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Assinado em 29-12-2020, por

Maria das Mercês Nascimento, Juiz de Direito

Tribunal Judicial da Comarca de Beja


Juízo Central Cível e Criminal de Beja - Juiz 2
Largo Eng. Duarte Pacheco
7801-960 Beja
Telef: 284314480 Fax: 284090149 Mail: beja.judicial@tribunais.org.pt

Proc. nº 782/18.3T8BJA

Ação de Processo Comum


31340966

CONCLUSÃO - 19-10-2020

(Termo eletrónico elaborado por Escrivão Auxiliar Aureliano Palma)

=CLS=

**
*
SENTENÇA

I-
a) Identificação das partes

Autor:
CARLOS FILIPE BANZA MARTINS, residente na Estrada Nacional 259, lote 9,
Figueira de Cavaleiros.

Ré:
COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, S.A., com sede na Rua
Andrade Corvo, n.º 32, Lisboa.

PEDIDO
Deve a presente acção ser julgada provada e procedente e consequentemente a ré
companhia de seguros Allianz Portugal, S.A condenada a pagar ao autor Carlos Filipe
Banza Martins a quantia de 327 677,73 Euros, acrescido de juros à taxa legal contados
desde a citação ou,
Em alternativa,
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Na referida quantia 327 677,73 Euros actualizada de acordo com a taxa da inflação
ou os índices de preços por forma a corrigir a desvalorização da moeda, desde a data de
propositura da acção e até à douta sentença e em juros à taxa legal contados após a mesma.

b) Objecto do litígio
Responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação.

c) Questões a decidir
1) Dinâmica do acidente e manobras efectuadas por cada um dos condutores;
2) Lesões, dores, incapacidades e limitações decorrentes das lesões e sequelas que
sofreu com o acidente.
3) Outros danos morais sofridos pelo autor decorrentes do acidente.
4) Rendimentos auferidos pelo A. antes do acidente;
5) Perda da capacidade de ganho do mesmo;
6) Nexo causal entre as lesões sofridas pelo autor e o acidente.
*
II- Fundamentos da acção
a- Factos provados
Com relevo para a boa decisão da presente causa resultaram provados os seguintes
factos:
1. No dia 20 de Setembro de 2015, pelas 11 horas e 25 minutos, na Estrada Municipal
1088, ao seu KM “0”, junto a Monte Viegas, freguesia de Alcaria Ruiva, concelho de
Mértola, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes as seguintes
duas viaturas:
 Viatura ligeira de mercadorias, matrícula 15-08-PZ, conduzida por Joaquim
Manuel dos Santos Izidoro;
 Viatura ligeira de mercadorias, matrícula 60-MN-67, conduzida pelo autor
Carlos Filipe Banza Martins.
2. A primeira viatura estava segura na companhia de seguros ré, “Allianz Portugal, SA”
e a segunda viatura estava segura na companhia de seguros “Açoreana Seguros, SA”;
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3. O A. tripulava o 60-MN-67 na execução de ordens recebidas pela Tractomoz


Tractores e Máquinas Agrícolas de Estremoz S.A., sua entidade patronal e
proprietária do mesmo;
4. A viatura conduzida pelo autor seguia pela sua mão, na faixa direita atendendo ao seu
sentido de marcha, quando a viatura PZ, saiu da sua faixa de rodagem, invadiu a faixa
de rodagem contrária e o embateu de frente;
5. O embate das duas viaturas ocorreu na faixa de rodagem da viatura do autor;
6. Na altura, estava bom tempo, o piso encontrava-se alcatroado em bom estado de
conservação;
7. Após o acidente o autor foi transportado, com imobilização lateral e cervical, para o
hospital de Beja, Hospital Distrital José Joaquim Fernandes, onde foi sendo avaliado
clínica e imagiologicamente (radiografias do membro superior direito e joelhos), e lhe
foram desinfectadas as lesões que apresentava e colocado pensos;
8. O autor após ter efectuado uma ecografia teve alta;
9. Dois dias após o evento recorreu, novamente, ao Serviço de Urgência do hospital de
Beja, por queixas álgicas, insónias e pesadelos relacionados com o evento, tendo sido
medicado com analgésico e Lexotan, 1 comprimido 3 vezes por dia, durante cerca de
um mês, passando depois a fazer 1 comprimido uma vez ao dia, à noite, acompanhado
de Victan3 em SOS;
10. O autor realizou uma artroscopia em 07 de Julho de 2016;
11. Manteve queixas álgicas e limitações na mobilidade do joelho direito pelo que
realizou nova RMN do joelho direito e em 16 de Novembro de 2016, foi novamente
submetido a artroscopia;
12. Actualmente sofre de uma gonalgia direita com limitações na mobilidade do joelho
direito, apresenta rigidez do joelho e dor à palpação;
13. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 07.02.2017;
14. O período de défice funcional temporário total é fixável em 238 dias;
15. O período de défice funcional temporário parcial é fixável em 98 dias
16. O período de repercussão temporária na actividade profissional total é fixável em 238
dias;
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17. O período de repercussão temporária na actividade profissional parcial é fixável em


98 dias;
18. O quantum doloris é fixável no grau 4/7;
19. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 8 pontos;
20. Em termos de repercussão permanente na actividade profissional as sequelas são
compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicam
esforços suplementares;
21. Apresenta um dano estético permanente fixável no grau 1/7;
22. A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau
3/7;
23. Necessita de tratamentos médicos regulares;
24. Antes do acidente o Autor era saudável;
25. Praticava vários tipos de actividades não profissionais, nomeadamente equitação e
desportos ao ar livre;
26. O autor era uma pessoa alegre e comunicativa;
27. Após o acidente passou a isolar-se e a distanciar-se da família, amigos, colegas de
trabalho e clientes;
28. Actualmente apresenta perturbações persistentes do humor com ligeira repercussão na
autonomia pessoal, social e profissional, com atribuição de 6 pontos;
29. Apresenta perturbações do sono
30. Na altura do acidente, o autor tinha a categoria profissional de trabalhador por conta
de terceiro e era técnico de vendas, recebendo a sua remuneração a título de trabalho
dependente e independente;
31. Em 2014 o autor auferiu como rendimentos de trabalho dependente 15.873,56 Euros e
como rendimentos de trabalho independente 22.769,53 Euros;
32. O autor auferiu em 2015 como rendimentos de trabalho dependente 29.552,76 Euros
e como rendimentos de trabalho independente 3.513,48 Euros;
33. O autor auferiu em 2016 como rendimentos de trabalho dependente 19.862,65 Euros
e como rendimentos de trabalho independente 1.466,78 Euros;
34. O autor no momento do acidente tinha 44 anos de idade;
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35. É previsível que o autor viva até perto dos 79 anos de idade;
36. Por sentença do Juízo de Trabalho de Beja, no âmbito do processo 1549/16.9T8BJA,
ao autor foi atribuída uma indemnização por acidente de trabalho que após os cálculos
de remição foi definida em 13.755,14 Euros e 6.372,13 Euros, isto é um capital de
20.127,27 Euros;
37. Foi ainda atribuída ao autor a quantia de € 7.594,94 a título de indemnização por
incapacidade temporária para o trabalho.
*
b- Factos não provados
Da discussão da causa e com interesse para a boa decisão da mesma não resultou provado
que:
A) O Autor invadiu parte da metade direita da faixa por onde seguia o veiculo segurado
da Ré;
B) O autor foi sempre acompanhado pelo médico da companhia de seguros “Açoreana”,
no Centro Clínico de Beja (Dr. Gaspar Cano), com início em 23 de Setembro de
2015, tendo estado cerca de um mês com incapacidade absoluta, período após o qual
teve alta;
C) O autor tentou retomar a actividade profissional, chegando a exercer funções
profissionais durante cerca de 3 ou 4 meses, após o que apresentou de novo queixas,
nomeadamente de dificuldade de exercer qualquer função profissional e pessoal, de
conduzir, de andar no campo, de manter concentração e vestir-se, de calçar-se e de
higiene pessoal, e por isso se viu na necessidade de suspender qualquer tipo de
actividade;
D) Por queixas álgicas em ambos os joelhos (com mais incidência no direito), foi
solicitada ecografia pela médica assistente de Medicina Geral e Familiar;
E) Após recepção de relatório de ressonância magnética (RMN) ao joelho direito o autor
foi encaminhado para a clínica GIGA;
F) O autor foi avaliado nessa Clínica em Março/Abril 2016, pelo Dr. Beja da Costa, que
solicitou nova RMN, que fez no SAMS;
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G) O autor foi internado no dia da cirurgia de manhã, tendo tido alta no dia seguinte ao
almoço, locomovendo-se com duas muletas canadianas, com indicação para descarga;
H) O autor fez descarga durante dois meses, sendo reavaliado quinzenalmente na clínica
GIGA;
I) O autor iniciou tratamentos de reabilitação no Centro Clínico de Fisioterapia, em
Beja, em 12 de Junho de 2016 tendo sido transferido para o centro Clínico de
Fisioterapia em Santiago do Cacém;
J) O autor retomou os tratamentos de reabilitação no Centro Clínico de Fisioterapia em
Santiago do Cacém, ao final de uma semana, que realizou até Janeiro de 2017;
K) O autor iniciou quadro de acufenos, tendo sido avaliado por médico
otorrinolaringologista privado em Coimbra e passou a utilizar um aparelho auditivo
em cada um dos ouvidos;
L) O Autor não apresenta antecedentes familiares patológicos.
*
Análise crítica da prova
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou do acordo das partes,
dos depoimentos das testemunhas inquiridas, dos documentos juntos aos autos e da
conjugação de todos os elementos com as regras da experiência comum e da lógica.
A audiência de julgamento decorreu com registo da prova. Essa circunstância reveste
nesta fase de utilidade, já que dispensa o relatório detalhado das declarações, depoimentos e
esclarecimentos nela prestados.
Assim, os factos relativos à ocorrência do acidente, à configuração do local em que o
mesmo ocorreu e as condições que se verificavam no momento não se mostravam
controvertidos.
Os factos relativos à dinâmica do acidente resultam essencialmente do depoimento da
testemunha Joaquim Isidoro, condutor do veículo seguro na ré. Referiu a referida testemunha
que invadiu “um bocadinho” a hemifaixa de rodagem por onde circulava o veículo conduzido
pelo autor, que se encontrava nessa faixa. A testemunha foi clara ao referir que o autor
manteve o seu veículo na hemifaixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito que seguia.
Referiu ainda não se ter apercebido da presença do veículo conduzido pelo autor.
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Os factos relativos às lesões sofridas pelo autor e consequentemente as intervenções e


os tratamentos a que foi sujeito resultam essencialmente do relatório da perícia médico-legal.
As testemunhas Hélia Correia e José Miguel Banza referiram-se essencialmente às
consequências das lesões provocadas pelo acidente na personalidade do autor e ao impacto de
tais lesões quer a nível profissional quer a nível pessoal, impossibilitando-o de realizar
actividades de lazer que anteriormente praticava.
O Tribunal levou ainda em consideração a participação de acidente de viação, a
apólice do contrato de seguro, as declarações de rendimento do autor, as duas fichas de
episódio de urgência do Hospital José Joaquim Fernandes, a informação junta pela ré e os
elementos relativos ao processo que correu no Juízo do Trabalho de Beja.
Quanto aos factos não provados, o Tribunal assim os considerou por não ter sido feita
prova da respectiva verificação. O primeiro resulta infirmado pelos factos provados relativos à
dinâmica do acidente,
Quanto aos factos B a K inexiste qualquer elemento de prova nos autos que demonstre
a sua verificação.
O facto L resulta informado pelo teor do relatório da perícia médico-legal.
Para concluir diga-se que a testemunha o militar da GNR Manuel Cipriano nada
acrescentou ao que já resultava da participação de acidente de viação, sendo certo que não
presenciou o acidente.
A testemunha José Godinho Feio colocou em causa as conclusões vertidas no relatório
da perícia médico-legal. Sucede que a ré teve a oportunidade de reclamar de tal relatório, não
o tendo feito. Acresce que o perito que o elaborou oferece ao Tribunal maiores garantias de
imparcialidade que a referida testemunha.
Pela mesma razão não valorámos o relatório junto aos autos pelo autor a fls. 182v, que
de resto apresenta discrepâncias assinaláveis relativamente ao relatório da perícia médico-
legal.
*
2- O Direito
Estamos perante uma acção declarativa de condenação.
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Atenta a causa de pedir invocada pelo autor estamos perante um caso de


responsabilidade extracontratual por facto ilícito.
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 483º do Código Civil, “aquele que, com dolo
ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a
proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da
violação”.
De acordo com o nº 2 da mesma norma, “só existe obrigação de indemnizar
independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
Consagram-se neste preceito os pressupostos da responsabilidade extracontratual por
factos ilícitos, pressupostos esses que podem sintetizar-se em cinco elementos constitutivos:
- o facto voluntário do agente;
- a ilicitude, que pode traduzir-se na violação do direito de outrem ou na violação de
uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
- o nexo de imputação do facto ao agente lesante;
- a produção do dano, que pode ser patrimonial ou não patrimonial, consoante seja ou
não susceptível de avaliação pecuniária;
- e, por último, um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano
sofrido pela vítima.
O dever de indemnizar só existe quando estes requisitos se verifiquem
cumulativamente.
A primeira questão a resolver nos presentes autos é a de saber a qual dos
intervenientes deve ser assacada a responsabilidade pela produção do acidente.
De acordo com a prova produzida é forçoso concluir que o facto produziu-se com
intervenção humana. E, se o facto (positivo ou negativo) relevante para efeitos de
responsabilidade civil tem de ser voluntário – no sentido que tem de depender da vontade, de
ser controlável ou dominável por ela –, não restam dúvidas que, no caso, está-se perante um
facto ou comportamento humano desse género.
Para que ao lesante seja imputada a responsabilidade pelos efeitos danosos do facto
voluntariamente praticado, necessário se torna que a respectiva conduta se traduza numa
actuação desconforme com o ordenamento jurídico e, neste sentido, reprovada pelo Direito.
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De acordo com o preceituado no artigo 486.º, n.º 1 do Código Civil, o carácter


antijurídico do facto praticado é revelado pela violação, quer dos direitos subjectivos de
outrem, como de disposições destinadas a proteger interesses alheios, exigindo-se, neste caso,
que a norma violada tutele directamente interesses particulares e que o dano verificado se
situe no círculo daqueles que a norma visa ao tutelar interesses privados.
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, que as infracções ao Código da
Estrada que não se mostrem devidamente legitimadas, violam disposições legais destinadas a
proteger interesses alheios.
Dispõe o artigo 3.º, n.º 2 Código de Estrada que as pessoas devem abster-se de actos
que comprometam a segurança dos utentes da via.
A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem
– art.º 13º, n.º 1 do mesmo Código.
Em face dos factos provados é forçoso concluir que o condutor seguro pela ré
provocou o acidente em causa nos autos, já que invadiu a hemifaixa de rodagem pela qual
circulava o veículo conduzido pelo autor, embatendo-o.
É certo que impende sobre o autor a presunção de culpa na produção do acidente
resultante da previsão do n.º 3 do art.º 503º do Cód. Civil, que prevê que “aquele que conduzir
o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não
houve culpa da sua parte”. Sucede que tal presunção foi afastada em face da demonstração
da culpa efectiva do segurado da ré na produção do acidente.
Assim a ré encontra-se obrigada a indemnizar os autores pelos danos sofridos em
consequência do referido acidente.
*
Importa agora definir o montante da indemnização a atribuir ao autor.
Dispõe o art.º 562º do Cód. Civil que quem estiver obrigado a reparar um dano deve
reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à
reparação.
O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que
o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Na fixação da indemnização pode o
tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis – art.º 564º do mesmo Código.
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Pretende o autor ser indemnizado nos seguintes termos:


a. Pelo dano não patrimonial sofrido no período de incapacidade absoluta e pelo dano
não patrimonial resultante da incapacidade parcial temporária até à fixação da incapacidade
parcial permanente, no qual se incluirá a indemnização pelo dano sofrido quantum doloris;
b. Pelo dano não patrimonial sofrido e resultante das incapacidades genérica e
profissional parciais e permanentes, no qual se incluirá a indemnização pelo dano não
patrimonial estético e pelo dano não patrimonial de afirmação pessoal;
c. Indemnização pelo dano patrimonial sofrido no período de incapacidade genérica
temporária absoluta e pelo dano resultante da incapacidade genérica parcial permanente.
Quanto aos danos morais sofridos na sequência das lesões provocadas pelo acidente
diga-se o seguinte: o autor sofreu um período de reabilitação considerável, considerando a
natureza das lesões que sofreu suportou inevitavelmente dores, tendo vivenciado sofrimento
físico e psicológico. À data do acidente era um homem saudável, alegre e extrovertido, que
não sofria de qualquer limitação ou anomalia física nem psíquica. Face aos factos provados
conclui-se que o autor viu a sua personalidade alterada em consequência do acidente.
Praticava desporto, o que deixou de fazer.
Sabemos que os danos não patrimoniais indemnizáveis são aqueles que, pela sua
gravidade, merecem a tutela do direito – cfr. artº 496º nº 1 do CC – estando-se, no caso de
ressarcimento por tais danos, não perante uma verdadeira indemnização, no exacto sentido
de que esta visa, essencialmente, uma reintegração no património do lesado, mas perante a
atribuição de um determinado montante pecuniário que permitia ao lesado alcançar uma
compensação para a dor, para os males sofridos. O critério legal de fixação é o recurso à
equidade, atendendo ao grau de culpa do responsável, situação económica do lesante e do
lesado e, entre as circunstâncias do caso, à gravidade do dano a que a compensação deve ser
proporcionada, dentro de critérios objectivos – cfr. artºs. 496º e 494º CC (…)Tais
compensações devem ter um alcance significativo e não meramente simbólico, sendo a
prática jurisprudencial em situações análogas um elemento a ponderar na compensação a
fixar (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 02.05.2013, proc. n.º 73/08.8TBVPT.L1-2,
disponível em www.dgsi.pt).
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Assim, ponderada toda a factualidade que resultou provada a este respeito e que já se
assinalou, temos por equitativo e adequado atribuir ao autor a quantia de € 25.000,00 relativa
a indemnização pelos danos não patrimoniais.
Em relação à indemnização do dano biológico: dano biológico traduz-se na
diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.
O dano biológico pode ser ressarcido como dano patrimonial ou como dano moral. A
situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro,
durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de
ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou
intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.
Veja-se a este propósito o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2017, proc. n.º
505/15.9T8AVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt:
“Por dano biológico deve entender-se qualquer lesão da integridade psicofísica que
possa prejudicar quaisquer atividades, situações e relações da vida pessoal do sujeito, não
sendo necessário que se refira apenas à sua esfera produtiva, abrangendo igualmente a
espiritual, cultural, afetiva, social, desportiva e todas as demais nas quais o indivíduo
procura desenvolver a sua personalidade, «[C]om efeito, o dano biológico é constituído pela
lesão à integridade físico-psíquica, à saúde da pessoa em si e por si considerada,
independentemente das consequências de ordem patrimonial. Abrange as tarefas quotidianas
que a lesão impede ou dificulta e as repercussões negativas em qualquer domínio em que se
desenvolva a personalidade humana. A lesão à saúde constitui prova, por si só, da existência
do dano .O dano biológico constitui, nesta medida, "um dano base ou dano central, um
verdadeiro dano primário, sempre presente em caso de lesão da integridade físico-psíquica, e
sempre lesivo do bem saúde"; se, para além desse dano, se verifica um concreto dano à
capacidade laboral da vítima, este já é um "dano sucessivo ou ulterior e eventual; não um
dano evento, mas um dano consequência", representando "um ulterior coeficiente ou plus de
dano a acrescentar ao dano corporal". Assim, mais do que a afectação da capacidade de
ganho, susceptível de se repercutir numa perda de rendimento, que no caso não se provou,
importa considerar o dano corporal em si, o sofrimento psico-somático que afecta a
disponibilidade do autor para o desempenho de quaisquer actividades do seu dia-a-dia.
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Trata-se, pois, de indemnizar o dano corporal sofrido a se, quantificado por referência a um
índice 100 (integridade físico-psíquica total), e não qualquer perda efectiva de rendimento ou
da concreta privação da capacidade de angariação de réditos. É este o entendimento que tem
vindo a prevalecer na doutrina e na jurisprudência», apud Ac STJ de 13 de Maio de 2014
(Relator Pinto de Almeida, aqui primeiro Adjunto), in SASTJ.
Daí a afirmação de que o dano biológico não constitui uma nova categoria de dano à
pessoa, mas constitui sua própria essência; a inovação está na sua reparabilidade em
qualquer caso e independentemente das consequências morais e patrimoniais que, da
redução da capacidade laborativa, dele possam derivar.
Em suma, se não existir o dano biológico no caso concreto, não há dano ressarcível;
se existe um dano biológico, então deve ser ressarcido e eventualmente deverá ser ressarcido
também o dano patrimonial em razão de redução da capacidade laborativa, no caso de ficar
demonstrada a sua existência e sua relação causal com aquele biológico e sendo a saúde um
direito fundamental do cidadão, previsto expressamente no artigo 25º da Constituição, o qual
é tutelado pelo direito, contra qualquer tipo de agressão.“
Veja-se agora a propósito do cálculo da indemnização pelo dano biológico o Ac. do
Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2016, proc. n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, disponível em
www.dgsi.pt:
Sendo inquestionável que o dever de indemnizar que recai sobre o lesante compreende
os danos futuros, desde que previsíveis, quer se traduzam em danos emergentes ou em lucros
cessantes, nos termos do art. 564º do CC, está fundamentalmente em causa o método de
cálculo que deve ser adoptado para o cômputo da respectiva indemnização, cumprindo
reconhecer que tal matéria suscita problemas particularmente delicados nos casos, como o
dos autos, em que o lesado se encontrava ainda numa fase absolutamente inicial da sua vida
profissional, seriamente afectada pelas irremediáveis sequelas das lesões físicas sofridas –
envolvendo a necessidade de realizar previsões que abrangem muitíssimo longos períodos
temporais, lidando com dados que – nos planos social e macro económico - são, em bom
rigor, absolutamente imprevisíveis no médio e longo prazo (por ex., evolução das taxas de
inflação ou da taxa de juro, alterações nas relações laborais e níveis remuneratórios,
possíveis ganhos de produtividade ao longo de décadas, etc.)
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Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por


tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de
que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida,
determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da
vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos):
adere-se inteiramente a este entendimento, já que as necessidades básicas do lesado não
cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo
manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de
dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade
mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do
lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a
segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.
Para evitar um total subjectivismo – que, em última análise, poderia afectar a
segurança do direito e o princípio da igualdade – o montante indemnizatório deve começar
por ser procurado com recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas,
cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de
um rendimento vitalício para o lesado, recebendo aplicação frequente a tabela descrita no
Ac. de 4/12/07 (p.07A3836), assente numa taxa de juro de3%.
Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado
através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar
um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade – que
naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às
circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de
variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo: evolução
provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do
rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao
longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização ( e que,
ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação»,
decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que
Tribunal Judicial da Comarca de Beja
Juízo Central Cível e Criminal de Beja - Juiz 2
Largo Eng. Duarte Pacheco
7801-960 Beja
Telef: 284314480 Fax: 284090149 Mail: beja.judicial@tribunais.org.pt

Proc. nº 782/18.3T8BJA

normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a


consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros).
Finalmente – e no nosso entendimento – não poderá deixar de ter-se em consideração
que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito
critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso
concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal
juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o
julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma
que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de
modo substancial, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser
adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a
segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais
minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.
No caso dos autos, é manifesto que o autor ficou a padecer de uma limitação, que lhe
acarreta consequências a nível da sua actividade profissional. Não é de antever que a sua
situação venha a sofrer melhorias.
Assim, atendendo a todas as circunstâncias, entendemos adequado atribuir ao autor
uma indemnização no montante de € 35.000,00 a título de indemnização pelo dano biológico.
Aparentemente o autor reclama também uma quantia a título de perdas salariais. No
entanto a indemnização pelas ITP’s já foi fixada no âmbito do processo n.º 1549/16.9T8BJA
do Juízo do Trabalho de Beja, pelo que nada mais é devido a esse título.
Importa ainda notar que o autor recebeu a quantia de € 20.127,27 a título de capital de
remição. Assim há que proceder ao desconto do referido montante na indemnização a atribuir
ao autor por forma a impedir a duplicação de indeminizações para ressarcimento dos mesmos
danos.
Nestes termos a ré deverá pagar ao autor a quantia de € 39.872,73 (trinta e nove mil
oitocentos e setenta e dois euros e setenta e três cêntimos).
Quanto aos juros estes serão calculados a partir da presente sentença (neste sentido Ac.
UJ nº 4/02 que fixou a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por
facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n° 2 do
Tribunal Judicial da Comarca de Beja
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Proc. nº 782/18.3T8BJA

artigo 566° do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805°, nº
3, (interpretado restritivamente) e 806°, n° l, também do Código Civil, a partir da decisão
actualizadora, e não a partir da citação.”)
*

III- DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga a acção procedente por provada e
consequentemente condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 39.872,73 (trinta e
nove mil oitocentos e setenta e dois euros e setenta e três cêntimos) acrescida de juros de
mora à taxa legal em vigor.
Custas pelo Autor na proporção de 88% e pela Ré na de 12%.
Registe e notifique.
*
Beja, data certificada pelo sistema
(texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária)

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