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De acordo com o coordenador da Pastoral da Saúde, Alex Gomes da Motta, no

Brasil, a cada dois segundos uma pessoa necessita de transfusão sanguínea para
sobreviver, em algum hospital do país. Entretanto, todos os anos surge a
necessidade de realizar campanhas para aumentar a doação de sangue,
principalmente durante as estações mais frias.

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, menos de 2% da população é doadora


e, apesar de este número ser superior à recomendação da OMS, que é de 1%,
não é suficiente para manter as demandas dos hemocentros.
Apesar dessa elevada carência de sangue e hemoderivados, muitas pessoas são
impedidas de doar devido a regras ultrapassadas e com embasamento científico
escasso, como a população LGBTQIA+. Este artigo decorrerá sobre esse cenário,
mais um obstáculo a ser superado por esta parcela populacional que já tem
barreiras suficientes a serem vencidas.

Os obstáculos da doação de sangue e o desperdício


Segundo dados do IBGE, a população masculina homo ou bissexual e de homens
que fazem sexo com homens (HSH) é de 10,5 milhões do total de 101 milhões
de homens vivendo no país.
Cada homem está apto a realizar até 4 doações de sangue por ano, porém essa
parcela da população está, de acordo com a legislação do Ministério da Saúde e
recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), impedida de doar caso
tenha qualquer parceria sexual nos últimos 12 meses, independente do uso de
preservativo.

Anualmente, isso representa um desperdício de aproximadamente 19 milhões de


litros de sangue. Entretanto, a própria OMS reitera que as evidências nas quais
essas decisões se baseiam são limitadas ou escassas e estão apoiadas no que
alguns médicos chamam de “comportamentos de risco”. A justificativa da OMS
para a limitação dos doadores de sangue é que alguns comportamentos sexuais
estão associados a maior risco de transmissão dos vírus do HIV, da Hepatite B e
da Hepatite C.

A análise do sangue doado


Toda doação passa por um processo de triagem, no qual são realizados testes de
detecção de patógenos e qualquer bolsa contendo sangue infectado é
descartada. Ainda assim existe a possibilidade de o doador estar no período
chamado de janela imunológica, que compreende a fase entre a infecção da
pessoa e a capacidade do organismo produzir os anticorpos detectados pelos
exames.

Apesar disso, já está disponível, no Brasil, o teste de detecção do material


genético viral, o NAT, que reduz o tempo da janela imunológica para cerca de 7 a
10 dias e já está em uso desde 2013. Além disso, o ministro do STF, Alexandre
de Moraes, propôs que os exames sorológicos fossem realizados somente após o
período da janela imunológica, entretanto esta proposta não foi abraçada pelo
restante dos ministros durante votação.

Os impedimentos na hora da doação de sangue


Para estar apto a ser um doador de sangue no Brasil deve-se ter um documento
original, com foto, dentro do prazo de validade, pesar mais que 50 Kg, ter entre
16 e 69 anos de idade, estar em boas condições de saúde, não ingerir comida
muito gordurosa nas 3 horas que antecedem a doação, não ingerir bebida
alcoólica até 12 horas antes de doar e não ter risco elevado para doenças
transmissíveis pelo sangue.

Neste risco incluem-se os usuários de drogas injetáveis, indivíduos com múltiplos


parceiros sexuais, ou que recebem drogas ou dinheiro por sexo, HSH e mulheres
que fazem sexo com estes.

O fato que torna o impedimento dos HSH e da população LGBTQIA+ de doar


sangue um ato discriminatório é que, para um heterossexual, até 3 parceiros
sexuais, durante os últimos 12 meses, não o suspende de realizar a doação.
Enquanto isto, um indivíduo em um relacionamento homoafetivo monogâmico
há mais de 12 meses não pode ser um doador e precisará abster-se sexualmente
durante um ano para ser considerado apto a doar.

As justificativas
De acordo com o estudo “Comportamento, atitudes, práticas e prevalência de
HIV e sífilis entre homens que fazem sexo com homens (HSH) em 10 cidades
brasileiras”, coordenado pela médica Lígia Kerr e financiada pelo Ministério da
Saúde, a prevalência do vírus HIV é de 10,5% entre a população de gays, HSH e
travestis. Enquanto isso, na população geral, este valor é significativamente
menor, 0,42%, sendo de 0,32% entre as mulheres e de 0,52% entre os homens.

Em outra pesquisa, publicada em 2010 na versão online do International Journal


of Epidemiology, foi demonstrado que o risco de transmissão do vírus HIV
durante uma relação sexual anal pode ser 18 vezes superior ao de uma relação
sexual vaginal. “Este tipo de ato pode aumentar o número de lesões na mucosa
da região, e esse aumento de lesões fragiliza a proteção. Pior ainda quando há o
contato do sangue com o sêmen contaminado”. Entretanto, tal fato não deveria
limitar-se somente à população LGBTQIA+ e aos HSH, mas, também, às
mulheres que praticam sexo anal e seus parceiros.

O Preconceito e a Marginalização
Deve ser compreendido que os comportamentos, associados a maior risco e
vulnerabilidade, adotados pela população LGBTQIA+, não devem ser presumidos
como decorrência da vontade pessoal.
A homofobia e a transfobia impactam negativamente a autoestima desses
indivíduos e resultam, normalmente, em exclusão familiar, social e educacional, o
que gera grande dificuldade de inclusão na sociedade e no mercado de trabalho.

Esta marginalização leva, por vezes, à prostituição, e a outros comportamentos


de risco, como alternativa de retorno financeiro de mulheres trans e travestis.
Segundo o presidente da ABGLT, se essas pessoas pudessem namorar dentro de
casa ou em espaços públicos, sem sofrer represália, possivelmente não teriam
relações sexuais de forma escondida e, muitas vezes, desprotegida.

A prevalência do HIV, de fato, é maior entre a população homossexual, HSH,


trans e travesti. Entretanto, isso não é consequência da vontade direta desses
indivíduos, pois estão inseridos em um contexto social de maior suscetibilidade à
infecção.

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