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Proc. nº 782/18.3T8BJA
CONCLUSÃO - 19-10-2020
=CLS=
**
*
SENTENÇA
I-
a) Identificação das partes
Autor:
CARLOS FILIPE BANZA MARTINS, residente na Estrada Nacional 259, lote 9,
Figueira de Cavaleiros.
Ré:
COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, S.A., com sede na Rua
Andrade Corvo, n.º 32, Lisboa.
PEDIDO
Deve a presente acção ser julgada provada e procedente e consequentemente a ré
companhia de seguros Allianz Portugal, S.A condenada a pagar ao autor Carlos Filipe
Banza Martins a quantia de 327 677,73 Euros, acrescido de juros à taxa legal contados
desde a citação ou,
Em alternativa,
Tribunal Judicial da Comarca de Beja
Juízo Central Cível e Criminal de Beja - Juiz 2
Largo Eng. Duarte Pacheco
7801-960 Beja
Telef: 284314480 Fax: 284090149 Mail: beja.judicial@tribunais.org.pt
Proc. nº 782/18.3T8BJA
Na referida quantia 327 677,73 Euros actualizada de acordo com a taxa da inflação
ou os índices de preços por forma a corrigir a desvalorização da moeda, desde a data de
propositura da acção e até à douta sentença e em juros à taxa legal contados após a mesma.
b) Objecto do litígio
Responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação.
c) Questões a decidir
1) Dinâmica do acidente e manobras efectuadas por cada um dos condutores;
2) Lesões, dores, incapacidades e limitações decorrentes das lesões e sequelas que
sofreu com o acidente.
3) Outros danos morais sofridos pelo autor decorrentes do acidente.
4) Rendimentos auferidos pelo A. antes do acidente;
5) Perda da capacidade de ganho do mesmo;
6) Nexo causal entre as lesões sofridas pelo autor e o acidente.
*
II- Fundamentos da acção
a- Factos provados
Com relevo para a boa decisão da presente causa resultaram provados os seguintes
factos:
1. No dia 20 de Setembro de 2015, pelas 11 horas e 25 minutos, na Estrada Municipal
1088, ao seu KM “0”, junto a Monte Viegas, freguesia de Alcaria Ruiva, concelho de
Mértola, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes as seguintes
duas viaturas:
Viatura ligeira de mercadorias, matrícula 15-08-PZ, conduzida por Joaquim
Manuel dos Santos Izidoro;
Viatura ligeira de mercadorias, matrícula 60-MN-67, conduzida pelo autor
Carlos Filipe Banza Martins.
2. A primeira viatura estava segura na companhia de seguros ré, “Allianz Portugal, SA”
e a segunda viatura estava segura na companhia de seguros “Açoreana Seguros, SA”;
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35. É previsível que o autor viva até perto dos 79 anos de idade;
36. Por sentença do Juízo de Trabalho de Beja, no âmbito do processo 1549/16.9T8BJA,
ao autor foi atribuída uma indemnização por acidente de trabalho que após os cálculos
de remição foi definida em 13.755,14 Euros e 6.372,13 Euros, isto é um capital de
20.127,27 Euros;
37. Foi ainda atribuída ao autor a quantia de € 7.594,94 a título de indemnização por
incapacidade temporária para o trabalho.
*
b- Factos não provados
Da discussão da causa e com interesse para a boa decisão da mesma não resultou provado
que:
A) O Autor invadiu parte da metade direita da faixa por onde seguia o veiculo segurado
da Ré;
B) O autor foi sempre acompanhado pelo médico da companhia de seguros “Açoreana”,
no Centro Clínico de Beja (Dr. Gaspar Cano), com início em 23 de Setembro de
2015, tendo estado cerca de um mês com incapacidade absoluta, período após o qual
teve alta;
C) O autor tentou retomar a actividade profissional, chegando a exercer funções
profissionais durante cerca de 3 ou 4 meses, após o que apresentou de novo queixas,
nomeadamente de dificuldade de exercer qualquer função profissional e pessoal, de
conduzir, de andar no campo, de manter concentração e vestir-se, de calçar-se e de
higiene pessoal, e por isso se viu na necessidade de suspender qualquer tipo de
actividade;
D) Por queixas álgicas em ambos os joelhos (com mais incidência no direito), foi
solicitada ecografia pela médica assistente de Medicina Geral e Familiar;
E) Após recepção de relatório de ressonância magnética (RMN) ao joelho direito o autor
foi encaminhado para a clínica GIGA;
F) O autor foi avaliado nessa Clínica em Março/Abril 2016, pelo Dr. Beja da Costa, que
solicitou nova RMN, que fez no SAMS;
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G) O autor foi internado no dia da cirurgia de manhã, tendo tido alta no dia seguinte ao
almoço, locomovendo-se com duas muletas canadianas, com indicação para descarga;
H) O autor fez descarga durante dois meses, sendo reavaliado quinzenalmente na clínica
GIGA;
I) O autor iniciou tratamentos de reabilitação no Centro Clínico de Fisioterapia, em
Beja, em 12 de Junho de 2016 tendo sido transferido para o centro Clínico de
Fisioterapia em Santiago do Cacém;
J) O autor retomou os tratamentos de reabilitação no Centro Clínico de Fisioterapia em
Santiago do Cacém, ao final de uma semana, que realizou até Janeiro de 2017;
K) O autor iniciou quadro de acufenos, tendo sido avaliado por médico
otorrinolaringologista privado em Coimbra e passou a utilizar um aparelho auditivo
em cada um dos ouvidos;
L) O Autor não apresenta antecedentes familiares patológicos.
*
Análise crítica da prova
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou do acordo das partes,
dos depoimentos das testemunhas inquiridas, dos documentos juntos aos autos e da
conjugação de todos os elementos com as regras da experiência comum e da lógica.
A audiência de julgamento decorreu com registo da prova. Essa circunstância reveste
nesta fase de utilidade, já que dispensa o relatório detalhado das declarações, depoimentos e
esclarecimentos nela prestados.
Assim, os factos relativos à ocorrência do acidente, à configuração do local em que o
mesmo ocorreu e as condições que se verificavam no momento não se mostravam
controvertidos.
Os factos relativos à dinâmica do acidente resultam essencialmente do depoimento da
testemunha Joaquim Isidoro, condutor do veículo seguro na ré. Referiu a referida testemunha
que invadiu “um bocadinho” a hemifaixa de rodagem por onde circulava o veículo conduzido
pelo autor, que se encontrava nessa faixa. A testemunha foi clara ao referir que o autor
manteve o seu veículo na hemifaixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito que seguia.
Referiu ainda não se ter apercebido da presença do veículo conduzido pelo autor.
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Assim, ponderada toda a factualidade que resultou provada a este respeito e que já se
assinalou, temos por equitativo e adequado atribuir ao autor a quantia de € 25.000,00 relativa
a indemnização pelos danos não patrimoniais.
Em relação à indemnização do dano biológico: dano biológico traduz-se na
diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.
O dano biológico pode ser ressarcido como dano patrimonial ou como dano moral. A
situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro,
durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de
ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou
intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.
Veja-se a este propósito o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2017, proc. n.º
505/15.9T8AVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt:
“Por dano biológico deve entender-se qualquer lesão da integridade psicofísica que
possa prejudicar quaisquer atividades, situações e relações da vida pessoal do sujeito, não
sendo necessário que se refira apenas à sua esfera produtiva, abrangendo igualmente a
espiritual, cultural, afetiva, social, desportiva e todas as demais nas quais o indivíduo
procura desenvolver a sua personalidade, «[C]om efeito, o dano biológico é constituído pela
lesão à integridade físico-psíquica, à saúde da pessoa em si e por si considerada,
independentemente das consequências de ordem patrimonial. Abrange as tarefas quotidianas
que a lesão impede ou dificulta e as repercussões negativas em qualquer domínio em que se
desenvolva a personalidade humana. A lesão à saúde constitui prova, por si só, da existência
do dano .O dano biológico constitui, nesta medida, "um dano base ou dano central, um
verdadeiro dano primário, sempre presente em caso de lesão da integridade físico-psíquica, e
sempre lesivo do bem saúde"; se, para além desse dano, se verifica um concreto dano à
capacidade laboral da vítima, este já é um "dano sucessivo ou ulterior e eventual; não um
dano evento, mas um dano consequência", representando "um ulterior coeficiente ou plus de
dano a acrescentar ao dano corporal". Assim, mais do que a afectação da capacidade de
ganho, susceptível de se repercutir numa perda de rendimento, que no caso não se provou,
importa considerar o dano corporal em si, o sofrimento psico-somático que afecta a
disponibilidade do autor para o desempenho de quaisquer actividades do seu dia-a-dia.
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Trata-se, pois, de indemnizar o dano corporal sofrido a se, quantificado por referência a um
índice 100 (integridade físico-psíquica total), e não qualquer perda efectiva de rendimento ou
da concreta privação da capacidade de angariação de réditos. É este o entendimento que tem
vindo a prevalecer na doutrina e na jurisprudência», apud Ac STJ de 13 de Maio de 2014
(Relator Pinto de Almeida, aqui primeiro Adjunto), in SASTJ.
Daí a afirmação de que o dano biológico não constitui uma nova categoria de dano à
pessoa, mas constitui sua própria essência; a inovação está na sua reparabilidade em
qualquer caso e independentemente das consequências morais e patrimoniais que, da
redução da capacidade laborativa, dele possam derivar.
Em suma, se não existir o dano biológico no caso concreto, não há dano ressarcível;
se existe um dano biológico, então deve ser ressarcido e eventualmente deverá ser ressarcido
também o dano patrimonial em razão de redução da capacidade laborativa, no caso de ficar
demonstrada a sua existência e sua relação causal com aquele biológico e sendo a saúde um
direito fundamental do cidadão, previsto expressamente no artigo 25º da Constituição, o qual
é tutelado pelo direito, contra qualquer tipo de agressão.“
Veja-se agora a propósito do cálculo da indemnização pelo dano biológico o Ac. do
Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2016, proc. n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, disponível em
www.dgsi.pt:
Sendo inquestionável que o dever de indemnizar que recai sobre o lesante compreende
os danos futuros, desde que previsíveis, quer se traduzam em danos emergentes ou em lucros
cessantes, nos termos do art. 564º do CC, está fundamentalmente em causa o método de
cálculo que deve ser adoptado para o cômputo da respectiva indemnização, cumprindo
reconhecer que tal matéria suscita problemas particularmente delicados nos casos, como o
dos autos, em que o lesado se encontrava ainda numa fase absolutamente inicial da sua vida
profissional, seriamente afectada pelas irremediáveis sequelas das lesões físicas sofridas –
envolvendo a necessidade de realizar previsões que abrangem muitíssimo longos períodos
temporais, lidando com dados que – nos planos social e macro económico - são, em bom
rigor, absolutamente imprevisíveis no médio e longo prazo (por ex., evolução das taxas de
inflação ou da taxa de juro, alterações nas relações laborais e níveis remuneratórios,
possíveis ganhos de produtividade ao longo de décadas, etc.)
Tribunal Judicial da Comarca de Beja
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Proc. nº 782/18.3T8BJA
Proc. nº 782/18.3T8BJA
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artigo 566° do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805°, nº
3, (interpretado restritivamente) e 806°, n° l, também do Código Civil, a partir da decisão
actualizadora, e não a partir da citação.”)
*
III- DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga a acção procedente por provada e
consequentemente condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 39.872,73 (trinta e
nove mil oitocentos e setenta e dois euros e setenta e três cêntimos) acrescida de juros de
mora à taxa legal em vigor.
Custas pelo Autor na proporção de 88% e pela Ré na de 12%.
Registe e notifique.
*
Beja, data certificada pelo sistema
(texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária)