capítulo foi procurar destacar algumas destas lições. Que
possamos, como Abraão, Isaque e Jacó, chegar perante Deus em oração,
em todas as nossas circunstâncias (Fp 4:6), em todo tempo (I Ts 5:17), e
a favor de todas as pessoas (I Tm 2:1), sabendo que nós, como eles, nos
aproximamos de um Deus que ouve e responde orações.
Cap. 3 — As orações de Moisés
Por Walter A. Boyd, Irlanda do Norte
Introdução
Creio que todos já ouvimos falar da “vida de oração” de uma pessoa,
referindo-se àquela parte da sua vida que é reservada para falar com
Deus. Ao examinarmos a vida de Moisés, no Pentateuco, logo notamos
que ele frequentemente falava com Deus. Porém, é difícil separar uma
parte distinta das suas atividades como a sua vida de oração. Isso é sim-
plesmente porque parece que Moisés viveu a sua vida em comunhão
tão íntima com o Céu, que ele estava continuamente conversando com
o seu Deus. Para Moisés, parece que a oração era a ação imediata em
toda e qualquer situação; quer seja na alegria, na tristeza, na provação ou
triunfo, ele falava com o seu Deus.
Ao examinarmos as orações de Moisés, descobriremos que ele se
ocupa em todo aspecto de oração na sua comunhão com Deus: em vá-
rias ocasiões, e em vários lugares, vemo-lo em súplicas pessoais (Êx 4:1),
ou intercessão nacional (Nm 14:13), ou exultação espiritual (Êx 15). Há
ocasiões quando a sua oração é muito detalhada (Êx 33), e em outras
ocasiões ele se lança perante Deus com uma aparente inabilidade de
expressar o grande peso que carrega (Êx 17:4). Uma das caraterísticas
mais impressionantes das suas orações é o lindo equilíbrio entre a sua
profunda reverência para com Deus e sua intimidade com Deus. Moisés
usava linguagem simples, mas muito expressiva, ao conversar com Deus,
mas nunca se tornou indevidamente familiar na sua maneira de falar
com Deus. A profunda reverência da sua alma é claramente revelada na
sua atitude e aproximação ao Senhor enquanto orava.
Outra observação inicial é que nos primeiros oitenta anos da vida
de Moisés não há menção de qualquer oração. É bem provável que hou-
ve algumas durante os seus primeiros quarenta anos de vida; com cer-
teza na sua meninice, sob os cuidados da sua mãe, ele teria conhecido
a prática de orações familiares, antes de ser levado ao palácio pela filha
de Faraó. Se houve, não sabemos. É mais provável que houve orações
no segundo período de quarenta anos, quando ele passou o seu tempo
Cap. 3 — As orações de Moisés 51
Êxodo caps. 3 e 4
Neste bem conhecido incidente da sarça ardente, Deus inicia uma
conversa com Moisés, na qual temos não somente as primeiras palavras
registradas de Moisés em quarenta anos, mas a primeira oração regis-
trada nos seus primeiros oitenta anos de vida! Para Moisés, bem pode
ter sido a primeira vez em quarenta anos que ele ouviu a voz de Deus.
Há alguns aspectos gerais neste grande acontecimento pelos quais
não devemos passar apressadamente, porque são muito importantes
para o cristão que deseja conhecer melhor a Deus. As coisas “comuns”
logo se tornam extraordinárias quando Deus se interpõe nos assuntos
da vida.
Daremos atenção a estas coisas comuns neste notável incidente, no-
tando o significado do lugar. Esta conversa, que mudaria a sua vida e
o colocaria numa vida de serviço para Deus, ocorreu num deserto. Ele
estava longe das atividades e do alvoroço do mundo. Semelhantemente,
se nós queremos ouvir a voz de Deus e entender as Suas reivindicações
para as nossas vidas, precisaremos nos afastar da correria e do barulho
dum mundo que exige a nossa atenção. Este lugar era, provavelmente,
como qualquer outra parte do deserto, um lugar plano sem nada de
interessante, cuja única atração era oferecer abrigo ou algum pasto para
52 A glória da oração
o rebanho. Para Moisés este era seu trabalho normal, no lugar normal,
num dia normal, mas para ele estava prestes a se tornar muito interes-
sante. Deus estava para mudar o cenário monótono da vida de Moisés,
fazendo algumas mudanças nas leis da natureza. Uma sarça estava para
pegar fogo, e continuaria queimando sem ser consumida. Uma sarça
queimando no deserto não seria tão fora do normal. Moisés se voltou
para ver por que uma sarça insignificante do deserto que tinha pegado
fogo não se consumia, e ao assim fazer, ele ouviu a voz de Deus. Neste
primeiro encontro com Deus Moisés aprendeu uma lição importante:
ele aprender a reparar o significado de coisas insignificantes. Ao ouvir
a voz de Deus e discernir a Sua vontade, nós precisamos ter nossos
olhos espirituais abertos para discernir o significado da ação divina nos
assuntos insignificantes da vida. Por que recebemos aquele telefonema
“estranho”? Qual o significado daquele encontro “por acaso”? Devemos
aprender a examinar as coisas no nosso dia-a-dia procurando nelas evi-
dências da ação de Deus. Antes que Moisés pudesse entender o sig-
nificado deste acontecimento, ele teve que parar, olhar e ouvir. Quão
raramente tomamos o tempo para examinar as coisas cotidianas que
ocorrem ao nosso redor, assim excluindo a voz de Deus nas circunstân-
cias.
Observe o nome. O monte era chamado “Horebe”, que significa
“seco ou desolado”. Para os homens, este lugar era seco, desolado e sem
interesse, mas se tornou no oposto para Moisés! Semelhantemente, en-
quanto aqueles que não têm o costume de ficar a sós com Deus con-
sideram a oração como uma monótona perda de tempo, nós devemos
aprender, por experiência, que o lugar no qual passamos tempo na pre-
sença de Deus certamente não é seco nem desolado.
Note a importância da tarefa. A pequena tarefa em coisas secula-
res está prestes a se tornar uma grande tarefa em coisas espirituais. O
homem que está guiando o rebanho do seu sogro (Êx 3:1) receberá a
ordem para guiar o povo de Deus (“Meu povo” Êx 3:7). Deus requer um
homem que possa fazer três coisas para promover os Seus propósitos
em relação a Israel e efetuar a sua libertação. Ele precisa de um homem
para anunciar a Sua promessa a Israel (Êx 3:13-14); a antiga aliança
feita com Abraão, Isaque e Jacó não foi esquecida por Deus. Deus pre-
cisa de um homem para declarar o Seu programa a Faraó (Êx 5:1); os
maus atos de Faraó não foram ignorados por Deus! Deus precisa de
um homem para demonstrar o Seu poder no Egito (Êx 3:10); o grande
Cap. 3 — As orações de Moisés 53
poder do Egito não impedirá a Deus! Para equipar Moisés para fazer
estas três coisas, Deus o trouxe à sarça que ardia para testemunhar o
poder divino. Enquanto ali, Deus falou a Moisés assegurando-o sobre o
propósito divino para Israel, e falando-lhe do programa divino do qual
ele iria participar.
Agora olharemos além das características gerais deste incidente e
examinaremos alguns dos detalhes desta ocasião.
Há evidências muito claras do relacionamento íntimo entre Deus
e Moisés. É provável que, até agora, Moisés não estava vivendo na ple-
nitude deste relacionamento, mas Deus quer fazê-lo lembrar disso ao
chamá-lo duas vezes: “Moisés, Moisés”. Deus não fez isto porque Moi-
sés não ouvia bem; era um costume dos países orientais para indicar um
relacionamento especial entre pessoas; neste caso, entre Deus e Moisés.
Observe as chamadas duplas da Bíblia e veja nisto a razão por Deus
chamar o nome de alguém duas vezes. Moisés estava sendo lembrado
de que tudo não estava perdido. Apesar do grande estrago na sua vida,
por causa de um ato impensado quando ele matou o egípcio, Deus não
tinha descartado Moisés. Atos 7:25 deixa bem claro que Moisés sabia,
antes de matar o egípcio, que ele seria usado como o líder do seu povo.
Isso é um grande encorajamento para aqueles que sentem que erraram o
caminho, ou cometeram tantos erros ao ponto de Deus não poder mais
usá-los. Quarenta anos no deserto deixaram a sua marca, e agora Moi-
sés não é mais agressivo e ambicioso. O isolamento no deserto suavizou
as arestas ásperas, e ele agora é capaz de ver as coisas diferentemente do
que quando era um príncipe no palácio no Egito.
A prontidão da resposta de Moisés é evidente. Ele fora atraído
a esta cena estranha para examinar por que a sarça não estava sendo
consumida e, repentinamente, Deus chamou da sarça: “Moisés, Moisés”
(3:4). Moisés não correu de medo, nem ficou assustado e emudecido; ele
logo respondeu: “Eis me aqui” (3:5). Poderíamos entender se Moisés ti-
vesse sido cauteloso ou demorado em responder, mas ele imediatamente
responde à voz. A conversa entre Deus e Moisés no cap. 3 tem duas
partes distintas: a revelação de Deus e a resposta de Moisés.
A revelação de Deus
A santidade do lugar é enfatizada para Moisés (3:5). Esta lição ini-
cial logo é entendida por Moisés e será vista na sua vida e serviço, desde
aquele momento até a sua morte. Moisés está aprendendo que onde
54 A glória da oração
Deus está, ali a terra é santa. Logo ele seria usado por Deus para super-
visionar a construção de um santuário para Deus, o Tabernáculo, que
revelaria o mesmo princípio de santidade. A palavra “santuário” trans-
mite a ideia de um lugar santo. Além disso, o formato da estrutura do
Tabernáculo, com uma parte separada do resto por uma cortina, trans-
mite o conceito de santidade. Uma rápida busca numa concordância
pela palavra “santa” no Pentateuco, mostrará que “santidade” é um dos
seus principais temas. A santidade da presença imediata de Deus e a
“terra santa” exigem que Moisés tire as suas sandálias. A lição prática é
óbvia: Moisés precisa aprender que a presença do seu santo Deus tem
um efeito sobre ele, pessoalmente. Não é o rico e luxuoso ambiente de
um “santuário” feito por homens que afeta o seu comportamento e ves-
tes; é a presença de Jeová, seu Deus, no lugar mais remoto no deserto.
Semelhantemente, em nossos dias, nunca devemos perder de vista o
fato que a minha reverência para com Deus, ou falta dela, é manifes-
tada pelas minhas vestes e comportamento na Sua presença. Em dias
quando comportamento e vestes informais na presença de Deus estão
se tornando comuns, precisamos ser lembrados da atitude de coração
que Moisés manifestou.
Deus faz Moisés se lembrar do Seu relacionamento com os seus
antepassados: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de
Jacó” (v. 6). Esta revelação de Deus como o Deus dos seus antepassados
deve ter sido muito encorajadora para Moisés. Sem dúvida ele conhe-
ceria a promessa feita por Deus a Abraão, centenas de anos antes: que
Ele traria Israel da terra da sua aflição, depois de quatrocentos anos. O
Deus que fez esta promessa a Abraão, agora está começando a agir em
cumprimento dela, e este mesmo Deus está falando pessoalmente com
Moisés! Não nos surpreende que ele temeu olhar para Deus (3:6). En-
tretanto, a vida de oração de Moisés vai se tornar cada vez mais íntima
com Deus, a ponto de anos mais tarde ele pedir que Deus lhe mostre
a Sua glória (33:18). A sua comunhão com Deus começou muito pe-
quena e fraca no cap. 3, mas no cap. 33 chega a um nível de maturidade
raramente visto.
Tendo estabelecido o princípio da Sua santidade e Seu relaciona-
mento com os antepassados de Moisés, Deus então revela a Moisés o
Seu grande plano para livrar a nação de Israel. Ao dar estes detalhes
a Moisés, Deus Se revela de uma maneira tripla: Sua onisciência, Sua
onipresença e Sua onipotência.
Cap. 3 — As orações de Moisés 55
Êxodo caps. 5 a 7
No começo do cap. 5, Moisés e Arão visitam Faraó para anunciar
o audacioso plano de Deus para tirar Israel da servidão. Faraó recusou
reconhecer Deus e os despediu, dando ordens aos chefes para aumentar
o trabalho e o sofrimento dos israelitas (5:1-14). Os líderes de Israel re-
clamaram a Faraó e ele lhes diz que a culpa é deles mesmos, por estarem
ociosos e desejarem sair do Egito para adorar o seu Deus (vs. 15-18).
Faraó está insinuando que o seu sofrimento é culpa de Deus.
Como resultado, os líderes de Israel se dirigem a Moisés e Arão
(5:19-21), culpando-os pelo aumento no seu sofrimento. Que golpe
para Moisés. Ao procurar fazer a vontade de Deus e agir à luz do que
Deus tinha falado, Moisés agora enfrenta mais problemas. Mas Deus
ainda não tinha terminado: a história tinha somente começado!
A oração de Moisés no final do cap. 5 foi curta e muito direta. Ele
simplesmente pediu que Deus explicasse por que Ele tinha feito isto a
Israel, e por que o tinha enviado para livrá-los (5:22-23). Moisés conti-
nua e diz a Deus que Ele não livrou Israel (veja 5:23). Aqui parece que
Moisés está quase sendo desrespeitoso com Deus, e certamente parece
que ele está perturbado com o que ele entende ser uma falha de Deus
em cumprir a Sua promessa. Talvez a inexperiência de Moisés entrou
58 A glória da oração
Êxodo caps. 8 a 10
Nestes capítulos temos uma série de instruções de Deus a Moisés
em relação às suas repetidas visitas a Faraó, na tentativa de conseguir
a libertação de Israel. Intercalado entre estas entrevistas que Moisés
teve com Faraó estavam as pragas do juízo que Deus derramou sobre o
Egito, quando Moisés levantava a sua mão com a vara em obediência
a Deus.
Durante estas pragas Faraó endureceu o seu coração, e sugeriu vá-
rias concessões a Moisés para amenizar o desastre causado ao Egito por
causa das pragas. Em algumas ocasiões, Moisés rogou a Deus a pedido
de Faraó (10:17-18), mas os grandes acontecimentos do cap. 12 bre-
vemente aconteceriam. Deus estava prestes a livrar Israel da servidão.
Faraó endureceu o seu próprio coração, e as súplicas de um intercessor
Cap. 3 — As orações de Moisés 59
Êxodo cap. 15
A maravilhosa libertação divina de Israel já passou; eles nunca ti-
nham provado algo semelhante na sua história. Todo israelita que saíra,
sob a liderança de Moisés, conhecera somente servidão. Agora, libertos,
Moisés os dirige num cântico de louvor. Que experiência isto deve ter
sido, estar ali com os milhares e ouvi-los cantar os seus louvores a Deus.
Seu cântico foi composto por Moisés, e começa contemplando o
que tinham acabado de presenciar: a derrota dos seus inimigos (15:1-
10). Continua olhando para o alto para a grandeza do seu Deus, Jeová
(15:11-13). O cântico termina contemplando o lugar para onde Deus
iria levá-los: “Tu os introduzirás, e os plantarás no monte da tua he-
rança, no lugar que Tu, ó Senhor, aparelhaste para a tua habitação; no
santuário, ó Senhor, que as tuas mãos estabeleceram. O Senhor reinará
eterna e perpetuamente” (15:17-18).
Depois de terminar o seu cântico, Israel parte para o deserto sob a
direção de Moisés, enquanto ele segue a nuvem que indicava a presença
de Deus com eles. Eles caminharam somente três dias e não encontram
água. Então continuam um pouco mais a um lugar chamado Mara,
onde a água era amarga. Nestas circunstâncias terríveis eles reagem
como sempre farão quando estiverem em dificuldades: eles murmuram
contra Moisés. Moisés reage, estabelecendo um padrão que, de agora
em diante, quase sempre será usado quando ele estiver em dificuldades.
Ele “clamou ao Senhor” (15:25). Não conhecemos o conteúdo desta
oração, mas o Senhor bondosamente ouviu a sua oração e lhe deu a res-
posta necessária, mostrando-lhe uma árvore. Há ocasiões quando Deus
não responde as nossas orações falando conosco, mas ao invés disso Ele
nos mostra algo que podemos usar para resolver o problema. Por isso,
precisamos permanecer atentos quando estivermos orando sobre algum
assunto. Não devemos somente ouvir o que Deus diz, mas olhar para o
que Ele está nos mostrando nas circunstâncias em que estamos.
60 A glória da oração
Êxodo cap. 17
Em Êxodo 16 temos o relato de como Deus forneceu alimento mi-
lagroso, chamado maná, quando Israel entrou no deserto de Sim. Como
antes, Israel tinha murmurado contra Moisés e Arão, e Deus interveio
em apoio à sua liderança, e supriu o pão do Céu.
Agora, no cap. 17, Israel sai do deserto de Sim, pela ordem de Deus,
e chega a Refidim. Acampados ali, eles descobrem que não há água
(17:1). Como sempre, o povo murmura contra Moisés, exigindo água
(17:2). Sua sede crescente aumenta as suas reclamações contra Moisés,
ao ponto dele clamar ao Senhor: “Que farei a este povo? Daqui a pouco
me apedrejará” (17:4). A seriedade da sua reclamação é vista com mais
clareza em 17:7, onde é descrita como um questionamento da presença
de Deus. Deus havia prometido estar com eles, e eles agora estão ques-
tionando a honra de Deus, sugerindo que Ele não tinha mantido a Sua
Palavra.
A oração de Moisés é uma pergunta direta: “Que farei?” Moisés
nos mostra, mais uma vez, que quando não sabemos como agir, deve-
mos recorrer imediatamente ao Senhor. Deus não estava sem saber o
que fazer diante da pergunta de Moisés; Ele sabia exatamente o que
fazer, e deu a Moisés instruções exatas. Hoje, Deus nunca será vencido
por qualquer situação na qual não conseguimos achar uma solução. A
lição que aprendemos desta oração de Moisés é dupla: devemos apelar
imediatamente a Deus quando surge uma crise; e podemos confiar que
Deus tem a solução para o nosso problema. Notamos também como
Deus demonstra a Sua grande graça numa situação em que poderíamos
pensar que Ele julgaria o povo incrédulo. Mas Ele supriu abundante-
mente as suas necessidades de água, efetuando outro milagre (17:6-7).
Em 17:8-15 temos a primeira ameaça grave contra Israel, vinda de
fora: o insidioso inimigo Amaleque apareceu e “pelejou contra Israel”
(17:8). Há muito ensino prático nesta passagem, mas por causa do as-
sunto deste capítulo precisamos limitar nossos comentários à oração de
Moisés.
Os atos de Moisés, como líder, são muito instrutivos. Ele baseou
seus atos no que Deus o mandou fazer em Refidim (vs. 5-6). Moisés
está usando uma experiência anterior com Deus. Assim como ele to-
mou a sua vara e se colocou diante da rocha em Horebe, assim também
ele agora toma a sua vara e se coloca sobre o cume do outeiro. Enquanto
Cap. 3 — As orações de Moisés 61
Êxodo cap. 32
As graves consequências de fazer e adorar um bezerro de ouro,
como narrado nos vs. 1-10, são muito tristes. Para um povo tão privile-
giado, tendo a presença de Jeová no seu meio e a permanente provisão
de Jeová no maná, o seu pecado é quase inacreditável. Como nos ou-
tros incidentes anteriores, teremos de deixar a riqueza do ensino prático
deste incidente e concentrar nosso pensamento nas orações de Moisés
nos vs. 11-13 e depois nos vs. 31-32.
Êxodo 32:11-13
A ocasião do maior pecado de Israel, nesta fase da sua jornada do
Egito a Canaã, resulta na maior oração de Moisés até agora. Em respos-
ta ao pecado do povo, sua oração contém duas perguntas e dois pedidos
ao Senhor. Enquanto Moisés relata a história, ele deixa bem claro que
não há dúvida sobre a sua lealdade a Jeová. “Moisés, porém, suplicou
ao Senhor seu Deus” (v. 11). Que contraste com o povo que disse que o
bezerro de ouro era o seu deus: “Este é o teu deus, ó Israel, que te tirou
da terra do Egito” (v. 4)
Antes de examinarmos a oração de Moisés, observe como Deus fala
com Moisés no v. 10: “Agora, pois, deixa-me, para que o meu furor se
acenda contra ele, e o consuma; e eu farei de ti uma grande nação”. O
pedido de Deus de que Moisés o deixasse sozinho no Seu furor indica
que, mesmo antes de Moisés orar, Deus já sabia como ele iria orar. Sem
diminuir a onisciência de Deus, isto prova que Deus sabe que Moisés
reagirá como sempre reagia numa crise — ele irá orar sobre o assunto.
Que testemunho sobre Moisés como intercessor! Assim que surge um
problema, a oração será o seu primeiro recurso. A afirmação de Deus, no
v. 10, também apresenta uma grande tentação para Moisés — a possibi-
lidade de ser uma grande nação, e ele ser o cabeça. Entretanto, Moisés
não tem interesse em ganho pessoal por causa do pecado do povo. Seu
único alvo é manter a glória de Deus e promover o propósito de Deus,
de levá-los do Egito a Canaã. Esta atitude altruísta e despretensiosa é
uma das razões dele ser descrito como “homem mui manso, mais do que
todos os homens que havia sobre a terra” (Nm 12:3). Também, é uma
das razões por que a sua intercessão a favor de Israel foi eficaz. Ele não
tinha motivos ocultos.
Moisés faz duas perguntas que não são respondidas por Deus:
Cap. 3 — As orações de Moisés 63
• “Ó Senhor, por que se ascende o teu furor contra o teu povo, que
tiraste da terra do Egito com grande força e com forte mão?” (v. 11).
• “Por que hão de falar os egípcios, dizendo: Para mal os tirou, para
matá-los nos montes, e para destruí-los da face da terra?” (v. 12).
Moisés não está perguntando em espírito de rebelião, nem tentando
forçar a mão de Deus. Estas são perguntas genuínas. Elas manifestam o
problema na mente de Moisés. Se tivermos este tipo de intimidade com
Deus em oração haverá ocasiões quando, na nossa angústia, faremos
perguntas que outros, se pudessem ouvir, considerariam impertinentes.
Nunca tenha medo de expressar os sentimentos mais profundos do seu
coração a Deus, pois Ele já os conhece!
Em seguida, Moisés faz dois pedidos a Deus que são concedidos.
• “Torna-te do furor da tua ira, e arrepende-te deste mal contra o teu
povo” (v. 12). Os teólogos, há anos, debatem sobre se Deus realmen-
te muda de opinião. Sem querer diminuir a dificuldade, os vs. 12-14
deixam claro que, em algumas ocasiões, Ele muda sim. Moisés pede
que Deus se arrependa (mude de opinião) e “o Senhor arrependeu-
-se [mudou de opinião] do mal que dissera que havia de fazer ao
seu povo” (v. 14). Isso manifesta que orar é uma coisa muito prática
de se fazer numa crise, e ajuda Deus a Se lembrar das promessas
anteriores que Ele fez.
• “Lembra-te de Abraão, de Isaque, e de Israel, os teus servos; aos
quais por ti mesmo tens jurado, e lhes disseste: Multiplicarei a vossa
descendência como as estrelas dos céus, e darei à vossa descendência
toda esta terra, de que tenho falado, para que a possuam por heran-
ça eternamente” (v. 13). Aqui Moisés, com respeito, está mostrando
a Deus que destruir Israel significaria falhar com as promessas que
Ele fizera aos patriarcas centenas de anos antes. Moisés está lem-
brando Deus, também, que este povo é a Sua possessão: “… o Teu
povo” (v. 12). Será que Moisés estava simplesmente falando coisas
óbvias a Deus? Não, ele estava demonstrando na sua oração que ele
entendia as revelações divinas anteriormente dadas, e que elas ti-
nham influência sobre o seu pedido e a resposta de Deus. Devemos
aprender disto que podemos usar as Escrituras com inteligência nas
nossas orações.
64 A glória da oração
Êxodo 32:31-32
A segunda oração de Moisés no cap. 32 não produziu a mesma
resposta imediata como a primeira (vs. 11-13). Houve a eliminação da
escória na matança dos responsáveis: três mil homens foram mortos
pelos levitas (v. 28). No dia seguinte, parece que o tamanho do pecado
do povo foi percebido por Moisés, pois ele exclamou: “Vós cometes-
tes grande pecado. Agora, porém, subirei ao Senhor; porventura farei
propiciação por vosso pecado” (v. 30). Então Moisés entra na presença
de Deus, confessa a gravidade do pecado deles e ora, pedindo muito
diretamente o perdão de Deus. Entretanto, Moisés acrescenta o que
parece ser um pedido estranho: se Deus não os perdoasse, então, disse
Moisés, “risca-me, peço-te, do teu livro, que tens escrito”. Se podemos
ou não entender plenamente este pedido, certamente podemos ver que
o pedido de Moisés não foi respondido, e que um intercessor eficaz não
minimiza o pecado. Foi porque ele viu a gravidade do pecado deles que
ele intercedeu tão intensamente a favor deles. Talvez, se nós entendês-
semos mais claramente a gravidade do pecado, seríamos mais eficientes
nas nossas orações pela restauração daqueles que têm caído.
Êxodo cap. 33
O cap. 33 é uma continuação dos acontecimentos trágicos de ido-
latria e o resultante juízo de Deus sobre o povo, relatados no cap. 32.
Deus manifesta a realidade do Seu relacionamento com Moisés, pois
Ele “falava … a Moisés face a face; como qualquer fala com o seu ami-
go” (33:11). Não há dúvida sobre a grandeza da sua intimidade. Moisés
então fala com o Senhor e faz um pedido muito específico. Em quase
todas as orações de Moisés ele pede coisas específicas.
Na oração dos vs. 12-13, Moisés pede que o Senhor lhe mostre o
Seu caminho, para que ele pudesse O conhecer. As palavras de Moisés
são muito instrutivas. Em efeito ele diz: “Mostra-me o Teu caminho
para que eu possa vir a Te conhecer”. Moisés entende que ele só pode
conhecer a Deus por conhecer o Seu plano sobre o futuro da nação.
Quando Deus revela o Seu plano sobre o futuro, Ele está, em efeito,
revelando a Si mesmo. Para nós, isto significa que, ao conhecermos o
plano de Deus para as nossas vidas, através da Sua Palavra, estamos
conhecendo mais sobre Ele. Não há outro meio para conhecer a Deus
experimentalmente a não ser pelo conhecimento dos Seus desejos e pela
Cap. 3 — As orações de Moisés 65
Êxodo cap. 34
Deus atendeu o pedido de Moisés e lhe mostrou a Sua glória (34:5-
7). Moisés imediatamente “inclinou a sua cabeça à terra e adorou” (v. 8).
Na sua oração ele pede que o Senhor esteja no meio do Seu povo, que os
perdoe e os mantenha como Sua herança. Embora Deus bondosamente
respondera a oração anterior de Moisés, ele não age com presunção.
Esta é sempre a atitude de um salvo reverente: mesmo que tenha falado
francamente e intimamente com o Senhor, ele não se atreve a presumir
da graça divina. É assim que nós também devemos agir. Por mais vezes
que Deus tenha respondido nossas orações, devemos sempre nos apro-
ximar dEle com reverência e reconhecimento da Sua graça.
Os resultados da vida de oração de Moisés se tornaram evidentes
na sua aparência. Quando ele desceu do monte, no v. 29, o seu rosto
irradiava a glória de Deus, em cuja presença ele estivera, e ele não o
sabia. O brilho era tanto que Moisés precisou cobrir o seu rosto quando
falava com o povo de Israel. Sua vida de oração se manifestava no seu
semblante. Temos aqui um desafio para nós; será que o tempo que pas-
samos na presença de Deus se manifesta no nosso semblante, sem que
mencionemos o fato?
Números cap. 11
Há algumas curtas orações no final do cap. 10 e no início do cap.
11, mas vamos deixá-las. Em 11:11-15 temos uma das orações mais
longas de Moisés, e de fato, uma das mais intensas. Israel tinha rejeita-
do o maná (vs. 4-6), e a ira de Deus “grandemente se acendeu” (v. 10).
Observe que isto “pareceu mal aos olhos de Moisés”, o líder, que estava
em harmonia com Deus (v. 10). Uma vida profunda de oração, como a
de Moisés, significa que ele está em perfeita harmonia com a atitude
de Deus contra o pecado. Um sinal de que a nossa vida de oração está
em falta é quando começamos a tolerar o pecado. O pecado não mais
lhe escandaliza? Você nem manifesta mais a sua desaprovação quan-
do linguagem obscena é usada na sua presença, ou quando o pecado é
abertamente alardeado na sua presença? Se for assim, a razão é que você
perdeu a sua intimidade com Deus; sua vida de oração está em declínio.
Cap. 3 — As orações de Moisés 67
nos vs. 16-17, Moisés continuou a argumentar com Ele nos vs. 21-22.
Mais uma vez Deus respondeu à sua oração. Desta vez Deus respondeu
simplesmente fazendo Moisés se lembrar do Seu poder e intenção de
completar o Seu propósito e livrar Israel. Pode haver ocasiões quan-
do o desânimo nos faz expressar coisas na presença de Deus das quais
nos envergonhamos mais tarde. O grande encorajamento é que Deus
é paciente e bondoso, e provê conforto para tratar a causa da nossa
impaciência. Sabiamente, Ele ignora os pedidos extremos que fazemos.
Ainda bem para nós que Deus não responde todas as nossas orações da
maneira como pedimos. Deus não é somente poderoso; Ele é também
paciente.
Números cap. 12
É interessante que, no livro de Números, a maioria das orações de
Moisés são por causa dos pecados de outros. Será que o pecado dos
outros nos leva a orar? É muito melhor falar dos erros dos outros com
Deus no lugar secreto, do que fazer deles assunto de fofoca.
Miriã e Arão, a irmã e o irmão de Moisés, tinham criticado Moisés
publicamente e desafiado o seu direito de liderança. Mesmo antes de
Moisés ter tempo de dizer ou fazer algo, Deus desceu ao acampamento
e chamou os três para fora das suas tendas até à porta do Tabernáculo
(12:1-5). Ali Deus anunciou publicamente a Sua satisfação com Moisés
e o Seu desprazer com Miriã e Arão. Moisés não precisou orar pedindo
que Deus o defendesse; Deus fez isso imediatamente, sem ser pedido.
Quando Deus os deixou, Miriã foi afligida com lepra. Arão pediu a
Moisés: “Não ponhas sobre nós este pecado” (v. 11). Em outras palavras,
Arão pediu que Moisés os livrasse das consequências do seu pecado.
Como teríamos nós reagido a este pedido? A reação natural teria
sido para Moisés responder que ele nada podia fazer, pois o caso estava
agora nas mãos de Deus. Moisés poderia ter dito que não fora ele que
iniciara o castigo; fora Deus e, portanto, ele não podia interferir. En-
tretanto, ele imediatamente clamou ao Senhor: “Ó Deus, rogo-te que
a cures” (v. 13). Note que, aqui, Moisés não chamou Deus de “Jeová”,
mas de El, “o Todo Poderoso”. Esta situação vai precisar do poder de
Deus, portanto Moisés se dirige ao seu Deus de modo apropriado. Deus
bondosamente responde à oração de Moisés, mas não antes de aplicar
uma disciplina. Moisés já tinha aprendido o suficiente sobre Deus para
não tentar negociar algo diferente com Ele, em relação à maneira como
Cap. 3 — As orações de Moisés 69
Números cap. 14
Moisés, mais uma vez, é levado a orar a Deus por causa do pecado
de Israel. O bem conhecido incidente em Cades-Barneia, onde os dez
espias, com um relatório ruim, persuadem a nação a recusar entrar na
terra, fizeram o Senhor se irar (14:1-12).
Esta é a segunda vez que Deus ameaça destruir a nação e começar
tudo de novo, com Moisés como cabeça da nova nação. Somente al-
guém muito espiritual teria resistido à tentação de concordar com este
plano. Que exaltação isto teria trazido para Moisés. Note como ele se
expressa perante o Senhor na sua oração, nos vs. 13-19. Num discurso
prolongado, Moisés (como também fez no cap. 32 na ocasião do pecado
do bezerro de ouro) mostra que a honra do Senhor sofreria se Ele aca-
basse com a nação. Ele diz que os egípcios ouviriam do ocorrido (v. 13),
e o contariam aos cananeus (v. 14), e assim o testemunho do poder de
Jeová ficará manchado (vs. 15-16).
O pedido de Moisés nos vs. 17-19 é notável: “Agora, pois, rogo-te
que a força do meu Senhor se engrandeça; como tens falado, dizendo:
O Senhor é longânimo, e grande em misericórdia, que perdoa a iniqui-
dade e a transgressão … Perdoa, pois, a iniquidade deste povo, segundo
a grandeza da tua misericórdia; e como também perdoaste a este povo
desde a terra do Egito até aqui”. Em efeito, Moisés está dizendo ao Se-
nhor que a maior demonstração do Seu poder está na Sua misericórdia.
Seria uma clara manifestação do Seu poder os exterminar em juízo; mas
quão maior seria, para as nações ao redor, uma manifestação do Seu
perdão! Mais uma vez, Deus atende a oração de Moisés, e o informa
que o perdão é o resultado direto das suas palavras. “E disse o Senhor:
Conforme a tua palavra lhe perdoei” (v. 20).
Este é mais um exemplo do poder de oração eficaz. “A oração feita
por um justo pode muito em seus efeitos” (Tg 5:16). Nunca devemos
hesitar em orar sobre assuntos sérios — e não sejamos vagos; façamos
pedidos diretos e específicos a Deus, baseados nos Seus planos e na Sua
vontade já revelados.
70 A glória da oração
Números cap. 16
No v. 15 temos mais uma das orações curtas e específicas de Moi-
sés, mas desta vez há uma diferença notável. Neste caso Moisés não
estava somente zangado, ele “irou-se muito”. O motivo desta grande
ira não era somente porque Coré, Datã e Abirão se levantaram contra
a sua liderança, mas também porque recusaram encontrá-lo e aceitar o
seu conselho (v. 12). Na sua recusa eles manifestaram que suas mentes
estavam tão pervertidas pelo pecado, que tinham perdido todo senso de
realidade. Eles compararam o Egito, a terra da sua servidão e sofrimen-
to, com a terra prometida; “Porventura pouco é que nos fizeste subir de
uma terra que mana leite e mel, para nos matares neste deserto” (v. 13).
Isto é típico de como Satanás pode torcer os pensamentos, e como a
rebelião se torna irracional.
Fica claro pelas palavras usadas na oração de Moisés que ele ficou
profundamente ferido com as alegações contra ele, quando ele disse
ao Senhor: “Nem um só jumento tomei deles, nem a nenhum deles fiz
mal”. As palavras fortes usadas no seu pedido refletem a profundidade
da sua mágoa: “Não atentes para a sua oferta”. O tempo do verbo usado
aqui significa: “Nunca mais atentes para a sua oferta”.
Entretanto, embora possamos entender por que Moisés foi tão pro-
fundamente afetado pelas suas críticas, e sentir que realmente não era
correto ele se dirigir a Deus desta maneira, as palavras da sua oração
revelam que ele sabia como Deus se sentia em relação ao pecado deles.
O juízo de Deus contra eles, sem reservas, prova que Ele fez exatamente
o que Moisés pediu (veja os vs. 28-33). Deus viu o pecado deles exa-
tamente como Moisés o viu. Deus não precisou fazer qualquer ajuste
para concordar com o pedido de Moisés. Deus e Moisés estavam em
pleno acordo sobre o pecado do povo. Aqui temos mais uma indicação
da profunda maturidade espiritual de Moisés. Sua vida de oração revela
que ele conhecia a mente de Deus intimamente, e podia pedir de acordo
com a vontade divina. Será que temos este conhecimento da vontade de
Deus nas coisas pelas quais oramos?
Números cap. 21
O incidente das “serpentes ardentes” e da “serpente de bronze” é
bem conhecido, até pelas crianças. Neste incidente temos uma oração
de Moisés sobre a qual temos poucos detalhes. Não sabemos a sua du-
Cap. 3 — As orações de Moisés 71
ração, pois é simplesmente afirmado: “Então Moisés orou pelo povo” (v.
7). O que ele pediu? Não sabemos.
Aqui temos uma lição útil para aqueles envolvidos na propagação
do Evangelho. O incidente inclui três exigências indispensáveis para se
obter a bênção de Deus sobre aqueles que foram afetados pela praga do
pecado.
A petição apresentada pelo israelita picado. Um pecador nunca re-
ceberá livramento da praga do pecado se ele não pedir para ser salvo.
Pecadores não são salvos como robôs. O pecador precisa desejar a sal-
vação. Assim, ao apresentar o Evangelho, temos a necessidade de deixar
bem claro que os incrédulos são pecadores e estão sob a condenação de
Deus.
A petição feita por Moisés. Um povo pecador precisava de alguém
que pudesse interceder a Deus por eles. O apóstolo Paulo nos dá um
exemplo disso em Romanos 10:1: “Irmãos, a boa vontade do meu co-
ração e a minha oração [súplica] a Deus por Israel é para sua salvação”.
Nas nossas orações pelos incrédulos devemos ser persistentes e especí-
ficos, “para que sejam salvos”.
O remédio preparado pelo Senhor. Imediatamente depois de apre-
sentar a sua petição no v. 7, “disse o Senhor a Moisés: Faze-te uma
serpente ardente, e põe-na sobre uma haste …” (v. 8). Deus não salvou
todos os israelitas picados imediatamente. Ele não demorou em atender
a oração de Moisés, mas antes de tudo precisava haver a vontade da
vítima necessitada. Uma serpente de bronze seria colocada numa haste
com a informação: “picando alguma serpente a alguém, quando esse
olhava para a serpente de metal, vivia” (v. 9). Assim também hoje, Deus
não demora em revelar o caminho de salvação em Cristo ao pecador.
Quando oramos pela salvação de alguém, e Deus revela a ele, ou ela, as
reivindicações do Evangelho através da obra do Espírito Santo, a ma-
neira como o pecador reage a esta revelação do Evangelho determina se
ele será ou não salvo. Deus não salvará pecadores contra a vontade deles.
Números cap. 27
Aqui temos a última oração registrada de Moisés. Depois de uma
vida longa e ativa no serviço de Deus, como líder do Seu povo, Moisés
foi informado de que era a hora de vir para casa. Não lhe seria permitido
entrar na terra prometida, para a qual tinha viajado durante quarenta
anos. Não havia amargura no coração de Moisés, mais uma evidência de
72 A glória da oração
Salmo 90
Mesmo que este capítulo tenha ultrapassado o tamanho sugerido,
não podemos terminar sem mencionar este Salmo. É uma parte impor-
tante deste capítulo porque:
• É o único salmo atribuído a Moisés no seu título ;
• É o mais antigo de todos os salmos no livro de Salmos;
• Moisés é chamado: “Moisés, o homem de Deus”.
O conteúdo do Salmo reflete muitas das experiências de Moisés
durante a sua vida de serviço para Deus.
Como o autor de Gênesis, Moisés, por inspiração divina, revelou a
criação do mundo. No Salmo 90:2 ele fala das montanhas “nascendo”.
Moisés começa o relato da Criação em Gênesis falando de um Deus
que já existia: “No princípio Deus …” (Gn 1:1). No Salmo, ele também
fala do soberano Senhor em termos semelhantes: “Mesmo de eternida-
de a eternidade, Tu és Deus”.
Como o líder de Israel no deserto, Moisés tinha visto Deus agir em
Cap. 3 — As orações de Moisés 73
juízo a tal ponto que os “filhos dos homens” (v. 3) foram levados “como
uma corrente de água” (v. 5). Ele estivera com Israel quando confessa-
ram: “Somos consumidos pela Tua ira, e pelo Teu furor somos angus-
tiados” (v. 7).
Sendo o primeiro salmista, Moisés escreve no salmo mais antigo do
livro sobre o seu Deus que ultrapassa a todo o tempo: “De eternidade a
eternidade, Tu és Deus” ( v. 2).
Moisés, sendo “homem de Deus” (veja o título do salmo) conhecia a
intimidade de refugiar-se em Deus (v. 1). O Salmo todo revela um ho-
mem que estava contente em falar com Deus. Ao falar com Ele, Moisés
estava preocupado em conhecer a presença de Deus (v. 13), e em fazer a
vontade de Deus, de uma maneira que O agradasse (vs. 16, 17).
Todas estas coisas são características da vida de oração de alguém
que é descrito por Deus como um “homem de Deus”. A característica
principal de todo homem de Deus é ser um homem de oração.
Cap. 4 — As orações de Davi
Por James M. Flanigan, Irlanda do Norte
Introdução
Davi era o oitavo e mais novo filho de Jessé o belemita, e como
Alexandre Maclaren comenta:
Foi por instinto profético que Jessé deu a seu filho mais novo um
nome que, aparentemente, não tinha sido usado antes: Davi, “Ama-
do”,
pois através dos séculos o jovem pastor, que se tornou rei, de fato
tem sido amado pelo povo de Deus em todo lugar.
Pode parecer um pouco insensível tentar analisar as orações do doce
salmista de Israel, e uma consideração detalhada das suas orações pro-
vavelmente seria quase como um outro comentário sobre os seus muitos
salmos. De fato, tantos dos salmos de Davi têm o caráter de oração que
seria, no espaço limitado desta meditação, uma impossibilidade prá-
tica considerar todos eles. No entanto, já que muitas das suas orações
são também registradas em outros lugares, e preservadas para nós, deve
haver uma razão. Deve haver alguma direção espiritual e proveito para
nós na leitura e consideração das orações de Davi, portanto certamente
temos razão em considerá-las agora.
A expressão no título deste capítulo, “As orações de Davi”, é en-
contrada somente uma vez nas Escrituras, no Salmo 72:20, que é não
somente o versículo final deste lindo Salmo milenar, mas também o
versículo final do Segundo Livro dos Salmos (Sl 42-72). O Salmo 72
é o clímax, um companheiro do Salmo 24, um “crescendo”, no qual são
profetizadas as glórias do reino vindouro do Messias, o maior Filho de
Davi, e quando as condições aqui descritas são compreendidas, Davi
não tem mais nada sobre o que orar. O fim de todas as suas orações
é a entronização e o governo do Filho de Davi, na própria terra onde
Ele foi rejeitado e crucificado. Em antecipação, o salmista tem canta-
do sobre estes dias, e quando se concretizarem, então “aqui acabam as
orações de Davi, filho de Jessé” (72:20). Ele nada mais pode pedir; ele
nada mais deseja.
Cap. 4 — As orações de Davi 75
Inteligência e reverência
Com certeza, cada cristão zeloso deseja ser inteligente e também
reverente ao se aproximar de Deus, e tais características são muito evi-
dentes na maneira como Davi se dirige às pessoas divinas. Seu uso inte-
ligente dos títulos divinos apropriados de fato indica reverência, e nestes
dias modernos podemos, com certeza, aprender do exemplo de Davi em
relação a isto.
Elohim
Quantas vezes ele exclama “Ó Deus” ao se aproximar em oração.
“Deus”, no hebraico, é Elohim. É o primeiro título divino usado na nos-
sa Bíblia (Gn 1:1). É um nome plural indicando Um que não somente
Cap. 4 — As orações de Davi 77
* Tradução literal. O original diz: “So near to God, so very near;/Nearer we cannot be,/For in
the Person of His Son/We are as near as He.” (N. T.)
78 A glória da oração
A oração do penitente
É difícil imaginar um contraste maior do que o que temos entre
as orações do homem de guerra e as orações e confissões de Davi, o
penitente. Que grande diferença no ambiente, na linguagem e no apelo
de coração. Davi tinha pecado gravemente. Ele tinha transgredido o
décimo, o sétimo e o sexto mandamentos, nesta ordem. O homem que
havia subjugado os filisteus, os sírios, os amalequitas, os amonitas, os
moabitas e edomitas, não podia subjugar as suas próprias paixões. A
indolência e preguiça tinham produzido a cobiça, o adultério, a hipocri-
sia e o homicídio. O homem que tinha matado um leão, um urso e um
gigante, agora fora pego pela sua própria incontrolada concupiscência.
Pobre Davi! A nação estava cantando os seus salmos, mas ele estava
lamentando o seu remorso. Aqueles que desejam julgar e criticar Davi
devem ler o Salmo 51 antes de expressarem qualquer crítica cruel. Esta
é a triste oração de um Davi sinceramente arrependido, e que exemplo
para todo salvo que tem algum pecado a confessar.
Davi reconhece, sem reservas, o seu pecado. Ele também reconhece
a grandeza deste pecado. Sem dúvida, ele tinha pecado contra Urias,
contra Bate-seba, contra sua família e contra a nação, mas tal era a enor-
midade do seu pecado que ele exclama: “Contra ti, contra ti somente
pequei” (Sl 51:4). Seu pecado foi uma transgressão deliberada da lei
conhecida de Jeová. Não era um pecado de ignorância. Foi rebeldia e,
portanto, foi primeiramente um pecado contra Deus. Se outros foram
afetados pelo seu pecado, como de fato foram, isso era sério, mas pecar
contra Deus, a quem ele conhecia, era o supremo erro. Ele usa três gran-
des expressões para descrever o seu pecado: “minha transgressão”, “meu
Cap. 4 — As orações de Davi 79
As orações do fugitivo
Davi teve dois períodos na sua vida quando ele foi exilado e fugi-
tivo. Ele foi fugitivo do invejoso Saul que temia a ascensão de Davi ao
trono. Saul caçava Davi como “uma perdiz nos montes” (I Sm 26:20).
Davi peregrinava no deserto de Zife, vários km ao sudoeste de Hebron,
onde em mais de uma ocasião, ele poupou a vida de Saul quando ele
facilmente o poderia ter matado. Com nobreza ele recusou ferir aquele
a quem ele chamou de “ungido do Senhor”(v. 11).
Mas, sem dúvida, o exílio mais doloroso de Davi foi o período
quando ele foi obrigado a fugir de Jerusalém por causa do seu próprio
filho, Absalão. Absalão era um usurpador, um rebelde, querendo tomar
o trono do seu pai. Com sua vida em perigo, Davi fugiu, e com sua cabe-
Cap. 4 — As orações de Davi 81
Confissão e meditação
Embora não seja afirmado especificamente no salmo, geralmente é
aceito que o Salmo 25 também está relacionado com o pecado e confis-
são de Davi. Como no penitente Salmo 51, Davi mais uma vez suplica
ao “Deus da minha salvação”. Ele fala de perdão e de preservação, de
ternas misericórdias e de bondade amorosa, e ele pede direção e orien-
tação. Ele professa a sua confiança naquele que pode livrá-lo dos seus
inimigos. Há muitos, ele diz, que o odeiam sem causa, e ele pede a
Deus a necessária ajuda na sua aflição. Quão totalmente submisso ele é
na sua contrição enquanto suplica a Jeová: “Faze-me saber … ensina-
-me … guia-me … por ti estou esperando todo o dia”. Quão relevantes
são estas petições aos cristãos no dia de hoje. Entretanto, se as súplicas
são realmente genuínas, então o suplicante deve estar preparado para
aceitar e agir segundo as respostas divinas. O que Ele me mostrar; onde
quer que Ele me guiar; qualquer verdade que Ele me ensinar, eu preciso
confiar e estar disposto a aceitar o Seu plano para mim. Este é o cami-
nho de bênção, e como frequentemente cantamos:
É confiar e obedecer, pois não há outra maneira
De ser feliz em Jesus; a não ser por confiar e obedecer. (J. H. Sammis)*
seria para qualquer cristão se Jeová ficasse em silêncio e não lhe res-
pondesse! Davi teme que em tais circunstâncias ele se tornaria como a
multidão. Eles são os ímpios que com suas línguas falam de paz, mas
nos seus corações planejam o mal. É fingimento, é hipocrisia, e ele não
quer mais destas coisas. Ele tinha se comportado exatamente como os
ímpios “que praticam a iniquidade; que falam de paz ao seu próximo,
mas têm mal nos seus corações” (Sl 28:3). Davi tinha falado de paz com
Urias enquanto ele estava planejando mal contra ele no seu coração.
Ele tinha falado “shalom” (paz) enquanto planejava a sua morte. “Vindo,
pois, Urias a ele, perguntou Davi como passava [shalom] Joabe, e como
estava [shalom] o povo, e como ia [shalom] a guerra” (II Sm 11:7). Isto
lhe custou a alegria da sua salvação e a sua utilidade como testemunha
para Deus. Davi pecou na sua fraqueza, mas o Senhor era a sua força, e
Davi irá a Ele.
Agora, perdoado, Davi pode orar sinceramente pelo seu povo, a
quem ele chama de “O teu povo, a tua herança”. Ele ora: “Salva o teu
povo, e abençoa a tua herança; e apascenta-os e exalta-os para sempre”.
No v. 7 ele tinha dito: “O Senhor é a minha força”, e agora, no v. 8, ele
diz: “O Senhor é a força do seu povo”. Agora, restaurado a Deus, a preo-
cupação de Davi é com a nação.
O fugitivo no deserto
O Salmo 63 foi escrito durante o exílio de Davi no deserto, e suas
condições físicas e suas circunstâncias eram somente um reflexo dos
seus sentimentos interiores. Acordando cedo de manhã numa terra seca
e sedenta, ele tinha fortes desejos e necessidades. Fisicamente ele deve-
ria ter desejado água e alimento, mas seus desejos físicos eram pequenos
em comparação com seu desejo de ver o poder e glória do santuário, que
agora deve ter parecido estar tão distante dele. Mas a bondade amorosa
do poderoso Elohim era melhor do que a própria vida, e ele nunca dei-
xaria de oferecer louvores. Enquanto vivesse, ele diariamente bendiria
o Senhor. Cedo de manhã ele ofereceria seus louvores, e até sobre a sua
cama, nas vigílias da noite, ele meditaria no Senhor. Apesar das suas cir-
cunstancias desfavoráveis no deserto inóspito, ele podia dizer: “Porque
Tu tens sido o meu auxilio; então à sombra das tuas asas me regozijarei”
(v. 7). Como um passarinho ele podia se agasalhar na sombra das asas de
Jeová. Ali ele teria a garantia de segurança e abrigo, e ali ele poderia des-
cansar protegido, contente e satisfeito. Que exemplo encorajador Davi
84 A glória da oração
Orações do sofredor
É dito que poetas aprendem no sofrimento o que ensinam nos seus
cânticos, e isto certamente foi o caso com Davi. Tantos destes seus Sal-
mos que incorporam as suas orações foram concebidos no sofrimento,
e são agora muito abençoados no conforto que dão a outros sofredores.
Talvez Davi não percebesse, mas algumas das orações que se ori-
ginaram nas suas aflições eram previdentes e proféticas do Messias
sofredor, e talvez também de um remanescente perseguido de um dia
vindouro. Destes, os Salmos 22 e 69 são exemplos supremos.
No Salmos 22 ele se compara a uma corça da manhã, pois este é o
significado das palavras hebraicas no título, Aijelete Hashahar. A corça
da manhã era assim chamada porque, sendo animal tímido, era caçada
até mesmo quando vinha beber e se alimentar da grama às margens
da água, cedo de manhã. Ela achava um pouco de descanso somente
Cap. 4 — As orações de Davi 85
ao alvorecer, mas logo depois do nascer do Sol era cercada por inimi-
gos. Davi conhecia bem esta situação, e foi assim também com o nosso
bendito Senhor. Fortes touros e cães ferozes O rodearam; orgulhosos
líderes judaicos e gentios mercenários sem compaixão. Eles abriram
contra Ele as suas bocas e O contemplaram na Sua fraqueza. Davi não
conhecia os detalhes do sofrimento de Cristo, mas estes são retratados
no Salmo 22. Estes detalhes agora são relatados nos Evangelhos para a
admiração do Seu povo, e para que possam adorar e apreciar aquele que,
de fato, foi o Homem de dores.
Aquele remanescente fiel de um dia vindouro, sofrendo sob o reino
tirânico do homem do pecado, provavelmente usará a linguagem do
Salmo 22 enquanto mantêm o seu testemunho para o Senhor. Cercado
e caçado por inimigos, como Ele foi, eles acharão conforto na lingua-
gem deste e de outros salmos do sofredor.
O Salmo 69 também é uma oração do sofredor. Um comentarista*
o chama de “Oração do Servo Sofredor de Deus”. Um escritor judaico†
o chama de “Oração do Perseguido”. Há talvez seis referências a afron-
tas no salmo. Davi clama: “Salva-me ó Deus” (ARA) e imediatamente
começa a falar do seu profundo sofrimento. Logo ele exclamará: “Livra-
-me” (ARA), e mais do que uma vez ele clama: “Responde-me, ó Deus!”
(ARA). Ele se sente como alguém que se afunda no lamaçal, e compara
a sua tristeza com a corrente de águas que ameaça o levar.
A grande preocupação e o tema do Salmo 69 é sofrimento, e o
salmista almeja alívio. Do começo ao fim, é uma oração por interven-
ção divina na sua aflição, mas também, como no Salmo 22, às vezes
transparece aquela certeza de que Jeová ouve o clamor do necessitado e
certamente o salvará. Assim, pode haver motivo para louvor, mesmo na
tribulação. “Louvarei o nome de Deus com cântico e engrandecê-lo-ei
com ação de graças” (v. 30).
Então, como já foi mencionado no Salmo 4:1, Davi diz ao Deus
de justiça: “Na pressão, me deste largueza” ( JND). Davi aprendeu que
a pressão do sofrimento produzirá crescimento, não somente nos seus
pensamentos sobre Deus, mas na sua atitude e ministério ao seu próxi-
mo. E assim continua sendo; os santos que sofrem e que entendem que
há propósito neste sofrimento, frequentemente manifestam uma doçura
que muitos outros não possuem.
* DAVISON, W. T. The Psalms (I-LXXII). The Century Bible. Edimburgo: T. C. & E. C. Jack.
† COHEN, Dr. The Psalms. Londres: The Soncino Press, 1945.
86 A glória da oração
Amor e confiança
Como todos os homens, Davi tinha suas faltas e falhas, algumas
delas muito graves, mas não há dúvida alguma sobre o seu grande amor
por Jeová. Em oração, nos seus salmos, ele expressa este amor livremen-
te. Embora o Salmo 116 seja anônimo, as suas primeiras palavras (“Amo
ao Senhor”) bem podem ter estado frequentemente nos lábios de Davi,
e o salmo continua com uma multidão de razões para o amor do salmis-
ta, aos quais Davi poderia ter acrescentado um sincero “Amém”. Jeová
era bondoso e misericordioso; Ele inclinava o Seu ouvido ao Seu povo;
Ele ouvia e respondia as suas orações e os tratava bondosamente; Ele os
salvava e os guardava, e assim tudo isto merecia a exclamação: “Louvai
ao Senhor” (“Aleluia”, v. 19 ARA).
O amor de Davi para com o Senhor gerou uma correspondente
confiança nEle, e esta confiança é expressa em muitos dos seus salmos.
Quão lindo, em relação a isto, é o Salmo 18:1-2: “Eu te amarei, ó Se-
nhor, fortaleza minha. O Senhor é meu Rochedo, e o meu lugar forte,
e o meu libertador; o meu Deus, a minha fortaleza, em quem confio; o
meu escudo, a força da minha salvação e o meu alto refúgio”.
Às vezes é difícil separar as orações e os louvores nos salmos de
Davi. Às vezes ele faz um pedido sincero e urgente, e logo em seguida
ele irrompe em exclamações espontâneas de louvor, como se já tivesse
recebido as respostas às suas petições. Isso é amor e confiança agrupa-
dos. Amor por Jeová o encoraja a se aproximar e fazer o seu pedido, e
confiança o capacita a crer que sua oração é ouvida e que será, de fato,
respondida. É como se ele vivesse no gozo desta certeza escrita para
um povo de outra época: “E será que antes que clamem eu responderei;
estando eles ainda falando, eu os ouvirei” (Is 65:24).
Orações do peregrino
Embora Davi conheceu bastante riqueza e opulência, e todo o con-
forto possível nos seus últimos anos, ele sempre se considerou um pe-
regrino. Seus anos na juventude foram bastante simples, enquanto ele
cuidava das poucas ovelhas do seu pai no deserto (I Sm 17:28), mas ele
estava destinado a deixar as ovelhas e ocupar o trono, e isto trouxe o luxo
dos seus anos finais. Mas, com o mesmo espírito de muitos dos seus ante-
cedentes, ele sabia que tudo isto era passageiro. Eles esperavam “a cidade
que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus” (Hb 11:10).
Cap. 4 — As orações de Davi 87
Orações do adorador
Davi sabia adorar. Não seria possível nem prático, no espaço deste
pequeno capítulo, mencionar todas as ocasiões em que Davi adorou.
Adoração inteligente requer um conhecimento e intimidade com o Se-
nhor, e é evidente que mesmo quando Davi era um jovem pastor, ele
tinha um conhecimento de Deus acima de muitos dos seus contem-
porâneos. No seu desafio a Golias, ele disse: “Eu venho a ti em nome
do Senhor dos Exércitos, o Deus dos exércitos de Israel” (I Sm 17:45).
Naquela ocasião ele usou, várias vezes, o nome Jeová (03068) e também
Elohim (0430), dizendo com grande confiança: “E saberá toda esta con-
gregação que o Senhor salva, não com espada, nem com lança; porque
do Senhor é a guerra, e ele vos entregará na nossa mão” (I Sm 17:47).
Davi, tendo este conhecimento, se tornou num adorador de fato, e isto
se manifesta em muitos dos seus salmos. J. N. Darby disse:
Adoração é a honra e reverência dadas a Deus por aquilo que Ele é
em Si mesmo, e por aquilo que Ele significa para quem O adora.
O lamentador
Aconteceram muitos fatos na vida de Davi que o fizeram lamen-
tar, mas houve três ocasiões marcantes quando ele derramou lágrimas
amargas mescladas com oração e lamentação. Ele chorou por causa das
mortes de Saul e Jônatas, pela morte traiçoeira de Abner, e pela morte
de seu filho Absalão.
Em II Samuel cap. 1, a notícia de que Saul e Jônatas estavam mor-
tos chegou a Davi; eles foram mortos no Monte Gilboa numa batalha
contra os filisteus. “E prantearam, e choraram, e jejuaram até à tarde
por Saul, e por Jônatas, seu filho”. Saul tinha sido um inimigo de Davi
por causa dos seus ciúmes. Jônatas fora um companheiro e um amigo
íntimo, e que testemunho de um espírito nobre ver que Davi lamentou
pelos dois. Sua lamentação foi uma oração e uma elegia: “Ah, ornamen-
to de Israel! Nos teus altos foi ferido, como caíram os poderosos! Não o
90 A glória da oração
noticieis em Gate, não o publiqueis nas ruas de Ascalom, para que não
se alegrem as filhas dos filisteus, para que não saltem de contentamento
as filhas dos incircuncisos. Vós, montes de Gilboa, nem orvalho, nem
chuva caia sobre vós, nem haja campos de ofertas alçadas, pois aí des-
prezivelmente foi arrojado o escudo dos poderosos, o escudo de Saul,
como se não fora ungido com óleo. Do sangue dos feridos, da gordura
dos valentes, nunca se retirou para trás o arco de Jônatas, nem voltou va-
zia a espada de Saul. Saul e Jônatas, tão amados e queridos na sua vida,
também na sua morte não se separaram; eram mais ligeiros do que as
águias, mais fortes do que os leões. Vós, filhas de Israel, chorai por Saul,
que vos vestia de escarlata em delícias, que vos fazia trazer ornamentos
de ouro sobre as vossas vestes. Como caíram os poderosos, no meio da
peleja! Jônatas nos teus altos foi morto. Angustiado estou por ti, meu
irmão Jônatas; quão amabilíssimo me eras! Mais maravilhoso me era
o teu amor do que o amor das mulheres. Como caíram os poderosos,
e pereceram as armas de guerra!” (II Sm 1:19-27). Que lamentação e
oração foi esta, registrada para sempre no registro sagrado.
Abner era o tio de Saul, e o general do seu exército (I Sm 14:50).
Durante sete anos depois da morte de Saul ele apoiou Is-Bosete, filho
de Saul, na sua tentativa de ascensão ao trono, enquanto Davi reinava
em Hebrom. Mas, depois de uma forte contenda com Is-Bosete, ele
então resolveu reunir o reino sob Davi. Entretanto, ele foi traiçoeira-
mente morto por Joabe, para vingar a morte de Asael, irmão de Joabe, a
quem Abner tinha matado, ou talvez, mais provavelmente, por causa de
ciúmes. Davi aborreceu este ato traiçoeiro, e compôs uma elegia sobre
a sua morte.
“Disse, pois, Davi a Joabe, e a todo o povo que com ele estava:
Rasgai as vossas vestes; e cingi-vos de sacos e ide pranteando diante
de Abner; e chorou todo o povo. E o rei Davi ia seguindo o féretro.
E, sepultando a Abner em Hebrom, o rei levantou a sua voz, e chorou
junto da sepultura de Abner; e chorou todo o povo. E o rei, pranteando
Abner, disse: Havia de morrer Abner como morre o vilão? As tuas mãos
não estavam atadas, nem os teus pés carregados de grilhões, mas caíste
como os que caem diante dos filhos da maldade! Então todo o povo
chorou muito mais por ele” (II Sm 3:31-34.).
Em II Samuel cap. 15 o filho desviado de Davi, Absalão, foi coroa-
do rei em Hebrom como um usurpador. Davi sabia que a sua própria
vida, e a vida daqueles que eram fieis a ele, estaria em perigo, e assim
Cap. 4 — As orações de Davi 91
resolveu fugir de Jerusalém. Foi com corações abatidos que eles dei-
xaram a cidade e atravessaram o vale do Cedrom, indo ao monte das
Oliveiras e para o deserto. “E seguiu Davi pela encosta do monte das
Oliveiras, subindo e chorando, e com a cabeça coberta; e caminhava
com os pés descalços; e todo o povo que ia com ele cobria cada um a
sua cabeça, e subiam chorando sem cessar” (II Sm 15:30). Foi difícil
para Davi fugir do seu próprio filho, e o Salmo 3 registra suas orações
e seus sentimentos naquela ocasião. Com que grande tristeza o Salmo
começa: “Senhor, como se têm multiplicado os meus adversários! São
muitos os que se levantam contra mim. Muitos dizem da minha alma:
Não há salvação para ele em Deus”. No entanto, logo em seguida ele
podia dizer com convicção, “Eu me deitei e dormi; acordei, porque o
Senhor me sustentou”. Ele não estava com medo embora cercado por
dez milhares de inimigos.
Pouco tempo depois disto, houve outra ocasião quando Davi la-
mentou muito. Ele recebeu a notícia de que seu filho amado, mas rebel-
de, Absalão, estava morto. Isto arrancou do seu coração uma plangente e
emocionante oração: “Então o rei se perturbou, e subiu à sala que estava
por cima da porta, e chorou; e andando dizia assim: Meu filho Absalão,
meu filho, meu filho Absalão! Quem dera que eu morrera por ti, Absa-
lão, meu filho, meu filho!” (II Sm 18:33).
Últimas palavras
Quão comovente é o relato das últimas palavras de Davi em II Sa-
muel cap. 23. “E estas são as últimas palavras de Davi: Diz Davi, filho
de Jessé, e diz o homem que foi levantado em altura, o ungido do Deus
de Jacó, e o suave em salmos de Israel. O Espírito do Senhor falou
por mim, e a sua palavra está na minha boca. Disse o Deus de Israel, a
Rocha de Israel a mim me falou: Haverá um justo que domine sobre os
homens, que domine no temor de Deus. E será como a luz da manhã,
quando sai o sol, da manhã sem nuvens, quando pelo seu resplendor e
pela chuva a erva brota da terra. Ainda que a minha casa não seja tal
para com Deus, contudo estabeleceu comigo uma aliança eterna, que
em tudo será bem ordenado e guardado, pois toda a minha salvação e
todo o meu prazer está nele” (II Sm 23:1-5).
Que as orações de Davi, o pastor, o rei, o guerreiro, o adorador, o
sofredor, o peregrino, o penitente e o lamentador sejam um exemplo a
nós em todos os nossos tempos de necessidade, sejam eles de alegria
92 A glória da oração
Uma das mais lindas figuras da obra de Cristo em prol do Seu povo, no
Velho Testamento, é aquela da oferta pela culpa exigida quando alguém
descuidava em relação a alguma propriedade que fora confiada a ele. O
principal tinha que ser restaurado, e mais uma quinta parte acrescen-
tada (Lv 6:5; Nm 5:7). Por causa da obra da redenção que o Senhor
Jesus efetuou no Calvário, Ele podia dizer: “… então restitui o que não
furtei” (Sl 69:4). O que a humanidade perdeu por causa do pecado, o
Senhor restaurou a Deus, com mais glória acrescentada. Mas, na reali-
dade, quando esse tipo de transgressão ocorria, o ofensor podia negar
a ofensa. Antigamente havia uma maneira sacerdotal de resolver tais
reivindicações, o Urim e o Tumim, mas aqui, Salomão ora para que os
olhos do Senhor estejam sempre abertos sobre esta casa para que o juízo
reto permanecesse entre os homens (vs. 29-32). Mateus cap. 18 mostra
que este mesmo princípio básico continua até hoje.
A terceira palavra de súplica tem a ver com a fraqueza do povo de
Deus perante seus inimigos. A causa aqui é algum pecado específico, e
com a nação era uma derrota literal na guerra e exílio com o qual eram
ameaçados. A fraqueza nem sempre é o resultado de pecado específico,
mas não se pode negar que o pecado é, frequentemente, um fator con-
tribuinte. No mínimo, nosso desvio dos caminhos do Senhor certamen-
te trará pobreza espiritual, e o remédio é encontrado aqui no pedido de
Salomão: “Quando o teu povo Israel for ferido diante do inimigo, por
ter pecado contra ti, e se converterem a ti, e confessarem o teu nome e
orarem e suplicarem … ouve Tu … e perdoa o pecado do teu povo Israel
… e torna-o a levar à terra que tens dado a seus pais” (I Rs 8:33-34). A
aplicação espiritual destas palavras não precisa de explicação.
A próxima petição do jovem rei é sobre bênção retida por causa de
desobediência (I Rs 8:35-36). Esta situação necessita de instrução divi-
na: “ensinando-lhes o bom caminho em que andem”. Não há desculpa
para desobediência. O apóstolo João nos lembra: “Não tendes necessi-
dade de que alguém vos ensine; mas, como a sua unção vos ensina todas
as coisas, e é verdade” (I Jo 2:27). O Espírito Santo que habita em nós
tem agido nos corações de todos os que são nascidos de Deus para que,
instintivamente, “o bom caminho em que devemos andar” seja claro
para nós. Pedro falou daqueles que são deliberadamente desobedientes
(II Pe 2:5). Lamentavelmente, nós que confessamos o nome do Senhor,
às vezes, podemos ser deliberadamente desobedientes.
Séculos antes do autor da carta aos Hebreus escreveu suas palavras
Cap. 5 — As orações de Salomão 101
sagazes, Salomão reconheceu que o Deus a quem ele orava era, por meio
da Sua Palavra, “apto para discernir os pensamentos e intenções do co-
ração. E não há criatura alguma encoberta diante dele” (Hb 4:12, 13).
Estes mesmos pensamentos são expressos pelo rei nos vs. 38 e 39. “Toda
a oração … que qualquer homem … fizer … perdoa … e dá a cada um
… porque só Tu conheces o coração de todos os filhos dos homens”.
Davi, o pai de Salomão, ao falar sobre as tentativas fúteis de esconder da
onisciência e onipresença de Deus, disse: “Não havendo ainda palavra
alguma na minha língua, eis que logo, ó Senhor, tudo conheces” (Sl
139:4). Porém o rei implora a um tão grande Deus a favor de “qualquer
homem”, e “todos os homens”, para que possam aprender a temer a
Deus todos os dias das suas vidas (I Rs 8:40).
Deus não faz acepção de pessoas. Oração também é feita pelo “es-
trangeiro” que não é “do teu povo Israel, quando vier de terras remotas,
por amor do teu nome” (I Rs 8:41-43). Aqui há sugestões das palavras
que o apóstolo Paulo escreveu na sua carta aos Romanos. Na linguagem
do Novo Testamento, o “estrangeiro” é um que “com perseverança em fa-
zer o bem”, procura “glória, honra e incorrupção”. A tais pessoas que bus-
cam é outorgada a vida eterna, “porque, para com Deus, não há acepção
de pessoas” (Rm 2:7-11). Seja nos dias de Salomão ou de Paulo, ou em
nossos dias, Deus concede mais luz àqueles que buscam a luz, e aos que
recusam a luz, a sua porção é trevas mais densas. Espera-se que o povo de
Deus seja caracterizado pelo “temor de Deus”, e assim seja testemunha
aos estrangeiros de outras nações para que eles cheguem a conhecer o
nome do Senhor, e também possam estar sob a proteção do Seu temor.
A sétima petição feita pelo rei é sobre ir à guerra quando enviados
por Deus. Em outras palavras, esta era uma missão divina que enfrenta-
vam. Em tais circunstâncias podiam buscar a direção celestial: “Quando
o teu povo sair à guerra … pelo caminho por que os enviares”, eles sai-
riam como um povo dependente: “… e orarem ao Senhor, para o lado
desta cidade, que Tu elegeste, e desta casa”, construída para o nome do
Senhor. Em tais circunstâncias a sua causa seria mantida (I Rs 8:44-45).
A última parte da oração contém uma advertência solene sobre des-
viar deliberadamente do Senhor, e seu resultado inevitável. O pecado é
contra o Senhor, e por causa disto, a Sua ira é contra eles. Todos, sem
exceção, são propensos a isto, e o resultado dos setenta anos de cativeiro
na Babilônia, seguido pelos muitos séculos da Diáspora, são um teste-
munho eloquente do que Deus pensa de desvio dEle por aqueles rela-
102 A glória da oração
* Tradução literal. O original diz: “Great God of wonders! all Thy ways/Display Thine attributes
divine,/But the bright glories of Thy grace/Above Thine other wonders shine:/Who is a pardoning
God like Thee?/Or Who has grace so rich and free?”. T. J. Blackman traduziu assim: “Teus feitos
todos, ó meu Deus/Revelam atributos Teus;/Mas Tua graça brilha mais/Que os outros atos
divinais./Tu tens prazer em perdoar,/Pois Tua graça não tem par!” (N. T.)
Cap. 5 — As orações de Salomão 103
* Tradução literal. O original diz: “Prayer is the soul´s sincere desire,/Uttered or unexpressed,/
The motion of a hidden fire/That trembles in the breast.//Prayer is the simplest form of speech/
That infant lips can try;/Prayer, the sublimest strains that reach/The Majesty on high.” (N. T.)
Cap. 6 — As orações de Esdras
Por Samuel James McBride, Inglaterra
Introdução
Oração, no dicionário Morrish´s Concise Bible Dictionary, é descrita como
[…] a comunicação de alguém dependente de Deus. Pode manifes-
tar-se na forma de comunhão com alguém próximo, ou pode ser,
fazer pedidos a favor de si mesmo ou de outros.
e Persas era caracterizado por uma inflexibilidade rara. Uma vez de-
cretadas, estas leis não podiam ser revogadas. Poderíamos supor, então,
que o decreto de Ciro não estava sujeito a anulação ou reinterpretação
pelos seus sucessores. No entanto, foi isso que aconteceu, e a obra foi
embargada (Ed 4).
O fato dos profetas Ageu e Zacarias estimularem o povo a recome-
çar a obra antes da resposta favorável de Dario, sugere que a cessação
da construção não era legalmente necessária em relação à lei imperial, e
que um decreto imperial de cessação, incompatível e editado por não se
conhecer o decreto anterior de permissão, não deveria vigorar.
Certamente há uma lição aqui para os cristãos hoje. Num país onde
a liberdade religiosa é garantida por lei, e onde muitos valores cristãos
continuam como parte integrante do país e da sua constituição, os cris-
tãos ainda podem enfrentar muitos obstáculos na burocracia do gover-
no local, ou de organizações financiadas pelo governo. Se, hoje em dia,
os cristãos procuram desculpas para parar com o testemunho divino,
muitos obstáculos burocráticos poderiam ser citados. Entretanto, é cer-
tamente melhor para uma igreja proceder discretamente com a obra
de Deus, com fé dependente, lembrando da Sua soberania e da nossa
bendita herança de liberdade religiosa neste país, não antecipando, te-
merosamente, o capricho de uma autoridade local. Podemos proceder
pacificamente e ainda estar biblicamente sujeitos às autoridades exis-
tentes, dando a César o que é de César.
para nós, em relação à casa de Deus em nossos dias? Se há, então temos
de nos esforçar para segui-lo. Se não, então se torna uma porta aberta
para a conveniência humana, comitês de igrejas, organizações filantró-
picas, grupos que dominam e a influência de acadêmicos, intelectuais e
magnatas para entregarem uma noção culturalmente relevante da casa
de Deus, como eles a veem. O leitor deve pausar aqui e refletir: “Qual
é a minha convicção sobre a identidade da casa de Deus hoje, e qual a
minha responsabilidade para com ela?”
Para muitos que se reúnem ao nome do Senhor, a verdade da casa
de Deus é expressa na igreja local, também chamada de “a igreja do
Deus vivo” (I Tm 3:15), e o seu modelo é revelado no Novo Testamento.
Infelizmente, a maneira como o povo de Deus se comporta em relação
à verdade da casa de Deus tem sido caracterizada por períodos de falhas
e desvios. Como a Escritura relata estes incidentes, podemos estudá-los
com proveito, pois foram escritos para o nosso ensino. Esta convicção
foi ensinada de modo abrangente nos séculos XIX e XX, e aceito com
grande estima pelas igrejas locais. Um dos mais firmes ensinadores des-
ta verdade, John Ritchie, afirmou:
Entretanto, o padrão dado pelo Senhor, de acordo com o qual o Seu
povo deve ser edificado e unido, como Sua casa, Sua habitação,
Sua assembleia na terra, se mantém irrevogado, e é o único guia
para a organização da igreja, para comunhão, adoração, ministério
e ordem, que é de acordo com Deus.
* RITCHIE, J. The Church, The House of God, its Divine Pattern and Human Imitations. Kilmarnock:
J. Ritchie Ltd. Sem data.
108 A glória da oração
modelo, que te foi mostrado no monte”. Mas será que é assim? Será
que Deus estabeleceu um padrão para a igreja cristã?
* GOODMAN, Montague. An Urgent Call to Christian Unity. Londres: Paternoster Press, 1948.
Este discurso era consistente com os princípios do Sr. Goodman, mas o que ofendeu muitos
naquele tempo foi que um grupo de trinta e cinco irmãos dentre as lideranças na Grã Breta-
nha assinaram um acordo incentivando a aceitação das recomendações de Goodman, que
“mostram claramente a base que deve ser adotada por todas as igrejas locais”, e que “se esta
ação não for tomada rapidamente poderá ser tarde demais”. Para incentivar este processo
de união, as conferências de High Leigh (continuada pelas conferências de Swanwick), logo
se iniciaram com consequências dolorosas.
† BLOW, Samuel. Genesis to Revelation: Notes and outlines on all the books of the Bible. Kilmarnock:
J. Ritchie Ltd. Sem data. Samuel Blow era um verdadeiro pioneiro na obra do Evangelho no fim
do século XIX, e muito fiel na sua lealdade às verdades sobre a igreja do Novo Testamento.
Cap. 6 — As orações de Esdras 109
terminologia levítica. Como saberia ele das ofertas “de cheiro suave”?
A presença de piedosos oficiais judaicos no palácio Persa é bem docu-
mentada nas Escrituras. Daniel e Mardoqueu são dois exemplos espe-
cíficos. A influência de tais homens (e também da rainha Ester) deve
ter sido considerável, e a existência destas testemunhas fieis a Deus, em
tais circunstâncias especiais, ilustra os “caminhos misteriosos” de Deus
ao executar Seus propósitos soberanos.*
Na nossa época, temos instruções claras sobre orar pelas autorida-
des. “Admoesto-te, pois, antes de tudo, que se façam deprecações, ora-
ções, intercessões e ações de graças, por todos os homens; pelos reis,
e por todos os que estão em eminência, para que tenhamos uma vida
quieta e sossegada, em toda a piedade e honestidade” (I Tm 2:1-2). Em-
bora estejamos numa dispensação diferente daquela dos dias de Esdras,
em termos de governo global, a era chamada “os tempos dos gentios”
engloba ambos, e o povo de Deus agora, como o de então, está sujeito
aos sistemas de governo do mundo. Durante “os tempos dos gentios”,
o propósito do povo de Deus não dever ser envolver-se numa posição
política no sistema do mundo. O destino da imagem do sonho de Na-
bucodonosor é ser destruída pela Pedra feita sem mãos. Sabendo disso,
é impróprio para cristãos que estão “em Cristo” procurarem fazer parte
da imagem, quando estamos ligados à Pedra.
O homem Esdras
Esdras era um homem de família sacerdotal. Era filho de Seraías,
o último Sumo Sacerdote de Jerusalém, morto por Nabucodonosor por
ocasião da destruição do Templo. Esdras era escriba hábil na Lei de
Moisés. Ele passou sua juventude no exílio, na Babilônia, mas não des-
perdiçou aquele tempo: “Porque Esdras tinha preparado o seu coração
para buscar a lei do Senhor e para cumpri-la e para ensinar em Israel os
seus estatutos e os seus juízos” (7:10). Nisso, ele não procurava fama. A
ordem no versículo é instrutiva: buscar; cumprir; ensinar. Mesmo se a
oportunidade para ensinar nunca chegasse, Esdras estava contente em
buscar a Lei do Senhor e cumpri-la. Ele era um homem sincero e que
se preparou durante toda a sua vida. Quando surgiu a oportunidade
* Se o Assuero do livro de Ester é Dario Hystapes, esta influência fica clara. Veja a cronologia
do mui respeitado Bispo Ussher em The Annals of the World, revisado e atualizado por Larry
and Marion Pierce, Master Books 2003, e Bible Chronology: The Two Great Divides por J. A.
Moorman, The Bible for Today, 2010.
110 A glória da oração
* BELLET, J. G. Witnesses for God in Dark and Evil Times. Pode ser encontrado em www.stempu-
blishing.com.
Cap. 6 — As orações de Esdras 111
Doxologia
“Bendito seja o Senhor Deus de nossos pais, que tal inspirou ao co-
ração do rei, para ornar a casa do Senhor, que está em Jerusalém. E que
estendeu para mim a sua benignidade perante o rei e os seus conselhei-
ros e todos os príncipes poderosos do rei” (7:27-28). Esta curta excla-
mação é uma doxologia, na qual não há nenhuma menção de Deus na
segunda pessoa, mas é uma expressão de bênção e gratidão a Deus pela
Sua maravilhosa intervenção ao conceder a Esdras tão rico portfólio de
direitos e privilégios para usar o poder do monarca persa no serviço do
Senhor e na restauração do testemunho divino em Jerusalém.
tanto impacto só poderia ser feita por um homem que estava totalmente
mergulhado na Palavra, e cuja missão total na vida era aplicar a Palavra
a cada faceta da experiência do remanescente, tanto no aspecto indi-
vidual como coletivo. A sua visão do mundo começou com “o grande
Deus”. A sua oração foi a Deus e sobre a grandeza de Deus, e ao aben-
çoar o Senhor, o Deus Triúno, Jeová, ele sabia que a verdadeira bênção
seria encontrada num relacionamento correto com Deus. Nos nossos
dias, podemos pensar nas nossas próprias bênçãos no Evangelho, como
descritas no “glorioso evangelho do Deus bendito”. Como J. L. Harris
disse*: “Quanto mais é conhecido, quanto mais se deleita nele”.
Além disso, o tom e o ambiente eram reverentes. Isso é aparente
na atitude de Esdras e seus companheiros, e de todos os presentes, em
relação à Palavra de Deus. Uma atitude de humildade e reverência para
com a Palavra de Deus será associada a um temor reverente, quando
estiver relacionado com falar publicamente com Deus em oração. Nos
nossos dias de ideias sentimentais e atitudes informais, o exemplo de
Esdras revela como falhamos muito em relação a isso. Está se tornando
mais comum† o uso informal de “Você” ao invés de “Tu” para se dirigir a
Deus (o que é gramaticalmente e teologicamente impróprio). Na oração
pública, o irmão que fala audivelmente com Deus ocupa uma posição
de grande responsabilidade, pois ele dirige o ajuntamento, e o “Amém”
de todos é esperado. Ao se falar com Deus pronomes pessoais plurais
nunca são usados no Velho ou no Novo Testamento. Nas versões [em
inglês] Authorised Version e New Translation de JND, há fidelidade ao
texto hebraico e grego ao traduzir o pronome singular por “Thou/Thee”
(“Tu/Ti”) — o pronome plural é “You” [no inglês]. A unidade essencial
de Deus é um aspecto fundamental da teologia do Velho Testamento,
e sua importância foi enfatizada pelo Senhor Jesus Cristo em Marcos
12:29: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor”. Assim, é
essencial o uso de “Tu” ao falarmos com Deus. Usar “Você” revela fal-
ta de conhecimento‡ ou de reverência, algo inapropriado em qualquer
* HARRIS, J. L. Law and Grace: being Notes of Lectures on the Epistle to the Galatians (pode ser
encontrado em www.stempublishing.com).
† Veja o panfleto publicado por Bible League Trust: Archiac ou Accurate? editado por J. P.
Thackway. De importância especial são dois artigos por John Heading: Singular and Plural
— a warning against Confusion e Thou and You in Bible Translations; também Adressing God
in Prayer and Worship por T. E. Wilson. Estes podem ser achados online em http://www.
bibleleaguetrust.org/articles/archaic_or_accurate.pdf.
‡ O argumento gramatical usado no texto acima não se aplica no português, devido à diferença
Cap. 6 — As orações de Esdras 113
A linhagem santa
A preocupação maior de Esdras, no cap. 9, é com a linhagem santa
e a ameaça contra a sua pureza e continuidade, por ter-se misturado
com os povos ao redor. Não há qualquer referência anterior de Esdras à
“linhagem santa”, e é notável que o assunto é apresentado pelos líderes
“leigos” (príncipes) da comunidade judaica, isto é, não pelo sacerdote,
levita ou profeta. Estas pessoas anônimas estavam preocupadas, e ex-
pressaram a sua preocupação em linguagem teológica muito interes-
sante.
O uso da expressão “linhagem santa” nos mostra que estes príncipes
consideravam o assunto de grande importância teológica. Além disso,
estavam preocupados com a situação presente por causa da esperança
profética que dependia da integridade e da propagação desta “linhagem
santa”. A mistura foi vista como um ataque maligno contra a “linhagem
santa”. Pior ainda, o ataque não vinha de um inimigo externo, mas de
uma epidemia de decadência moral no meio do povo de Deus. A his-
tória bíblica desta “linhagem santa” (ou “santa semente”) é um estudo
interessante. Cronologicamente, a primeira menção está em Isaías 6:13,
Cap. 6 — As orações de Esdras 115
A oração de Esdras
O horário desta oração coincidiu com o sacrifício da tarde. Este era
um holocausto (Lv 6:9; Êx 29:41-43), e era a base divina do encontro
de Deus com o Seu povo e a sua aceitação. O sacrifício público de Elias
no Monte Carmelo também ocorreu na hora do sacrifício da tarde (I Rs
18:36), quando ficou claro a todos que nenhuma resposta haveria para
os profetas de Baal. A oração de Daniel foi respondida rapidamente
na hora do sacrifício da tarde (Dn 9:21). Sem dúvida, Esdras entendia
bem o significado do sacrifício da tarde, e teria alguma compreensão,
116 A glória da oração
* “Eu sempre tenho sido contra irmãos sendo chamados para resolver problemas para uma
igreja. Um irmão sábio e piedoso pode dar conselhos das Escrituras e procurar despertar a
consciência, mas nada será realmente realizado se a consciência da igreja não agir” (parte
de uma carta a William Reid). “Enquanto reconhecemos que um irmão pode aconselhar, com
muito proveito, eu tenho muitíssimo receio de irmãos chegando para resolver problemas,
porque a consciência da igreja não é exercitada. Paulo não foi, mas ativou a consciência da
igreja” (de uma carta a Christopher McAdam, Vol. 2, pág. 398). “O ato de disciplina publica
precisa ser feito pela igreja local; pois a igreja precisa se purificar a si mesma, e nenhum outro
caminho servirá. Como ele (Paulo) diz: ‘provaram a si mesmos neste assunto’. Suponhamos que
Cap. 6 — As orações de Esdras 119
Unanimidade de ação
Imediatamente depois da grande oração de Esdras surgiu um notá-
vel consenso sobre a necessidade de agir para tratar da crise causada pela
mistura. Corações e consciências evidentemente foram profundamente
tocados. A grande congregação de homens, mulheres e crianças que se
reuniu perante Esdras, enquanto ele terminava a sua oração, foi motiva-
da pelo efeito da Palavra de Deus nas suas consciências. Eles choravam
amargamente. Seus pensamentos foram vocalizados por Secanias, filho
de Jeiel. Aqui havia um homem que estava preparado a colocar princí-
pios antes de vínculos naturais. Vemos em 10:26 que seu pai fora um
daqueles que tinha tomado mulheres estranhas. Entretanto, foi ele que
incentivou Esdras a agir. Apesar da gravidade da situação, ele tinha a
fé para dizer: “No tocante a isso, ainda há esperança para Israel” (10:2).
Ele sugeriu que uma aliança fosse feita com Deus para despedir todas
as mulheres estrangeiras, algo que deveria ser feito “conforme a lei” (v.
3). Sem dúvida, reconhecendo o conhecimento que Esdras tinha da Lei,
ele disse: “Porque te pertence este negócio” (10:4). Este impacto da ora-
ção de Esdras não era simplesmente o resultado da sua eloquência ou
carisma pessoal. Decisões que, do ponto de vista natural, poderiam ser
consideradas duras e sem compaixão humana, foram rapidamente im-
plementadas no temor de Deus. Não resta dúvida que havia um grande
preço pessoal a ser pago, emocionalmente e provavelmente economi-
camente, para aqueles que se sujeitaram ao padrão das Escrituras para
o testemunho divino. No entanto, a maioria aceitou fazer esta aliança.
Hoje em dia, uma tal restauração do povo de Deus das condições de
desvio frequentemente é considerada como legalista e sem compaixão.
Estes sentimentos agradam a uma atitude baseada em emoção quanto
às coisas divinas. É pós-teológica*, pois os proponentes de tais opiniões
nunca apelam ao “assim diz o Senhor”; eles não são caracterizados por
“achar escrito na lei”, e preferem provocar empatia com o mal; isto cor-
responde a participar com aqueles que perpetram o que a Palavra de
Deus identifica como pecado.
Apesar deste grande movimento de arrependimento e restauração
somente os anciãos colocam a pessoa fora de comunhão, isto não purificaria a consciência da
igreja. Somente produziria, basicamente, tristeza por terem de fazer isto” (Notes of Readings
in First Corintians 10). Estes extratos foram acessados em www.stempublishing.com.
* “Pós-teológico” pode ser aplicado à infiltração pós-moderna nos pensamentos de muitos
evangélicos que atualmente procuram formar opiniões em outros.
120 A glória da oração
Restauração conseguida
Mesmo entre os filhos dos sacerdotes havia alguns que tinham to-
mado esposas estrangeiras. “Os lábios do sacerdote devem guardar o
conhecimento” (Ml 2:7), e é coisa séria quando inconstância na conduta
moral ocorre entre os que ensinam o povo de Deus. De Esdras cap. 10
aprendemos que foi necessária uma completa e rápida investigação com
arrependimento, e arrependimento em ação, não só em palavras, levan-
do à cessação do relacionamento condenado pelas Escrituras. No v. 11
há três elementos chave na instrução de Esdras ao povo:
• Confissão — “Agora, pois, fazei confissão ao Senhor Deus de vos-
sos pais”;
• Obediência — “E fazei a Sua vontade”;
• Separação — “E apartai-vos dos povos das terras …”
* A versão JND concorda com a AT em português: “Somente Jônatas o filho de Asael e Jazeías
o filho de Ticva se levantaram contra isto; e Mesulão e Sabetai o levita os ajudaram”. O texto
da AV (“se ocuparam desta questão”) deve ser entendido de forma adversativa.
† Ne 11:16. Veja os comentários úteis sobre Esdras 10 por H. L. Rossier, Meditations on the
book of Ezra (acessado em www.stempublishing.com).
‡ Letter to the saints meeting in Ebrington Street on the circumstances which have recently occurred
there. J. N. Darby; Vol. 20, Collected Writings: Ecclesiastical.
Cap. 6 — As orações de Esdras 121
Pano de fundo
O reinado de Salomão foi caracterizado por extraordinário poder e
prosperidade. Durante o seu reinado, houve a construção do Templo e
o estabelecimento de Jerusalém como a habitação de Deus. Sua fama
foi extensa, e atraiu a visita da rainha de Sabá, desejosa de observar “a
sabedoria de Salomão, e a casa que edificara” (II Cr 9:3). Tudo isto iria
mudar rapidamente, e depois da morte de Salomão o reino foi dividido
em dez tribos ao norte, chamadas Israel, e duas tribos ao sul, chamadas
Judá. Subsequentemente, Israel foi conquistada pelos assírios e Judá foi
levada cativa pelos babilônios.
O cativeiro de Judá na Babilônia, permitido por Deus, represen-
tava a Sua resposta judicial ao fracasso que caracterizou o Seu povo.
Sua desobediência, contaminação e insubmissão aos mensageiros do
Senhor, como relatado em II Crônicas 36:14-16, resultou na profana-
ção e destruição da casa de Deus que Salomão havia construído e na
demolição dos muros de Jerusalém. Muitos foram levados cativos para
a Babilônia. Provavelmente, o pai de Neemias estava entre os cativos
naquele tempo, e assim se encontrava a centenas de quilômetros do seu
lar e em circunstâncias estranhas e desagradáveis. Com base no fato que
o povo de Judá ficaria no cativeiro durante setenta anos, seria razoavel-
mente seguro concluir que Neemias nasceu na Babilônia.
Quando Neemias aparece nas páginas da nossa Bíblia, os Medos e
Persas tinham conquistado a Babilônia e, sob o decreto destes, o primei-
ro grupo de exilados tinha recebido permissão para voltar a Jerusalém,
de acordo com o programa de Deus revelado a Jeremias. Este grupo,
dirigido por Zorobabel, ajudado por Josué, o sumo sacerdote, começou
o trabalho da reconstrução do Templo. Estes passos iniciais da restau-
ração pararam, e o ministério de Ageu, o profeta, teve uma importância
específica nas dificuldades enfrentadas naquele tempo.
Durante o reinado de Artaxerxes outro grupo de exilados voltou,
sob a liderança de Esdras, e um relato detalhado das suas atividades é
Cap. 7 — As orações de Neemias 123
dado em Esdras caps. 7-10. Neste meio tempo Neemias foi designado
copeiro do rei no palácio em Susã. Sua função incluía a responsável
posição de ser o criado pessoal do rei; ele havia, obviamente, provado a
sua integridade pessoal e fidelidade, ou não teria sido selecionado para
servir nesta posição favorecida. Nisso, ele nos dá um exemplo muito
positivo sobre como se deve viver num pais estrangeiro. Outros, como
José, Daniel e a criada da esposa de Naamã logo vem à mente.
O papel e a responsabilidade de Neemias no palácio lhe davam
acesso ao rei e à rainha. Quando ele estava ocupado neste serviço, lemos
em Neemias 2:1 que “sucedeu, pois”. O significado disto será consi-
derado mais tarde. Devemos notar as referências em Neemias 1:1 ao
mês de Quisleu e ao ano vigésimo do reinado do rei Artaxerxes, que
indicam que Deus estava cumprindo os Seus propósitos no Seu tem-
po. Embora Deus pode agir independentemente, é muito encorajador
observar que vai ser permitido a Neemias ter uma parte importante na
obra de restauração a ser feita em Jerusalém. O relato de Neemias for-
nece um exemplo muito instrutivo sobre o que pode ser feito para Deus
nas circunstâncias mais difíceis e desagradáveis. Seria proveitoso refletir
nas suas muitas qualidades recomendáveis, tais como sua percepção da
necessidade, sua competência prática, e sua capacidade de trabalhar em
parceria com outros, mas o propósito específico deste capítulo é consi-
derar as suas orações. Suas orações apresentam, de diversas maneiras,
uma compreensão nítida da vida espiritual e da motivação dele mesmo,
e são muito compatíveis com tudo que é simbolizado pelo seu nome,
que significa “o conforto do Senhor”.
Resumo
Antes de considerar o contexto e conteúdo de cada oração de Nee-
mias, algumas observações gerais são apropriadas.
O fato que ele orava com regularidade e espontaneidade demonstra
que ele vivia uma vida de comunhão com Deus e, em relação a isto, é
importante notar o respeito que tinha pelo “livro da lei de Moisés” (Ne
8:1). Isso mostra que a comunhão com Deus através de oração e da
Palavra de Deus eram importantes para a sua percepção e progresso
espiritual.
As suas orações eram geralmente semelhantes às orações de Elias,
vinculadas à necessidades ou circunstâncias específicas, dando uma pro-
va clara de que o nosso Deus tem um interesse profundo nos assuntos
124 A glória da oração
da vida diária.
Suas orações eram curtas e muito objetivas; dando um excelente
exemplo de como se deve orar e pelo que se deve orar.
Suas orações subiam do seu coração em lugares incomuns, provan-
do que ele podia trazer Deus consigo em todas as circunstâncias e ati-
vidades da sua vida, e confirmando que ele tinha o costume de orar e
assim estava sempre em contato com Deus. Ele tinha muitas caracterís-
ticas semelhantes às de Paulo, que exortou: “Orando em todo o tempo
com toda a oração e súplica no Espírito, e vigiando nisto com toda a
perseverança e súplica por todos os santos” (Ef 6:18).
Embora fosse um homem prático, cheio de vigor e firmeza, suas
orações revelam uma profunda dependência em Deus. Nisto, ele nova-
mente manifesta características semelhantes às de Paulo, que afirmou:
“Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece” (Fp 4:13).
Uma reflexão na vida de oração de Neemias nos dá uma confirma-
ção preciosa de que Deus não somente ouve, mas responde, as orações
no Seu tempo e da Sua maneira, sempre perfeitamente.
Neemias oferece todo o encorajamento disponível para nos ocu-
parmos regularmente em oração e para viver uma vida de constante
dependência em Deus.
Orações específicas
Há mais ou menos dez orações de Neemias registradas nas Escritu-
ras. Cada uma é especial e interessante por causa das suas circunstâncias
e do seu conteúdo, e cada uma está repleta de instruções valorosas. Va-
mos considerá-las na ordem que aparecem no livro de Neemias.
Oração particular
Como observamos na introdução a este capítulo, Neemias era o
copeiro e, portanto, tinha acesso ao rei e à rainha. Enquanto estava ocu-
pado neste serviço no palácio, “sucedeu, no mês de Quisleu, no vigésimo
ano … que veio Hanani, um dos meus irmãos, ele e alguns de Judá; e
perguntei-lhes pelos judeus que escaparam, e que restaram do cativeiro,
e acerca de Jerusalém” (Ne 1:1-2). A pergunta de Neemias revela que,
embora ele ocupasse uma posição de responsabilidade, e provavelmente
tivesse um padrão de vida confortável, ele nunca se esqueceu da sua
ligação com a terra dos seus progenitores, nem com a importância de
Jerusalém para Deus ou o Seu povo. A sua preocupação com a situação
Cap. 7 — As orações de Neemias 125
é muito recomendável, pois teria sido muito mais fácil para ele se es-
quecer dela. Ele poderia ser desculpado se tivesse optado por uma vida
mais fácil e afirmado que ele não era responsável, de forma alguma,
pela situação atual. Ao invés disso, ele tinha uma profunda preocupação
com as condições e com a necessidade de restauração. As Escrituras
oferecem muitos exemplos de Deus operando depois da preocupação
do Seu povo com as circunstâncias predominantes, e isto é especifica-
mente importante nos vários períodos de recuperação gozado durante
o tempo dos juízes. Isso vem como um desafio a cada um de nós, e deve
fazer-nos perguntar até que ponto nos inquietamos e nos preocupamos
diante de Deus com as condições espirituais presentes.
O relato que ele recebeu causou ainda mais intensidade à sua preo-
cupação e inquietação e revelou três coisas.
“Os restantes que ficaram do cativeiro, lá na província estão em
grande miséria e desprezo” (Ne 1:3). “Miséria” (07471) sugere adversi-
dade, calamidade, desprazer, angústia e maldade. “Grande miséria” en-
fatiza a severidade do sofrimento que enfrentavam. “Desprezo” (02781)
fala de desgraça, humilhação e vergonha.
“O muro de Jerusalém fendido” (Ne 1:3). E. Dennett* explica que
o muro é um símbolo da separação, e C. T. Lacey† destaca que o muro
“tinha o propósito duplo de manter o mal do mundo do lado de fora e
os habitantes legítimos da cidade seguros, do lado de dentro”. Quando
se perde a distinção, o propósito de Deus já está seriamente compro-
metido. O ensino da Lei e o voto do Nazireu, como apresentados em
Números 6, têm muito a nos ensinar sobre a importância de separação.
“As suas portas queimadas a fogo” (Ne 1:3). A porta era o lugar de
administração pública, onde assuntos de juízo e de justiça eram trata-
dos com transparência. Portanto, a destruição das portas representava a
perda de autoridade e administração.
As notícias que chegaram aos ouvidos de Neemias eram, em todo
sentido, desanimadoras e muito deprimentes. Como foi que ele reagiu?
Sua postura é muito importante — ele diz: “assentei-me” (Ne 1:4). Ele
reagiu de maneira semelhante a Esdras quando ele também ouviu da
falta de separação. Em Esdras 9:3 está registrado: “E, ouvindo eu tal
coisa, rasguei as minhas vestes e o meu manto, e arranquei os cabelos
da minha cabeça e da minha barba, e sentei-me atônito”. A sua tristeza
* DENNETT, E. An Exposition of Ezra and Nehemiah. Bible Truth publishers, reimpressão, 1977.
† LACEY, C. T. What the Bible Teaches. Kilmarnock: John Ritchie Ltd., 2009.
126 A glória da oração
(Ne 1:6). Desta maneira ele manifesta a sua verdadeira estatura es-
piritual e se coloca a par, por exemplo, com Moisés, que repetida-
mente, sem hesitar, se associou com o pecado e fracasso daqueles a
quem Deus o levantou para guiar.
• Confissão de fracasso — Ele menciona a contaminação deles, “de
todo nos corrompemos contra ti”, e a sua desobediência: “e não
guardamos os teus mandamentos, nem os estatutos, nem os juízos,
que ordenaste a Moisés, teu servo” (Ne 1:7).
• Apreciação pelas Escrituras — Ele reconhece as consequências de
desobedecer os mandamentos que foram dados a Moisés ao citar:
“Vós transgredireis, e eu vos espalharei entre os povos” (Ne 1:8). Por
outro lado, ele também cita: “E vós vos convertereis a mim, e guar-
dareis os meus mandamentos, e os cumprireis; então, ainda que os
vossos rejeitados estejam na extremidade do céu, de lá os ajuntarei e
os trarei ao lugar que tenho escolhido, para ali fazer habitar o meu
nome” (Ne 1:9). Assim, Neemias confirma que a oração deve ser de
acordo com, e baseada na Palavra de Deus.
• Reconhecimento do propósito e poder divinos — Antes de con-
cluir a sua oração, Neemias faz um apelo final. Este apelo reconhece
o que o povo, embora desviado e desobediente, significa para Deus,
e na Sua presença ele implora: “Eles são teus servos e o teu povo que
resgataste com a tua grande força e com a tua forte mão” (Ne 1:10).
Neemias aprecia que Deus não abandona facilmente o Seu povo
desviado. Tendo estado perante o Senhor com tristeza de coração
e em espírito de súplicas, ele agora faz um pedido específico: que
possa achar favor e “graça perante este homem” (Ne 1:11).
Uma reflexão sobre esta oração exalta a preocupação de Neemias
com as circunstâncias, seu desejo de voltar a Jerusalém para apoiar a res-
tauração, e sua total dependência em Deus para criar esta oportunidade.
O fato que a permissão que ele precisava viria de um monarca terrestre
não diminuiu a sua confiança no verdadeiro Deus.
Oração no palácio
O relato sobre a destruição em Jerusalém, recebido no mês de Quis-
leu, teve grande impacto em Neemias. Daquele momento em diante,
profundamente preocupado com a situação ali, ele esteve continuamen-
te em oração a Deus. Aproximadamente quatro meses mais tarde, de
Quisleu até Nisã, lemos a afirmação muito significativa: “Sucedeu, pois”
128 A glória da oração
(Ne 2:1). Neste dia específico, quando o início do ano persa era, prova-
velmente, a causa das celebrações no palácio, uma das responsabilidades
seculares de Neemias seria servir o vinho ao rei Artaxerxes. Estar com
aparência triste nesta ocasião não teria sido tolerado, e antes disso Nee-
mias nunca tinha demonstrado qualquer sinal de ansiedade interior ou
preocupação na presença do rei. Entretanto, nesta ocasião a sua aparên-
cia era tal que o rei perguntou a ele: “Por que está triste o seu rosto, pois
não estás doente?” (Ne 2:2). O rei teve discernimento suficiente para
saber que “não é isto senão tristeza de coração” (Ne 2:2).
A reação de Neemias foi notável, e ele diz: “Temi sobremaneira”
(Ne 2:2). Mais tarde ele iria demonstrar grande coragem e persistência
diante da oposição de todos os inimigos, mas agora um medo extremo
o dominou. Talvez isto seja compreensível, quando ele contemplou a
possibilidade de perder esta oportunidade que Deus lhe oferecia. Ape-
sar do seu temor, ele manteve sua compostura, reconheceu o respeito
devido ao rei e lhe perguntou: “Como não estaria triste o meu rosto,
estando a cidade, o lugar dos sepulcros de meus pais, assolada, e tendo
sido consumidas as suas portas a fogo?” (Ne 2:3). A resposta do rei foi:
“Que me pedes agora?” (Ne 2:4).
Diante aquela situação urgente e dramática lemos: “Então orei ao
Deus dos céus” (Ne 2:4). As circunstâncias exigiram que a oração fosse
curta, e as Escrituras não revelam o que ele orou. O fato que Neemias
orou instintivamente manifesta o seu hábito de estar constantemente
em comunhão com Deus, e que ele sentia a sua incapacidade neste mo-
mento crítico. Guiado e sustentado por Deus, Neemias disse: “Peço-te
que me envies a Judá, à cidade dos sepulcros de meus pais, para que eu
a reedifique” (Ne 2:5). Não houve rodeios sobre o assunto, e o rei não
ficou em dúvida sobre o que Neemias desejava. Sua coragem e clareza
perante o rei são muito recomendáveis.
Com a permissão obtida, e combinado o tempo da sua ausência,
Neemias faz mais um pedido ao rei; ele pediu cartas de autorização e
materiais necessários para o início da obra de reconstrução. O rei con-
cedeu todas estas coisas, e também capitães e cavaleiros, mas Neemias
reconheceu rapidamente que era “segundo a boa mão de Deus sobre
mim” (Ne 2:8). Certamente, este é um exemplo precioso de Deus pro-
videnciando além das nossas necessidades, e um lembrete claro de que
perdemos muito por não expor diante de Deus, em maior detalhe, as
várias necessidades que constantemente temos.
Cap. 7 — As orações de Neemias 129
com toda a perseverança e súplica por todos os santos” (Ef 6:18). Com
quanta frequência o inimigo ataca naquele momento desprotegido e
confiante! Que possamos ser caracterizados pela mesma tenacidade e
vigilância.
Oração pastoral
Neemias era um que guiava os outros pelo seu exemplo pessoal, e
que não pedia aos outros que fizessem alguma coisa que ele mesmo não
estava pronto a fazer. Ele tinha consciência da sua posição como gover-
nador (Ne 5:14), e nesta posição enfrentou muitos e variados problemas.
Como muitos outros líderes piedosos antes e depois dele, e desde então,
ele teve que combater murmurações internas e descontentamento. De
certo modo, oposição externa é até esperada, mas deve ter sido motivo
de mágoa profunda quando surgiram problemas internos.
Os primeiros versículos do cap. 5 mostram que estas dificuldades
eram acerca de terras, possessões, dinheiro e relacionamentos. O inimi-
go ainda emprega estes assuntos para criar contendas e divisões. Paulo
avisou sobre o “amor ao dinheiro” (I Tm 6:10), e podia se apresentar
como exemplo pessoal quando informou os anciãos em Éfeso: “De nin-
guém cobicei a prata, nem o ouro, nem o vestuário … Tenho-vos mos-
trado em tudo que, trabalhando assim, é necessário auxiliar os enfermos,
e recordar as palavras do Senhor Jesus, que disse: Mais bem-aventurada
coisa é dar do que receber” (At 20:33-35).
Naturalmente, a primeira reação de Neemias foi de ira, mas ele con-
trolou isto e, ao invés de agir em espírito de vingança, ele tirou tempo
para refletir sobre a situação: “E considerei comigo mesmo no meu co-
ração” (Ne 5:7). Nestas circunstâncias, é difícil apreciar o impressionan-
te peso que ele carregava, e assim aprovar a atitude que ele adotou. Os
líderes nas igrejas locais poderiam aprender muito de Neemias, toman-
do tempo e cuidado para avaliar plenamente os problemas e agir em
espírito de oração perante Deus.
Quando Neemias agiu para tratar das dificuldades entre o povo ele
demonstrou qualidades notáveis de liderança. Indo ao próprio âmago
do problema, com coragem e convicção, e agindo “por causa do temor
de Deus” (Ne 5:15), o perigo em potencial foi evitado. É impressionante
que enquanto ele estava resolvendo estes problemas internos, ele disse:
“Também eu continuei na obra deste muro” (Ne 5:16, VB). Alguém
com menos coragem teria deixado que os problemas internos o desvias-
132 A glória da oração
Foi bom que Neemias era homem corajoso, e ainda mais importan-
te, homem de percepção: “E percebi que não era Deus quem o enviara;
mas esta profecia falou contra mim, porquanto Tobias e Sambalate o
subornaram” (Ne 6:12). Neemias também compreendeu que seu alvo
era “para me atemorizar, e para que assim fizesse e pecasse, para que
tivessem alguma coisa para me infamarem” (Ne 6:13). O dano desejado,
o prejuízo pretendido e a decepção planejada nos mostram como preci-
samos estar vigilantes para sermos preservados.
Mais uma vez esta situação leva Neemias à presença de Deus. Parece
que ele está sem saber o que pedir, e com confiança, sem reservas, ele excla-
ma: “Lembra-te, meu Deus, de Tobias e Sambalate, conforme a estas suas
obras, e também da profetisa Noadia, e dos mais profetas que procuraram
atemorizar-me” (Ne 6:14). Como seria bom se nós sempre fossemos ca-
racterizados por discernimento para provar “se os espíritos são de Deus,
porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo” (I Jo 4:1).
Oração por causa da corrupção
Deve ter enchido o coração de Neemias de profunda satisfação e gra-
tidão testemunhar a dedicação do muro, o reestabelecimento do trabalho
dos sacerdotes e levitas, de acordo com o redescoberto livro da Lei de
Moisés, e ouvir “os cânticos de louvores e de ação de graças a Deus” Ne
12:46. Com estas preciosas memórias ocupando a sua mente, ele voltou
para a Babilônia. Não foi fácil para ele voltar, mas ele tinha recebido um
tempo específico de licença, e sendo um homem de princípios, ele honrou
o seu compromisso com o rei. Mesmo estando na Babilônia, não há dúvi-
da que seus desejos e pensamentos estavam em Jerusalém, e lemos: “Após
alguns dias tornei a alcançar licença do rei, e voltando a Jerusalém …” (Ne
13:6-7). Não sabemos por quanto tempo Neemias se ausentou de Jerusa-
lém, mas foi tempo suficiente para que a grave doença espiritual de desvio
ocorresse novamente. Quando ele chegou a Jerusalém ele descobriu que
Eliasibe, “sacerdote, que presidia sobre a câmara da casa do nosso Deus,
se tinha aparentado com Tobias” (Ne 13:4). Eliasibe teria sido bem co-
nhecido de Neemias na sua capacidade sacerdotal, e descobrir que ele não
somente se tinha aparentado com Tobias, mas fizera-lhe “uma câmara
nos pátios da casa de Deus” (Ne 13:7), deve ter causado profunda tristeza
e desapontamento. A influência de um líder piedoso frequentemente é
medida pelo que acontece durante a sua ausência.
Motivado por esta tristeza, e provavelmente também por ira, Nee-
Cap. 7 — As orações de Neemias 135
* Tradução literal. O original diz: “Beyond our utmost wants/His love and power can bless;/To
praying souls He always grants/More than they can express.” (N. T.)
Cap. 8 — As orações de Daniel
Por James R. Baker, Escócia
Introdução
As circunstâncias dramáticas nos dias iniciais do cativeiro Babilô-
nico trouxeram grandes dificuldades para os filhos de Israel. O impacto
sobre aqueles que foram levados de Canaã para Babilônia resultou nas
várias orações que são registradas no livro de Daniel. Estas petições
foram trazidas perante Deus por pessoas que se entregaram a Ele para
serem libertos de tortura e possível morte. Devemos também notar que
havia alguns entre os cativos filhos de Israel cujas vidas eram caracteri-
zadas pelo hábito de oração regular e constante. Para eles a oração era
o recurso normal quando surgiam problemas. As orações mencionadas
no livro de Daniel são subentendidas ou descritas detalhadamente. Elas
serão consideradas aqui na ordem cronológica, nos quatro capítulos es-
pecíficos que revelam a importância e o resultado de oração em tempos
de tribulação. Antes destes capítulos serem considerados, várias referên-
cias tiradas do cap. 1 serão feitas em relação às dificuldades iniciais que
os primeiros cativos enfrentaram.
Capítulo 1
Fica claro deste capítulo inicial que Daniel e seus companheiros
estavam na Babilônia como cativos e, portanto, estavam numa posi-
ção precária em relação às muitas regras e regulamentos que lhes eram
trazidos dos diferentes níveis de autoridade babilônica. Jovens judeus
foram escolhidos pelos babilônios, que não somente mudaram a sua
alimentação costumeira como também seus nomes. A intenção óbvia
era manipular jovens intelectualmente dotados para que pudessem
facilmente assimilar e adotar os costumes e a cultura da Babilônia, e
assim serem capazes de encorajar muitos outros Israelitas a aceitar pa-
cificamente a sua nova situação. Claramente, Nabucodonosor pretendia
mudar a atitude destes jovens para com a sua nação e, ainda mais im-
portante, para com Deus. A importância dos novos nomes dados a eles
é que cada um dos seus nomes judaicos originais continha parte de um
Cap. 8 — As orações de Daniel 139
Capítulo 2
Este importante capítulo contém o relato de um sonho extraor-
dinário que Nabucodonosor, rei da Babilônia, teve no segundo ano do
seu reinado. O conteúdo do sonho continha fatos grandiosos e assuntos
proféticos que são da mais profunda importância. Ocupa a primeira de
várias partes do livro de Daniel que, juntas, fornecem um esboço do
procedimento de Deus com as nações gentias.
Nabucodonosor estava sendo ensinado que ele (e seu reino babi-
lônico) era o primeiro de quatro poderes imperiais que Deus estava
informando que existiriam durante os tempos dos gentios. Mais adiante
neste capítulo ficará claro que além do governo dos homens, com toda
a sua grandeza temporária, haverá um reino que será eterno e superior
a todos os outros. Os quatro impérios mundiais acabarão, mas o quinto
reino será indestrutível, porque será divino em origem e controle.
O pedido de Nabucodonosor
Não é fácil decidir o que causou a perturbação de espírito do im-
perador nesta ocasião, embora já houvesse muitas razões para ele estar
perplexo. Sua vida era vivida com crueldade, dominando os outros, e
mesmo que ele ainda estava perto do início do seu reinado, ele já fora
responsável pelo derramamento de sangue de muitas centenas de pes-
soas. Parece, pelas palavras do v. 1 deste capítulo, que o sonho mencio-
nado não foi o seu primeiro sonho, mas um de muitos; e estes sonhos
perturbavam o seu espírito e lhe tiravam o sono. Há um contraste notá-
vel entre o sono deste homem e o de Pedro, que fora preso por Herodes,
o rei: “E quando Herodes estava para o fazer comparecer, nessa mesma
noite estava Pedro dormindo entre dois soldados, ligado com duas ca-
deias, e os guardas diante da porta guardavam a prisão” (At 12:6). Na-
bucodonosor não conseguia dormir apesar do conforto do seu palácio,
mas Pedro dormia tranquilamente, mesmo no ambiente cruel da prisão,
na noite antes de ser apresentado perante aqueles que queriam a sua
morte.
A ordem do rei foi para os magos, os astrólogos, os encantadores
e os caldeus. Estes grupos formaram um aglomerado que entrava em
contato com o mundo dos espíritos imundos e eram, geralmente, os
conselheiros do rei sobre os variados assuntos que ele tinha em mente.
Nesta ocasião eles ouviram o pedido do rei e estavam ansiosos para ou-
Cap. 8 — As orações de Daniel 141
vir dele o conteúdo do seu sonho, mas Nabucodonosor queria que eles
lhe dessem os detalhes do sonho. Isso, para eles, era uma coisa muito
difícil de se fazer, e que testava a sua verdadeira capacidade de revelar o
futuro. A única resposta que estes homens podiam dar era: “Ó rei, vive
eternamente! Dize o sonho aos teus servos, e daremos a interpretação”.
Se esta situação foi planejada ou não, ela deu ao rei a oportunidade de
testar a capacidade e a integridade dos seus conselheiros, e eles obvia-
mente perceberam isto. Do seu ponto de vista, este assunto se tornou
o dilema mais sério das suas vidas. Se pudessem dar a resposta correta,
isto abriria a porta para uma vida e posição de grandeza diante deste
potentado gentio; mas falhar significaria a morte; esta seria a sua prova
suprema. Do ponto de vista do rei, ele sabia que se eles pudessem lhe
dar uma descrição correta do seu sonho então a sua interpretação tam-
bém seria correta. Ele estava, realmente, testando a habilidade e integri-
dade dos seus conselheiros.
A resposta dos conselheiros revelou a sua incapacidade de realizar
o que o rei pediu. Deus estava ensinando este homem cruel sobre a fra-
queza da sabedoria humana, e também sobre o perigo de consultar os
poderes das trevas. O resultado da ira do rei foi uma ordem para destruir
todos os sábios da Babilônia. Ele detinha o poder supremo para fazer
o que quisesse, e sua decisão incluía a destruição de Daniel e dos seus
companheiros.
A graça e sabedoria de Daniel não impediram a intrepidez com
que agia em tempos de necessidade e extremidade. A sua vida era vivida
em comunhão com Deus, e imediatamente depois de ouvir os detalhes,
através de Arioque, ele foi ao rei e pediu um tempo. Este pedido foi
acompanhado da promessa de dar ao rei a interpretação que ele deseja-
va. Vemos aqui mais uma evidência da fé de Daniel em Deus, e da sua
intimidade com Ele. O seu temor de Deus era maior do que o seu temor
de qualquer homem.
Imediatamente depois de sair da presença do rei, Daniel foi para sua
casa e “fez saber o caso” aos seus três companheiros, para que pudessem
orar juntos (2:17). Esta foi uma reunião de oração com apenas quatro
pessoas, mas eram homens que oravam a Deus sob a sombra da morte, e
sua oração foi dirigida ao “Deus do céu” (v. 19). Este é um título divino
que é especifico do tempo em que eles viviam, e que aparece muitas
vezes neste e em outros livros do cativeiro. O uso de títulos divinos nas
orações, em tempos bíblicos diferentes, merece atenção cuidadosa.
142 A glória da oração
Capítulo 6
Daniel cap. 5 descreveu o dia final dos vinte e cinco anos do reinado
de Belsazar. O cap. 6 descreve algo do começo do reinado de Dario, o
Medo, e inclui a implementação da nova organização administrativa do
novo império. Em associação com estas novas posições de governo, o
capítulo também descreve mais um exemplo importante de aflição para
Daniel, causado pela sua fidelidade em testemunho para Deus. O inci-
dente de Daniel na cova dos leões tornou este capítulo, possivelmente,
o mais conhecido do livro de Daniel.
Os primeiros versículos deste capítulo revelam os benefícios que
Daniel logo conquistou dos seus novos captores, embora ele teria, nessa
ocasião, cerca de oitenta e três anos de idade. Muitos cristãos têm pro-
vado que as exigências espirituais e morais de uma vida obediente e san-
tificada não têm impedido seu avanço no seu emprego secular — mas
há ocasiões quando tais características piedosas provocam a natureza e
atitude carnal dos seus colegas incrédulos. Porém, através de perseve-
rança humilde, estes irmãos têm provado que “sendo os caminhos do
144 A glória da oração
homem agradáveis ao Senhor, até a seus inimigos faz que tenham paz
com ele” (Pv 16:7). Vemos, claramente, que havia aqueles que tinham
inveja de Daniel, mas como não podiam achar ocasião contra a sua vida,
decidiram agir usando a obediência que ele tinha à Lei do seu Deus (v.
5). O incidente que vamos considerar agora descreve a bem conhecida
história da cova dos leões.
Uma leitura superficial do capítulo revela a inquietação dos muitos
grupos governantes no império, que eram diretamente responsáveis ao
imperador. Estes grupos se opunham totalmente a Daniel, mas desco-
briram que era quase impossível achar motivos para acusá-lo e assim
removê-lo. O plano que finalmente maquinaram era preparar um edito
que se tornaria num decreto real assinado pelo rei. Esse plano obrigaria
toda pessoa no reino a se abster totalmente de se dirigir a qualquer deus,
por qualquer razão, a não ser através do rei da Pérsia. Esta proibição
duraria trinta dias, e qualquer pessoa que desobedecesse seria lançada
numa cova de leões.
A vida de oração de Daniel
“Daniel, pois, quando soube que o edito estava assinado, entrou em
sua casa (ora, havia no seu quarto janelas abertas do lado de Jerusalém),
e três vezes no dia se punha de joelhos, e orava, e dava graças diante
do seu Deus, como também antes costumava fazer” (v. 10). Os atos de
Daniel não foram atos de desobediência ou rebeldia, mas eram a conti-
nuação da sua vida de devoção a Jeová, o Deus de Israel.
Devemos observar, no v. 10, que regularidade e humildade caracte-
rizavam a vida de oração deste servo de Deus, que se ajoelhava três ve-
zes ao dia. Tais ocasiões de estar na presença de Deus o permitiam gozar
de comunhão constante com Deus, e devemos notar, cuidadosamente,
que as ações de graças ocupavam o lugar principal em cada ocasião de
oração. Devemos lembrar que estas características se destacavam na sua
vida de oração, antes de surgirem dificuldades.
Daniel tinha se ocupado constantemente no exercício espiritual da
oração; ele era um homem em contato com Deus, embora vivesse no
meio de um povo idólatra. No segundo capítulo do livro, na sua juven-
tude, ele é visto como homem de oração, e por meio do seu contato com
Deus tinha sido usado para revelar a Nabucodonosor o seu sonho. Aqui,
aproximadamente sessenta e dois anos mais tarde, a frase “como tam-
bém antes costumava fazer” indica que, durante os longos anos da sua
Cap. 8 — As orações de Daniel 145
vida, tinha sido o seu costume orar, com a sua janela aberta, três vezes
ao dia, na direção de Jerusalém. Regularidade em oração também era a
prática do nosso Senhor Jesus Cristo, e foi visto na vida de tantos dos
Seus servos no Novo Testamento. Esta nova situação na vida de Daniel
era somente mais um assunto para ele colocar na presença de Deus,
enquanto ele “perseverava na oração” (Rm 12:12).
“Então aqueles homens foram juntos, e acharam a Daniel orando
e suplicando diante do seu Deus” (v. 11). Embora as orações de Da-
niel continuassem como sempre, desta vez houve a inclusão de súplicas
quando, sem dúvida, ele trouxe estes assuntos específicos perante Deus.
Os homens ímpios que chegaram para testemunhar a oração de Daniel
não apreciaram que ele estava agora invocando a mão de Deus a seu
favor, contra seus maus atos. É fácil ver a intenção daqueles homens
cruéis. Eles sabiam exatamente aonde ir para achar Daniel orando. Es-
tes fatos são um grande desafio para cada cristão hoje. A prática de ora-
ção frequentemente é negligenciada por aqueles que professam o nome
de Cristo. Como Daniel tinha um lugar para orar, e horas específicas,
assim os cristãos hoje devem ter. Estes homens tinham visto Daniel
ajoelhado perante Deus na sua vida particular, e tinham testemunha-
do a santidade da sua vida pública, mas mesmo assim queriam que ele
fosse removido. Eles sabiam que tinham conseguido do rei um decreto
irrevogável, e confiando nisto foram à presença do rei e começaram a
repetir os detalhes do decreto. Eles repetiram a ele, cuidadosamente,
os termos do decreto, sobre o qual tinham recebido o seu consenti-
mento, e novamente o confirmaram. É evidente que o rei “ficou muito
penalizado, e a favor de Daniel” (v. 14), mas ele não podia negar o que
tinha escrito, e isto o forçava a executar a sentença. As palavras do rei
confirmam a sua confiança no poder do Deus de Daniel para livrar o
Seu servo. O resultado do livramento milagroso de Daniel trouxe juízo
sobre os inimigos de Daniel e suas famílias (v. 24); resultou em teste-
munho, amplamente divulgado, do grande poder e soberania de Deus
(vs. 25-27); e trouxe prosperidade a Daniel, que adorava e confiava em
Jeová, o Deus de Israel.
Capítulo 9
Este capítulo é bem conhecido, mas não é facilmente entendido.
Começa com Daniel lendo e considerando livros das Escrituras ins-
piradas, e termina com uma revelação profética muito importante da
146 A glória da oração
Capítulo 10
Este capítulo contém detalhes do começo da visão final no livro de
Daniel. Esta visão é muito importante, sendo a maior e a mais com-
preensiva de todas as revelações dadas ao profeta. Seu conteúdo ocupa
148 A glória da oração
os últimos três capítulos, até o final do livro, e sobre isso Edward Den-
nett diz o seguinte:
Trata … com diferentes eras e personagens, passa por muitas esferas
de ação, mas não prossegue consecutivamente; pois, depois de
chegar a certo ponto, com uma descrição histórica de maquinações
e conflitos entre o rei do norte e o rei do sul, a visão repentinamente
passa para o tempo do fim, e nos apresenta o obstinado rei, o an-
ticristo com seus feitos ímpios (11:36), etc. e seus conflitos com seus
adversários.*
* DENNETT, E. Daniel the Prophet. Inglaterra: Central Bible Hammond Trust, 1989.
† BROWNE, M. Day by Day in Prayer. Glasgow: Precious Seed Publications, 1997.
Cap. 8 — As orações de Daniel 149
Conclusão
Daniel era um servo de Deus cuja vida e exemplo testemunharam
do poder de Deus que nos guarda no meio das circunstâncias mais te-
nebrosas da vida. Desde a sua juventude até a sua velhice ele viveu em
constante comunhão com Deus, e o exemplo da retidão da sua vida foi
usado por Ezequiel o sacerdote em pelo menos três ocasiões (Ez 14:14,
20; 28:3). Sua vida de oração foi constante e firme durante toda a sua
vida, e é um modelo que cada cristão deveria seguir.
Cap. 9 — A oração dos discípulos
Por Tom Wilson, Escócia
Em cada caso Ele mostra como até mesmo as atividades mais no-
bres poderiam ser corrompidas; e identifica as características daqueles
que corrompiam estas manifestações de piedade judaica. Eles são hipó-
critas (vs. 2, 5, 16). Eram hipócritas porque se gloriavam na aparência,
quer seja pelo tocar da trombeta (v. 2), ou pelas suas longas e audíveis
orações em lugares públicos (v. 5), ou pelo seu semblante triste que indi-
cava um jejum prolongado (v. 6). A verdadeira piedade não faz pessoas
célebres daqueles que a praticam; o Senhor disse que a verdadeira pie-
dade é praticada “em secreto” (vs. 4, 6, 18). O Senhor declara que tanto
os hipócritas como o humilde filho de Deus recebem uma recompensa
pelos seus atos de dar esmolas, orar e jejuar. A recompensa do hipócrita
é ser notado pelos homens (vs. 2, 5, 16). O humilde filho de Deus é
recompensado pelo “Pai que vê em secreto” (vs. 4, 6, 18), o Pai que “está
em secreto” (vs. 6, 18). A natureza da recompensa é personalizada pelo
Pai onisciente, como somente Ele pode fazer. O imperativo inicial do
Senhor: “Guardai-vos” (v. 1), enfatiza o cuidado que deve ser tomado
por cada alma preocupada em relação a dar esmolas, orar e jejuar. Até
mesmo boas intenções, se não houver cuidado, poderiam degenerar. No
evangelho de Mateus, a reafirmação da verdadeira piedade no lugar se-
creto é o contexto no qual o Senhor ensina os discípulos como orar.
A ocasião descrita por Lucas, no cap. 11 do seu Evangelho, ocorre
enquanto o Senhor viaja para Jerusalém pela última vez. Naquele capí-
tulo Lucas observa características do Senhor neste tempo importantís-
simo; lemos:
• v. 1: “… estando Ele a orar”;
• v. 14: “… E estava Ele expulsando um demônio”;
• v. 27: “… dizendo Ele estas coisas”;
• v. 37: “… estando Ele ainda falando”.
Aqui Lucas observa três coisas. Sua oração, Sua destruição das
obras do diabo, e Sua disposição de apresentar a verdade de Deus aos
Seus ouvintes. O silêncio de Lucas sobre as circunstâncias nas quais o
Senhor estivera orando sugere que não foi uma oração motivada por
circunstâncias presentes ou futuras, como aquelas que mais tarde o Se-
nhor enfrentou no Getsêmani. Os discípulos teriam notado que oração
habitual era uma característica da vida daquele Homem dependente.
E quando os discípulos, mais uma vez, observaram o seu Mestre em
oração, eles sentiram seu limitado crescimento espiritual, e pediram:
154 A glória da oração
“Senhor, ensina-nos a orar” (11:1). Eles sabiam que João Batista tinha
ensinado seus discípulos a orar, e assim acrescentaram: “… como tam-
bém João ensinou aos seus discípulos”. Nisto estavam confessando que
eles eram tão necessitados quanto tinham sido os discípulos de João,
quando ele os ensinara. Eles serviam um Mestre diferente dos discípu-
los de João, mas tinham muitas necessidades semelhantes.
* Mc 1:35; 6:46.
† 11:25; 14:19; 26:39, 42; Lc 11:1.
‡ FRANCE, R. T. The Gospel of Matthew. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans, pág. 238.
§ A AV em inglês traduz: “Quando estiverdes em pé orando”. (N. T.)
Cap. 9 — A oração dos discípulos 155
A introdução
“Pai nosso, que estás nos céus”.
As petições
“Santificado seja o teu nome”; “Venha o teu reino”; “Seja feita a tua
vontade”; “O pão nosso de cada dia nos dá hoje”; “Perdoa-nos as nos-
sas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores”; “Não
nos induzas a tentação”; “Livra-nos do mal”.
A doxologia
“Teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém”.
26:39, 42, 53 etc.). Um senso de admiração cai sobre o espírito dos filhos
de Deus quando ouvimos o Senhor usar este nome tão íntimo, “meu Pai”.
Esta expressão “meu Pai” O separou naquele tempo, e ainda O separa,
por meio de um intervalo infinito, dos Seus. Revela, imediatamente, quão
evidente era a Sua filiação. Para o judeu, a maneira como Ele falava com o
Seu Pai era blasfêmia; mas para o discípulo, era a revelação da Sua iden-
tidade, e assim mais tarde Pedro pode afirmar: “Tu és o Cristo, o Filho
do Deus vivo” (Mt 16:16). É também, a continuidade de uma comunhão
que não teve começo.
Aqui, também, as palavras “Pai nosso” são seguidas pela frase “que
estás nos céus” (veja 5:16, 44, 48; 6:1; 7:11, 21). As palavras “Pai nosso”
nos incluem no carinho compartilhado por todo filho de Deus, mas as
palavras “que estás nos céus” nos advertem contra o espírito de irreve-
rência que deixa de reconhecer que este, de quem nos aproximamos, é
aquele que é auto existente, como a palavra “estás” (o tempo presente
do verbo “estar”) declara. Ele está “nos céus” — o Transcendente — o
Criador e não a criatura, a fonte de bênção e não um daqueles que vêm
para beber daquela fonte. Ele nos atrai, pois Ele tem compaixão de nós,
como um pai se compadece dos seus filhos (Sl 103:13); entretanto é
com admiração que nós nos aproximamos daquele que é “glorificado em
santidade, admirável em louvores, realizando maravilhas” (Êx 15:11).
Podemos sussurrar no Seu ouvido o que não falaríamos ao mais próxi-
mo e mais querido, mas temos de cuidar para não pensar que podemos
falar com Ele como se Ele fosse um parente natural. Às vezes os cristãos
são criticados por usarem uma linguagem considerada antiquada. Onde
esta linguagem é usada de propósito para nos guardar de uma familia-
ridade frívola que pode produzir atitudes inapropriadas para com um
Deus santo, então que estes críticos fiquem em silêncio.
As palavras “Pai nosso” são apropriadas somente nos lábios dos re-
midos. W. W. Fereday comenta: “Um momento de reflexão deve nos
convencer que é inaceitável ensinar uma multidão mista a dizer ‘Pai
nosso’.” O discípulo se gloria no seu relacionamento com o Pai, e na pri-
vacidade do seu quarto ele se regozija em poder usar o bem conhecido
nome “Pai nosso”. As orações, nas epístolas do Novo Testamento, não
incluem as palavras “que estás nos céus”, e também não incluem “Pai
celestial”. Os santos que receberam as epístolas não eram judeus ainda
ligados, em espírito, a um Templo terrestre com seus sacrifícios carnais,
na presença de quem o Senhor expôs o Seu Sermão no Monte. Desde o
Cap. 9 — A oração dos discípulos 159
exigia que ninguém devia tomar “o nome do Senhor teu Deus em vão”
(Êx 20:7). Sem sentir qualquer vergonha, os homens usam este nome
santo como imprecação, e falam de modo inconsequente do Seu caráter
e leis. O próprio Deus reafirma a reverência devida ao Seu nome: “E
não profanareis o meu santo nome, para que eu seja santificado no meio
dos filhos de Israel. Eu sou o Senhor que vos santifico” (Lv 22:32). A
petição condena toda forma de conduta rebelde que surge por causa de
não reverenciar o Pai.
A primazia da Sua vontade
O pronome “Teu” [ou “Tua”] ocorre três vezes nos vs. 9 e 10, onde a
vontade do Pai está em vista. Quão raramente esta ênfase caracteriza as
nossas orações pessoais! Conhecendo as nossas necessidades e as neces-
sidades de outros, frequentemente damos pouca importância à vontade
explícita do Pai no começo das nossas orações. O Senhor ensinou Seus
discípulos a orarem ao Pai sobre o reino vindouro e seus efeitos. A se-
gunda e terceira petições, “venha o teu reino” e “seja feita a tua vontade”,
estão ligadas de modo inextricável na oração, e sem dúvida estavam na
percepção dos discípulos ouvintes. Entretanto, o discípulo também pre-
cisa reconhecer a vontade de Deus na sua jornada aqui.
Quando Paulo esteve em Cesareia, na sua última viagem para Jeru-
salém, Ágabo o profeta chegou da Judeia (At 21:10). Os atos de Ágabo,
naquela ocasião, foram semelhantes aos de um profeta do Velho Tes-
tamento; ele amarrou as suas próprias mãos para ilustrar o perigo que
Paulo enfrentaria (veja I Rs 11:29 em diante; Is 20:2; Ez 4:1). Ele fala
de Paulo sendo entregue nas mãos dos gentios, linguagem muito seme-
lhante àquela usada pelo Senhor Jesus sobre a Sua prisão em Marcos
10:33. Os companheiros de Paulo e os cristãos em Cesareia reconhe-
ceram a realidade do perigo anunciado por Ágabo, e tentaram desviar
o grande homem de Deus do seu propósito. Mas, quer fosse prisão ou
até mesmo a morte, ele estava preparado para enfrentá-la (At 21:13).
Entretanto, Paulo não ficou estoicamente impassível. Houve lágrimas
visíveis, e no seu interior havia ainda mais angústia não expressada; no
entanto todos puderam dizer: “Seja feita a vontade de Deus”.
Petição 2 — “Venha o teu reino”
Morris comenta:
Davies e Allison destacam que nos escritos judaicos ou no Novo
Cap. 9 — A oração dos discípulos 161
público de Cristo será estabelecido na Terra. Por esta razão eles não
oram: “Venha o teu reino”, mas: “Ora vem, Senhor Jesus” (Ap 22:20).
Eles sabem que o Senhor reinará em glória, na vindicação pública que
isto trará, mas eles olham para o alto, no reconhecimento consciente de
que:
* Tradução literal. O original diz: “There made ready are the mansions/Glorious, bright and fair/
But the Bride the Father gave Him,/Still is wanting there”. (N. T.)
Cap. 9 — A oração dos discípulos 163
Ele acrescenta: “… esta foi a torre ímpia de pedras que ela cons-
truiu para tentar chegar ao céu”. Nenhum discípulo verdadeiro deve
construir o que alguém que é mero professo construiu.
Nós temos sido perdoados gratuitamente em Cristo, e devemos
prontamente perdoar os outros (Ef 4:32). Paulo encorajou Filemom
a perdoar Onésimo, mas mesmo onde não há esta ajuda, nós temos a
obrigação de perdoar, porque Deus nos perdoou.
Cap. 9 — A oração dos discípulos 165
* FLANIGAN, J. M. What the Bible Teaches – Psalms. Kilmarnock: John Ritchie Ltd., 2001.
166 A glória da oração
daqueles que estiveram com Ele “todo o tempo em que o Senhor Jesus
entrou e saiu dentre [eles] … começando desde o batismo de João até
ao dia em que de entre [eles] foi recebido em cima” (At 1:21-22). Eles
tinham aprendido a orar a oração dos discípulos.
Vamos aprender aos pés do mesmo Senhor que disse: “Quando ora-
res …”, quando Ele ensinou os Seus discípulos a orar. Que liberdade
Cristo apresentou aos Seus discípulos daquele dia e, por meio dos Seus
servos, a nós, que diariamente, na rotina normal da vida, e em tempos
de grande pressão, a cada hora ou a cada minuto, podemos dizer: “Pai
nosso”.
* KELLY, W. Lectures Introductory to the Study of the Gospels. Londres: W. H. Broom, 1867, pág.
606.
Cap. 10 — As orações do Senhor
no Evangelho de Lucas
Por David E. West, Inglaterra
Introdução
Lucas, o médico amado, escrevendo seu “primeiro tratado” sob ins-
piração divina, apresenta o Senhor Jesus como o Filho do Homem; de
fato, ele O revela como o Homem perfeito. Davi exorta seus leitores:
“Observa o homem íntegro e atenta no que é reto” (Sl 37:37), e é isto
que Lucas faz no seu Evangelho. Mas, mesmo ao fazer isto, o Espírito
Santo cuidadosamente protege a Divindade do Senhor Jesus, e assim
a palavra do anjo Gabriel a Maria foi: “Por isso também o Santo, que
de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus” (Lc 1:35). É relatado
que até mesmo os demônios disseram a Ele: “Tu és o Cristo, o Filho
de Deus” (Lc 4:41). Os membros do Sinédrio disseram coletivamente
a Ele: “Logo, és tu o Filho de Deus?” e o Senhor respondeu afirmativa-
mente: “Vós dizeis que eu sou” (Lc 22:70). Nós nos prostramos perante
Ele em adoração e usamos as palavras do escritor do hino,
Verdadeiramente Deus, no entanto feito verdadeiramente humano. (Henry
d’Arcy Champney)
O Homem perfeito deste Evangelho era um Homem dependente;
esta era uma característica da Sua perfeição. O Evangelho de Lucas tem
sido descrito como o Evangelho sacerdotal; começa com uma referência
a um sacerdote, Zacarias, “exercendo o sacerdócio diante de Deus” (Lc
1:8); termina com o Senhor Jesus no Seu caráter sacerdotal, quando Ele
estava para ser elevado aos Céus, e lemos que “levantando Suas mãos,
os abençoou” (Lc 24:50). Embora o Senhor Jesus não Se tornou, ofi-
cialmente, sacerdote até que ocupou o Seu lugar a destra do Pai, onde
Ele está “vivendo sempre para interceder” (Hb 7:25), no entanto havia
características sacerdotais nEle quando Ele esteve aqui na Terra.
Assim, entre os escritores dos Evangelhos, é Lucas que mais des-
taca a vida de oração deste Homem dependente. Há onze referências
a Ele orando, e nove destas referências somente são encontradas neste
Cap. 10 — As orações do Senhor no Evangelho de Lucas 171
Orando no deserto
“Ele, porém, retirava-se para os desertos e ali orava” (Lc 5:16).
No seu Evangelho, Lucas nem sempre apresenta seu relato na or-
dem cronológica, mas numa ordem espiritual ou moral. “Pareceu-me
também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelente Teófilo, por
sua ordem” (Lc 1:3). Assim, aqui no cap. 5 a retirada do Senhor para
orar no deserto segue o relato da cura do homem “cheio de lepra”. Em
seguida lemos: “Sua fama, porém, se propagava ainda mais, e ajuntava-
-se muita gente para o ouvir e para ser por ele curada das suas enfermi-
dades” (v. 15).
Foi então que Ele “retirava-se [sem chamar atenção] para os deser-
tos e orava”. A palavra “orava” está aqui no tempo verbal que indica uma
ação contínua ou repetida. A comunhão entre o Pai e o Filho era contí-
nua, mas é evidente que às vezes Ele, especificamente, recorria à oração
com o Pai. Assim, em tempos de popularidade, o Senhor se apartava da
multidão e procurava a solidão do lugar deserto.
Há lições aqui que devemos aprender. Precisamos de um lugar se-
creto, onde podemos estar a sós com Deus; observe o princípio de fechar
“a tua porta” e orar ao teu Pai “que está em secreto” (Mt 6:6). Quanto
mais estivermos expostos perante o olhar público, mais precisaremos ir
ao lugar secreto diante de Deus.
era bem conhecido. O monte é um lugar de onde tudo pode ser visto na
sua perspectiva correta.
Esta é a única vez que lemos que o Senhor Jesus passou a noite toda
em oração. Lucas é, também, o único evangelista que menciona esta
noite de oração. O motivo desta comunhão também estava, evidente-
mente, ligado com a escolha que Ele estava prestes a fazer, “… quando
já era dia” (Lc 6:13). Ele iria escolher de entre Seus discípulos aqueles
que seriam separados de forma especial, e a quem Ele daria o nome de
apóstolos. Será que o Senhor estava orando pedindo direção para esta
escolha? Sendo que Ele sabia todas as coisas, com certeza Ele estava
orando a favor daqueles a quem Ele escolheria.
Se Ele, sendo o Filho de Deus, Se ocupou em intercessão sincera
antes de tomar grandes decisões como a escolha dos Seus apóstolos,
quanto mais devemos nós fazer o mesmo?
Orando sozinho
“E aconteceu que, estando ele só, orando, estavam com ele os dis-
cípulos; e perguntou-lhes, dizendo: Quem diz a multidão que eu sou?”
(Lc 9:18). O Senhor tinha alimentado, milagrosamente, “quase cinco
mil homens” (v. 14), como Lucas diz, com o recurso aparentemente
escasso de “cinco pães e dois peixes” (v. 16). Agora, deixando a multi-
dão, Ele Se retira para um lugar solitário. “Estando ele só, orando”, mas
“estavam com ele os discípulos”. Evidentemente os discípulos estavam
por perto, mas Ele estava ocupado em oração particular ao Seu Pai; a
palavra “só” realmente pode ser traduzida “em particular”.
Nunca lemos do Senhor Jesus orando com os Seus discípulos. Ele
orou por eles, ele orou na presença deles e Ele os ensinou a orar, mas a
Sua vida de oração era distinta. Devemos observar que quando Ele en-
sinou os Seus discípulos a dizer: “Pai nosso …” (Mt 6:9), Ele não estava
Se incluindo no pronome possessivo “nosso”.
Também não sabemos sobre o que Ele orava, simplesmente que
Ele orava. Entretanto, agora Ele está para informar aos Seus discípu-
los que Ele seria morto. “É necessário que o Filho do Homem padeça
muitas coisas, e seja rejeitado dos anciãos e dos escribas, e seja morto,
e ressuscite ao terceiro dia” (Lc 9:22). Será que, nesta ocasião, Ele orou
por estes discípulos que iriam testificar dEle?
Entretanto, depois de passar algum tempo sozinho em oração, Ele
então pergunta aos Seus discípulos: “Quem diz a multidão que eu sou?”
174 A glória da oração
Agradecendo o Pai
“Naquela mesma hora se alegrou Jesus no Espírito Santo, e disse:
Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que escondeste estas coi-
sas aos sábios e inteligentes, e as revelaste às criancinhas; assim é, ó Pai,
porque assim te aprove. Tudo por meu Pai foi me entregue; e ninguém
conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho, e
aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Lc 10:21-22).
Embora Lucas seja o Evangelho do “Homem de dores”, também é
um Evangelho de gozo e de louvor. Nas circunstâncias de Jesus de Naza-
ré houve dores, entretanto no Seu espírito havia exultação. Lemos aqui:
“Naquela mesma hora se alegrou Jesus no Espírito Santo”; o tempo é
um elemento importante na narrativa de Lucas dos movimentos de Cris-
to. Ele tinha pronunciado “Ais” sobre aquelas cidades que O rejeitaram.
Entretanto, o Senhor tinha designado setenta discípulos, e “mandou-os
adiante da sua face … a todas as cidades e lugares aonde ele havia de ir”
(Lc 10:1). Os setenta “voltaram … com alegria”; eles tinham provado o
poder do nome do Senhor, e diziam: “Senhor, pelo teu nome, até os de-
mônios se nos sujeitam” (Lc 10:17). O Senhor Se regozija com eles.
Nesta oração de ações de graças, Ele fala ao Pai de uma maneira
íntima, mas Ele também usa o título mais elevado de poder e majestade
no universo: “Senhor do céu e da terra”. Ele agradece ao Pai por aqueles
cujos olhos foram abertos para os valores das coisas que Ele ensinava.
Estas coisas ficaram escondidas dos sábios do mundo: “Escondeste es-
tas coisas aos sábios e inteligentes”. Mas, às “criancinhas”, aqueles que
em simplicidade estavam dispostos a ouvir e aprender, os Seus mistérios
foram revelados: “As revelaste às criancinhas”. A razão disto era a von-
tade soberana do Pai: “Assim é, ó Pai, porque assim te aprouve”.
O regozijo e ações de graças ao Pai continuam no versículo seguin-
te. Todos os propósitos e planos divinos foram entregues nas mãos do
Filho: “Tudo por meu Pai me foi entregue”. Somente o Pai conhece o
Filho: “Ninguém conhece quem é o Filho, senão o Pai”; há coisas sobre
176 A glória da oração
* FLANIGAN, James M. Scripture Sevens — Volume 2. Kilmarnock: John Ritchie Ltd., 2007.
178 A glória da oração
lhos, orava, dizendo: Pai, se quiseres, passa de mim este cálice; todavia
não se faça a minha vontade, mas a tua. E apareceu-lhe um anjo do céu,
que o fortalecia. E, posto em agonia, orava mais intensamente. E o seu
suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que corriam até o chão” (Lc
22:41-44).
Lucas nos informa que “saindo, foi, como costumava, para o Monte
das Oliveiras; e também seus discípulos o seguiram” (Lc 22:39); ele não
menciona, como Mateus e Marcos, “o lugar chamado Getsêmani”. Aqui
nos encontramos em terra santa, e assim prosseguimos reverentemente,
tirando as sandálias dos nossos pés. Ele “apartou-se deles” (dos Seus
discípulos), ou mais literalmente: “Ele foi afastado deles”, e isto por
causa da intensidade da Sua tristeza. Somente Lucas nos informa que a
distância da Sua separação era “cerca de um tiro de pedra”. Então lemos
que Ele, “pondo-se de joelhos, orava”. Mateus relata, “Ele … prostrou-
-se sobre o seu rosto, orando” (Mt 26:39), e Marcos escreve: “Prostrou-
-se em terra, e orou” (Mc 14:35).
O Espírito Santo, por meio de Lucas, não nos dá os detalhes das
três orações do Senhor Jesus, como temos no relato de Mateus, antes
ele nos dá um resumo de todas elas. “Pai, se quiseres, passa de mim este
cálice” — estas palavras revelam a sensibilidade do Seu coração perfeito
recuando de tudo que estava adiante dEle. No entanto, ao enfrentar a
cruz e tudo que isto traria, Ele não manifestaria vontade própria: “To-
davia não se faça a minha vontade, mas a tua”. O escritor aos Hebreus
descreve esta experiência com as seguintes palavras: “O qual, nos dias
da Sua carne, oferecendo, com grande clamor e lágrimas, orações e sú-
plicas ao que o podia livrar da morte, foi ouvido quanto ao que temia”
(Hb 5:7).
Lucas fala do ministério angelical: “E apareceu-lhe um anjo do céu,
que o fortalecia”, que deve se referir a um fortalecimento físico. O mes-
mo escritor relata que ele Se agonizou em oração: “Posto em agonia”, o
que indica emoção intensa, pressão severa e angústia. Perspirando en-
quanto orava, o Seu suor, pesado como grandes gotas de sangue, escorria
do Seu rosto ao chão. Seria difícil comentar sobre as palavras “orava
mais intensamente”, pois Suas orações eram sempre intensas e since-
ras; nunca houve qualquer relaxo no Seu esforço, nem afrouxamento
no compromisso. Que fervor havia na vida de oração do Senhor Jesus!
Nunca poderemos entender as extremas agonias pelas quais o pró-
prio Senhor passou. Entretanto, Paulo diz aos santos em Colossos:
Cap. 10 — As orações do Senhor no Evangelho de Lucas 179
“Porque quero que saibais quão grande combate [no grego, agon] tenho
por vós, e pelos que estão em Laodiceia, e por quantos não viram o meu
rosto em carne” (Cl 2:10). Depois ele apela “a todos os que estais em
Roma, amados de Deus, chamados santos” (Rm 1:7): “Rogo-vos, irmãos
… que combatais [no grego, sunagonizomai] comigo nas vossas orações
por mim a Deus” (Rm 15:30).
gar o Seu espírito ao Pai. Ele finalizou as Suas palavras na cruz como
Ele começou — falando com Seu Pai. Estas últimas palavras do Senhor,
antes da Sua morte, são uma citação do Salmo 31:5: “Nas tuas mãos
encomendo o meu espírito; Tu me redimiste, Senhor Deus da verdade”,
com as quais Davi expressou a sua inabalável confiança em Deus. Mas
aqui, o Salvador iniciou a citação com a palavra “Pai”, uma expressão
que nenhum salmista teria ousado usar ao falar com Deus.
As palavras do Senhor foram muito apropriadas. Aquela citação
fazia parte das orações judaicas da tarde, e parece que foi no horário
da oração da tarde que o Salvador falou estas mesmas palavras (veja At
3:1). Ele calmamente concluiu a vida na Terra com as mesmas palavras
que os homens concluíam o seu dia. A morte para Ele foi inteiramente
voluntária: “Dou a minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira
de mim, mas eu de mim mesmo a dou” ( Jo 10:17-18). Aquele que tinha
sido “entregue nas mãos de homens pecadores” (Lc 24:7), agora Se en-
tregou nas mãos do Pai.
Esta palavra de confiança tranquila tem trazido muita consolação,
a muitos, na hora da morte. Uma forma modificada destas palavras foi
usada por Estevão, quando ele estava sendo apedrejado: “Senhor Jesus,
recebe o meu espírito” (At 7:59).
Conclusão
Temos observado que Lucas, no seu Evangelho, apresenta o Senhor
Jesus como o Filho do Homem; aliás, ele O revela como o Homem
perfeito. Mas o Homem perfeito deste Evangelho era um Homem de-
pendente, e Lucas destaca a Sua vida de oração — temos notado que há
mais referências ao Senhor orando neste Evangelho do que em qual-
quer outro.
Se o Senhor Jesus precisava orar, com certeza nós precisamos
orar também, e as epístolas do Novo Testamento constantemente nos
exortam a fazer isso. Assim lemos: “Perseverai na oração” (Rm 12:12);
“Orando em todo o tempo com toda a oração e súplica no Espírito” (Ef
6:18); “… as vossas petições sejam, em tudo, conhecidas diante de Deus
pela oração e súplica, com ações de graças” (Fp 4:6); “Perseverai em
oração” (Cl 4:2); “Orai sem cessar” (I Ts 5:17). Que sejamos obedientes
a estas exortações!
Cap. 11 — A oração do Filho
de Deus em João 17
Por William M. Banks, Escócia
Introdução
Davi teve a honra sagrada de ouvir comunicações entre Pessoas di-
vinas nas Escrituras do Velho Testamento: “Disse o Senhor ao meu
Senhor …” (Sl 110:1). Temos esta mesma honra hoje. João 17 é um dos
capítulos mais sagrados da Bíblia toda. O Filho está Se comunicando
com o Pai, e nós temos permissão para ouvir. Ele fora ouvido antes (veja
Lc 11:1), e quando Ele parou de orar um dos discípulos, muito impres-
sionado, disse: “Senhor, ensina-nos a orar”. O conteúdo daquela oração
não é dado, mas o Senhor usou a ocasião para ensinar alguns princípios
básicos sobre a oração. Realmente, são muito poucas as ocasiões quando
podemos ouvir o Senhor orando. Conhecemos o conteúdo das Suas
orações no Getsêmani, mas é quase só isso. Algumas das Suas orações
foram antecipadas no Velho Testamento, como, por exemplo, o Salmo
22. Aqui em João 17, podemos ouvir por nós mesmos e ficar admirados
com a intimidade e o estilo incomparáveis desta comunicação.
O contexto da oração também tem uma importância profunda. Ele
acabara de apresentar o Seu “Ministério no Cenáculo”, nos caps. 13 a
16, e agora Ele se dedica a um tempo de oração profundamente de-
vocional. Talvez uma das razões por que o nosso ministério não é tão
eficaz como deveria ser, é por causa da falta de oração depois da entrega
do ensino.
Seria impossível, no espaço disponível, falar sobre a oração numa ex-
posição detalhada. Livros inteiros têm sido dedicados a isto, por exem-
plo, o livro escrito por John Brown*. O nosso propósito será examinar
alguns dos tópicos principais contidos na oração, e aprender algumas
verdades doutrinárias e práticas. Examinaremos os seguintes assuntos:
• A maneira como o Filho Se dirige ao Pai;
* BROWN, J.. An Exposition of Our Lord’s Intercessory Prayer. Klock and Klock, 1978, Reim-
pressão.
182 A glória da oração
* Como dito na nota à página 112, a gramática do português é bem diferente. Sendo assim,
o argumento gramatical apresentado aqui não se aplica no português, mas mantivemos os
parágrafos para enfatizar o fato importante que devemos nos dirigir a Deus usando formas
respeitosas de tratamento (no português, usando o pronome “tu”, e nunca “você”). (N. T.)
184 A glória da oração
* VINE, W. E. Expository Dictionary of New Testament Words. Iowa: World Bible Publishers,
1991.
Cap. 11 — A oração do Filho de Deus em João 17 187
* LECKIE, A. Comentário Ritchie do NT, vol. 9. Pirassununga: Ed. Sã Doutrina, 1996, pág. 149.
Cap. 11 — A oração do Filho de Deus em João 17 189
dava-os em teu nome” (v. 12). Mas Ele estava voltando para o Pai. Ele
não estaria mais com eles, e estava os encomendando aos cuidados do
Seu “Pai Santo”. Aqueles que são assim guardados “em teu nome”, co-
nhecerão o que é ser guardado “do mal [maligno]” (v. 15). O salvo não
está isento da influência do mal. Há um grande perigo de ser inundado
pelas prioridades do mundo. Sempre é necessário ter cuidado para man-
ter as prioridades das Escrituras.
A última referência ao cristão como a dádiva de amor ao Filho é
em relação à glória (v. 24). Ele deseja que estejamos com Ele para que
vejamos a Sua glória. Assim, para o salvo, começa com graça (v. 2) e ter-
mina com glória (v. 24)! Que perspectiva maravilhosa, que consumação,
algo que nunca teríamos imaginado, mas tudo possível por causa de
uma dádiva de amor!
As sete atividades completadas pelo Filho
A afirmação no v. 4 é clara: “… tendo consumado a obra que me
deste a fazer”. Talvez seja uma referência ao Calvário, mas no contexto
desta oração, não há dúvida alguma de que a obra está consumada. A
natureza daquela obra consumada é indicada nas sete referências às coi-
sas que o Senhor Jesus tinha feito.
A primeira é: “Manifestei o teu nome” (v. 6). Desta maneira o Se-
nhor revelou o significado da Pessoa por trás do nome. Ele revelou os
detalhes que expressaram os Seus atributos, incluindo a Sua autoridade,
Sua majestade, Sua excelência e poder. Em efeito, foi uma revelação do
coração do Pai. O resultado foi que “guardaram a tua palavra”. A pala-
vra “guardar”, aqui, significa “observar, obedecer, segurar firmemente”.
Assim, a revelação do verdadeiro significado do “nome” produziu uma
devoção à Palavra. Com certeza esta é uma lição importante para nós.
A segunda é: “Lhes dei as palavras que tu me deste” (v. 8). As “pa-
lavras” incluem as declarações, as afirmações, e as comunicações diá-
rias do Pai. Talvez podemos ficar pensando onde e quando as “palavras”
foram dadas! As Escrituras nos dão a resposta: “O Senhor Deus me
deu uma língua erudita [instruída, JND], para que eu saiba dizer a seu
tempo uma boa palavra ao que está cansado. Ele desperta-me todas as
manhãs, desperta-me o ouvido para que ouça, como aqueles que apren-
dem [são instruídos, JND]. O Senhor Deus me abriu os ouvidos, e não
fui rebelde; não me retirei para trás” (Is 50:4-5). Novamente Ele disse:
“Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca
Cap. 11 — A oração do Filho de Deus em João 17 191
de Deus” (Mt 4:4). Assim, não há duvida quanto à origem das pala-
vras. A comunhão diária com o Pai resultava em comunicações diárias
que foram então “dadas” aos Seus. Precisamos aprender esta lição, como
dizem as palavras dum hino: “Senhor, fala comigo para que eu possa
falar”. O resultado, no caso dos discípulos, foi dramático: “Eles as rece-
beram, e têm verdadeiramente conhecido que saí de ti, e creram que
me enviaste” (v. 8). Assim, eles receberam, conheceram e creram para
que fossem úteis no serviço do Mestre. Como seria bom se o ministério
da Palavra tivesse este efeito dramático nos ouvintes hoje! Há um preço
a pagar!
Os assuntos que eram conhecidos e cridos são interessantes. Eles
conheceram que “saí de ti”, eles creram que “me enviaste”. Resumido
nestas duas pequenas afirmações temos declarações da divindade de
Cristo e da Sua humanidade. Uma personalidade santa, verdadeira-
mente Deus, mas também verdadeiramente Homem. Ele foi enviado.
Este assunto sobre enviar ocupa grande espaço na oração: vs. 3, 8, 18
(duas vezes), 21, 23, 25 — sete vezes ao todo (mais um grupo de “sete”
para estudar!). Em seis destas ocasiões se refere ao Senhor Jesus sendo
enviado. Isso é importante, e é um tema comum no Evangelho de João.
O verdadeiro significado é visto em Romanos 10:15, onde o apóstolo
Paulo claramente afirma: “E como pregarão, se não foram enviados?”
Este é um dos princípios básicos para que a pregação seja eficaz. Bem
poderíamos nos perguntar: “Será que nossos pregadores e as suas men-
sagens cumprem este padrão divino?”
A terceira é: “Tenho guardado aqueles que tu me deste” (v. 12). É
evidente que somos incapazes de nos guardar a nós mesmos. Enquanto
nosso Senhor esteve aqui Ele guardou os Seus, mas agora com a Sua
partida Ele pede que o Pai os guarde (vs. 11, 15). No v. 11 é o “Pai san-
to”, pois a santificação (de onde vem a palavra “santo”) é a modo essen-
cial pelo qual serão guardados em circunstâncias onde o mundo procura
influenciar. O resultado da proteção do Senhor foi que “nenhum deles
se perdeu”. Na multiplicação dos pães, em João 6:12, nenhum pedaço
deveria ser perdido, e também em João 18:9 temos mais uma afirmação
sobre a segurança dos discípulos: “dos que me deste nenhum deles per-
di”. Entretanto, a Escritura foi cumprida no caso do “filho da perdição”,
o único dos discípulos que conheceu a perdição.
A quarta é: “Dei-lhes a tua palavra” (v. 14). O fato de “palavra”
estar no singular, e não no plural como no v. 8, é muito importante.
192 A glória da oração
sam ser conhecidos, as condições certas são necessárias, e isto pode ser
implementado por uma apreciação de um “Pai Justo”.
* TRENCH, R. C. Synonyms of the New Testament. Michigan: Baker Book House, 1989.
194 A glória da oração
Associações na glória
Ao concluir o estudo é muito consolador pensar nas associações que
teremos na glória. Seremos:
Como Ele (v. 22)
Note o elo entre “Mim” e “eles”: “Eu dei-lhes a glória que a Mim
me deste”. Isso é ampliado maravilhosamente em I João 3:2: “seremos
semelhantes a ele”. No contexto de I João, Ele é justo (2:29); Ele é puro
(3:3); nEle não há pecado (3:5), e seremos semelhantes a Ele!
Com Ele (v. 24)
“Quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo”. Foi dito
que o Céu só é Céu se estivermos com Ele: “comigo” (Lc 23:43), “com
Cristo” (Fp 1:23); “com o Senhor” (II Co 5:8).
Cap. 11 — A oração do Filho de Deus em João 17 195
Conclusão
Ao examinamos esta oração intercessora do Filho de Deus, nota-
mos que abrange uma variedade de assuntos. Ele ora por glorificação
para Si mesmo; preservação, santificação (tanto na prática, por meio
da “Palavra”, v. 17, e poderosamente “em verdade”, v. 19), associação e
glorificação para os Seus. Temos certeza absoluta de que cada detalhe
foi, e será, plenamente respondido, e portanto antecipamos a feliz pers-
pectiva de compartilhar na revelação plena da Sua glória a um mundo
maravilhado.
Cap. 12 — As orações
em Atos dos Apóstolos
Por James Paterson Jnr., Escócia
A oração coletiva
Como a igreja local é um lugar de oração devido à ênfase dada à ora-
ção, assim também a Bíblia pode ser chamada de livro de oração de Deus,
pela mesma razão. A igreja local sempre tem reivindicado ser um povo
do Livro. Afirmamos que fazemos as coisas da Bíblia na maneira que a
Bíblia ensina. Argumentamos que todos devem voltar à Bíblia para esta-
rem certos, sem omitir ou acrescentar nada. Entretanto, para realizarmos
estas reivindicações, temos de praticar a oração, e não somente falar dela.
O Novo Testamento usa as palavras orar, orou, orações e orando cento e
sessenta e três vezes (sem contar os sinônimos como pedir, buscar, bater e
petição). Em contraste, as palavras batizar, batizado e batismo são usadas
setenta vezes. Isso não significa que a oração seja mais importante que
o batismo, mas sugere a ênfase que a oração deve receber na igreja local.
As igrejas locais em Atos oravam com persistência, intensidade e unida-
de. Quanto ao seu número, oravam coletivamente; quanto à sua prática,
oravam constantemente; quanto ao seu conteúdo, oravam consistente-
mente, e oravam baseados no caráter de Deus.
* Tradução literal. O original diz: “Prayer was appointed to convey/The blessings God designs
to give;/Long as they live, should Christians pray,/For only while they pray they live.//And wilt
thou still in silence lie;/When God stands waiting for thy prayer?/My soul, thou hast a friend
on high,/ Arise, and try thine interest there.//‘Tis prayer supports the soul that´s weak,/Though
thought be broken, language lame/ Pray, if thou canst, or canst not speak,/And pray with faith
in Jesus’ name.//Depend on Him, thou canst not fail;/Make all thy wants and wishes known/
Fear not; His merits must prevail:/Ask, but in faith, it shall be done." (N. T.)
200 A glória da oração
notar que quando a resposta foi dada, eles aceitaram a decisão do Se-
nhor sem argumentação.
Os santos, orando, parecem um
Em palavra, atitude e mente,
Enquanto com o Pai e o Filho
Desfrutam de doce comunhão. (James Montgomery)*
Depois de Pentecostes
Perseverando em oração
“E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no
partir do pão, e nas orações” (2:42). Uma das atividades que ocupava a
vida dos primeiros salvos, cheios do Espírito Santo, era a oração. Estes
novos convertidos — guiados, sem dúvida, pelas atividades e ensino dos
apóstolos e outros, e dirigidos pelo Espírito Santo — planejaram as suas
vidas de maneira a poderem perseverar nas suas atividades, incluindo a
oração. Com certeza esta referência às suas orações se refere aos tempos
que eles mesmos marcavam para a oração coletiva, embora sabemos que
os apóstolos também frequentavam o Templo nos horários de oração
dos judeus: “Pedro e João subiam juntos ao templo à hora da oração,
a nona” (3:1). As orações da Igreja primitiva possivelmente seguiam o
modelo judaico, mas o conteúdo seria enriquecido pela sua experiência
espiritual. Sem dúvida o nome do Senhor Jesus Cristo oferecia opor-
tunidades nunca antes conhecidas em oração, pois agora havia acesso
imediato ao trono de graça, e eles podiam, portanto, chegar “com con-
fiança ao trono de graça, para … alcançar misericórdia e achar graça, a
fim de [serem] ajudados em tempo oportuno” (Hb 4:16).
Cada aspecto da sua vida individual e coletiva podia, naquela oca-
sião, e pode agora, ser levado ao trono por meio do Grande Sumo Sa-
cerdote que está à destra de Deus.
Lugares de oração
É interessante considerar, em Atos, os lugares onde os cristãos ora-
vam. Já notamos que começaram no cenáculo, mas podemos ver tam-
bém (concordando com as instruções de Paulo a Timóteo: “quero, pois
* Tradução literal. O original diz: “The saints in prayer appear as one/ In word and deed and
mind,/While with the Father and the Son/Sweet fellowship they find". (N. T.)
202 A glória da oração
* Tradução literal. O original diz: “From every stormy wind that blows,/From every swelling tide
of woes,/There is a calm, a safe retreat – /‘Tis found beneath the mercy-seat.//Ah! Whither
could we flee for aid/When tempted, desolate, dismayed,/Or how the hosts of hell defeat,/ Had
suffering saints no mercy-seat?//There we on eagles’ wings would soar; /When time and sense
are all no more /There heavenly joys our spirits greet/For glory crowns the mercy-seat.” (N. T.)
206 A glória da oração
Oração pessoal
Temos visto com clareza, em Atos, a necessidade de oração coletiva
na vida da igreja local, inclusive a necessidade dos anciãos de orarem.
Agora veremos a necessidade dos servos de orarem. Assim como uma
igreja não pode funcionar sem a oração coletiva, e um líder não pode
guiar sem oração, assim também um servo não deve estar servindo se a
sua vida não for uma vida de oração. Lucas registra para nós, em Atos, o
exemplo de homens piedosos que oravam. Enquanto lemos das orações
* MURRAY, David P. Lessons from John Knox. Edimburgo: Reformation Scotland, 2006.
† Tradução literal. O original diz: “Now may we prove the power of prayer/To strengthen faith and
banish care;/To teach our faint desires to rise,/And bring all heaven before our eyes.” (N. T.)
Cap. 12 — As orações em Atos dos Apóstolos 207
Estevão
Embora lemos mais sobre a pregação de Estevão do que sobre suas
orações, o que está escrito sobre a oração no final da sua vida é, em
muitos aspectos, importante e encorajador. A descrição de Estevão dada
pelo Espírito Santo em Atos, embora curta, é de grande peso: “Estevão,
homem cheio de fé e do Espírito Santo” (6:5); “Estevão, cheio de fé e
de poder, fazia prodígios e grandes sinais entre o povo” (6:8). Este é o
caráter do homem que, na hora da sua morte, orou e deixou tão grande
impressão em Saulo que ele nunca pode esquecer, e mais tarde ele diria:
“E quando o sangue de Estevão, tua testemunha, se derramava, também
eu estava presente, e consentia na sua morte, e guardava as capas dos que
o matavam” (22:20).
Alguns dizem que as palavras de Estevão em Atos 7:59-60 dificil-
mente podem ser classificadas como uma oração. Entretanto, uma con-
sideração da linguagem usada indica o contrário! Outros comentaristas
nos ajudam com relação ao verbo “invocação” (7:59). Wm. Mounce†
diz que significa “oração”; A. Campbell‡ traduz “suplicar”; J. H. Thayer§
Pedro
Já observamos em Atos caps. 3 e 4 que Pedro “subiu para orar”, mas
agora vamos considerar outras referências à suas orações, registradas em
Atos.
A ocasião em Atos 8:15, quando Pedro e João oraram para que os
novos convertidos em Samaria recebessem o Espírito Santo, é singular
na história da Igreja, e não se aplica aos nossos dias. Foi um ato apostó-
lico especifico, e a seriedade do assunto é vista na atitude de Pedro em
relação a Simão e ao seu pedido injusto e mercenário. É interessante
* Tradução literal. O original diz: “Prayer is the Christian´s vital breath,/The Christian´s native
air;/His watchword at the gates of death;/He enters heaven with prayer." (N. T.)
Cap. 12 — As orações em Atos dos Apóstolos 209
Atos. O grande valor que Paulo dava à oração é provado pelo fato que
ele era um homem de oração. A sua oração na hora da sua conversão nos
mostra sua prontidão em servir, quando ele faz a pergunta: “Senhor, que
queres que eu faça” (9:6). Ali no pó da estrada de Damasco, ele começa
um diálogo vitalício com o Céu. Parece que a sua postura perante Deus
nunca mudou, durante toda a sua vida. Desde aquela primeira conversa
com o Céu, de joelhos, ele parece permanecer naquela mesma atitude
através de todo o relato de Atos, até que em Tiro, “postos de joelhos
na praia, oramos” (21:5). Ajoelhado em oração era uma posição muito
usada por Paulo; é a postura conveniente para um suplicante sincero,
humilde. Esta posição revela intensidade e humildade perante o Deus
Todo-Poderoso. É a atitude correta de um homem perante o seu Deus,
de um pecador perante o seu Salvador e de um suplicante perante o seu
Benfeitor. Entretanto, embora devamos sempre orar “de joelhos” em re-
lação à nossa atitude perante Deus, um cristão que ora somente quando
está de joelhos não ora o suficiente! Mas convém destacar que, em Atos,
a oração é frequentemente feita por pessoas ajoelhadas, por exemplo:
7:60; 9:40; 20:36; 21:5.
Uma coisa que notamos ao lermos sobre a vida de oração de Paulo,
através do Novo Testamento, é que embora Paulo tinha o costume de
orar, ele não orava por força de hábito! O homem é uma criatura de há-
bitos, e sempre há o perigo de fazer as coisas simplesmente por rotina,
de maneira mecânica. Temos de vigiar contra isto; o hábito de Paulo era
costumeiro e de coração.
Ele iniciou a sua vida cristã com oração: “Eis que ele está orando”
(9:11). Ele tinha sido conduzido até Damasco, pois ficara cego por cau-
sa do brilho da revelação de Jesus Cristo, e embora não tivesse comido
nada por três dias, ele estava orando. Quando Ananias expressou o seu
temor de Saulo, este foi o encorajamento dado a ele: que um homem
que tinha, sem dúvida, passado a sua vida apenas fazendo orações, agora
estava realmente orando. Este fato é usado pelo Senhor, para Ananias,
como uma indicação de conversão e um sinal de vida divina. Isto nunca
mudou; aqueles que conhecem a Deus falam com Ele. A oração é o pri-
meiro exercício espiritual depois da conversão, e é de se esperar que cada
salvo verdadeiro se ocupe em oração. Como vamos saber a vontade de
Deus para a nossa vida futura se não perguntamos? Há muita confusão
hoje em dia sobre este assunto da vontade de Deus para o cristão indi-
vidualmente. Ao invés de termos uma percepção do que sentimos ser
212 A glória da oração
Ananias
Pode ser argumentado que a palavra “oração” não é usada na con-
versa entre Ananias e o Senhor em relação a Saulo. Entretanto, notamos
que Ananias falava com o Senhor sem embaraço, indicando que este
tipo de comunicação não era uma raridade para ele.
Deus tem os Seus servos em todo lugar. Aqui em Damasco estava
um servo desconhecido, de quem nunca teríamos ouvido se não fosse
pelo fato que ele costumava estar na presença do Senhor. Ele aparece
aqui, executa a instrução divina, e nunca mais ouvimos falar dele. Ele
estava pronto para servir: “Eis me aqui, Senhor” (9:10), embora um tan-
to hesitante quando soube para quem ele deveria ir. Porém, ele confia
no seu Senhor e faz como instruído: “E Ananias foi” (9:17), e assim a
bênção começa a fluir. É interessante ver nesta ocasião a mão soberana
de Deus na Sua obra, como foi também no caso de Pedro e Cornélio.
Deus está falando com Ananias no mesmo tempo em que Saulo está
orando, e tanto a atitude como as circunstâncias de ambos são tais que
eles se encontram, como determinado por Deus.
Uma lição a ser aprendida deste relato é a obediência do servo. Isso
prova que Ananias era um homem em contato com Deus. Embora te-
meroso, por causa da reputação de Saulo de Tarso, e da possibilidade
de ser ele próprio um alvo da visita de Saulo a Damasco, ele obedece
a instrução do Senhor. Ele foi, mesmo embora a sua viagem foi curta,
no máximo somente até o outro lado da cidade! Nada espetacular para
ele; outro iria “levar meu nome diante dos gentios” (9:15), mas Ananias
prontamente obedece ao Senhor.
enhor de cada pensamento e ação,
S
Senhor para enviar e Senhor para reter;
Senhor ao falar, escrever, dar,
Senhor para em tudo obedecer. (Autor desconhecido)*
Conclusão
Temos visto que a Igreja do Deus vivo se iniciou com oração, e
continuou nesta dependência em Cristo durante o período descrito em
Atos. A única oração registrada em Atos que não foi respondida foi o
pedido de Simão, o mágico, para que Pedro orasse por ele. Portanto,
* Tradução literal. O original diz: “Lord of every thought and action/Lord to send and Lord to
stay;/Lord in speaking, writing, giving,/Lord in all things to obey.” (N. T.)
Cap. 12 — As orações em Atos dos Apóstolos 215
* Tradução literal. O original diz: “What various hindrances we meet/In coming to the mercy
seat! /Yet who that knows the worth of prayer, /But wishes to be often there?//Prayer makes
the darken´d cloud withdraw,/Prayer climbs the ladder Jacob saw, /Gives exercise to faith and
love,/Brings every blessing from above.//Restraining prayer, we cease to fight;/Prayer makes
the Christian´s armour bright;/And Satan trembles when he sees/The weakest saint upon his
knees.//While Moses stood with arms spread wide,/Success was found on Israel´s side;/But
when through weariness they fail´d,/ That moment Amalek prevailed.//Have you no words? Ah,
think again,/Words flow apace when you complain/ And fill your fellow creature´s ear/ With
the sad tale of all your care.//Were half the breath thus vainly spent/To heaven in supplication
sent/Your cheerful song would oftener be, /Hear what the Lord has done for me.” (N. T.)
Cap. 13 — As orações de Paulo
Por John M. Riddle, Inglaterra
Introdução
Tendo sido guiado “pela mão” até Damasco, o novo convertido,
Saulo de Tarso, evidentemente se entregou imediatamente à oração, a
tal ponto que ao instruir Ananias o Senhor lhe disse: “Levanta-te, e vai
à rua chamada Direita, e pergunta em casa de Judas por um homem de
Tarso chamado Saulo; pois eis que ele está orando” (At 9:11). Este foi
o começo de uma vida inteira de oração a favor tanto de igrejas como
de indivíduos. Por exemplo, ele orava “noite e dia” a favor da igreja em
Tessalônica (I Ts 3:10), e “noite e dia” por Timóteo (II Tm 1:3).
Visto que Paulo orava numa grande variedade de circunstâncias, e
numa grande variedade de maneiras, este capítulo não poderá incluir
todo o assunto. Tendo em mente os limites do espaço disponível, da-
remos atenção somente às duas orações de Paulo pela igreja em Éfeso
(Ef 1:15-23 e 3:14-21), juntamente com suas orações pelos cristãos em
Filipos (Fp 1:9-11) e em Colossos (Cl 1:9-14).
“Qual seja a esperança da sua vocação” (v. 18). Paulo ora aqui pelo seu
encorajamento.
Em certo sentido a esperança e a vocação são inseparáveis. A
vocação, no sentido geral, seria a totalidade dos nossos privilégios e
bênçãos futuras nEle, e aparentemente inclui todas as bênçãos desde
a conversão até a glorificação. A esperança incluiria a antecipação
e expectativa de tudo que cremos. Mas, em outro sentido, a esperan-
ça é distinta da vocação: é a inspiração que vem pela contemplação
da vocação.*
* MUIR, A. G. Prayers from Prison em Believers Magazine. Kilmarnock: John Ritchie Ltd., 1972.
Cap. 13 — As orações de Paulo 221
“E quais as riquezas da glória da sua herança nos santos” (v. 18). Aqui,
Paulo ora pelo seu enriquecimento. Este capítulo trata do assunto de
herança de uma maneira dupla. Em primeiro lugar, como cristãos, nós
temos uma herança: “o Espírito Santo da promessa, o qual é o penhor
da nossa herança” (vs. 13-14). No Velho Testamento, os levitas tinham
uma herança singular: “Os sacerdotes levitas, toda tribo de Levi, não
terão parte nem herança com Israel … o Senhor é a sua herança, como
lhes tem dito” (Dt 18:1-2). Em segundo lugar, e é isto que é enfatizado
na oração de Paulo, Deus tem uma herança em nós. Paulo se refere
agora, não à “nossa herança”, mas a “Sua herança”. Ele já mencionou
isto neste capítulo (v. 11): “Nele, digo, em quem também fomos feitos
herança”. O Senhor também viu o Seu povo como a Sua herança no
Velho Testamento: “Mas o Senhor vos tomou … para que lhe sejas por
povo hereditário, como neste dia se vê” (Dt 4:20; veja também Dt 32:9;
Sl 33:12). As palavras “as riquezas da glória da sua herança nos santos”
possivelmente se referem a Êxodo 19:5: “Então sereis a minha proprie-
dade peculiar dentre todos os povos”, e revelam o valor e a preciosidade
da Igreja para Deus. Um aspecto das “riquezas da glória da sua herança
nos santos” é enfatizado mais tarde na epístola, onde a Igreja é vis-
ta como uma demonstração, ao Universo, da multiforme sabedoria de
Deus, especialmente na dissolução da parede de separação entre o judeu
e o gentio (Ef 3:10). Agora, enquanto Deus olha para a Sua herança
celestial, Ele deve ver um povo que age de uma maneira digna deste
privilégio. Este fato assombroso deve aprofundar a adoração cristã, in-
centivar o serviço cristão, e dar dignidade ao viver cristão.
cremos” (v. 19). Aqui Paulo ora pelo seu esclarecimento com respeito
ao grande poder de Deus. Foi comentado que Paulo usa todos os recur-
sos do seu vocabulário para descrever o poder disponível ao cristão, e
que ele faz isto por causa da suprema demonstração daquele poder na
ressurreição do Senhor Jesus (vs. 19-20). Também foi afirmado*, niti-
damente, que a oração de Paulo pela sua iluminação espiritual “desafia
seus leitores a agir. A oração não é um sedativo, mas é um estimulante”.
F. F. Bruce† merece uma citação extensa aqui:
Quando Paulo pensa no poder de Deus, ele reúne todos os termos
do seu vocabulário que expressam poder, para transmitir algo do
seu caráter inexplicável. Paulo é o único escritor no Novo Testamento
que usa a palavra aqui traduzida “sobre-excelente” (hyperballon), e
ele a usa cinco vezes … Mas, ainda não satisfeito com esta palavra
superlativa, ele continua acrescentando sinônimo a sinônimo ao
descrever como o poder (dynamis) de Deus opera segundo a opera-
ção (energeia) da força (kratos) do seu poder (ischys). Por que esta
tentativa de esgotar todos os recursos gramaticais para demonstrar
algo da grandeza do poder de Deus? É porque ele está pensando
numa ocasião suprema quando aquele poder foi manifestado … Se
a morte de Cristo é a demonstração principal do amor de Deus, a
demonstração principal do Seu poder é a ressurreição de Cristo.
mas também no vindouro” (Ef 1:21), e, portanto, acima dos poderes es-
pirituais colocados contra os filhos de Deus (Ef 6:12). Ele não somente
está acima deles (v. 21), mas tem domínio sobre eles: “e sujeitou todas as
coisas a Seus pés” (v. 22). Todas as coisas foram colocadas debaixo dos
pés de Adão na Terra (Sl 8:6), e todas as coisas estão debaixo dos pés de
Cristo nos Céus e na Terra. Os principados e potestades são vistos em
relação aos pés do Senhor Jesus Cristo: a Igreja é vista em relação a Ele
como sua Cabeça glorificada. A Igreja desfruta de um relacionamento
singular com Ele; na Sua ressurreição e ascensão, Deus “o constituiu
como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cum-
pre tudo em todos” (Ef 1:22-23). A palavra “plenitude” significa “o com-
plemento”. Eva era o complemento de Adão. As palavras “que cumpre
tudo em todos” se referem ao fato que Cristo preenche o Universo todo,
e enfatizam a dignidade da posição conferida à Igreja, que é o comple-
mento de Cristo. Isso é muito comovente quando lembramos que o
Senhor Jesus tem domínio sobre todas as coisas (vs. 21-22), e que Ele é
cabeça sobre todas as coisas para a Igreja (v. 22), e que Ele preenche o
Universo todo (v. 23).
* HENDRIKSEN, W. Ibid.
† LECKIE, A. Comentário Ritchie do NT — vol 9. Pirassununga: Ed. Sã Doutrina, 1996.
‡ VINE, W. E. Ibid.
§ BRUCE, F. F. Ibid.
Cap. 13 — As orações de Paulo 227
* VINE, W. E. Ibid.
† LECKIE, A. Ibid.
228 A glória da oração
jeto. O objeto não é “o amor de Cristo” (v. 19), pela simples razão
de que o v. 19 é outra frase.
Ele continua:
Parece que o apóstolo está pensando no mistério que, na sua largura
e comprimento, inclui elementos tão opostos, como o judeu e o
gentio, e que na sua profundidade supre a necessidade de ambos,
enquanto que na sua altura glorifica a Deus.
* Tradução literal. O original diz: “Down from the splendour of His everlasting throne/Came the
Lord of glory, for our guilt to atone;/ Son of eternal God, He the sinner´s surety stood,/Paid the
sinner´s ransom in His precious blood.” (N. T.)
230 A glória da oração
Cristo, que excede todo o entendimento”. A palavra que Paulo usa para
“conhecimento” (ginosko) “frequentemente sugere começo ou progresso
em conhecimento” (W. E. Vine*). Este é um conhecimento diferente e
inclui, não somente a aceitação de fatos, mas uma apreciação que trans-
cende os processos normais de compreensão intelectual.
A. Leckie† sugere que “o amor de Cristo” nesta epístola
[…] significa Seu amor para com a Igreja (5:25-27). Se a largura, o
comprimento, a profundidade, e a altura, do v. 18, podem ser com-
preendidos, o amor de Cristo excede (hyperballousan, “ultrapassar”)
todo o entendimento; porém ele não é desconhecível.
É uma lição solene relembrar que, anos mais tarde, o próprio Se-
nhor Jesus Cristo precisou dizer a esta mesma igreja: “Deixaste o teu
primeiro amor” (Ap 2:4).
Mas até mesmo conhecer “o amor de Cristo, que excede todo o en-
tendimento” não é, em si mesmo, um fim. Entendido corretamente, terá
um efeito transformador nas vidas do Seu povo. Isso nos leva a:
A plenitude de Deus (v. 19)
“Para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus”, ou “que sejais
cheios até de toda a plenitude de Deus” ( JND). Com isso o apóstolo
chega ao clímax do seu pedido.
A. Leckie afirma que
[…] “a plenitude de Deus” não é o mesmo que a “plenitude da
divindade” (Cl 2:9), pois esta é incomunicável. Qualquer que seja
esta plenitude, ninguém jamais poderia contê-la. A plenitude de
Deus deve ser aquilo que de Deus é comunicável aos santos, a
saber: “cheios do conhecimento da sua vontade” (Cl 1:9); ‘o Deus de
esperança vos encha de todo o gozo e paz em crença” (Rm 15:13);
“participantes da natureza divina” (II Pe 1:4); e “todos nós recebe-
mos também da sua plenitude, e graça por graça” (Jo 1:16).‡
* VINE, W. E. Ibid.
† LECKIE, A. Ibid.
‡ LECKIE, A. Ibid.
Cap. 13 — As orações de Paulo 231
* McPIKE, R. Prayer in the New Testament em Believers Magazine. Kilmarnock: John Ritchie Ltd.,
1962.
† MUIR, A. G. Prayers from Prison em Believers Magazine. Kilmarnock, John Ritchie Ltd., 1971.
Cap. 13 — As orações de Paulo 233
ções fazem sentido; ele entende processos espirituais; sua mente orga-
nizada e a ordem e racionalidade dos seus pedidos seriam comoventes
diante do “trono da graça”. Ele conhecia a vontade de Deus, e ajustava
a sua oração para coincidir com isto.
A oração de Paulo contém três pedidos que podem ser resumidos
da seguinte maneira:
• Amor crescente — v. 9;
• Escolha inteligente — v. 10a;
• Integridade de caráter — vs. 10b-11.
Amor crescente (v. 9)
“E peço isto: que o vosso amor cresça mais e mais em ciência e em
todo o conhecimento”. Ele ora pedindo um crescente aprofundamento
do seu amor, e um crescente discernimento no seu amor.
gerou também ama ao que dele é nascido. Nisto conhecemos que ama-
mos os filhos de Deus, quando amamos a Deus e guardamos os seus
mandamentos” (I Jo 5:1-2).
Crescente discernimento. Mas o amor deve crescer mais e mais
“em ciência e em todo o conhecimento” (“em pleno conhecimento e
percepção”, ARA). A necessidade destas qualidades é enfatizada em
Provérbios 1:4; 2:11. O amor cristão não é somente emoção, e não é
sem percepção: é um amor inteligente. O nosso amor para com Deus
será caracterizado por um desejo crescente de agradá-lo, por entender
e praticar a Sua vontade. O Senhor Jesus disse: “Se me amais, guardai
os meus mandamentos” ( Jo 14:15). A. G. Muir* observa que este amor
crescente será sujeito “aos valores dominantes, harmoniosos e intensifi-
cados de conhecimento e discernimento”. Um exemplo deste discerni-
mento ocorre nesta mesma epístola: “Guardai-vos dos cães, guardai-vos
dos maus obreiros, guardai-vos da circuncisão” (3:2). Também sabemos
que “o amor não folga com a injustiça, mas folga com a verdade” (I Co
13:6).
A palavra “ciência” (“pleno conhecimento”, ARA) é a tradução de
epignosis, e não podemos melhor o que disse W. E. Vine†:
Epignosis, como a forma mais simples, gnosis, sempre se refere ao
conhecimento adquirido ou experimental. Gnosis é conhecimen-
to, verdadeiro ou falso (I Tm 6:20 — ARA, “ciência”). Epignosis
sempre é conhecimento verdadeiro; pode ser conhecimento completo
ou crescente, mas sempre é conhecimento na esfera espiritual. O
conhecimento de Deus, mencionado somente duas vezes no Novo
Testamento (Rm 11:33; Cl 2:3), é gnosis, não epignosis, porque não
tem graduação: é absoluto. Compare com o Salmo 139:6.
* MUIR, A. G. Ibid.
† VINE, W. E. Ibid.
‡ VINE, W. E. Ibid.
§ LIGHTFOOT, J. B. St Paul's Epistles to the Philippians. Hendrickson Publishers, 1995.
Cap. 13 — As orações de Paulo 235
Sua continuidade. Paulo ora para que eles sejam “sinceros e sem escân-
dalo algum até ao dia de Cristo”. Isto é, até a volta de Cristo, quando
“todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo para que cada um
receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem, ou mal”
(II Co 5:10). Em outras palavras, espera-se que vivamos desta maneira
consistentemente até que o Salvador venha nos levar ao Céu.
Seu clímax. “Cheios dos frutos [singular, ‘fruto’] de justiça, que são por
Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus”, ou: “Sendo completos em
relação ao fruto da justiça” ( JND). S. Maxwell† menciona o contraste
nos vs. 10-11. “No v. 10 eles devem ser puros e sem escândalo. No v. 11,
* MUIR, A. G. Ibid.
† MOULE, C. G. Philippian Studies. Londres: Hodder and Stoughton.
238 A glória da oração
* VINE, W. E. Expository Dictionary of New Testament Words. Iowa: World Bible Publishers, 1991.
Cap. 13 — As orações de Paulo 239
* VINE, W. E. Ibid.