Você está na página 1de 12

æ

O DESENVOLVIMENTO DA
(∗)
FÍSICA DE PARTÍCULAS
Marcia Begalli,
Francisco Caruso & Enrico Predazzi

O fim do século XIX foi particulamente frutı́fero para


a Fı́sica. A unificação da teoria da eletricidade e do
magnetismo no Eletromagnetismo de Maxwell (1864) foi verificada
experimentalmente por Hertz (1888, quase exatamente um século
antes da descoberta dos mésons W ± e Z 0 por Rubbia &
colaboradores, confirmando a Teoria Eletrofraca, que une o
eletromagnetismo à força fraca). A Teoria Atômica, após os trabalhos
iniciais de Avogadro (1811), foi desenvolvida e levada à concordância
com os fenômenos observados. A Mecânica Clássica parecia não ter
problemas para explicar e prever o movimento dos corpos celestes
e dar conta de quase todos os fenômenos. Enfim, em 1897, o
fı́sico britânico J. J. Thomson descobre o elétron. Nasce a certeza
de que a Fı́sica tinha exaurido suas possibilidades de descoberta,
e que as pequenas discrepâncias ainda existentes entre a teoria e
as observações experimentais eram coisas a ser corrigidas com um
pouco mais de trabalho de rotina. Como se sabe, estas pequenas
discrepâncias causaram as duas maiores revoluções da Ciência do
século XX, a Relatividade e a Mecânica Quântica.
(∗)
Palestra apresentada pelo Prof. E. Predazzi.
60 Do Átomo Grego à Fı́sica das Interações Fundamentais

É curioso que, quase depois de um século, a história pareça


repetir-se. São muitas as pessoas que hoje estão convencidas
de que atingimos o ponto onde a pesquisa desenvolvida pela
Fı́sica é qualitativamente clara e que, aquilo que ainda não foi
completamente esclarecido, o será brevemente, após um pouco de
trabalho sistemático de pouco interesse conceitual.
É possı́vel que isto seja verdade, ou seja, que chegamos à
compreensão dos últimos segredos arcanos do mundo em que vivemos.
Mas se fosse assim, isto significaria que muitas coisas restariam
sem ser compreendidas. Além disto, este tipo de comportamento
nos parece extremamente antropomórfico e também um pouco
desagradável.
Isaac Newton, depois de ter feito a descoberta mais
extraordinária em Fı́sica, entre os séculos XVII e XVIII, expressou a
seguinte opinião, que nos parece muito sensata e esclarecedora:
“Não sei como devo parecer ao mundo; a mim mesmo, pareço um
menino que brinca na praia divertindo-se de vez em quando catando
pedrinhas ou conchinhas particularmente belas, enquanto o grande
oceano da verdade está diante de mim para ser descoberto”.
Em vista disto, tendemos a crer que a nossa presente visão
do mundo deva ser considerada temporária e que, analogamente
a tudo o que aconteceu no passado, os pequenos fragmentos que
parecem fugir a nossa compreensão atual são aqueles que permitirão
a descoberta de fenômenos novos e totalmente inesperados. Se isto é
verdade, muito provavelmente daqui a um século a nossa visão atual
das propriedades da natureza aparecerá aos nossos descendentes tão
primitiva e ingênua quanto nos parece hoje aquela dos fı́sicos do fim
do século passado.
Por isto, entendemos ser útil percorrer novamente o desenvolvi-
mento da Fı́sica das Partı́culas assim chamadas elementares, também
para procurarmos entender qual o significado que se possa dar hoje
a este termo.
Há cem anos, o sonho dos gregos antigos parecia ter sido
finalmente realizado. No século V a.C., Demócrito visualizou o
mundo como sendo feito de entidades elementares, por ele chamadas
de átomos. Tratava-se, até onde sabemos, da primeira tentativa
na história do homem de reconduzir o conhecimento do mundo
fenomenológico a seus constituintes primários. Neste caso, a definição
de entidades elementares era a de que não poderiam ser divididas
posteriormente em constituintes ainda menores (átomo = indivisı́vel).
LISHEP93 61

A Fı́sica Clássica e, em particular, a Mecânica Celeste, tornaram


muito natural, a todos nós, considerar como elementar qualquer coisa
que pareça puntiforme na escala daquilo que estivermos observando.
Por exemplo, o nosso Sol parece um ponto se observado da estrela
mais próxima do sistema solar, a Alfa de Centauro, que se encontra
a 4, 4 anos luz de nós. Por outro lado, o Sol não parece, de forma
alguma, ser puntiforme se observado da Terra, que dista cerca de
50 milhões de quilômetros dele (um pouco mais de 8 minutos para
a luz). Com efeito, nós conhecemos muito bem as suas dimensões,
que são bem respeitáveis (um diâmetro de cerca de 1, 4 milhões de
quilômetros) se comparadas às dimensões da Terra (cerca de 300 vezes
menor). Apesar dessas dimensões consideráveis e da sua massa muito
grande (cerca de 330.000 vezes a da Terra) é perfeitamente adequado
tratar o Sol como um objeto puntiforme (ou seja, elementar) quando
se estudam os movimentos no âmbito da Mecânica Celeste.
Com a observação feita acima, chegamos a um ponto crucial do
problema, isto é, à ambigüidade inerente à noção de elementaridade,
que se transmitirá da Mecânica Clássica ao campo da Fı́sica de
Partı́culas. Como veremos ao fim do nosso passeio por esta área
de pesquisa em Fı́sica, não teremos encontrado uma definição não
ambı́güa e satisfatória para o termo elementar.
Se, por um momento, nos recordamos da definição grega de
átomo, veremos que hoje o átomo está longe de ser elementar mesmo
que seja minúsculo na escala de medidas da nossa vida cotidiana. As
dimensões de um átomo são de cerca de 10−10 metros, uma grandeza
tão pequena que mereceu o nome do fı́sico sueco A. J. Ångstrom.
Para visualizar quão pequena é esta dimensão, devemos imaginar
que pegamos um bastão com um metro de comprimento, o dividimos
em dez partes iguais, e continuamos a dividir cada uma destas partes
em dez partes iguais, repetindo este procedimento por um total de
10 vezes.
Não existe nenhuma máquina que possa fazer isto na prática.
Então, do ponto de vista da nossa vida cotidiana, o átomo é como
se fosse elementar, se damos a este termo o significado de não exibir
nenhuma estrutura visı́vel ou aparente.
Por isto, poderemos ser tentatados a adotar esta como a definição
de elementar: qualquer coisa da qual não vejamos a estrutura é
elementar. Com a reserva, já feita, de que esta pode revelar-se uma
conclusão provisória, ou seja, aquilo que não é visı́vel a olho nú poderá
sê-lo ao microscópio ou mesmo ao microscópio eletrônico, ou mesmo
62 Do Átomo Grego à Fı́sica das Interações Fundamentais

a um aparelho de pesquisa muito mais sofisticado. Como já foi dito,


este é o caso do átomo.
Com efeito, hoje sabemos não só as dimensões de um átomo,
mas também do que é feito: ele consiste de um núcleo central
eletricamente carregado com carga positiva, no qual praticamente
toda a massa está concentrada, e em torno do qual giram
tantas minúsculas partı́culas, eletricamente carregadas com carga
negativa (elétrons), quantas forem necessárias para tornar o sistema
eletricamente neutro. A massa do elétron é tão pequena com respeito
a do núcleo que a massa deste praticamente coincide com a do átomo.
O nascimento da Fı́sica de Partı́culas Elementares remonta
(qualquer que seja o significado dado a palavra elementar), muito
provavelmente, à descoberta do elétron por J. J. Thomson, em 1897,
mesmo que naquela época as idéias sobre a estrutura do átomo fossem
muito primitivas (somente 15 a 20 anos depois é que uma visão
aceitável se imporá através do método experimental).
Na realidade, Thomson via o átomo como uma distribuição
homogênea de cargas positivas na qual os objetos carregados
negativamente (os elétrons) estão imersos, de forma mais ou menos
uniforme. É evidente que esta era a visão do átomo mais próxima às
observações experimentais da época, dado que o nosso olho vê uma
distribuição contı́nua de matéria e precisamos de métodos muito mais
sofisticados para chegar à outra imagem que não esta, simples mas
errônea.
Apesar disto, é impressionante que algumas pessoas tenham tido
premonições tão extraordinárias. Vale a pena recordar que, enquanto
a Europa era soterrada sob as superstições da Idade Média, no
Afeganistão, o fundador da ordem dos derviches vagantes (Al Rhuni)
profetizava: Se você destruir um átomo, encontrará dentro dele um
sol com planetas girando em torno. Quando este átomo abrir sua
boca, sairá um fogo capaz de reduzir o mundo a cinzas.
Um passo gigantesco na direção justa foi dado pelo fı́sico
neozelandês E. Rutherford que, em 1911, se encontrou de frente a
um resultado experimental extremamente curioso, obtido por dois de
seus assistentes. Bombardeando uma lâmina muito fina, de ouro, com
partı́culas carregadas positivamente (partı́culas α, ou seja, núcleos
de hélio) Geiger e Marsden haviam encontrado que, na maior parte
das vezes, as partı́culas mantinham sua direção original, como se
LISHEP93 63

não tivessem passado por nenhum obstáculo, mas às vezes sofri-
am deflexões violentas, como se tivessem encontrado um obstáculo
maciço em seu caminho.
A interpretação de Rutherford foi muito natural, dadas as
premissas. O átomo deve ser praticamente vazio, visto que na
maior parte dos casos a partı́cula usada como projétil o atravessa
sem nenhuma deflexão. De outra parte, a massa deve estar toda
concentrada porque, excepcionalmente, uma partı́cula pode ser
violentamente defletida de sua direção de movimento.
É importante notar que pelas observações factı́veis no tempo de
Rutherford, não só os elétrons, mas também o núcleo, pareciam ser
puntiforme, no sentido de que se podia somente estabelecer que o raio
do núcleo de hidrogênio era inferior a 10−13 metros (quando hoje se
sabe que é da ordem de 10−15 metros).
A interpretação precedente do átomo será profundamente
modificada pela formulação da Mecânica Quântica, mas a descoberta
do elétron (1897) marca o inı́cio de toda uma nova era. Descobertas
excitantes ocorrerão logo a seguir, mas custará um pouco de tempo
até que o panorama seja delineado de forma mais precisa.
Só em 1947, o fı́sico americano Robert Hofstadter começa a
estudar, de maneira sistemática, e com pesquisas sofisticadı́ssimas, os
vários núcleos atômicos e estabelece uma relação entre suas dimensões
e a do próton que, como vimos acima, é da ordem de 10−15 metros.
Isto significa que o próton é 5 ordens de grandeza menor que o menor
átomo, mas nem por isto é elementar, ao menos segundo a tentativa
de definição dada anteriormente. Mais uma vez, a dimensão do
próton é um comprimento considerado tão fundamental que mereceu
o nome do fı́sico italiano Enrico Fermi, um dos maiores fı́sicos
deste século, que deixou uma marca gigantesca no desenvolvimento
da fı́sica moderna, que criou a escola italiana de fı́sica moderna e
influenciou profundamente a todos aqueles que contribuiram para o
desenvolvimento da fı́sica nos Estados Unidos. Pelo menos uma dúzia
de prêmios Nobel de Fı́sica foram seus orientandos ou colaboradores
e o maior laboratório existente hoje nos Estados Unidos leva o seu
nome (FERMILAB = FERMI National Accelerator LABoratory).
A dimensão relativa do próton com respeito ao átomo é
interessante por si mesma. Se retornamos, por um momento,
à interpretação planetária do átomo e mantivermos as devidas
proporções, é como se o planeta (ou seja, o elétron) mais próximo
girasse em torno do núcleo (o próton) a uma distância comparável
64 Do Átomo Grego à Fı́sica das Interações Fundamentais

àquela entre o Sol e a estrela mais próxima, a Alfa de Centauro que


se encontra a alguns anos-luz de nós, ao invés de ser praticamente
coincidente com o Sol (como, de fato, nesta unidade é Mercúrio).
Para fornecermos uma visualização dramática destas dimensões,
consideremos que, enquanto no mundo real precisamos de, apenas,
10 milhões de átomos de hidrogênio para fazer um milı́metro e, como
já vimos, a maior parte deste espaço é vazio, se pudéssemos colocar
diretamente um próton sobre o outro, isto é, se pudéssemos colapsar
a matéria (como esperamos, ao menos teoricamente, que suceda em
condições extremas, por exemplo, nas assim chamadas estrelas de
nêutrons) precisarı́amos de 1000 trilhões de prótons para ocupar o
mesmo milı́metro !
É fácil notar como este cenário seria desastroso; o mundo não
existiria, pelo menos não da forma como nós o conhecemos. Se tal
colapso pudesse advir, toda a Terra estaria no espaço ocupado por um
teatro e o homem encolheria até o ponto de tornar-se praticamente
invisı́vel.
Alguém pode se perguntar qual é esta terrı́vel força que impede
os prótons de colapsarem. Poderá se surpreender ao descobrir que
esta é a mesma força que ilumina as nossas casas e faz com que
os elétrons girem em torno do núcleo, isto é, o Eletromagnetismo.
Incidentalmente esta é também a razão pela qual existe uma partı́-
cula idêntica ao próton exceto pelo fato de ser neutra (isto permite
diluir os prótons e construir núcleos estáveis, mesmo que estes sejam
grandes e, no limite, de provocar o colapso dos prótons como, no caso,
nas estrelas de nêutrons). Esta partı́cula, intuı́da pela primeira vez
por Ettore Majorana, mas introduzida teoricamente por Heisenberg,
é hoje chamada de nêutron.
Com a descoberta do nêutron, o panorama das partı́culas
conhecidas no inı́cio dos anos 0 30 é o seguinte: os átomos são
feitos de um núcleo em torno do qual giram elétrons, e que é
constituı́do de prótons e nêutrons (até aqui considerados como
entidades elementares). Uma outra partı́cula bem conhecida é o
fóton, isto é, a entidade que transmite a interação eletromagnética,
ou seja, a luz. Existe também a anti-matéria, prevista por Dirac, em
1928, e descoberta pouco depois (o pósitron, isto é, o anti-elétron, foi
descoberto por C. Anderson em 1932).
Se alguém está pensando que, neste ponto, a quantidade de
partı́culas elementares está crescendo muito, deve ter em conta que
o melhor ainda está por vir.
LISHEP93 65

Em 1935, um salto qualitativo no estudo dos mecanismos das


forças nucleares é proposto pelo fı́sico japonês H. Yukawa. Isto leva à
introdução e sucessiva descoberta de uma nova classe de partı́culas, os
mésons, (tidos como os agentes mediadores das interações nucleares
ou fortes, ou seja, da força responsável pela estabilidade dos núcleos)
cujas dimensões são confrontáveis com as do próton. Em 1937, uma
partı́cula é descoberta e se pensa que é aquela proposta por Yukawa,
mas através de uma análise extremamente refinada, desenvolvida em
condições extremamente difı́ceis durante a segunda guerra mundial,
três fı́sicos italianos, Conversi, Pancini e Piccioni chegam à conclusão
de que se tratava de uma espécie de elétron pesado, conhecido hoje
como múon e cuja natureza mais profunda ainda hoje permanece
desconhecida (aliás, hoje mais do que nunca, além do múon, que
possui uma massa de cerca de 200 vêzes o do elétron, descobriu–se
um outro elétron pesado, conhecido como tau, cuja massa é um pouco
menor do que a de dois prótons!). A partı́cula de Yukawa, chamada
hoje de pı́on, ou méson π, será descoberta pouco depois da guerra
por um grupo de fı́sicos, do qual fazia parte o brasileiro, de origem
italiana, C. Lattes.
O múon (e, ainda mais, o tau) tem uma vida tão breve e se
desintegra espontaneamente em um elétron e um par de neutrinos.
O neutrino, assim batizado por Fermi, foi introduzido pelo fı́sico
suı́ço W. Pauli por razões especialmente teóricas nos anos 0 30, mas
só foi descoberto 25 anos depois, sendo uma partı́cula extremamente
evasiva (pelo fato de ser eletricamente neutra e praticamente privada
de massa). Hoje, o neutrino tem um papel central na Fı́sica de Par-
tı́culas, bem como na Astrofı́sica e, na verdade, sabemos que eles se
apresentam em 3 tipos diferentes, cada um associado a cada uma das
partı́culas já mencionadas, o elétron, o múon e o tau, respectivamente.
O decaimento do múon (como o do tau) é devido à força
chamada Fraca, a mesma força que, há alguns anos, foi unificada
através de uma teoria por Weinberg, Glashow e Salam com a força
eletromagnética, no sentido de mostrar que a primeira e a última
são manisfestações diferentes da mesma força (conhecida hoje como
Eletrofraca).
A caracterı́stica mais importante desta famı́lia de partı́culas é
que se comportam como elementares no sentido já usado de não
apresentarem nenhuma estrutura, pelo menos até as dimensões mais
extremas que exploramos até agora, ou seja, menos de 10−18 metros,
e, além disto, apesar de algumas delas serem pesadas (o tau), duas
66 Do Átomo Grego à Fı́sica das Interações Fundamentais

das três são instáveis, e o tau se desintegra expontaneamente em


partı́culas que, elas mesmas, apresentam uma estrutura !!
Este último fato exemplifica melhor, em nossa opinião, como
é ambı́guo o conceito de elementar usado de forma tão simplista
para denotar todas as partı́culas que foram descobertas nos últimos
cem anos. Esta ambigüidade aparece ainda melhor se consideramos
que, do fim da segunda guerra mundial até hoje, foi descoberta
uma centena de novas partı́culas (a maior parte das quais com uma
estrutura tal que é, ao menos impróprio, continuar a chamá-las de
elementares).
Antes de discutir o nosso próximo passo, devemos dar aqui uma
idéia de como se vê uma partı́cula assim tão pequena, como estas
das quais estamos falando. O fato é que estas partı́culas são criadas
em interações entre partı́culas aceleradas por aceleradores gigantescos
em funcionamento hoje (principalmente no CERN, em Genebra, nos
Estados Unidos e na Alemanha). Quanto maior a energia alcançada
nestes aceleradores, menores são as dimensões exploradas e este é,
essencialmente, um dos efeitos do celebrado princı́pio de incerteza de
Heisenberg.
Incidentalmente, a maior parte das partı́culas produzidas tem a
propriedade comum de viver uma vida extraordinariamente efêmera,
em geral muito mais breve do que os poucos milionésimos de segundo
que vive um múon. O tau, por exemplo, vive cerca de 10−12 segundos,
isto é, um milionésimo de milionésimo de segundo!
No caos aparente de tantas partı́culas, começamos, pouco a pou-
co, a delinear as suas caracterı́siticas e uma coisa se torna clara:
a maior parte destas partı́culas são muito similares a outras de
massa inferior, das quais são simplesmente irmãs mais massivas, ou
como dizem os fı́sicos, excitações ou ressonâncias. Neste caso, não é
razoável considerar estas partı́culas como elementares.
Além disto, um número muito grande de partı́culas apresenta
uma estrutura do mesmo tipo do próton e do nêutron. Todas estas
partı́culas interagem fortemente (sofrem interações do tipo nuclear).
Entre outras coisas, a interação forte é caracterizada pelo fato de que,
quando estas partı́culas interagem, produzem um grande número de
outras partı́culas do mesmo tipo delas, e maior será o número de
partı́culas produzidas na interação quanto maior for a energia da
partı́cula incidente. Neste campo, hoje, a lista de partı́culas conhe-
cidas é da ordem de algumas centenas e não há dúvidas de que muitas
poderão ser descobertas, e provavelmente o serão. Estas, como já
LISHEP93 67

mencionamos, não poderão por sua vez ser consideradas elementares,


segundo qualquer das definições dadas anteriormente.
Onde as coisas não são mais tão claras é quando se tratam
daquelas partı́culas como o elétron, o múon, o tau (e os neutrinos) que
recusam terminantemente a revelar qualquer estrutura até as menores
dimensões exploradas hoje em dia, entre 10−17 e 10−18 metros, isto
é, as menores distâncias sobre as quais os grandes aceleradores do
momento conseguem dar alguma informação (este é o motivo porque
se quer sempre construir um acelerador mais potente).
Dito de uma outra maneira, se hoje sabemos que um próton
tem uma estrutura que já é evidente a 10−15 metros, precisarı́amos
descer, ao menos, outras 3 ordens de grandeza para poder pensar
em uma possı́vel estrutura para o elétron. Na verdade, nem mesmo
esta elementaridade pode ser medida em relação ao fato de que a
massa do elétron seja tão pequena porque o tau, que é 3000 vêzes
mais pesado do que ele, também não apresenta nenhuma estrutura.
Nem mesmo, segundo o que dissemos anteriormente, se pode pensar
em uma definição de elementar baseada no senso de estabilidade.
A maior parte das partı́culas conhecidas são instáveis, decaem em
outras partı́culas. Entre as excessões temos o próton; o limite
experimental para a duração de sua vida é incrivelmente grande (1032
anos!), muito maior do que a vida do Universo! Apesar disto, as
teorias mais em moda atualmente prevêem que o próton possa decair.
Independentemente se ele decaia ou não e, portanto, possa ou não
ser considerado elementar deste ponto de vista, resta o fato de que
o múon e o tau, que não demonstram nenhuma estrutura, decaem
e, por isto, não parece que a estabilidade possa ser considerada um
critério válido para se definir a elementaridade de uma partı́cula.
Aquilo que parece realmente estabelecer a linha de demarcação
é o fato de que o elétron, o múon e o tau são partı́culas que não se
submetem à interação forte.
O passo sucessivo nesta história aconteceu na primeira metade
dos anos 60 quando, independentemente, dois fı́sicos americanos, M.
Gell–Mann e G. Zweig observaram que todas as partı́culas conhecidas
que se submetem à interação forte, podem ser interpretadas como se
fossem feitas de um número limitado (3, na época da qual estamos
falando, 5 ou no máximo 6, atualmente) de partı́culas hipotéticas
chamadas quarks por Gell–Mann (do livro Finnegan’s Wake de James
Joyce).
68 Do Átomo Grego à Fı́sica das Interações Fundamentais

Mesmo que a teoria tenha sofrido drásticas modificações no meio


tempo, a idéia básica permaneceu inalterada e, hoje, cremos que
um total de 6 quarks seja suficiente para reproduzir as partı́culas
conhecidas que sofrem interação forte.
Hoje, muitos crêem que, juntando a estes 6 quarks (distribuı́dos
em 3 famı́lias, com 2 quarks cada) mais 8 partı́culas hipotéticas
(chamadas de glúons, que seriam a cola que mantém os quarks juntos
dentro de uma partı́cula), além de 6 léptons do tipo elétron e neutrino
(estas também organizadas em famı́lias, duas a duas) e 4 do tipo
fóton e luz pesada (para esclarecimento, as partı́culas descobertas
por Rubbia), em um total de 24 partı́culas, possam explicar todo o
mundo de partı́culas conhecidas.
Ou, pelo menos, quase todo ...
No século passado, uma vez descoberto que a matéria era feita
de átomos e moléculas, se pensava que estas eram elementares para
depois descobrir que a realidade não era bem assim: as moléculas
são feitas de átomos e os átomos de prótons, nêutrons e elétrons que
existem como partı́culas reais. Hoje, sabemos que os prótons e outras
partı́culas são feitos de quarks, mas estes nunca foram observados
como partı́culas reais e, se a nossa idéia teórica está correta, não o
serão jamais (o que parece um pouco paradoxal ...). Apesar disto,
os indı́cios de sua existência são muito numerosos para poder pôr em
dúvida a teoria neste nı́vel.
É óbvio que somente tocamos a superfı́cie das complicações
possı́veis e não há nenhuma garantia de que este seja o esquema final;
muito pelo contrário, a história passada pode nos ensinar alguma
coisa, e parece difı́cil crer que isso tudo seja a realidade final, mesmo
porque não deve ter passado desapercebido a ninguém que deixamos
de falar da última das forças, a gravitacional, que tem um papel muito
importante e que, por isto mesmo, é uma componente muito grande
nas considerações dos fı́sicos de hoje.
Apesar de evidência repetidamente conclamada de que estamos
caminhando pela estrada correta para entender a estrutura mais
ı́ntima da natureza, restam algumas questões sem resposta: algumas
parecem, e provavelmente o são, puramente de natureza técnica,
outras requerem um trabalho muito grande de ordenação (que
pode reservar muitas surpresas), mas algumas são seguramente
fundamentais para a nossa compreensão.
Entre as questões, quase que seguramente de natureza técnica,
talvez a mais importante seja aquela relativa às partı́culas (duas
LISHEP93 69

fundamentais, o quark conhecido como top e o assim chamado bóson


de Higgs, do nome do fı́sico que postulou a sua existência) que não
foram ainda hoje descobertas, mas que são esperadas pela teoria∗ .
Das duas, a primeira deverá, muito provavelmente, ser detectada nos
próximos anos (ou meses) e o cerco está se fechando em torno da
segunda.
Uma pergunta mais fundamental é a seguinte: com a descoberta
destas partı́culas até agora desejadas pela teoria, teremos exaurido
todo o esquema de partı́culas? Aparentemente, hoje muitos
responderiam que sim, mas isto pode ser tudo, menos correto.
Entre as questões abertas que são, provavelmente, de natureza
técnica mas que podem esconder muitas suspresas, temos, por
exemplo, aquela do chamado confinamento, isto é, o que mantém
os quarks permanentemente ligados dentro das partı́culas que, ao
contrário, vemos materializadas? Uma outra, extremamente ligada à
primeira é, como são criadas as partı́culas (que chamamos de hádrons)
a partir dos quarks?
Um outro problema que, seguramente, esconde algo de muito
importante é ligado ao grande número de parâmetros, isto é, de
valores numéricos das grandezas que intervêem na teoria e que devem
ser, no momento, ajustados à mão para poderem reproduzir os dados
experimentais. Desejarı́amos poder calcular a maior parte destes
parâmetros, mesmo porque a situação não é assim tão recente. Na
teoria clássica da gravitação, por exemplo, a constante de Newton
é determinada empiricamente e a massa dos corpos celestes são
tomadas como dados fundamentais e não são calculados a partir de
princı́pios primários. Resta o fato de que o número de parâmetros a
serem ajustados à mão, para termos acordo com a observação é, de
um lado muito elevado para que alguém possa ficar a vontade e, por
outro lado, a experiência nos ensina que todas as vezes que cremos
ter chegado ao fundo do poço, surgem novas e grande surpresas.
Neste ponto, a seguinte citação do número de novembro de 1989
da revista Physics Today (citada com uma certa liberdade), pode ser
muito útil:
“O Modêlo Padrão da teoria dos epiciclos para o movimento
dos planetas teve um sucesso incrı́vel e parece ser consistente com
todas as observações astronômicas. Neste caso, a pergunta que

N.E.: Sobre a descoberta do top, veja o artigo de divulgação: G. Alves, A.
Santoro e M.H.G. Souza, Ciência Hoje, vol. 19, no. 113, pp. 34-44, setembro de 1995.
70 Do Átomo Grego à Fı́sica das Interações Fundamentais

se coloca é porque alguém pode pretender melhorá-lo. A crı́tica


que se pode fazer ao modelo é que ele requer um número muito
grande de parâmetros a serem ajustados. Isto, em si, não significa
que esteja errado. Todavia, a história da ciência ensina que, em
um caso como este, deve existir uma teoria que possa explicar a
escolha dos equadores, dos epiciclos, dos deferentes e, em geral dos
parâmetros do modelo”.
Como é óbvio, a demonstração de como mudam os problemas
mas não os modos de afrontá-los é o fato da citação cair muito
bem hoje, se dela tirarmos os termos grifados e substituı́-los pelos
correspondentes do Modêlo Padrão da teoria da Fı́sica de Partı́culas,
assim como também serviria se fosse aplicada, séculos atrás, à teoria
de Ptolomeu.
Como já dissemos, o homem só aprende com a experiência e se
assim continua a ser, podemos esperar novidades virando a esquina.
Uma nova teoria vem sempre substituir a velha, incorporando os seus
resultados e a nossa compreensão se amplia. Depende de nós fazer
com que as novas descobertas sejam usadas para melhorar nossas
vidas e evitar que elas se voltem contra nós mesmos.

Você também pode gostar