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ENQUADRAMENTO LEGAL DO DIREITO À JOSÉ MAIANDI

GREVE NO ORDENAMENTO JURÍDICO


ANGOLANO
POR JOSÉ MAIANDI PERFIL PROFISSIONAL
1. Advogado e Fundador do Escritório
JM ADVOGADO;
I. INTRODUÇÃO 2. Formador e Membro do Conselho
Provincial de Luanda da OAA.
Nos últimos tempos, tem sido crescente o número de
greves que se registam em Angola, nos mais variados EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
sectores. Por exemplo, reportando-nos apenas ao ano de 1. Coordenou a elaboração de Guias
2021 e início de 2022, conseguimos observar a declaração Laborais para o Contexto do Estado
de Emergência;
de greve (ou acto similar) de várias entidades, 2. Coordenou Executivamente a
nomeadamente, mas sem se limitar: Sindicato dos Oficiais Formação Laboral sobre o
de Justiça de Angola (SOJA), Sindicato Nacional Contencioso Laboral no Ordenamento
dos Médicos de Angola (SINMEA), que persiste até ao Jurídico Angolano, organizada pelo JM
momento em que escrevemos o presente artigo, Sindicato ADVOGADO;
dos Técnicos de Enfermagem de Luanda (STEL), 3. Foi prelector, em representação do
Conselho Provincial de Luanda da
Sindicato Nacional dos Magistrados do Ministério Público OAA, na Mesa Redonda sobre “A
(SNMMP) e Funcionários do Tribunal Supremo. Morosidade Processual na Jurisdição
Laboral – Causas e Soluções na óptica
São várias as razões subjacentes a este fenómeno laboral. dos Operadores, no âmbito da
Neste artigo, pretendemos fazer uma abordagem do seu Formação Alargada de
Aperfeiçoamento para Magistrados da
enquadramento legal em Angola, tendo como objectivos Jurisdição Laboral, promovida pela
dar resposta às seguintes perguntas: O que é a greve? AJA – Associação dos Juízes de
Qual é o procedimento para a sua declaração? Que Angola;
direitos e obrigações assistem às partes (trabalhador 4. Leccionou a 1.ª e 2.ª edição da
e empregador) durante o período de greve e quais os Formação Prática sobre Criação e
Gestão de Pequenos Escritórios de
seus efeitos? Advogados e sobre o Perfil do
Advogado Estagiário, organizadas pela
II. REGIME JURÍDICO IURISBOOK.

Em Angola, os aspectos essenciais da greve, encontram-se OUTRAS OBRAS E ARTIGOS


regulados na Lei nº 23/91 de 15 de Junho – Lei da Greve, CIENTÍFICOS
sem prejuízo da sua estipulação geral e ou relação com os 1. A Publicidade do Advogado no
seguintes diplomas: Ordenamento Jurídico Angolano,
 Constituição da República de Angola – CRA; Revista Jurídica Electrónica
 Lei n.º 7/15, de 15 de Junho – Lei Geral do Trabalho IURISBOOK, 2021;
(LGT); 2. A Morosidade Processual como Factor
 Lei n.º 20-A/92 de 14 de Agosto – Lei da Negociação de denegação da Justiça Laboral –
Revista Jurídica Electrónica
Colectiva (LNG); IURISBOOK, 2021;
 Lei n.º 21-C/92 de 28 de Agosto – Lei Sindical (LS).
3. O Covid-19 e as Relações Laborais no
Ordenamento Jurídico Angolano,
III. O QUE É A GREVE? Revista Jurídica Electrónica
IURISBOOK, 2020;
Um primeiro aspecto a ressaltar é que a greve constitui um 4. O Estado de Emergência e o Direito à
direito fundamental do trabalhador, ou seja, uma faculdade Férias, publicação independente, 2020;
a eles conferida. Por esta razão, em princípio, competirá
5. A Suspensão da Relação Laboral no
aos trabalhadores a decisão ou não do seu exercício, Contexto do Estado de Emergência.
dentro dos procedimentos legalmente estabelecidos (n.º 1 Cadernos ENAPP, 2020.
do art.º 51.º da CRA conjugado com a al. c) do art.º 7.º da
LGT e o art.º 1.º da LG).
Nos termos do n.º 1 do art.º 2.º da LG, a greve é “a recusa colectiva, total ou parcial
concertada e temporária de prestação de trabalho, contínua ou interpolada, por parte dos
trabalhadores”. Assim, sempre que estejam em causa fins económicos, sociais e
profissionais relacionados com a situação laboral, os trabalhadores podem declarar greve1.

IV. QUAL É O PROCEDIMENTO PARA A DECLARAÇÃO DE UMA


GREVE?

1. APRESENTAÇÃO DO CADERNO REIVINDICATIVO - A greve deve ser


obrigatoriamente precedida de apresentação à entidade empregadora de um
caderno contendo as reivindicações dos trabalhadores e de tentativa de solução do
conflito por via de acordo (n.º 1 do art.º 9.º da LG);

2. RESPOSTA AO CADERNO REIVINDICATIVO - A entidade empregadora


deve apresentar aos representantes dos trabalhadores, por escrito, a sua resposta ao
caderno reivindicativo, no prazo de cinco dias, salvo se um prazo superior for
concedido pelos trabalhadores (n.º 2 do art.º 9.º da LG). Caso a entidade
empregadora não responda no prazo estabelecido ou, se após um período de
negociações de 20 dias, não se chegar a acordo, os trabalhadores podem livremente
declarar a greve (n.º 3 do art.º 9.º da LG);

3. COMPETÊNCIA PARA A DECLARAÇÃO DA GREVE - Compete aos


trabalhadores e aos respectivos organismos sindicais a decisão de declaração da
greve, que deve ser tomada em Assembleia de Trabalhadores convocada com a
antecedência mínima de cinco dias pelo Sindicato ou por vinte por cento dos
trabalhadores abrangidos, desde que estejam presentes pelo menos 2/3 desses
trabalhadores (n.ºs 1 e 2 do art.º 10.º da LG);

4. COMUNICAÇÃO DA CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLEIA - A convocação


da assembleia para a declaração da greve deve ser obrigatoriamente comunicada à
entidade empregadora, no prazo de 24 horas, e esta, se pretender, pode solicitar a
presença de representantes do MAPTSS para efeitos de verificação da regularidade
da constituição da Assembleia, e das suas decisões (n.º 3 do art.º 10.º da LG);

5. DESIGNAÇÃO OU ELEIÇÃO DOS DELEGADOS DE GREVE - Durante


o acto de decisão de declaração da greve, deve o Sindicato ou a Assembleia de
Trabalhadores eleger 3 a 5 delegados de greve, que terão a competência de
representação dos trabalhadores grevistas junto da entidade empregadora e do
MAPTSS (art.º 11.º da LG);

6. COMUNICAÇÃO DA GREVE À ENTIDADE EMPREGADORA E AO


MAPTSS - Decidida a greve a assembleia de trabalhadores ou o Sindicato,
consoante os casos, deverão comunicar, no prazo de 3 (três) dias, a sua decisão à
entidade empregadora, ao MAPTSS, e ao organismo administrativo de coordenação
do sector em que se enquadra a actividade da empresa em greve. A declaração da

1 A CRA e a LG impõem restrição do exercício do direito à greve por parte de determinados profissionais,
nomeadamente, forças militares e militarizadas, forças policiais, titulares de cargos de soberania e magistrados
Judiciais e do Ministério Público, agentes e trabalhadores da administração prisional, trabalhadores civis de
estabelecimentos militares e bombeiros (art.º 6.º da LG, conjugado com o n.º 7 do art.º 179.º e art.º 205.º
todos da CRA).
greve deverá conter, nomeadamente: os fundamentos e objectivos da greve, a
indicação dos estabelecimentos, serviços e categorias profissionais abrangidos pela
greve, a indicação dos delegados da Greve, designados e a data e hora do início da
greve (art.º 12.º da LG);

7. CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO - Os serviços competentes do MAPTSS


poderão proceder, por sua iniciativa ou a pedido de qualquer das partes, a
diligências com vista à solução do conflito, bem como à garantia de funcionamento
dos serviços essenciais. Nas reuniões de conciliação é obrigatória a presença de
todas ás partes envolvidas no conflito (art.º 14.º da LG).

V. DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES DURANTE O PERÍODO DE


GREVE

1. DIREITO DE ADESÃO - Os trabalhadores são livres de individualmente aderir


ou não à greve, não podendo sofrer discriminação nem, por qualquer forma, ser
prejudicados, nomeadamente nas suas relações com a entidade empregadora ou nos
seus direitos sindicais, por motivo de adesão ou não a uma greve lícita (art.º 4.º
conjugado com o n.º 2 do art.º 16.º da LG);

2. PROIBIÇÃO DE MUDANÇA DE EQUIPAMENTOS E DE


SUBSTITUIÇÃO DOS TRABALHADORES - Durante o período de pré-aviso
e enquanto durar a greve, não é permitido ao empregador retirar do local de
trabalho quaisquer máquinas ou instrumentos de trabalho, nem substituir os
trabalhadores em greve por outros que, à data do início do conflito, não
trabalhavam para a empresa ou serviço, salvo se, em função de um interesse
nacional justificado e a título excepcional, o Titular do Poder Executivo determinar
a requisição civil visando a substituição dos trabalhadores em greve para garantir o
funcionamento dos serviços e empresas de utilidade pública pelo período de
duração da greve (art.ºs 15.º e 17.º da LG);

3. PROIBIÇÃO DE LOCK-OUT – Durante os períodos de negociações e durante


ou após a greve exercida licitamente, o empregador está proibido de provocar a
paralisação total ou parcial da empresa, a interdição do acesso aos locais de trabalho
pelos trabalhadores ou situações similares, como meio de influenciar a solução de
conflitos laborai (art.º 18.º da LG conjugado com o n.º 2 do art.º 51.º da CRA);

4. DEVER DE PROTECÇÃO E NÃO ACESSO ÀS INSTALAÇÕES - Durante


a greve, o Sindicato e os trabalhadores são obrigados a garantir os serviços
necessários à segurança, protecção e manutenção dos equipamentos e instalações
da empresa, sendo vedados o acesso e a permanência dos trabalhadores grevistas
no interior dos locais de trabalho abrangidos, com excepção dos trabalhadores que
não tenham aderido à greve, dos delegados de greve e daqueles que estejam
empenhados nas operações de conservação e manutenção desses equipamentos e
instalações (art.º 19.º da LG);

5. DEVER DE SALVAGUARDA DA SATISFAÇÃO DE NECESSIDADES


ESSENCIAIS / SERVIÇOS MÍNIMOS - Nos serviços e empresas de utilidade
pública, os trabalhadores e os organismos sindicais ficam obrigados a assegurar,
durante a greve, através de piquetes, as actividades necessárias a assegurar a
satisfação de necessidades essenciais e inadiáveis da população. A LG considera
serviços e empresas de utilidade pública, os relativos a: controlo do espaço aéreo,
saúde e farmácia, captação e distribuição de água, produção, transporte e
distribuição de energia eléctrica e distribuição de combustíveis, operações de carga
e distribuição de produtos alimentares de primeira necessidade para o
abastecimento à população e perecíveis, transportes colectivos, saneamento e
recolha de lixo e serviços funerários (art.º 20.º da LG).

VI. EFEITOS DA GREVE

1. SUSPENSÃO DO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS - A greve suspende,


durante o tempo em que se mantiver, a relação jurídico-laboral, nomeadamente no
que se refere à percepção do salário e ao dever de obediência, mantendo-se,
contudo, os deveres de lealdade e respeito mútuos, podendo o empregador optar
pelo pagamento dos salários se for esta a sua pretensão, sem prejuízo das férias,
contribuição para a segurança social dos trabalhadores e a antiguidade e seus efeitos
(art.º 21.º da LG);

2. PROIBIÇÃO DE TRANSFERÊNCIA E DESPEDIMENTO - Durante o


período de pré-aviso, enquanto durar a greve e até 90 dias após o seu termo, a
entidade empregadora não poderá transferir nem despedir os trabalhadores
grevistas, a não ser por razões disciplinares. No caso dos delegados da greve, a
proibição se prolonga até um ano após o termo da greve (art.º 22.º da LG);

3. SUSPENSÃO DE PRAZOS - Durante a greve, suspendem-se os prazos


relativos a prescrição das sanções disciplinares, instauração e prática de actos de
processo disciplinar e estágio de trabalhadores (art.º 23.º da LG);

VII. ILICITUDE DA GREVE

Sempre que a greve prossiga objectivos diferentes dos estipulados pela LG e nos casos em
seja acompanhada de ocupação dos locais de trabalho ou não obedeça aos princípios e
regras estabelecidos na referida lei, será considerada ilícita, não conferindo qualquer
protecção aos trabalhadores grevistas e delegados da greve (art.º 7.º conjugado com o art.º
24.º da LG).

VIII. CONCLUSÃO

O crescente número de greve em Angola reflecte um aumento da cultura jurídica por parte
dos cidadãos, com especial realce para a classe dos trabalhadores. No entanto, ela também
apresenta-se como um reflexo da pouca eficácia das negociações entre as partes. Diante
deste cenário, é importante que percebamos que a verdadeira solução para os problemas
emergentes das greves não decorrerá da mera aplicação da lei e dos seus procedimentos,
antes, dependerá de uma combinação de factores, com realce na aplicação da arte da
diplomacia e do alcance de reais pontos de equilíbrio entre as partes e de cedências mútuas,
com um claro afastamento de elementos de superioridade e uma gestão voltada para as
pessoas, o maior capital de qualquer instituição.

Que este artigo acrescente valor à sua rotina profissional.

Este é o nosso profundo desejo.

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