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Author, Alejandra Martins
Role, BBC News Mundo
3 fevereiro 2023
Crédito, Divulgação
Legenda da foto,
'Comemos apenas um tipo de banana, embora existam 2.000 variedades de banana',
alerta Dan Saladino
Esses e outros alimentos ameaçados de extinção são muito mais do que uma fonte de
sobrevivência, de acordo com o jornalista da BBC Dan Saladino.
Em seu livro Eating to Extinction (“Comendo até a extinção”), Saladino viajou para vários
cantos do planeta para conhecer comunidades que cultivam e preparam alimentos tão
únicos e ameaçados quanto seus estilos de vida.
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O jornalista alerta para "a imensidão do que estamos perdendo" e afirma que o nosso
atual sistema de produção alimentar altamente intensivo "está contribuindo para a
destruição do planeta".
Dan Saladino conversou com a BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC,
durante
o festival Hay Festival de Cartagena 2023, realizado na Colômbia entre 26 e 29 de janeiro.
Crédito, Divulgação
Legenda da foto,
Variedades do tubérculo oca nos Andes bolivianos
E o primeiro programa que fiz me levou para a Sicília. Fui lá esperando contar a colheita
de cítricos em tom de festa. Minha família vem da Sicília e eu sabia que as frutas cítricas
vinham impactando a cultura, a paisagem e a identidade da ilha por milhares de anos.
Mas, ao conversar com produtores das típicas laranjas da Sicília, eles me disseram que
estavam colhendo sua última safra, porque com a demanda por variedades importadas, os
pequenos agricultores não podiam mais continuar.
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BBC - Foi ali que você descobriu a iniciativa que inspirou o seu livro, o
projeto Ark of Taste?
Ele me disse que as típicas laranjas sicilianas que crescem nas encostas do vulcão Etna
seriam incluídas no catálogo do Ark of Taste (“Arca dos Sabores”). Eu nunca tinha ouvido
falar naquilo. É como uma Arca de Noé, mas com alimentos ameaçados.
A lista inclui hoje mais de 5.500 alimentos ameaçados de extinção em cerca de 150 países,
incluindo muitos nas Américas.
Foi assim que entrei no assunto dos alimentos em extinção e me apaixonei por esse
tesouro de histórias.
BBC - Algo de que gostei muito no livro é que ele nos faz ver os alimentos
ameaçados não apenas como fontes de nutrição, mas como histórias de
inovação e sobrevivência, de habilidades aprimoradas ao longo de milhares
de anos, por centenas de gerações.
No livro, conto a história de como surgiram esses alimentos e de como eles permitiram a
sobrevivência de comunidades em diferentes paisagens e terrenos.
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Crédito, Getty Images
Legenda da foto,
O banco subterrâneo de sementes de Svalbard, no Ártico norueguês, preserva cópias de
sementes de todo o mundo
BBC - Uma imagem comovente no livro é aquela contada por Cary Fowler, o
cientista que teve a ideia de criar o banco de sementes de Svalbard, no Ártico
da Noruega. Ele disse que muitos visitantes do banco de sementes saem
chorando e dizendo que "as sementes são resultado do trabalho de meus
ancestrais e também de seus ancestrais". Você vê a comida dessa maneira
quase espiritual?
São nosso patrimônio, porque dependemos dessa diversidade criada por milhares de
anos. Mas poucos conhecem essas histórias.
BBC - Você poderia nos dar uma ideia de quanta diversidade perdemos na
alimentação atualmente?
Saladino - É difícil ter dados precisos. É por isso que bancos de sementes como a de
Svalbard são uma forma de medir a diversidade que ainda existe.
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Svalbard contém milhares de amostras, por exemplo, de arroz, milho e muitas plantas
comestíveis. Tem mais de 200.000 amostras de trigo. Mas os agricultores da Europa
recebem uma lista com apenas dez variedades de trigo — que são muito semelhantes
geneticamente.
Saladino - Rachel Carson é merecidamente famosa por seu trabalho pioneiro alertando
contra o uso de pesticidas no livro Primavera silenciosa. Ela era uma bióloga marinha,
mas reconhecia a interconexão de todas as coisas.
Em todo o seu trabalho, ela quis transmitir aos leitores a beleza e a necessidade de toda a
complexidade da natureza. Os seres humanos, no entanto, têm essa tendência de
simplificar a natureza.
Muitas pessoas podem dizer: "Mas a minha alimentação é mais variada que a dos meus
avós, vou ao supermercado e compro comida de todo o mundo."
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Legenda da foto,
Podemos ter acesso a mais tipos de alimentos que nossos avós, mas todo o mundo está
comendo de forma muito homogênea, segundo alerta jornalista
Saladino - Na segunda metade do século 20, gerou-se essa crença de que questões
alimentares eram resolvidas com soluções tecnológicas, com a genética, com sistemas de
irrigação que utilizam muita água, insumos químicos e fertilizantes.
Mas, agora, percebemos que esse sistema alimentar homogêneo que criamos tem um
custo alto e gera muitas emissões de gases de efeito estufa, as quais impactam as
mudanças climáticas.
Acho que precisamos ser mais humildes e reconhecer que a ciência e a tecnologia
funcionam em um nível, mas também criaram muitos problemas. E um primeiro
argumento para salvar a diversidade é que talvez, no futuro, muitas soluções podem ser
encontradas na diversidade genética de alimentos cultivados há milhares de anos.
E há também outro argumento, que para mim é igualmente válido: queremos mesmo
viver num planeta onde a experiência humana se torna cada vez mais uniforme?
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Legenda da foto,
'Na segunda metade do século 20, gerou-se essa crença de que questões alimentares eram
resolvidas com soluções tecnológicas', explica Saladino
Saladino - Houve várias mudanças na agricultura no século 20, por exemplo, com a
invenção do processo chamado Haber-Bosch para produzir fertilizantes sintéticos, ou o
surgimento das monoculturas.
Vastas faixas de biodiversidade estão sendo perdidas à medida que essa forma de
agricultura se espalha pelo mundo. Os solos foram esgotados e os aquíferos, lagos e rios
foram contaminados. Por isso, eu digo que nosso atual sistema de produção de alimentos
tem um custo muito alto.
O positivo, claro, é que a fome foi afastada enquanto a população mundial dobrou desde a
década de 1970. Mas não podemos continuar da mesma maneira. Até os protagonistas da
chamada Revolução Verde, como Norman Borlaug, reconheceram isso.
Borlaug disse que esse sistema muito intensivo teve uma vida útil relativamente curta e
nos deu tempo para elaborar uma estratégia de longo prazo. E acho que é onde estamos
agora.
Saladino - Este milho é um exemplo fascinante de quão diversas são as plantas e quão
grande é a plasticidade genética deste cultivo. Quando botânicos de outros países
exploraram as partes montanhosas de Oaxaca desde o final dos anos 1970, possivelmente
antes, encontraram esse milho extremamente incomum, muito alto e com raízes aéreas
que pingavam algo como um muco.
Só nos últimos três ou quatro anos surgiu a tecnologia para analisar o muco desse milho.
Foi possível constatar que ele contém bactérias que ajudam a fixar o nitrogênio do ar.
Este milho mostra como uma comunidade pode cultivar alimentos sem fertilizantes. E a
produção de fertilizantes requer a queima de grandes quantidades de combustíveis
fósseis.
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É uma história que mostra como a diversidade pode ajudar na segurança alimentar
futura.
A entrada do milho dent maize, dos Estados Unidos, teve um impacto devastador na
diversidade do milho no México.
Não se sabe quais traços genéticos importantes desapareceram sem nunca terem sido
analisados.
É por isso que quero contar essas histórias, para dizer que devemos dar mais valor à
diversidade.
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Legenda da foto,
Secagem do cacau criollo
Saladino - Fui à Venezuela para conhecer María Fernanda di Giacobbe, que está fazendo
um trabalho pioneiro para resgatar esse cultivo.
O primeiro cacau que chegou à Europa veio da Venezuela e mudou o paladar de grande
parte do mundo.
Saladino - Sim, esse cacau foi muito valorizado quando chegou na Europa por ter um
sabor mais delicado, menos amargo. Hoje muito açúcar é adicionado na produção de
chocolate.
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Mas o cacau criollo permite um produto com perfil único, sabor equilibrado e
harmonioso.
Saladino - Uma história que conto no livro é a do café. Em 2014, muitas plantações da
variedade arábica foram devastadas por um fungo.
Foi uma lição sobre a fragilidade das duas principais espécies cultivadas: arábica e
robusta.
A solução, apontam, é uma maior diversidade nos tipos de café cultivados. Por exemplo,
uma espécie da África chamada Coffea stenophylla [que tolera temperaturas mais altas do
que outras espécies] mostra como a diversidade pode nos ajudar a enfrentar os desafios
do futuro.
Legenda da foto,
Cerca de 60% das espécies silvestres de café estão ameaçadas de extinção, segundo estudo
do Kew Gardens, em Londres
BBC - No epílogo de seu livro, você mostra o que pode ser feito para salvar
alimentos ameaçados de extinção e impedir a perda de diversidade. Uma das
recomendações trata do problema dos subsídios agrícolas. O quão ruim eles
são?
Saladino - Não digo no livro que os cerca de trinta alimentos ameaçados de extinção que
eu analiso alimentarão o mundo. Mas eu digo que precisamos de múltiplos sistemas
agrícolas. Existe lugar para a tecnologia, mas ao mesmo tempo precisamos de um sistema
onde a diversidade possa prosperar.
E é extremamente difícil que isso aconteça por causa dos bilhões de dólares em subsídios
agrícolas que sustentam o sistema atual e favorecem as três culturas dominantes que
mencionei anteriormente.
Há outras histórias no livro que são exemplos de alimentos que podem ter um enorme
potencial, mas este sucesso só vai se concretizar com investimentos.
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Eles têm uma grande diversidade na dieta, com um cardápio que pode incluir até 800
espécies de plantas e animais.
Eles ilustram que a diversidade é crucial. E, além disso, sobrevivem porque têm um
conhecimento íntimo da natureza.
Claro que nunca mais seremos caçadores-coletores, mas acho que eles podem nos inspirar
a construir uma conexão mais forte com a natureza, a ter mais consciência de que somos
extremamente dependentes dela.
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Legenda da foto,
Os hadza na Tanzânia têm um cardápio que pode incluir mais de 800 espécies de plantas
e animais
BBC - O que você gostaria que os leitores tivessem em mente na próxima vez
que cozinhassem alguma coisa ou se sentassem diante de um prato de
comida?
Saladino - Quaisquer que sejam os ingredientes que você esteja usando, gostaria de
convidá-lo a parar por um momento e pensar que há uma história por trás desse
ingrediente, uma história de milhares e milhares de anos de agricultores que adaptaram o
cultivo para que ele chegasse ao seu prato. Conhecer essa história é importante.
Também os convidaria a comprar outra variedade deste ingrediente, com visual e sabor
diferentes, em uma próxima oportunidade.
E convido todos também a estabelecer contato com quem produz seus alimentos.
No livro, conto a história de um agricultor chinês de mais de 70 anos que cultiva uma
variedade ameaçada de arroz vermelho.
Quando perguntei como ele conseguia vender o produto, ele pegou o celular e me mostrou
como se comunicava com os consumidores em Pequim por meio do Wechat, que é como o
WhatsApp na China.
Com a tecnologia moderna, é possível conectar-se com as pessoas que cultivam nossos
alimentos e incentivá-las a fornecer mais diversidade no futuro.
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