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ALIMENTAÇÃO DE

CRIANÇAS E ADOLESCENTES:
NECESSIDADES NUTRICIONAIS
E CULTURA ALIMENTAR
CONTEMPORÂNEA

Autoria: Ana Paula Silva

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Cristiane Lisandra Danna
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Marcelo Bucci

Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2019


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

SI586a

Silva, Ana Paula

Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutri-


cionais e cultura alimentar contemporânea. / Ana Paula Silva. – Indaial:
UNIASSELVI, 2019.

122 p.; il.

ISBN 978-85-7141-338-2
ISBN Digital 978-85-7141-339-9
1. Crianças - Nutrição. - Brasil. 2. Adolescentes – Nutrição. – Bra-
sil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 612.3

Impresso por:
Sumário

APRESENTAÇÃO...........................................................................05

CAPÍTULO 1
História da Alimentação................................................................ 7

CAPÍTULO 2
Alimentação na Contemporaneidade......................................... 43

CAPÍTULO 3
A Importância de Uma Boa Alimentação na
Infância e na Adolescência.......................................................... 87
APRESENTAÇÃO
Em conformidade com os princípios do saber-fazer da Uniasselvi, este livro
busca embasar o acompanhamento da disciplina Alimentação de crianças e ado-
lescentes: necessidades nutricionais e cultura alimentar contemporânea a
partir de informações, reflexões e atividades que abordam o tema estudado de uma
maneira holística e consistente em relação aos estudos clássicos, às pesquisas
mais atuais e às normas que orientam a alimentação de crianças e adolescentes.

No primeiro capítulo “História da alimentação”, os alunos conhecerão o


campo de estudos da alimentação e ao final deste, os acadêmicos estarão aptos
a refletir como a alimentação se constitui como processos culturais e sociais di-
versos. Partindo da mesma perspectiva, eles poderão analisar como o hábito de
comer foi se transformando ao longo da história ocidental e como a globalização
afetou a prática de consumo de alimentos.

No segundo capítulo “Alimentação na contemporaneidade”, os acadêmi-


cos são convidados a refletir acerca da fome, um mal que afetou 815 milhões
de pessoas, 11% da população global (ONU, 2017). O conteúdo deste capítulo é
baseado em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da
Organização das Nações Unidas (ONU) e convoca os alunos a discutirem sobre
problemas e dilemas que abarcam o consumo de alimentos no mundo contem-
porâneo. Partindo do problema da desigualdade na distribuição e consumo de
alimentos, é inserida a noção de insegurança alimentar. Em continuidade, explo-
ra-se a classificação dos alimentos em in natura/ minimamente processados, in-
gredientes culinários, processados e ultraprocessados, destacando especialmen-
te os malefícios dos ultraprocessados. Por fim, discutem-se as contradições que
envolvem o uso de agrotóxicos na produção de alimentos.

No terceiro capítulo “A importância de uma boa alimentação na infância
e na adolescência”, trazemos informações e discussões a respeito da alimen-
tação de crianças e adolescentes, do nascimento à adolescência. São tratados
aspectos como as recomendações básicas para cada faixa etária, a necessidade
e a pertinência da adoção de políticas públicas, as doenças mais frequentes de-
correntes da má nutrição e as algumas ações possíveis para a promoção de uma
vida saudável.

Ao término desta disciplina o acadêmico terá construído um bom repertório


cultural sobre a alimentação na contemporaneidade, sendo capaz de fazer rela-
ções entre alimentação, consumo, saúde e sustentabilidade; estará capacitado a
pensar ações que visem a uma boa alimentação contribuindo para a criação de
hábitos mais saudáveis entre crianças e adolescentes.
C APÍTULO 1
História da Alimentação

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� conhecer o campo de estudos da alimentação;

� identificar de que forma a alimentação constituiu processos culturais,


econômicos e sociais diversos ao longo da história humana;

� analisar a historicidade das formas de aquisição, produção, circulação e


consumo de alimentos;

� expressar a importância dos saberes culinários para diferentes épocas e


culturas.
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

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Capítulo 1 História da Alimentação

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Este capítulo versa sobre a história da alimentação, um ramo do campo mais
amplo que envolve os estudos da alimentação, cuja abordagem inclui diferentes dis-
ciplinas, como agronomia, antropologia, arqueologia, biologia, economia, geografia,
nutrição, medicina e sociologia. Como vários outros assuntos que fugiam do campo
da história política, a alimentação começou a ser abordada pelos historiadores so-
mente no século XX, a partir da obra do botânico suíço Adam Maurizio, publicada
em 1926, que abordou sistemas alimentares da espécie humana desde a Pré-histó-
ria, superando as narrativas tradicionais sobre discursos e saberes botânicos, mé-
dicos e gastronômicos. Desde então, em diferentes países, surgiram histórias das
alimentações nacionais, com destaque para Inglaterra, Estados Unidos e França,
mas também para países latino-americanos, como México, Colômbia, Chile, Vene-
zuela e o Brasil, com destaque para a importante obra História da alimentação no
Brasil, de Luís da Câmara Cascudo (1967-1968).

A obra do célebre historiador francês Fernand Braudel, Civilização material,


economia e capitalismo (1979), aborda a alimentação na longa duração a partir do
conceito de cultura material, que abrange aspectos elementares da vivência huma-
na, como, além do consumo de alimentos, a moradia e o vestuário. Neste âmbito,
a alimentação se destaca como aspecto essencial das estruturas da vida cotidiana.
Em 1996, veio a lume o importante livro de quase mil páginas organizado por Je-
an-Louis Flandrin e Massimo Montanari, História da alimentação, que busca adotar
uma perspectiva universal (embora não consiga se desvencilhar totalmente do eu-
rocentrismo) a respeito de diferentes épocas e culturas alimentares. Outra enciclo-
pédia importante é Cambridge World History of Food, editada por Kenneth F. Kiple e
Kriemhild Coneè Ornelas no ano 2000. No Brasil, destaca-se o livro “Comida e so-
ciedade: uma história da alimentação”, do historiador Henrique Carneiro, de 2003.

Com base nessas obras de referência e em outros estudos monográficos, o


propósito neste capítulo é propiciar uma visão ao mesmo tempo sintética e abran-
gente a respeito de processos e transformações históricas da relação dos seres
humanos com os alimentos, da Pré-história ao tempo presente, evidenciando e pro-
blematizando as formas históricas de obtenção, circulação e consumo de alimentos.

2 TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS
DO ATO DE COMER
A alimentação atende à necessidade fundamental de garantia da nossa so-
brevivência enquanto espécie, mas sabemos que o consumo de alimentos vai

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Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

além da satisfação de uma necessidade biológica. As práticas alimentares dizem


muito a respeito da cultura dos povos e integram o rol de elementos que distan-
ciam os seres humanos dos outros animais, tendo assumido ao longo da história
complexos significados econômicos, linguísticos, sociais, políticos, médicos, reli-
giosos e até sexuais.

Claramente não é por acaso que a viagem de recém-casados é chamada


“lua de mel”, que algo muito simples é considerado “mamão com açúcar” e que se
diz “devorar” um livro quando a leitura é realizada com grande interesse e afinco
ou “digerir” uma notícia quando ela não corresponde às nossas melhores expec-
tativas. O ato de comer constitui um componente essencial da reprodução da vida
cotidiana, gera tanto solidariedades quanto conflitos, povoa o imaginário popular,
desafia o intelecto de acadêmicos dos mais variados campos de pesquisa e ocu-
pa lugar central em nossa constituição psíquica.

Os hábitos alimentares vêm passando por transformações desde os primór-


dios da humanidade. Há dúvidas sobre quando exatamente cada alimento pas-
sou a fazer parte da alimentação humana, mas se sabe que desde a pré-história
os hominídeos eram onívoros, isto é, comiam tanto vegetais quanto animais, mui-
to embora acredite-se que durante milhões de anos tenha prevalecido uma dieta
composta por frutas, folhas e grãos coletados da natureza.

O domínio progressivo do fogo, iniciado há cerca de meio milhão de anos,


foi um feito de grande importância. Como destacou o antropólogo Claude Lévi-
-Strauss (1964), a passagem gradual do cru ao cozido marcou, além do desen-
volvimento das primeiras formas de cocção de alimentos e de modificações no
processo de digestão e absorção das proteínas, a transição da condição biológica
para a social dos seres humanos.

As formas de aquisição de carne foram alvo de intenso debate


entre os pesquisadores. Discutiu-se se e até que ponto os primeiros
hominídeos, australopitecos e homo habilis, eram caçadores ativos
ou meros ladrões de carniça.

De todo modo, vestígios arqueológicos encontrados no oriente africano,


datados entre 2,5 e 1,5 milhões de anos, indicam o consumo de animais de várias
espécies e o desenvolvimento de instrumentos rudimentares de pedra lascada
destinados à caça e ao preparo das presas. No Paleolítico Médio (200.000-

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Capítulo 1 História da Alimentação

40.000 a.C.), a caça passaria por um processo notável de aprimoramento, mas


continuaria sendo uma prática ocasional, feita por pequenos grupos e voltada a
animais de grande porte, como ursos, rinocerontes e elefantes.

Foi apenas no Paleolítico Superior (40.000-10.000 a.C.) que se disseminaram


práticas de caça especializada, direcionada ao abate de manadas de renas,
cavalos, bisões, auroques e mamutes. Tais caçadas demandavam a colaboração
de muitos indivíduos. Acredita-se que famílias e grupos de famílias, que vivam
separadamente a maior parte do ano, reuniam-se periodicamente para a
realização das caçadas, as quais envolviam uma logística considerável, desde
o fabrico de utensílios e a instalação de armadilhas, passando pela a realização
do abate, o corte da carne, a distribuição e a estocagem, chegando até o
tratamento e manufatura de peles, ossos e tripas. Esses processos, retratados
com frequência nas pinturas rupestres (Figura 1), geraram formas de integração
social, divisão sexual do trabalho e o desenvolvimento de mecanismos para a
troca de informações.

FIGURA 1 – PINTURA DE UM BISÃO EM UMA CAVERNA EM ALTAMIRA, ESPANHA

FONTE: Lockard (2014, p. 14)

Muitas pinturas rupestres representavam animais caçados ou temidos,


sugerindo uma autoconsciência.

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Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Tão importante quanto a passagem da coleta para a caça em si, foi o


desenvolvimento gradual de técnicas de armazenagem, trituração, secagem,
defumação, desidratação, reidratação e cozimento de alimentos variados, tanto
de origem animal quanto vegetal. Este movimento foi acompanhando por um
notável crescimento demográfico e pela expansão da espécie humana a partir da
África para os diversos rincões do planeta, incluindo, evidentemente, o continente
americano (Figura 2).

FIGURA 2 – MAPA DAS MIGRAÇÕES ORIGINÁRIAS DO HOMO SAPIENS PELO GLOBO

FONTE: Lockard (2014, p. 11)

No período Mesolítico (10.000-8.000 a.C.), com o derretimento das geleiras


e o surgimento de florestas, houve uma maior diversificação alimentar. O porte da
fauna reduziu, passando a prevalecer animais medianos e pequenos como cervos,
javalis e cabritos. A captura das presas se tornou relativamente mais
“revolução neolítica”,
por meio da qual difícil, em compensação, muitas dezenas de espécies provenientes
a humanidade de hábitats e ecossistemas distintos puderam ser explorados. Não
desenvolveu apenas vegetais, como legumes, oleaginosas e pequenos frutos, foram
técnicas de criação
de animais e integrados à dieta, como também peixes, moluscos e aves bastante
cultivo sistemático diversificados.
de alimentos. Em
outras palavras,
trata-se do momento A disponibilidade variável de recursos naturais gerou movimentos
em que o homo adaptativos distintos, de modo que alguns grupos mantiveram circuitos
sapiens inventou
a agricultura e a sazonais de ocupação e deslocamento no interior de determinados
pecuária. perímetros territoriais, enquanto outros iniciaram processos de

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Capítulo 1 História da Alimentação

sedentarização, dando origem às primeiras civilizações na Antiguidade. Nesta


época, há cerca de 10 mil anos, teve início a chamada “revolução neolítica”, por
meio da qual a humanidade desenvolveu técnicas de criação de animais e cultivo
sistemático de alimentos. Em outras palavras, trata-se do momento em que o homo
sapiens inventou a agricultura e a pecuária.

FIGURA 3 – MAPA DAS ORIGENS DA AGRICULTURA COM A INDICAÇÃO


EM INGLÊS DAS PLANTAS E SUAS RESPECTIVAS ORIGENS

FONTE: Lockard (2014, p. 19)

As causas dessa revolução também foram bastante debatidas entre os espe-


cialistas. Alguns estudiosos acreditam que o desequilíbrio entre o crescimento das
populações e a oferta natural de alimentos foi o fator decisivo, mas há pesquisas
demonstrando que, no Oriente Médio, por exemplo, a revolução foi precedida por
uma fase importante de aclimatação de plantas e desenvolvimento da caça, su-
gerindo um movimento, não de reação à escassez de recursos silvestres, mas de
aprimoramento técnico e desenvolvimento civilizacional.

Segundo Fernand Braudel (2005), a agricultura se organizou desde o princí-


pio em torno de certas plantas dominantes que marcaram profundamente a orga-
nização da vida material e até psíquica das populações a ponto de poderem ser
denominadas “plantas de civilização”. Ao longo da história, três delas se destaca-
riam, trigo, arroz e milho, que até hoje disputam a maior parte das terras aráveis
do globo.

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Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

A agricultura surgiu em vales férteis irrigados por grandes rios como o Jordão
(Jericó), o Nilo (Egito), Eufrates e Tigre (Mesopotâmia), Amarelo e Yangtzé (Chi-
na) e Indo (Ásia Meridional). Nessas regiões despontaram alguns dos pilares de
nossa alimentação, com a cultura de cereais, como o trigo (a planta cultivada mais
antiga de todas), o centeio e a cevada. Esse processo histórico esteve associado
a profundas transformações econômicas, com a produção de excedentes para o
comércio e a concentração desigual de recursos; tecnológicas, com a criação de
cerâmicas, mós de pedra, enxada, a roda, o arado, a charrua pesada, sistemas de
irrigação, fornos para pão e assados diversos; religiosas, com o advento de uma
série de crenças e rituais em torno da água, da fertilidade do solo e da colheita; e
políticas, estando diretamente associada ao advento do Estado.

O domínio sobre a produção de alimentos não é um acontecimento único, pre-


so a um único tempo e espaço, mas um processo plural, que se espalhou por di-
ferentes regiões do globo, em diferentes ritmos e épocas. É digno de destaque o
cultivo do arroz, a partir de 2000 a.C., nos atuais Vietnã, Laos e Camboja, alastran-
do-se, mais tarde, pelo vale do Níger, na África, e em terras inundadas na China.

Na América, o milho seria a base de numerosas civilizações já a partir do ter-


ceiro milênio a.C., muito antes de Astecas e Incas formarem seus impérios. Tubér-
culos em infindáveis variedades, como batata, batata-doce e mandioca, também
distinguiriam a produção agrícola pré-colombiana, sustentando suas populações
antes da chegada dos europeus. Ao cacau, além de seu uso culinário, seria atri-
buído valor monetário, circulando como dinheiro entre os astecas. Há indícios re-
motos do consumo de bebidas à base de cacau, como o xocoalt, que daria origem
ao chocolate.

A pecuária também foi uma conquista essencial. Desde os primórdios, os


animais seriam usados não apenas para a alimentação, mas também para tração
e transporte. Entre muitos outros êxitos civilizacionais, a Mesopotâmia se notabi-
lizou pela criação dos primeiros rebanhos bovinos, ovinos e caprinos a partir de
4.500 a.C. Por volta de 3.000 a.C., dromedários e camelos seriam domesticados
no Egito, assim como cavalos no Oriente Médio e em diversas partes da Europa.
Na América pré-colombiana, não existiam nem animais de porte suficiente para
tração, nem rebanhos para corte, exceto por aves comestíveis, como o peru. A
principal região pecuarista seria a andina, onde se deu a domesticação de lha-
mas, alpacas e vicunhas, usadas para transporte e obtenção de lã.

Ainda na Antiguidade houve uma notável sofisticação das práticas sociais


em torno da alimentação. A comensalidade sedimentou laços familiares e de ami-
zade, assumiu lugar importante na ritualística religiosa, constituiu um momento
privilegiado para a tomada de decisões políticas e de festejo após casamentos e
êxitos militares. Já nessa época, refeições eram feitas à mesa. Os mesopotâmi-

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Capítulo 1 História da Alimentação

cos consideravam um ato de grande hostilidade a recusa em partilhar alimentos e


realizavam banquetes regados a cerveja que ilustravam as delícias da vida divina.
Além disso, ao menos desde o segundo milênio a.C., existiam tabernas nas quais
indivíduos se encontravam para comer e beber. Tais estabelecimentos normal-
mente eram geridos por mulheres e frequentados por homens, os quais ocasio-
nalmente cometiam excessos decorrentes do consumo de álcool ou aproveitavam
o espaço para a realização de conspirações políticas.

O conhecidíssimo Código de Hamurabi (1772 a.C.), sexto rei da Babilônia,


contém diversas medidas para regulamentar o funcionamento das tabernas, proi-
bindo a entrada de certas sacerdotisas, arbitrando o recebimento de cevada como
pagamento pela cerveja e prescrevendo punições em caso de transgressões, es-
pecialmente para as taberneiras. Também havia banquetes reais, nos quais um
grupo seleto de pessoas era convidado para celebrar, por exemplo, a inauguração
de palácios e a chegada de uma delegação estrangeira. Tratava-se de um mo-
mento importante de aproximação entre o monarca e o povo (ou parte dele).

No Antigo Egito, a comida assumiu um caráter cultural essencial. Diversos


registros associam a longevidade e a boa saúde a uma alimentação farta. Asse-
gurar à população uma quantidade suficiente de víveres era visto pelos sábios
como condição essencial para garantir a ordem social. Um homem de barriga va-
zia era tido como um desordeiro em potencial. A famosa crença dos egípcios na
vida após a morte compreendia a realização de oferendas alimentares. Orações
fúnebres eram acompanhadas de pão, cerveja e carnes. No túmulo de uma mu-
lher da segunda dinastia (3.700 a.C.) foram encontrados cereais cozidos, pães
feitos de cevada, queijo, peixe e rins de carneiro cozidos.

Na tumba de um arquiteto egípcio do século XIV a.C. havia um recipiente


de madeira com sal de cozinha, pedaços de pão, carnes de boi e de aves, peixe
seco, alho, cebolas, tâmaras, uvas, abacates, zimbro e cominho. Mesmo sendo
ligados a pessoas privilegiadas, esses vestígios oferecem um panorama interes-
sante acerca das modalidades da produção alimentar egípcia e mostram que os
habitantes do vale do Nilo tinham diante de si, ainda que com graus variados de
acesso, alimentos bastante diversificados e equilibrados em termos de nutrientes.
Além disso, os egípcios desenvolveram incontáveis utensílios de mesa e culiná-
ria, como panelas, frigideiras, travessas, tigelas, taças, bandejas, jarros e ânforas
para armazenar vinho e cerveja. Embora utilizassem os dedos para comer, eles
também criaram facas de metal, colheres, conchas e escumadeiras.

As circunstâncias enfrentadas pelos hebreus foram bastante distintas. As refe-


rências bíblicas à terra prometida, como aquela onde correria leite e mel, denotam a
busca incessante desse povo por um território onde houvesse uma oferta satisfató-
ria de recursos alimentícios. A promessa divina de alimentos incluiria também cere-

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Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

ais, vinhas, figueiras, romãzeiras e oliveiras. O interessante, no entanto, é que toda


a penúria enfrentada foi seguida por numerosas regras alimentares, que impuseram
uma série de proibições e prescrições para o consumo de alimentos. Parte da reve-
lação que, segundo a tradição, foi feita a Moisés no Monte Sinai incluiu a definição
de animais impuros, que não poderiam ser ingeridos sob hipótese alguma. Note-se
o teor do Levítico 20, 25: “Fareis, pois, diferença entre os animais limpos e imundos,
e entre as aves imundas e as limpas; e as vossas almas não fareis abomináveis por
causa dos animais, ou das aves, ou de tudo o que se arrasta sobre a terra; as quais
coisas apartei de vós, para tê-las por imundas”. Fonte: <https://bibliaportugues.com/
leviticus/20-25.htm>. Acesso em: 12 nov. 2018.

Para os judeus, os alimentos impuros ou imundos seriam basicamente aque-


les que não respeitavam, por seus comportamentos e atributos físicos, os desíg-
nios divinos. O caso mais conhecido é o do porco, mas aves, como avestruzes,
cisnes, pelicanos, como também tartarugas, diferentes espécies de lagartos,
crustáceos, entre muitos outros animais, foram interditados. Seguindo-se lógica
semelhante, animais castrados também foram proibidos. Alimentos derivados ou
fermentados, embora pudessem ser consumidos no cotidiano, não deveriam ser
utilizados na celebração da Páscoa, por exemplo, em razão de terem sua natu-
reza original alterada. Os alimentos que seguem as regras descritas no Torá são
denominados Kosher. Uma hipótese para explicar a construção de todo esse re-
pertório restritivo seria o seu papel como elemento de afirmação identitária, algo
importante para um povo que lutava continuamente pela sobrevivência.

http://www.conquistesuavida.com.br/noticia/alimentacao-kosher-
o-que-e-e-como-funciona_a7979/1.

O mundo grego, originalmente formado por pequenas comunidades agrícolas


(genos), deu lugar a cidades-estados independentes entre si (polis), que chegaram
ao seu esplendor nos séculos V e IV a.C. Vinhas e oliveiras tinham uma presença
marcante na paisagem e seus frutos eram vastamente consumidos in natura ou
na forma de azeite (entregue como prêmio em competições atléticas nas famosas
ânforas panatenaicas) e vinho (a bebida principal da Grécia), mas é possível dizer
que os cereais eram a base da alimentação dos gregos. Os romanos, inclusive,
referiam-se a eles como “comedores de cevada”. Há diversos vestígios materiais,
mitológicos e textuais da alimentação grega na Antiguidade, mas os escritos
de Hipócrates (460-377 a.C.) apresentam um panorama particularmente rico a
respeito dos alimentos utilizados no período no período clássico.

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Capítulo 1 História da Alimentação

Em seu conhecido tratado Do Regime, Hipócrates explica formas de preparo,


da moagem ao cozimento, da cevada e de outros cereais, como trigo e milhete,
utilizados para a confecção de pães e bolos. Também são enumeradas favas de
diferentes tipos, como grão-de-bico, lentilhas, ervilhas e grãos, como gergelim
e papoula, cujo valor nutricional era destacado pelo “pai da medicina”. Além de
bovinos, suínos e ovinos, os gregos também comiam carne de cachorro, mas o
consumo de proteína animal ocorria majoritariamente em rituais de sacrifício aos
deuses. Peixes de rios e de mar eram apreciados, assim como alguns moluscos.
Mel, queijos, hortaliças, frutas, como pera, maçã e figo, tinham lugar de destaque,
assim como alho e cebola. Um aspecto de destaque é a existência de refeições
públicas. A vida cívica, o exercício da cidadania, passava pela participação de
grandes banquetes coletivos, que serviam para prolongamento de discussões de
cunho político. Havia ainda um rito festivo conhecido como symposion, no qual
aquele que bebia era tomado pelo vinho e encarnava divindades como Eros e
Dionísio, cujo sentido foi imortalizado na obra do filósofo Platão do século IV a.C.

pesquise a respeito das festas dionisíacas na Grécia Antiga.

Os romanos, assim como os gregos, tinham uma cultura sacrificial. A carne,


embora fosse relativamente escassa no cotidiano, estava no centro de todas as
refeições festivas e o seu consumo era mediado por sacrifícios às divindades.
A partilha essencial era da carne, não do pão. Do ponto de vista dos produtos
alimentares, os romanos diferenciavam basicamente fruges, produtos da terra
cultivada (cereais e leguminosas), dos pecudes, animais criados por sua carne
(cordeiros, cabritos, leitões, frangos). A transformação do meio natural em lavoura
era tida como sinal de civilização. O ato de comer era marcado por dois tipos
de refeições especiais, a cena e o prandium. A primeira ocorria geralmente em
uma tarde de inverno, reunindo homens vestidos de togas ou túnicas largas e
levava de duas a três horas. A segunda reunia grupos sociais bem definidos
(famílias, amigos da mesma faixa etária, vizinhos, corporação profissional) para
compartilhar alimentos por ocasião de alguma festividade.

Contudo, em Roma nunca foi incorporado algo como o symposion. Eles


não acreditavam na possessão dionisíaca nem em nada do gênero associado
à comensalidade, embora a embriaguez fosse comum em celebrações. Para
escravos, camponeses, a plebe das cidades e os soldados em campanha, a
alimentação cotidiana era pouco variada e composta basicamente por alimentos
frios. Alimentos quentes e diversificados era um luxo usufruído pelos patrícios, a

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Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

classe dominante romana. As atividades militares, fundamentais no mundo latino,


impactavam diretamente na alimentação. O cultivo de trigo nos latifúndios estava
diretamente vinculado ao sortimento de pão aos soldados, que também recebiam
uma porção de sal como pagamento. Daí, inclusive, nasceu a palavra salário.

A ascensão do cristianismo e a desintegração do Império Romano do


Ocidente no século V de nossa era trouxe mudanças importantes. A sociedade
medieval seria caracterizada por condições sociais e status bem marcados entre a
população. Durante algum tempo perduraria uma categoria mista de camponeses-
guerreiros, mas, entre os séculos VIII e IX, a oposição entre os estilos de vida de
camponeses e membros da nobreza se acentuaria progressivamente. A atividade
militar seria concentrada nas mãos de uma elite privilegiada, o que serviria de
legitimação para os seus privilégios. Com o tempo, ganharia força a concepção
de que o Criador teria atribuído aos corpos sociais três funções específicas e
complementares: sacerdócio, guerra e trabalho.

Aos bellatores, membros da nobreza, caberia garantir a proteção contra os


inimigos, aos oratores, a transmissão dos fundamentos da fé católica e a garantia
da salvação dos fiéis e, finalmente, aos laboratores, o seu próprio sustento e dos
demais membros da sociedade. Uma série de obrigações e restrições foi imposta
aos trabalhadores rurais, que produziam os cereais, mas tinham que pagar pelo
uso dos moinhos pertencentes aos senhores feudais. Além de serem excluídos
da prática da caça, a eles caberia basicamente alimentos in natura ou cozidos
em água, enquanto os nobres prefeririam assados e grelhados. A carne de porco
e seus derivados, como toucinho e banha, eram importantes complemento à
subsistência das famílias camponesas.

Não obstante, a fome seria uma ameaça constante e uma realidade


frequente naquele período. A Idade Média seria um período de extrema carência
alimentar. A ideologia cristã amenizava a situação pregando o jejum como
manifestação de humildade, um valor a ser exaltado. A principal tentação a ser
combatida era certamente a gula. Segundo São Bento, “amar o jejum” era um dos
instrumentos principais para as boas obras (COSTA, 2012, p. 43). Por outro lado,
alguns mosteiros e abadias concentraram grandes porções de terra, convertendo-
se em importantes centros produtores de alimentos. A vida monástica chegou
a ser sinônimo de boa comida e fartura. Monges e freiras se notabilizaram pela
confecção de pães, doces e bebidas alcoólicas destiladas e fermentadas.

Na mesma época, o império muçulmano se expandiu desde a Península


arábica, incorporando vastos territórios da Ásia, África e Europa. O Islã imprimiu
sua marca em vários aspectos da vida dos lugares onde se estabeleceu,
incluindo evidentemente as práticas alimentícias. Os laticínios (leite, manteiga,
queijo, iogurte e kaymak, nata fervida levemente temperada de sal) tinham lugar

18
Capítulo 1 História da Alimentação

destaque em sua dieta, especialmente entre os pobres. A exemplo da Que desenvolveram


canteiros flutuantes
tradição judaica, a islâmica também incluiu distinções entre o puro e o em áreas alagadiças
impuro. A carne de porco também fora vedada, assim como o consumo (chinampas) para
ampliarem a área
de bebidas fermentadas. cultivada.

A duração e o rigor do jejum eram maiores entre os muçulmanos do que


nas outras religiões monoteístas. Durante o Ramadã não se pode comer nem
beber enquanto perdurar a luz do sol. Em compensação, refeições noturnas
fartas assumem um caráter festivo, ajudando a resistir às privações. No deserto,
consumiam-se laticínios, um pouco de carne e tâmaras. Nas regiões de clima
menos árido, as refeições incluíam carne de carneiro, cereais, laticínios, legumes
e frutas. Por outro lado, em ambientes inóspitos, gafanhotos e lagartos assados
chegavam a ser consumidos. Base de certos refrigerantes na atualidade, a noz
de cola, usada como afrodisíaco e em tratamentos medicinais diversos, era muito
valorizada em função de sua ação estimulante e redutora de apetite, propriedades
importantes em longas expedições militares ou comerciais através do deserto do
Saara. No processo de expansão havia grande intercâmbio com as populações
submetidas, implicando variedades regionais marcantes. Ao mesmo tempo, traços
das culturas pregressas, incorporadas pelos árabes, como persas e beduínos, se
faziam presentes, não apenas nos alimentos consumidos, mas em técnicas de
conservação, preparo e intercâmbio.

Nas Américas, as sociedades indígenas desenvolveram práticas e “arquipélagos


regras alimentares bastante variadas. Como já mencionado, havia uma verticais”, nos
quais diferentes
diversidade de plantas alimentícias absolutamente extraordinária. Além grupos tratavam de
de milho, batata, mandioca e cacau, itens como amendoim, abóbora, aba- produzir de forma
caxi, guaraná, mamão, mate, tomate, tabaco e feijão, desconhecidos en- especializada em
lotes adequados,
tre os europeus, foram domesticados e cultivados em várias regiões do conforme clima e
continente, por diversas culturas. A proficiência de astecas, que desenvol- solo, a determinadas
culturas (regiões
veram canteiros flutuantes em áreas alagadiças (chinampas) para amplia- elevadas eram
rem a área cultivada, e incas, que realizaram uma integração produtiva de destinadas à criação
diferentes planos ecológicos, é particularmente digna de destaque. de animais e ao
cultivo de tubérculos
mediante o emprego
Os andinos desenvolveram a integração do que John Murra (1998) de terraços
agrícolas, enquanto
chamou “arquipélagos verticais”, nos quais diferentes grupos tratavam nos vales quentes
de produzir de forma especializada em lotes adequados, conforme clima se plantavam milho,
e solo, a determinadas culturas (regiões elevadas eram destinadas à algodão, coca,
entre outros) e
criação de animais e ao cultivo de tubérculos mediante o emprego de realizando, ao final,
terraços agrícolas, enquanto nos vales quentes se plantavam milho, uma distribuição
em conformidade
algodão, coca, entre outros) e realizando, ao final, uma distribuição em com uma lógica de
conformidade com uma lógica de complementaridade e reciprocidade. complementaridade
e reciprocidade.

19
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

FIGURA 4 – INCAS PLANTAM E COLHEM BATATAS. FERRAMENTAS:


PAU DE FURAR E ENXADA. CODEX PERUANO DO SÉCULO XVI

FONTE: Braudel (2005, p. 148-149)

FIGURA 5 – PANORAMA DOS TERRAÇOS AGRÍCOLAS DE


PÍSAC, NO VALE SAGRADO DOS INCAS, PERU

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Imp%C3%A9rio_Inca>. Acesso em: 19 nov. 2018.

Além do consumo de vegetais, é importante lembrar que a caça e a pesca


eram traços marcantes de variadas culturas indígenas. Aves silvestres, roedores,
pequenos primatas e até baleias eram caçadas, sem contar os variadíssimos
tipos de pescados. Portanto, o consumo de proteína animal era parte integrante
da dieta indígena, que também incluía carne humana.

20
Capítulo 1 História da Alimentação

O canibalismo ritual ameríndio sul-americano foi notabilizado por relatos


como os do viajante alemão Hans Staden, que caiu prisioneiro entre os
tupinambás no século XVI. Entre os povos da região mesoamericana, os astecas,
por exemplo, costumavam consumir em banquetes partes cozidas dos corpos
dos prisioneiros de guerra ou de escravos sacrificados. Tais práticas já foram
explicadas de variadas formas pela bibliografia, que indicou entre as motivações
vingança, transferência das qualidades dos mortos ou mais simplesmente a
carência nutricional. O consumo de insetos é também bastante conhecido. No
território que veio a ser o Brasil, o consumo de formigas ou do bicho da taquara,
por exemplo, era muito comum.

As civilizações orientais eram relativamente menos carnívoras. Os japoneses


são famosos por terem se formado como uma sociedade majoritariamente
ictiófaga, comedora de peixe. O consumo de laticínios e ovos era muito reduzido e
não havia criação de gado de corte. Já os chineses consumiam tradicionalmente
uma variedade um pouco maior de proteína animal, incluindo, assim como os
gregos, carne de cachorro. Criações mais extensivas se restringiriam aos suínos.
Embora outros povos reivindiquem a invenção do produto, os chineses são
bastante conhecidos pela criação do macarrão. Há vestígios arqueológicos de
macarrão chinês com a idade de quatro mil anos, muito anterior à célebre viagem
do navegante veneziano Marco Polo, que teria levado amostras de pasta no século
XIII para a Península Itálica. Embora a ingestão de carne não seja tão incomum
quanto se imagina, indianos são famosos pelo seu vegetarianismo. Religiões
importantes, como o jainismo, hinduísmo e o budismo, pregaram o respeito aos
seres vivos, estimulando o consumo de cereais e frutos. Um conjunto de crenças
associadas à reencarnação e à transcendência espiritual tradicionalmente
rejeitaram o consumo de carne.

A transição da Idade Média para a Modernidade, na passagem do século
XV para o XVI, foi perpassada por grandes transformações históricas que
incluíram o estreitamento do intercâmbio entre as diferentes regiões do globo
e a mundialização de alimentos antes concentrados localmente. Esse aspecto
será explorado de forma mais detida na próxima seção deste capítulo, mas
cabem algumas considerações preliminares a respeito do quadro geral. Além
de transformações na cadeia global de produção, circulação e consumo de
alimentos, mudanças locais no ritmo e na forma do trabalho produtivo (da
escravidão ao trabalho assalariado), o crescimento dos centros urbanos, a
passagem da agricultura de subsistência para uma agricultura mercantil, o
surgimento de manufaturas, o aumento da mineração, o cercamento dos campos,
entre outros processos correlacionados, alteraram o número, os horários e o
local de realização das refeições, como também separaram progressivamente
produtores e consumidores, ampliando-se a quantidade de açougues, mercearias
e quitandas. O advento da impressa deu novo sentido aos livros de culinária e

21
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

o desenvolvimento da produção manufatureira disseminaria o uso de talheres,


sobretudo, facas e colheres. O garfo, inventado na Baixa Idade Média em
Bizâncio, permaneceu artigo de luxo até o século XIX. De todo modo, comer com
as mãos na modernidade passaria a ser um tabu.

FIGURA 6 – TALHERES COM CABO DE MARFIM DO SÉCULO XVII

FONTE: Braudel (2005, p. 183)

O século XVIII trouxe uma nova onda de transformações. O Iluminismo,


as Independências dos Estados Unidos e do Haiti e a Revolução Francesa
romperam com a antiga ordem absolutista e aristocrática na Europa, trouxeram
crise aos sistemas coloniais remanescentes e reconfiguraram profundamente
o quadro geopolítico internacional. A ideologia burguesa associada aos ideais
de liberdade e igualdade se opuseram à opulência do modo de vida cortesão,
incluindo os complexos rituais alimentares da realeza, retratados, por exemplo,
no filme Maria Antonieta, de Sofia Coppola (2006). A fome e a crise social se
transformaram no grande medo das elites aristocráticas. Na falta de pão, não
havia brioches para todos, apesar do que propôs a princesa alienada. Por outro
lado, nos anos seguintes, a ampliação da produção industrial, a partir da Grã-
Bretanha, e o desenvolvimento de técnicas mais avançadas de cultivo inundaram
o mercado de produtos, criando novos itens de consumo e tornando alimentos
outrora restritos ao consumo de luxo, como açúcar de cana e café, acessíveis ao
padrão de consumo da classe trabalhadora dos grandes centros urbanos.

Na centúria seguinte, a Revolução Industrial se expandiu e a indústria


agroalimentar alcançou o primeiro plano da produção capitalista mundial. Cabe
destaque para os avanços nas técnicas de conservação dos alimentos. Em 1804,
o francês Nicolas Appert inventou o sistema de conservas em potes de vidro
hermeticamente fechados. Isto revolucionou a indústria alimentícia, tornando
possível o armazenamento por período mais prolongado, além de facilitar o
transporte. Em 1851, foi patenteado o primeiro refrigerador; em 1864, foi criado o
processo de pasteurização para a eliminação de contaminações microbiológicas;

22
Capítulo 1 História da Alimentação

em 1876, o primeiro navio frigorífico entrou em funcionamento, transportando


carne da Argentina para a Europa.

Essas inovações atingiram o ápice no século XX, quando os consumidores de


média e baixa renda passaram a ter acesso a geladeiras, fogões a gás, liquidifica-
dores e, mais recentemente, micro-ondas. Evidentemente, a industrialização tam-
bém trouxe inúmeras consequências negativas, ampliando o desequilíbrio econômi-
co entre pessoas e países ricos e pobres, a contaminação ambiental com resíduos
e embalagens, o uso de aditivos químicos, agrotóxicos e transgênicos.

A produção de gado de corte atingiu dimensões estratosféricas, trazendo


degradação ambiental direta, com aumento das pastagens, e indireta, com a
ampliação do cultivo da soja e cerais diversos para alimento dos rebanhos.
Confinamentos, o emprego de hormônios e antibióticos acarretaram uma
série de problemas para a saúde dos animais e dos consumidores. Ao mesmo
tempo, alergias e intolerâncias alimentares, especialmente a glúten, lactose e
frutose, consumidos desde os primórdios da humanidade, têm crescido de forma
avassaladora, refletindo o alto consumo de alimentos processados, geneticamente
modificados e cultivados à base de herbicidas, aliado ao estresse e a uma piora
na qualidade de vida da população.

FIGURA 7 – EXPORTAÇÕES DE GADO

23
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

FONTE: <https://www.beefpoint.com.br/exportacao-de-gado-vivo-cresce-sob-
a-mira-de-entidades-de-defesa-animal/>. Acesso em: 19 nov. 2018.

Nos países periféricos ou em desenvolvimento, a desnutrição aumentou, assim


como a obesidade entre as sociedades ocidentais. O mundo atual tem que conviver
com o enorme paradoxo de produzir uma quantidade praticamente diretamente pro-
porcional de alimentos e de famintos. Superabundância e fome caminham juntos.
Os Estados Unidos, principal potência do mundo ocidental após a Segunda Guerra
Mundial, adotou e disseminou pelo mundo, com o apoio de estratégias publicitá-
rias agressivas, um modelo alimentar que promoveu a substituição de carboidratos
complexos presentes em amidos, por exemplo, por carboidratos simples como açú-
cares e gorduras, alastrando redes de fast food e a oferta de refrigerantes.

A partir de 1986, o consumo de refrigerantes superaria o de água no país. A


primeira reação foi em prol da estética, não da saúde. A obsessão com a forma fí-
sica e padrões estéticos trouxe o aumento de distúrbios alimentares, como bulimia
e anorexia, quando não, aumentou a adoção de dietas da moda, desprovidas de
coerência, embasamento, continuidade e acompanhamento. Existe, como sabe-
mos, um novo contraponto em andamento. O número de indivíduos preocupados
com a questão da alimentação saudável tem crescido significativamente, desde o
advento de formas mais radicais do vegetarianismo, como o movimento vegano,
que propaga um comportamento ético mais abrangente perante os direitos dos
animais, até consumidores médios procurando reduzir a ingestão de alimentos
processados e adotar crescentemente orgânicos em sua dieta cotidiana.

Atividade de Estudo

1 Analise as consequências do domínio do fogo sobre o ato de comer.


2 Quais foram as mudanças ocorridas no Paleolítico no que se re-
fere à prática da caça?
3 Quais foram as mudanças gerais ocorridas no período mesolítico?

24
Capítulo 1 História da Alimentação

4 Explique as razões pelas quais o advento da agricultura e da pecu-


ária é compreendido como uma revolução (a revolução neolítica).
5 É possível considerar os povos das Américas inferiores em rela-
ção aos mesopotâmicos ou chineses por terem desenvolvido a
agricultura mais tarde?
6 Marque verdadeiro ou falso. Depois, assinale a alternativa com a
sequência correta:
( ) Os mesopotâmicos, além da agricultura, desenvolveram for-
mas elaboradas de comensalidade e regras de conduta incor-
poradas em sua legislação escrita.
( ) A crença dos egípcios na vida após a morte compreendia a
realização de oferendas alimentares. A partir delas é possível
saber que os egípcios já utilizavam talheres para comer.
( ) Os hebreus enfrentaram rígidas carências alimentares, o que
fez com que sua cultura alimentar não apresentasse nenhum
tipo de restrição alimentar.
( ) Na Grécia, consumia-se azeite, vinho e diversos cerais, como
cevada, trigo e milho.
( ) Os romanos seguiam absolutamente todos os costumes gregos.
( ) Após a ascensão do cristianismo, foram eliminadas todas as
distinções sociais e a população passou a ter os mesmos direi-
tos de acesso aos alimentos.
( ) O império muçulmano foi particularmente pobre em termos
culinários, sendo caracterizado pela imitação das culturas do-
minadas.

a) ( ) V – V – F – F – V – V – F.
b) ( ) V – F – F – F – F – F – F.
c) ( ) V – F – F – V – V – F – V.
d) ( ) F – V – V – V – V – V – V.
e) ( ) F – F – V – V – F – F – F.

7 Compare a importância do trigo para os mediterrânicos, do arroz


para os asiáticos e do milho para os indígenas.
8 Quais as principais mudanças trazidas pela modernidade para o
ato de comer?
9 Avalie a importância da Revolução Industrial para o consumo de
alimentos.
10 A produção de cerais e a criação de gado de corte movimentam
a economia, criam empregos e propiciam alimentos para a so-
ciedade. No entanto, vários grupos identificam problemas nesses
setores produtivos na forma como eles se sustentam atualmente.
Elenque dois desses problemas.

25
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

3 GLOBALIZAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO
O termo globalização tem sido utilizado desde os anos 1980 para designar
o aprofundamento da integração cultural e econômica entre diferentes partes do
planeta no mundo contemporâneo, marcado pela formação de blocos econômicos,
pelo “encurtamento” das distâncias e pela velocidade inédita da circulação de
informações. No entanto, muitos pesquisadores têm observado a existência de
diversas globalizações ao longo da história, isto é, a formação de sistemas de
interação, intercâmbio e integração entre populações e territórios espalhados
por diferentes regiões do mundo. O Mediterrâneo, conhecido pela tríade pão,
azeite e vinho, Mare Nostrum dos romanos, configurou o epicentro de diversas
globalizações pré-modernas no Ocidente, articulando desde a Antiguidade o Egeu
dos gregos ao Egito, Pérsia e outras regiões orientais. Paralelamente, uma série
de rotas comerciais terrestres e marítimas conectou a China à Ásia central e ao
próprio Mediterrâneo, configurando o que a partir do século XIX foi denominado
Rota da Seda, que nasceu há mais de 4 mil anos a partir de caminhos abertos
por pastores nômades. Tecidos, cerâmicas, porcelanas e metais preciosos tinham
destaque nas trocas comerciais, mas alimentos como azeite, chás, cerais, carnes
salgadas e defumadas, sal e vinhos circulavam bastante pelas vias mercantis.

FIGURA 8 – ROTAS COMERCIAIS DA ANTIGUIDADE TARDIA

FONTE: Lockard (2014, p. 233)

26
Capítulo 1 História da Alimentação

Com a emergência do Islã, o Saara constituiu um outro eixo fundamental da


globalização articulado ao Mediterrâneo. As especiarias – termo genérico utilizado
desde o século XIV para designar produtos diversos de origem vegetal destinados
a temperar alimentos diversos, bem como conservar e disfarçar a má qualida-
de da carne – representam um capítulo à parte na história da alimentação, elo
fundamental entre globalizações pré-modernas e modernas. Na Europa, desde a
Antiguidade Clássica, usavam-se plantas aromáticas, como açafrão, anis, man-
jerona, louro e coentro. A partir do século XI, observou-se a introdução gradativa
no continente europeu de especiarias asiáticas, como canela, cravo, cardamomo,
gengibre e pimenta-do-reino, pela ação de mercadores muçulmanos, que também
introduziram a laranja e o açúcar de cana, cujo cultivo passou a ser realizado no
Egito, em Chipre e na Sicília.

A partir daquela mesma época, pouco a pouco, as cidades-estados italianas,


com destaque para Gênova e Veneza, ampliaram suas atividades no comércio a
longa distância conectando uma vasta rede mercantil entre a Península Ibérica
à Ásia. Entre outras mercadorias, o açúcar e as especiarias asiáticas, bastan-
te lucrativas nos mercados de luxo dos grandes centros europeus, aguçaram a
rivalidade entre genoveses e venezianos. Os primeiros foram responsáveis por
introduzir a produção de cana no sul de Portugal e nas ilhas atlânticas da Madei-
ra, marcando o início da transferência do epicentro das atividades do nascente
sistema capitalista europeu do Mediterrâneo para o Atlântico. Esse deslocamento
resultaria efetivamente do fechamento das rotas terrestres para a Ásia em decor-
rência da queda de Constantinopla em 1453. Como aprendemos na escola, daí
nasceu o impulso para as grandes navegações no final do século XV.

Os capitais italianos foram essenciais para o expansionismo atlântico ibérico.


Os portugueses foram pioneiros, atravessando, em 1488, com Bartolomeu Dias, o
Cabo das Tormentas, porta de entrada para a Ásia via périplo africano, completado
por Vasco da Gama dez anos depois. Consequentemente, foram restabelecidas as
trocas mercantis com a Ásia e instalados entrepostos comerciais em vários pontos
da costa da África com as chamadas feitorias. Diante do êxito lusitano, o mercador
genovês Cristóvão Colombo conseguiria, após várias tentativas, convencer os reis
da Espanha a respaldar juridicamente e financiar sua expedição que pretendia atra-
vessar o Atlântico na direção do Ocidente para ligar a Europa à Ásia.

Em 1492, Colombo chegou ao território que mais tarde seria denominado


América. Aqui teve início a primeira fase da globalização moderna da alimenta-
ção, marcada pela aceleração e multiplicação sem precedentes do intercâmbio
de gêneros alimentícios, como também pela amplificação do caráter mercantil
da produção agrícola internacional. Houve uma verdadeira revolução nos hábi-
tos alimentares mundiais. Uma gama enorme de alimentos até então restritos a
determinadas regiões ou macrorregiões seriam mundializados, gerando uma in-

27
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

terdependência planetária inédita, sustentando o aumento da população global e


o desenvolvimento do sistema capitalista. Nesse processo, formas ancestrais de
produção, distribuição e consumo de alimentos foram desestruturadas.

Notemos o quadro a seguir sobre centros de origem e a diversidade das


principais culturas, organizado por Patrícia Goulart Bustamante com os dados da
International Plant Genetic Resources Institute (IPGRI), que sintetiza as informa-
ções já inseridas e acrescenta outras:

QUADRO 1 – CENTROS DE ORIGEM E A DIVERSIDADE DAS PRINCIPAIS CULTURAS


Cultura Centro de origem/diversidade
Abacaxi América Central, América do Sul
Abóbora América Central, América do Sul
Alface Mediterrâneo
Algodão Ásia Central, América Central, América do Sul
Alho Ásia Central
Amendoim América do Sul
Arroz África Ocidental e Sudoeste da Ásia
Aveia Ásia Menor, Mediterrâneo
Azeitona Ásia Menor, Mediterrâneo
Banana Etiópia, Sudoeste da Ásia
Batata Andes
Berinjela China e África
Beterraba Ásia Menor
Brócolis Mediterrâneo
Cacau América Central
Café Etiópia
Cana-de-açúcar Índia, Sudoeste da Ásia, China
Cebola Etiópia, Ásia Central, Ásia Menor
Cenoura Ásia Central, Ásia Menor
Cevada Etiópia, Ásia Menor
Coco Sudoeste da Ásia
Couve-flor Mediterrâneo
Ervilha Ásia Menor, Ásia Central
Espinafre Ásia Central
Feijão América Central
Laranja China, Sudeste da Ásia
Limão Índia
Maçã Ásia Central
Mamão Ásia Central, Andes
Manga Índia
Melancia Ásia Central
Milho América Central, Andes
Morango Sul do Chile

28
Capítulo 1 História da Alimentação

Nabo Mediterrâneo
Pepino Índia, Malásia
Pêssego China
Repolho Ásia Menor, Mediterrâneo
Sisal América Central
Tabaco América Central
Tomate América Central, Andes
Trigo Etiópia, Ásia Menor
Uva Ásia Central, Ásia Menor
FONTE: BUSTAMANTE (2000, p. 87-88)

Atualmente, o símbolo máximo da culinária italiana é a


macarronada com molho de tomate. Mas nem o macarrão, nem
o tomate são originários da Península Itálica, nem mesmo do
Mediterrâneo. Pesquise quando o consumo de pasta com molho de
tomate se popularizou na Itália.

Cada um desses alimentos, hoje cultivados em diferentes rincões mundo afo-


ra, tiveram uma história particular de expansão. O milho, apoiado por sua notável
produtividade, foi introduzido logo no século XVI. Embora tenha levado duzentos
anos para se consolidar, acabou por se espalhar e assumindo importância em regi-
ões da Península Ibérica, Itália, França, Balcãs, na Europa, norte do Congo e Be-
nim, na África, na Índia, Birmânia, Japão e China.

A batata teria difusão um pouco mais lenta e encontraria maior resistência em


regiões da Ásia e em países muçulmanos, mas na virada do século XVIII ganha-
ria plenamente a Europa. Do outro lado do Atlântico, a paisagem começaria a ser
alterada mais velozmente. Nos séculos XV e XVI, as ilhas Atlânticas – Canárias,
Madeira, Açores, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe – haviam servido de laboratório
para a montagem de um sistema de colonização baseado na produção de cana-de-
-açúcar com base no trabalho escravo de nativos e africanos. Mercadoria de luxo
com alto potencial lucrativo, a produção de açúcar seria iniciada na ilha de Hispa-
niola logo em 1505, quatro anos depois chegaram os primeiros escravos da África
para se somarem aos trabalhadores indígenas, cuja população entrava em declínio
acelerado. Na falta de metais preciosos, principal alvo do mercantilismo, o açúcar
despontaria como a grande aposta do colonialismo ibérico em terras americanas.

Na América portuguesa, após uma fase de escambo com os indígenas, teve


início o plantio de cana em meio à necessidade de garantir a posse do território.
Em 1532, Martim Afonso de Sousa instalou o primeiro engenho do Brasil na vila de

29
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

São Vicente. Nos anos seguintes, o cultivo se espalhou pelo litoral de outras capi-
tanias, prosperando especialmente no Nordeste, em Pernambuco e na Bahia, mas
também no Rio de Janeiro, na região de Campos dos Goitacazes. Além de açúcar,
produziam-se quantidades importantes de cachaça, também chamada jeribita, mui-
to consumida localmente, mas também exportada, especialmente para a África, na
região de Angola, onde era trocada por trabalhadores escravizados.

Os livros didáticos perpetuaram a ideia errônea de que a história econômica do


Brasil colonial seria baseada em ciclos, sendo o do açúcar o segundo deles, prece-
dido pelo do pau-brasil e sucedido pelo do ouro, porém, a historiografia demonstra
que a produção canavieira nunca cessou, atingindo maior faturamento do que a mi-
neração ao longo do século XVIII, muito embora a competição internacional tenha
aumentado enormemente.

Nos primeiros dois séculos de colonização, o império espanhol não represen-


tou grande competidor, apesar de sua incursão precoce no ramo açucareiro. A ex-
ploração de ouro e prata na Mesoamérica e nos Andes concentrou a maior parte
os esforços hispânicos, relegando a produção de açúcar do Caribe espanhol a se-
gundo plano. Os luso-brasileiros se beneficiaram do domínio que detinham sobre o
tráfico transatlântico de escravos e de condições ambientais vantajosas, ultrapas-
sando rapidamente os concorrentes castelhanos. Até o século XVII, os portugue-
ses praticamente monopolizaram o mercado internacional de açúcar. O panorama
mudou após as invasões holandesas. Depois que foram expulsos, em 1654, os fla-
mengos fizeram parcerias com franceses e ingleses, transferindo para as Antilhas
todo o conhecimento técnico e logístico que tinham acumulado no Brasil.

FIGURA 9 – ENGENHO DE ITAMARACÁ, DO PINTOR HOLANDÊS


FRANS POST PARA O MAPA DE GASPAR BARLAEUS, 1647

FONTE: <http://bit.ly/2W53iYw>. Acesso em: 19 nov. 2018.

Martinica e Saint-Domingue (Haiti), do lado francês, Barbados e Jamaica,


do lado britânico, se tornariam grandes produtores de açúcar e melaço de cana,

30
Capítulo 1 História da Alimentação

abalando as saídas baianas e pernambucanas. Contudo, a elasticidade do


mercado e conflitos bélicos entre as metrópoles dos rivais caribenhos impediram
uma retração uniforme das exportações brasileiras, que mantiveram médias
bastante competitivas ao menos até meados do século XIX, quando explodiram
as exportações cubanas.

Os circuitos agroexportadores e a extração de metais preciosos no Novo


Mundo geraram mercados internos cujo abastecimento mobilizou tanto culturas
originárias das Américas quanto plantas e animais trazidos de fora para
aclimatação local. Pouco se menciona, mas São Paulo se destacou pela produção
de trigo, no século XVII, com base na escravização de indígenas. Enquanto a
população local consumia principalmente mandioca, milho e feijão, o planalto
paulista, “celeiro do Brasil” na acepção de John Manuel Monteiro (1994), produzia
farinha de trigo para o mercado do litoral, especialmente o Rio de Janeiro.

FIGURA 10 – INDÍGENA DO MÉXICO CULTIVANDO TRIGO TRANSPLANTADO


PARA A AMÉRICA PELOS ESPANHÓIS UTILIZANDO UTENSÍLIOS EUROPEUS

FONTE: Braudel (2005, p. 152)

31
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

O gado bovino também foi cedo introduzido na colônia, crescendo


O charque,
junto à farinha em virtude do mercado para a carne, o couro e a tração de carroças e
de mandioca, moendas. A riqueza da região açucareira, a abundância de pastagens e
constituiu a base o relevo sem grandes barreiras tornaram o Nordeste o primeiro grande
da alimentação dos
escravos. sítio pecuarista brasileiro, com bovinos de origem indiana. Os pampas
do Sul logo seriam palco de uma segunda onda pecuarista, despontan-
do a partir de missões jesuíticas nas proximidades do território que viria a ser o
Uruguai. No início do século XVI, o rebanho luso-brasileiro já alcançava cerca de
1,5 milhão de cabeças. Em fins do século XVIII, o Rio Grande do Sul comerciali-
zaria aproximadamente 13 arrobas de charque. Esse número chegaria a 600 mil
arrobas no início do Oitocentos.

Essa atividade foi alavancada pela descoberta de metais preciosos em Minas


Gerais, fenômeno que efetivamente formou uma rede interna de abastecimento,
ramo até então bastante desconexo, preso ao litoral e ainda muito dependente
de importações. A fundação de vilas e cidades e o enorme fluxo migratório para a
região das minas mobilizou comerciantes itinerantes conhecidos como tropeiros,
que vendiam alimentos, especialmente charque do sul, e animais de carga que
serviam para o transporte dos minérios e de artigos diversos para as regiões por-
tuárias. O charque, junto à farinha de mandioca, constituiu a base da alimentação
dos escravos.

O caso luso-brasileiro é representativo da configuração interconectada as-


sumida por outros sistemas coloniais. No império britânico, as colônias do Norte
do território, que deram origem aos Estados Unidos, a chamada Nova Inglaterra
e, em um segundo momento, as colônias do Meio cresceram comercialmente for-
necendo carne bovina e suína, cereais (trigo, aveia e milho), peixes secos, frutas
e mantimentos diversos para as Índias Ocidentais produtoras de açúcar, obtendo
preferencialmente melaço para a fabricação de rum que seria destinado à impor-
tação de escravos para serem vendidos no Sul. Com efeito, rum e cachaça cum-
priam o mesmo papel no circuito do infame comércio de cativos.

O café assumiria um lugar de destaque nessa história, mas um pouco mais


tarde. Originário da Etiópia, a planta circulou bastante pelo mundo árabe, sendo
cultivado com maior profusão no Iêmen a partir do século XV. Não por acaso, a ci-
dade portuária iemenita, Moca, hoje dá nome a uma das principais variedades do
grão. Estimulante, a bebida serviria de substituto do álcool, proibido pela religião
muçulmana, mediando a sociabilidade masculina em estabelecimentos especia-
lizados para o seu consumo. No início do século XVII, a bebida começou a ser
apreciada no mundo ocidental, penetrando primeiro em Veneza, via Istambul.

Na década de 1640, o produto começaria a ser consumido na França, berço


dos famosos cafés europeus, daí se espalhando gradualmente para outros paí-

32
Capítulo 1 História da Alimentação

ses. Os holandeses, que estavam encontrando dificuldades no Atlântico, foram


os primeiros a abocanharem o negócio na Europa, introduzindo o cultivo em larga
escala em Java, atual Indonésia, no final daquele século. Em 1718, o arbusto foi
aclimatado na América, a começar pela colônia holandesa do Suriname. Pouco
tempo depois, o Caribe despontaria como região produtora, ocupando paisagens
não desbravadas pela cana.

A cafeicultura dependia de menos investimentos do que o açúcar, que ne-


cessitava de uma estrutura de engenho bastante dispendiosa, o que permitiu que
outros grupos se envolvessem no cultivo. Em Saint-Domingue, que se tornou a
maior produtora mundial tanto de café quanto de açúcar em fins do século XVIII,
ganhou corpo uma grande rivalidade entre brancos produtores de açúcar e negros
livres produtores de café. Mais um ingrediente do verdadeiro barril de pólvora que
se tornou aquela sociedade, na qual cerca de 90% da população era composta de
trabalhadores escravizados. O colapso da economia haitiana, após a Revolução
(1791-1804), abriu uma enorme brecha no mercado internacional. Brasil e Cuba
seriam os principais beneficiados dessa brecha, expandindo suas produções de
açúcar e café com base na exploração em larga escala de trabalhadores escravos
trazidos, em grande parte, ilegalmente da África.

Após a década de 1830, ficaria marcada uma vantagem competitiva brasilei-


ra nas exportações cafeeiras e cubana nas açucareiras. O café havia começado a
ser plantado nas cercanias da cidade do Rio de Janeiro no século XVIII, expandin-
do-se rumo ao Vale do Paraíba fluminense, que contava com condições especial-
mente propícias para o cultivo da planta, com uma enorme fronteira agrícola a ser
aberta e uma rede de caminhos abertos no período da mineração já que se tratava
de uma região de trânsito entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro. Cuba assumiria
vantagem na economia açucareira, que se expandiu da jurisdição de Havana em
direção a Matanzas e Santa Clara. A segunda região das Américas a possuir uma
malha ferroviária, após os Estados Unidos, foi justamente a ilha espanhola, que a
implantou na década de 1830 para agilizar o escoamento do açúcar. Os índices
das exportações cafeeiras e açucareiras atingiriam níveis inéditos, inundando os
mercados dos países industrializados esses estimulantes, antes artigos de luxo,
agora compatíveis com o padrão de consumo da classe trabalhadora europeia e
norte-americana. Suportar o trabalho extenuante nas fábricas passaria pelo con-
sumo de grandes quantidades de açúcar e café.

Autores como Harriet Friedmann e Philip McMichael têm se valido do concei-


to de “regime alimentar” para enquadrar as relações agrícolas internacionais de
produção e consumo, bem como as relações entre Estado e mercado, nos perío-
dos de hegemonia das nações britânicas e norte-americana. Trata-se de uma “es-
trutura regulamentada de produção e consumo de alimentos em escala mundial”
(FRIEDMANN, 1993). Em outras palavras, a agricultura comercial em escala glo-

33
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

bal não obedece a uma ordem “natural” de relações entre oferta e demanda, mas
é resultado de uma série de manobras de forças políticas e pressões econômicas
que se articulam para garantir a lucratividade da produção e o consumo massivo
de determinados produtos ao redor do planeta. Identificam-se três regimes ali-
mentares ao longo da história do capitalismo: o regime alimentar imperial, estabe-
lecido (1870-1930), que combinou o envio de produtos tropicais das colônias para
a Europa e a importação de grãos, especialmente trigo, por parte dos territórios
coloniais; o regime alimentar intensivo, determinado pelos Estados Unidos (1950-
1970), que redirecionou com grande apoio da publicidade os fluxos de alimen-
tos excedentes estadunidenses para os territórios pós-coloniais sobre sua área
de influência após a Segunda Guerra Mundial; e o regime alimentar corporativo
(1980-2000), também centrado nos Estados Unidos, que promoveu a “revolução
do supermercado” mediante o controle do mercado pelas grandes corporações,
interessadas no consumo de determinadas marcas.

A diferença da era dos regimes alimentares do período anterior (colonialismos


dos séculos XVI-XVIII) reside especialmente na existência de um preço mundial
para gêneros de primeira necessidade, começando pelo trigo. Nos dizeres de Mc-
Michael (2016, p. 41 ), “no final das contas, um regime alimentar envolve a submis-
são de rotas internacionais de produtos alimentícios a um preço de mercado admi-
nistrado”, gerando degradação ambiental desenfreada, concentração, espoliação e
dependência. Como exemplo dos efeitos dos regimes alimentares, pode-se men-
cionar o fato de que cerca de dois milhões de camponeses mexicanos produtores
de milho perderam suas terras nos anos 1990 em razão das exportações a baixo
custo fundamentadas por altos subsídios do governo dos Estados Unidos e pelo
uso de agrotóxicos. Outro caso é o dos pequenos agricultores incapazes de atender
às rígidas certificações sanitárias e tecnológicas, como, no Brasil, as do S.I.F. (Ser-
viço de Inspeção Federal), que, embora importantes em termos gerais para a pre-
servação da saúde dos consumidores, inibem a circulação, por exemplo, de queijos
e outros derivados do leite produzidos artesanalmente, garantindo o mercado para
os grandes produtores de laticínios em grandes cadeias de supermercados, que
não necessariamente apresentam qualidade superior.

Como já sugerido na seção anterior, todo esse movimento a um só tempo


impositivo, excludente, prejudicial ao meio ambiente e à saúde da população tem
sido problematizado não apenas pelos acadêmicos, mas por vários setores da
sociedade. A globalização não constitui exatamente uma grande “aldeia” onde as
pessoas livremente trocam e conhecem outras culturas. Trata-se, sobretudo, de
processo histórico prenhe de conflitos, desigualdades e aproximações forçadas,
no qual a alimentação ocupa lugar central.

34
Capítulo 1 História da Alimentação

Atividade de Estudo:

1 Aponte uma diferença entre as globalizações alimentares pré-


moderna e moderna.
2 Explique a importância da chegada dos europeus à América para
a história da alimentação.
3 Compare a inserção do açúcar e do café no circuito comercial do
Atlântico.
4 Qual foi o problema identificado pelos autores na configuração
dos regimes alimentares?
5 Assista ao documentário O mineiro e o queijo, disponível no
YouTube, e explique os problemas enfrentados pelos pequenos
produtores de laticínios de Minas Gerais.
6 Assista ao documentário Corporation, também disponível no
YouTube, e explique a forma como é retratada a atuação da
grande empresa de produtos químicos norte-americana do ramo
do agronegócio.

4 SABERES CULINÁRIOS ATRAVÉS


DA HISTÓRIA
O ato de preparar ou confeccionar os alimentos em geral é definido pela
palavra de origem latina culinária, mas, atualmente, em função da proliferação
de cursos de formação superior na área e da elevação do status da profissão de
cozinheiro, fala-se mais em gastronomia (da junção do grego gaster ou gastros,
estômago, com gnomos, conhecimento) do que em culinária. Alguns autores
sustentam que a gastronomia, como ramo do saber, vai muito além da preparação
do alimento em si, representando o estudo da relação entre cultura e alimento.
Como prática, visa não só saciar a fome, mas proporcionar prazer, agradando
todos os sentidos.

De todo modo, entre a culinária e a gastronomia, o certo é que o preparo de


alimentos é uma das atividades mais significativas e multifacetadas da história da
humanidade: ao alimentar o corpo, deixam-se marcas inapagáveis na memória,
mobilizam-se afetos, sensibilidades e sentimentos dos mais profundos.

35
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Tente se lembrar de uma das primeiras e mais significativas


lembranças gastronômicas de sua vida. Qual é a sensação ao
recuperar essa memória?

Saberes e práticas culinárias vêm sendo transmitidos de variadas formas


ao longo da história. As sociedades que desenvolveram formas de escrita
produziram livros de culinária como forma de registro, compilação e divulgação de
conhecimentos e técnicas de preparação dos alimentos.

FIGURA 11 – MÃE MEXICANA ENSINANDO SUA FILHA A FAZER


UMA TORTILHA DE MILHO. CÓDICE FLORENTINO

FONTE: <http://andanzas-ciencia-cultura.blogspot.com/2015/02/
nixtamalizacion-del-maiz.html>. Acesso em: 20 nov. 2018.

Os mais antigos datam dos séculos V e IV a.C. Muito frequentemente, além


da listagem por escrito de ingredientes, proporções, quantidades, forma e tempo
de cozimento, técnicas e formas de utilização de utensílios e tecnologias especiais,

36
Capítulo 1 História da Alimentação

tais livros são acrescidos de fontes visuais, desde gravuras até fotografias nos
mais recentes, que enriquecem muito a percepção sobre costumes, usos e gostos
de uma época. Como sabemos, os gostos por sabores e odores dos alimentos
também são históricos. Portanto, respondem a uma série de estímulos culturais e
econômicos e sofrem transformações com o passar do tempo.

A criação de escolas de gastronomia é um fenômeno relativamente recente,


datando em sua maioria do século XIX. Durante muito tempo, a formação
profissional se deu por uma relação entre mestres e aprendizes no cotidiano das
cozinhas de restaurantes, estalagens, tavernas, palácios e em casernas militares.
Inclusive, existe uma clara relação entre a hierarquia militar e a organização das
cozinhas profissionais no Ocidente. Atualmente, ganha fôlego um cosmopolitismo
gastronômico, isto é, tende-se a valorizar as culinárias regionais das mais diversas
partes do mundo. Não obstante, a França continua sendo a grande referência em
termos de técnicas, terminologias e as formas de organização na cozinha.

Um grande marco da projeção internacional francesa foi a criação, em 1895,


da escola Le Cordon Bleu, referência à Ordem dos Cavaleiros do Santo Espírito,
cuja honraria era representada por um cordão azul. Além do que, atribui-se ao
chef francês Georges-Auguste Escoffier (1847-1935) a organização do “sistema
de brigada”, no qual existem responsabilidades muito claras para os membros
da equipe de uma cozinha profissional. No Brasil, desde o final da década de
1990, as escolas de gastronomia em nível técnico e superior têm crescido país
afora, explorando-se o potencial turístico e aproveitando-se o aumento do poder
de consumo da população nos anos 2000.

TABELA 1 – HIERARQUIA DA COZINHA PROFISSIONAL

37
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

FONTE: <http://gasbasica.blogspot.com/2015/03/hierarquia-da-
cozinha-profissional.html>. Acesso em: 20 nov. 2018.

Sem negar a importância de livros e escolas, é possível dizer que a


experiência, o convívio e a oralidade têm sido as vias de transmissão mais
duradoras da arte de cozinhar. ­O ambiente familiar, o espaço da casa, foi
o locus primordial da transmissão de conhecimentos culinários. Em diver-
sas regiões do mundo ocidental, um suporte importante para o registro e
sistematização cotidiana de práticas culinárias foram os cadernos de recei-
tas, testemunhos eminentemente femininos. Como destaca Rogéria Du-
tra (2014, p. 5), esses cadernos, muitas vezes de autoria coletiva de avós,
mães, tias e filhas, lidam com “um saber doméstico fortemente ancorado na
prática”, constituindo uma “janela alternativa para a expressão individual das
mulheres” e da cultura alimentar das sociedades nas quais se inscrevem.

FIGURA 12 – LIVRO DE RECEITAS

FONTE: <https://oglobo.globo.com/ela/gastronomia/cadernos-de-receitas-do-sul-
de-minas-sao-tratados-como-tesouros-21144443>. Acesso em: 20 nov. 2018.

38
Capítulo 1 História da Alimentação

Em sua casa havia um livro de receitas? Se sim, quem o comple-


tava? Quem o consultava? Qual é a importância dele em sua casa?

Certas atividades profissionais, como a dos tropeiros, mencionados


anteriormente, por exemplo, formaram repertórios culinários riquíssimos, que
influenciaram diversas culinárias regionais. Durante as longas jornadas que
faziam transportando mantimentos, aqueles homens necessitavam consumir
refeições com elevado teor calórico. Normalmente, o tropeiro mais experiente
era responsável pelo preparo das refeições enquanto a tropa era arreada pelos
demais. Logo de madrugada, o feijão era posto para cozinhar em um tripé de
ferro e o toucinho era frito numa panela grande. Na parada do almoço, os homens
comiam um composto de feijão, toucinho, farinha de mandioca, carne seca ou
linguiça (quando havia), acompanhado de arroz, couve ou ora-pro-nóbis. Daí
nasceu o famoso feijão tropeiro e uma tradição transmitida ao longo de várias
gerações antes de chegar aos livros de receita e sites da internet.

Efetue uma pesquisa sobre as origens de um prato típico de sua


região, buscando saber a forma como os conhecimentos em torno de
seu preparo foram registrados e transmitidos.

Efetivamente, a internet constitui um extraordinário veículo para a


transmissão de saberes culinários. Uma infinidade de sites especializados contém
uma torrente enorme de informações sobre técnicas de preparo, harmonização
com bebidas e assim por diante. Cada vez mais, receitas escritas dão lugar a
vídeos com cozinheiros profissionais e amadores demonstrando como fazer todo
tipo de prato, das mais variadas origens, como os mais variados ingredientes. Os
programas de culinária estão cada vez mais populares e ajudam na glamurização
da profissão dos chamados chefs de cozinha. Ainda assim, é inegável que tais
programas têm estimulado as pessoas a cozinharem mais e a ampliarem seu
repertório gastronômico, o que é muito positivo.

39
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Atividade de Estudo

1 Assista a dois programas distintos de culinária na televisão e es-


tabeleça um comparativo, identificando semelhanças e diferen-
ças quanto ao enfoque das formas de preparo e degustação dos
alimentos. Por fim, efetue uma avaliação crítica, registrando suas
impressões a respeito do papel desse tipo de produto cultural na
transmissão de saberes culinários.
2 Encontre e analise um livro de culinária qualquer, identificando
aspectos como: organização, forma de transmissão das informa-
ções e tipo de comida a que se dedica.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Ao longo do capítulo, vimos como em diferentes épocas e em diferentes
culturas, os alimentos eram obtidos e consumidos; percebemos que os alimentos
disseminados pelo globo nos dias atuais eram em grande parte bastante restritos
a determinadas regiões até o início da Era Moderna; discutimos as implicações
das globalizações alimentares e refletimos a respeito de algumas das principais
formas de transmissão dos saberes culinários.

A pretensão aqui não foi esgotar o assunto, mas apresentar uma breve,
porém consistente, introdução a respeito do tema, indicando caminhos e
levantando problemas. As transformações históricas que marcaram o acesso aos
alimentos representam aspecto vital para o entendimento das forças que movem
o consumo na atualidade. As reflexões aqui tecidas servirão de base para os
demais capítulos, nos quais a alimentação no mundo contemporâneo e a questão
específica das necessidades nutricionais de crianças e adolescentes em idade
escolar serão enfrentados diretamente.

REFERÊNCIAS
BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo – séculos
XV – XVIII: as estruturas do cotidiano. v. 1. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

CARNEIRO, Henrique. Comida e sociedade: uma história da alimentação. 7. ed.


Rio de janeiro: Elsevier, 2003.

40
Capítulo 1 História da Alimentação

CASCUDO, Luís da Câmara. História da alimentação no Brasil. 3. ed. São


Paulo: Global, 2004.

DUTRA, Rogéria Campos de Almeida. Registro, memória e transmissão


cultural: os textos culinários e o caderno de receitas. Trabalho apresentado na
29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizado entre os dias 3 a 6 de agosto
de 2014, Natal, RN.

FRIEDMANN, H. The political economy of food: a global crisis. New Left


Review, London, n. 197, pp. 27-59, 1993.

FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo. História da alimentação. 6.


ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.

KIPLE, Kenneth F.; ORNELAS Kriemhild Coneè. The Cambridge World History
of Food. Cambridge: Cambridge University Press, 2008

LÉVI-STRAUSS, Claude. Mitológicas ll – do mel às cinzas. São Paulo: Cosac


e Naify, 2005.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Mitológicas I – o cru e o cozido. São Paulo: Cosac e


Naify, 2004.

LOCKARD, Craig. Societies, networks and transitions: a global history.


Florence: Cengage Learning, Inc., 2014.

MCMICHAEL, Philip. Regimes alimentares e questões agrárias. Porto Alegre:


São Paulo: Editora da UFRGS; Editora UNESP, 2016.

41
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

42
C APÍTULO 2
Alimentação na
Contemporaneidade

A partir da perspectiva do saber-fazer são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� compreender as relações entre fome e desigualdade social;

� entender como os alimentos ultraprocessados e os agrotóxicos são prejudiciais


à vida planetária;

� diferenciar alimentos in natura, processados e ultraprocessados;

� contribuir para a reflexão sobre práticas alimentares sustentáveis.


Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

44
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Este capítulo é baseado, principalmente, no levantamento de dados recentes
das Nações Unidas e do IBGE, além, claro, das contribuições dos principais
especialistas. O foco é o esclarecimento a respeito dos problemas e dilemas
que envolvem o consumo de alimentos no mundo contemporâneo. Parte-se do
problema humano básico da falta de alimentos, que é inserido no leque mais
amplo da noção de insegurança alimentar. Em seguida, explora-se a classificação
dos alimentos em in natura / minimamente processados, ingredientes culinários,
processados e ultraprocessados, destacando especialmente os malefícios
dos ultraprocessados. Por fim, exploram-se os dilemas que envolvem o uso de
agrotóxicos na produção de alimentos.

2 A QUESTÃO DA FOME E DA MÁ
NUTRIÇÃO NO BRASIL
FIGURA 1 – RETIRANTES, DE PORTINARI (1944)

FONTE: <http://www.portinari.org.br/>. Acesso em: 4 nov. 2018.

45
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma


cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo
ventre crescido sobre as mesmas pernas finas e iguais
também porque o sangue, que usamos tem pouca tinta. E se
somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte
igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de
fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte
severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida)
(MELO NETO, 1974, p. 73).

Em uma linguagem objetiva, é possível definir a fome como a incapacidade


de se consumir o total calórico correspondente ao gasto energético do organismo
(ABRAMOVAY,1985). Todavia, esta definição literal é muito menos fiel à realidade
do que representações artísticas como as de Portinari e Mello Neto que produzem
sensibilidade e empatia em torno da questão humana da fome.

Temos diante de nós um fenômeno social perene, que marcou de forma grave
toda a história da humanidade. É causa de sofrimento irreparável e está associada
a complexas variáveis de caris socioambiental, geopolítico e econômico.

No entanto, o seu enquadramento como um problema humanitário a ser


superado é relativamente recente. Até duzentos anos atrás, a fome era tratada
como uma ocorrência natural, inevitável e até mesmo necessária.

FIGURA 2 – THOMAS MALTHUS (1766-1884)

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Malthus>. Acesso em: 4 nov. 2018.

46
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

No final do século XVIII, o pastor protestante Thomas Malthus (Figura 2) fundou


a influente teoria de que a produção de alimentos cresceria em progressão aritmética
enquanto as populações cresceriam em progressão geométrica (mais acelerada),
criando uma aporia fundamental: a humanidade estaria fadada ao colapso alimentar
(MALTHUS, 1996). Contudo, essa tese caiu por terra há muito tempo. O aumento
da eficiência produtiva agropecuária ao redor do mundo e o desenvolvimento da
ciência e da tecnologia associada à grande indústria permitiram que a humanidade
superasse o nó representado pelo desequilíbrio entre crescimento populacional e
produção de alimentos (CARVALHO FILHO, 1995).

Busque informações sobre a teoria neomalthusiana, em voga a


partir da década de 1960.

Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), teve início a chamada Revolução Verde,
um conjunto de
Revolução Verde, um conjunto de inovações destinado a aumentar a inovações destinado
produtividade mediante a disseminação de novas técnicas, sementes a aumentar a
geneticamente modificadas, agrotóxicos, fertilizantes químicos, produtividade
mediante a
maquinários e insumos agrícolas (ANDRADES; GANIMI, 2007). Seu disseminação de
precursor foi o engenheiro agrícola Norman Borlaug, que desenvolveu novas técnicas,
sementes
um programa de produção cooperativa de trigo no México, em parceria geneticamente
com a Fundação Rockefeller. Em pouco tempo, o país passou de modificadas,
importador a autossuficiente na produção de trigo (transgênico). agrotóxicos,
fertilizantes
químicos,
Nas duas décadas seguintes, outros países, incluindo o Brasil, maquinários e
insumos agrícolas.
adotaram o sistema criado por Borlaug, que recebeu o Nobel da Paz em
1970 por suas contribuições para a redução da fome mundial. O problema é que não
há mecanismos que assegurem uma segurança alimentar em termos globais, nem
em termos de acesso, nem em termos de qualidade do que se consome. Os preços
agrícolas, ora entregues aos humores dos mecanismos de mercado ora ajustados
por políticas protecionistas dos países desenvolvidos, apresentam variações
caóticas, prejudicando países e pessoas mais pobres. Aliado a isso, o uso massivo
de agrotóxicos, antibióticos e outras substâncias causadores de prejuízos ao meio
ambiente, aos animais e à saúde das pessoas (ANDRADES; GANIMI, 2007).

No que diz respeito ao acesso à comida, é importante registrar que


concentração de renda e desaceleração econômica, bem como conflitos armados
e mudanças/intempéries climáticas, são os fatores responsáveis pela manutenção
de índices elevados de subalimentação ao redor do planeta.

47
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Segundo dados das Nações Unidas (ONU, 2017), a fome afetou 815 milhões
de pessoas, 11% da população global. Embora as projeções para o crescimento
demográfico nos próximos anos e o ritmo de esgotamento dos ecossistemas
coloquem um sinal de alerta para o futuro, há um consenso de que, na
contemporaneidade, a fome tem sido provocada muito mais pela impossibilidade
de acesso do que pela ausência de oferta.

Segundo o especialista Ricardo Abramovay (2010, p. 38),

na raiz dessa impossibilidade estão não apenas falta de dinheiro


para comprar comida, mas, como mostram inúmeros trabalhos
do Prêmio Nobel de Economia, Amartya Sen, falta de democracia
para que políticas públicas permitam que cheguem os alimentos
aos que não podem produzi-los ou adquiri-los no mercado.

QUADRO 1 – PRINCIPAIS DADOS – ONU – 2017

Fome e segurança alimentar


O número total de pessoas com fome no mundo é de 815 milhões:
– Na Ásia: 520 milhões
– Na África: 243 milhões
– Na América Latina e no Caribe: 42 milhões
Porcentagem da população mundial vítima da fome: 11%
– Ásia: 11,7%
– África: 20% (Na África Ocidental: 33,9%)
– América Latina e Caribe: 6,6%
Outros indicadores de má nutrição
– Crianças menores de 5 anos que sofrem com atraso no crescimento (estatura baixa para
idade): 155 milhões;
– Crianças menores de 5 anos que estão com o peso abaixo do ideal para a estatura: 52
milhões;
– Mulheres em idade reprodutiva afetadas por anemia: 613 milhões (cerca de 33% do total).

FONTE: <https://nacoesunidas.org/onu-apos-uma-decada-de-queda-
fome-volta-a-crescer-no-mundo/>. Acesso em: 4 nov. 2018.

Ainda de acordo com Abramovay (2000, p. A3) “a verdade é que o mundo


produz mais do que necessita para a alimentação humana: mas nem sempre se
produz ali onde é preciso”. Nesse sentido, ele identifica, sim, um problema de
oferta versus população, mas nas regiões do globo onde a subalimentação ocorre
de forma mais intensa: “é exatamente onde o crescimento populacional ainda é
alto (Índia, Bangladesh e África negra) que o problema da fome se manifesta com
maior severidade” (ABRAMOVAY, 2000, p. A3).
48
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

Esta constatação traz, segundo o autor, uma dupla consequência.

Em primeiro lugar, o maior desafio da pesquisa agronômica


hoje não está mais em elevar a produtividade de maneira
geral, mas de fazê-lo exatamente nas regiões do planeta que
estiveram alijadas da Revolução Verde. Alguns chegam a falar
da necessidade de uma ‘revolução duplamente verde’ que
aumente os rendimentos do solo pela introdução de inovações
biológicas que se apoiem no conhecimento dos processos
naturais e dos procedimentos dos agricultores que vivem em
regiões problemáticas e não pelo uso em larga escala de
insumos de origem industrial. Tanto mais que os ecossistemas
em que vivem as populações gravemente desnutridas estão
entre os mais frágeis. A segunda consequência é que os países
em que se concentra a maior parte das fronteiras agrícolas
do Planeta – como o Brasil – deveriam ser mais prudentes
na abertura de novas áreas: correm o risco de sacrificar um
patrimônio ambiental precioso para satisfazer uma demanda
que nada indica ser explosiva (ABRAMOVAY, 2000, p. A3).

Desde 1990, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimenta-
ção (FAO) divulga periodicamente o Mapa da Fome no mundo, indicando a espa-
cialização da carência alimentar entre as diferentes nações. Para sair do mapa,
cada estado nacional deve ter menos de 5% da população ingerindo menos calo-
rias do que o recomendado por viver com menos de US$ 1,00 ao dia. Em 2014, o
Brasil saiu pela primeira vez, registrando 3% de sua população ingerindo calorias
insuficientes. Na década anterior, o país realizou importantes progressos no com-
bate à extrema pobreza, que foi reduzida em 75% (PARAGUASSU, 2014).

FIGURA 3 – MAPA DA FOME DE 2018

FONTE: <https://www.wfp.org/content/2018-hunger-map>. Acesso em: 4 nov. 2018.

49
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

No entanto, o fantasma da fome não deixou de rondar o Brasil. É o que diz um


relatório elaborado apresentado em julho de 2017 por entidades da sociedade civil
sobre o desempenho decrescente do país no combate à fome (COSTA, 2017). O re-
cado é claro: há risco de voltarmos ao Mapa da Fome. A esse respeito, o Jornal Nexo
realizou uma instrutiva entrevista com Francisco Menezes, coordenador do Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE). Reproduzimos a seguir:

QUADRO 2 – ENTREVISTA

“O que é o mapa da fome da ONU?


FRANCISCO MENEZES: A FAO, organização da ONU que trabalha a
questão da alimentação e agricultura, trabalha com um indicador chamado
‘prevalência da subalimentação’ para dimensionar e acompanhar a fome
em nível internacional. Ela combina dados sobre a oferta de alimentos e
outros e aplica questionários a uma amostra da população para estimar a
proporção de pessoas abaixo de um requisito de energia dietética mínima.
O mapa indica desde 1990 o número global de pessoas subalimentadas
no mundo e mostra que regiões obtiveram progressos nas proporções de
pessoas subalimentadas. Quando o indicador está acima de 5%, o país está
dentro do Mapa da Fome. Quando cai abaixo de 5%, o país sai do Mapa
da Fome. O Brasil saiu desse mapa em 2014. O governo brasileiro também
faz isso periodicamente – aplica questionários que captam a percepção das
famílias em relação à sua capacidade de acesso a alimentos. As perguntas
variam desde a ausência de alimentos atingindo membros da família até o
receio de passar a ficar sem alimentos no futuro.
Por que o Brasil saiu do Mapa da Fome em 2014?
FRANCISCO MENEZES: O país aplicou um conjunto de políticas
públicas que permitiu isso. Desde políticas de caráter macroeconômico,
como o quase pleno emprego, a formalização do trabalho e a correção do
salário mínimo acima da inflação, que não gera efeitos só para quem ganha
o salário mínimo, mas irradia para o fortalecimento de economias locais.
A transferência de renda do Bolsa Família, que não é um programa de
segurança alimentar propriamente dito, também teve impacto. Os recursos
são utilizados sobretudo em alimentação. E há programas importantes
regionalmente. Cito as cisternas no semiárido, a aquisição de alimentos
da agricultura familiar – que garantiu um mercado a ela – e o programa
de alimentação escolar, que já existia há mais de 50 anos, mas teve seu
valor recuperado. A merenda escolar tem um peso muito forte junto a
famílias mais pobres. Quando a FAO fez a pesquisa em 2014, o índice de
prevalência de subalimentação no Brasil foi de 3%.
Por que o Brasil pode voltar ao Mapa da Fome?

50
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

FRANCISCO MENEZES O Brasil é signatário dos objetivos de


desenvolvimento sustentável da ONU. São 17 objetivos, e um deles é
erradicar a fome até 2030. É feito um acompanhamento sobre cada um
desses objetivos. Neste ano [2017], o governo deverá prestar contas à ONU
sobre eles, mas as organizações da sociedade civil – e isso é estimulado
pela ONU – também se juntaram para fazer um monitoramento e apresentá-
lo. Em torno de 20 organizações prepararam um relatório, e quanto ao
objetivo de erradicação da fome, observamos que há risco de o país
retornar ao Mapa da Fome, talvez na próxima verificação que a FAO fizer. A
fome está muito associada à pobreza extrema, e temos preocupação sobre
políticas de restrições orçamentárias que estão sendo implementadas.
Em 2015 já foi bastante problemático. E agora, com medidas como a
PEC que congelou os gastos por 20 anos, que consideramos perigosa em
termos de enfrentamento da desigualdade social e da pobreza. A situação
de desemprego, que se agravou muito, também é ameaçadora. Não só
pelos 14 milhões desempregados, mas também sobre quem ele está
atingindo – as populações mais pobres são as mais prejudicadas nesse
quadro. Além disso, o governo cortou 1,1 milhão de benefícios do Bolsa
Família – ele alega irregularidades, mas pela experiência que temos essas
irregularidades são bastante minoritárias. Num quadro de desemprego,
esse nível de redução [do Bolsa Família] agrava a situação social.”

FONTE: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/07/23/Como-o-Brasil-
saiu-do-Mapa-da-Fome.-E-por-que-ele-pode-voltar>. Acesso em: 4 nov. 2018.

A Emenda Constitucional 95/2016 (PEC 241), que congelou


os gastos públicos é bastante controversa. Os seus apoiadores
sustentam que se trata de uma medida necessária para equilibrar as
contas públicas. Pesquise se e de que forma essa medida restringe
políticas públicas necessárias ao combate à fome no Brasil.

A síntese dos Indicadores Sociais 2017, divulgada pelo IBGE, reforça o


quadro, revelando que mais de 25,4% dos brasileiros ainda vivem na linha da
pobreza, possuindo uma renda familiar equivalente a R$ 387,07 ou US$ 5,5 por
dia, valor adotado como referência pelo Banco Mundial para definir a condição
de pobreza. A situação é ainda mais grave no que diz respeito às crianças de 0 a

51
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

14 anos: 42% delas se enquadra nessas condições no Brasil (IBGE, 2017). O ex-
ministro do Trabalho, Almir Pazzianotto Pinto, na coluna opinião do site Agência
Sindical:

Informações publicadas no Relatório de Atividades da Associa-


ção Brasileira do Agronegócio relativo a 2016 revelam que em
2015 foram colhidas 97.043.705 toneladas de soja, 12.312.315
de arroz, 85.707.796 de milho, 3.107.911 de feijão, 22.756.807
de mandioca, 5.425.856 de trigo, 351.453 de amendoim; e que
a produção de carne bovina foi da ordem de 7.613.163.153
quilos, 3.354.699.150 a de suínos, 12.990.348.875 a de fran-
gos, de 24 bilhões de litros a de leite e de quase 3 bilhões de
dúzias a de ovos. A fome não decorre da falta de alimentos,
mas da injusta distribuição de rendas, da falência da educação,
do colapso do ensino público, da ausência de trabalho para 13
milhões de desempregados e outros tantos subocupados em
tarefas ocasionais ou intermitentes (PINTO, 2018, s.p.).

FIGURA 4 – JOSUÉ DE CASTRO (1908-1973)

FONTE: <http://revistapesquisa.fapesp.br/2010/10/28/o-pensamento-
de-josu%C3%A9-de-castro/>. Acesso em: 4 nov. 2018.

O problema da fome no Brasil evidentemente não é novo. O médico


pernambucano Josué de Castro (1908-1973), representante da fina flor da
intelectualidade brasileira, foi pioneiro no mapeamento extensivo da fome no Brasil
em sua obra clássica a Geografia da Fome, de 1946, na qual identificou áreas de
fome endêmica (oculta) e epidêmica (aberta); as principais carências proteicas,
minerais e vitamínicas; e a influência de fatores ambientais (como secas), políticos

52
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

(falta de políticas públicas eficazes) e socioeconômicos (concentração de terras e


pobreza) (CASTRO, 1965).

Atividade de estudo

Pesquise sobre a fome endêmica e epidêmica. Analise sob quais
condições cada uma delas se manifesta. Relacione o conteúdo
pesquisado com a realidade da sua escola, comunidade ou
região e reflita sobre possíveis formas de intervenção.

FIGURA 5 – MAPA DAS PRINCIPAIS CARÊNCIAS EXISTENTES


NAS DIFERENTES ÁREAS ALIMENTARES DO BRASIL

FONTE: <http://obha.fiocruz.br/wp-content/uploads/2016/12/geografia-
da-fome-josue-decastro.pdf>. Acesso em: 4 nov. 2018.

53
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Sete décadas após o lançamento de a Geografia da Fome, a situa-


Segurança alimentar, ção melhorou, como diversos levantamentos nacionais e internacionais
que diz respeito ao
acesso permanente a vêm demonstrando, mas a disparidade entre os estados da federação,
alimentos suficientes zonas rurais e urbanas, ricos e pobres ainda é muito grande. As regiões
para uma vida
ativa e saudável, Norte e Nordeste continuam concentrando os piores indicativos. Dados
e da insegurança recentes do IBGE indicam que em estados como o Maranhão e o Piauí,
alimentar, que a fome é constatada em mais de 9% dos domicílios (IBGE, 2017).
representa, por
oposição, a
indisponibilidade O mapeamento do direito à alimentação vai além dos casos mais
de alimentos em
quantidade e extremos e passa pela consideração da segurança alimentar, que diz
qualidade adequadas respeito ao acesso permanente a alimentos suficientes para uma vida
para a satisfação ativa e saudável, e da insegurança alimentar, que representa, por opo-
das necessidades
essenciais em termos sição, a indisponibilidade de alimentos em quantidade e qualidade ade-
de quantidade e quadas para a satisfação das necessidades essenciais em termos de
qualidade
quantidade e qualidade (ALBUQUERQUE, 2009).

FIGURA 6 – SITUAÇÃO DE INSEGURANÇA ALIMENTAR

54
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

FONTE: <https://oglobo.globo.com/economia/fome-volta-assombrar-
familias-brasileiras-21569940>. Acesso em: 4 nov. 2018.

A alimentação adequada é um direito humano. Leia o texto apre-


sentado na página do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional e identifique quais as obrigações do Estado em relação
ao Direito Humano à Alimentação Adequada: Disponível em: <http://
www4.planalto.gov.br/consea/acesso-a-informacao/institucional/con-
ceitos/direito-humano-a-alimentacao-adequada>.

FIGURA 7 – ACESSO A ALIMENTOS

FONTE: <http://bit.ly/2JHPIUI>. Acesso em: 4 nov. 2018.

55
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Como se nota na Figura 7, a insegurança alimentar contém três classificações:


leve (quando há entre as famílias preocupação hipotética com a quantidade e a
qualidade de alimentos disponíveis), moderada (quando há restrições objetivas na
quantidade) e grave (quando há falta de alimentos chegando à fome). Não obstante
o recuo considerável observado nos últimos anos, em 2013, ainda foram registra-
dos 2,1 milhões de domicílios em situação de insegurança alimentar grave. No total,
registra-se cerca de 52 milhões de pessoas enquadradas em alguma forma insegu-
rança alimentar, dado que fica ainda mais alarmante quando constatamos que apro-
ximadamente 30% de toda a comida produzida no mundo, o equivalente 1,3 bilhão
de toneladas, vai parar no lixo, segundo estimativas da FAO (2017).

Vale a pena explorar o site da Agência de Notícias do IBGE


para se manter informado a respeito desse tema. Acesse: <https://
agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-
agencia-de-noticias/releases/14735-asi-pnad-inseguranca-alimentar-
nos-domicilios-cai-de-302-em-2009-para-226-em-2013>.

FIGURA 8 – DESIGUALDADE

FONTE: <https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,7-2-milhoes-de-pessoas-
convivem-a-fome-no-brasil-mostra-ibge,1608831>. Acesso em: 4 nov. 2018.

56
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

O que fica evidente é que, além do desequilíbrio regional, também existe


uma diferença de ordem étnico-racial, com uma incidência maior da insegurança
alimentar entre a população negra.

Por que a fome atinge, principalmente, negros e pardos?


Acesse: <http://www.seppir.gov.br/central-de-conteudos/noticias/no-
vembro/racismo-e-inseguranca-alimentar-e-tema-de-dialogo-na-5cnsan>.

O pesquisador Francisco de Assis Vasconcelos, reavaliando os indicativos de


originais de Josué de Castro, destacou o seguinte:

A releitura de Geografia da Fome evidencia quão viva, polêmica


e sedutora permanece esta obra sexagenária. Nos dias atuais,
ao perfil epidemiológico nutricional traçado por Josué de Castro,
caracterizado pelas carências nutricionais (desnutrição, hipovi-
taminoses, bócio endêmico, anemia ferropriva etc.), sobrepu-
seram-se as doenças crônicas não-transmissíveis (obesidade,
diabetes, dislipidemias etc.). Nesse aspecto, tanto o mapa das
cinco áreas alimentares como o das principais carências nutricio-
nais existentes no Brasil traçados em Geografia da Fome preci-
sam ser redesenhados em função deste novo perfil epidemioló-
gico nutricional brasileiro. Tarefa imprescindível, mas que ainda
está por vir. A questão da complexa e paradoxal problemática
da fome, entretanto, permanece como uma temática recorrente
no Brasil. Portanto, diante de alguns dilemas da atualidade, tais
como aqueles que dizem respeito à sustentabilidade ecológica
do planeta e à garantia do direito humano à alimentação, torna-
-se imperante reacender a luta defendida por Josué de Castro
pela adoção de um modelo de desenvolvimento econômico sus-
tentável e uma sociedade sem miséria e sem fome (VASCON-
CELOS, 2008, p. 2716).

Diante desse quadro, de modo conjugado ao problema da fome,


É preciso
e da insegurança alimentar como espectro mais amplo, é preciso considerar a noção
considerar a noção de desnutrição, “definida como uma condição clínica de desnutrição,
decorrente de uma deficiência ou excesso, relativo ou absoluto, de um “definida como uma
condição clínica
ou mais nutrientes essenciais” (BRASIL, 2000). decorrente de
uma deficiência ou
excesso, relativo
O diagnóstico de obesidade é feito por meio do cálculo do índice ou absoluto, de um
de massa corporal (IMC), método criado pelo cientista belga Adolphe ou mais nutrientes
Quételet (1796-1874), que consiste em dividir o peso dos indivíduos (em essenciais”
(BRASIL, 2000).
quilogramas) pelo quadrado de sua altura (em metros). IMC menor a 18,5

57
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

corresponde a pessoas com peso abaixo do normal; entre 18,5 e 24,9 é tido como
peso normal; entre 25 e 29,9 representa pessoas com peso acima do normal ou
sobrepeso; entre 30 e 30,9 é o que define a pessoa obesa; quando o IMC é maior
do que 40 considera-se a pessoa portadora de obesidade mórbida (BRASIL, 2000).

O número de obesos adultos no mundo hoje é de 641 milhões (13% do total);


crianças menores de 5 anos com sobrepeso atingem os 41 milhões; crianças e
jovens entre 5 e 19 anos que sofrem de obesidade chegam aos 124 milhões.
Como se sabe, a obesidade está associada a doenças como diabetes, problemas
cardiovasculares, entre outros (ONU, 2017).

Qual é o seu índice de massa corporal (IMC)?

FIGURA 9 – FÓRMULA PARA CALCULAR IMC

FONTE: <https://www.devmedia.com.br/calculando-o-indice-de-
massa-corporal-imc-delphi/23852>. Acesso em: 4 nov. 2018.

FIGURA 10 – TABELA DE CLASSIFICAÇÃO DE IMC

FONTE: <https://www.queroviverbem.com.br/como-calcular-imc/>. Acesso em: 4 nov. 2018.

58
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

No Brasil, de acordo com a última Pesquisa de Orçamentos Familiares


(POF), 33,5% das crianças de 5 a 9 anos têm excesso de peso; 16,6% do total de
meninos e 11,8% das meninas enquadradas nesse percentual geral de sobrepeso
também são obesos. O excesso de peso foi maior na área urbana do que na
rural. O Sudeste se destacou, com 40,3% dos meninos e 38% das meninas com
sobrepeso nessa faixa etária (IBGE, 2011)

A avaliação geral do IBGE é a seguinte:

O peso dos brasileiros vem aumentando nos últimos anos. Em


2009, uma em cada três crianças de 5 a 9 anos estava acima do
peso recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Já o déficit de altura (importante indicador de desnutrição) caiu
de 29,3% (1974-75) em para 7,2% (2008-09) entre meninos e
de 26,7% para 6,3% nas meninas, mas se sobressaiu no meio
rural da região Norte: 16% dos meninos e 13,5% das meninas.
A parcela dos meninos e rapazes de 10 a 19 anos de idade
com excesso de peso passou de 3,7% (1974-75) para 21,7%
(2008-09), já entre as meninas e moças o crescimento do
excesso de peso foi de 7,6% para 19,4%. Também o excesso
de peso em homens adultos saltou de 18,5% para 50,1% e
ultrapassou, em 2008-09, o das mulheres, que foi de 28,7%
para 48%. Nesse panorama, destaca-se a Região Sul (56,8%
de homens, 51,6% de mulheres), que também apresenta
os maiores percentuais de obesidade: 15,9% e homens e
19,6% de mulheres. O excesso de peso foi mais evidente nos
homens com maior rendimento (61,8%) e variou pouco para as
mulheres (45-49%) em todas as faixas de renda. Os resultados
são da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009,
realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério da Saúde.
A pesquisa também traz informações sobre as crianças com
menos de cinco anos: o déficit de altura foi de 6% no país,
sendo mais expressivo em meninas no primeiro ano de vida
(9,4%), crianças da região Norte (8,5%) e na faixa mais baixa
de rendimentos (8,2%) (IBGE, 2010, s.p.).

59
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

FIGURA 11 – PRINCIPAIS COMORBIDADES ASSOCIADAS À OBESIDADE

FONTE: <http://bit.ly/2XcERVG>. Acesso em: 4 nov. 2018.

É muito importante registrar que o excesso de peso não é necessariamente


sinal de prosperidade. A dieta causadora da obesidade, pobre em carboidratos
complexos e rica em açúcares e gorduras, é muito comum em famílias de
baixa renda, que buscam otimizar os recursos com o consumo de alimentos
industrializados altamente calóricos, que via de regra são cheios de aditivos
usados pela indústria para baixar custo e que fazem mal à saúde. Em certo
sentido, fome e obesidade são faces de uma mesma moeda.

Obesidade: epidemia mundial.


O excesso de peso afeta 100 milhões de crianças no mundo.
Entre adultos, chega a 600 milhões.
Reportagem da revista Carta Capital publicada em 2 de julho de
2017. Para ler na íntegra acesse: <https://www.cartacapital.com.br/
revista/958/obesidade-epidemia-mundial>.

60
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

Atividades de estudo:

1 Na abertura desta seção foram reproduzidos a pintura de Cândido


Portinari (1903-1962), Retirantes, pintada em 1944, e um trecho do
poema de João Cabral de Melo Neto (1920-1999), extraído da obra
Morte e Vida Severina (1955). Analise de que forma o problema da
fome é retratado nessas duas produções artísticas e relacione com
os problemas relacionados à alimentação no Brasil.
2 A partir das informações apresentadas, elabore um parágrafo de
síntese, discutindo as causas da fome e da insegurança alimentar
no mundo contemporâneo e no Brasil.
3 Examine a charge a seguir, discutindo as relações possíveis entre
subalimentação e obesidade no mundo contemporâneo.

FIGURA 12 – POBREZA NA MAIOR PARTE DO MUNDO/POBREZA NA


AMÉRICA (EUA)

FONTE: <http://bit.ly/2KhPrr3>. Acesso em: 4 nov. 2018.

4 Identifique de forma resumida as ideias centrais defendidas


por Francisco Menezes, coordenador do Instituto Brasileiro de
Análises Sociais e Econômicas (Ibase) na entrevista reproduzida
anteriormente.

61
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

3 ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS:
UM RISCO À BOA SAÚDE
A oferta de alimentos prontos para o consumo ou de preparo rápido tem
aumentado exponencialmente. Nas propagandas, a promessa de uma refeição
saborosa, nutritiva e fácil de fazer, ideal para aquela hora em que a “fome aperta”.
Dentro do pacote colorido, com conteúdo extremamente palatável e preço tentador
se esconde um inimigo à boa saúde: o ultraprocessado, cuja composição contém
quantidades significativas de açúcar, sal, gordura, estabilizantes e conservantes.
Para evitar cair em armadilhas é importante conhecer os tipos de alimento e, na hora
da compra, prestar bastante atenção nos ingredientes descritos nas embalagens.

2.1 COMO CLASSIFICAR OS


ALIMENTOS
De acordo classificação intitulada NOVA (nome e não acrônimo), com base
na extensão e no propósito do processamento, os alimentos e todos os produtos
alimentícios podem ser categorizados em quatro grupos distintos. No Grupo 1
estão os alimentos in natura e os alimentos minimamente processados; no Grupo
2 estão os ingredientes culinários processados; no Grupo 3 estão os alimentos
processados e no Grupo 4 se encontram os alimentos ultraprocessados.
(MONTEIRO et al. 2016).

QUADRO 3 – GRUPO 1: ALIMENTOS IN NATURA E MINIMAMENTE PROCESSADOS

Grupo 1.
Alimentos in natura Processo e propósito Exemplo
do Processamento
Alimentos in natura são partes Frutas, verduras, legumes,
comestíveis de plantas (sementes, cereais sem açúcar.
frutos, folhas, caules, raízes) ou
de animais (músculos, vísceras,
ovos, leite) e também cogume-
los e algas e a água logo após
sua separação da natureza.
Alimentos minimamen-
te processados
São alimentos in natura submeti- (O processo implica na Carnes resfriadas ou con-
dos a processos como remoção remoção de partes não geladas, leite pasteurizado
de partes não comestíveis ou comestíveis, fracionamento ou leite em pó, iogurte.
não desejadas dos alimentos, e trituração ou moagem

62
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

secagem, desidratação, tritura- dos alimentos) ou modi-


ção ou moagem, fracionamento, ficar o seu sabor (como
torra, cocção apenas com água, na torra de grãos de café
pasteurização, refrigeração ou ou de folhas de chá e na
congelamento, acondicionamento fermentação do leite para
em embalagens, empacotamento produção de iogurtes).
a vácuo, fermentação não alcoó- Com o propósito de
lica e outros processos que não aumentar a duração dos
envolvem a adição de substân- alimentos in natura per-
cias como sal, açúcar, óleos ou mitindo a sua estocagem
gorduras ao alimento in natura. por mais tempo. Outros
propósitos incluem facilitar
ou diversificar a preparação
culinária dos alimentos.
FONTE: Adaptado de Monteiro et al. (2016, p. 31)

QUADRO 4 – GRUPO 2: INGREDIENTES CULINÁRIOS PROCESSADOS

Grupo 2.
Ingredientes culiná- Processo e Propósito Exemplo
rios processados do Processamento
Substâncias extraídas diretamente Os processos envolvidos Sal, açúcar, mel, vi-
de alimentos do Grupo 1 ou da com a extração dessas nagre, manteiga.
natureza e consumidas como substâncias incluem pren-
itens de preparações culinárias, sagem, moagem, pulveri-
zação, secagem e refino.
O propósito do processa-
mento neste caso é a criação
de produtos que são usados
nas cozinhas das casas ou
de restaurantes para tem-
perar e cozinhar alimentos
do grupo 1 e para com eles
preparar pratos salgados
e doces, sopas, saladas,
conservas, pães caseiros,
sobremesas, bebidas e pre-
parações culinárias em geral.

FONTE: Adaptado de Monteiro et al. (2016, p. 32).

63
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

QUADRO 5 – GRUPO 3: ALIMENTOS PROCESSADOS

Grupo 3.
Alimentos processados Processo e Propósito Exemplo
do Processamento

São produtos fabricados com Os processos po- Conservas de hortaliças, de


a adição de sal ou açúcar, e dem envolver cereais ou de leguminosas,
eventualmente óleo, vinagre ou vários métodos de preser- castanhas adicionadas
outra substância do grupo 2, há vação e cocção e, no caso de sal ou açúcar, carnes
um alimento do grupo 1, sendo de queijos e de pães, a salgadas, peixe conservado
em sua maioria produtos com fermentação não alcoólica. em óleo ou água e sal, frutas
dois ou três ingredientes. O propósito é aumentar a em calda, queijos e pães.
duração de alimentos in
natura ou minimamente
processados ou modifi-
car seu sabor. Propósito
semelhante ao grupo 1.

FONTE: Adaptado de Monteiro et al. (2016, p. 33)

QUADRO 6 – GRUPO 4: ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS


Grupo 4.
Alimentos ultraprocessados Processo e Propósito Exemplo
do Processamento
São constituído por formulações Vários processos industriais Refrigerantes e pós para
industriais feitas tipicamente com que não possuem equivalen- refrescos; ‘salgadinhos de
cinco ou mais ingredientes. Com tes domésticos são usados pacote’; sorvetes, chocola-
frequência, esses ingredientes na fabricação de alimentos tes, balas e guloseimas em
incluem substâncias e aditivos ultraprocessados, como geral; pães de forma, de
usados na fabricação de alimentos extrusão e moldagem e pré- hotdog ou de hambúrguer;
processados como açúcar, óleos, -processamento por fritura. O pães doces, biscoitos, bolos
gorduras e sal, além de antioxidan- principal propósito do ultra- e misturas para bolo; ‘cereais
tes, estabilizantes e conservantes. processamento é o de criar matinais’ e ‘barras de cereal’;
Ingredientes apenas encontrados produtos industriais prontos bebidas ‘energéticas’,
em alimentos ultraprocessados para comer, para beber ou achocolatados e bebidas
incluem substâncias não usuais em para aquecer que sejam com sabor de frutas; caldos
preparações culinárias e aditivos capazes de substituir tanto liofilizados com sabor de car-
cuja função é simular atributos alimentos não processados ne, de frango ou de legumes;
sensoriais de alimentos do grupo ou minimamente processa- maioneses e outros molhos
1 ou de preparações culinárias dos que são naturalmente prontos; fórmulas infantis e
desses alimentos ou, ainda, ocultar prontos para consumo, de seguimento e outros pro-
atributos sensoriais indesejáveis como frutas e castanhas, dutos para bebês; produtos

64
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

no produto final. Alimentos do leite e água, quanto pratos, liofilizados para emagrecer
grupo 1 representam proporção bebidas, sobremesas e e substitutos de refeições; e
reduzida ou sequer estão pre- preparações culinárias em vários produtos congelados
sentes na lista de ingredientes geral. Hiperpalatabilidade, prontos para aquecer incluin-
de produtos ultraprocessados. embalagens sofisticadas e do tortas, pratos de massa
atrativas, publicidade agres- e pizzas pré-preparadas;
siva dirigida particularmente extratos de carne de frango
a crianças e adolescentes, ou de peixe empanados
alegações de saúde, alta do tipo nuggets, salsicha,
lucratividade e controle por hambúrguer e outros
corporações transnacionais produtos de carne reconsti-
são atributos comuns de tuída, e sopas, macarrão e
alimentos ultraprocessados. sobremesas ‘instantâneos.
FONTE: Adaptado de Monteiro et al. (2016, p. 34)

QUADRO 7 – ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS

FONTE: <https://mgtnutri.com.br/termoglossario/alimentos-ultraprocessados-
ou-produtos-alimenticios>. Acesso em: 4 nov. 2015.

65
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Atividade de Estudo:

Releia os Quadros 1, 2, 3, e 4. Faça uma lista de todos os produtos


alimentícios que você consome. Verifique aqueles que são
ingeridos com maior frequência. Classifique-os de acordo com os
grupos correspondentes. Feito isto, reflita acerca das motivações
que o leva a consumir tais alimentos. Guarde suas anotações, elas
servirão de base para a próxima atividade.

No Guia Alimentar para a População Brasileira, produzido pelo Ministério da


Saúde, em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização
Mundial da Saúde (OPAS/OMS) e a Universidade de São Paulo (USP), destaca-se
o seguinte:

Em paralelo ao crescente conhecimento de profissionais


de saúde e da população em geral acerca da composição
nutricional desbalanceada dos alimentos ultraprocessados,
nota-se aumento na oferta de versões reformuladas desses
produtos, às vezes denominadas light ou diet. Entretanto, com
frequência, a reformulação não traz benefícios claros. Por
exemplo, quando o conteúdo de gordura do produto é reduzido
à custa do aumento no conteúdo de açúcar ou vice-versa.
Ou quando se adicionam fibras ou micronutrientes sintéticos
aos produtos, sem a garantia de que o nutriente adicionado
reproduza no organismo a função do nutriente naturalmente
presente nos alimentos (BRASIL, 2014. p. 42).

Desse modo, alimentos light ou diet, que nada mais são do que
ultraprocessados reformulados apresentam o risco de aparecerem aos olhos dos
consumidores como alimentos saudáveis ou de consumo liberado, sobretudo
quando os anúncios publicitários destacam apenas as supostas vantagens, como
a quantidade menor de calorias e a presença de vitaminas e minerais.

66
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

FIGURA 13 – DIET OU LIGHT

FONTE: <http://camillaguerra.com/2016/05/02/diet-light-ou-zero/>. Acesso em: 5 nov. 2018.

Procure a diferença entre alimentos light e diet.

Resposta: “Produtos “light” são alimentos modificados em seu valor


energético ou em sua composição de gordura. Devem ter pelo menos 25% a
menos de calorias que os produtos comuns. Mas atenção: isto não significa que
esses produtos não contenham açúcar, portanto não devem ser consumidos pelos
diabéticos, a não ser que tenham escrito no rótulo SEM ADIÇÃO DE AÇÚCARES”
(BRASIL, 2000, p. 14).

“Produtos “diet” são aqueles produzidos para atender às necessidades


dietéticas específicas dos portadores de várias doenças. Incluem alimentos para
dietas com restrição em algum nutriente. Esta restrição pode ser de açúcares,
sódio, gorduras, colesterol, aminoácidos ou proteínas, entre outras. Por isso, quem
compra produtos “diet” deve ler com bastante atenção o rótulo da embalagem
para verificar se ele atende às suas necessidades específicas. Um exemplo: os
produtos que podem ser consumidos pelo diabético são aqueles que não contêm
glicose, frutose ou sacarose” (BRASIL, 2000, p. 14).

67
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

O Guia Alimentar para População Brasileira (BRASIL, 2014, p. 45-46)


acrescenta outros atributos dos ultraprocessados:

Hipersabor: com a ‘ajuda’ de açúcares, gorduras, sal e vários aditivos,


alimentos ultraprocessados são formulados para que sejam extremamente
saborosos, quando não para induzir hábito ou mesmo para criar
dependência. A publicidade desses produtos comumente chama a atenção,
com razão, para o fato de que eles são “irresistíveis”.
Comer sem atenção: a maioria dos alimentos ultraprocessados é
formulada para ser consumida em qualquer lugar e sem a necessidade
de pratos, talheres e mesas. É comum o seu consumo em casa enquanto
se assiste a programas de televisão, na mesa de trabalho ou andando
na rua. Essas circunstâncias, frequentemente lembradas na propaganda
de alimentos ultraprocessados, também prejudicam a capacidade de o
organismo “registrar” devidamente as calorias ingeridas.
Tamanhos gigantes: em face do baixo custo dos seus ingredientes, é
comum que muitos alimentos ultraprocessados sejam comercializados em
recipientes ou embalagens gigantes e a preço apenas ligeiramente superior
ao de produtos em tamanho regular. Diante da exposição a recipientes ou
embalagens gigantes, é maior o risco do consumo involuntário de calorias
e maior, portanto, o risco de obesidade.
Calorias líquidas: no caso de refrigerantes, refrescos e muitos outros
produtos prontos para beber, o aumento do risco de obesidade é em
função da comprovada menor capacidade que o organismo humano tem
de “registrar” calorias provenientes de bebidas adoçadas. Como a alta
densidade calórica e os demais atributos que induzem o consumo excessivo
de calorias são intrínsecos à natureza dos alimentos ultraprocessados, a
estratégia de reformulação aqui é pouco aplicável.

Outro problema com os ultraprocessados é que eles muitas vezes “tapeiam”


os dispositivos do corpo responsáveis por regular o equilíbrio das calorias
ingeridas, inibindo ou atrasando a sensação de saciedade (ZORZETTO, 2018). O
efeito frequente é um consumo de calorias superior às que são gastas. Eis o que
em geral provoca o ganho de peso.

Em geral, tais alimentos têm uma composição nutricional desbalanceada, sendo


ricos em gorduras e açúcares simultaneamente. Em função da ausência quase com-
pleta de produtos in natura ou minimamente processados, eles tendem a ser pobres
em fibras que são importantes para o bom funcionamento do intestino e para a pre-
venção de doenças do coração, diabetes e diversos tipos de câncer (BRASIL, 2000).

68
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

Em síntese, aliados ao sedentarismo, ao consumo de álcool e ao tabagismo,


os alimentos ultraprocessados são os grandes vilões da contemporaneidade
quando se pensa na saúde da população. A sua produção – feita em geral por
indústrias de grande porte que investem pesado em publicidade – busca otimizar
a lucratividade acelerando ao máximo o processo de fabricação, utilizando
ingredientes de baixíssimo custo e aumentando o tempo conservação, sem
grandes cuidados quanto aos danos potenciais aos consumidores. Além de
favorecer o acúmulo de gordura corporal, como já assinalado, os ultraprocessados
prejudicam o funcionamento dos rins, do fígado, do estômago e do intestino;
favorecem carências associadas a anemias, diabetes, hipertensão e alguns tipos
de câncer (BARALDIL et al., 2015).

Alguns produtos são imediatamente identificados como ultraprocessados,


mas outros podem passar desapercebidos, especialmente entre os laticínios.
Uma forma simples de identificá-los é pela observação nos rótulos do número
de ingredientes (normalmente cinco ou mais) e da presença de substâncias
químicas pouco familiares ou estranhas aos preparos culinários cotidianos, como
gordura vegetal hidrogenada, óleos interesterificados, xarope de frutose ou de
milho, isolados proteicos, espessantes, emulsificantes, corantes, aromatizantes,
entre outros. Muitos iogurtes, por exemplo, supostamente são feitos de fruta,
mas contém apenas corantes e aromatizantes que sugerem frutas diversas, sem
efetivamente contê-las.

<http://www.fcf.usp.br/tbca/>. Este site contém a Tabela Brasileira


da Composição de Alimentos (TBCA) desenvolvida de forma integrada
entre a Rede Brasileira de Dados de Composição de Alimentos
(Brasilfoods), Universidade de São Paulo (USP) e Food Research
Center (FoRC)/CEPID/FAPESP, contendo informações a respeito da
composição dos alimentos mais consumidos pela população.

O Guia Alimentar para a População Brasileira apresenta a seguinte regra de


ouro:

Prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados


e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados Opte
por água, leite e frutas no lugar de refrigerantes, bebidas
lácteas e biscoitos recheados; não troque a ‘comida feita
na hora’ (caldos, sopas, saladas, molhos, arroz e feijão,
macarronada, refogados de legumes e verduras, farofas, tortas)
por produtos que dispensam preparação culinária (‘sopas de

69
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

pacote’, ‘macarrão instantâneo’, pratos congelados prontos


para aquecer, sanduíches, frios e embutidos, maioneses e
molhos industrializados, misturas prontas para tortas) e fique
com sobremesas caseiras, dispensando as industrializadas
(BRASIL, 2014, p. 50).

Atividade de Estudo:

Na atividade de estudo anterior, você releu os Quadros 2,


3, 4 e 5. Fez uma lista de todos os produtos alimentícios que
consome frequentemente. Classificou-os de acordo com os
grupos correspondentes e refletiu acerca das motivações que
o/a leva a ingerir tais alimentos. Com base em suas anotações
e com os conhecimentos adquiridos até o momento, observe se
sua alimentação está de acordo com a regra de ouro proposta
pelo Guia Alimentar para a população brasileira (BRASIL, 2014)
e caso não esteja, que alimentos ultraprocessados podem ser
substituídos e por quais?

4 AGROTÓXICOS: QUANDO O
INIMIGO ESTÁ NA MESA
FIGURA 14 – AGROTÓXICOS

FONTE: <https://deolhonosruralistas.com.br/2017/11/27/europa-compra-do-brasil-
comida-produzida-com-agrotoxicos-que-ela-proibe/>. Acesso em: 5 nov. 2018.

70
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

Em termos gerais, agrotóxicos, biocidas, defensivos agrícolas, pesticidas


e praguicidas são denominações para produtos químicos utilizados para evitar
doenças, insetos e plantas daninhas que podem prejudicar as plantações
(VASCONCELOS, 2018).

A Lei Federal nº 7.802, de 11 de julho de 1989, traz a seguinte definição:

IV - agrotóxicos e afins – produtos e agentes de processos


físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores
de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos
agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou
plantadas, e de outros ecossistemas e de ambientes urbanos,
hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição
da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de
seres vivos considerados nocivos, bem como as substâncias
e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes,
estimuladores e inibidores de crescimento (BRASIL, 1989).

De acordo com a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS)/


Organização Mundial da Saúde (OMS), os agrotóxicos podem ser classificados
segundo sua ação, quanto ao grupo a que pertencem e ao poder tóxico (OPAS/
OMS, 1996).

QUADRO 8 – CLASSIFICAÇÃO DE INSETICIDAS SEGUNDO AÇÃO


Classificação Ação de combate
Inseticidas Insetos, larvas e formigas
Fungicidas Fungos
Herbicidas Ervas daninhas
Raticidas Roedores
Acaricidas Ácaros diversos
Nematicidas Nematoides
Molusquicidas Moluscos, basicamente o caramujo da esquitossomose
Fundgantes Insetos e bactérias
FONTE: Adaptado de OPAS/OMS (1996, p. 16-17).

QUADRO 9 – CLASSE TOXICOLÓGICA E COR DA FAIXA NO RÓTULO DO PRODUTO


Classe toxicológica e cor da faixa no rótulo do produto.
Classe Grau de toxicidade Rótulo do produto
I Extremamente tóxico Faixa vermelha
II Altamente tóxicos Faixa amarela
III Medianamente tóxicos Faixa verde
IV Pouco tóxicos Faixa azul
FONTE: Adaptado de OPAS/OMS (1996, p. 16-17).

71
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

A rotulagem dos produtos agrotóxicos é regida pelo Decreto nº 4.074, de 4 de


janeiro de 2002. Este decreto regulamenta a Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989,
que além da embalagem e rotulagem dispõe sobre a pesquisa, a experimentação,
a produção, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda
comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e
embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de
agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências (BRASIL, 2002).

O Brasil consome algo em torno de 20% de todo o agrotóxico comercializado


no mundo. Como constatou Larissa Mies Bombardi (2017), do estudo “Geografia
do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia autora do
consumo total”, houve um aumento exponencial do consumo nos últimos anos. O
país saltou de 170.000 toneladas no ano 2000 para 500.000 toneladas em 2014.
Enquanto nos últimos anos o mercado mundial do setor cresceu 93%, no Brasil,
o crescimento foi de 190%, conforme dados divulgados pela Anvisa. Assim,
nós nos convertemos, desde 2008, no maior mercado nacional e no maior
importador de agrotóxicos do mundo!

Entre 2012 e 2017 foi utilizada uma média de 8,33 kg de agrotóxicos por
hectare. Mas em certas regiões o uso foi ainda mais acentuado, variando entre 12
e 16 kg por hectare no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e São Paulo. 70%
dos alimentos in natura consumidos no país contém algum tipo de agrotóxico,
sendo que mais da metade das substâncias usadas é proibida na União Europeia
e nos Estados Unidos (CASTILHO, 2016). Note-se a Tabela 1 que compara os
limites de resíduos em água potável no Brasil e na U.E., que mantêm (ao menos
formalmente) níveis de 0,1 miligramas por litro.

TABELA 1 – LIMITE MÁXIMO DE RESÍDUO EM ÁGUA POTÁVEL – UG/L

FONTE: <http://bit.ly/2WexJvG>. Acesso em: 6 nov. 2018.

72
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

Além dos agrotóxicos liberados aqui e vedados em outros países por conta
de sua toxidade, como é caso de inseticidas chamados neonicotinoides, temos
ainda uma larga utilização de substâncias proibidas pelas regras brasileiras
(COSTA, 2018).

Segundo a reportagem realizada por Marina Rossi para a coluna Alimentos


do Jornal El País (2015), com base num levantamento realizado pela Anvisa,
o pimentão é a hortaliça mais contaminada por agrotóxicos (92% pimentões
estudados estavam contaminados), em seguida temos o morango (63%), pepino
(57%), alface (54%), cenoura (49%), abacaxi (32%), beterraba (32%) e mamão
(30%). Confira os alimentos mais contaminados apresentados na Figura 16.

FIGURA 15 – OS ALIMENTOS MAIS CONTAMINADOS PELOS AGROTÓXICOS

FONTE: <http://bit.ly/2MdiHl3l>. Acesso em: 6 nov. 2018.

73
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

O “alarmante” uso de agrotóxicos no Brasil atinge 70% dos


alimentos. Confira na íntegra a reportagem de Marina Rossi para o
Jornal El País. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/29/
politica/1430321822_851653.html>. Acesso em: 6 nov. 2018.

Os 20 princípio ativos mais frequentemente utilizados nos anos


entre 2012 a 2016 foram Glifosato (Herbicida), Clorpirifós (In-
seticida), 2,4-D (Herbicida), Atrazina (Herbicida), Óleo mineral
(Adjuvante), Mancozebe (Fungicida), Metoxifenozida (Inseti-
cida), Acefato (Inseticida), Haloxifope-P-Metílico (Herbicida),
Lactofem (Herbicida), Metomil (Inseticida), Diquate (Herbicida),
Picoxistrobina (Fungicida), Flumetsulam (Herbicida), Tefluben-
zurom (Inseticida), Imidacloprido (Inseticida), Lambda cialotrina
(inseticida), Imazetapir (Herbicida), Azoxistrobina (Fungicida) e
Flutriafol (Fungicida). Destes, 15% são extremamente tóxicos,
25% altamente tóxicos, 35% medianamente tóxicos e 25% são
pouco tóxicos na classificação para seres humanos (PIGNATI et
al., 2017, p. 3285).

O contato, a ingestão e a exposição a esse tipo de substância, além de


intoxicações de diferentes níveis (ver Figura 16), têm sido apontados como fator
potencial para a causa de má formação fetal, cânceres como leucemia e linfoma,
distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor, entre outras enfermidades.
Diversos estudos apontam que algumas dessas substâncias frequentemente
estão presentes no leite materno. Isso sem contar a contaminação do solo, da
água, da flora e da fauna (SANCHEZ, 2017).

74
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

FIGURA 16 – BRASIL: INTOXICAÇÃO POR AGROTÓXICO DE USO AGRÍCOLA

FONTE: Bombardi (2017, p. 206)

75
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Para complicar a situação, o Projeto de Lei nº 6299/02 (BRASIL, 2002) em


tramitação no Congresso Nacional, apelidado de PL do Veneno por ativistas
contrários ao uso de agrotóxicos, pretende afrouxar as regras sobre o uso de
agrotóxicos e esvaziar o controle da Anvisa sobre a avaliação toxicológica e
ambiental desses produtos, além de alterar formalmente a denominação para
pesticidas a fim de, segundo os críticos, suavizar sua utilização aos olhos dos
consumidores. Os defensores alegam que pretendem modernizar a legislação e
fomentar o desenvolvimento do agronegócio.

O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Ceará, Fernando


Carneiro, integrante do Grupo Temático Saúde e Ambiente da Associação
Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e coordenador do Observatório da
Saúde das Populações do Campo, da Floresta e das Águas (OBTEIA), garante
que as mudanças na lei significam um “retrocesso gigantesco”.

Ele concedeu a seguinte entrevista bastante contunde ao jornal El Pais


Brasil, publicada em 4 de julho de 2018:

“Pergunta. Por que o senhor considera que o PL 6.299/2002 represente


um retrocesso?
Resposta. Há 60 anos, Rachel Carson, bióloga norte-americana, escreveu
‘A primavera silenciosa, um clássico da literatura ambientalista, que marca
o movimento ambiental mundial e ficou muitos meses entre os livros mais
vendidos dos Estados Unidos. Teve uma repercussão tão grande que o
governo americano criou uma comissão de cientistas comprovando tudo o
que ela havia pesquisado, o que gerou, inclusive, a criação da agência de
proteção ambiental nos Estados Unidos. Nós, em 2015, publicamos o dossiê
Abrasco, com quase 700 páginas e mais de 60 autores colocando isso. Só
que o que a gente vê hoje com esse PL é que, em vez de fazermos um
movimento para cuidar da saúde da população e do meio ambiente, estamos
vendo exatamente o contrário. O PL é a liberalização, o desmonte do aparato
regulatório brasileiro do registro de agrotóxicos, com a perspectiva de
permitir, inclusive, que substâncias muito mais danosas à saúde adentrem
nosso mercado. Estamos assistindo a um retrocesso gigantesco. Era para
estarmos diminuindo, mas estamos potencializando o uso.
P. Quais riscos – sociais, ambientais e para a saúde pública – essa proposta
representa?
R. Vai ter um impacto direto na saúde do trabalhador, do consumidor
brasileiro, da população. Você de repente concentra [o processo de
avaliação e aprovação dos agrotóxicos] na agricultura, tirando o papel da
saúde e do meio ambiente de olhar a questão por seus ângulos – a saúde

76
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

pela Toxicologia e o meio ambiente pela Ecotoxicologia. O processo fica


concentrado em um órgão totalmente dominado pelo agronegócio, então
o risco é de realmente haver a aprovação de substâncias que possam
causar todo tipo de problema, tanto de saúde quanto de contaminação
do ambiente, o que representa um risco à vida como um todo. Os danos
causados pelos agrotóxicos são de várias ordens. Isso que querem
chamar de defensivo é um veneno, causa efeitos imediatos e crônicos,
desde câncer até diminuição de QI em crianças. Isso para não falar nos
impactos na cadeia alimentar, na nossa fauna. É muito grave o que está
acontecendo.
P. O uso de agrotóxicos ainda parece um tema distante na realidade urbana
– não são todos os consumidores que se preocupam com isso quando vão
ao mercado, por exemplo. Quais os riscos à saúde desse consumidor final?
R. Para fazer estudos de seguimento e analisar essas questões, pode-se
levar 20, 30 anos. São estudos caros e complexos; há a carga hereditária
e a carga ambiental de doenças, é necessário que os estudos controlem
esses fatores. Mas isso não tem sido prioridade na ciência brasileira. O
agronegócio capitaliza o lucro e socializa o prejuízo: analisar uma amostra
de agrotóxico no ambiente pode custar mil reais, e poucos laboratórios
fazem isso no Brasil. Estamos liberando uma substância que não temos a
capacidade de monitorar e vigiar. É caro e o ônus fica para o setor público
– o ônus da pesquisa, da vigilância –, enquanto eles capitalizam em cima
disso – e a maior parte dos agrotóxicos no Brasil nem paga imposto, em
vários estados eles têm 100% de isenção. O que já se fez nesse sentido
foi por meio da Anvisa, através do Programa de Análise de Resíduos de
Agrotóxicos em Alimentos [PARA]. A série histórica que apresentamos no
dossiê da Abrasco [com base em dados da Anvisa] dos últimos dez anos
mostra que 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros têm resíduos
de agrotóxicos e 30% estão irregulares. Então, pelo menos, um terço do
que a gente come está fora do padrão, ou seja, tem potencial de dano.
Recentemente eles mudaram para essa metodologia de avaliação de riscos
e, de um ano para o outro, de repente, esses 30% viraram 1%. A substância
é carcinogênica, mas na avaliação de risco, que o PL quer implantar,
você tem premissas. Quais são elas? A pessoa vai estar com luva e com
máscara. Estando com isso, o risco é aceitável. Agora, vamos olhar para
a realidade do Brasil. Como é possível aceitarmos premissas desse tipo
sendo que o trabalhador não usa [as proteções], é caro, o patrão não paga
o equipamento, que também não é adequado à nossa realidade, é quente.
A premissa da avaliação de risco é que tudo isso está funcionando muito
bem, cabe tudo no modelo teórico. Esse é o cavalo de troia desse projeto
de lei: mudar de avaliação de perigo para avaliação de risco.

77
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

P.  Outra questão apontada como delicada pelos críticos do projeto é


a criação do registro temporário para produtos que já sejam registrados
em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e que obedeçam ao código da
Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Você pensa da mesma forma?

FIGURA 17 – FERNANDO CARNEIRO, PESQUISADOR DA FUNDAÇÃO


OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ) DO CEARÁ ABRASCO

FONTE: <http://bit.ly/2Md8V2q>. Acesso em: 7 nov. 2018.

R.  Estão dizendo que existe uma tal burocracia, que leva-se até oito anos
para obter o registro de um agrotóxico no Brasil, mas isso é fake news porque
compara a estrutura de países como Brasil e Estados Unidos. Na Anvisa
há 20 ou 30 técnicos para analisar os pedidos de [registro] de agrotóxicos,
na FDA [Food and Drugs Administration], a similar norte-americana, são
700. Aqui uma empresa paga poucos mil reais para fazer o processo de
registro, nos Estados Unidos pode chegar a um milhão. A fila aqui é grande
porque não se investe na capacidade de órgãos reguladores e porque é
barato registrar, sendo que o registro é eterno – para você tirar um produto
de circulação, tem que fazer uma reavaliação a partir de denúncia etc. O
registro temporário é para forçar a barra e, em vez de investir na capacidade
de análise dos órgãos – fazendo concurso, pagando equipe –, colocar uma
faca no pescoço do órgão e dizer “se você não liberar o pedido em dois
anos, o produto entra no mercado”. Eles falam dos problemas, mas o PL
não é solução para nenhum deles. Ele está longe de resolver o problema
da população, só resolve o problema das empresas. Vai virar o paraíso dos
agrotóxicos, porque já é barato e eterno, vai poder tudo.

78
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

P.  Ao discutir a flexibilização da legislação de agrotóxicos, o Brasil


segue uma tendência mundial ou vai na contramão dos países mais
desenvolvidos?
R. Vai totalmente na contramão. Na Europa, foram colocadas mais
restrições [ao uso de agrotóxicos]; a própria China, que tem um modelo
selvagem de desenvolvimento, tem feito ações desse tipo. O Brasil está
na contramão da história mundial. Lembra um pouco a década de 80, na
época de Cubatão, em que os militares diziam “poluição, venha a nós,
poluição é desenvolvimento”. Está muito parecido.
P. Em contraposição ao PL 6.299/2002, seus críticos defendem a Política
Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA), transformado em projeto
de lei que tramita na Câmara. É possível reduzir o uso de agrotóxicos sem
repensar o modelo de produção agropecuário que hoje vigora no Brasil?
R.  O Brasil adotou um modelo que chamamos de neoextrativismo.
Basicamente, nas últimas décadas nos desindustrializamos e a economia
foi puxada pela exportação de bens primários, tanto agrícolas como
minerais. Houve o tempo da bonança, mas depois, com a crise e a queda
dos preços, esse modelo entrou em colapso. O agrotóxico simboliza o
modelo capitalista selvagem. Um modelo que distribua renda e preserve os
ecossistemas, acho que seria possível apenas com a aplicação plena da
agroecologia. Recentemente estive no Encontro Nacional de Agroecologia,
o ENA, em Belo Horizonte, onde mais de 70% [do público] era de
agricultoras e agricultores. Eles contam que começam a fazer a transição
agroecológica, aí vem o vizinho com o avião, [pulveriza] o agrotóxico e as
pragas fogem para onde? Para as áreas onde não há veneno. Isso causa
um problema. Outra situação: escutei vários agricultores que têm caixas
de abelhas, aí vem o avião e mata tudo. Vem a deriva [produzida quando o
agrotóxico ultrapassa os limites da área que se pretende atingir], vai para
a propriedade vizinha e dizima as abelhas. Há também casos de aviões
sendo utilizados como forma de expulsar indígenas de suas terras, usados
como arma de guerra. O PNARA surge quase como uma transição: vamos
pelo menos reduzir o uso de agrotóxicos e trabalhar para fortalecer a
agroecologia, porque é muito desigual o apoio de um modelo em relação
ao outro. Quando se definiu que 30% da merenda escolar tem que ser
proveniente de agricultura familiar, preferencialmente agroecológica, foi
uma canetada que ajudou a desenvolver a agroecologia em todo país.
Uma simples medida como essa. É possível criar formas de promover um
modelo em relação ao outro, pois historicamente a gente vê o contrário.
O agricultor que quer plantar sem veneno tem até hoje dificuldade de
conseguir empréstimo no banco, porque se exige a nota fiscal do veneno,
do adubo químico. É muito difícil convencer o gerente que não é necessário
gastar com isso, que é possível gastar com outras coisas.

FONTE: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/07/04/politica/1530712715_093416.
html?rel=str_articulo#1539142038987>. Acesso em: 7 nov. 2018.

79
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Atividade de Estudo:

1 Elabore um parágrafo relacionando o conteúdo das duas imagens


a seguir.

FONTE: http://blogs.correiobraziliense.com.br/aricunha/
agrotoxicos-e-doencas/. Acesso em: 7 nov. 2018.

FONTE: <https://www.ecycle.com.br/3671-
agrotoxicos>. Acesso em: 7 nov. 2018.

80
Capítulo 2 Alimentação na Contemporaneidade

2 Efetue uma síntese dos principais argumentos do pesquisador


da Fiocruz, Fernando Carneiro, contra o Projeto de Lei nº
6.299/2002.

4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Os consumidores estão em uma clara encruzilhada, já que a maior parte
dos alimentos in natura ou com baixo grau de processamento, indicados por
médicos e nutricionistas como ideais para uma alimentação saudável, contém
substâncias com algum nível de toxidade. Mas precisamos ter cuidado. Não se
trata de demonizar a indústria e o agronegócio. Ter alimentos menos perecíveis,
em abundância e acessíveis a uma quantidade ascendente de pessoas é algo
que só pode ser conseguido atualmente mediante o consumo de alimentos
convencionais. Caso passássemos completa e imediatamente a consumir apenas
alimentos desprovidos do uso de fertilizantes, pesticidas e aditivos químicos,
os orgânicos, voltaríamos a nos afundar em um novo impasse malthusiano de
defasagem entre produção de alimentos e população. No caso do Brasil, os
orgânicos ainda são mais caros e não representam mais do que 1% do mercado.
A grande conclusão a que chegamos é que nos encontramos em um momento no
qual é necessário buscar meios de avançar no sentido de promover a revolução
duplamente verde mencionada por Abramovay (2000), investindo-se em formas de
cultivo e de criação de animais econômica, social e ambientalmente sustentáveis.

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Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
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85
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

86
C APÍTULO 3
A Importância de Uma Boa
Alimentação na Infância e na
Adolescência
A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes
objetivos de aprendizagem:

� conhecer as necessidades nutricionais básicas de crianças e adolescentes;

� examinar a interdependência entre a má alimentação


e o desenvolvimento de doenças;

� analisar os benefícios de uma boa alimentação;

� explicar o que é uma boa alimentação;

� identificar alimentos prejudiciais à saúde;

� conhecer ações que auxiliem na formação de hábitos alimentares saudáveis.


Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

88
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Neste terceiro capítulo, trazemos informações e discussões a respeito da ali-
mentação de crianças e adolescentes, do nascimento à adolescência. São trata-
dos aspectos como as recomendações básicas para cada faixa etária, a necessi-
dade e a pertinência da adoção de políticas públicas, as doenças mais frequentes
decorrentes da má nutrição e algumas ações possíveis para a promoção de uma
vida saudável. Na primeira seção, “Alimentação e necessidades nutricionais bási-
cas de crianças e adolescentes”, é possível encontrar um panorama de cada fase,
desde informações sobre o aleitamento materno, passando pelas formas de inclu-
são da alimentação, até as demandas de cada faixa etária. Em seguida, na seção
“Doenças associadas à má alimentação”, é feito um apanhado dos males à saúde
resultantes da má alimentação. Por fim, em “Hábitos alimentares mais saudáveis
e ações para promovê-los”, é feita uma caracterização mais clara a respeito dos
elementos constitutivos de uma alimentação saudável em diferentes cenários, in-
cluindo a vida escolar.

2 ALIMENTAÇÃO E NECESSIDADES
NUTRICIONAIS BÁSICAS DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES
O crescimento e o desenvolvimento saudável ao longo da infância e da ado-
lescência dependem de uma alimentação que supra as necessidades nutricio-
nais de cada faixa etária. Por definição, necessidades nutricionais representam a
quantidade de energia e nutrientes necessários para garantir o bom funcionamen-
to do organismo (BRASIL, 2009a). Considerando a variação existente ao longo da
vida, existem recomendações médias afixadas pela comunidade científica e mé-
dica internacional e propagadas por organismos internacionais e pelos governos.

2.1 A ALIMENTAÇÃO NOS PRIMEIROS


DOIS ANOS DE VIDA
Como sabido, as fases iniciais são cruciais para o desenvolvimento do
sistema nervoso e da estrutura óssea dos seres humanos, por isso uma nutrição
adequada é especialmente importante nesta fase. A falta de nutrientes e/ou
o consumo de alimentos prejudiciais à saúde podem causar doenças como
desnutrição, anemia, raquitismo, hipovitaminoses e obesidade (GARCIA; REIS,

89
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

2017). A Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde do Brasil


indicam 10 passos para uma alimentação saudável para crianças até dois anos:

QUADRO 1: 10 PASSOS PARA UMA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL (ATÉ DOIS ANOS)

1. Dar somente leite materno até os seis meses de idade, sem oferecer
água, chás ou quaisquer outros alimentos.
2. A partir dos seis meses, introduzir de forma lenta e gradual outros
alimentos, mantendo o leite materno até os dois anos de idade ou mais,
se possível.
3. Após seis meses, oferecer alimentação complementar (cereais, carnes,
frutas, tubérculos, verduras e legumes), três vezes ao dia, caso a criança
receba leite materno, e cinco vezes ao dia, caso já estiver desmamada.
4. A alimentação deverá ser oferecida sem rigidez de horários, respeitando-
se a vontade da criança.
5. A alimentação complementar deve ser espessa e oferecida com
colher. Deve-se iniciar com consistência pastosa (papas e purês) e,
gradativamente, aumentar a consistência até chegar à alimentação
regular das famílias.
6. Oferecer à criança deferentes alimentos ao dia. Uma alimentação
variada é, também, uma alimentação colorida.
7. Estimular o consumo diário de frutas, verduras e legumes nas refeições.
8. Evitar açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos
e outras guloseimas nos primeiros anos de vida. O uso de sal deve ser
moderado.
9. Cuidar da higiene no preparo e manuseio dos alimentos.
10. Estimular a criança convalescente a se alimentar, oferecendo a sua
refeição habitual e seus alimentos favoritos, respeitando sua aceitação.

FONTE: Brasil (2005, p. 87)

No dia 25 de agosto de 2018 terminou o prazo para a consulta


pública para versão preliminar da atualização do Guia Alimentar para
crianças menores de dois anos. O documento pretende subsidiar
ações de educação alimentar e nutricional no âmbito do Sistema
Único de Saúde (SUS) entre outros setores visando apoiar proteger e
promover a saúde e a segurança alimentar e nutricional das crianças
brasileiras. Acompanhe o novo documento que será publicado em
breve na página:

<http://bit.ly/2WxviDN>

90
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

Evidentemente, nem sempre é possível seguir à risca esses dez passos,


seja por circunstâncias biológicas, como quando as mães têm problemas para a
produção de leite ou há risco de contágio por Vírus da Imunodeficiência Humana
(HIV), ou por condições maternas infecciosas diversas, por exemplo, seja por
questões socioeconômicas, quando a escassez ou o ritmo de trabalho se impõem
como impeditivos, ou até por influências ambientais negativas, como o consumo
de drogas, álcool e cigarro. De todo modo, trata-se de parâmetros ideais a serem
buscados pelas famílias e pela sociedade de um modo geral.

2.1.1 Aleitamento materno


A amamentação traz inúmeros benefícios para a saúde das crianças, sendo
fundamental para a inibição da mortalidade infantil (Figura 1). Estima-se que o
aleitamento materno seja capaz de reduzir em até 13% a morte de crianças me-
nores de cinco anos em todo o planeta. Além dos nutrientes necessários, o leite
humano tem propriedades anti-infecciosas que atuam logo nos primeiros dias de
vida, inibindo otites agudas, infecções respiratórias, gastrointestinais, entre outras.
Sem contar a vantagem de não apresentar os riscos de contaminação decorrente
do preparo de alimentos lácteos e de diluições inadequadas (BRASIL, 2008).

Nos primeiros meses de vida, a criança é bastante dependente da mãe,


especialmente por conta do aleitamento, mas os cuidados de forma alguma
podem ser vistos como uma atividade exclusivamente materna. É fundamental
que haja apoio familiar e respaldo da sociedade na forma de políticas públicas.

FIGURA 1 – CAMPANHA DE AMAMENTAÇÃO

FONTE: <http://bit.ly/2WFiviQ>. Acesso em: 19 out. 2018.

91
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

O aleitamento materno, conforme sugestão da OMS, pode ser definido de três


formas: aleitamento materno exclusivo (quando a criança recebe apenas leite
materno como alimento, sem ingerir nenhum outro líquido ou sólido, exceto medica-
mentos); aleitamento materno predominante (quando a criança recebe, além do
leite materno, água ou bebidas à base de água, como sucos e chás); aleitamento
materno, quando a criança recebe leite materno, independentemente de estar re-
cebendo qualquer alimento ou líquido, incluindo leite não humano (BRASIL, 2009b).

O Guia Alimentar para crianças menores de dois anos (BRASIL, 2005) reco-
menda que o leite seja oferecido por livre demanda, intercalando-se com a oferta
dos alimentos complementares após a sua introdução.

A urbanização e a forma como ocorreu a inserção das mulheres no mercado


de trabalho no Brasil contemporâneo acarretaram uma verdadeira “epidemia de
desmame” entre a população. Esse panorama tem mudado sensivelmente nos úl-
timos anos. Pesquisa recente intitulada “Tendência de indicadores do aleitamento
materno no Brasil em três décadas” – que leva em consideração dados estatís-
ticos de 1986, 1996, 2006 e 2013 envolvendo aleitamento materno exclusivo em
menores de seis meses de vida e aleitamento materno em menores de dois anos
em diferentes modalidades e períodos – demonstra tendências ascendentes entre
1986 e 2006 (aumento de 34,2 pontos percentuais na amamentação exclusiva
até 6 meses, passando de 2,9% para 37,1%; o acréscimo no primeiro ano de vida
também foi significativo, dobrando de 22,7% para 45,4%).

GRÁFICO 1 – AMAMENTAÇÃO EXCLUSIVA

FONTE: Boccolini et al. (2017, p. 5)

92
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

Nas palavras dos autores do estudo,

Esses dados fizeram com que o Brasil fosse considerado um


país bem-sucedido na implementação de políticas e programas
de incentivo ao aleitamento materno, os quais alcançaram os
três diferentes níveis de intervenção propostos por Rollins et al.:
os níveis individual (características e relações entre mães e be-
bês), local (serviços de saúde, família e comunidade, e local de
trabalho e emprego), e estrutural (características socioculturais
e de marketing). Esse sucesso tem sido atribuído, em grande
parte, à regulação e monitoramento da comercialização dos
alimentos para lactentes, à adoção da Iniciativa Hospital Amigo
da Criança e da Estratégia Mãe-Canguru, à criação e amplia-
ção da cobertura dos Bancos de Leite Humano e à implemen-
tação da Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil, bem como à
adoção de leis trabalhistas que ampliaram, de forma opcional
e subsidiada pelo Governo, a licença maternidade remunera-
da de quatro para seis meses (BOCCOLINI et al., 2017, p. 6).

Como é possível depreender, a adoção de políticas públicas variadas ocupa


lugar essencial na conscientização, estímulo e criação das condições materiais
necessárias para que haja um incremento no aleitamento materno, o que traz
inegáveis benefícios para a sociedade.

Pesquise sobre programas do governo para o estímulo ao


aleitamento materno.

Apesar dos consideráveis avanços, os autores do estudo alertam para a


recente desaceleração dos ganhos observados até o início do século, como fica
claro no Gráfico 1. O período entre 2006 e 2013 foi de estabilização dos índices
atingidos no aleitamento exclusivo e no aleitamento no primeiro ano de vida. Com
efeito, o país ainda se mantém aquém das recomendações da OMS quanto à
duração do aleitamento após os seis meses de vida. Segundo os pesquisadores,
para seguirmos progredindo, é necessário promover uma:

Pactuação de uma política pública de incentivo ao AM [alei-


tamento materno] entre a Federação, Estados e Município;
ampliação do número de hospitais certificados na Iniciativa
Hospital Amigo da Criança (incluindo a acreditação de hospi-
tais da rede privada de assistência); e ampliação da Estratégia
Amamenta e Alimenta Brasil e de outras ações voltadas para
a atenção básica em saúde (como salas de apoio à amamen-
tação e coleta de leite humano). Além disso, é necessária a
ampliação da licença maternidade para seis meses para todas

93
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

as trabalhadoras; monitoramento amplo da Lei 11.265/06, que


regulamenta a comercialização de alimentos para lactentes e
crianças de primeira infância; e extensão das atividades dos
Bancos de Leite Humano para a rede de atenção básica em
saúde. É importante, também, considerar outros aspectos,
como a valorização de recursos humanos para a implemen-
tação e monitoramento das ações de promoção, proteção e
apoio ao aleitamento materno, o fortalecimento de espaços e
atores políticos pró-aleitamento materno, as culturas regionais,
diferentes ocupações trabalhistas, distintos estilos de vida,
populações vulneráveis e minoritárias (como a população in-
dígena e as populações carcerárias) e ampliação da participa-
ção do pai, quando presente, e da família na amamentação.
A queda das prevalências de aleitamento materno exclusivo
entre três e cinco meses de idade observadas entre 2006 e
2013 corrobora a necessidade de reforçar ações estratégicas
de apoio às mulheres trabalhadoras no período de lactação
(BOCCOLINI et al. 2017, p. 6-7).

Um dado importante é que o aleitamento no segundo ano de vida apresentou


movimento inverso ao que marcou as fases anteriores, girando em torno de
25% entre 1986 e 2006, mas aumentando para 31,8% em 2013. Segundo
Boccolini et al., a aparente contradição se deve ao fato de que determinantes
para a manutenção do aleitamento no primeiro ano de vida podem ser diferentes
daqueles que importam para a manutenção no período seguinte. A vida em casal
pode ser propícia para o aleitamento no primeiro ano, mas inibidora para a sua
continuidade, por exemplo (BOCCOLINI et al., 2017, p. 4). Esta relação pode ser
vista a seguir no Gráfico 2:

GRÁFICO 2 – ALEITAMENTO COMPARADO (EXCLUSIVO ATÉ OS SEIS


MESES; ALEITAMENTO DE CRIANÇAS ENTRE 21 E 23 MESES)

FONTE: Boccolini et al. (2017, p. 5)

94
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

Em 2006, o governo federal sancionou a Lei nº 11.265, que trata da comer-


cialização de alimentos para lactentes e crianças de primeira infância e também
a de produtos de puericultura correlatos. Regulamentada apenas em 2015, a Lei
garantiu a fiscalização pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e
estabeleceu regras para ações promocionais, publicidade, descontos, brindes, ex-
posições especiais no supermercado, entre outras ações, bem como para a venda
de produtos farináceos, fórmulas, papinhas, leites artificiais, mamadeiras, bicos e
chupetas. Ficou proibida a utilização de fotos, desenhos, representações gráficas
ou textos que induzam ao uso, como “baby”, “kids”, “ideal para o seu bebê”, entre
outros, bem como personagens de filmes e desenhos infantis. Além disso, cada
produto deve ter um aviso na embalagem sobre a idade correta para o consumo
e o alerta para a importância da amamentação para a saúde da criança. No caso
dos bicos, mamadeiras e chupetas, os avisos sempre terão uma advertência so-
bre os prejuízos que a sua utilização pode causar ao aleitamento materno.

Os resultados dessa normativa ainda estão por ser avaliados. O importante é


notar que não se trata de inviabilizar o comércio de fórmulas, alimentos e produtos
complementares ou auxiliares, que são importantes e necessários, mas de regula-
mentá-lo de modo a esclarecer os consumidores sobre sua adequação e pertinência,
bem como sobre o risco de se abrir mão da amamentação sem real necessidade.

Há outros instrumentos de proteção legal ao aleitamento, como a licença-


-maternidade, já mencionada, que é garantida pela Constituição de 1988 (artigo
7º, inciso XVIII). A Lei Federal nº 11.770, de 2008, instituiu o Programa Empresa
Cidadã, que visa a prorrogar para 180 dias a licença maternidade mediante incen-
tivo fiscal. A trabalhadora deve requerer a licença até o final do primeiro mês após
o parto. Além disso, cerca de 130 municípios já concedem licença-maternidade de
seis meses, com o objetivo de fortalecer suas políticas de promoção e proteção
do aleitamento materno (O GLOBO, 2009).

Outros direitos, como o da garantia ao emprego (Constituição Federal, dis-


posições constitucionais transitórias – artigo 10, inciso II, letra b), creche (todo
estabelecimento com mais de 30 mulheres no quadro de funcionários deve ter
local apropriado onde seja permitido guardar sob vigilância e assistência os seus
filhos no período de amamentação – CLT, artigo 389, parágrafos 1º e 2º) e pausas
para amentar até seis meses de idade (CLT, artigo 396, parágrafo único) – são
fundamentais e devem ser respeitados.

No entanto, não raro o desmame acontece antes do ideal. A melhor opção


para crianças totalmente desmamadas com menos de 4 meses é a alimentação
láctea por meio da oferta de leite humano pasteurizado obtido por meio de bancos
de leite (BRASIL, 2009b, p. 90). O uso de leite de vaca ou de fórmulas deve ser
avaliado pelos profissionais de saúde e o seu consumo deve seguir as orienta-
ções do rótulo dos produtos. As fórmulas infantis devem conter gordura, carboi-
dratos, proteínas, minerais, vitaminas, minerais e componentes como nucleotíde-
os, prebióticos, probióticos e ácidos graxos (FERNANDES et al., 2013, p. 5).

95
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

O quadro a seguir apresenta sugestões para a dieta das com menos de dois
anos não amamentadas:

QUADRO 2 – ESQUEMA ALIMENTAR PARA CRIANÇAS


MENOS DE DOIS ANOS NÃO AMAMENTADAS

Menores de Maiores de
4-8 meses
4 meses 8 meses
Leite + cereal Leite + cereal
Manhã Alimentação láctea
ou tubérculo ou tubérculo
Intervalo Alimentação láctea Papa de fruta Fruta
Papa salgada ou
Almoço Alimentação láctea Papa Salgada
refeição da família
Fruta ou pão ou bo-
Lanche Alimentação láctea Papa de fruta
lacha sem recheio
Papa salgada ou refeição
Jantar Alimentação láctea Papa salgada
básica da família
Leite + cereal Leite + cereal
Noite Alimentação láctea
ou tubérculo ou tubérculo
FONTE: Brasil (2009b, p. 91)

O volume e a frequência da alimentação láctea irão variar de acordo com a


idade, conforme o Quadro 3.

QUADRO 3 – REFEIÇÕES PARA CRIANÇAS NÃO AMAMENTADAS

Idade Volume Número de refeições/dia


Do nascimen- 6 a 8 refeições de leite, oferecendo-
60-120 ml
to a 30 dias -se água no intervalo das refeições.
6 a 8 refeições de leite, oferecendo-
1-2 meses 120-150 ml
-se água no intervalo das refeições.
5 a 6 refeições de leite, oferecendo-se 100 ml
de suco de fruta (uma vez ao dia) e água nos in-
2-4 meses 150-180 ml
tervalos das refeições para crianças que estive-
rem usando leite integral (líquido ou em pó).
5 a 6 refeições de leite, complementadas por ou-
4-8 meses 180-200 ml tros alimentos na forma de papas, purês e mis-
turas com frutas, cereais ou tubérculos.

FONTE: Brasil (2004, p. 13)

96
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

2.1.2 Alimentação complementar


após os seis meses
A introdução de alimentos na dieta das crianças, realizada idealmente após
os seis meses de vida (período em que o leite materno é suficiente), deve suprir as
necessidades nutricionais básicas e, ao mesmo tempo, propiciar o desenvolvimento
do paladar, da sensibilidade e do reconhecimento de sabores, cores, aromas e
texturas (BRASIL, 2009b, p. 60).

Deve-se observar a maturidade neurológica da criança, como sustentação do


tronco e deglutição adequada, para introduzir os alimentos. Todos eles, especialmen-
te as carnes, devem ser cozidos somente em água. Após o cozimento, a recomen-
dação é que se amasse os alimentos com garfo e acrescente uma colher de chá de
óleo de soja, canola ou azeite para oferecer à criança. A carne (70 a 120 g/dia) deve
ser picada ou desfiada, não triturada. Não se deve utilizar sal no primeiro momento,
mas temperos, como cebola, salsinha, alho e cebolinha, são liberados. Ovos (desde
que bem cozidos) são liberados e partir do sexto mês. As leguminosas, hortaliças e
verduras podem entrar no sétimo mês. O mesmo vale para alimentos com glúten: daí
em diante uma porção de macarrão por semana é bem-vinda. Não se recomenda a
utilização de beterraba e espinafre todos os dias, pois interferem na absorção de cál-
cio e ferro (FERNANDES et al., 2013, p. 7)

No Caderno de Atenção Básica no 23 do Ministério da Saúde (2009) sobre nutri-


ção infantil, constam as seguintes orientações de acordo com a idade das crianças.

QUADRO 4 – PRINCIPAIS ORIENTAÇÕES DE ACORDO COM A IDADE DA CRIANÇA

Período Orientações
Até os seis meses Orientar para o aleitamento materno exclusivo.
Introduzir alimentos complementares;
Introduzir água;
Estimular aleitamento materno até dois anos;
Orientar o consumo de alimentos que são fontes de ferro e vitamina A;
Orientar para que não sejam oferecidos para criança açú-
Aos seis meses car, doces, chocolates, refrigerantes e frituras;
Fornecer o suplemento de ferro do Programa Na-
cional de Suplementação de Ferro;
Em regiões cobertas pelo Programa, fornecer a megadose de vita-
mina A do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A;
Orientar práticas de higiene no preparo da alimentação complementar.

97
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Orientar que a partir do 10º mês de vida a criança já


pode receber a comida preparada para a família;
Estimular a prática do aleitamento materno até dois anos de idade;
Orientar o consumo de alimentos fontes de ferro e vitamina A;
Orientar para que não sejam oferecidos para criança açú-
Aos nove meses
car, doces, chocolates, refrigerantes e frituras;
Verificar se a criança está recebendo o suplemento de ferro;
Para as regiões do Programa Nacional de Suplemen-
tação de Vitamina A, verificar se a criança recebeu a
dose referente ao período de seis a 11 meses.
Estimular a prática do aleitamento materno até dois anos de idade;
Verificar se a criança está recebendo o suplemento de ferro;
Dos 12 aos
Para as regiões do Programa Nacional de Suplementação de vi-
18 meses
tamina A, verificar a data da última dosagem. Caso tenha havi-
do intervalo de seis meses ou mais, fornecer a megadose.

FONTE: Brasil (2009b, p. 93)

Três aspectos são dignos de nota: primeiro, a orientação constante para a


persistência do aleitamento materno até os dois anos; segundo, a atenção para
a importância da obtenção de ferro e da vitamina A após os seis meses de idade,
quando o leite materno deixa de ser exclusivo. A anemia, ocasionada pela falta de
ferro, e a hipovitaminose A podem prejudicar sensivelmente o desenvolvimento
físico e mental das crianças, daí a existência de programas específicos do governo.
Os Quadros 5 e 6 indicam alimentos que são fontes de ferro e vitamina A.

QUADRO 5 – FONTES DE FERRO

Alimentos Quantidade (100g) Ferro (mg)


Fontes de ferro heme
Carne de gado cozida (lagarto) 1 bife médio 1,9
Carne de gado cozida (con-
1 bife médio 2,4
trafilé sem gordura)
Carne de gado cozida (patinho sem gordura) 1 bife médio 3,0
Frango cozido (coxa sem pele) 2 unidades grandes 0,8
Frango cozido (peito sem pele) 1 pedaço médio 0,3
Frango cozido (sobrecoxa sem pele) 2 unidades pequenas 1,2
Coração de frango cozido 12 unidades grandes 6,5
Peixe cozido 1 filé médio 0,4
Carne de porco (bisteca grelhada) 1 pedaço médio 1,0
Carne de porco (costela assada) 1 pedaço médio 0,9

98
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

Fígado de boi cozido 1 bife médio 5,8


Fígado de galinha 2 unidades médias 9,5
Fontes de ferro não heme
Ovo 2 unidades 1,5
Feijão preto cozido 1 concha média 1,5
Beterraba cozida 4 fatias grandes 0,2
5 colheres de sopa de
Beterraba crua 0,3
beterraba ralada

FONTE: Brasil (2009b, p. 88)

Cabe esclarecer que “ferro heme” e “ferro não heme”, indicados no Quadro
5, dizem respeito às formas como o ferro se apresenta nos alimentos. O ferro
heme (de origem animal) é menos suscetível a fatores inibidores, sendo absorvido
em maior proporção pelo organismo (em torno de 20-30%). Já o ferro não heme
(de origem vegetal) é menor absorvido (entre 2% e 10%). Por isso, é preciso ter
bastante cautela com a adoção de uma dieta vegetariana, especialmente na fase
de desenvolvimento (BRASIL, 2009b, p. 87).

QUADRO 6 – FONTES DE VITAMINA A

Alimento Quantidade (100g) Vitamina A (μg)


Abóbora cozida 4 colheres de sopa 108
Mamão papaia ½ unidade média 31,22
Manga ½ unidade média 402,12
Cenoura crua 1 unidade média 2813,7
Cenoura Cozida 1 unidade média 2455,25
Brócolis 3 ramos médios 139
Couve 4 colheres de sopa 72
Espinafre 4 colheres de sopa 819
Batata doce cozida 3 colheres de sopa 1790,25
Fígado bovino cozido 1 bife médio 10318,75
FONTE: Brasil (2009b, p. 89)

A fim de prevenir e controlar a deficiência de vitamina A, o Ministério da Saúde


disponibiliza desde 1983 cápsulas de 100.000UI dessa vitamina para crianças de
seis a 11 meses e de 200.000UI para crianças de 12 a 59 meses em regiões
mais críticas, nos Estados da Região Nordeste e em Minas Gerais (Vale do
Jequitinhonha e Vale Mucuri). Essa distribuição é feita associada às campanhas
de vacinação ou em visitas domiciliares feitas pelos Agentes Comunitários de
Saúde (BRASIL, 2009b, p. 89-90).

99
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Voltando ao Quadro 4, o terceiro ponto a ser salientado diz respeito à


orientação expressa para se evitar açúcar, doces, doces, chocolates, refrigerantes
e frituras. Além de prejuízos imediatos à saúde, como o favorecimento à obesidade
infantil, sabe-se que nesta fase a criança já está formando hábitos alimentares
que tendem a persistir ao longo da vida. É preciso cuidar para se estimular desde
cedo hábitos alimentares saudáveis.

Conforme o documento do Ministério da Saúde,

O sucesso da alimentação complementar depende de muita


paciência, afeto e suporte por parte da mãe e de todos os
cuidadores da criança. Toda a família deve ser estimulada a
contribuir positivamente nessa fase. Se durante o aleitamento
materno exclusivo a criança é mais intensamente ligada à mãe,
a alimentação complementar permite maior interação do pai,
dos avôs e avós, dos outros irmãos e familiares, situação em
que não só a criança aprende a comer, mas também toda a
família aprende a cuidar. Tal interação deve ser ainda mais
valorizada em situações em que a mãe, por qualquer motivo,
não é a principal provedora da alimentação à criança. Assim,
o profissional de saúde também deve ser hábil em reconhecer
novas formas de organização familiar e ouvir, demonstrar
interesse e orientar todos os cuidadores da criança, para que
ela se sinta amada e encorajada a entender sua alimentação
como ato prazeroso, o que evita, precocemente, o aparecimento
de possíveis transtornos psíquicos e distúrbios nutricionais
(BRASIL, 2009b, p. 67).

Como é possível depreender, a alimentação cria uma série de interações,
mobilizando vínculos e afetos que são tão importantes para o desenvolvimento
quanto os nutrientes. O término da exclusividade do aleitamento cria margem
para o aumento da participação de outras pessoas na vida da criança de forma
bastante positiva.

A pluralidade de situações, como a ausência da mãe e configurações


familiares diversas, é um fator importante ao qual os profissionais de saúde
devem estar bastante atentos para que possam realizar orientações adequadas,
em especial neste período inicial da vida das crianças.

2.2 A ALIMENTAÇÃO DURANTE A


FASE PRÉ-ESCOLAR
Esta é uma fase que contempla crianças entre dois e sete anos incompletos,
marcadas pela estabilização no crescimento estrutural e no ganho de peso.
Nessa faixa etária, as crianças desenvolvem mais a capacidade de selecionar
os alimentos a partir de preferências de sabores, cores, experiências sensoriais

100
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

e texturas. Por outro lado, os hábitos alimentares da família exercem grande


influência, as preferências das crianças frequentemente decorrem da observação
e da imitação de familiares e pessoas de seu convívio no momento das refeições.

É comum o que alguns estudiosos chamam de neofobia, isto é, a relutância


em se aceitar alimentos novos. Para romper essa barreira, é necessário insistir
cautelosamente na oferta para que as crianças provem o mesmo alimento, em
vários momentos e preparado de diferentes formas de preparo, começando por
pequenas quantidades. Mas é necessário saber, ao mesmo tempo, que recusas
são corriqueiras e que insistências muito ostensivas podem ter o efeito oposto
do esperado. É preciso buscar equilíbrio, escapando-se tanto do autoritarismo
quanto da permissividade (FERNANDES et al., 2013, p. 9).

Há também dez passos recomendados para esta fase pelo Ministério da


Saúde/Organização Pan-Americana da Saúde:

QUADRO 7 – 10 PASSOS PARA UMA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL


PARA CRIANÇAS NAS FASES PRÉ-ESCOLAR E ESCOLAR

1. Procure oferecer alimentos de diferentes grupos, distribuindo-os em pelo


menos três refeições e dois lanches por dia.
2. Inclua diariamente alimentos como cereais (arroz, milho), tubérculos (ba-
tatas), raízes (mandioca/macaxeira/ aipim), pães e massas, distribuindo es-
ses alimentos nas refeições e lanches ao longo do dia.
3. Procure oferecer diariamente legumes e verduras como parte das refei-
ções da criança. As frutas podem ser distribuídas nas refeições, sobreme-
sas e lanches.
4. Ofereça feijão com arroz todos os dias, ou no mínimo cinco vezes por
semana.
5. Ofereça diariamente leite e derivados, como queijo e iogurte, nos lan-
ches, e carnes, aves, peixes ou ovos na refeição principal.
6. Alimentos gordurosos e frituras devem ser evitados; prefira alimentos as-
sados, grelhados ou cozidos.
7. Evite oferecer refrigerantes e sucos industrializados, balas, bombons,
biscoitos doces e recheados, salgadinhos e outras guloseimas no dia a dia.
8. Diminua a quantidade de sal na comida.
9. Estimule a criança a beber bastante água e sucos naturais de frutas du-
rante o dia, de preferência nos intervalos das refeições, para manter a hi-
dratação e a saúde do corpo.
10. Incentive a criança a ser ativa e evite que ela passe muitas horas assis-
tindo TV, jogando videogame ou brincando no computador.

FONTE: Fernandes et al. (2013, p. 10)

101
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

2.3 A ALIMENTAÇÃO DA CRIANÇA EM


FASE ESCOLAR
Nesta etapa (crianças entre sete e dez anos incompletos), o crescimento é
mais acelerado e, por conseguinte, as demandas nutricionais são mais elevadas.
Por outro lado, os dilemas e percalços associados à criação de hábitos alimenta-
res cotidianos da fase anterior normalmente já estão superados ou amainados. O
esperado é que o cardápio das crianças em idade escolar já esteja plenamente
adaptado à disponibilidade e aos costumes da família, por isso é importante o
reforço constante para a adoção de hábitos alimentares saudáveis e equilibrados.
Como as crianças gastam mais energia e o metabolismo se acelera, as atividades
físicas e mentais se intensificam: por isso, o apetite costuma aumentar bastante
em comparação à fase anterior. Mas também é frequente a redução do interesse
por leite. É preciso atenção quanto ao suprimento de cálcio, cujas necessidades
são mais elevadas do que antes, especialmente a partir dos quatro anos. Iogurtes
naturais e derivados de leite processados são bem-vindos.

Na escola, é preciso cuidar para que frituras e ultraprocessados não preva-


leçam. Salgados assados, sanduíches naturais, vegetais cozidos (como milho e
batata-doce) e frutas da estação são melhores opções para os lanches. A fruta in
natura é sempre melhor que suco, muito embora o suco natural seja preferível ao
refrigerante. Quando ocorrem refeições mais completas, é importante que o poder
público e as famílias garantam e tenham acesso a cardápios equilibrados, varia-
dos e conservados adequadamente. Água nunca deve faltar. Doces e bolos com
ingredientes naturais e de qualidade podem entrar na dieta desde que haja mode-
ração. Quanto menos açúcar refinado, melhor (FERNANDES et al., 2013, p. 11).

2.4 A ALIMENTAÇÃO DE
ADOLESCENTES
Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), a ado-
lescência cobre o período entre 12 e 18 anos. Já a OMS e o Ministério da Saúde
consideram o período mais dilatado entre os 10 e os 20 anos incompletos. Esse
período é marcado por transformações físicas de grande relevo, com o cresci-
mento da estatura, a maturação sexual e os diversos elementos corporais, hormo-
nais e psíquicos que caracterizam a puberdade (FERNANDES et al., 2013, p. 9).

Esta é a fase de maior demanda energética e de macronutrientes (carboidra-


tos, proteínas e lipídeos). Entre as recomendações gerais para esta fase, desta-
cam-se: variar os alimentos; realizar entre cinco e seis refeições diárias (café da

102
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

manhã, almoço e jantar, com lanches nos intervalos); consumir pescados ao me-
nos duas vezes por semana; evitar açúcares simples, dando-se preferência aos
complexos, que são mais ricos em fibras; evitar trocar refeições por lanches; in-
vestir na prática de atividades físicas regulares (FERNANDES et al., 2013, p. 14).

O Quadro 8 apresenta quantidade de porções ao dia ajustada segundo a


faixa etária.

QUADRO 8 – PORÇÕES SUGERIDAS DE ALIMENTOS CONFORME FAIXA ETÁRIA


6 a 11 meses 1 a 3 anos Idade Pré-escolar Adolescentes

Pães, cereais,
3 5 5 5a9
tubérculos e raízes
Frutas 3 4 3 5
Verduras, legu-
3 3 3 4
mes e hortaliças
Leguminosas 1 1 1 1
Carne bovina,
2 2 2 2
frango, peixe e ovo
Leite, queijo e iogurte 3 3 3 3
Óleos e gorduras 2 2 1 1
Açúcares 1 1 1 2

FONTE: Fernandes et al. (2013, p. 26)

2.5 POLÍTICA NACIONAL DE


ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO
Em 1999 foi adotada a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN),
que integra os esforços do Estado brasileiro para promover os direitos da
população à saúde e à alimentação.

Em um texto de difusão técnico-científico do Ministério de Saúde, foram


apresentados no ano 2000 os seguintes resultados:

Em 1999, na implementação das diretrizes preconizadas pela


PNAN, foram aplicados mais de R$130 milhões, estando
programados, para este ano, um montante superior a R$176
milhões. As medidas adotadas em 1999 permitiram o alcance
de resultados relevantes, entre os quais destacam-se:
• a qualificação de mais de 86% dos municípios brasileiros
para receber o incentivo financeiro de combate às carências
nutricionais, referente a parte variável do Piso da Atenção
Básica (PAB);

103
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

• atendimento regular de mais de 563 mil crianças em risco


nutricional entre seis e 23 meses de idade, ou seja, 92%
do total estimado, que estão recebendo suplementos
alimentares de alto valor proteico e calórico;
• atendimento regular de 281 mil crianças de outras faixas
etárias, gestantes e idosos carentes com suplementação
alimentar e outras ações de promoção da alimentação
adequada;
• a distribuição de quatro milhões de megadoses de vitamina
A para o atendimento de crianças entre seis e 59 meses de
idade, de áreas endêmicas, como a região Nordeste e o
Vale do Jequitinhonha;
• a distribuição de 673 mil frascos de sulfato ferroso, por meio
dos agentes comunitários de saúde, em 512 municípios da
região Nordeste;
• a implementação de 15 estudos e pesquisas nutricionais
para o mapeamento nacional das carências nutricionais e
o desenvolvimento da tabela brasileira de composição de
alimentos;
• a elaboração de guias alimentares segundo a diversidade
regional; a produção, distribuição e veiculação de
material informativo sobre alimentação adequada e peso
saudável, destinado à população em geral e à formação de
professores do ensino básico;
• a organização de banco de dados sobre alimentos e
alimentação, disponível para consulta pelo Disque-Saúde,
para o que foram treinados mais de 80 atendentes para
fornecer informações;
• estabelecimento de convênios com os estados visando
ao fortalecimento das coordenações de alimentação e
nutrição:
• a fortificação de farinhas de trigo e de milho com ferro,
consoante ao Compromisso Social para a Redução da
Anemia por Carência de Ferro no Brasil, firmado com a
indústria de alimentos (BRASIL, 2000, p.104-108).

Em 2011, a PNAN foi atualizada pela Portaria no 2.715, ganhando mais
amplitude institucional. Ela engloba nove diretrizes: 1. Organização da Atenção
Nutricional; 2. Promoção da Alimentação Adequada e Saudável; 3. Vigilância
Alimentar e Nutricional; 4. Gestão das Ações de Alimentação e Nutrição; 5.
Participação e Controle Social; 6. Qualificação da Força de Trabalho; 7. Controle e
Regulação dos Alimentos; 8. Pesquisa, Inovação e Conhecimento em Alimentação
e Nutrição; 9. Cooperação e articulação para a Segurança Alimentar e Nutricional
(BRASIL, 2012).

Cabe um destaque para a diretriz número 3, Vigilância Alimentar e Nutricional
(VAN), que consiste na descrição contínua das condições alimentação e nutrição
da população. Para viabilizar esse acompanhamento, o governo federal montou
um sistema informatizado chamado Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional
(SISVAN Web), que tem por objetivo gerenciar as informações de VAN da Atenção
Básica, desde o registro de dados antropométricos e de marcadores de consumo
alimentar até a geração de relatórios.

104
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

Site do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional – SISVAN:


<http://dabsistemas.saude.gov.br/sistemas/sisvanV2/>.

A Figura 2, reproduzida a seguir, mostra o estado atual do acompanhamento


do estado nutricional do país nos Estados da Federação.

FIGURA 2 – COBERTURA DE ACOMPANHAMENTO DO ESTADO NUTRICIONAL


DA POPULAÇÃO ACOMPANHADA NO SISVAN WEB, POR ESTADO, EM 2017

FONTE: Brasil (2017 p. 7)

É nítida a importância dessa política para a promoção de uma alimentação


saudável de crianças e adolescentes. Mas claramente ainda há muito a se
avançar. É o que mostram os dados do próprio Sisvan:

105
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

QUADRO 9 – COBERTURA DE ACOMPANHAMENTO DO ESTADO NUTRICIONAL


DA POPULAÇÃO ACOMPANHADA NO SISVAN WEB, POR ESTADO, EM 2017

FONTE: Brasil (2017, p. 7)

Atividade de Estudo:

1 Explore o Quadro 9, avaliando o estado nutricional da população


brasileira manifesto pelo acompanhamento do Sisvan.

3 DOENÇAS ASSOCIADAS À MÁ
ALIMENTAÇÃO
A nutricionista Tatiana Zanin, no website especializado chamado Tua saúde,
aponta oito doenças causadas pela má alimentação na infância e na adolescência.

106
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

<https://www.tuasaude.com/>.

Oito Doenças causadas pela má alimentação na Infância e Ado-


lescência

A má alimentação da criança em desenvolvimento e do adoles-


cente pode provocar doenças que dificultam o seu desenvolvimento
físico e mental, além de trazer problemas mais graves para a vida
adulta. Por ainda estar em desenvolvimento, o organismo da crian-
ça e do adolescente é mais susceptível a alterações, e a alimenta-
ção é a principal forma para potencializar o crescimento saudável e
o aprendizado. Por isso, veja a seguir as principais doenças que a
alimentação errada pode causar e o que fazer para evitar:

1. Obesidade
A obesidade é o principal problema que leva a outras doenças,
como diabetes, hipertensão e problemas cardiovasculares. Além dis-
so, o excesso de peso, juntamente com o cigarro, é uma das princi-
pais causas de aumento do risco de câncer.
Para prevenir a obesidade na infância e na adolescência, de-
ve-se dar preferência a uma alimentação mais natural e com menos
produtos prontos industrializados, como biscoitos, salgados, salgadi-
nhos, sorvete, salsicha e linguiça, por exemplo. Incentivar a crianças
a levar o lanche feito em casa para a escola é uma ótima forma de
criar hábitos saudáveis e evitar o excesso de massas, açúcar e fritu-
ras que são vendidos na escola.

2. Anemia
A anemia infantil é comum e normalmente ocorre devido à falta
de ferro na alimentação, que está presente principalmente em ali-
mentos como carnes, fígado, alimentos integrais, feijão e vegetais
verde escuros, como salsa, espinafre e rúcula.
Para melhorar o aporte de ferro na dieta, deve-se incentivar o
consumo de bifes de fígado de boi uma vez por semana, e comer
uma fruta cítrica todo dia após o almoço, como laranja, abacaxi ou
tangerina, pois são ricas em vitamina C e aumentam a absorção de
ferro no intestino. Veja os principais sintomas e como é feito o trata-
mento para anemia.

107
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

3. Diabetes
A diabetes é uma doença que vem aparecendo cada vez mais
em crianças e adolescentes devido ao excesso de peso e à falta de
atividade física. Além do aumento no consumo de açúcar, ela tam-
bém está ligada ao grande consumo de alimentos ricos em farinha,
como pães, bolos, massas, pizzas, salgados e tortas.
Para prevenir, é necessário manter um peso adequado e evitar
o consumo excessivo de açúcar e farinha branca, estando atento aos
alimentos que têm grandes quantidades desses ingredientes, como
biscoitos, massas prontas para bolos, sucos industrializados, refrige-
rantes e salgadinhos.

4. Colesterol alto
O colesterol alto aumenta o risco de ter problemas cardiovas-
culares, como infarto, AVC e aterosclerose. Esse problema ocorre
principalmente devido ao consumo de alimentos ricos em gorduras
hidrogenadas, como biscoitos, salgados e produtos industrializados,
e alimentos com muito açúcar ou farinha.
Para prevenir e melhorar os níveis do colesterol bom e reduzir o
ruim, deve-se colocar uma colher de sopa de azeite extra virgem so-
bre o almoço e o jantar, e incluir nos lanches alimentos como casta-
nhas, amêndoas, amendoim, nozes e sementes como chia e linhaça.

5. Hipertensão
A hipertensão infantil pode ter como causa outros problemas,
como doenças nos rins, no coração ou no pulmão, mas também está
bastante ligada ao excesso de peso e ao consumo excesso de sal,
especialmente quando existe histórico de pressão alta na família.
Para prevenir, é necessário manter o peso controlado, evitar o
uso de temperos prontos em cubos e adicionar pouco sal nas prepa-
rações em casa, dando preferência à temperos naturais como alho,
cebola, pimenta, pimentão e salsa. Além disso, é preciso evitar ali-
mentos prontos ricos em sal, como lasanhas congeladas, feijoadas
prontas, bacon, linguiça, salsicha e presunto.

6. Insônia e dificuldade para respirar


A insônia muitas vezes acontece porque o excesso de peso cau-
sa dificuldade para respirar, devido ao acúmulo de gordura na região
do pescoço e tórax. O aumento da gordura pressiona a faringe, que
é o canal por onde o ar passa, dificultando a respiração e causando
roncos e insônia.
Neste caso, a solução é perder peso através de uma alimenta-
ção saudável.

7. Artrite, artrose e dores nas articulações


A artrite muitas vezes pode estar ligada ao excesso de peso e

108
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

ao aumento da inflamação no organismo, causado pelo acúmulo de


gordura. Para evitar, é necessário investigar a causa principal do pro-
blema e controlar o peso, além consumir alimentos anti-inflamatórios,
como frutas, verduras, atum, sardinha, castanhas e sementes.

8. Transtornos alimentares
A má alimentação, o controle excessivo dos pais e a grande exi-
gência dos atuais padrões de beleza exercem muita pressão sobre
crianças e adolescentes, podendo servir como gatilho para o apareci-
mento de transtornos como anorexia, bulimia e compulsão alimentar.

É necessário estar atento ao comportamento dos jovens para


identificar transtornos alimentares, recusas em se alimentar ou mo-
mentos de compulsão. Ensinar a comer bem, sem focar em padrões
de beleza nem em dietas restritivas, é a melhor maneira de prevenir
esse tipo de problema.

Tatiana Zanin
Nutricionista

FONTE: <https://www.tuasaude.com/doencas-causadas-pela-
ma-alimentacao-infantil/>. Acesso em: 25 out. 2018.

Além dos distúrbios mencionados por Zanin, é preciso enfatizar mais


diretamente a desnutrição. Por definição, é uma doença de natureza clínico-social
e multifatorial, causada principalmente por condições socioeconômicas. Pode
começar ainda na vida intrauterina (baixo peso ao nascer), sendo favorecida pela
privação alimentar ao longo da vida e pela ocorrência de repetidos episódios de
doenças infecciosas (Informações do Ministério da Saúde disponíveis do website:
<http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_pcan.php?conteudo=desnutricao>.
Acesso em: 15 nov. 2018).

Em sua forma mais grave, ela acomete em geral crianças acima de dois anos
e lactantes jovens. Os sintomas são emagrecimento acentuado, baixa atividade,
membros delgados, atrofia muscular, costelas proeminentes, cabelos finos e
escassos, comportamento apático. Pode acometer todos os órgãos, tornando-se
crônica e levando a óbito, caso não seja tratada de maneira rápida e adequada. O
tratamento envolve fornecer aporte calórico e proteico adequados, hidratar, corrigir
deficiência de micronutrientes, principalmente hipovitaminose (MELO, 2012).

Outra doença muito frequente atualmente que vale a pena mencionar pela
notável recorrência na atualidade é a intolerância à lactose. Ela não decorre

109
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

propriamente de uma má alimentação, mas pode constituir um impeditivo para que


uma boa nutrição ocorra, especialmente pela parcela que compete ao consumo
de leite e derivados (MATTAR; MAZO, 2010).

Intolerância à lactose

Intolerância à lactose é o nome que se dá à incapacidade


parcial ou completa de digerir o açúcar existente no leite e seus
derivados. Ela ocorre quando o organismo não produz, ou produz em
quantidade insuficiente, uma enzima digestiva chamada lactase, que
quebra e decompõe a lactose, ou seja, o açúcar do leite.
Como consequência, essa substância chega ao intestino grosso
inalterada. Ali, ela se acumula e é fermentada por bactérias que
fabricam ácido lático e gases, promovem maior retenção de água e o
aparecimento de diarreias e cólicas.
É importante estabelecer a diferença entre alergia ao leite e
intolerância à lactose. A alergia é uma reação imunológica adversa às
proteínas do leite, que se manifesta após a ingestão de uma porção,
por menor que seja, de leite ou derivados. A mais comum é a alergia
ao leite de vaca, que pode provocar alterações no intestino, na pele e
no sistema respiratório (tosse e bronquite, por exemplo).
A intolerância à lactose é um distúrbio digestivo associado à
baixa ou nenhuma produção de lactase pelo intestino delgado. Os
sintomas variam de acordo com a maior ou menor quantidade de
leite e derivados ingeridos.
Pesquisas mostram que 70% dos brasileiros apresentam algum
grau de intolerância à lactose, que pode ser leve, moderado ou
grave, segundo o tipo de deficiência apresentada.

Tipos
1) Deficiência congênita – por um problema genético, a criança nasce
sem condições de produzir lactase (forma rara, mas crônica);
2) Deficiência primária – diminuição natural e progressiva na
produção de lactase a partir da adolescência e até o fim da vida
(forma mais comum);
3) Deficiência secundária – a produção de lactase é afetada por
doenças intestinais, como diarreias, síndrome do intestino irritável,
doença de Crohn, doença celíaca, ou alergia à proteína do leite,
por exemplo. Nesses casos, a intolerância pode ser temporária e
desaparecer com o controle da doença de base.

110
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

Sintomas
Os sintomas da intolerância à lactose se concentram no sistema
digestório e melhoram com a interrupção do consumo de produtos
lácteos. Eles costumam surgir minutos ou horas depois da ingestão
de leite in natura, de seus derivados (queijos, manteiga, creme de
leite, leite condensado, requeijão, etc.) ou de alimentos que contêm
leite em sua composição (sorvetes, cremes, mingaus, pudins, bolos
etc.). Os mais característicos são distensão abdominal, cólicas,
diarreia, flatulência (excesso de gases), náuseas, ardor anal e
assaduras, estes dois últimos provocados pela presença de fezes
mais ácidas. Crianças pequenas e bebês portadores do distúrbio, em
geral, perdem peso e crescem mais lentamente.

Diagnóstico
Além da avaliação clínica, o diagnóstico da intolerância à lactose
pode contar com três exames específicos: teste de intolerância à
lactose, teste de hidrogênio na respiração e teste de acidez nas fezes.
O primeiro é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS)
gratuitamente. O paciente recebe uma dose de lactose em jejum e,
depois de algumas horas, colhe amostras de sangue para medir os
níveis de glicose, que permanecem inalterados nos portadores do
distúrbio.
O segundo considera o nível de hidrogênio eliminado na
expiração depois de o paciente ter ingerido doses altas de lactose e o
terceiro leva em conta a análise do nível de acidez no exame de fezes.

Tratamento
A intolerância à lactose não é uma doença. É uma carência
do organismo que pode ser controlada com dieta e medicamentos.
No início, a proposta é suspender a ingestão de leite e derivados
da dieta a fim de promover o alívio dos sintomas. Depois, esses
alimentos devem ser reintroduzidos aos poucos até identificar
a quantidade máxima que o organismo suporta sem manifestar
sintomas adversos. Essa conduta terapêutica tem como objetivo
manter a oferta de cálcio na alimentação, nutriente que, junto com
a vitamina D, é indispensável para a formação de massa óssea
saudável. Suplementos com lactase e leites modificados com baixo
teor de lactose são úteis para manter o aporte de cálcio, quando a
quantidade de leite ingerido for insuficiente.
Pessoa que desenvolveu intolerância à lactose pode levar uma
vida absolutamente normal desde que siga a dieta adequada e evite
o consumo de leite e derivados além da quantidade tolerada pelo
organismo.

111
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Recomendações
Portadores de intolerância à lactose precisam saber que:
* na medida do possível, o leite não deve ser totalmente abolido
da dieta;
* é importante ler não só os rótulos dos alimentos para saber
qual é a composição do produto, mas também a bula dos remédios,
porque vários deles incluem lactose em sua fórmula;
* leite de soja, de arroz, de aveia não contém lactose;
* leite de vaca não entra como ingrediente do pão francês e do
pão de ló;
* verduras de folhas verdes, como brócolis, couves, agrião,
couve-flor, espinafre, assim como feijão, ervilhas, tofu, salmão,
sardinha, mariscos, amêndoas, nozes, gergelim, certos temperos
(manjericão, orégano, alecrim, salsa) e ovos também funcionam
como fontes de cálcio;
* comer de tudo um pouco é a melhor forma de manter o suporte
de nutrientes necessários para a saúde e bem-estar do organismo.

Maria Helena Varella Bruna


30 de janeiro de 2014 

FONTE: <https://drauziovarella.uol.com.br/doencas-e-sintomas/
intolerancia-a-lactose/>. Acesso em: 21 out. 2018.

4 HÁBITOS ALIMENTARES MAIS


SAUDÁVEIS E AÇÕES PARA
PROMOVÊ-LOS

Uma alimentação saudável não é apenas satisfatoriamente nutritiva,
mas compatível com necessidades humanas globais de bem-estar. Ela deve
ser entendida como um direito humano e respeitar as necessidades sociais e
biológicas dos indivíduos.

Em 1937, o médico argentino Pedro Escudero (1887-1963) criou


as famosas Leis da Alimentação: lei da quantidade (a alimentação
deve atender às necessidades nutricionais e energéticas do
organismo), lei da qualidade (a alimentação deve ser completa

112
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

e variada em sua composição), lei da harmonia (é preciso haver


equilíbrio entre os nutrientes de modo que não haja excessos ou
deficiências) e lei da adequação (a alimentação deve ser adequada
às necessidades específicas dos indivíduos e dos ciclos da vida)
(BUSCHINI, 2016).

FONTE: <http://bibliotecaalvarado.blogspot.com/2016/08/biografia-
del-dr-pedro-escudero.html> Acesso em: 10 out. 2018.

Para saber mais sobre Pedro Escudero, acesse:


<https://dietbox.blog/2017/11/21/pedro-escudero-saiba-quem-
foi-o-pai-do-estudo-nutricional/>.

Outros atributos são importantes, como acessibilidade física e financeira,


sabor (uma alimentação saudável precisa ser saborosa), cor (uma alimentação
saudável é composta por alimentos de diferentes colorações, o que além de
multiplicidade de vitaminas e minerais, propicia maior atratividade) e segurança
alimentar (os alimentos precisam estar livres de contaminantes biológicos, físicos
e químicos) (BRASIL, 2010).

113
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Como assegurar condições para que as pessoas se alimentem de forma sau-


dável? A alimentação está relacionada, por um lado, a costumes encravados no
campo da cultura, mas também a circunstâncias socioeconômicas nem sempre
favoráveis.

Não se trata de reconfigurar completamente a cultura alimentar de toda a


sociedade de modo a impor um padrão ideal criado pela ciência, mas de criar
condições, enquanto sociedade, para que as pessoas possam conhecer, aces-
sar e valorizar alimentos de qualidade. O crescimento econômico, a geração de
emprego e renda, o desenvolvimento da ciência, bem como a implementação de
práticas educacionais e de políticas públicas afins são condições essenciais para
que isso possa ocorrer de forma ampla e sustentável.

Atualmente, fala-se muito nos chamados alimentos funcionais, que produ-


zem benefícios à saúde para além de suas funções nutricionais básicas, podendo
contribuir para a redução do risco de doenças crônicas e/ou degenerativas, como
câncer, diabetes e doenças cardiovasculares. Para que esses benefícios sejam
atingidos, é fundamental que o seu consumo seja regular. Evidentemente, o con-
sumo desses alimentos não libera as pessoas para adotarem comportamentos
de risco, como o tabagismo, o sedentarismo e a ingestão de alimentos ricos em
gorduras trans e colesterol.

FIGURA 3 – ALIMENTOS FUNCIONAIS E SEUS BENEFÍCIOS

FONTE: <http://bit.ly/2EEuC5p>. Acesso em: 20 out. 2018.

114
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

Estudos como a de Lisiane Perin e Vivian Zanardo exploram a importância


dos alimentos funcionais para a faixa etária de que tratamos mais especificamente
neste capítulo. Elas realizam atividades e dinâmicas muito interessantes de
educação nutricional com crianças, explorando conhecimentos sobre como
alimentos funcionais podem colaborar par a prevenção de doenças e melhorar a
qualidade de vida. A sua conclusão foi a seguinte:

As dinâmicas lúdicas pedagógicas foram essenciais na promoção


de bons hábitos alimentares, principalmente porque as crianças
aprenderam com mais facilidade através de brincadeiras,
sobretudo quando o assunto foi a alimentação saudável,
incluindo o consumo regular de alimentos funcionais e o aumento
do consumo de frutas, legumes e verduras, e a diminuição do
consumo de doces, frituras e alimentos industrializados. Notou-
se que as crianças em todas as aulas, apresentaram muito
interesse em expressar suas vontades, experiências e hábitos
alimentares, interagindo, fazendo perguntas e dando sugestões,
além de estarem sempre curiosas pelos assuntos novos que
eram apresentados. Dessa forma, demonstra que as atividades
realizadas foram de suma importância, possibilitando as crianças
adquirir novos conceitos e conhecimentos sobre os alimentos
funcionais e consequentemente levar estes até a família e a
comunidade. Conclui-se que a escola não deve ignorar este
assunto e acreditar que apenas a família ou mesmo o tempo se
encarregarão de ensinar as crianças o certo e o errado sobre
a alimentação adequada. Como a adesão a uma alimentação
saudável, que inclui alimentos que promovem saúde, e sem
excessos deve perdurar por toda vida, a educação nutricional é
um imprescindível nas escolas (PERIN; ZANARDO, 2013 p. 34).

A criação de estratégias para propiciar hábitos alimentares saudáveis é um
desafio constante. Há dietas famosas por supostamente trazerem benefícios à
saúde e inspirarem as pessoas. Uma delas é a “dieta mediterrânea”. A base da
alimentação tradicional das regiões do Mediterrâneo, como a Grécia e o sul da
Itália, é reconhecida como patrimônio da humanidade e é composta por alimentos
frescos, cereais, queijos e azeite, evitando produtos industrializados. Essa dieta
foi consagrada pelo livro Eat well and stay well, de 1959, de Ancel e Magaret
Keys. Vejamos um trecho de reportagem recente, de Juan Revenga Frauca, para
o jornal El País.

115
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Será que a dieta mediterrânea é tão saudável assim?

Muitos dos seus princípios são recomendáveis, mas o termo tem mais
a ver com marketing do que com saúde. A dieta mediterrânea é hoje
um conceito difuso que serve até para promover salgadinho.
Poucas expressões soam tão convincentes no terreno dietético quanto “dieta
mediterrânea”: basta mencioná-la para que o consumidor sinta um bem estar
nutricional incomparável. A indústria alimentícia – até a mais insana – já iden-
tificou este filão e o usa como se fosse um atestado de saúde, na maior cara
de pau. Serve para tentar dignificar produtos processados, como uma pizza
industrial, para valorizar o consumo de bebidas alcoólicas ou para promover
salgadinhos e aperitivos entupidos de sal, de açúcar ou de gorduras pouco
saudáveis.
[...]
Afinal, a dieta mediterrânea é saudável?
Talvez sim, talvez não... Em 2011, a Autoridade Europeia de Segurança Ali-
mentar (EFSA) publicou um documento de posicionamento no qual defendia,
com base em dois argumentos, que não era possível fazer qualquer afirma-
ção em termos de saúde quanto ao uso ou seguimento da dieta mediterrâ-
nea. Primeiro porque são usadas diversas definições para identificar esse
estilo dietético, e elas com frequência não são coincidentes. Segundo por-
que, de acordo com a legislação vigente, não se pode fazer afirmações em
termos de saúde sobre nenhum alimento ou dieta que inclua produtos com
mais de 1,2% de álcool em sua composição – e, sendo o vinho um dos seus
elementos definidores, não se pode atribuir à dieta mediterrânea nenhuma
alegação positiva em matéria de saúde.
Por outro lado, certamente você já ouviu dizer que a supracitada dieta cons-
ta desde 2010 na lista do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO). É verdade, mas o principal motivo para estar lá não é que seja
considerada benéfica para a saúde – essa questão figura em terceiro ou
quarto plano no documento que lhe credita esse status. Foram os conceitos
relativos aos conhecimentos, práticas, tradições, uso culinário, formas de cul-
tivo, colheita, pesca, conservação, elaboração, preparação e consumo que
lhe valeram a menção como patrimônio cultural imaterial.
Conclusão
A dieta mediterrânea, tal qual se conhece popularmente, é muito mais um
exercício de marketing – com resultados espetaculares – do que uma práti-
ca realmente benéfica para a saúde. Entretanto, muitos de seus postulados
gerais – ainda que mais ou menos ambíguos, e eventualmente manipulados
de forma grosseira – são muito recomendáveis. Por exemplo, seguir um pa-

116
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

drão de alimentação com presença abundante de alimentos vegetais e da


temporada, em vez das comidas processadas. No entanto, já existem outras
propostas dietéticas com esse mesmo ponto de partida e que não se cha-
mam “dieta mediterrânea”, como é o caso da dieta DASH, da dieta TLC e
das recomendações presentes no prato da alimentação saudável da Esco-
la de Saúde Pública da Universidade Harvard, mas que poderiam ser igual-
mente válidas.
Dito isto, deveríamos levar em conta que se um alimento ostenta em sua em-
balagem o adjetivo “mediterrâneo”, o mais provável é que tenha pouco a ver
com a verdadeira “dieta mediterrânea”.
Discussões dietéticas à parte, poderíamos resumir os benefícios da “dieta
mediterrânea” – na verdade, mais um estilo de vida que uma dieta – nestes
três pontos, muito compatíveis com as propostas originais presentes nos li-
vros do casal Keys:
- Mexa-se (mais do que você se mexe hoje).
- Coma menos do que come hoje, e tenha prazer em comer. Se havia algo
em que os livros do casal Keys insistiam – além da sua guerra particular con-
tra as gorduras saturadas – era no tema da frugalidade e do deleite dietético.
- Incorpore mais mantimentos de origem vegetal.
No terreno cultural, deixando claro que concordo plenamente sobre sua im-
portância na hora de mudar as atuais tendências, eu gostaria de destacar um
parágrafo que descreve um dos elementos (entre tantos outros) que a UNES-
CO apontou: ‘Durante a preparação das refeições, os mais velhos transmi-
tem às gerações mais jovens os conhecimentos e a experiência que caracte-
rizam a dieta mediterrânea, permitindo assim um diálogo intergeracional que
é recriado a cada refeição. Esse estilo de vida significa que comer juntos ao
redor da mesma mesa é um momento de encontro social, na espontanei-
dade dos mais jovens e dos mais velhos, em um intercâmbio intercultural e
intergeracional típico da vida cotidiana’. Porque isso também alimenta.

FONTE: Revenga Frauca (2017)

Atividade de Estudo:
Segundo a reportagem, a dieta mediterrânica é ou não saudável?
Teça uma reflexão a respeito das ponderações feitas na
reportagem.

117
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

Não obstante o olhar crítico pertinente trazido pela reportagem, estudos


apontam para os benefícios de uma dieta de tipo mediterrâneo para a população
em geral e para a população jovem em particular. Foi o que procurou demonstrar
Pedro Miguel dos Santos, em sua monografia intitulada A qualidade da dieta
mediterrânea numa população jovem do Sul de Portugal. O autor esclarece que,
apesar das diferenças regionais entre os países da bacia do Mediterrâneo, a dieta
tradicional é constituída por 7 componentes fundamentais:

(1) Relação elevada de ácidos gordos monoinsaturados/


saturados (2) elevado consumo de produtos hortícolas (3)
elevado consumo de cereais (4) elevado consumo de frutas
(5) baixo consumo de carne e seus derivados (6) moderado
consumo de leite e seus derivados e (7) moderado consumo
de vinho (SANTOS, 2003, p. 6).

Evidentemente, o vinho deve estar fora da dieta de crianças e adolescentes,


mas os demais componentes se revelam essenciais para a promoção e a
manutenção de sua saúde. Estes sete componentes podem perfeitamente ser
emulados por substituição, respeitando-se, evidentemente, as especificidades
culturais e ambientais do Brasil. Ao fim e ao cabo, não se trata de se adotar uma
dieta da moda, mas de se multiplicar hábitos que tanto a tradição quanto a ciência
demonstram ser altamente benéficos.

4.1 ALIMENTAÇÃO NAS ESCOLAS


A promoção da alimentação saudável nas escolas também mereceu os seus
10 passos:

QUADRO 10 – 10 PASSOS PARA UMA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL NAS ESCOLAS

1. A escola deve definir estratégias, em conjunto com a comunidade


escolar, para favorecer escolhas saudáveis.
2. Reforçar a abordagem da promoção da saúde e da alimentação
saudável nas atividades curriculares da escola.
3. Desenvolver estratégias de informação às famílias dos alunos para a
promoção da alimentação saudável no ambiente escolar, enfatizando sua
corresponsabilidade e a importância de sua participação neste processo.
4. Sensibilizar e capacitar os profissionais envolvidos com alimentação na
escola para produzir e oferecer alimentos mais saudáveis, adequando
os locais de produção e fornecimento de refeições às boas práticas para
serviços de alimentação e garantindo a oferta de água potável.

118
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

5. Restringir a oferta, a promoção comercial e a venda de alimentos ricos


em gorduras, açúcares e sal.
6. Desenvolver opções de alimentos e refeições saudáveis na escola.
7. Aumentar a oferta e promover o consumo de frutas, legumes e verduras,
com ênfase nos alimentos regionais.
8. Auxiliar os serviços de alimentação da escola na divulgação de opções
saudáveis por meio de estratégias que estimulem essas escolhas.
9. Divulgar a experiência da alimentação saudável para outras escolas,
trocando informações e vivências.
10. Desenvolver um programa contínuo de promoção de hábitos alimentares
saudáveis, considerando o monitoramento do estado nutricional dos
escolares, com ênfase em ações de diagnóstico, prevenção e controle
dos distúrbios nutricionais.

FONTE: Brasil (2009a, p. 12)

Muito embora haja um Plano Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) – que


tem atualmente a meta garantir que o cardápio da alimentação escolar forneça
cerca de 350 quilocalorias e 9 gramas de proteínas por refeição, o que representa
15% das necessidades diárias de calorias e proteínas dos alunos beneficiados
–, a alimentação nas escolas brasileiras varia bastante conforme o caráter, se
público ou privado, e conforme a região por conta da diversidade dos alimentos
disponíveis e por conta da variedade de políticas adotadas por estados e
municípios (MENEZES; SANTOS, 2001).

Pesquise sobre experiências exitosas na promoção de uma


alimentação saudável nas escolas da rede pública.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Garantir uma alimentação saudável para crianças e adolescentes não é
tarefa simples. É possível identificar avanços na ciência, nas políticas públicas e
na conscientização da população em geral a respeito dos benefícios de uma boa
alimentação. Mas os dados demonstram que ainda há muito para se avançar.
É preciso ter clareza a respeito das necessidades básicas de cada fase e lidar

119
Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
cultura alimentar contemporânea

com arranjos culturais econômicos, políticos e sociais bastante complexos, sem


falar na enorme diversidade regional do país. Entre o ideal e o real, há sempre
a necessidade de um grande esforço coletivo pautado pela articulação entre o
poder público, os profissionais de saúde, os educadores, as famílias e a sociedade
civil como um todo para a promoção de uma alimentação saudável de jovens e
adolescentes.

Ao longo do capítulo, foram apresentadas informações sobre necessidades


nutricionais básicas de crianças e adolescentes, dados estatísticos sobre a evo-
lução e o estado atual da nutrição nas diferentes faixas etárias, os danos à saú-
de decorrentes de uma alimentação inadequada, as principais doenças causadas
pela má alimentação e recomendações diversas em torno do que consumir, em
que quantidade, em cada fase, seja no âmbito doméstico, seja no âmbito escolar.
O aleitamento materno segue primordial na primeira etapa de desenvolvimento
e uma alimentação balanceada em termos de qualidade e qualidade deve ser
perseguida de forma ininterrupta, associando, sempre que possível, benefícios
nutricionais e funcionais. Sempre é bom lembrar que a leitura das obras de refe-
rência citadas na sequência e a realização das atividades são fundamentais para
o aprofundamento dos estudos.

REFERÊNCIAS
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no Brasil em três décadas. Revista de Saúde Pública, v. 51, n. 108, 2017, p. 1-9.

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alimentação e nutrição e de promoção da saúde na atenção básica. Brasília
– DF: 2017.

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Série B. Textos Básicos de Saúde. Brasília – DF: 2012.

BRASIL. Ministério da Saúde. Coordenação Geral da Política de Alimentação e


Nutrição – CGPAN. Alimentação saudável. 2010. Biblioteca Virtual em Saúde
do Ministério da Saúde. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/dicas/211_
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saúde e educação. Promoção da alimentação saudável nas escolas. Brasília –
DF: 2009a.

120
Capítulo 3 A Importância de Uma Boa Alimentação na Infância e na Adolescência

BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde da criança: nutrição infantil. Aleitamento


materno e alimentação complementar. Caderno de atenção básica, n. 23. Brasília
– DF: 2009b.

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planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11770.htm. Acesso: 9 nov. 2018.

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BUSCHINI, José. La alimentación como problema científico y objeto de políticas


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MELLO, Adriana Lima Mello (Org.). Manual de avaliação nutricional e


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Alimentação de crianças e adolescentes: necessidades nutricionais e
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