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UMA NOVA CLASSIFICAÇÃO DAS TEORIAS


ORIENTAÇÃO EM ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL

PROFISSIONAL A classificação elaborada por Crites, apresentada


anteriormen-

enfatizou, foi utilizada por autores brasileiros como


te,como já se
A abordagem sócio-histórica fonte de referência para a abordagem das teorias em orientação pro-
fissional. Entretanto, pode-se afirmar que tal classificação carecede
substrato mais rigoroso, uma vez que implica uma dissociaço en-
tre indivíduo e sociedade que, de certa forma, obriga a tomada de
2 edição
posição sobre qual seria o aspecto mais determinante na escolha
profissional. Por outro lado, o autor, ao referir-se às teorias psicoló-
gicas, identifica determinadas vertentes como se fossem expressão
de toda a psicologia e, não por acaso, essas vertentes enfatizam ape-
nas o "contexto interno" do indivíduo.
Sem a pretensão de consenso, propõe-se uma nova classifica-
ção das teorias, analisando-as sob o prisma das concepções
subjacentes de indivíduo e de sociedade em que se baseiam. Isto é
necessário para não se cair na armadilha contida na classificação de c
Crites, que obrigaria a um posicionamento sobre qual variável se-
ria mais determinante na escolha profissional do indivíduo, se as
econômicas sociais ou as individuais, sem um exame mais detido
dos valores envolvidos em cada posição.
cORTEz
GEDITORA
AVACLAAFKCÃO OA TECRIAS
ORENTAÇÃO PROFEVONNL
emocional,
Para isso ele deve apresentar e_uilibrio
no sen-
problemas.
A presente proposta cdassifica as teorias em três grupos: 1) envolver-se emocionalmente nestes proble
tido de que não poderá
teorias tradicionais; 2) teorias críticas; 3) teorias para além da crí-
mas.
tica. Acredita-se que tal forma de classificaç o permite o baseado no comporta-
Otrabalho do psicólogo, predominantemente
desvelamento das concepções de indivíduoe sociedadecontidas mento humano que por ser
se caracteriza
muito instável, exige deste
em suas formulações. de nuances e deta-
uma maior facilidade de discriminação e diferenciação
lhes para adaptar e modificar técnicas. procedimentos e orientações
e peculiares de cada
individuo.
dos aspectos especificos
Teorias tradicionais (abordagem liberal)
Fluencia e raciocinio verbal são duas características muito im-
outras

portantes, tendo em vista que é, em zrande parte, através da comu-


Nas teorias tradicionais, a concepção de aproximação do indi- desenvoirido junto acs clientes e
verbal seu trabalho é
viduo com as profissões se dá por meio do que se poderia chamar nicação que
trabalho.
de "modelo de perfis". Este modelo entende que uma boa escolha é pessoas lizgadas ao seu
como:
Criatividade e imazinação podem ser definidas, respectiramente,
aquela que resulta da harmonia mais perfeita entre um perfil pro- estabeiecdas peio
de estabelecer reiações até entäo não
fissional ou ocupacional e o perfil pessoal, delineado a partir de capacidade
de
universo do individuo, visando determinades fins e capacidade
qualquer técnica ou instrumento. Explicando melhor, o indivíduo,
e combinar imagens. são duas caracte-
a partir de certa idade, teria suas características pessoais cristaliza- representarobjetos ausentes
trabaiha
irnportantes para o psicólogo. prinapaimente que
o
nisticas
das, apresentando-se com certos traços especificos de personalida- orde encontra diversidade de hunções
na área empresarial.
de, aptidões e interesses determinados e quase que perenes. Isto suas funçöes
Outra aptidão importante para o bom desempenho de
possibilitaria a comparação deste perfil pessoal com os vários per- estabeiecer
é radoánio abstrato, enterdido como faclidade para
o
fis ocupacionais já preexisterntes. Para exemplificar, observe-se o simboics, de estimulos n o-verbais
relação e compreender a partir
perfil profissiográfico do psicólogo, descrito abaixo, de acordo com E importante em atividades come: o servação de comportamento.
o Dicionário das Profissões do Ciee: análise de testes. planejamento, previsäo e diagnustco.
A apresentação de todas estas caracteristicas pessoais pelo psicoio-
Tendo em vista o seu freqüente relacionamento com pessoas de tode
estar acvmpanhada sempre de muuto bom-senso
em o

vários níveis culturais tanto na área clínica, como na área educacio- go deve
decorrer de suas atividades, no um sense comum. popular. mas um
nal e empresarial, é importante que este profissional apresente socia- bom-senso téinicv, com bases pszcoiogCas
bilidade e flexibilidade, isto é, facilidade para interagir com pessoas e de per
ser flexível no sentido de se adaptar ao ambiente e às situações, esta- E impresindivel que o psicoiogo näo possua desvios zraves
sonalidade, timidez excessivae descontrele nervoso, que imposs
o
belecendo formas variadas de relação interpessoal. S62)
bilitaria de desenvoBver seu trabalhe." (Ciee, 1982.
Habilidade numérica, que pode ser definida como capacidade para li-
dar com simbolos que representem quantidade e para raciocinar com um capi-
Numa publicação especializada mais cecente,' existe
números, é uma das características importantes para o psicólogo que é levo jeito", em que se lè: "Des-
tulo intitulado "Para que que
o eu
trabalha na área empresarial, cujas atividades geralmente envolvem muitu a acabar com as
cobrir coisas sobreo seu modo de ser ajuda
cálculos numéricos, uso de estatística, tabelas de percentis e outros.
Em todas as suas atividades é importante que este profissional tenha
profundo interesse pelos problemas humanose seja capaz de dar atenção
9.Cuu do Estudante, Editura Abru, etiçiv 1
aos indivíduos, objetivando prestar-lhes ajuda na solução de seus
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TEORIAS..
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL UMA NOVACLASIFICAÇÃO DAS

ter "bom senso técnico". Pa-


duvidas". Numa linguagem próxima caricata descontrole nervoso;
ao
jovem (às vezes dez excessiva ou
até), discrição, observação, perse-
perfis vão sendo construídos. Cada perfil é seguido por uma ciência, tolerância, pensamento rápido;
os
lista de
profissões que aparecem em cores diferentes, classificando- verança.
as
segundo o critério das áreas de conhecimento (humanas, exatas, habilidade numérica, maior facilidade
de discrimi-
Aptidões: raciocínio
biológicas, agrárias e artes). O psicólogo, profissão selecionada para diferenciação de nuances e detalhes, fluência e
nação e
exemplificação, aparece em seis grupos que são assim definidos: imaginação, raciocínio abstrato.
verbal, criatividade e

Interesses: pelos problemas humanos, em


dar atenção aos indi-
"Se você tem [...] jogo de cintura, paciência e tolerância, pensa e rea-
ge rápido, adora improvisar, apresenta umas aulas, na boa, sem ter víduos
antes, [.. então você pode ir para L.] Psicologia (e O da pessoa que vive o dilema da escolha profissional
perfil
se
preparado
outras profissões). ser analisado. Por meio de testes e/ou
inventários,
também deve
Se você consegue ..] ficar frio nas situações mais difíceis, letra (grafologia), por "mapa astral", ou
aplicar entrevistas, dramatizações,
do indiví-
injeção em seu cachorro sem errar o lugar, ver seu irmão se ralar ainda por qualquer outra técnica, é estabelecido o perfil
inteiro e ser a única
pessoa que, além de pedir para chamar um mé- duo: traços de personalidade, aptidões e interesses são diagnosti-
atividade de com-
dico, presta primeiros-socorros [.. tenha
os

gia (e outras profissões).


em mente [..] Psicolo- cados. A escolha da profisso resume-se a uma
melhor se ajus-
paração. Busca-se a "fôrma" (perfil ocupacional) que
Se você é[...] discreto, sabe guardar um segredo e não conta nem sob o c o r e o in-
ta ao perfil pessoal levantado. Na seleção profissional
tortura, encontra no elevador seu vizinho do 402 aos beijos com a se seleciona
verso: como a "fôrma" já é dada, u m a vez que sempre
mulher do 503 e n o sai espalhando por aí, tem condescendència ou função, procura-se, dentre vá-
alguém para deternminado cargo
com o jeito de ser dos outros,
[...] é bom considerar [.] Psicologia (e rios indivíduos (perfis pessoais), aquele que se ajusta
melhor à fôr-
outras profissões).
ma (perfil ocupacional).
Se você consegue [...] escrever bem e fazer
redações fantásticas, se
expressar com facilidade e transmitir suas idéias com clareza, se sair Na escolha profissional, espera-se que o indivíduo estabeleça
bem em prova oral e ser uma correlação entre si e os vários perfis ocupacionais disponíveis,
sempre o porta-voz oficial da turma, [...
melhor se ajusta à sua pessoa.
tenha em mente [..] Psicologia (e outras
profissões). para que possa achar aquele que
Se voce é[.] observador,
gosta de bancar o Sherlock Holmes, liga
se A função da orientação profissional, nesta abordagem, seria
até no
papo chato da irm o indivíduo a conhecer-se (em algumas teorias isto
é
sua menor e sabe dizer sem vacilo com ajudar nem
que sapato seu pai saiu hoje cedo, ..]
8ia (e outras profissões).
é bom considerar [..] Psicolo-
necessário, bastandocaracterísticas
queo orientador conheça sujeito), isto é, o cons-

cientizar-se de suas pessoais, além de ajudá-lo a co-

Se você é
[..] perseverante, controla bem sua ansiedade, mas não
descansa enquanto não consegue o que
nhecer profissões. Esta ação, para diferenciar-se daquilo que o
as

quer, é bom considerar [..]| individuo pode fazer sozinho, vem revestida de certa aparência de
Psicologia (e outras profissões)" (Guia do Estudante, 1996: 18-21). ciência ao utilizar instrumentos que só o orientador pode manipu-
lar e que carrega a idéia de que o indivíduo tem uma essência que
Em síntese, partir das duas
a
publicações citadas, o perfil do s um profissional pode descobrir.
psicólogo é assim traçado:
Este modelo é estático tanto no que se refere às profissões ou
Traços de personalidade: sociabilidade e flexibilidade, equilibrio
emocional, não possuir desvios de ocupações quanto ao indivíduo. Por mais que se atualizem estes
graves personalidade, nem timi- perfis, dificilmente conseguem sair da generalidade e superficiali-
AT
UMANOVACLASSIFICAÇÃO DAS TEORIAS.
46
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL

fazer uso, tanto quanto possível, de seus


dade. Observe-se
que perfil do psicólogo, elaborado há mais de
o carreira na qual ele pode seus valores
em situações quesatistaçam
catorze anos pelo iee, serve também para inúmeras outras profis- interessese capacidades, de perfis sendo uti-
observa-se o modelo
sões ou
ocupações, além de ser utilizado até hoje, mesnmo tendo e metas" (p. 13) De novo, indivíduos das profissões.
ocorrido várias aproximar os
transformações sociais, políticas, econômicas e lizado para atribui
tecnológicas conhecidas. Da mesma forma, este modelo espera que Anne Roe, representante
da vertente psicodinmica,
interesses e aptidões
as pessoas não mudem muito partir do fim da adolescência, man-
a à formação de atitudes,
tendo
grande importância infantis estabelecidas
entre pais e filhos.
suas características pessoais durante toda a vida. nas primeiras experiências
menos amorosa (superproteção, super-
Todas as teorias chamadas relação foi mais ou

mente
psicológicas apresentadas anterior- Se esta
causal, aceitação amorosa)
ou mais ou menos

enquadram-se neste modelo. A teoria traço e fator, na reali- solicitação, aceitaço pessoas
dade, inaugura este modo de pensar na distante (rejeiçãonegligência), isso pode gerar
ou

duos com as profissões. Como


aproximação dos indiví- não-pessoas. "Deperndendo
de qual
slogan do "homem certo no lugar "dirigidas" para pessoas ou para infantis na relação com
certo", constrói o imaginário dos perfis que perdura até hoje. E muito das situações acima [primeiras experiências
desenvolver-se-ão atitudes,
comum observar na infância,
empresários, artistas, profissionais liberais utili- o adulto] é experimentada
encontrarão expressão no
zarem-se da
interessese capacidades básicas, quais
as
concepção de perfil para explicar sua própria situação em suas
economica e social, usualmente relações pessoais,
padrão geral de vida do adulto:
em suas
privilegiada. atividades e em s u a escolha
em suas
Mesmo as teorias
desenvolvimentistas, que criticama concepçãão relações emocionais,
inatista das aptidões, personalidade e interesses, acabam utilizando vocacional" (Roe, 1976: 116). Mais uma vez pode-se observar aqui
Anne Roe cons-
a idéia do padrão de perfis ultimando o processo. De fato,
perfil. Por exemplo, Super (1976: 37) acredita que o
"di-
categorias "dirigido para pessoas"
e
trói um modelo em que as

na classificação hierárquica
das
"1) as pessoas diferem em suas habilidades, interesses e personali rigido para não-pessoas", pautadas
encontro do que a autora denomi-
dades; 2) elas são qualificadas em virtude de tais características, cada necessidades de Maslow, vão ao
uma
para um certo número de ocupações; 3) cada uma dessas ocu- na classificação de ocupações:
pações exige um padrão característico de habilidades, interesses e
traços de personalidade, com uma margem suficientemente grande "A maioria daqueles que selecionam ocupações nos grupos [serviço,
artes e diver-
de tolerância, entretanto, a fim de permitir ao mesmo tempo alguma contatos comerciais, ocupações culturais em geral e
uma orientação para pessoas, as-
variedade de ocupações para cada indivíduo e alguma variedade de sões] seguem fundamentalmente
indivíduos para cada ocupação." sim como muitos, senão a maioria, dos que se situam no grupo [or
ganizações]. Os grupos [tecnologia, serviços externos e ciênda] com-
principal é
A novidade, portanto, está na aceitação de que não há uma preendem, principalmente, pessoas cuja orientaço
1976: 117)
única profissão para cada indivíduo e que há alguma diversidade dirigida para não-pessoas." (Roe,
de indivíduos para cada profissão; entretanto, o modelo de perfis
Gelatt (1976), um dos representantes das teorias decisionais,
está exemplarmente incluído.
propõe a aplicação do método ientífico para a resolução de pro
Para Ginzberg (1976), introdutor da vertente evolucionista, "a destas teo-
blemas de escolha profissional. Na realidade, os autores
decisão, em se tratando de escolha ocupacional, é, em última análi-
se, um compromisso onde o indivíduo espera ganhar o máximo
10. Texto entre colchetes, incdusão
nossa.

grau de satisfação através de sua vida de trabalho, seguindo uma


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ORUENTAÇÃO PROFISSIONAL uAIOVACLASUFICAÇO DAS TEOPS

Tias esto mais


preocupados
escolha do que entender
em fornecer um critério racional de (aptidões, interesses, caracteristicas de personalidade, ritmo de desen-
a forma como se dá tanto volvimento, autoconceito etc.). Estas diferernças os levarão a optar por
a
construção da
personalidade do indivíduo quanto a interferência do contexto so- diferentes caminhos profissionais" (Ferretti, 1998a: 30).
cioeconomico nesta construção. Por isso, Gelatt afirma As teorias chamadas psicológicas fundamentam-se na ideolo
que "os re-
sultados de testes, de prévios cursos
graduados, de interesses, e a
gia liberal. O conceito de escolha é entendido como algo abstrato,
relação desta decisão com escolhas futuras são exemplos de ele-
mentos a serem usados. Para se discutir os
privilégio da classe dominante que impõe sua visão para todas as
possíveis resultados de outras, como ideologia. Os três axiomas da visão liberal informam
escolhas alternativas e suas
possibilidades é essencial saber algu- como a escolha profissional será entendida. A liberdade, a indivi-
ma coisa sobre o grau de relevância dualidade e a igualdade de oportunidades dão sentido à aão da
que estes elementos têm para
cada alternativa" (1976: 19). Novamente,
pode-se observar a idéia orientação profissional. A individualidade é entendida como um
do modelo de perfis sendo utilizada nesta
concepção. movimento interno, quer numa visão inatista -0s indivíiduos nas-
Como afirmado anteriormente, todas as teorias chamadas cem com todos os atributos-, quer numa viso desenvolvimentis
psi-
cológicas
apóiam-se no modelo de perfis. Na verdade,
diferenciam quanto ao entendimento da
se apenas ta-desenvolvem ao longo da vida. O prindápio da liberdade asse-
gênese das características gura a possibilidade de o indivíduo desenvolver suas potendialida-
pessoais do indivíduo. Algumas consideram, como já visto, que tais des. A igualdade de oportunidades também está restrita à visão de
características são inatas; outras, que são construídas a partir da indivíduo: todos têm garantido, por lei, a condição de poder alcan-
relação afetivo-sexual estabelecida na primeira infância; outras ainda çar o "progresso pessoal e posição social vantajosa. Como lei tëm
que são construídas ao longo do crescimento da pessoa; mas todas,
igual direito à vida, à liberdade, à propriedade, à proteção das leis"
sem exceção, ao final, (Ferretti, 1988a: 34).
comparam estas características com os perfis
elaborados de cada profissão. Portanto, em maior ou menor escala, Na visão liberal, o indivíduo tem em suas mãos a possibilida-
há um ajustamento do indivíduo à sociedade. de de ultrapassar os obstáculos colocados pela relidade, e a esco
Celso Ferretti examina as teorias em orientação profissional com 1a, se adequada, asseguraria melhoria de condição de vida.
a
seguinte pergunta: quais as concepções de indivíduo e sociedade A sociedade é entendida com um conjunto de camadas socais
que dão sustentação às suas idéias? Portanto, este autor não está pre-
ocupado em discutir quais delas analisam mais adequadamente a
sobrepostas e ordenadas em forma de piràmide que possibilita ascenso
ou descenso social. A escolha profissional é anundada como um dos
forma como o indivíduo escolhe sua profissão; seu olhar volta-se
para fatores fundamentais para o deslocamento social (para ama ou para
o aspecto
ideológico contido na questão. Ele constata que todas as baixo, de acordo coma qualidade da decisão) e, por isso, a orientação
teorias psicológicas 1) propõem-se a explicar como o indivíduo pro-
cessa a sua escolha bem como o seu resultado; 2) pressupõem quea profissional far-se-ia necessária, isto é, ajudaria o individuo a localizar
ou descobrir sua "vocação" para ter chances de "subir na vida"
escolha é uma decisão pessoal e individual; 3) admitem que fatores
pessoais e sociais interferem no processo, mas dão ênfase ao caráter
biopsicológico, entendendo os aspectos sociais como limitadores ou Teorias criticas
castradores das características originais ou essenciais do indivíduo;
e, por fim, 4) "as teorias, implícita ou explicitamente, consideram Por teorias críticas entendemos aquelas surgidas, no Brasil, no
que os indivíduos diferem entre si por uma,série de características final da década de 1970 e início da de 19S0, que examinaram as
5
DAS TEORIAS..

ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL UMANOVACLASSIFICAÇÃO


intelectual,
liberdade econmica,
todas as outras: liberdade é
decorrendo a
dela liberalismo]
teorias aqui denominadas tradicionais ou liberais, apontando seu
Para essa
doutrina [o
caráter ideológico." religiosa e política. das potencialidades
a defesa da ação e
necessária para
Mais do que propostas (apesar de apontarem algumas saídas), condição não-liberdade é umdesrespeito à persona-
a
individuais, enquanto propriedade é
outro as-
A
estas teorias propõem-se a analisar, de forma radical, as teorias en lidade de cada um" (Cunha, 1977: 29). indiví-
tão existentes, desvelando as concepções, quase nunca explícitas, como
"direito natural do
é entendida
doutrina e
de ser humano e sociedade nelas contidas. E necessário lembrar pecto da não como igualdade de condições
entendida
duo". A igualdade,
a lei,
defende que "to-
que estas teorias foram construídas num momento particular da c o m o igualdade perante
materiais, m a s sim à
história do país e da educação. O Brasil vivia uma ditadura militar direitos à vida,
liberdade, à propriedade,
dos têm, por lei, iguais pelos
que restringia as liberdades democráticas e que teve como função Por fim, a
democracia exigida
"modernizar" a economia do país, abrindo suas fronteiras para o proteção das leis" (ldem: 31). usufruir do indivi-
a n t e r i o r m e n t e descritos, isto é, para
capital internacional, contra programas nacionalistas e populistas principios da háa n e -
igualdade,
dualismo, da à liberdade, da propriedade,
que faziam história desde a época de Vargas, com avanços e recuos cessidade da democracia. Assim,
"cada indivíduo, agindo livremen-
nos diversos governos posteriores. A escola, nessa época, é central- em conseqüëncia,
te, é capaz de buscar seus interesses próprios e,
mente vista (pelos teóricos de esquerda) como aparelho ideológico
os de toda a sociedade" (Idem: 33).
do Estado, que tem como função principal a manutenção do status ascender socialmente
da classe dominante. Na ótica liberal, o indivíduo pode almejar
quo e a transmissão dos valores e crenças de condições advindas de prerrogati-
e enriquecer, não enm função
Althusser (1983), Bourdieu & Passeron (1975) são os principais teó- também em virtude de trabalho
e talento
vas de nascimento, mas
ricos destaperspectiva e, no Brasil, Luiz Antonio Cunha, com seu
importante livro Educação e desenvolvimento social no Brasil, publica- pessoal (cf. Cunha, 1977: 31).
liberal pela política educa- e
do originalmente em 1977, dão grande impulso à análise crítica da A escola éé pretendida pela teoria
de oportunidades. En-
cional como responsável pela equalização
função da educação escolar e, por conseqüência, da orientação pro- tal visão, ao apontar que esta escola
fissional. Esta forma de conmpreender a escola foi mais tarde deno- tretanto, Cunha desmascara
de agir segundo os. próprios princípios que
minada "visão reprodutivista". que aí está é incapaz
do papel atribuído à educa-
Cunha (1977) exanmina a escola sob os princípios da visão libe-
estabelece, apontando que "a análise
de oportunidades, pela doutri-
ral, de que a política educacional se diz defensora. Assim, aplica ção de instrumento de equalização ter
na liberal, pela pedagogia da escola nova e pelo estado, mostrou
de
estesprincípios para verificar se esta escola, ao menos, dá conta essa atribuição a função ideológica
de dissimular os mecarnismos
implementá-los. O princípio do individualismo "considera o indi- de discriminação da própria educação,
bem como os da ordemn eco-
víduo enquanto sujeito que deve ser respeitado por possuir apti-
nômica" (Cunha, 1977: 60).
dões e próprios, atualizados ou em potencial" (p. 28). O
talentos
Fazendo o papel da educação seria o de
discurso de que o
cor-

segundo princípio, a liberdade, está alicerçado no postulado do in- a escola, ao con-


dividualismo. "Pleiteia-se, antes de tudo, a liberdade individual, rigir as "distorções" provocadas pelo capitalismo, alunadoe suas
trário, reproduz e justifica esta ordem junto
ao seu

desmascaram cabalmente
famílias. Cunha aponta cinco pontos que
são desiguais pelo país
este discurso: 1) as chances de escolarizaço
11. Por ideologia entende-se ura invertida da realidade realizada pela classe domi-
universalidade. Portanto, não necessariamente falsa, mas com
u m a grande parte da popula-
nante que postula sua onde a escolarização atinge
e

compromisso de classe.
afora; 2)
52 53
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL UHAIOVACLASSIFICAÇÁO DAS TEOPIAS.

ção, há desigualdade na qualidade do ensino oferecido; 3) "as apti- atuar dessa forma, a orientação
mente ao indivíduo que escolhe. Ao
u m lado,
dões das pessoas não são características
inatas; ao contrário, são profissional acaba comprometendo-se duplamente: de por
últimas por aceitá-las como naturais, mis-
produto da sua primeira educação, associada às condições mate- não examinar as causas e

riais de vida tifica os fatores da realidade que constituem obstáculos ou impedi-


no que se refere à alimentação, ao desenvolvimento
às escolhas individuais. De outro lado, ajuda
a manteras
mentos
psicofisiológico, ao desenvolvimento de certas destrezas que cada
discriminações sociais, por admitir, sem questionamento, poten
o
classe social tem como res1ultado da vida
que leva" (p. 56); 4) os pro- cial individual deixando, ao mesmo tempo, de abrir crítica às condi-
cessos de avaliação atitudes,
premiam destrezas, comportamentos ções de vida que influenciaram
marcadamente esse potencial."
mais pertinentes às classes não-trabalhadoras, tais como o
(Ferretti, 1988a: 44)
"verbalismo" e "as boas maneiras"; 5) "dizer que são 'razões de
ordem intetalectiva' que barram o progresso (escolar) de alguns é Selma Garrido Pimenta, outra importante autora para a histó-
dizer metade da realidade, vale dizer, é dissimular a realidade" (p. ria recente da orientação profissional no Brasil, realiza
uma crítica

56). As diferenças de ordem intelectiva, segundo esse autor, devem diferente. Ao examinar as teorias, percebe que as mesmas propõem-
ser buscadas na
origem de classe. "Assim, dizer que as diferenças se a explicar descritivamente a escolha profissional da pessoas, mas
intelectuais produzem as diferenças de classe é dizer, na realidade, na realidade, ficam apenas no aspecto psicológico. A autora
que,
que as diferenças de classe produzem as diferenças de classe, isto é afirma que: "Considerado psicologicamente, o fenômeno da dei-
nada dizer" (p. 56). são não se esgota; questões como liberdade de decidir, por que e
Celso Ferretti analisa as teorias em orientação profissional no determinismos e como modificá-
para que decidir, por que existem
mesmo sentido que faz Cunha com a escola. Cruzando os pressu- los, não são cogitadas pela psicologia vocacional que se preocupa
postos teóricos da OV, os prinípios do liberalismo e a realidade em descrever os fenômenos psíquicos relacionados à escolha
mostrada por inúmeras pesquisas, bem como a própria vivência, vocacional" (1979: 42).
conclui que a orientação profissional toma como postulado as pre Entretanto, autora considera o indivíduo no se reduz
a que
missas do liberalismo. Em seguida, constata que a sociedade con- teorias não dão conta de abordar
apenas à psicologia e, portanto as
creta não oferece igualdade real de condições, que não há liberdade e explicar o fenômeno complexo que é a pessoa.
de escolhae que essa individualidade, em termos de talentos, per-
sonalidade, aptidões e habilidades, também é questionável. Por isso "Se a orientação vocacional significa 'o processo pelo qual se ajuda
sua ação tem mais efeito ideológico do que o de efetiva ajuda ao uma pessoa a escolher uma ocupação, a preparar-se para ela, ingres-
indivíduo e suas escolhas. Assim, a sar e progredir nela', ela não se reduz à psicologia, pois que, ajudar
uma pessoa não se reduz a ajudá-la psicologicamente (identificar
"orientaç o acaba reforçando os princípios do liberalismo, pois admi- aptidões, interesses, autoconceitos ete.). Esta ajuda é parial e frag-
te implicitamente que existem falhas no processo de escolhas profis- mentária, pois que a pessoa não é a soma de construtos psicolózicos;
sionais, que estas falhas são do indivíduo e que, portanto, para resol- e também não é parte de psicologia (como não o é da sodologia, de
ver o problema, basta habilitá-lo a realizar escolhas mais economia etc.). A pessoa não é o resultado da soma destas aèncas"
adequadas.
Ou seja, todos têm liberdade de escolher e igual iberdade para fazê- (Pimenta, 1979: 42)
lo de acordo com suas aptidões e características pessoais, respeita-
das as limitações impostas pela realidade. As opções inadequadas A autora recorre à fenomenologia existencdal para verificar se
são de responsabilidade individual e devem ser creditadas unica- ela é capaz de abraçar toda a problemática envolvida na questão.
55
54 UMA NOVA CIASSIFICAÇÃO DAS TEORIAS..
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL

vocacional que se apóia na pers-


Apresenta os conceitos fundamentais desta abordagem: homem Portanto, não é só a orientaçãO
encarnado
o
mas a psicologia pedagogia que se de-
e a
pectiva do liberalismo,
como ser no mundo; como
cia
sujeito, e não coisa; a existên- educacionais. A psicologia
diferencial
como coexistência (intersubjetividade); a liberdade. A bruçam sobre as questões

dando início à orientação profissional,


para, inde-
fenomenologia existencial possibilita a constatação de que o chega à escola,
pro- selecionar ou
psicologismo fragmenta o fenômeno da decisão em pequenas uni- da condição social,
pendentemente da etnia
ou

dades, assim como as teorias em orientação vocacional não fracasso escolar justifica-se
m o v e r os mais aptos.
Dessa forma,
colo-
cam uma
concepção de progresso. As concep-
homem. Apesar dessas, conclusões, pela falta de aptidão inata para respectivo mutuamente:
o
a auto-
ra afirma que a
fenomenologia
também aborda, de forma ções educacionais e psicológicas reforçam-se
reducionista, o fenômeno da deciso, ao idealizar a
homem que utiliza, isto é, seu caráter metafísico e concepção
de
instrumentos que de medida
abstrato, enten- "Claparede [..] quer aprimorar
dendo o indivíduo como se ele existisse "em si e são os retarda-
si". rastreiem as diferenças individuais, quer saber quem
por defende a cria-
Maria Helena Souza Patto estuda a dos e os bem-dotados o mais precocemente possível,
produção do fracasso es- ção especiais para primeiros
de classes os e de escolas especiais para
colar, tema bastante diferente do presente estudo.
Entretanto, ao Os segundos, propõe, em 1920, a escola sob medidae em 1922a orien-
historicizar a forma como a
psicologia tem abordado o tema, verifi- tação profissional- tudo isto em nome de menor desperdício e me-
ca também visão reducionista e
a
ideológica que a ciência vem dan- nor desgaste individual e social. A colocação do 'homem certo no
do ao
problema. Não é mera coincidência a constatação de que os
lugar certo' era para ele o caminho mais curto para orestabelecimento
pressupostos teóricos das explicações sobre o fracasso escolar são da justiça social almejada e a seu ver possível, mas ainda não
comuns aos da orientação profissional que se está criticando. Ao se alcançada" (Patto, 1991: 43; grifo nosso)
referir aos
primórdios da psicologia científica no final do século
XIX e início do XX,
aponta a funcionalidade alcançada pelas teorias Como se pôde constatar, a psicologia do início do século, prin-
ao reforçar as tendências
liberais, que ganharam fôlego a partir da cipalmente aquela que se debruça sobre a escola e sobre o trabalho,
Revolução Francesa e da dominação efetiva do modo de produção tem a missão de sedimentar e de perpetuar a ideologia liberal que
capitalista pelo mundo. sustenta o capitalismo, ao canalizar para o indivíduo todas as res-
ponsabilidades pelo seu progresso, deixando incólume a estrutura
"A psicologia científica |...] fortemenle influenciada pela teoria social, isto é, encobrindo injustiças e a exploração inerentes ao modo
da evolução natural e pelo exaltado cientificismo da de produção.
época, tor-
nou-se
especialmente apta a desempenhar seu primeiro e princi
pal papel social: descobrir os mais e os menos aptosa trilhar 'a carreira Segundo a perspectiva crítica, a visão tradicional ou liberal
aberta ao talento' supostamente presente percebe o indivíduo como ser autônomo em relaço à sociedade.
cial e assim colaborar, de modo
organização so-
na nova
Autonomia aqui é entendida como um corpo biopsicológico, que já
importantíssimo, com a crença da contém, desde o nascimento, potencialidades que podem ser ou não
chegada de uma vida social fundada na justiça. Entre as ciências
que na era do capital participaram do ilusionismo que escondeu as desenvolvidas de acordo com o meio em que a pessoa vive. A fun-
desigualdades sociais, historicamente determinadas, sob o véu de ção da educação, como diz Patto, assim como a da orientação pro-
supostas desigualdades pessoais, biologicamente determinadas, a psi- fissional, seria propiciar o desenvolvimento desse potencial, selecio-
cologia certamente ocupou posição de destaque." (Patto, 1991: 36; nando os indivíduos segundo tal potencial, buscando eliminar as
grifo nosso) interferências "prejudiciais" do meio.
51
st UMANOVA CLASSIFICAÇÃO
DAS TEORIAS..
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL

Além dessa visão raio X. O médico de hoje já passou para


inatista, a' perspectiva tradicional tende a do feto e, quando muito, o
ou atende
naturalizar os fenómenos situação de
assalariamento (é empregado
são históricos. As
que diferenças entre uma
seria u m assalariamento dis
homense mulheres, por exemplo, no que se refere às caracteristicas conveniados de u m plano médico, que
de Não existe mais o médico de família, e os r e c u r s o s ins-
persornalidade, interesses ehabilidades, são naturalizados e, por farçado). conhecimentos e habilidades bas-
1SSo, perenizados, ao contrário do
que afirma a vasta bibliografia
trumentais que utiliza requerem
eram ent o
necessárias.
na area
que marca a historicidade do fenômeno.2 A naturalização tante distintas daquelas que
u m perfil pessoal que
se
existe
do que é histórico vem na
direção de uma visão conservadora da De outro lado, a idéia de que
realidade, que busca manter as desigualdades sociais cristaliza e pereniza por volta dos dezoito anos também pode ser
em funçao
dos modificam c o m o tempo e, mais do
privilégios alcançados pelas classes dirigentes. questionada. Os indivíduos se transformam
mudam interesses e
A perspectiva crítica questiona o conceito de sociedade que a que isso, adquirem habilidades,
abordagem tradicional utiliza. A sociedade não se constitui como suas características pessoais.
referida
exposta acima, está
ao
uma piränide formada idéia de
por camadas sociais, mas, estruturalmente, Mas essa perfis, como

é constituida
por duas classes sociais, complementares, com objeti- que se chama de modelo tayloristalfordista de organização da pro-
vos e interesses distintos e contraditórios: a burguesia e o proletari- dução. "Esse padro produtivo estruturou-se com base no trabalho u
ado. A idéia da ascensão social é substituída pela concepção de luta reduziria a fa
parcelar efragmentado, na decomposição das tarefas, que
de classes. A educaçãoeaorientação precisam trabalhar no sentido atividades cuja somatória
ação operária a um conjunto repetitivo de
da "conscientização", bandeira das oposições poliíticasna década resultava no trabalho coletivo produtor" de mercadorias (Antunes,
de 1970 início da de 1980, para a superação desde modo de produ-
e
2000:37). O perfis ajusta-se plenamente à idéia do traba-
modelo de
ção, que em si é autoritário, injusto e explorador
Iho parcelar fragmentado. Os perfis profissiográficos que se mon-
e
Esta perspectiva critica a visão de aproximação dos individuos habili-
tavam, na época, buscavam identificar minuciosamente as
com as profissões e ocupações presente no modelo dos perfis. Esse dades e conhecimentos necessários para o desempenho de deter-
modelo pressupõe indivíduos e profissões estáticas e perenes. Como minada função específica dentro da divisão técnica do trabalho. O
já apontado anteriormente, no caso da profissäo do psicólogo, seu que começou no chão da fábrica, depois foi transposto para quase
pertil se mantém inalterado. Na perspectiva critica, as profissoes e todas as ocupações, chegando inclusive ao trabalho intelectual.
ocupações têm história, isto é, moditicam-se no temp0 em tunção
Mas a organização taylorista/ fordista do trabalho vem sofren-
de variáveis econômicas,
politicas, sociais e Não se tecnológicas. do modificaçõcs. Nas empresas de ponta, o modelo foi substituído
pode afirmar, por exemplo, que o exercicio atual da medicina seja
igual ao de cinqüenta anos atrás. Naquela época, constituia-se como pelo que se chama de modelo toyotista ou japonês de organização
profissão liberal, havendo o médico da família que desenvolvia seu da produção, que é assim definido por Antunes:
trabalho acompanhando a vida do individuo
praticamente desde "[O modelo toyotista] se fundamenta num padrão produtivo orga-
seu nascimento. Os recursos utilizados na
especialidade clínica nizacionale tecnologicamente avançado, resultado da introdução de
eram:
palheta, estetoscópio, um cone
para ouviro batimento cardíaco técnicas de gestão da força de trabalho próprias da fase informacional,
bem como da introdução ampliada dos computadores no processo
12. Ver, por produtivoe de serviços. Desenvolve-se em uma estrutura produtiva
exemplo, textos que relacionam a
questão da mulher com
profissão e/ou
escolha prolissional: Ferretti (1976) e Bruschini (1978 e 2000).
mais flexível, recorrendo freqüentemente à desconcentração produ-
59
TEORIAS..
UMA NOVA
CASSIFICAÇÃO OAS
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL
dos tempos
competência. Esse é perfil
o
trabalhar, melhorar
sua
tiva, às empresas terceirizadas etc. Utiliza-se de novas técnicas de a atual não abandona a
neoliberalismo. O
discurso
gestão da força de trabalho, do trabalho em equipe, das 'células de
da globalização e atualidade, o
produção', dos'times de trabalho' dos grupos 'semi-autônomos, além exigências. Na
acrescenta
concepção de perfis,
mas
saber ser, como
de requerer, ao menos no
plano discursivo, 'envolvimento apresentar competëncias, precisa
o
indivíduo precisa inteiro, mobilizar-
participativo' dos trabalhadores, em verdade participação
uma
afirma Ferretti (1997: 259), isto é,
"colocar-se
por
manipuladora e que preserva, na essência, as condições de trabalho a valorização
do
u m fim, neste caso,
em direção a
alienado e estranhado. O 'trabalho se completamente,
polivalente', 'multifuncional', 'quali- de resolver um problema
capital[..]. 'A competência é capacidade
a
ficado', combinado com uma estrutura mais horizontalizada e inte-
baseia-se nos resultados'."
grada entre diversas empresas, inclusive nas empresas terceirizadas, em uma situação dada. A competência
conceito de competência
tem como finalidade a
redução do tempo de trabalho" (Antunes, 2000: Ferretti aponta que a imprecisão do
52; grifos nossos). tem trazido problemas para as agências
de formação profissionais

O trabalho epara as próprias empresas. Segundo este autor,


polivalente, multifuncional e qualificado, como diz
Antunes, modifica a idéia do perfil profissiográfico tradicional. Além "nos países capitalistas avançados, desenvolve-se, a partir das refor
de ser competente tecnicamente falando, o esforçono sentido de estudar, detalhar,
profissional também tem mas de ensino, um intenso

padronizar e propor, em termos compreensíveis e úteis formação


à
que desenvolver novas habilidades, agora atitudinais e comporta-
de tais
mentais. O discurso atual expresso de forma caricata é: o indivíduo profissional e à empresa, a definição, a mais preisa possível,
de modo eficientemente ensinadas e
precisa desenvolver todas as habilidadese adquirir todos os conhe- competências, que possam ser

cimentos se
quiser sobreviver no mercado. Para enfrentar a "alta passíveis de mensuração, semelhantemente, guardadas as devidas
proporçoes, com o que ocorreu quando da definição de cargos,
tare-
rotatividade, instabilidade, pouco dinamismo na geração de novas
fas e funções sob o taylorismo/fordismo". (Ferrettti, 1997: 262)
vagas, descontinuidade da trajetória profissional, precarização das
formas de contratação de mão-de-obra e
queda de rendimentos" Ou seja, o capital precisa da definiço dos perfis, agora sob
(Dieese, 1997), que caracterizam as mudanças do emprego nos anos
1990, o discurso neoliberal irradia que com
novos moldes, para continuar se reproduzindo.
A busca da harmonia entre perfis pessoais e profissionais cons-
"as titui uma visão reduionista e mecaniista da grande complexida-
mudanças, aumenta a necessidade de versatilidade e
qualifica-
ção [do trabalhador]. Antes bastava ser adestrado. Hoje, é funda- de que envolve a relação indivíduo, trabalho e também, por conse-
mental ser educado. O adestramento ensina a fazer qüência, a educação.
pessoa a a mes-
ma coisa a vida inteira. A educação a prepara para aprender conti- A perspectiva crítica denunia a ação puramente ideológica
nuamente. Com a velocidade meteórica das mudanças nas tecnolo- da orientação profissional tradicional. Esta intervenção tem a fun-
gias e nos modos de produzir e vender, a educação torna-se o ele-
mento-chave para a empregabilidade dos trabalhadores e ção de dissimular a realidade, ao esconder os determinantes econo
para a com-
micos, políticos e soiais do fenômeno e isolar apenas o individual
petitividade das empresas." (Pastore, 2000: 92)

Para ser empregável, o indivíduo tem


que ser polivalente. O 13. Antunes (1995 e 2000) é uma das vozes criticas que abordam as transformações da
desemprego é algo que o trabalhador deve resolver. De novo, ele é organizaço do trabalho nos tempos atuais. Ao contrário do preconizado pela ideologia
liberal, o autor aponta que a tendênda geral dos postos de trabalho é a precarização, o
responsabilizado pela sua própria mazela e deve, caso queira voltar
trabalho parcial e a desqualiicação.
60

ORIENTAÇÃ0 PROFISSIONAL UMA NOVA CUSSIFICAÇÃO DAS TEORIAS. 61

como essencial.
ção à Responsabiliza a pessoa pelo seu sucesso em dire-
ascensão social, o Ferretti (1988a) sugere que a orientação profissional crie
que acaba por ser uma
culpabilização
da.
explicação e
pelo aparente fracasso a que a maioria está "condições para que a pessoa a ela submetida reflita sobre o processoeoato
Ajusta o indivíduo à estrutura submeti-
de escolha profissional, bem como sobre o ingresso em uma atividade profis-
lógica do iucro impera, tendo ocupacional preexistente, onde a sional e no seu exercício no contexto mais geral da sociedade onde tais ações
tão da maior sempre
como pano de fundo a ques-
produtividade, traduzida de forma
perversa por as-
se processam. Subsidiariamente, espera-se que o indivíduo assim as-
pectos psicológicos, como felicidade sistido ganhe condições de realizar escolhas profissionais comscientes
orientação profissional, bem como à realizaçãocabe
e
pessoal. Enfim, à (no sentido de escolhas que ocorrem a partir da reflexão sobre seus
produzir a ordem social vigente sem educação, tarefa de re-
a
condicionamentos, e não a partir de sua aceitação), quando e onde as
Na
quaisquer questionamentos. oportunidades se apresentarem." (p. 45)
perspectiva liberal, tudo está nas mãos do indivíduo, o único
responsável pela escolha profissional que, se bem realizada, A orientação profissional deveria deslocar seu eixo central de
O

ta para o sucesso apon-


social e financeiro. Entretanto, na
tica, é a estrutura social e econômica perspectiva crí- preocupação, que tem sido a escolha dos indivduos, para a aborda-
da pessoa na
que explica o posicionamento gem da temática do trabalho na sociedade atual.
sociedade, empurrando-o para um lado ou outro. Nesta
ótica, oindivíduo não tem autonomia
para definir seu caminhar e "A proposta de reflexo sobre o trabalho enquanto atividade social e
constitui-se como reflexo da sociedade. determinante de
enquanto processo de modificação da natureza e

Como superação da perspectiva tradicional ou liberal, os dois relações sociais, parece-nos fundamental para que tanto os que op-
autores analisados apontam propostas distintas. Para Pimenta tam como os que n o o fazem desenvolvam uma consciència criica
(1979): dessa atividade humana que, espera-se, venha a influenciar o exercí-
"A orientação vocacional, ao usar técnicas, advindas da cio de sua atividade profissional" (p. 46).
psicologia,
que acentuam a ênfase no indivíduo, cria neste a impressão de que é
ele quem decide; com isso facilita o Ferretti esboça a estrutura de alguns conteúdos que poderiam
ajustamento dele à estrutura ser abordados nas atividades de orientação profissional: "a) traba-
ocupacional. Imbuído de uma 'certeza' de que escolheu (a partir da-
quilo que era possível), o indivíduo tem maiores chances de vir a ser lho como transformação da natureza e do homem; b) trabalho e
mais produtivo. Isto é, contribuir
para o aumento da mais-valia da estrutura social; c) trabalho e relações sociais; d) trabalhoe desen-
classe dominante, que é a
que detém o controle da produção ..]A volvimento econômico-social; e) trabalho e educação; f) sindicatos
liberdade de decidir é da classe dominante. Por isso, a classe a e associações trabalhistas; g) seleção profissional e discriminação
que o .

indivíduo pertence determina a sua escolha profissional. Portanto,


social" (p. 48).
aos orientadores vocacionais de
pouco adianta trabalhar ao nível da A crítica à orientação profissional tradicional coloca em xeque
decisão individual, se não for libertada a liberdade de decidir."
(p. 124; de que os indivíduos escolhem suas profissões. A
grito nosso) a concepção
colha seria um fenômeno pertencente à classe dominante, que, ideo-
es
A
orientação vocacional e a escolha, colocadas como proble- logicamente, é transposta para todas as classes sociais, sem qual-
mas, deveriam ser revistas pensando-se em como atuar de forma a quer questionamento, acabando por tornar-se uma idéia que mais
contribuir para a modificação da estrutura social
que impossibilita justifica as desigualdades e injustiças engendradas pelo modo de
a liberdade de escolha.
produção capitalista do quue a explicação de como as pessoas
3
DAS TEORIAS...
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL UMA NOVACLASIFICAÇÃO

posicionam-se Ferretti (19886) apresenta alteração em


na sociedade, tanto como atividade ocupacional Em Opção trabalho,
quanto de poder e prestígio. sua visãão.

"A crítica à recolher dos depoimentos de meus


ideologia liberal e à concepçãode indivíduo nela em- "De modo geral, o que foi possível
butida sem dúvida é um entretecidas por escolhas e não-
grande avanço na compreensão do fun- informantes é que suas carreiras são
às de-
cionamento da sociedade
capitalista. Entretanto, no desenvolvi- escolhas, n u m movimento que
obedece, em última instância,
mento da análise, reduz a mero reflexo des-
negar a existência da liberdade de escolha,
ao
terminações econômicas, mas que
não se
acaba por também trabalhadores entrevistados não
negar a existência do indivíduo. Ele passa a tas. ..] Se é verdade, que [...] os
ser entendido como reflexo
da organização social, não detendo escolheram as ocupações que exerciam quando
foram abordados, não
nenhum grau de autonomia frente a tais carreiras podem
tura social tem um
determinações. A estru- é menos verdade que alterações sofridas por
suas

poder avassalador sobre o indivíduo, negando ser creditadas, pelo menos em alguns momentos, a opções que fize-
assim sua existência. Desta forma, ao criticar a
concepção de indi- ram entre diferentes cursos de e principalmente, à sua intenção
ação,
víduo subjacente à ideologia liberal, também a existência do
nega
indivíduo propriamente dito. [...] Se na
de conquistar uma identidade ocupacional que lhes permitisse situ-
ideologia liberal o indiví- ar-se no mercado urbano-industrial e serem nele reconhecidos como
duo 'pode tudo', em sua crítica ele
passa a 'não poder nada'."
(Bock, S., 1989: 16) profissionais." (p. 152)

E necessário que feita uma distinção entre os dois autores


seja Ferretti, em sua pesquisa, percebe que a primeira inserção se
que desenvolverama crítica à orientação profissional tradicional
dá de forma contingencial, mas que, em seguida, o sujeito planifica
no que diz
de algum modo sua trajetória; portanto, há um espaço que diferen-
respeito a este assunto. Entende-se que Selma Pimenta,
ao denunciar o cia a pessoa da estrutura social.
psicologismo recorrente nas teorias e práticas da
orientação profissional, sugere Em ambos os casos, não há uma formulação de novas teorias
que o indivíduo, no
capitalismo,
praticamente não existe. A idéia de indivíduo seria uma articula- que possam entender o caminhar do indivíduo. Mesmo Ferretti,
ção idealista e liberal para manter o status quo. Isto fica claro quan- que admite certa possibilidade de intervenção da pessoa sobre sua
do analisa e refuta a contribuição da
fenomenologia existencial. Não trajetória, não dedica atenção ao exame de como isto ocorre na esfe-
que se queira resgatar esta abordagem filosófica, mas ao perceber ra subjetiva do sujeito.

seu limite, desconsidera a possibilidade de compreender o indivi- Laura Belluzo de C. Silva busca relacionar o social com a sub-
duo por meio de outras vertentes teóricas. Só a transformação es-
jetividade, ao propor a articulação entre as concepções de
trutural da sociedade poderia colocar em pauta a liberdade de es- Bohoslavsky e Bourdieu, no caso, entre o inconsciente da visão psi-
colha; provavelmente, neste momento, teorias seriam gestadas para canalítica e a teoria sociológica. Para Silva (1996: 52), "é ponto cen-
explicar e operar esta liberdade alcançada. tral na teoria de Bourdieu que as condições objetivas de vida são
Celso Ferretti, diferentemente; deixa aberta uma interiorizadas gerando o habitus, conjunto estruturado de disposi
possibilida
de para a aceitação de que o indivíduo não é mero reflexo da estru- ções que irá por sua vez presidir as ações diante de situações e estí-
tura social, ao incluir o conceito de consciência crítica, ressaltando mulos. Trata-se, portanto, da interiorização da exterioridade, ou,
que existem pessoas que podem usufruir o direito de escolha e em outras palavras, da constituição da subjetividade; e da exterio-

outras não. rização da interioridade, ou, dito de outra forma, dos mecanismos
64
65
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL TEORIAS..
UMANOVACLASSIFICAÇÃO DAS
internalizados que subjazem o tarefa clarear
Bohoslavsky, segundo comportamento". A proposta de Assim, a orientaço profissional teria como as

a
autora, determinações subjetivas e objetivas da escolha, tendo uma função
meramente descritiva e explicativa. O indivíduo teria maior cons-
"caracteriza-se fundamentalmente
pela estratégia de, partindo da ciência dos motivos que o levam a se aproximar de uma profissão.
profissão (ou profissões) mencionada(s) pelo orientando, desvelar a de
cadeia de
significados que, consciente ou inconscientemente, O sujei- O autor desta pesquisa entende que a concepção
também pode considera-
to lhe(s) atribui. Um
pouco à moda de uma associação livre, vai se Bohoslavsky- a abordagem clínica- ser

revelando, para orientador e orientando, a da como uma abordagem crítica,


apesar de se encontrarem elemen-
que afetos a
profissäão es-
colhida está vinculada e tos em sua concepção que estariam mais próximos da abordagemn
que objetos internos visa reparar"(p. 193)
tradicional.
Mas assume-se
que a abordagem da autora, apesar do avan- Diferentemente de Ferretti e Pimenta, que denunciam a au-
ço teórico, ainda mantém
separadas em duas instâncias relativa- sência de questões sociais, políticas e econômicas na abordagem
mente autônomas: as dimensões
social e subjetiva. Por exemplo, tradicional, Bohoslavsky questiona a visão de indivíduo contida
Silva afirma: "A
articulação conceitual e a análise dos dados nessa abordagem. O autor elabora profunda crítica ao que deno-
empíricos sugere que os determinismos econômicoos mina "modalidade estatística", isto é, ao psicometrismo puro na
interiorizados sob a forma de habitus de classe e as vicissitudes
orientação profissional, e isso o aproxima do que se denominou
do desejo relativos à escolha
profissional são vivenciados pelos abordagem crítica, apesar de aceitar o uso de testes para a elabora-
indivíduos como cornflito psíquico e que este tem entanto, não constitui
de resolução diferentes
possibilidades ção de diagnósticos. O problema, no se no

segundo o estrato socioeconômico con uso de testes, mas na idéia da necessidade da elaboração de diag
siderado" (1996: 210; grifos nossos), isto é, na escolha de uma nósticos. "Consideramos ilusória a suposição de que sempre se
profissão, a realidade socioeconômica pode entrar em conflito de instrumentos psicométricos ou projetivos na
pode prescindir
com os
desejos (inconscientes ou não). O desejo seria um chama- elaboração do diagnóstico em orientação vocacional"
do interno, e a realidade socioeconômica seria o entorno exter- (Bohoslavsky, 1977: 112). A necessidade de realização de diagnós-
no, motivo pelo qual podem ocorrer colisões que seriam solucio- ticos para o desenvolvimento da orientação profissional faz com
nadas de forma diferente, de acordo com a classe social de
que o que a concepção do autor, nesse sentido, possa ser alocada como
indivíduo participa. abordagem tradicional.
E interessante notar A psicanálise é o pano de fundo da elaboração conceitual
o
papel que Silva atribui à escolha profis-
sional. de Bohoslavsky, que dá grande importància aos mecanismos de
reparação e lutos contidos nas escolhas profissionais, portanto, de
"A apreensão de como os determinismos psíquicos e sociais se arti- processos inconscientes. Não se pretende aqui discutir se, de fato,
culam na
subjetividade dos sujeitos, em função da história de vida, existe a possibilidade da aproximação da psicanálise com a orien-
do sexo, da posição social
que ocupam e do lugar em que a profis-
são escolhida se situa nos mercados escolar e de
tação profissional, como
faz Voltolini (1996), questionando a
trabalho, com vis- abordagem de Bohoslavsky como prática psicanalítica. Mas o
tas a explicitar os mecanismos
subjacentes à escolha profissional." próprio autor teve chance de, apesar de sua morte prematura,
(1996: 91)
repensaro peso que deu a esses mecanismos. No prólogo à edi-
67
DAS TEORIAS...
NOVA CLASSIFICAÇÃO
UMA
ORIENTAÇÃO PROFISIONAL mim está
a ser
desenvolvido. Algo que hoje para
título de programa niidamente da
entre o ego
ção brasileira de seu livro Orientação vocacional: a estratégia clíni- necessidade de se distinguir deverá
claro é a
a liberdade
do ego
vocação. Se
ca, ele escreveu: escolha-decisão e o sujeito da condicionada, isso só
será
ideologicamente
mais uma ilusão, liberdade
ser que da distância entre
essa
"nos impõe um leitura interpretativa, que permita compreender o reconhecimento
de
possível graças ao estruturas
fundamentais
caráter sobredeterminado e multideterminado da escolha. A estrutura a três ou quatro
aparente e a sujeição social, à ideologia,
aos
do aparelho psíquico, por um lado, e a estrutura social, por outro, que Refiro-me à estrutura
condição humana.
se expressam através da dialética de desejos, identificações e demandas
sua
ao
inconsciente." (1983: 15)
sistemas de significação,
sociais não poderão deixar de ser objeto de nossa consideração. A pes
soa que deide, suporta e transporta ambas as classes de determina-
a
fez deste importante pensador
leitura que se
Infelizmente,
ções, fazendo com que o 'individual' e o 'social' se expressem sempre bases do primeiro livro,
da orientação profissional
restringiu-se às
simultaneamente, tanto nas dúvidas ou obstáculos das tomadas de de- deixando de se consi-
próprio autor criticou (mas
o
não negou),
Cisão, como nas soluções a que finalmente se alcance. que desenvolvi-
para ser
derar o "programa" que Bohoslavsky sugeria
De todos os problemas que a articulação entre o individual e o social o sistema social
entre
do. A tarefa derevelar "a articulação
grande
implica, só nos referimos neste livro à dialética das identificações, e sustentam" ainda está para
o
esta, sendo determinante da pessoa (e portanto da sua identidade imposto aos homens e os sujeitos que
ser feita, 25 anos após ser proposta.
vocacional-profissional) não é determinante em iúltima instância.
O mesmo poderíamos afirmar sobre a importância dada aos proces-
sos de luto e reparação [...], que hoje relativizo, sem negar. Ou do
Teorias para além da crítica
peso atribuído aos conceitos de 'autonomia egóica', projeto' e "liber-
dade de escolha' (produtos da absorção insuficientemente crítica do a
teorias para além da crítica é superar
a

pensamento fenomenológico e psicanalítico americano)." (p. XIX)


A perspectiva das anteriormente.
dicotomia entre o indivíduo e a sociedade apontada
uma nova abordagem
denominada "sócio-
E por isto que se propõe
Bohoslavsky, com este texto, estava retomando umna desenvolvidas pelas teorias arí-
autocrítica que já havia feito em 1975, numa obra cuja publicação, histórica", aceitando as formulações
um avanço na compreensão
no Brasil, só ocorreu em 1983. O livro do qual é organizador leva ticas, mas apontando que é necessário
idealista
da indivíduo-sociedade, de forma dialética, e não
relação
o sugestivo nome de Vocacional: teoria, técnica e ideologia, dando a do individuo
ou liberal; isto é, deve-se caminhar para a compreensão
entender que a dimensão social passa a ter mais força em sua vi- não
como atore ao mesmo tempo autor de sua individualidade, que CU
são. De fato, todos os textos deste livro chamam a atenço dos confundida com individualismo.
aspectos sociais e ideológicos contidos na escolha profissional.
deve e não pode ser
O próximo item será dedicado à apresentação das corncepções
Abordandoo que chamou de "a reformulação da estratégia cli-
da abordagem sócio-histórica.
nica", sintetiza:

"Descortina-se uma perspectiva teórica árdua. Nada mais, nada


A abordagem sócio-histórica
menos que construir modelos que revelem a articulação entre o sis-
tema social imposto aos homens e os sujeitos que o sustentam, o sócio-histórica aceita a denúncia que os teóri-
A abordagem tradi-
mantém, o transmitem, mas que-é bom levar-se em conta- tam-
denominados críticos, fazem a respeito da abordagem
bém o transformam. Esta é uma tarefa difícil que ora menciono só a
68

ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL UMANOVA CLASSIFICAÇÃODAS TEORIAS.. 59


cional. A denúncia referida
econômica e social aponta que teoria liberal entende
a ordem a
indivíduoo
questão da escolha, também poderíamos dizer que
o
está quue à
pronta e acabada, escolhe e não escolhe (sua profissão ou ocupação) ao mesmo tem-
"é po" (Bock, S, 1989: 16). Mas, hoje, compreende que há certa incor-
apenas o
lugar onde as escolhas se realizam.
obstácuios e desafios A sociedade coloca
que devem ser reção na afirmaço por manter de forma ainda dissociada a socie-
Aqueles que conseguirem serão os ultrapassados pelos indivíduos. dade e o indivíduo. Mesmo assim, para fins didáticos, manter-se-á
dos. Realizar uma boa vencedores, serão os bem-sucedi- a afirmativa porque provoca a reflexão e assinala claramente a di-
escolha profissional é um pré-requisito para
que isto ocorra.
sociedade está
Assim, ao invés de
proceder uma análise de como a
ferença dessa abordagem em
relação às teorias tradicionaise críti-
cas. Quando se diz que o indivíduo escolhe e não escolhe sua pro-
estruturada, desenvolve-se a análise do indivíduo
que ele bem se adapte a esta para fissão ao mesmo tempo, está se tratando da questão da liberdade
ordem, sem jamais questioná-la."
(Bock,
S., 1995: 68) de escolha. De acordo com a classe social de origem do indivíduo,
ele tem mais ou menos liberdade para decidir, porém sempre será
A. abordagem sócio-histórica, da mesma maneira multideterminada. Assim, para as pessoas das classes mais privile-
pectiva crítica, questiona a forma de que pers- a

com as aproximação dos indivíduos giadas, há determinação social; portanto, não se trata de liberdade
ocupações por meio do modelo de perfis, não por negar o absoluta. Da mesma forma, para os indivíduos das classes subal-
indivíduo, mas por negar a concepção liberal de indivíduo. Por isso, ternas, há possibilidade de intervenção sobre sua trajetória; por-
faz-se necessário construir outra tanto, não há determinação social absoluta. Na perspectiva sócio-
formulação que explique esta apro
ximação. histórica não se reconhece como meramente ideológica a possibili-
Da mesma forma dade de escolha das classes subalternas. Ao contrário, entende-se
que a
perspectiva crítica, a abordagem sócio-
histórica entende que que nisso reside a possibilidade de mudança, de alteração históri-
as
profissões e ocupações não são perenes e ca, ao reconhecer que os indivíduos podem, de certo modo, intervir
imutáveis.
sobre as condições sociais, por meio de ações pessoais e/ou coleti-
Esta abordagem trabalha com a idéia da
do humano. Combate-se a multideterminação vas. Não se pretende, com isso, resgatar a concepção liberal de ho-
concepção do ser humano natural ou mem; da mesma forma, não se assume que se superarão todos os
abstrato0. obstáculos colocados pela realidade por mera vontade pessoal, mas
"As que as pessoas podem lutar para mudar as condições em que vi-
propriedades que fazem do homem um ser
particular, que fa- vem, tanto individual quanto coletivamente.
zem deste animal um ser humano, são um suporte biológico específi-
co, o trabalho e os instrumentos, a linguagem, as relações sociais e uma O desafio deste trabalho constitui-se na construção de uma

subjetividade caracterizada pela consciência e identidade, pelos senti- abordagem na área da orientação profissional que entenda o indi-
mentos e emoções e pelo inconsciente. Com isto queremos dizer víduo em sua relação com a sociedade, superando visões que o co
que
o humano é determinado por todos
ser
esses elementos. Ele é locam como mero reflexo da sociedade ou como totalmente auto-
multideterminado." (Bock et al., 1999b: 177) nomo em relação a ela. A abordagem sócio-histórica aponta cami-
nhos para entender o indivíduo na sua relação com a sociedade de
Em 1989, o autor desse trabalho afirmava
que o indivíduo "é e forma dinâmica e dialética. Vygotsky, o principal representante
não é ao mesmo
tempo reflexo da sociedade, da mesma forma ele é dessa abordagem, "tem como um dos seus pressupostos básicos a
e não é ao mesmo
autônomo em
tempo relaço a ela. Relativamente idéia de que o ser humano constitui-se enquanto tal na sua relação
71
DAS TEORIAS..
UMANOVA CLASIFICAÇÃO
T0
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL
e bonito do mun-I
Guimar es Rosa: "O importante
com o outro social. A cultura torna-se diz poeticamente ainda n o foram|i
parte da natureza humana não estão sempre iguais,
do é isto: que as pessoas Afinam ou de-
num
processo histórico que, ao
longo do desenvolvimento da espé- vão sempre mudando.
terminadas mas que elas
cie do indivíduo, molda o funcionamento psicológico do homem"
-

(Oliveira, 1992: 24). Dessa forma, não háruptura do indivíduo com safinam" (1983: 20).
"Interiorizamos aquilo que os
a sociedade e nem a sua
anulação enquanto sersingular. Ciampa (1987: 171) afirma que:
nosso. A ten-
Falando sobre outros nos atribuem de tal
forma que se torna algo
a
gênese das funções psicológicas superiores, os outros nos atribuem.
Vygotsky afirma: "Mesmo sendo, na personalidade, transformadas dência é nós nos predicarmos coisas que
e muito efetiva; depois
de
em
processos psicológicos, elas permanecem 'quasi'-sociais. O in- Até certa fase esta relação é transparente
dividual, mais seletiva, mais velada (e mais complica-
o
pessoal- não é 'contra', mas uma forma superior de algum tempo, torna-se
sociabilidade" (2000: 27). "Para nós é a personalidade social =o con- da". Assim, o ser humano desenvolve suas
habilidades, sua perso
esta relação está
nalidade, suas atitudes na relação com o outro,
e
junto de relações sociais, encarnado no individuo (funções psicológicas,
construídas pela estrutura social)" que define o mediada pela sociedade.
que é o homem
(Idem: 33). Portanto, para a abordagem sócio-histórica, não há con- Furtado, estudando as dimensões subjetivas da realidade, en-

flito entre a sociedade e o indivíduo. O autor usaa tende a constituição da subjetividade individual como
expressão perso-
nalidade social para significar que as funções
superiores resultam da
internalização do social: o que era inter-subjetivo passa a ser intra- "um processo singular que surge na complexa unidade dialética en-

subjetivo, sendo esse processo mediado pela linguagem. tre sujeito e meio atual, definido pelas ações e através das quaisa
história pessoal e a do meio em que estes se desenvolvem confluem
O conceito de zona desenvolvimento proximal de
Vygotsky ex- a uma nova unidade que, ao mesmo tempo, apresenta uma configu-
plica como ocorre o desenvolvimento intra-subjetivo. "O que ca-
ração subjetiva e uma configuração objetiva. A constituição subjet
racterizao desenvolvimento proximal é a capacidade que emerge e
va do real e sua construção por parte do sujeito são processos simul-
cresce de modo
partilhado. Com seu refinamento e internalização, tâneos que se inter-relacionam, mas que não são dirigidos pela in-
transforma-se em desenvolvimento consolidado, abrindo novas tencionalidade do sujeito, que não é mais do que um momento neste
possibilidades de funções emergentes" (Góes, 2000: 24). Para Góes,
uma boa aprendizagem é aquela que não só consolida, mas, funda-
complexo processo. E assim como o social se subjetiva para conver-
ter-se em algo relevante para o desenvolvimento do indivíduo, o
mentalmente, cria outras zonas de desenvolvimento proximais de
subjetivo permanentemente se objetiva ao converter-se em parte da
forma sucessiva (idem). realidade social, como qual se redefine constantemente como pro-
No mesmo sentido encontram-se outros autores que assina- cesso cultural." (1998: 58)
lam que a identidade é construída no seio das relações sociais. Para
Partindo do pensamento de Marx de que "no é a consciência
Ciampa (1987: 127): "Cada indivíduo encarna as relações sociais,
determina a vida, mas a vida que determina a consciência"
configurando uma identidade pessoal. Uma história de vida. Um que
projeto de vida. Uma vida-que-nem-sempre-é-vivida, no emaranha- (apud Bock, A., 1999a: 23), Ana Bock arrola inco pontos que espe-
do das relações sociais". A identidade é metamorfose, e essa con- cificam a abordagem sócio-histórica:
cepção será a base do entendimento da escolha profissional: o indi- 1) "Não existe natureza humana"- A idéia de natureza hu-
Viduo mana coloca o homem como um ser em potencial que se realizará
modifica-se permanentemente, constróisuaidentidade co
tantemente, não é e nunca estará acabada sua forma final. Como na cultura, ele teria uma essência que precisa ser desabrochada,
72 13

ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL UMANOVACLASSIFICAÇÃO DAS TEORIAS.

desenvolvida ou atualizada. "Toda da psicologia"-"O indiví


mem fica oculta sob
idéias e conceitos,
essas
a
determinação social do ho- 5) "O homem concreto é objeto
em sua singularidade, quando
inse-
que se tornam repre- duo só pode ser compreendido
sentações ilusórias; parte da realidade, determina e dá sentido à
histórica queo
se, assim: determinante do objeto. Faz- rido na totalidade social e

ideologia" (Bock, A., 1999a: 27). Ana Bock cita Charlot, sua singularidade" (Bock, A., 1999a: 34).
que afirma assertivamente a "natureza
que humana no existe e
propõe a
substituição definitiva do termo pela idéia Numaperspectiva sócio-histórica, o
conceito de vocação pode
humana" (1999a: 27). de condição maneira: a vocação do ser humano é exata-
ser expresso da seguinte

2) "Existe condiço mente não ter outras vocações. Isto é,


ele nasce determinado biologi-
é humana"- Nenhum aspecto do homem nenhuma atividade específica. Uma abelha,
esta sim,
preconcebido na idéia da "condição humana". camente para
nasce determinada geneticamente para fazer mel: atraída pelo per-
"Não há nada em termos de enzima
néctar que reage com uma
habilidades, faculdades, valores, apti- fume das plantas, ela recolhe o
dões ou tendências ou naturalmente
que nasçam com o ser humano. As condições bio- dentro de seu corpo, transformando involuntária
em mel. Senddo
lógicas hereditárias do homem são a sustentação de um desenvolvi- aquela substância, que será depositada na colméia,
mento sócio-histórico,
que lhe imprimirá possibilidades, habilidades, radical na compreensão do termo, pode-se dizer que este animal
aptidões, valores tendências historicamente a realizar tal atividade
e
conquistados pela hu- tem u m "chamado interno" que o obriga
manidade a abelha tem
sua própria sobrevivência e de sua espécie-
e se encontram condensados
que nas formas culturais de- para
senvolvidas pelos homens em sociedade." (Bock, A., haja fé,
1999a: 28) vocação (pode-se atribuir aqui sentido biológico ou, caso

religioso) para produzir mel; esta vocação não é fruto de escolhas,


3) "O homem é um ser ativo, social
histórico"- E por meio
e
mas sim determinismo da natureza.
do trabalho que o ser humano mostra-se
ativo, ao buscar sua sobre-
vivência. Ele faz isto com outros seres humanos, o O ser humano não tem nada em seu corpo que o obrigue a
que lhe dá a realizar determinada tarefa. Se olharmos para os primeiros huma-
característica social. A forma de exercício do trabalho é
histórica, nos, encontraremos um animal acuado na
caverna e que sai espora-
isto é, o modo de produzir e de relacionar-se com a naturezae com os
dicamente para encontrar alimento. Ele é muito frágil: não tem pêlo
outros ocorre de acordo modo de
com o
produção de cada período. suficiente para se proteger das mudanças climáticas, não tem asas
4) "O homem é criado pelo próprio homem" tem muita força (compa-
para voar, no vive embaixo da água, n o
"No conjunto de relações sociais, mediadas
rado com os outros animais), não tem velocidade, não tem tama-
pela linguagem, o indi-
víduo vai desenvolvendo sua consciência. Com o
desenvolvimento
nho, couraça, veneno, presas e nem produz seu
naturalmente pró-
da consciência, o homem sabe seu prio alimento. Poderíamos dizer que ele teria poucas chances de
muundo,
sabe-se no mundo, ante-
cede as coisas do seu mundo, sobreviver. Entretanto, não s sobrevive, mas coloca a natureza,
partilha-as outros, troca, cons
com os
trói e reproduz significados. Quando
atua sobre o mundo, relacio- que no primeiro momento lhe era absolutamente hostil, a seu ser-
nando-se, apropria-se da cultura e adquire
linguagem; apropria-se viço. E como ele pode fazer isso? O que tem de biológico em seu
dos significados e constrói um sentido pessoal para suas vivências. corpo que he permite realizar o caminho da fragilidade para a do-
Tem, assim, todas as
condições para atuar com os outros, criar e minação? Exatamente seu caráter pouco especifico. Ele desenvolve
ela-
borarsignificados. O homem se faz homem ao mesmo um cérebro maior (em relação ao seu corpo) e mãos livres para
tempo que
constrói seu mundo." (Bock, A., 1999a: 32). manipular. São estes dois elementos morfológicos que, como ponto
74 UMANOVA CLASSIFICAÇÃO DAS TEORIAS... 15
ORENTAÇÃO PROFISSIONAL

de partida, diferenciam os seres humanos de o conceito de prevernção que, segundo as autoras, ainda tem como re-
quaisquer outros ani- ferência a doença, a patologia, que por isso deveria ser prevenida.
mais. A partir destes
primeiros elementos morfológicos, ele cons-
trói instrumentos para facilitar sua sobrevivência e os
aperfeiçoa "Promover saúde significa compreender e trabalhar com o indiví-
constantemente. Porque vive em sociedade com outros que tam- duo a partir de suas relações sociais; significa trabalhar estas rela-
bém tëm cérebros e mãos, todos É nesta relação
podem aprender. ções construindo uma compreensão sobre elas e a sua transformação
com a natureza e com os outros que o ser humano cresce, desenvol- necessária. Promover saúde significa trabalhar para ampliar a cons-
ve-se e adquire habilidades. ciência que o indivíduo possui sobre a realidade que o cerca,
Como instumentando-o para agir, no sentido de transformar e resolver to-
pode ser compreendido o processo de individuação
neste contexto? das as dificuldades que essa realidade lhe apresenta." (Aguiar & Bock,
Vygostky chama de "internalização a reconstrução
interna de uma operaço externa" (1994:75). Para o autor, o proces- 1995: 12)
so de internalização consiste numa série de transformações: "a) Uma
operação que inicialmente representa uma atividade externa é
reconstruída e começa a ocorrer internamente. [..] b) Um processo
interpessoal é transformado num processo intrapessoal. [..] c) A
transformação de um processo interpessoal num processo
intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos
ao longo do desenvolvimento" (Vygotsky, 1994: 75). Assim, para o
"A internalização das atividades socialmente enraizadas
autor: e
historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da
psicologia humana; é a base do salto quantitativo da psicologia
animal para a psicologia humana" (Vygotsky, 1994: 76).
A linguagem assume fundamental importância nessa interna-
lização. A "relação entre o pensamento e a palavra não é uma coisa,
mas um
processo, um movimento contínuo de vaivém do pensa-
mento para a palavra, evice-versa L..]. O pensamento não é sim-
plesmente expresso em palavras: é por meio delas que ele passa a
existir" (Vygotsky, 1993: 108). "O pensamento e a
linguagem []
são a chave para a compreensão da natureza da consciência huma-
na. As palavras desempenham um papel central não só no desen-
do pensamento, mas também na evolução histórica da
volvimento
consciência como
ciência humana"
um todo. Uma palavra é um microcosmo da cons-
(Vygotsky, 1993: 132).
Aguiar & Bock (1995) discutem a função da orientação profissio-
nalsegundo a visão da Psicologia em bases sócio-históricas. Conside-
ram-na como uma intervenção
para a promoço da saúde, superando

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