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ANÁLISES UFSC 2022/23

ORGANIZAÇÃO PROF. JOÃOZINHO


REUNIÃO E ORGANIZAÇÃO – PROF JOÃO RIBAS (JOÃOZINHO)
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ÂNSIA ETERNA
JÚLIA LOPES

01. DADOS BIOGRÁFICOS


Júlia Valentina da Silveira Lopes de Almeida (Rio de
Janeiro RJ 1862 - idem 1934). Contista, romancista,
cronista, teatróloga. Ainda na infância, transfere-se
com a família para Campinas, São Paulo. Inicia seu
trabalho na imprensa aos 19 anos, em A Gazeta de
Campinas, numa época em que a participação da
mulher na vida intelectual é rara e incomum. Três anos
depois, em 1884, começa a escrever também para o
jornal carioca O País, numa colaboração que dura
mais de três décadas. Mas é em Lisboa, para onde se
muda em 1886, que se lança como escritora. Com sua
irmã Adelina, publica Contos Infantis, em 1887.
No ano seguinte, casa-se com o poeta e jornalista
português Filinto de Almeida (1857 - 1945) e publica os contos de Traços e
Iluminuras.
De volta ao Brasil, em 1888, logo publica seu primeiro romance, Memórias de
Marta, que sai em folhetins em O País. Sua atividade em jornais e revistas
- Jornal do Commercio, A Semana, Ilustração Brasileira, Tribuna Liberal - é
incessante, escrevendo sobre temas candentes, apoiando a abolição e a
república. Uma das primeiras romancistas brasileiras, sua produção literária é
prolífica e abrange vários gêneros: conto, peça teatral, crônica e literatura infanto-
juvenil. Seu estilo é marcado pela influência do realismo e do naturalismo
francês, especialmente pelos contos de Guy de Maupassant (1850 - 1893) e
romances de Émile Zola (1840 - 1902). A cidade do Rio de Janeiro, capital
federal, em período de turbulência política e econômica, é o cenário mais amplo
de suas ficções assim como o ambiente privado das famílias burguesas serve
às tramas e à construção de seus personagens, é o caso do romance A Falência,
lançado em 1901 - para muitos a sua obra mais importante. Júlia ainda obtém
destaque no Brasil e no exterior em conferências e palestras sobre temas
nacionais e sobre a mulher brasileira; participa ativamente de sociedades
femininas no Rio de Janeiro. Reconhecida em sua atividade literária por seus pares
contemporâneos, escreve também obras mais esperadas por uma mulherde sua
época, como O Livro das Noivas e Maternidade, que alcançam grande sucesso
de público, tanto quanto seus romances.
Está entre os intelectuais que participam do planejamento e da criação da
Academia Brasileira de Letras - ABL, da qual seu marido é fundador e
ocupante da cadeira número 3 - no entanto, por ser mulher, é impedida de
ingressar na instituição. Entre 1913 e 1918 volta a viver em Portugal, e publica
suas primeiras peças teatrais e um livro infantil com seu filho Afonso Lopes de
Almeida. Na década seguinte, muda-se para Paris, onde alguns de seus textos são
traduzidos e publicados.
https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa443758/julia-lopes-de-almeida

02. RELAÇÃO COM A ABL


A cadeira de número 3 da Academia Brasileira de Letras (ABL) guarda uma
história de injustiça no meio literário que nos ensina sobre a importância do
protagonismo feminino em nossa atual sociedade. A escritora Júlia Lopes de
Almeida mostrou a importância de sua obra em meio a uma época da história do
Brasil extremamente sexista e conservadora. Mesmo participando de reuniões e
contribuindo para a fundação da ABL, ela não foi escolhida para figurar entre
os imortais da Academia. O motivo? Ser mulher. Seguindo o padrão francês das
academias literárias época, a ABL, fundada em 1897, não aceitava mulheres. A
cadeira que deveria ser da autora foi, então, concedida ao seu marido. Apenas
em agosto de 1977 a Academia Brasileira de Letras passou a aceitar mulheres,
com a entrada da escritora Rachel de Queiroz no seleto hall de autores.

Com o texto clássico de sua época e à frente de seu tempo, Júlia insere em suas
obras diferentes pontos de vista e representa a mulher, colocando reflexões e
mostrando, inclusive, a diferença de tratamento da sociedade. Nascida no Rio de
Janeiro, em 1862, a autora se mudou para Portugal, onde conheceu seu marido,
o poeta Filinto de Almeida, e lançou o livro Contos Infantis, em 1887, ao lado de
sua irmã Adelina Lopes Vieira. Júlia se tornou uma das escritoras mais
publicadas da Primeira República (1889-1930), chegando até a contribuir com
artigos e matérias que abordam os direitos sociais e a vulnerabilidade da mulher
de sua época nas principais revistas do meio.
O escritor Filinto de Almeida, que ocupou o lugar de sua esposa Júlia na ABL,
aparece em uma foto
clássica do grupo literário,
formado por grandes
autores da época,
chamado Panelinha –
criado em 1901, para a
realização de festas e
encontros de escritores e
artistas. Na fotografia
abaixo estão os escritores
e intelectuais Rodolfo
Amoedo, Artur Azevedo,
Inglês de Sousa, Olavo
Bilac, José Veríssimo,
Sousa Bandeira, Filinto de
Almeida, Guimarães Passos, Valentim Magalhães, Rodolfo Bernadelli, Rodrigo
Octavio, Heitor Peixoto. Sentados: João Ribeiro, Machado de Assis, Lúcio de
Mendonça e Silva Ramos. No site da ABL, Almeida ainda aparece como um dos
fundadores da instituição e ocupante da cadeira de número 3. Em 2017, o ciclo de
palestras Cadeira 41, da ABL, reconheceu a injustiça e incluiu Júlia entre autores
que poderiam ter entrado na instituição.

https://darkside.blog.br/julia-lopes-de-almeida-conheca-a-historia-da-primeira-mulher-da-abl/

03. RESUMO DOS CONTOS


Por Professora Cátia Pereira
CONTO 1
ÂNSIA ETERNA
Rogério Dias pergunta ao amigo (escritor) se ele pretende publicar um livro, ao
que o amigo responde que não escreve para o prazer do leitor, nem para ganhar
dinheiro, mas para que o livro seja rebelde e novo.
O amigo relata que tem ânsia para escrever tal livro (“Ao princípio, mal desfazia
uma página achava-me a fazer outra. Este martírio ainda dura; todo o meu
protesto de acabar fica onde começa o desejo de criar mais e melhor.”)
O amigo relata também que, embora não se preocupe com o público leitor, este
representa uma sombra. Ele (o escritor) sonha com sua obra “definitiva”.
Então Rogério sugere ao amigo que se case para que mude de hábitos e escreva
com mais tranquilidade, mas o amigo diz que as mulheres não se põem em
segundo plano, pois querem todas as atenções e, ainda, que tem medo delas.
Em seguida, o escritor conta uma breve história para justificar seu medo das
mulheres: em uma tarde, seu olhar cruza com o de uma linda moça de olhos azuis
e tristes que o encara, sem desviar o olhar; então ele sente uma vontade de ter
esposa e filhos e devaneia com essa possibilidade.
Por vários dias, procura pela moça no mesmo parque, mas, só depois de muito
tempo, encontra a amada novamente e se encoraja para ir falar com ela.
Ao se aproximar, a mulher que a acompanhava revela que a linda moça é, na
verdade, cega. Tal fato justificaria o medo e a decepção do escritor.
O conto fala das ansiedades que assaltam os escritores quando pensam em
elaborar uma obra literária.
Temas: a escrita literária vista como vocação e maldição, o amor visto de maneira
irônica.

CONTO 2
O CASO DE RUTH
Eduardo Jordão tem o consentimento da baronesa Montenegro para abraçar a
noiva Ruth (23 anos) que é extremamente tímida e recatada. Ruth torna-se triste e
melancólica depois que sua mãe ficou paralítica.
Então a baronesa, após rasgar elogios à neta, deixa os noivos sozinhos na sala. O
ambiente é descrito com riqueza de palavras e referências a famílias reais de
Portugal e aristocratas.
De súbito, Ruth sai da penumbra e avisa Eduardo que a vó mentira: ela não era
pura! Amava Eduardo demais para que mentisse para ele! Há oito anos, o padrasto
abusou dela durante quatro meses (foram amantes) naquela mesma sala e, quando
ele morreu, ela se libertou daquele martírio. (“É isto a minha vida. Cedi sem amor,
pela violência; mas cedi.”)
Eduardo deixa a sala e mergulha em uma intensa reflexão (“só Ruth e ele sabem
disso”). Deveria aceitar Ruth ou rejeitá-la... Então decide aceitá-la e lhe escreve
uma carta com sua resolução. O casamento é marcado, mas Ruth não quer a
desonra para Eduardo e então se suicida...
Em seu velório, Eduardo está ao seu lado. De um canto alguém diz que ela será
sepultada no mesmo jazigo que o padrasto. Eduardo fica estarrecido e ateia fogo
às roupas de Ruth.
Em meio às chamas, o cadáver dela parece feliz, finalmente.

Temas: o abuso sexual, a situação da mulher, a hipocrisia social (as


aparências x a essência)

CONTO 3
A ROSA BRANCA
A viúva do comandante Henrique demonstrava preferência à primeira neta
(Ângela), mais parecida com a família da viúva, e era meio indiferente à
segunda (Ignez) mais parecida com a família do pai. Ignez percebia e se
questionava por que mereceria menos que a outra.
A vó colocava a culpa de tudo na pobrezinha e preferia mandar Ignez para o colégio
e contratar professores em casa para Ângela.
As pessoas parecem se acostumar com essa diferença, mas Ignez não se
acostuma e sofre por isso.
Mesmo assim, Ângela vai estudar em Itú e diz para a avó que todos os dias
haverá uma rosa branca no oratório. Se a rosa estiver murcha, a menina estará
doente, se não houver rosa, será porque a menina morreu. A mãe dela fica meio
irritada com o comentário e Ângela diz tratar-se de uma brincadeira.
Ignez observou a vó, pois sabia que ela acreditava nessas superstições.
A menina, para não ver a vó triste, ia todas as manhãzinhas colher uma rosa
branca no jardim e deixar nos pés da santa no oratório.
Em uma noite de lua clara, Ignez achou que já era manhã e correu para colher a
flor, mas assustou-se ao constatar que ainda era noite alta.
Correu ao oratório e sentiu-se desfalecer, mas foi amparada pelos braços e pelos
beijos da avó agradecida.

Temas: relações familiares, a rejeição e a bondade, final feliz.

CONTO 4
OS PORCOS
Umbelina apanhou uma surra do pai por aparecer grávida e o pai disse que
jogaria o bebê aos porcos. Ela, certa vez, encontrara um bracinho de criança
no meio da plantação de abóboras e atribuiu o feito ao pai.
Ela estava grávida do filho do patrão que até se casaria com outra. Umbelina
também não queria o filho, mas também não queria dar aos porcos. Ela
planejava matar o filho na porta do rapaz que a engravidara.
A cabocla foi rejeitada por todos e aquilo era uma vingança contra todos. Mataria
seu filho.
Porém o parto se deu na frente da casa do rapaz e Umbelina amou seu filho,
mas muito fraca desmaiou. Quando retomou um pouco dos sentidos, viu o vulto
de uma enorme porca e os gritos do bebê sendo devorado por ela.
Antes de morrer, a cabocla viu a silhueta da porca com carne pendurada na boca.

Temas: a condição da mulher mestiça, abandono parental, as diferenças


sociais, influência do naturalismo (cenas cruéis e sórdidas).

CONTO 5
O VOTO
Maurício era noivo (e primo) de Ginoca, órfã de mãe, mora com o pai Guilherme
que faz gosto pelo casamento dos dois. O rapaz era estudante de medicina e ela
moça direita da roça. O pai não gostava muito do fato de Maurício ter certo gosto
pelos livres pensadores (aqui se vê os costumes do povo interiorano).
O rapaz quase morre de febre amarela, mas se salva.
Temendo pela vida de Maurício, Ginoca promete que, se ele se salvasse, ela
permaneceria solteira para o resto da vida.
Sendo pessoas de uma firme crença religiosa, o pai e Ginoca cumprem a
promessa (o voto).

Temas: aspecto religioso, amor abnegado, final triste e, ao mesmo tempo,


irônico,
CONTO 6
E OS CISNES?
A viscondessa foi visitar (por curiosidade ou extravagância) o Hospital dos
alienados. Para isso, precisava da permissão do dr. Aguilar, mas uma gentil
enfermeira, irmã Serafina prontificou-se para acompanhá-la.
A viscondessa perguntou à Serafina se ela não sentia medo de viver naquele lugar,
ao que a outra responde que “não” e demonstra compaixão pelos alienados.
Ao visitar a sessão das crianças, a viscondessa assustou-se.
Depois visitaram uma velhinha feliz que cantarolava e tricotava alegremente.
Ao se encaminharem para a saída, a viscondessa despede-se, mas Serafina
pergunta: e os cisnes?
Descobrimos então que Serafina perdera sua filha afogada em um lago. A
menina quis pegar os cisnes, mas acabou morrendo. Desde então (explica o dr.
Aguilar), a mãe Serafina, que não era freira, finge ser um cisne, em seus
acessos de loucura.
“Enfim, também acontece lá fora adorarmos às vezes a própria causa do
nosso mal...”

Temas: a loucura, as tragédias, “adorar a causa do nosso mal”.

CONTO 7
SOB AS ESTRELAS
Ianinha e Júlio (antes de se tornar padre) eram namorados e fugiam para se
amar sob as estrelas.
Júlio obedece ao desígnio do tio padre, termina o relacionamento com a moça e
vai para o seminário.
Ianinha sofre muito, pede que ele não vá, mas é inútil. Agora padre, Júlio volta
à terra natal, mas tem dificuldades de lidar com as ardentes lembranças da moça.
Irritava-se com isso, pois pretendia ser santo e manter-se firme na fé.
Na esperança de que a moça tivesse morrido, Júlio vai visitar o cemitério. Ao se
deparar com uma sepultura sem nome, o coveiro explica-lhe que aquela é a
sepultura do filho de Ianinha e que ninguém sabe que é o pai.
À noite, no campanário, a cabocla aparece e conta ao padre sobre o filho. Júlio
resiste à tentação carnal e deixa Ianinha sozinha.
Ela que já havia tocado o sino do campanário para chamá-lo antes, ao vê-lo sair,
toca furiosamente o sino. Depois de um tempo, o sino se cala, pois Ianinha se
enforca na corda do sino.

Temas: celibato clerical, a condição da mulher mestiça, final trágico.

CONTO 8
A PRIMEIRA BEBEDEIRA
O jovem rapaz, contrariando a mãe que comemorava aniversário naquele dia,
saiu para ver Albertina. A moça pediu que ele voltasse às dez e, para não voltar
para casa, foi ao bar. Lá encontrou amigos que lhe atiçaram o espírito, dizendo-
lhe que deveria fazer o que quisesse.
Então começaram a falar de amores e chegaram à Albertina, após o rapaz
mostrar uma carta dela. Os amigos escarneceram sobre as palavras da moça. Sob
os efeitos da bebida, o jovem expôs sua relação com ela, gabando-se. O
conhaque foi enegrecendo sua consciência. O rapaz revelou muitos assuntos
particulares.
Mais tarde, voltou à casa de Albertina e começou a gritar para que fosse
atendido, mas a moça se escondeu envergonhada.
Não sendo atendido, seguiu para casa. A mãe o encontra completamente bêbado
e cuida para que ninguém o veja assim.

Temas: o amor materno abnegado e incondicional.

CONTO 9
A CASA DOS MORTOS
A protagonista percorre os caminhos dentro de uma casa, atrás do som de
passos. Ao parar diante de uma porta, um vulto lhe avisa que não era para ela
(a protagonista) estar ali, pois era a casa dos mortos e nunca alguém percorreu
aquele caminho sem ter morrido. Outros vultos parecem curiosos. Ela procurava
pela mãe.
Quando a encontra, entre névoas, a mãe não deixa que a toque e diz que ela
deve voltar para os sofrimentos da febre. A protagonista vê a morte baixar dois
caixões com um casal. A mãe explica que o amor verdadeiro perdura após a
morte e quem nunca amou em vida, desfaz-se como areia ao vento, pois não
tem doces lembranças.
Então ela é conduzida, pela morte, para fora do sonho e acorda com lágrimas
nos olhos e as mãos em cruz sobre o peito.

Temas: o amor como sentido da existência e que sobrevive à morte.

CONTO 10
AS HISTÓRIAS DO CONSELHEIRO
O conselheiro conta uma divertida história para uma plateia. Esta, divertindo-
se, pede que ele lhes conte outra. Ele começa a contar a história que envolve “o
dr. Lemos, antigo advogado no lugar, homem pacato, idoso, cheio de
preconceitos religiosos e sociais, muito boa pessoa, mas muito cacete
também.”, apesar de no início Lemos se mostrar uma companhia desagradável e
invasiva, com o passar do tempo, contrariando as expectativas, ele passa a ser
um amigo indispensável para o conselheiro.
O velho (dr. Lemos) tinha um filho amado de quem se orgulhava muito e para o
qual rasgava inúmeros elogios, sendo esse filho sua única e preciosa razão de
viver.
Certo dia, o conselheiro recebeu uma carta que falava da desonra do filho do
dr. Lemos: o rapaz roubou o banco em que trabalhava e fugiu para a América do
Norte.
O conselheiro não conseguiu contar tal fato para o orgulhoso pai, por medo de o
mata-lo de desgosto.
Tempos depois, precisou sair da província para tratar da saúde e, assim que
deixou a cidade, outras pessoas contaram ao velho que acabou enlouquecendo.

Temas: o amor paterno, a hipocrisia (essência x aparência), a loucura, a


ingratidão filial.
CONTO 11
A CAOLHA
O conto faz uma descrição rica e terrível de uma mulher de aspecto,
absolutamente, grotesco, especialmente por ter um olho furado, que ficava
constantemente vazando pus.
Tinha apenas um filho que lhe ajudava um pouco. O beijo do filho Antonico era,
basicamente tudo o que tinha aquela mulher, mas, à medida que o filho foi
crescendo, até os beijos foram escasseando.
O menino sofria, por causa da mãe deformada, o preconceito, o desprezo e a
zombaria por parte dos colegas da escola e, depois de moço, dos colegas do
trabalho. Então ele acabou se apaixonando, mas a moça, para que fosse sua
esposa, exigiu que ele se separasse da mãe. Ele decide se afastar da mãe, mas
será seu protetor de longe. Quando ele conta o plano à mãe, ela o expulsa de
casa. Ele vai pedir ajuda à madrinha, pois acabou arrependendo-se. A madrinha
então revela que quem cegou a mãe fora ele, com um garfo, quando era
pequeno.

Tema: as tragédias de um destino irônico, o preconceito, a rejeição e o amor


materno incondicional e abnegado.

CONTO 12
IN EXTREMIS
Laura e dr. Seabra são casados e têm uma filha pequena que ainda mama no
peito. Os dois apresentam uma determinada diferença de idade, ele mais velho,
e ela mais nova. Seabra sabia, secretamente, do amor que Laura e Bruno, jovem
amigo do casal, sentiam um pelo outro, mas sempre se manteve calado diante
dos dois que também se mantinham calados. Tudo era velado. Bruno está à
beira da morte e Laura tenta disfarçar seu desespero, mas o marido percebe,
pois está sempre atento. Apesar de todo amor, Laura permanece fiel e honesta
ao marido que sente um ciúme amargo e irremediável.
Ao chegar à casa de Bruno para uma visita, a mãe dele revela que os médicos
recomendam que ele somente tome leite materno, mas está difícil de achar ama
de leite. Laura, então, olha para o marido que dá um discreto sinal de afirmativo.
Em seguida, ela desabotoa o vestido e dá o seio cheio de leite para Bruno. É
na percepção do dr. Seabra que sabemos que o sono de Bruno que se segue
após o ato generoso de Laura, será o último.

Tema: o amor e o ciúme, a generosidade.

CONTO 13
A BOA LUA
O velho Samé (Samuel) fez cem anos e está adoentado. Sua memória já falha
para muitas coisas, mas para os assuntos relativos às sementes e às colheitas
ele guarda boa memória.
“Contava as luas, sabia de cor o calendário. (...) E nesses dias a comida era-
lhe atirada como a um cão intruso, sem direito ao carinho de ninguém.”
Samé sofre uma queda enquanto jogava sementes de milho na terra em época
de “lua boa”. No chão, Samé vê um broto num tronco que julgava morto e beija a
terra, seu único amor.
Os netos e bisnetos acudiram-lhe, levaram-no para casa e prepararam tudo,
pensando que eram seus últimos momentos de vida, até o padre foi chamado
para a confissão. Quando todos adormeceram, Tio Samé viu uma cobra
descendo a parede e entrando sob os lençóis de uma neta que dormia por ali
perto. A neta morreu, mas o velho ficou para semear na boa lua.

Tema: a memória, a relação do homem com a terra, a longevidade, e, mais


uma vez o destino irônico e a morte, que não se pautam pela lógica da idade e do
passar do tempo.

CONTO 14
ESPERANDO...
A esposa de Luiz prepara um jantar para o marido e dá várias ordens à criada
e ao cozinheiro. Ela se demonstra uma mulher ansiosa e preocupada demais com
a própria aparência. Mas o marido demora muito para chegar e ela cai no choro.
Ela logo se pergunta o que teria acontecido e pensa em traição e depois em
acidente. Seu desespero já é grande quando Luiz chega e acalma a esposa Mimi,
dizendo-lhe que ela deve se acostumar a jantar sozinha. Ela entende que a lua
de mel acabara.

Tema: as mudanças nos relacionamentos e as desilusões do amor, bem


como, mais uma vez, a condição da mulher na sociedade da época.

CONTO 15
INCÓGNITA
O ambiente é um necrotério e, sobre a pedra fria, está o cadáver de uma moça
que morreu afogada. Dois homens conversam sobre ela e um a conhecia
apenas de vista. O outro rapaz ficou impressionado e passou a refletir sobre
o que poderia ter acontecido à morta: matou-se? Foi traída? Ficou muito triste
em pensar que ninguém reclamara seu corpo. No outro dia, ele volta ao
necrotério e descobre que ninguém veio procurá-la e que seu corpo foi
encaminhado ao cemitério. Vai para casa, encontra a mulher e a filha, conta o
caso para elas que também se compadecem da história da pobre moça.

Temas: a morte, o abandono, a solidão. Mais uma vez uma mulher como
centro da história.

CONTO 16
A ALMA DAS FLORES
Adolfo vai a casa de Sales que o recebe com alegria, leva-o ao jardim e discorre
com alegria e orgulho sobre diversas variedades de flores. Em determinado
momento, Adolfo começa a ver, perto das plantas, personificações delas, como
se fossem suas almas, mas não divide sua visão com ninguém. Ao mudar-se
para outra casa, um quintal da vizinhança apresentava um canteiro deangélicas
e Adolfo então começou a ver mulheres que subiam aos céus. Ele ficaum pouco
perturbado, mas por fim entende o que está acontecendo: as visões queele tem
são o jeito de ele sentir o aroma das flores.

Temas: conto com tons fantásticos e surreais, atentar para o tema da


sinestesia, a fusão de sentidos, quando o aroma se transforma em imagens
mentais.
CONTO 17
ONDAS DE OURO
Sr. Mendonça está em uma loja de cosméticos e penhores trançando lindas
tranças do cabelo loiro de sua filha Angelina morta há um mês. Ele já havia
perdido a mulher e dois filhos e a menina morrera de tísica. Há uma ordem para
que ele terminasse logo a trança, pois algum cliente viria buscá-la, mas ele
sofre pela separação da lembrança da filha.
“Entre aquela variedade infinita de aromas e de tons, aqui e ali, rumas de
pentes de todos os feitios, da mais fina tartaruga ao mais negro búfalo, do
melhor marfim ao mais grosseiro osso. Pendentes e cuidadosamente
alisadas, tranças negras, castanhas, loiras, grisalhas, restos de uma multidão
incógnita, destroçada, perdida na noite escura da miséria, na podridão da
vala-comum, nas enfermarias dos hospitais, ou nas celas das penitenciárias.”
Há algo de mórbido naquela espécie de oficina, que se alimenta de despojos
de pessoas que se foram de maneiras trágicas. As tranças da filha são uma
encomenda e, quando a cliente (uma atriz) chega e trata com indiferença as
últimas lembranças da filha, Mendonça sofre e sente ódio. A atriz faria um papel
de fada no teatro Sant’Anna e Mendonça foi assistir à peça. Esperou
ansiosamente pela entrada da atriz travestida de fada com os cabelos de sua filha.
A atriz entrou e ele ficou encantado, mas quando ela saiu, Mendonça não
conseguiu parar de aplaudir e pedir bis. A polícia teve que retirá-lo do teatro
e atriz ficou pensando que fizera muito sucesso por isso.

Temas: mais uma vez o amor paterno, a morbidez – tema da morte, em


aspecto que mescla o gótico com o naturalismo, e atentar mais uma vez para,
mesmo numa história fúnebre e triste, há no fundo uma ironia, de atriz achar que o
aplauso exagerado se dera devido à sua performance.

CONTO 18
O ÚLTIMO RAIO DE LUZ
A protagonista narra o conto. Ela está envelhecida e relembra o tempo em que
era jovem, estava doente e perdidamente apaixonada pelo médico de trinta
anos (ela tinha 15), mas nem a mãe nem o médico diziam qual era sua doença.
Certo dia, o médico aplicou-lhe um lenço negro sobre os olhos, dizendo-lhe
para não os retirar sob o risco de ficar cega. Ela obedece. Com o tempo, sem
poder ver, apura mais a audição. Sua irmã mais velha vem vê-la e ajudar a
cuidar dela. A audição fica tão apurada que ela já podia saber quem mentia... e
a cegueira revelou verdades... e, em um gostoso dia ensolarado, seus ouvidos
captaram uma conversa em segredo no jardim, então ela se levantou e foi até a
janela... era o médico falando de amor à sua irmã mais velha. Num impulso, ela
arrancou o lenço dos olhos e a luz do Sol acabou por cegá-la.

Temas: as desilusões amorosas, as pequenas tragédias do cotidiano.

CONTO 19
A MORTE DA VELHA
Tia Amanda era uma velhinha muito cansada, mas que ainda trabalhava
recortando papéis para as confeitarias. Criou as sobrinhas e seu irmão já não
morava mais com elas, tampouco ajudava com algum dinheiro. Apenas uma das
sobrinhas era bonita e tinha alguma esperança no futuro. Aos poucos, a velhinha
foi enfraquecendo até que perdeu o trabalho que fazia para as confeitarias. Teve
que empenhorar seu relógio de ouro para dar sustendo às sobrinhas e quando
Luciano, seu irmão, soube, foi ralhar com ela para que ela não o envergonhasse,
pois pensariam que eles passam grandes necessidades. Para ajudar as sobrinhas,
pediu dinheiro a Luciano e este recusou. Ficou adoentada e precisou dos
cuidados das pessoas a quem cuidou durante toda a sua vida, mas não
encontrou a mesma dedicação e o mesmo amor. Ela foi ficando mais esquecida
e amarga. Certo dia, a casa pegou fogo. Nesse momento, o irmão começou a
tentar salvar bens materiais, mas não a velhinha que ficou olhando todos fugindo.
Pior que o incêndio e o medo, foi o fato de o irmão, por quem ela sacrificara a vida,
fugir e deixá-la para trás. Então ela entendeu que foi uma vida de sacrifícios em
vão. Quando o bombeiro veio para socorrê-la, ela preferiu ficar com as
chamas.

Temas: o amor abnegado e a ingratidão. E mais uma vez a condição da


mulher, neste caso a mulher envelhecida e esquecida.

CONTO 20
PERFIL DE PRETA
Conto dedicado a Machado de Assis – Gilda, criada de D. Ricarda Maria,
levava os beijus para a irmã da sua senhora. Ao se desviar do calor da estrada,
em pleno sol de dezembro, Gilda segue próxima ao rio. Quando viu um grande
peixe dorminhoco perto da margem, pesca-o com as próprias mãos e depois
segue para entregar os beijus. Ela esconde o peixe para pegá-lo na volta. Mas Gilda
fez muitas paradas e se demorou a chegar na casa pretendida. Depois de fazer
a entrega, fica apreensiva de ter que voltar sem muita luz do dia. Na frente da
igreja de São Nicolau, um rumor chamou sua atenção. A estátua do santo que havia
sido tirada do altar para repintura apareceu sozinha, como por milagre, de volta ao
altar. Gilda benzeu-se, pois tinha medo de almas penadas, e começou o caminho
de volta. No caminho, flagrou seu namorado João Romão abraçado a
Norberta, outra criada, além de outras pessoas que faziam a pesca do bagre
amarelo. Ela fica com muita raiva e, na manhã seguinte, de volta ao trabalho no
engenho de mandioca de D. Ricarda Maria, causa uma distração repentina a
João Romão que operava uma perigosa máquina e que perde a mão direita e
já não pode mais seduzir moças com suas canções e sua viola. Mas, mesmo
assim, Norberta torna-se sua companheira definitiva, trabalha pelos dois e
espanta com galhos de arruda o mau-olhado de Gilda.

Temas: amor, traição e vingança.

CONTO 21
A NEVROSE DA COR
Issira é uma princesa acometida por uma rara condição, é absolutamente
obcecada pela cor vermelha, tudo precisa ser vermelho. Um velho sacerdote
tenta, por meio de sábias lições, dissuadi-la de tudo que se relacionava ao
vermelho, principalmente, do sangue. A princesa está noiva do filho do rei
Ramazés, ela é linda, mas arrogante e ambiciosa. Houve um tempo em que ela
degolava ovelhas brancas para lhes beber o sangue, por causa da cor. Com o
tempo, voltou a sentir desejo do sangue, então começou a matar escravos,
bebendo-lhes o sangue. O povo denunciou ao rei que nada fez, mas com a morte
de seu filho, noivo de Issira, ele proibiu que ela matasse mais escravos. O rei
mandou que ela voltasse a própria terra, então ela, com muita sede de sangue,
cortou o próprio pulso e bebeu do próprio sangue até morrer.

Temas: conto com tons surreais e fantásticos, mas que pode ser lido como
uma alegoria da ganância humana, que tende a ser crescente e, muitas vezes, o
ganancioso acaba por “devorar”, “consumir-se” a si mesmo.

CONTO 22
AS TRÊS IRMÃS
D. Tereza sentia que a morte se aproximava e resolveu chamar as duas irmãs
para virem ao Rio e lhes deixar como herança os bens da casa bem preservada
e que nestas coisas mantinha as lembranças do passado. D. Lucinda (que
havia ido para Buenos Aires) e D. Violeta (que havia ido para a Bahia) não viam
D. Tereza há muito tempo. Ela mandou que a casa fosse preparada para a
chegada das irmãs, acrescentando detalhes que as fizesse lembrar de um
passado bom e agradável. Porém encontra as irmãs bem diferentes do que
pensava: D. Lucinda ostenta riqueza e ama o luxo material; D. Violeta ostenta a
família e a igreja. As irmãs zombavam de tudo. Depois da morte de D. Tereza,
as irmãs venderam a casa, repartiram os bens e seguiram cada uma para seu
destino.

Temas: a velhice e a solidão, o passado, as lembranças, o desvanecer dos


sentimentos.

CONTO 23
O VÉU
O protagonista, um estudante de medicina que reprovou no quarto ano e que
volta para visitar o pai e duas irmãs, acredita que “a maneira de vestir indica
fatalmente a maneira de pensar de uma mulher”.
No transporte, ele observa duas senhoras que sentaram à sua frente. Ele faz
uma descrição de suas impressões em relação às mulheres a partir do que
vestem e estabelece grandes diferenças. Por fim, lê impressões na face da
senhora mais baixa, mas não consegue ler da mais alta, pois ela tem o rosto
coberto por um véu. Suas impressões são preconceituosas, visto que
acreditava adivinhar o caráter pela aparência. Aos poucos, vai se apaixonando
pela mais alta, mesmo sem lhe ver o rosto. Fascinado pelo mistério, seguiu as
mulheres ao saírem do trem e ficou alguns dias espreitando a casa onde elas
haviam entrado na esperança de ver e falar com a mais alta. Escreveu à baronesa
(mulher mais alta) e esta consentiu-lhe que a visitasse. Qual foi a decepção do
rapaz ao ver que a mais alta, sem o véu, era muito velha e muito feia. A baronesa
deu-lhe um bom conselho bem irônico: que não se cansasse de seguir as
mulheres que usassem véu tão espesso.

Temas: mais uma vez o tema das aparências versus a essência, e os


problemas e preconceitos que se geram a partir dos julgamentos superficiais. De
novo também temos um final triste e ao mesmo tempo irônico, já que a Baronesa
entendeu as intenções do rapaz, brincando, manipulando e zombando delas.
CONTO 24
PELA PÁTRIA
D. Catarina está aflita, pois seus dois filhos amados estão na guerra, no conflito
armado que acontece em Niterói. Ela percorre a casa e relembra dos filhos com
amor e desespero. Ao ouvir baterem à porta, correu para abrir e se deparou com
João, o filho mais velho, que estava ali para dizer à mãe que matou o próprio
irmão Pedro, segundo ele, “pela Pátria”.
A mãe, enlouquecida pela dor, amaldiçoa João, mesmo este dizendo-lhe e
insistindo que não foi intencional, mas “pela pátria”. Ela diz que a pátria é ela... D.
Catarina expulsa o filho de casa, mas começa a preocupar-se com ele. Quando
saiu para procurar pelo filho, descobre que ele foi baleado e morto. Por fim, ela
tem uma visão dos filhos e bate em seu próprio peito gritando: “A pátria sou
eu...”

Temas: as relações familiares complexas e trágicas, a tensão entre o amor


à família e o amor à nação.

CONTO 25
O DR. BERMUDES
Bermudes era um rapaz rico, lindo e galante, sustentado e mimado pela tia
Jacinta. Quando sua tia morre, não lhe deixa a fortuna e Bermudes passa a ser
um mendigo agora desprezado pela sociedade. O conto mostra uma sociedade
que valoriza as aparências e as conveniências e os interesses.

Temas: as aparências e os interesses.

CONTO 26
A VALSA DA FOME
Hipólito vendera o piano e perdera para a fome a única irmã. Foi contratado
às pressas para tocar em uma elegante festa no Rio de Janeiro. Em princípio,
a plateia riu-se dele, por sua aparência magra, mal vestida e doentia. O
contratante explica a triste história de Hipólito a uma senhora. Quando começa
a tocar a valsa, Hipólito se vê fascinado por ter voltado a tocar piano. Ele deixa-
se embalar pela saudade e pela fome que sente. O pianista de totalmente
tomado pela música, não cessa de tocar, ao final de várias valsas conhecidas,
ele emenda a criação de uma valsa própria, composta à medida em que ia
tocando, embalada e inspirada pela extrema fome. Cada nota parece representar
as dores causadas pela sensação da fome. Ele toca enfurecidamente até
desmaiar sobre o piano.

Temas: a fome e o talento, o preconceito com as aparências (de novo elas!), o


sofrimento como inspiração da arte.

CONTO 27
O FUTURO PRESIDENTE
O quadro inicia-se em um quarto de costuras com uma mulher cansada a vigiar
o sono do filho, enquanto costura até tarde. O marido, que tem apenas uma
das pernas e o juízo um pouco perturbado, está também trabalhando. A vida é
cara e eles ganham pouco. A pobre mãe depositava esperança no futuro do
pequeno filho. A mulher deseja que ele seja rico e caridoso. Certo dia, ouvira, no
bonde, duas pessoas conversando sobre pessoas humildes que fizeram grandes
coisas. Ela começa então a divagar sobre o futuro brilhante do filho até que
chegue a ser presidente de uma, ainda futura, república.

Temas: a pobreza e o sonho, há também, como pano de fundo, uma visão


positiva da República, que permite a mobilidade e ascensão social. Todavia, há
também a ironia de que talvez aquele seja apenas mais um sonho, ou ainda, uma
ilusão.

CONTO 28
O ÚLTIMO DISCURSO
Dr. Paula Guedes já estava bem velho, adoentado e acamado. Uma neta traz-
lhe um ofício do Instituto e o velhinho recupera parte das forças a fim de ler o
documento, junto de um certo alívio por ainda lembrarem dele. Era um convite
para que ele fizesse um discurso no tricentenário de Anchieta. O velhinho
regozijou-se de alegria, pois faria o discurso diante de importantes pessoas do
país. Um renascimento acontecia no corpo e na alma do dr. Paula Guedes, à
medida que preparava o discurso e todos os detalhes. Entre os detalhes da
preparação, o velhinho fez uma apresentação prévia para os familiares no salão
da própria casa. No calor da apresentação, dr. Guedes faleceu.

Temas: a velhice, o orgulho, e, mais uma vez, as ironias do destino.

CONTO 29
NO MURO
Maria Tereza está em sua cadeira de balanço observando a luz da Lua que sobe
pelo muro branco no fundo do quintal. O ambiente está silencioso. De repente, ela
vislumbra, no muro, a visão de sua vilazinha mineira de onde seu marido a
trouxera para viver na turbulência urbana. Maria Tereza vê com detalhes a igreja,
a floresta e seus habitantes, tem lembranças de histórias nas imagens que as
sombras e a luz da Lua desenhavam no muro. Lembrou de histórias contadas
pela velha Teodora sobre o Cavaleiro da Pluma e a ressureição de uma
princesa. E foi com tristeza que percebeu que a velha escrava quase nunca
havia sido lembrada por ela, justo Teodora que se doou e foi tão boa para ela,
nem mesmo lembrava onde ficava seu túmulo. De súbito, levantou-se e fechou
a janela, parecia não mais querer lembrar-se. O marido chamou e ela resolveu
deixar que a luz da Lua apagasse aquelas lembranças desenhadas no muro.

Temas: a memória, as recordações, em tons um pouco surreais, mas


principalmente atentar para a situação da escrava, que se doou e não obteve
reconhecimento algum.

CONTO 30
AS ROSAS
A protagonista fala de seu jardineiro, um homem feio e sombrio. As pessoas
pediam para que ela se livrasse dele por ter tal aspecto, mas, como ele cuidava
muito bem das flores, ela acabava por dar de ombros. Em um começo de noite,
viu que as roseiras estavam cheias de botões de flores, então o jardineiro lhe
afirmou que elas abririam aquela noite. Ela intentou levar um ramalhete para sua
mãe e outro para o túmulo da filha, além de enfeitar-lhe a casa. Disse ao jardineiro,
então, em tom rude, que não as tocasse, pois ela mesma as colheria. Ele
apenas obedeceu. Na manhã seguinte, constatou que nenhuma rosa restara
nos roseirais. Gritou pelo jardineiro que atendeu de pronto. Quando ela lhe
perguntou pelas flores ele a conduziu até seu pobre e feio quarto. Qual não foi
sua surpresa ao ver o corpo de uma mulher no meio de uma cama feita com as
rosas. Era a filha do jardineiro. Ele matara a filha, pois ela não quis deixar o
homem que batera nela. Convulsionado pela dor, achou-a muito maltrapilha e quis
vesti-la de rosas.

Temas: a condição da mulher, a violência doméstica.

04. CARACTERÍSTICAS GERAIS DA AUTORA

CONTEXTO – BELLE EPOQUE NO BRASIL


A Belle Époque é uma expressão francesa que significa bela época e foi um
período de cultura cosmopolita na história da Europa que começou no fim do
século XIX, meados de 1871 e durou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial em
1914. A expressão também designa o clima intelectual e artístico do período em
questão. O surgimento de inovações tecnológicas como o cinema, o
automóvel, o telefone que originaram novas formas de pensamento no
cotidiano.
No Brasil, este período tem início em 1889, com a Proclamação da República, e
vai até 1922, quando explode o Movimento Modernista, com a realização da
Semana da Arte Moderna na cidade de São Paulo. A Belle Époque brasileira é,
instaurada lentamente no país, por meio de uma breve introdução que começa em
meados de 1880, e depois ainda sobrevive até 1925, sendo aos poucos minada por
novos movimentos culturais.
Difere de outros países, seja pela duração do período, seja pelo avanço
tecnológico, que se deu, principalmente, nas duas regiões mais prósperas do
país, como a região do ciclo da borracha no Acre, Amazonas, Rondônia e Pará
e a região cafeeira São Paulo e Minas Gerais.
Considerada a era de ouro, beleza, inovação e paz entre a França e seus
vizinhos europeus. Novas invenções tornavam a vida mais fácil em todos os níveis
sociais, e a cena cultural estava em efervescência como os cabarés, o cancan,
a boemia, os cafés, as docerias, as livrarias, a moda, a arte tomava novas formas
com o Impressionismo e a Art Nouveau. O forte moralismo, comportamentos típicos
da era vitoriana, ascensão do Socialismo e os confrontos deste novo cenário,
criando um posicionamento dos franceses entre a esquerda e a direita.
SITE: HISTÓRIA HOJE

SUCESSO E RECONHECIMENTO
Lúcia Miguel-Pereira afirma que Júlia Lopes de Almeida “é a maior figura entre as
mulheres escritoras de sua época, não só pela extensão da obra, pela
continuidade do esforço, pela longa vida literária de mais de quarenta anos, como
pelo êxito que conseguiu, com os críticos e com o público; todos os seus livros
foram elogiados e reeditados, vários traduzidos, sendo que se consumiu em três
meses a primeira tiragem da Família Medeiros”.
Autora de dez romances, três coletâneas de contos e novelas, três compilações de
crônicas, quatro peças de teatro, três seleções de contos infantis e seis livros
diversos, entre relatos de viagem e conferências, pode-se falar, sem dúvida, no
caso dela, em “extensão da obra”.
Em vida, no entanto, viu reeditados, e apenas uma vez, os romances Memórias de
Marta, A intrusa e Cruel amor e o livro de contos Ânsia eterna. Sucesso
alcançou foi com livros que hoje denominamos paradidáticos: Contos infantis
(1886), lançado em parceria com sua irmã, Adelina Lopes Vieira (1850-
??), é adotado, a partir de 1891, em todas as escolas primárias do Brasil durante
mais de vinte anos; e Histórias da nossa terra, também de contos infantis, teve
vinte e uma edições entre 1907 e 1930.

TRADUÇÕES
Traduções, a obra de Júlia conheceu poucas: os contos As rosas (Les Roses)
no Paris Journal de 16 de fevereiro de 1914; A caolha (La Tuerta), no jornal La
Nación, de Buenos Aires, em 22 de outubro de 1922; Os porcos (Les Porcs), no
Tomo XVII, nº 28 da Revue de L’Amérique Latine, de Paris, em março de 1929; e
os romances Memórias de Marta e A família Medeiros no volume único Deux
Nouvelles Brésiliennes (Trad. Jean Duriau. Dunkerque: Imprimierie Du
Commerce – G. Guibert, 1928).

LITERATURA INFANTIL
A pesquisadora Rosa Maria de Carvalho Gens afirma que cabe a Júlia Lopes de
Almeida posição de destaque por perceber a importância do público infantil. “No
prólogo à segunda edição, assinado pelas autoras, encontra-se o protocolo da
leitura, que estabelece de saída o caráter moral: ‘Os Contos infantis são umas
narrações singelas, em que procuramos fazer sentir aos pequeninos paixões boas,
levando-os com amenidade de história a história’. (…) No entanto, para leitores
posteriores, não se acham muito apreensíveis tais traços, desejados pelas autoras
e que devemos configurar um modelo de leitura. Pelas narrativas passam meninas
pobres, mas honestas e dignas, pombinhos mansos, burrinhos trabalhadores e
pacientes, mães carinhosas, mas também crianças cruéis com animais, que
recebem castigo, muito longe do tom ameno a ser perseguido. As narrativas são
plasmadas por linguagem de clave bastante culta, com escolha lexical refinada”.
O objetivo das autoras, argumenta Rosa Gens, é “encaixar, através da
disseminação de hábitos, valores e de estruturas de linguagem, a infância na
sociedade”. O sentido moral e formador aparece também em Era uma vez…
Segundo ela, “a escritora acreditava na missão de educar, com a nítida firmeza de
que, através dela, o país se desenvolveria. O procedimento traz a dimensão da
época, de nítida diretriz desenvolvimentista, enfatizando-se na concepção do
mundo infantil como um degrau para o adulto”.

FILIAÇÃO LITERÁRIA E ESQUECIMENTO NA CONTEMPORANEIDADE


A experiência histórica da qual a autora faz parte, isso se deve ao fato de
que Júlia Lopes de Almeida é uma escritora realista, naturalista, feminista e
abolicionista, entretanto, mesmo com todos esses aspectos vistosos à sua época,
ainda mais para nós da contemporaneidade, a sua capacidade, intelectualidade
e obras são pouquíssimo conhecidas.

LINGUAGEM LITERÁRIA
Júlia Lopes, nascida no Rio de Janeiro, mas filha de pais portugueses, também
casada com um intelectual português, tendo passado largos anos em Portugal,
cujas leituras seguramente se iniciaram com autores portugueses e que deveriam
contemplar a obra de Eça de Queirós, traz, em sua escrita, o que os críticos
chamaram de tom lusitanizante. Talvez tenha sido o que a diferenciaria dos
escritores brasileiros da época: um estilo muito cuidado, obediência à norma
gramatical, a preocupação de não empregar vocábulos do falar oral, coloquial, para
caracterizar a chamada cor local, em suma, um português castiço.
O que a distinguiria de escritores renomados, como Coelho Neto, não seria
o tom lusitanizante, mas a simplicidade de sua escrita, a busca da clareza e até a
cadência de sua prosa, estilo que fez com que Lúcia Miguel-Pereira a elogiasse,
embora a tenha incluído entre os escritores que classifica como “sorriso da
sociedade”. Mas a inclusão entre os escritores “sorriso da sociedade” talvez lhe
tenha valido por retratar, preferencialmente, a sociedade da alta burguesia carioca
- que foi o meio a que pertenceu. Em raros textos, como Memórias de Marta, entra
na caracterização da vida dos proletários.

PREOCUPAÇÕES SOCIAIS
Essa preocupação com a educação das crianças — indiscutivelmente uma
preocupação política —, Júlia terá também em relação à mulher. Antes de se
aventurar pelo romance, a escritora publicou uma coletânea de contos, Traços e
iluminuras, em 1887, seguido mais tarde por Ânsia eterna, de 1903, além de A
isca, composto por quatro novelas.

ÂNSIA ETERNA
Lúcia Miguel-Pereira, afirma que “os contos de Ânsia eterna parecem todavia a
sua melhor obra, aquela em que, sem nada perder de sua singeleza, ela
aproveitou com mais arte os seus recursos de escritora e deixou mais patente
a sua sensibilidade”.

DEDICATÓRIAS DOS CONTOS


Este livro, composto por 30 histórias curtas, incluindo O caso de Ruth, publicado
originalmente em folhetins em 1897[12], no Almanaque da Gazeta de Notícias, do
Rio de Janeiro, e o exaustivamente antologizado A caolha, possui algumas
dedicatórias que chamam a atenção.
Dos contos, 18 são ofertados, sendo 11 a famosos colegas das letras:

- os poetas Raimundo Correia (1859-1911) e Olavo Bilac (1865-1918),


- os comediógrafos Artur de Azevedo (1855-1908) e Batista Coelho (1877-
1916),
- os romancistas Machado de Assis (1839-1908) e Coelho Neto (1864-1934),
- os intelectuais Lúcio de Mendonça (1854-1909), Valentim Magalhães (1859-
1903), Magalhães de Azeredo (1872-1963), João Luso (1874-1950)
- o chargista Julião Machado.

Mas o que interessa, no caso, são as sete dedicatórias destinadas a mulheres,


todas elas, como a própria Júlia, engajadas na luta pelo reconhecimento do
papel da mulher na sociedade, correligionárias suas de A Mensageira — revista
literária dedicada à mulher brazileira, publicada quinzenalmente (mensalmente a
partir do primeiro ano) entre 15 de outubro de 1897 e 15 de janeiro de 1900. Dirigida
por Presciliana Duarte de Almeida (1880-1910), a quem Júlia dedica o conto A
morte da velha, a revista foi o mais importante porta-voz das reivindicações das
mulheres no período da República Velha — o direito à educaçãoe ao voto —, além
de ter apoiado as lutas anticolonialistas e se batido pelo pacifismo.
Em A Mensageira brilharam, desde o primeiro número, a gaúcha Maria Clara da
Cunha Santos (1886-1911)[14], poeta e colaboradora assídua com sua Carta do
Rio, a quem Júlia dedica A boa lua; as poetas Júlia Cortines (1868-1948),
fluminense de Rio Bonito, a quem dedica O último raio de luz, e Francisca Júlia
(1871-1920), a quem oferece A casa dos mortos; e Zalina Rolim (1869-1961),
também poeta, mas mais conhecida como educadora, a quem oferta As três irmãs.
Em Ânsia eterna, Júlia ainda lembra-se da portuguesa Branca de Gonta Colaço
(1880-1945), no conto O lote 587, que possivelmente conheceu em uma desuas
estadas em Lisboa, e da espanhola Eva Canel (1857-1932), no conto A caolha,
com quem provavelmente manteve contato durante sua viagem a Buenos Aires, em
1922, cidade onde esta morava à época.

A CAUSA FEMININA
Júlia Lopes de Almeida era tratada, no entresséculos, como autora de indiscutível
valor no cenário das letras contemporâneas. Em 1897, ano em que surge seu
romance A viúva Simões em livro, Júlia aparece como personagem literária (e
combatente das causas feministas) tão importante que cabe a ela apresentar A
Mensageira aos leitores e leitoras brasileiros. Em um interessantíssimo texto
intitulado Duas palavras, Júlia afirma: “A mulher brasileira conhece que pode
querer mais, do que até aqui tem querido; que pode fazer mais do que até aqui tem
feito. (…) Esta revista, dedicada às mulheres, parece-me dever dirigir-se
especialmente às mulheres, incitando-as ao progresso, ao estudo, à reflexão, ao
trabalho e a um ideal puro que as nobilite e as enriqueça, avolumando os seus
dotes naturais. // Ensinará que, sendo o nosso, um povo pobre, as nossas aptidões
podem e devem ser aproveitadas em variadas profissões remuneradas e que
auxiliem a família, sem detrimento do trabalho do homem”. Este pensamento, visto
em seu contexto, embora prudente, extremamente revolucionário para um país
machista e paternalista, a escritora aprofundará em seus romances.
Tivesse Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) se limitado a colaborar em jornais e
revistas, sempre defendendo a importância da educação das crianças e a
valorização do papel da mulher na sociedade, já lhe caberia o honroso lugar de
uma das mais importantes vozes feministas brasileiras. Mas Júlia fez mais:
escreveu romances refinados, onde descreve com elegância e precisão as
encruzilhadas da mulher na sociedade de fins do Século 19 e princípios do
século 20, não se esquivando de enfrentar temas complexos e polêmicos para a
época.
O primeiro romance escrito (e segundo editado) de Júlia Lopes de Almeida foi A
família Medeiros, que aparece em folhetins no jornal Gazeta de Notícias, do Rio
de Janeiro, entre 16 de outubro e 17 de dezembro de 1891, e em livro no ano
seguinte. O crítico Wilson Martins afirma que o livro, iniciado em 1886 e concluído
em 1888, “não foi imediatamente publicado, porque o advento da Abolição pareceu,
por um momento, ter-lhe tirado o interesse; agora [1892], quando os negros
passaram a ser abertamente atacados e novas formas de escravidão
congeminadas pelos pais da Pátria, a história adquiria inesperada atualidade”.
Martins questiona alguns defeitos do livro: “diálogos artificiais, notas de rodapé
explicando ou justificando peculiaridades da língua, de vocabulário ou de costumes,
e, bem entendido, a intenção moralizante: os personagens dividem-se em dois
grupos nítidos: os escravocratas, todos criminosos, perversos e desumanos,
contrastando com os abolicionistas, todos nobres, generosos e esclarecidos”. Ainda
assim, não tem dúvida em apontá-lo como o melhor romance publicado naquele
ano — o que não é pouco se levarmos em consideração serem estes os primeiros
passos da autora na prosa de ficção.
Seu segundo romance escrito (e primeiro publicado em livro), Memórias de Marta,
apareceu, segundo a pesquisadora Rosane Saint-Denis Salomoni[4], em folhetins
na Tribuna Liberal, do Rio de Janeiro, entre 3 de dezembro de 1888 e 18 de janeiro
de 1889[5], portanto, antes de A família Medeiros. Curiosamente, o livro antecipa
o tema da obra-prima de Aluísio Azevedo (1857-1913), O cortiço, publicado em
1890. A narrativa de Júlia, lançada em livro em 1889[6], centra-se na história de
Marta, que, após a morte do pai, vai com a mãe morar num cortiço na Cidade Nova,
e lá convive com personagens também encontrados no romance de Azevedo: a
família de portugueses miseráveis, a moça bonita que termina na prostituição, a
ganância do proprietário das casas… Enfim, num ambiente promíscuo e vicioso,
Marta tenta sobreviver dignamente e, embora chegue a formar-se professora,
somente por meio de um casamento de conveniência consegue deixar para trás
aquela vida de privações.

Fino estudo psicológico


Em 1895, Júlia volta a usar as páginas do jornal Gazeta de Notícias para publicar
outro folhetim, A viúva Simões, lançado em livro dois anos depois. Wilson Martins,
normalmente econômico em elogios, afirma ser esse “um excelente romance, de
grande força dramática, escrito num estilo brilhante e enxuto, com perfeito
desenvolvimento narrativo.” A bela viúva do Comendador Simões, mulher honesta
e recatada, mãe discreta e dedicada, vê-se no centro de uma avalanche emocional
ao reencontrar, depois de vinte anos, um antigo namorado, ainda solteiro, galante,
sedutor. Atiçada em sua sensualidade reprimida, ela não mede esforços para
reconquistar seu amor, enfrentando tudo e todos para alcançar a felicidade,
colocando-se contra até mesmo sua filha, quando esta, sem o saber, disputa-lhe o
mesmo homem. Um fino estudo psicológico, que acompanha a derrocada
vertiginosa de um lar burguês do entre séculos.
João do Rio, numa célebre reportagem com a escritora, afirma: “este cenário
[“trechos da Gamboa, trechos centrais, torres de igreja, a cúpula da Candelária,
tetos envidraçados dos frontões, altas chaminés das fábricas, palácios, casas
miseráveis, pedaços de mar obstruídos de mastros”] lembra-me sempre aquele
livro seu — A viúva Simões. Não imagina a impressão desse trabalho na minha
formação de pobre escrevinhador”. E anota: “há muita gente que [a] considera o
primeiro romancista brasileiro”[10], isto nos primeiros anos do século 20, já que as
entrevistas foram publicadas no jornal Gazeta de Notícias ao longo de 1904 e
1905, antes de serem enfeixadas em livro dois anos depois.
Neste momento, Júlia está em plena posse de sua arte narrativa. Em 1901 publica
aquele que vem a ser sua obra-prima, A falência, um romance que se insere na
corrente realista brasileira, que, nascendo nas melhores páginas urbanas de José
de Alencar (1829-1877), realiza-se à perfeição nos contos e romances de Machado
de Assis (1839-1908). Parece que Júlia Lopes de Almeida tinha plena consciência
da importância desse “excelente romance de inspiração eciana” em sua obra. Em
nota escrita provavelmente entre 1932-1933, segundo informações de Rosane
Saint-Denis Salomoni, a autora relembra: “escrevi este romance duas vezes. A
primeira em solteira, e dessa primeira fatura figuram dois capítulos no meu livro de
contos Traços e iluminuras, escrito ainda como meu nome de solteira. Esse
romance rasguei-o, sentindo que lhe faltava o que o seu assunto exigia e que só
depois de mulher eu poderia dar completamente o conhecimento da vida. A idéia
ficou cantando no meu espírito e só depois de muitos anos de casada e cinco vezes
mãe, foi que o escrevi do primeiro ao último capítulo definitivamente”.

Livro trabalhado
Também José Veríssimo, contemporâneo da autora, afirma que com A falência
Júlia Lopes de Almeida “toma decididamente lugar, e não somenos, entreos nossos
romancistas”. Crítico exigente, Veríssimo afirma: “os acostumados a julgar esta
espécie de obras, se leram outros livros da autora, não custarão a perceber que é
um livro trabalhado, mas daquele trabalho que honra e eleva o
artista, ao invés de diminuí-lo. Julgando-o em comparação com a nossa produção
somente, esse novo romance de D. Júlia Lopes é obra de merecimento, de bastante
merecimento, sem ser entretanto nem uma obra superior, nem uma obra forte,
como hoje se diz”. Finalmente, conclui, dizendo que um dos melhores elogios a este
livro é de que se trata de “um escritor já na posse de todos os seus meios”. Martins,
mais entusiasmado, escreve que “depõe mais contra a crítica e os leitoresdo que
contra a romancista que um romance dessa qualidade tenha praticamente caído no
esquecimento”.
Rosane Saint-Denis Salomoni afirma que, no mesmo ano em que foi publicado, A
falência alcançou uma segunda edição, “devido ao apreço do público” e uma
terceira edição no ano seguinte. Fato é que este é dos poucos romances de Júlia
que não passou antes pelo crivo dos leitores diários dos jornais, já que não foi
publicado em folhetins, o que tinha ocorrido com os três primeiros títulos (além de A
Casa Verde, escrito a quatro mãos com o marido Filinto de Almeida) e o que
aconteceria também com o novo romance, A intrusa, que, segundo Salomoni, foi
publicado em folhetins no Jornal do Comércio, em 1905, e em livro três anos
depois. Dele disse Martins (um dos poucos críticos a se debruçar sobre a obra de
Júlia): a autora “representa, talvez, o ponto mais alto do nosso romance realista e,
apesar da língua algo lusitanizante, não perderia no confronto com Aluísio Azevedo
(vítima do mesmo mal). É ela um dos nossos romancistas do passado a exigir
urgente releitura e reavaliação”.

Viagens pela Europa


Data de 1925 a mudança do casal para a Europa. Decididos a acompanhar
a filha mais velha, Margarida, que ganhara uma bolsa da Escola de Belas Artes do
Rio de Janeiro para estudar em Paris, Júlia e Filinto vendem a Casa Verde e
instalam-se na capital francesa, de onde partem, em incansáveis viagens, para
conhecer outros países, como Itália, Alemanha, Noruega, Espanha, Bélgica. Nesse
período, Júlia trabalha na redação de seu derradeiro romance, Pássaro tonto,
ambientado em Paris, e que apenas será publicado postumamente. De volta ao
Brasil em 1931, Júlia vai se dedicar a rever a edição de Ânsia eterna, livro
originalmente publicado em 1903, suprimindo alguns contos e acrescentando
outros, e que também só aparecerá postumamente.
Com sua morte, em 1934, provocada pelas complicações de uma malária — oito
dias após a volta de uma viagem de três meses a Moçambique, onde fora resgatar
a filha, Lúcia, adoentada, as netas e o genro —, o nome de Júlia Lopes de Almeida
foi varrido para debaixo do tapete da história literária brasileira. O longo período
transcorrido fora do país (praticamente toda década de 1920), a ausência da
publicação de novos títulos (o último livro de importância, A Silveirinha, saíra vinte
anos antes) e a idéia de tratar-se de uma autora “pré-modernista” (“conceito” vazio
e destituído de qualquer significado mas seguido pela crítica) podem, sem dúvida,
ter contribuído para que a obra de Júlia desaparecesse do horizonte da história
literária brasileira da época.
Podemos, ainda, imputar parte dessa responsabilidade aos modernistas da
primeira hora. Desejosos de romper radicalmente com o passadismo beletrista
rançoso e reacionário, os “moços de São Paulo” difundiram a idéia de que tudo que
fora produzido imediatamente antes de 1922 deveria ser categorizado como de
duvidosa qualidade estética. Com isso, enterraram na vala comum autores
medíocres e autores importantes — uns rapidamente recuperados, como Lima
Barreto (1881-1922), outros, tardiamente, como João do Rio (1881-1921), e, outros
ainda, como Júlia Lopes de Almeida, ainda na fila da remissão…
Luíz Rufatto
QUESTÕES OBRA: ÂNSIA ETERNA
Júlia Lopes de Almeida

QUESTÃO 01
O final do século XIX foi pontuado por narrativas que procuraram expressar o lado
imaginário, englobando elementos que, por vezes, fugiam do sentido de realidade
presentes nos trabalhos literários considerados “tradicionais”. Seguindo essa linha,
encontra-se Júlia Lopes de Almeida, escritora de grande sucesso na virada do
século XIX e XX, sendo considerada uma das primeiras ficcionistas a “viver de
literatura”. Em Ânsia eterna (1914), livro que reúne vários contos, a autora trabalha
com perspectivas que englobam não só o suspense, mas, principalmente, o
grotesco, enfatizando questões trágicas que invadem o senso de realidade.
(Fonte:Doutorando Viviane Arena Figueiredo (UFF) - XII Congresso Internacional
da ABRALIC - UFPR – Curitiba)

Após analisar o fragmento, some as sentenças que apresentam contos da obra


“Ânsia eterna” relacionados às descrições destacadas no texto.

01. Em “Os porcos”, a personagem Umbelina se vê envolvida em conflitos que


culminam com o terror de presenciar a morte do próprio filho sendo devorado pelos
porcos.

02. Em “Ânsia eterna”, Rogério Dias estabelece um diálogo inicial com o amigo para
discutir sobre a criação literária e as responsabilidades atreladas a ela, porém não
consegue lidar com as pressões do público leitor e assassina o rapaz, arrastando
seu corpo pelas ruas.

04. Em “O caso de Ruth”, Eduardo Jordão, ainda inconsolado pela morte de Ruth,
vê-se diante da obrigação de atear fogo ao corpo dela, já que ela seria sepultada
junto do padrasto que lhe abusara sexualmente.

08. Em “Sob as estrelas”, o suicídio de Ianinha marca o desespero pela ausência,


pela rejeição e pelo desamparo de uma moça que se torna mãe, mas sepulta
sozinha um filho.

16. Em “Esperando...”, Mimi, que se preocupa demasiadamente com a própria


aparência, não consegue lidar com o ciúme extremo que sente pelo marido. Em
uma noite, vendo que o esposo demorava mais do que o habitual, ela não resiste
e morre vitimada por um ataque cardíaco fulminante.

QUESTÃO 02

Sobre os contos “Os porcos” e “A caolha”, está correto o que se afirma em:

01. Os contos encerram um ciclo de sofrimento na vida das personagens que


protagonizam uma situação confortável frente às suas famílias. Seus destinos, por
fim, são marcados pelo perdão e pela libertação das dores existenciais, culminando
em realizações e felicidade.
02. O grotesco permeia os contos, transportando o leitor para um universo em que
o protagonismo está centrado nas tragédias pessoais.

04. Tanto Umbelina quanto a mãe de Antonico demonstram certa resistência em


relação à situação que precisam enfrentar, porém o destino é cruel e impiedoso,
selando suas vidas marcadas pelo sofrimento.

08. Em ambos os contos, as amenidades fazem parte da vida tanto dos animais,
que vivem em um ambiente idílico e distraem Umbelina com seus hábitos
repetitivos, quanto da mãe de Antonico que encontra no amor do filho o amparo de
que precisa.

16. Há, nos dois textos, o trabalho feito sobre questões sociais e morais, como o
patriarcalismo (Umbelina devia obediência ao pai) e o preconceito (Antonico sofreu
bullying quando criança por ter uma mãe com aparência terrível).

QUESTÃO 03

Sobre a obra “Ânsia eterna” e sua autora, Júlia Lopes de Almeida, soma-se como
verdadeiro:

01. A grande transformação impressa nessa obra é a constante ligação existente


entre as diferentes realidades vividas por alguns de seus personagens e para eles
a presença constante de uma essência trágica que paira sobre suas vidas.

02. A obra enquadra-se nas tradicionais narrativas publicadas a partir do século


XVII, imprimindo as idealizações próprias de um estilo marcado pelos aspectos do
Romantismo.

04. Júlia Lopes quebra os paradigmas acadêmicos da virada do século XIX, ao


tornar-se a única mulher de seu meio social, a viver de seu trabalho literário, sendo
amplamente reconhecida no Brasil e no exterior.

08. Ânsia eterna é marcado pelo símbolo da libertação, demonstrando a ousadia


da autora ao lidar com temas incomuns ao cotidiano da época.
16. Fiel observadora dos costumes da sociedade da época, procurando transmitir
através da construção de seus personagens, um retrato comportamental e
atitudinal do ser humano, Júlia se dispõe a seguir outra linha temática em Ânsia
eterna, criando enredos, figuras e espaços narrativos que fogem da descritividade
comum.

32. Nota-se um estilo literário que perpassa características próprias da escola


barroca, já que evidencia as angústias e a dualidade do homem que está inserido
naquela sociedade.

QUESTÃO 04

“Não se encontra em Ânsia eterna espaço para epifanias e divagações finais dos
personagens nas conclusões desses contos. Por vezes, é constatada uma crueza
nas finalizações, como se fosse um recurso utilizado pela autora para marcar, de
forma definitiva, a situação trágica.” (Fonte:Doutorando Viviane Arena Figueiredo
(UFF) - XII Congresso Internacional da ABRALIC - UFPR – Curitiba)

A afirmativa é pertinente aos seguintes contos:

01. “Sob as estrelas” e “As histórias do conselheiro”

02. “O último raio de luz” e “In extremis”

04. “A casa dos mortos” e “A primeira bebedeira”

08. “A alma das flores” e “O futuro presidente”

16. “A caolha” e “A nevrose da cor”


QUESTÃO 05

Sobre o conto “Os porcos”, está correto o que se some em:

01. Delimita-se o a fronteira limite entre o real e o trágico, procurando descrever ao


longo do enredo situações representativas que delinearão um universo temático no
qual o suspense passa a se configurar como um dos aspectos principais.

02. As primeiras linhas desse conto, já se configuram por uma intriga, uma situação
crítica que, de certa forma, já constituem as bases do elemento trágico, que se
consagra absoluto, ao final do texto.

04. O relacionamento familiar conturbado não contribui para a tensão que se


desenvolve até o ponto mais desesperador, quando Umbelina finalmente deixa o
filho para morrer na porta da casa do verdadeiro pai.

08. Há a presença de uma personagem – Umbelina – que, por meio de um narrador


onisciente, deixará transparecer, ao leitor, todos os sentimentos presentes em seu
íntimo.

16. É por meio da ira, que o elemento surpresa, aliado ao viés da crueldade,
começa a fazer parte do enredo, revelando sentimentos de mal-estar que estarão
presentes até o final do texto.

QUESTÃO 06

“Com uma linguagem leve e simples, Júlia Lopes de Almeida cativou seu público:
escreveu e publicou mais de 40 volumes entre romances, contos, narrativas,
literatura infantil, crônicas e artigos. Foi abolicionista e republicana além de mostrar,
em suas obras, ideias feministas e ecológicas.”
(Fonte: http://www.biblio.com.br/conteudo/Julialopesdealmeida/molduraobras.htm)

Considerando o texto apresentado, some o que for correto a respeito aos contos
presentes na obra “Ânsia Eterna”.

01. A sensibilidade relativa às cores é explorada no conto “A nevrose da cor”, visto


que a protagonista alimenta uma paranoia ligada às cores fortes que compõem um
jardim mágico.
02. Nos contos “Pela pátria” e “O futuro presidente”, o nacionalismo ufanista
ressalta a personalidade das protagonistas que se doam para atender os interesses
do país sem questionamentos críticos.

04. No conto “Perfil de Preta”, dedicado a Machado de Assis, percebemos aspectos


relacionados ao trabalho nos engenhos de mandioca e à mão de obra escrava
utilizada naquela época histórica.

08. Em “A alma das flores”, a autora explora a sinestesia do leitor através das visões
do protagonista Adolfo, pois as visões que ele tem são o jeito de ele sentir o aroma
das flores.

16. Dr. Paula Guedes comanda uma família tradicional no conto “O último discurso”.
Ele prepara uma apresentação final, expondo sua opinião sobre os processos
políticos que levaram o país a uma corrida armamentista.

QUESTÃO 07

“Entre aquela variedade infinita de aromas e de tons, aqui e ali, rumas de pentes
de todos os feitios, da mais fina tartaruga ao mais negro búfalo, do melhor marfim
ao mais grosseiro osso. Pendentes e cuidadosamente alisadas, tranças negras,
castanhas, loiras, grisalhas, restos de uma multidão incógnita, destroçada, perdida
na noite escura da miséria, na podridão da vala-comum, nas enfermarias dos
hospitais, ou nas celas das penitenciárias.”

Considerando a análise do trecho do conto “Ondas de ouro”, bem como sua leitura
integral, some o que for verdadeiro.

01. A autora explora o abandono e a solidão, em uma abordagem de aspectos


estéticos que ressaltam as relações familiares destruídas pelo vício no álcool.

02. Há, no fundo da narrativa, uma ironia, pelo fato de a atriz achar que o aplauso
exagerado se dera devido à sua performance.

04. O amor paterno e a morbidez mesclam o gótico com o naturalismo, numa


história fúnebre e triste.

08. O relacionamento entre pai e filha é abalado pela presença do ciúme, uma vez
que a atriz deseja se sobressair em sua interpretação para impressionar a plateia.

16. Há algo de mórbido naquela espécie de oficina, que se alimenta de despojos


de pessoas que se foram de maneiras trágicas.

QUESTÃO 08

São aspectos em comum presentes nos contos “O último raio de luz” e “InExtremis”:

01. As personagens que são violadas em seus direitos mais básicos de respeito e
de amor, levando-as a comportamentos extremos e desesperados.
02. O amor profundo e não realizado, mantido de forma velada, causador de
frustrações e sofrimento.

04. A linguagem regionalizada que se estrutura em expressões coloquiais


representativas de uma cultura interiorana paulista.

08. O final brusco e trágico que permeia os dois contos e exploram atos movidos
pelo impulso passional.

16. Os cenários bucólicos que influenciam o comportamento das personagens e


estabelecem interação entre indivíduo e natureza.

QUESTÃO 09

Sobre Júlia Lopes de Almeida e sua obra “Ânsia Eterna”, está correto somar:

01. Percebe-se, nos contos reunidos, que Júlia Lopes de Almeida é uma escritora
que se utiliza de aspecto realista, naturalista, feminista e abolicionista para a
elaboração dos enredos.

02. As características pertinentes à obra de Júlia Lopes, retoma aspectos do


Classicismo como o racionalismo e a objetividade, priorizando a religiosidade e os
valores existenciais.

04. Os contos apresentam temas importantes e de projeção social como a violência


familiar, o preconceito e o amor incondicional.

08. As relações familiares complexas e trágicas, a tensão entre o amor à família e


o amor à nação são pontos explorados em alguns de seus contos.

16. A autora explora uma linguagem coloquial com termos eruditos para a
estruturação dos discursos narrativos.

QUESTÃO 10

Some o que for pertinente ao conto “O caso de Ruth”.

01. A tragédia já se encontra demarcada desde as primeiras linhas do texto; na


verdade, o perfil trágico do texto já está escrito no próprio título que nomeia o conto.

02. O desfecho dessa narrativa inicia-se por uma sequência sutil que evolui para
uma finalização trágica, podendo causar ao leitor uma relativa satisfação.

04. O abuso sexual, a situação da mulher e a hipocrisia social (as aparências x a


essência) estruturam um enredo forte e inesperado.

08. Há uma desconstrução da beleza feminina, de modo a colocar a mulher como


a verdadeira culpada pela sua desgraça.
16. As relações pessoais representadas no conto pautam-se em valores sociais
vigentes na época como, por exemplo, a necessidade de a mulher manter-se casta
para ser digna do casamento.

GABARITO
QUESTÃO 01
GABARITO: 01 + 04 + 08

QUESTÃO 02
GABARITO: 02 + 04 + 16

QUESTÃO 03
GABARITO: 01 + 04 + 08 + 16

QUESTÃO 04
GABARITO: 01 + 02 + 16

QUESTÃO 05
GABARITO: 01 + 02 + 08 + 16

QUESTÃO 06
GABARITO: 04 + 08

QUESTÃO 07
GABARITO: 02 + 04 + 16

QUESTÃO 08
GABARITO: 02 + 08

QUESTÃO 09
GABARITO: 01 + 04 + 08

QUESTÃO 10
GABARITO: 02 + 04

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