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Resumo: A dipirona sódica é um dos fármacos analgésico e antitérmico mais vendido no Brasil. Diante dessa 82
realidade, pode ocorrer o descarte inadequado do medicamento que ficou fora do prazo de validade ou não foi
utilizado, em lixos ou esgoto domésticos, o que pode comprometer os recursos naturais. O uso de luz ultravioleta
e visível (UV/Vis) pode promover a degradação da molécula de dipirona sódica. Este trabalho teve como objetivo
irradiar soluções aquosas de dipirona sódica comercial com luz UV/Vis em diferentes condições de potencial
hidrogeniônico (pH) e verificar a degradação do fármaco.
Palavras-chave: Fármaco. Dipirona. Fotólise. Luz UV/Vis.
Abstract: Sodium dipyrone is one of the most widely used antipyretic and analgesic drugs in Brazil. An
inappropriate disposal of the unused or out-of-date drug may occur in domestic waste or sewage, which can
compromise natural resources. The use of ultraviolet and visible light (UV / Vis) can promote the photolysis of
the molecule, leading to the formation of possible photoproducts less impacting to the environment. The objective
of the present work was to irradiate aqueous solutions of commercial sodium dipyrone with ultraviolet and visible
light under different conditions of hydrogenation potential (pH) and to verify the degradation of the drug.
Keywords: Drug. Dipyrone. Photolysis. UV/Vis light.
Resumen: La dipirona sódica es uno de los fármacos con acción antipirética y analgésica más vendidos en Brasil.
Ante esta realidad, puede ocurrir el descarte inadecuado del medicamento que no ha sido utilizado o que ha
quedado fuera del plazo de validez. El uso de luz ultravioleta y visible (UV / Vis) puede promover la fotolisis de
la molécula, llevando la formación de posibles foto productos menos impactantes al medio ambiente. El trabajo
aquí descrito tuvo como objetivo irradiar soluciones acuosas de dipirona sódica comercial con luz UV/Vis en
diferentes condiciones de potencial hidrogeniónico (pH) y verificar la degradación del fármaco.
Palabras clave: Fármaco. Dipirona. Fotólisis. Luz UV / Vis.
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Graduando em Licenciatura em Química. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo,
Campus Barretos. E-mail: guilherme_isquibola@hotmail.com.
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Doutor de Química. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, Campus Barretos. E-
mail: emanuelbarretos@ifsp.edu.br.
Rev. Bras. de Iniciação Científica (RBIC), Itapetininga, v. 6, n.7, p. 82-93, out./dez., 2019.
Introdução
A dipirona sódica (também conhecida como metamizol) trata-se de um pó branco e
inodoro, solúvel em água e metanol. Possui a fórmula molecular C13H16N3NaO4S.H2O e massa
molar de 351,37 g mol-1 (Brasil A, 2010). Sua estrutura molecular está representada na figura
1:
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Fonte: Pereira et al., 2002.
O uso terapêutico da dipirona sódica foi proibido em alguns países, incluindo os Estados
Unidos da América (EUA), devido a sua associação à agranulocitose, uma rara doença que
causa a diminuição dos glóbulos brancos, além de supostamente causar anemia aplástica
(Diogo, 2003). Nesse contexto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
organizou um painel de debates com cientistas nacionais e internacionais, para liberar a
comercialização da dipirona no Brasil (Benseñor, 2001).
A ANVISA apresenta em seus estudos que a indústria farmacêutica brasileira obteve
nos últimos anos um faturamento na ordem de 70 bilhões de reais anuais com a venda de
medicamentos (Anvisa, 2018). Com bases nesses números sobre as vendas de fármacos, pode-
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se levantar a hipótese de que provavelmente uma parcela desses medicamentos podem não ter
sido utilizados devido à melhoria dos sintomas ou por terem chegado ao limite do prazo de
validade.
Quando o medicamento é descartado de maneira inadequada, ele pode apresentar
compostos resistentes à decomposição, colocando em risco a saúde humana e os recursos
ambientais, tais como o solo e as águas. O sistema de tratamento de esgoto ainda não está
totalmente preparado para a remoção de tais medicamentos, bem como os seus metabólitos,
comprometendo ecossistemas aquáticos (Hoppe, 2012; Lameira, 2012; Aquino, Brandt,
Chernicharo, 2013).
O descarte inadequado de medicamentos ocorre principalmente pela desinformação do
consumidor, que pode dispor o mesmo em lixos comuns ou em vasos sanitários, podendo
contaminar o meio ambiente. Essa disposição errada pode ser intensificada pela aquisição de
quantidades maiores que a necessária, pela prática de distribuição de amostras grátis, bem como
do manejo indevido de medicamentos por parte dos estabelecimentos de saúde (Eickhoff;
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Heineck; Seixas, 2009; Gasparini; Gasparini; Frigieri, 2011; Hoppe, 2012).
Em 2010, foi publicado o decreto presidencial nº 7.404, que regulamenta a lei no 12.305,
colocando em prática a chamada “logística reversa”, um conjunto de ações que visam a
restituição de resíduos sólidos pelos comerciantes e consumidores ao setor industrial visando o
seu reaproveitamento ou a destinação final ambientalmente adequada (Brasil B, 2010;
Alvarenga; Nicoletti, 2010). A legislação também apresenta que é dever do governo federal a
inspeção das empresas farmacêuticas para verificar o gerenciamento correto de seus resíduos,
porém, ainda não há preocupação efetiva com o consumidor final para a realização do descarte
correto (Anvisa, 2003; Mazzer; Cavalcanti, 2004; Ueda et al., 2009; João, 2011).
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meios. Assim, a problemática do descarte indevido de resíduos, em especial no esgoto comum,
acelerou a busca por processos de degradação, em especial os processos oxidativos avançados
(POAs) de substâncias em solução aquosa tais como o de Fenton e Foto-Fenton. Nesses são
utilizados íons metálicos e peróxido de hidrogênio (H2O2) junto com o substrato, no qual são
gerados radicais hidroxila (HO•), espécie muito reativa e pouco seletiva, que participa da
oxidação de diversos compostos orgânicos. (Feng et. al., 2003; Melo et al., 2009).
• λ2 (220 nm), λ3 (230 nm) e λ4 (263 nm): transições dos elétrons de orbitais moleculares
pi ligantes para orbitais pi antiligantes (π π*) .
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consequência do processo de mineralização, tem-se o aumento dos íons hidrogênio (H+) por
algumas espécies anteriormente citadas, podendo levar a variações do pH da solução (Estrada,
2008; Malato et al., 2009). A figura 2 apresenta a fórmula estrutural do 4-metilaminoantipirina.
Figura 2 - Fórmula estrutural do 4-metilaminoantipirina.
Metodologia
As amostras dos medicamentos, na forma de comprimidos contendo 500 mg de dipirona
sódica foram adquiridas em farmácias do município de Barretos-SP. As mesmas foram
analisadas em triplicata (3 comprimidos de um mesmo lote), em diferentes faixas de potencial
hidrogeniônico (pH=1; pH=7 e pH=10), com o intuito de verificar o seu efeito no processo de
degradação. As amostras foram primeiramente solubilizadas em 25 mL de ácido clorídrico
(HCl) 0,1 mol.L-1. Após a total solubilização das amostras, essas foram submetidas a filtração
comum para eliminar o excesso de excipiente, e o conteúdo posteriormente transferido a balões
volumétricos de 25 mL e seus volumes foram completados com água deionizada. Desses balões
foram retiradas alíquotas de 20 µL, e transferidas para outros balões volumétricos de 25 mL,
com ajuste de pH utilizando soluções padronizadas de ácido clorídrico (HCl) 0,1 mol.L-1 e
hidróxido de sódio (NaOH) 0,1 mol.L-1 (BRASIL A.).
As amostras foram transferidas para béqueres de boca larga e expostas sobre ação de
duas lâmpadas germicidas de luz ultravioleta visível (UV/Vis), em ambiente aberto para a
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incidência de luz visível. O tempo total de exposição foi de duas horas, com leituras de
absorbância nos tempos zero, 60 e 120 minutos de exposição em espectrofotômetro Thermo
Genesys 10s, de 190 a 1100 nm. Os dados obtidos com a varredura foram posteriormente
transformados em gráficos por meio do software Excel. Os valores de concentração do fármaco
analisado foram obtidos através da curva analítica utilizando reagente dipirona sódica padrão
(Aldrich), com faixa de concentração de 0 a 30 mg.L-1 e leitura de absorbância em 258 nm,
conforme descrito na Farmacopéia brasileira, (BRASIL A, 2010). O cálculo de concentração
foi realizado utilizando a equação (1), onde C trata-se do valor de concentração e é expresso
em mg.L-1. A figura 3 representa a curva analítica da dipirona sódica padrão.
Abs=0,0268.C (1)
0,9 87
0,8
Absorbância ( λ = 258 nm)
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
y = 0,0268x
0,1
R² = 0,9983
0
0 10 20 30 40
Dipirona (mg.L-1)
Resultados e Discussão
As amostras foram inicialmente analisadas em meio ácido, com pH=1, conforme a
metodologia de doseamento de princípio ativo da Farmacopeia Brasileira (Brasil A, 2010). A
figura 4 apresenta o gráfico de absorbância em função do comprimento de onda (espectro de
absorção) para amostra de dipirona presente em comprimido de fármaco genérico (G1). Podem-
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se observar diversas regiões de absorção de 200 nm a 400 nm, evidenciando o comprimento de
absorção específico da dipirona, 258 nm.
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Pode-se observar que houve diminuição da concentração da dipirona sódica nas
soluções dos comprimidos do fármaco durante o tempo de exposição à luz UV/Vis. Assim,
foram obtidas as seguintes porcentagens de degradação do: 47,83% (G1); 52,25% (G2) e 51,00
% (G3), resultando em uma média total de 50,36% de fármaco degradado em meio ácido.
O medicamento comercial de referência foi analisado na mesma condição inicial. A
figura 5 apresenta o espectro de absorção do medicamento de referência (R1) com absorbância
característica da dipirona de 200 a 400 nm.
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Assim como nas amostras do medicamento genérico, a exposição das soluções frente à
luz UV/Vis proporcionou a diminuição das absorbâncias, e consequentemente das
concentrações de dipirona sódica. Na amostra 1, obteve-se 49,93% de dipirona degradada,
50,00% na amostra 2 e 52,90% na amostra 3, garantindo uma média final de 50,94% de dipirona
sódica degradada do medicamento referência em meio ácido.
Nos que diz respeito aos comprimidos analisados em meio alcalino, com soluções
ajustadas para pH igual a 10, e em meio neutro os resultados foram pouco satisfatórios quando
comparados aos de meio ácido. A tabela 3 apresenta os dados de concentração inicial e em
função do tempo de exposição à luz UV/Vis, bem como a % de degradação de dipirona.
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literatura (Estrada, 2008). A tabela 4 apresenta os valores de absorbância para o 4-MAA em
meio ácido (pH=1).
Os dados obtidos permitem observar que houve diminuição média dos valores da
absorbância na ordem de 49,84% para os medicamentos de referência e de 49,78% para as
formulações genéricas. Isso indica que o processo de fotólise aconteceu para a amostra como
um todo, incluindo também o seu principal metabólito. Cabe ressaltar que após 1 hora de luz,
houve o decréscimo das absorbâncias de 4-MAA (em 254 nm) em todas as amostras e que as
absorbâncias desse metabólito foram maiores que as da dipirona sódica (em 258 nm).
Conclusão
As análises permitiram evidenciar a diminuição da absorbância em 258 nm, o comprimento de
onda característico da dipirona sódica, e consequentemente de sua concentração, com a média
de degradação de 50,94% (genérico) e 50,36% (referência). Conclui-se também que em
soluções alcalinas e neutras, o processo degradativo ocorre, porém, em menores proporções
quando comparado às soluções analisadas em meio ácido. O experimento evidenciou a
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formação do principal metabólito da dipirona sódica devido a sua hidrólise em solução aquosa,
o 4-metilaminoantipirina (4-MAA). Foi possível verificar que a aplicação da luz UV/Vis nas
soluções das diferentes amostras também proporcionou a diminuição da absorbância específica
do 4-MAA, em 254 nm, indicando uma possível degradação para essa substância. Não foi
possível degradar totalmente o fármaco utilizando apenas a fotólise com luz UV/Vis, sugerindo
a busca por novas metodologias capazes de degradar o medicamento por completo.
Referências
Rev. Bras. de Iniciação Científica (RBIC), Itapetininga, v. 6, n.7, p. 82-93, out./dez., 2019.
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