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CLAUS - WILI--IELM 0• CANARIS

PENSAMENTO SIS TE1\1ATICO


E CONCEITO DE SISTEMA
A

NA CIENCIA DO DIREITO

Introdução e traduçc'ío de
,\. MENEZES CORDEIRO

/ 3." ediçâo

SERVIÇO DE EDUCAÇÃO E BOLSAS

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN i LISBOA


Trndução
do original alemão intitulado:
SYSTEMDENKEN UND SYSTEMBEGRIFF
IN DER JURISPRUDENZ
CLAUS - WILHELM CANARIS
2. Auflagc, 1983
DUNCKER UND HUl\IELOT, Berlim

Universidade Estadual de Londrina


Sistema de Bibliotecas

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D,pósilo lxg:d: 180 <,,í4/02


ISBN: 97:!-., 1-029'>-1
Dedicado, em gratidão, ao
meu muito venerado mestre

KARL LARENZ
INTRODUÇÃO À
EDIÇÃO PORTUGUESA
1- OS DILEMAS DA CIÊNCIA DO DIREITO
NO FINAL DO SÉCULO XX

1. O lastro de novecentos: formalismo e positivismo

I.
O século XX representa, na Ciência do Direito,
um espaço de letargia relativa. Uma agitação prenun-
ciadora de mudança viria a registar-se, apenas, no
seu último quartel.
O fenómeno nada teria, em si, de surpreendente.
O Direito, realidade cultural, coloca-se, tal como a
língua, numa área de estabilidade marcada. As verda-
deiras mudanças são lentas; a sua detecção depende
de uma certa distanciação histórica.
Os progressos anteriores deixariam, contudo, espe-
rar uma melhor mobilidade.
O século XIX presenciara profundas e promisso-
ras alterações no modo de entender e de realizar
o Direito: retenham-se, no domínio exemplar do
Direito privado (1), o êxito das grandes codifica-

(1) De acordo com a opção fundamental de CLAUS-


· WILHELM CANARIS, na obra que agora se dá ao público
de língua portuguesa, as diversas asserções metodológicas e
juscientíf icas são desenvolvidas e exemplificadas na base do
Direito privado. Com desvios conhecidos - assim, a inexistên-
cia de codificações no Direito público ou a relativa resistência
X

ções e), a revolução metodológica savignyanu C), o


aparecimento, desenvolvimento e decadência da exe-
gese moderna (') e da jurisprudência dos conceitos C')

posta pelo Direito penal ao irrealismo metodológico - torna-se


possível proceder a um seu alargamento às diversas disciplinas.
(2) O Código Napoleão, de 1804, que repousa 110 tra·
balho intenso desenvolvido, nos séculos anteriores, por DOMAT
(1625-1696) e POTHIER (1699-1772), constitui o epílogo de uma
tradição poderosa, iniciada com o humanismo e aperfeiçoada
através do influxo do pensamento jusracionalista: é a primeira
codificação. A segunda codificação traduz-se no Código Civil
alemão, de 1896: assente na pandectística do século XIX e,
principalmente, na obra de BERNHARD WINDSCHEID (1817-
-1892) ela corresponde já às perspectivas juscientíficas abertas
por SAVIGNY. Cf. infra, 11. 10, III e n.º 11.
0

C) De FRIEDRICH CARL VON SA VIGNY devem reler-se,


em particular, Juristische Methodenlehr-e (1802/03), publ.
G. W ESEN BERG (1951 ), Vom Beruf unsrer Zeit für Gesetzge-
bung und Rechtswissenschaft (1814) e System des heutigen
romischen Rechts l.º vol. (1840). Cf. infra, n.° 10, IV.
(- 1 ) A exegese desenvolveu-se em torno do Código Napo-
leão e mercê do fascínio por ele provocado, podendo ser tipi-
ficada em quatro fases. Na primeira, -1804 a 1830 - assis~
te-se à sua implantação, graças a autores como DELVIN-
COURT; na segunda, -1830-1880 - dá-se o seu apogeu, com
relevo para AUBRY e RAU, DEMOLOMBE, LAURENT, MAR-
CADÉ e TROPLONG; na terceira, -1880-1900- ocorre um
declínio, ainda que com tentativas de renovação, cabendo refe-
rir BAUDRY-LACANTINERIE, BUFNOIR, HUC e SALEILLES;
por fim, uma quarta fase, dita de exegese tardia, com prolon-
gamentos pelo século XX, até hoje, assenta em CAPIT ANT,
MAZEAUD e MAZEAUD, DE PAGE, PLANIOL e RIPERT.
Esta persistência explicará o isolamento metodológico francês
em relação aos demais países do ocidente europeu.
(ã) A tal propósito refere-se, de imediato, GEORG
FRIEDRICH PUCHT A, com relevo para obras que tiveram
XI

e a divulgação da jurisprudência dos interesses (':).


Outras orientações mais tarde desenvolvidas, tais
como o Direito livre C), o formalismo neolwntiano (')
ou o psicologismo C) datam do século XIX. Esta pro-
fusão explicará porventura, num certo paradoxo, a
quietude subsequente: as grandes opções possíveis
estavam equacionadas; a evolução posterior limitar-
-se-ia a repensá-las e a aprofundá-las.

II. A entrada em vigor do Código Civil alemão,


em 1900, foi precedida por um surto, rápido mas
intenso, de formalismo jurídico. Com a sua elabora-
ção, a ciência oitocentista ficara exangue. Sob a pres-
são ameaçadora dum positivismo naturalista que

numerosas edições póstumas: Pandekten s (1856) e Cursus der


Institutionen ~0 (1856). Outros autores, dos mais influentes,
poderiam ser mencionados neste domínio, incluindo, em certa
medida, o próprio WINDSCHEID.
( 1:) Recorde-se RUDOLF VON JHERING, Geist des romi-
schen Rechts auf den verschiedenen Stufen seiner Entwicklung,
III ( 1861) e o próprio PH ILLIP HECK, nos seus primeiros
escritos onde se encontra jú. o essencial da doutrina que, mais
tarde, propugnaria: recensao a FELLNER, Die rechtliche Natur
der lnhaberpapier, ZHR 37 (1890), 277-284 e recensão a VON
BAR, Theorie und Praxis des Internationalen Privatrechts, ZHR
38 (1890), 305-319.
(') Na origem, OSKAR BüLOW, Gesetz und Richtcramt
(1885).
e~) RUDOLF STAMMLER, cujo pouco conhecido, mas
importante, Das Recht der Schuldverhaltnisse in seiner allge-
meinen Lehren data de 1897.
(") ERNST RUDOLF BIERLING, Juristische Prinzipien-
lchre, a partir de 1894.
XII

parecia não ter, então, limites exteriores ao conhe-


cimento humano, o pensamento jurídico intentou
refugiar-se na especulação idealista transcendental.
Aproveitando categorias gnoseológicas .kantianas,
ST AMMLER apela, como bitola, ao «Direito justo»,
consonante com o «ideal social»; este seria definido
como «a ideia de uma forma, incondicionalmente
válida, na qual a substância das aspirações sociais
condicionadas se acolha ou a ideia de um método
geral válido, segundo o qual, como lei fundamental
geral e como medida orientadora formal, um querer
e exigir jurídico possa ser determinado» (1°). Repe-
tidamente afirmado como forma (1 1 ) , o Direito pode-
ria, afinal, apreender-se e desenvolver-se através dos
quadros mentais disponíveis, num apriorismo teorético
típico do idealismo.
O formalismo jurídico, nesta acepção, raramente
foi assumido com o desassombro stammleriano. Mas

( 1 º). STAMMLER, Das Recht der Schuldverhaltnissc cit.,

42. A ideia seria retomada e desenvolvida em Die Lehre von


dem richtigen Rechte 2 (1964, reimp.), 140 ss. (143).
( 11 ) Cf., p. ex., STA MM LER, Theorie der Rechtswis-
senschaft (1911), 113 ss., 291 ss., e passim, Wesen des Rechtes
und der Rechtswissenschaft (1913), 17, 26, 34 ss. e 43 e
Lehrbuch der Rechtsphilosophie 3 ( 1928), 55, 65, 98 e passim.
O formalismo (neo-kantiano) não foi implantado ex novo por
ST AMMLER; ele deriva do próprio KANT, com raízes no f ra-
casso do iluminismo ingénuo anterior e projectando-se, de modo
directo, em SA VIGNY, THIBAUT e nos seus seguidores. Cf.
A. NEGRI, Alie origini del formalismo giuridico (1962), i 1 ss.,
98, 103 e passim.
XIII

ele manteve-se, persistente, graças à subsistência de


alguns dos fundamentais quadros neo-kantianos: a
separação entre o ser e o dever-ser, base de cortes
sucessivos e convictos com as realidades transpor-
tadas pelos «seres normativos», a contraposição entre
Direito e Moral e um isolamento das proposições jurí-
dicas na sua própria estrutura, com desinteresse pelas
suas consequências e, num limite tantas vezes alcan-
çado - ainda que contra o posicionamento expresso
de ST AMMLER - pelo próprio plano teleológico das
normas (1 2 ) . A tendência, ainda hoje flagrante, de
difundir exposições jurídicas pejadas de definições
abstractas e de conexões amparadas apenas nos con-
ceitos definidores de que provêm, ilustra, de modo
eloquente, a implantação profunda do formalismo
jurídico.

III. As codificações, essencialmente redutoras e


simplificadoras, provocam, num primeiro tempo, ati-
tudes positivistas. Trata-se de uma conjunção facil-
mente demonstrada na França pós-1804, na Alema-
nha pós-1900 e em Portugal pós-1966. As fronteiras
do positivismo vão, no entanto, bem mais longe do
que o indiciado pelos exegetismos subsequentes às
codificações. Os positivismos jurídicos, seja qual for
a sua feição, compartilham o postulado básico da

(!'.') Cf., quanto a estes diversos aspectos, WOLFGANG


flKENTSCHER, Methoden. des Rechts in vergleichender
Darstellung, III - Mitteleurop~iischer Rechtskreis (1976), 7 ss.,
:!1 ss. e 39.
XIV

recusa de quaisquer «referências metafísicas» (1').


O universo das «ref eréncias metafísicas» - ou «filo-
sóficas» (HECK) - alarga-se com a intensidade do
positivismo: são, sucessivamente, afastadas as con-
siderações religiosas, filosóficas e políticas, num
movimento que priva, depois a Ciência do Direito
de vários dos seus planos. No limite, cai-se na exegese
literal dos textos, situação comum nos autores que
consideram intocáveis as fórmulas codificadas. Mas
o positivismo novecentista assumiu outras configura-
ções, com relevo para a jurisprudência dos interesses,
que exerceria, em Portugal, uma influência quase
constante, até aos nossos dias.
A jurisprudência dos interesses afirmou-se na crí-
tica ao conceptualismo anterior. Os conceitos não
poderiam ser causais em relação às soluções que,
pretensamente, lhes são imputadas: a causalidade das
saídas jurídicas deveria ser procurada nos interesses
em presença (1 1 ) . Aparentemente promissora, esta
posição cedo limitou o alargamento juscientíf ico que
veio potenciar. Procurando prevenir a intromissão de
qualquer metajuridicismo, a jurisprudência elos inte-
resses acabou por procurar os 1uizos que, sobre os
interesses, fossem formulados pelo próprio legisla-

( 1 ;)Cf. T. TSATSOS, Zur Problematik des Rechtspositi-


vismus (1964), 9-11.
( 11 ) PHILIPP HECK, Weshalb ein von dem bürgerlichen
Rechte gesondertes Handelprivatrecht? AcP 92 (1902), 438-466
( 440-441), Begriffsbildung und Interessenjurisprudenz (1932)
72 55., 91 55. e passim, Das Problem der Rechtsgewinnung ::
(1932) 9 55. e lnteressenjurisprudenz (1933), 10 ss ..
1
XV

dor C:'). A limitação à lei e aos seus textos não se


faria esperar.
A jurisprudência dos interesses, pela voz de
HECK, declarou, de modo reiterado, bater-se em duas
frentes: a da jurisprudência dos conceitos e a da
doutrina do Direito livre e·:). Mas o seu grande objec-
tivo residiria antes numa terceira frente: a da Filoso-
fia do Direito. E assim foi quer de modo directo, af ir-
mando a incapacidade das considerações metajurídicas
para intervir em casos concretos (1 7 ) , quer de modo
indirecto, através do apelo a «interesses» ou «reali-
dades da vida» (1 8 ) . A jurisprudência dos interesses
tinha, assim, um sucesso fácil em perspectiva: ela
justificava uma desatenção - quando não ignorân-
cia - por temas que extravasassem os limites estrei-
tos do jus posítum.

IV. O formalismo e o positivismo, apresentados,


respectivamente, como o predomínio de estruturas
gnoseológicas de tipo neo-kantiano e como a recusa,
na Ciência do Direito, de considerações não estrita-

HECK, Begriffsbildung cit., 106, p. ex ..


( 1 :;)

<:) HECK, Interessenjurisprudenz und Gesetzcstreue,


( 1

DJZ 1905, 1140-1142, Begriffsbildung cit., 9 e Die Leugnung


der Jnteressenjurisprudenz durch Hermann Isay, AcP 137
(1933), 47-65.
( 17 ) HECK, Begriffsbildung cit., 9 e Rechtsphilosophie
und Interessenjurisprudenz, AcP 143 (1937), 129-196.
( 18 ) HECK, Die reine Rechtslehre und die jungosterrei-
chische Schule der Rechtswissenscha ft, AcP 122 (1924), 173-194
( 176) e Interessenjurisprudenz cit., 12.
XVI

mente jurídico-positivas, constituem o grande lastro


metodológico do século vinte.
No fundo, afloram aqui duas grandes cepas do
pensamento jurídico moderno e contemporâneo: o
jusracionalismo, ele próprio manifestação exacerbada
do jusnaturalismo tradicional e o cientismo, transpo-
sição para as humanísticas das posturas intelectivas
desenvolvidas perante as Ciências da Natureza.
Este lastro, a sua apreciação critica e as subse-
quentes tentativas de superação condicionam todo o
pensamento jurídico deste final de século.

2. Críticas: a necessidade do discurso científico


integral

I. A crítica a um postulado juscientífico tem


sempre, subjacente, a afirmação de um postulado de
natureza diversa. Não obstante, tratando-se do for-
malismo e do positivismo, podem ser adiantadas
observações que, por compartilhadas, hoje, pelos
diverrns quadrantes do pensamento jurídico, devem
considerar-se sedimentadas.
O formalismo assenta numa gnoseologia pouco
consentâneCL com os dados actuais da antropologia e
da própria teoria do conhecimento. Na realidade, o
conhecimento a priori tem sempre, subjacentes, quo-
dros mentais comunicados do exterior (1°) e, como tal,
mutáveis, faííveis e sujeitos à critica. Porventura

( 11 ') Cf. infra, nota 87.


XVII

mais importante do que a própria valoração filosófica


global do formalismo ( 20 ) é, no entanto, o concreto

(2º) O formalismo stammleriano tem sido criticado por


duas grandes linhas do pensamento jusfilosófico do século: o
neo-hegelianismo de BINDER, E. KAUFMANN e LARENZ e .o
próprio neo-kantismo tardio sudocidental alemão, com tónica
em RICKERT, LASK e RADBRUCH. O neo-hegelianismo jurí-
dico correspondeu ao influxo, no Direito, de uma · evolução
geral do pensamento filosófico, encarado como· via para a
superação dum neo-kantismo que havia esgotado as poten~iali-
dades do seu discurso. A esse propósito, cf. os clássicos
HEINRICH SCHOLZ, Die Bedeutung der Hegelschen Philo-
sophie für das philosophische Denken der Gegenwart (1921),
3 ss., 24 ss. e 37 ss., HEINRICH LEVY, Die Hegel-Renaissance
in der deutschen Philosophie (1927), 5, 17 ss. e 30 ss. e ERICH
KAUFMANN, Hegels Rechtsphilosophie (1931) = Gesammelte
Schriften, 3.Q vol., Rechtsidee und Recht (1960), 285-296 (289).
No campo jusfilosófico, o neo-hegelianismo também se impôs
por superação - mais do que por negação - do neo-kantismo.
Num aspecto relevante e hoje quase esquecido, os primeiros
críticos de fundo a STAMMLER foram-no ainda, num prisma
neo-kantiano: assim as observações de JULIUS BINDER (então
na sua fase pré-hegeliana), Rechtsbegriff und. Rechtsidee /
Bemerkungen zur Rechtsphilosophie Rudolf Stammlers (1915),
V ss. e passim, retomadas com clareza por ERICH KAUFMANN,
Kritik der rieukantischen Rechtsphilosophie / Eine Betrachtung
über die Beziehung zwischen Philosophie und Rechtswissen-
schaft (1921 ), 11, de que os conceitos stammlerianos puros são
o resultado duma abstracção generalizante a partir da reali-
dade jurídica empírica e não se impõem como 'conceitos cate-
goriais apriorísticos, no sentido de KANT. Prosseguindo na via
hegelianizante, BINDER, enfocando, do Direito justo stammle-
riano, uma aderência à juspositividade em termos meramente
teorético-abstractos, acaba por intentar a superação: « ... é justa
a norma jurídica que corresponda ao sentimento de justiça de
alguém» e «... a tarefa da pessoa pensante só pode estar em
XVIII

apontar das suas insuficiências, quando transposto


para o domínio jurídico.
O primeiro óbice que se opõe ao formalismo
reside na natureza histórico-cultural do Direito. Numa
conquista da escola histórica contra o jusracionalismo

subir da subjectividade do sentimento à objectividade da razão,


do sentimento, da ideia» - BINDER, Philosophie des Rechts
(1925), 779 e 782. ERICH KAVFMANN, por seu turno, faz
um diagnóstico correcto do formalismo neo-kantiano e das
suas consequências na Ciência do Direito: «Mostra-se, no neo-
-kantismo, o destino do racionalismo formal que só pode levar
a resultados através de empréstimos do empirismo, através de
captações de conteúdos, portanto, através de hipostasiações
inconscientes de dados empíric~s para realidades metafisicas
ou ,através de substituições psicológicas e sociológicas das
suas formas puras» - Kritik der neukantischen Rechtsphilo-
sophie cit., 10-11. Questionando, de modo repetido, o forma-
lismo e a inútil e complicante contraposição entre forma e
conteúdo - Kritik cit., 7, 9, 14, 16, 18 45 e 98-99 - E. KA V F-
MANN procede a uma admirável superação hegeliana do for-
malismo neo-kantiano; diz ele: «Nem o seu (de STAMMLER)
rideal social' nem os seus 1principios do Direito justo' bastam,
no seu formalismo abstracto, para resolver esta questão aguda
do Direito privado ( ... ) STAMMLER está em erro sobre o fun-
damento verdadeiro das decisões dadas por ele com o mais fino
tacto jurídico: este não está · (. . .) numa sobreavaliação do
geral-abstracto, mas antes na concretização da relação jurídica
especial»- E. KAUFMANN, Das Wesen des Volkerrechts und
die clausula rebus sic stantibus / Rechtsphilosophische Studie
zum Rechts-, Staats- und Vertragsbegriff (1911), 206-207. Pro-
põe-se, assim, a utilização do conceito geral-concreto hegeliano.
Finalmente, LARENZ, numa primeira e mais filosófica parte
da sua obra imensa, intenta, em reacção perante a esterilidade
do pensamento anterior, tirar partido, na Filosofia e na Ciência
do Direito, das ideias básicas de HEGEL. Como efeito, pode
XIX

antecedente, sabe-se que o Direito pertence a uma


categoria de realidades dadas por paulatina evolução
das sociedades. A sua configuração apresenta-se, pelo
menos ao actual estádio dos conhecimentos humanos,
como o produto de uma inabarcá 1)el complexidade
causal que impossibilita, por completo, explicações

apontar-se, no discurso de LARENZ, a manutenção do idea-


lismo, mas em termos críticos, a opção por desenvolvimentos
e investigações centrados em institutos. concretos e o avançar
com recurso a um pensamento ondulado, à imagem da dia-
léctica hegeliana; cf. LARENZ, Hegels Zurechnungslehre und
der Begriff der objektiven Zurechnung / Ein Beitrag zur
Rechtsphilosophie des kritischen Idealismus und zur Lebre
von der «juristichen Kausalitat», V. ss., Das Problem der
Rechtsgeltung (1929), 30 ss. e Hegels Begriff der Philosophie
und der Rechtsphilosophie, em BINDER / BUSSE / LARENZ,
Einführung in Hegels Rechtsphilosophie (1931 ), 5-29.
O neo-kantismo sudocidental alemão intentou também uma
revisão crítica do formalismo stammleriano. Para tanto, movi-
mentou-se, particularmente, em duas directrizes: a da coloca-
ção cultural do Direito - assim, HEINRICH RICKERT, Kul-
turwissenschaft und Naturwissenschaft (1910 ), 5 ss. e 139 ss.,
e Die Problemc der Geschichtsphilosophie / Eine Einfiihrung
(1924), EMIL LASK, Rechtsphilosophie, em Gesammelte
Schriften l.º vol. (1923), publ. EUGEN HERRIGER, 275-331
(309) e GUSTAV RADBRUCH, Grundzüge der Rechtsphilo-
sophie (1914), 184 ss. - e a da necessidade da complementação
dos esquemas formais com valores ou outras referências -
idem, RICKERT, Die Probleme :i cit., 115, LASK, Rechtsphiloso-
phie cit., 313 ss. e RADBRUCH, Gundzüge cit., 84 ss. Desta
forma, ficaram abertas as portas para a ulterior «jurisprudên-
cia das valorações»; não obstante, a manutenção dos quadros
gnoseotõgicos formais - cf., p. ex., RICKERT, Der Gegenstand
·cter Erkenntnis / Einführung in die Tranzendentalphilosophie n
( 1928), 69, e passim - deixaria aberta a via para o irrealismo
metodológico.
XX

integralmente lógicas ou racionais. Assim sendo, o


Direito deve ser conhecido de modo directo, tal como
se apresenta; uma sua apreensão apriorística resulta
impossível.
O segundo obstáculo reside na incapacidade do
formalismo perante a riqueza dos casos concretos.
Na verdade, todas as construções formais assentam
num discurso de grande abstracção e, como tal, mar-
cado pela extrema redução das suas proposições.
Quando invocadas para resolver casos concretos, tais
proposições mostram-se insuficientes: elas não com-
portam os elementos que lhes facultem acompanhar·
a diversidade de ocorrências e, daí, de soluções dif e-
renciadas.

II. O positivismo, por seu turno, soçobra em


quatro aspectos decisivos, todos eles reconheci-
dos ( 21 ) . Em primeiro lugar, um positivismo cabal

( 21 )Tem-se em vista, naturalmente, a noção de positi-


vismo acima firmada e equivalente à recusa, no Direito, da
intromissão de elementos de tipo «filosófico»; tal noção é,
aliás, comum. Uma noção mais estrita, que reconduz o positi-
vismo ·ao «positivismo dogmático» subsequente a THIBAUT,
pode ser confrontado em DIETRICH TRIPP, Der Einfluss des
naturwissenschaftlichen, philosophischen und historischen Posi-
tivismus auf die deutsche Rechtslehre iro 19. Jahrhundert
(1983), 168 ss. e 286, sendo viáveis outras noções - além do
próprio TRIPP, cf., p. ex., LAWRENCE M. FRIEDMANN, Das
Rechtssystero iro Blickfeld der Sozialwissenschaften ( 1981, vers.
al.), 259 ss .. Não obstante, os resultados obtidos pelos «positi-
vismos não-dogmáticos» permitem generalizar a crítica figurada
no texto. Na verdade, não se joga uma questão de qualificaçüo,
mas da própria validade das decisões. Estas não podem ser
XXI

não admite - não pode admitir - a presença de


lacunas ( ) . E quando, levado pela evidência, acabe
22

por aceitá-las, não apresenta, para elas, qualquer


solução material (2~): a integração da lacuna - ope-

limitadas à estrutura formal-abstracta das fontes, demasiado


estrita perante a vida do Direito; cf. STEFAN HAMMER, Gel-
tung und diskursive Legitimitat / Zur institutionellen Abhan-
gigkeit der Geltungsbegriffs, em Rechtsgeltung, publ. SCABA
VARGA I OTA WEINBERGER, ARSP BH 27 (1986), 37-50.
( 22 ) Cf. KARL BERGBOHM, Jurisprudenz und Rechtsphi-
losophie, 1. º ( 1982), 371 e 373. Fórmula similar equivale a admi-
tir lacunas, mas afirmando que elas terão sempre a sua inte-
gração perante o sistema; cf. HERMANN HEITMANN, Die
Stellung der lnteressenjurisprudenz innerhalb der Geschichte
der juristischen Methodenlehre (1936), 21 ss. (25).
e:1) Torna-se exemplar, a tal propósito, a posição de
HECK: num caso concreto, pode faltar uma lei que indique
uma solução, ainda que por efeito remoto; há, então, que
recorrer à analogia, ainda que de Direito; e «quando falhem
os juízos de valor legais, então podem vir em consideração os
juízos de valor dominantes na comunidade jurídica e o próprio
juízo de valor do juiz». Cf. HECK, Gesetzesauslegung cit.,
230 e 238. A importância dada pela jurisprudência dos inte-
resses às lacunas e à sua integração, num relevo que foi, na
altura, bem entendido - cf. OSKAR RIEDEL, Rechtslücken
und Rechtsschi:ipfung / Ein Beitrag zur der Lückenlehre (1933)
58 ss. - e que se tornava ainda maior pelo papel dado aos
denominados «conceitos de delegação» através dos quais o
legislador, abdicando de decisões sobre os interesses em pre-
sença, remete para o juiz a sua formulação - cf. HECK.
Rechtsgewinnung 2 cit., 5, Begriffsbildung cit., 91 e 109,
Grundriss des Schuldrechts (1929, reimpr. 1958), 13 e 19 e
Die Interessenjurisprudenz und ihre neuen Gegner, AcP 142
(1936), 129-202 e 297-332 (316)-foi, pois, muito além dos
resultados obtidos no domínio das técnicas da sua integração.
XXII

raçao que, por excelência, exige o contributo máximo


ela Ciência do Direito - realizar-se-á, pois, c'i margem
do pensamento jurídico.
Um tanto na mesma linha, verifica-se, depoi~;, que
o positivismo não tem meios para lidar com conceitos
indeterminados, com normas em branco e, cm geral,
com proposições carecidas de preenchimento com
valorações: estas realidades, cada vez mais difundidas
e utilizadas nos diversos sectores do ordenamento,
carecem, na verdade, de um tratamento que, por
vezes, tem muito em comum com a integração das
lacunas e·1) . E tal como nesta, também naquelas o
jus positum pode não oferecer soluções operativas:
o positivismo cairá, então, no arbítrio elo julgador.
Muito importante na crítica ao positivismo é a
sua inoperacionalidade em situações de contradições
de princípios. A possibilidade de tais contradições,
há muito presente em ENGISCH (2"), por exemplo,
encontra-se equacionada na presente obra, por CANA-
RIS, numa esquematização que não oferece dú.vidas
ou dificuldades. Ora, a postura metodológica jusposi-.
tiva não pode, perante o fenómeno, senão negá-lo,
ignorá-lo ou remeter a sua solução para os acasos
das decisões subjectivas.
Finalmente, o juspositivismo detém-se perante a
questão complexa mas inevitável das normas injus-
tas. Desde logo, a ideia de «injustiça» duma norma

e Assim, vide GS referências de HECK aos «conceitos


1)

de delegação» citadas na nota anterior.


( 2 ") KARL ENGISCH, Die Einheit der Rechtsordnung
(1935), 64.
XXIII

regularmente produzida é de difícil - quiçá irnpos-


sivel - representação para as orientações que, do
jus positum, tenham uma concepção auto-suficiente:
falece uma bitola que viabilize o juízo de «injustiça».
De seguida, falta, ao positivismo, a capacidade para,
perante injustiças ou inconveniências graves no
Direito vigente, apontar soluções alternativas.

III. As críticas acima alinhadas contra o forma-


lismç, e o positivismo constatam, no fundo, a insu-
ficiência de ambas essas posturas perante as neces-
sidades da efectiva realização do Direito. Esta, con-
tudo, não se detém: obrigado, pela proibição do
non liquet, a decidir, o julgador encontrará sempre
uma qualquer solução, mesmo havendo lacuna, con-
ceito indeterminado, contradição de princípios ou
injustiça grave. Munido, porém, de instrumentação
meramente formal ou positiva, o julgador terá de
procurar, noutras latitudes, as bases da decisão.
A experiência, a sensibilidade, certos elementos extra-
-positivos e, no limite, o arbítrio do subjectivo, serão
utilizados. Dos múltiplos inconvenientes daqui emer-
gentes, dois sobressaem: por um lado, a fundamenta-
ção que se apresente será aparente: as verdadeiras
razões da decisão, estranhas aos níveis juspositivos
da linguagem, não transparecem na decisão, inviabili-
zando o seu controlo; por outro, o verdadeiro e
último processo de realização do Direito escapa à
Ciência dos juristas: a decisão concreta é fruto, afi-
nal, não da Ciência do Direito, mas de factores des-
cor:ihecidos para ela, comprometendo, com gravidade,
XXIV

a previsibilidade, a seriedade e a própria justiça de


decisão.
Num paradoxo aparente em que as humanísticas
são pródigas: o formalismo e o positivismo, tantas
vezes preconizados em nome da segurança do Direito
acabam por surgir como importantes factores de
insegurança.

IV. Eis, pois, o desafio. Confrontado com as


insuficiências do formalismo e do positivismo, o dis-
curso jurídico tem de, como primeira tarefa, ampliar a
sua base de incidência. Todo o processo de realização
de Direito, portanto todos os factores que interferem,
justificam ou explicam as decisões jurídicas, devem
ser incluídos no discurso juscientifico.
Noutros termos: o discurso cientifico deve ser
integral.

3. O irrealismo metodológico

I. O Direito é um modo de resolver casos con-


cretos. Assim sendo, ele sempre teve uma particular
aptidão para aderir à realidade: mesmo quando desam-
parado pela reflexão dos juristas, o Direito foi, ao
longo da História, procurando as soluções possíveis.
A preocupação harmonizadora dos jurisprudentes
romanos permitiu um passo da maior importância,
que não mais se perderia: a procura incessante de
regras pré-determinadas ou pré-determiná·veis para
XXV

a resolução dos problemas. Assim, do Direito, se fez


uma Ciência.
A meditação sobre as bases, os fundamentos, a
justificação e o modo de operar da Ciência do
Direito - portanto, de algum modo, o nível filosófico
e metodológico do Direito - acompanhou, durante
boa parte do seu percurso milenário, toda a Filosofia
das Ciências Humanas.

II. A situação descrita viria a alterar-se. Designa-


damente com SA VIGNY e a escola histórica, proce-
deu-se à confecção de um método puramente jurí-
dico (2G). Esse método, que era suposto corresponder
a um discurso sobre o processo de realização do
Direito vai, ele próprio, tornar-se objecto de novos
discursos.
Ou seja, num fenómeno que a moderna Filosofia
da Linguagem bem permite isolar, pode considerar-se
que a autonomização metodológica do Direito com-
portou um preço: o do aparecimento dum metadis-
curso que, por objecto, tem não já o Direito, mas o
próprio discurso sobre o Direito. Surge, então, uma
metalinguagem, com metaconceitos e toda uma
sequência abstracta que acaba por não ter já qual-
quer contacto com a resolução dos casos con-
cretos (2·).

(2°) Subjacente a esta posição está o conhecido e neo-


-lwnticmo esq~iema da formação intuitiva dos conceitos, a partir
das instituições históricas. Mais longe, há qtie procurar raízes
no jusracionalismo e no cogito cartesiano.
e~) Cf. FRITJOF HAFT, Juristische Logik :: (1985), 83 ss ..
XXVI

III. A resposta metodológica à crise aberta pelo


desabar das grandes construções formalistas e posi-
tivistas seguiu caminhos diversificados, abaixo alucli-
clos. Tais caminhos elevaram-se, porém, a metadis-
cursos jurídicos: simples discursos sobre um já
esgotado discurso metodológico, dominado pelas cate-
gorias interpretativas savignyanas e pelo funciona-
lismo tardio de HECK, eles perderam o contacto
com a solução dos casos concretos. No Direito prí-
vado, o fenómeno pode ser equacionado com a
afirmação de que - e. pelo menos, até há pouco
tempo - e desde a já centenária jurisprudência dos
interesses, não há qualquer influxo do discurso meto-
dológico sobre o próprio Direito e). Domina o irrea-
lismo metodológico C').

(28) Esta situação, ainda que não desenvolvida, tem sido


sugerida por diversos autores. Assim, cf. KARL LARENZ,
Methodenlehre der Rechtswissenschaft 3 ( 1983), 57-58, REIMER
SCHMIDT, Die Bedeutung der Entwicklung von Wirtschaft und
\Virtschaftsrecht für das klassische Privatrecht / Eine Skizze,
FS Nipperdey I (1965), 687-699 e HANS-MARTIN PA WLO-
WSKI, Gedanken zur Methode der Gesetzesauslegung, At:P 160
(1961), 209-237 (210-211).
ei 1
A demonstração cabal desta afirmação exige uma
)

investigação dogmática que siga a evolução de um instituto


marcadamente sensível às flutuações metodológicas subjacen-
tes; quando se verifique que tal instituto revela, a partir de
certo estádio, uma total insensibilidade ao discurso metodo-
lógico, ao ponto de os próprios autores que defendem certas
orientações de base, se mostrarem incapazes de proceder, no
instituto em causa, a qualquer aplicação, há que concluir:
o discurso metodológico é, na realidade, um metadiscurso
XXVII

IV. O irrealismo metodológico, enquanto fenó-


meno histórico-cultural devidamente situado, emerge
duma complexidade causal de análise difícil. Como
foi dito, ele tem, na base, a incapacidade demons-
trada pelos esquemas formalistas tradicionais e pelo
juspositivismo em acompanhar as novas necessidades
enfrentadas pelo Direito. Mas tal factor, já de si
importante, viu o seu influxo multiplicado pela espe-
cialização dos juristas.
No período do Direito comum, os diversos ramos
jurídico-normativos eram cultivados pela generalidade
dos juristas. A evolução subsequente implicou um
desenvolvimento .sem precedentes, em termos quan-
titativos, do mQterial requerido para a solução de
casos concretos. A multiplicação das fontes, da dou-
trina e da jurisprudência e a própria complexização
das situações vocacionadas para a intervenção do
Direito, atingiram, ao longo deste século, uma propor-
ção que inviabiliza qualquer controlo alargado, rea-
lizado por uma única pessoa.
A especialização fez, então, uma aparição inten-
siva, começando, em pouco tempo, a revelar efeitos
profundos. Fracturas culturais acusam uma presença
crescente. Num primeiro tempo, este fenómeno, ini-
cialmente pouco patente, veio conduzir, por exemplo,
o Direito privado, o Direito administrativo e o Direito
penal, para vias jusculturais diferentes; a Metodolo-
gia e a Filosofia do Direito eram cultivadas, inde-

irreal. Intentou-se proceder a essa investigação ern MENEZES


CORDEIRO, Da boa fé no Direito civil (1984); cf., aí, em espe-
cial, o 1. º vai., 395 ss ..
XXVIII

pendentemente, por juristas dogmáticos de qualquer


desses domínios. Depois, porém, foi-se mais longe.
Os próprios níveis metodológicos e filosóficos sofre-
ram os influxos da especialização: vieram a ser apro-
fundados por estudiosos que, do Direito, não tinham
já qualquer valência efectiva. Por seu turno, o círculo
fechou-se quando os desenvolvimentos metodológicos
e filosóficos atingiram uma dimensão de profundidade
e hermetismo tais que não mais foram acessíveis aos
não-iniciados.

V. O irrealismo metodológico veio, pelos facto-


res genéricos apontados e, ainda, pela especialização
dos juristas, a atingir proporções consideráveis. Um
metadiscurso inacessível para os juristas comuns e
sem preocupações juspositivas contracenava com
uma Ciência Jurídica estiolada ao nível da vetusta
jurisprudência dos interesses.
A evolução do Direito, comandada por oscilações
ambientais nunca repetidas, colocava os juristas
perante situaçõe~ desconhecidas que requeriam solu-
ções.
Tal o dilema da Ciência do Direito no final do
século vinte: perante problemas novos, ou se inten-
sifica um metadiscurso metodológico irreal, inaplicá-
vel a questões concretas e logo indiferente ao Direito,
ou se pratica um formalismo ou um positivismo de
recurso. Em qualquer dos casos, as soluções são
ora inadequadas ora assentes em fundamentações
aparentes, escapando ao controlo da Ciência do
Direito.
11- PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
NA MUDANÇA D0 SÉCULO

4. Conspecto geral

I. No rescaldo do desabar dos grandes sistemas


jusf ilosóficos, o pensamento jurídico deteve-se perante
o dilema positivismo-irrealismo metodológico. Algu-
mas pontes foram, contudo, conservadas: o. Direito
efectivo manteve certa atenção junto dos metadis-
cursos metodológicos, esforçando-se, ainda que com
muita moderação, por captar algumas das mais
impressivas directrizes por eles elaboradas.
Na década de oitenta, embora com raízes ante-
riores, poderá mesmo falar-se em discursos metodo-
lógico-dogmáticos que intentaram quebrar o dilema.
Nesta linha situa-se - e com carácter pioneiro - a
obra de CLAUS-WJLHELM CANARIS, de que o livro
agora traduzido em língua portuguesa é exemplo
significativo. Tais discursos exprimem o resultado de
percursos longos, por vezes complexos, abaixo esque-
matizados e que se poderão considernr como produtos
evoluídos, respectivamente, das tradições posiiivas,
formalistas e sistemáticas. São possíveis novas sín-
teses, que à crítica compete avaliar.
XXX

II. Impõe-se, antes de mais, um conspecto geral


da panorâmica jusmetodológica ora dominante. Como
pano de fundo, pode falar-se no abandono das gran-
des construções jusfilosóficas. Para tanto, contribuí-
ram fac tores variados mas convergentes: um certo
nihilismo correspondente à queda do Direito natu-
ral Cº), um relativismo extremo no tocante à
Moral C1 ) , um agnosticismo crítico contrário a quais-
quer tomadas de posições e, porventura, uma progres-
siva assimilação da natureza histórico-cultural do
Direito, agora entendida como base de um novo huma-
nismo, fonte autónoma. de soluções C). Tem-se, de

Cº) Cf. MOTOTSUGO NISHINO, Ein Versuch zur Rekons-


truktion der Rechtsontologie, em East und West / Legal Philo-
sophie in Japan, ARSP BH 30 (1987), 130-138 (130) e FRANZ
HORNER, Die neuscholastische Naturrechtslehre: Moglichkei-
ten und Grenzen, em Woraus kann man sich iloch berufen?
Dauer und Wandel von Normen im Umbruchszeiten, ARSP
BH 29 (1987), 19-33.
PETER KOLLER, Ober Sinnfülligkeit und Grenzen
(~ 1 )

des moralischen Relativismus, ARSP BH 29 cit. (1987), 55-70;


em «tempos cínicos» fala a tal propósito, ILMAR T AMMELO,
Zur Philosophie der Gerechtigkeit (1982), 135; a relatividade
histórica e o relativismo da cultura e dos conceitos são enfo-
cados em ROLF ZIMMERMANN, Wahrheit - Sinndeutung -
Kritik / Eine elementare Positionsbestimmung zur Philosophie
der Sozialwissenschaften, ARSP LXXII (1986), 1-20.
{" 2 ) O relativismo e o irracionalismo subjacente surgiam
já, de algum modo, no segundo JHERING - cf. TRIPP, Der
Einfluss des naturwissenschaftlichen, philosophischen und his-
torischen Positivismus cit., 257 ss. que, por isso, fala em «falso
positivismo»; a evolução então iniciada conduziu, porém, tão-só,
a um encurtar do horizonte operativo posto à disposição da
Ciência do Direito, através do positivismo subsequente.
XXXT

facto, vindo a assentar na coexistência, no domínio


jurídico, de múltiplas camadas normativas, surgidas
em obediência a variáveis muito diversificadas. Um
exemplo claro é constituído pelo Direito civil de hoje,
e, nos espaços onde houve recepção do pandectismo:
pense-se 110 Direito romano actual, patente em Obri-
gações e Reais, 110 Direito comum da Família e das
Sucessões e 110 jusracionalismo da Parte Geral. Nas
disciplinas mais recentes, como no Direito da Econo-
mia ou no Direito do Trabalho, vai-se mais longe:
lado a lado, convivem regras aprovadas com objecti-
vos diferentes, por vezes mesmo contraditórios.
O abandono das grandes construções jusfilosófi-
cas deu lugar a um ecletismo redutor: perante os
diversos problemas, todas as correntes do pensamento
são, em princípio, chamadas a depôr. Tal postura
só é possível à custa de uma simplificação das dou-
trinas, com custos evidentes para a sua profun-
didade.
A redução das ideias a uns quantos brocardos
surge, ao lado do abandono das grandes construções,
como um factor genérico da panorâmica jusmetodo-
lógica da actualidade. Pouco assumida, ela tem sido,
no entanto, justificada com a autonomia da Metodo-
logia jurídica perante a Filosofia C) e, dentro da pró-
pria Metodologia, com o apelo a uma especialização
por áreas diferenciadas como a lógica deóntica, a

('i:;) Cf. GüRG HAVERKATE, Gewissheitsverluste im


juristischen Denken / Zur politischen Funktion der juristischen
Methode (1977), 12.
XXXII

hermenêutica, a semântica ou a informática C1 ) . Em


termos muito gerais, pode considerar-se que a simpli-
ficação redutora referenciada potencia novas sínteses.
Mas abre sempre as portas a um empobrecimento
cultural, com perdas evidentes para o conhecimento
da realidade.

III. A jurisprudência dos interesses reduzira, em


extremo, as referências atendíveis, para efeitos de
resolução de casos jurídicos. A coberto dum apelo
à «realidade da vida», tudo quanto extravasasse os
juízos do legislador era rejeitado ou esquecido.
Só bastante mais tarde, num esforço constante,
se procedeu a um alargamento paulatino dos elemen-
tos relevantes para o decidir jurídico. Três notas
podem, nesse particular, ser salientadas: os apelos
ao racionalismo, à Moral e à Política.
O racionalismo - agora não entendido apenas
como um conhecimento pela razão, mas antes como
um progredir metódico, norteado por regras C'') -
vai facultar uma recuperação de elementos para o
processo de realização do Direito Cc); a própria crítica
histórica, sempre de base racional, a tanto con-

C·') G. ZACCARIA, Deutsche und italienische Tenctenzen


in der neueren Rechtsmethodologie, ARSP LXXII ( 1986), 291-
-314 (291).
e~•) Portanto uma Verfahrensrationalitat e não, teia-só,
um Vernunfterkenntriis; cf. RUDOLF STRANZINGER, Rationa-
litatskri1erien für Gerechtigkeit, ARSP BH 29 (1987), 101-129
e JAN M. BROEKMAN, Der Rationalitiit des juristischen
Diskurses em Werner Krawietz / Robert Alexy, Metatheorie
juristischer A rgumentation (1987), 89-125 (113-114).
XXXIII

duz C·), sendo certo que, em qualquer circunstcincia,


o ponto de vista racional é sempre ponderado ('1 5 ) .
A Moral, apesar de todo o relativismo que nela
se queira introduzir, existe e condiciona a vida que
o Direito legitima; além disso, sublinha-se hoje que
alguns dos seus princípios são objectivamente
demonstráveis C0 ) , com ganhos evidentes, para urria
interpenetração com certos níveis jurídicos de deci-
são. O tema será abaixo retomado, a propósito da
jurisprudência ética.
A Política, por fim, no sentido nobre do termo,
sem propriamente instrumentalizar o Direito, na linha
elas leiturns mais radicais C('), permite conhecer mais

C:") Vide, p. ex., os conhecidos contributos de KARL


R. POPPER sobre rrobabilidades e verosimilhança - Logik der
Forschung (1982, l." ed., 1935), 144 ss. ~ ou sobre a teoria
racional da tradição - Conjectures and Refutations: the
Grouth of Scientific Knowledge (1965), 120 ss ..
C·) Ainda de KARL POPPER, recorde-se Das Elend des
Historizismus 2 (1969) e, naturalmente, Die offene Gesellschaft
und ihre Feinde (; ( 1980).
(I') Cf. Cl-lR1STOPH VON METTENHElM, Recht und
Rationa!itat (1984), 62 ss., HAVERKATE, Gewissheitsverluste
im juristischen Denken cit., 33 ss., ARTHUR KAUFMANN,
über die Wissenschaftlichkeit der Rechtswissenschaft, ARSP
LXXII (1986), 425-442 (425 ss.) e STRANZTNGER, Rationali-
von Recht und Moral, ARSP BH 29 (1987), 154-166.
Cª) Cf. OTA WEINBERGER, Freiheit und die Trennung
vun Rccht und Moral, ARSP BM 29 (1987), 154-166.
( 1 •·) Refira-se a obra Materialismus und Idealismus im
Rcchtsdenken / Geschichte und Gegenwart, publ. KA.RL A.
:WOLLNAN. ARSP BH 31 (1987), onde se pode seguir o
c-.,rac/o do qucstcio na Reptí/Jlicn Dc111ocrcítíca Alemci e. aí, em
XXXIV

profundamente o método jurídico, no qual sempre


aflora ("' 1 ) ; intervém no processo de formação das
leis (1 2 ) e recorda a presença, ao lado de um esquema
teorético de normas jurídicas, de «normas sociais»
nem sempre, com ele, concordantes e~).
O alargamento potenciado por estes factores -
aliás apenas exemplificativos - rasgaria novos l10ri-
zontes dogmáticos.

IV. No alargamento progressivo dos dados su1ei-


tos a tratamento jurídico, teve peso a denominada
jurisprudência das valorações. Na sua base encon-
tra-se a insatisfação causada pela manutenção tardia

especial, LOTHAR LOTZE, Das Recht ais Instrument, 162-167


e WERNER MAIHOFER, Idealismus und Materialismus im
Rechtsdenken der Gegenwart, 185-195.
( 41 ) I-IAVERKATE, Gewissheitsverluste im juristischen
Denken cit., 55 ss., VON METTENHEIM, Recht und Rationa-
litat cit., 64 e 86, com particular referência a POPPER e
HORST ZINKE, Die Erkenntniswert politischer ArgumC'nte in
der Anwendung und wissenschaftlichen Darstellung des Zivil-
rechts / Eine Untersuchung zur Bedeutung der «kritischen
Theorie» für die Jurisprudenz (1982), 24 ss ..
( 42 ) Na qual intervêm disciplinas diversificadas como o
constitucionalismo, a teoria do Direito, a Filosofia, a Sociolo-
gia, a Ciência Política, a Economia e as Finanças; cf. HER-
MANN HILL, Einführung in die Gesetzgebungslehre, Jura
!"986, 57-67 (57) e Rechtsdogmatische Probleme der Gesctzgc-
bung, Jura I 986, 286-296.
("1 3 ) Cf. PAUL TRAPPE, Prozesse der Macht in der plura-
listischen Demokratie, ARSP BH 29 (1987), 142-153 e I<ARL-
-JüRGEN BIEBACK, Inhalt und Funktion des Sozialstaatsprin-
zips, Jura 1987, 229-237 (237).
XXXV

da jurisprudência dos interesses e, em geral, do posi-


tivismo jurídico. O influxo da Filosofia dos valores,
presente, aliás, no neo-Jiantismo (1 1 ) , permitiu uma
transposição: a uma ponderação de interesses causal-
mente considerados pelo legislador contrapõe-se um
sopesar de valores (10 ) ; a solução final não poderia,
numa clara tradição heckiana, ser o produto de qua-
lificações conceptuais, antes advindo do peso rela-
tivo dos valores subjacentes (1G). Deve aliás afir-
mar-se, com frontalidade, que o apelo muito comum,
feito na literatura do segundo pós-guerra, à «juris-
prudência das valorações», considerada mesmo domi-
nante nalguma doutrina, não tem suscitado estudos
cuidados minimamente compatíveis com essa afirma-

(H) A referência a «valores>> logo recorda a contraposi-


ção, de raiz kantiana, entre o «sem e o «dever-sem - cf.
RICKERT, Der Gegenstand der Erkenntnis cit., 214; além disso,
ela é comum na literatura mais característica da primeira
parte do século XX - p. ex., RADBRUCH, Grundzüge cit.,
84 ss., LASK, Rechtsphilosophie cit., 281 e RICKERT, Ge-
schichtsphilosophie 3 cit., 115. Vide ROBERT REININGER,
Wertphilosophie und Ethik 2 (1946), 143 ss ..
( 45 ) Cf. LARENZ, Methodenlehre 5 cit., 117 ss. e 205 ss.,
WOLFGANG FIKENTSCHER, Methoden des Rechts in verglei-
chender Darstellung, III - Mitteleuropaischer Rechtskreis
(1976), 307 ss. e IV - Dogmatischer Teil (1977), 381 ss. e
HANS fIATTENHAUER, Die geistesgeschichtlichen Grundlagen
des deutschen Rechts 3 (I 987), 183 ss ..
( 46 ) HARRY WESTERMANN, Wesen und Grenzen der
richterlichen Streitentscheidung im Zivilrecht (1955), 12 ss. e
HEINRICH KRONSTEIN, Rechtsauslegung im wertgebundenen
Recht (1957), 26 s ..
XXXVI

ção (47 ) . No fundo, jogou-se uma reconversão linguís-


tica de grandes dimensões que, à custa da precisão
das palavras, intentou compôr uma imagem não posi-
tivista de uma jurisprudência envelhecida. Partindo
duma certa preocupação em alargar as bitolas de
ponderação de interesses C1''), - incluindo, de novo,
o recurso ao sistema e aos conceitos ( 40 ) · _ a juris-
prudência das valorações, por falta de desenvolvimen-
tos que capacitassem uma intervenção efectiva, aca-
bou por surgir como uma das áreas que maior gua-
rida assegurou ao irrealismo metodológico.
Na verdade, seria necessário aguardar as véspe-
ras da década de 80 para, através das investigações

( 47 ) Cf. ERNST MEYER. Grundzi.ige einer systemorien-


tierten Wertungsjurisprudenz ( 1984), 5. Quanto à difusão da
jurisprudência das valorações, cf. R,ENÉ A. RHINOW,
Rechtssetzung und Methodik ( 1979), 26 ss ..
( 1 ~) Assim: HELMUT COING, System, Geschichte und
Interesse in der Privatrechtswissenschaft, JZ 1951, 481-485
(483 e 485); HEINRICH HUBMANN, Grundsatze der Interes-
senabwagung, AcP 155 (1956), 85-134 (97 ss.) e Wertung und
Abwágung im Recht (1977), 3 ss.; HANS-MARTIN PA WLO-
WSKI, Problematik der Interessenjurisprudenz, NJW 1958,
1561-1565; JOSEF ESSER, Interessenjurisprudenz heute, JurJb
1 (1960), 111-119 (117); WOLFGANG FIKENTSCHER, Roscoe
Pound / Von der Zweckjurisprudenz zur «Sociological Juris-
prudence», FS Larenz/70 (1973), 93-108.
(• 1') Cf., em especial, PA WLOWSKI, Zum sog. Verfol-
gungsrccht des Gerichtsvollziehers / Eine Kritik der Interessen-
und Wertungsjurisprudenz, AcP 175 (1975), 189-221 (219 ss.),
Die Funktion des Wertbegriffs in der Rechtswissenschaft, JuS
1976. 351-356 (352 ss.) e Methodenlehre für Juristen / Theorie
der N ormen und des Gesetzes (1981 ), 60 ss ..
XXXVII

ele BIHLER, se alcançar uma ideia mais precisa de


«valoração»; esta viria, então, a ser entendida como
um processo tendente ao aparecimento dum senti-
mento jurídico o qual, por seu turno, traduz um
esquema de identificação espontâneo, num conflito
jurídico, com uma das posições em presença (5º).
O manuseio destas noções exige, porém, uma instru-
mentação desenvolvida já por um pensamento jurí-
dico bem diverso (" 1 ) .

V. Finalmente, a panorâmica metodológica de


fundo requer uma particular referência à «jurispru-
dência ética».
A Moral, assente numa afirmada interioridade,
foi, na tradição de KANT, mantida diferente do
Direito, fenómeno exterior (5 2 ). A separação daí resul-

(;· 0 ) MICHAEL BIHLER, Rechtsgefühl, System und Wer-


tung / Ein Beitrag zur Psykologie der Rechtsgewinnung (1979),
59, 68, 135, 142 ss. e passim.
e 1) Cf. ERNST MEYER, Grundzüge einer systemorien-
tierten Wertungsjurisprudenz cit., 12 (funcionalidade), 42 ss.
(hermenêutica), 59 ss. (teoria unitária da interpretação do
Direito e da interpretação criativa do Direito), etc. MEYER,
ob. cit., 23, apenas aponta um papel efectivo da jurisprudência
das valorações no domínio do Direito geral da personalidade.
("~) Cf. HEINRICH HENKEL, Einführung in die Rechts-
philosophie 2 (1977), 78-79 e KARL ENGISCH, Auf der Suche
nach der Gerechtigkeit / Haupttemen der Rechtsphilosophie
(1971), 87. Vide, ainda, GOTTHARD PAULUS, Die juristische
fragestellung des Naturrechts (1979), 11, AMANDUS
ALTMANN, Freiheit im Spiegel des rationalen Gesetzes bei Kant
(1982), 44 ss. e I-IEINRICH GEDDERT, Recht und Moral i Zum
Sinn eines alten Problems (1984), 41 ss., 86 ss. e 104 ss ..
XXXVIII

tante e um exacerbar da relatividade da Moral C') -


no fundo um expediente linguístico para melhor
entronizar o positivismo - a par com o declínio elo
Direito natural, vieram, progressivamente, a eliminar
quaisquer critérios de apreciação da Ordem Jurídica.
Esta não poderá ser bitola de si própria.
As Ciências Humanas dos nossos dias permitem
encarar a uma nova luz estes problemas clássicos.
Na verdade, a Moral, num dado antropológico objec-
tivamente demonstrável é, ainda, um fenómeno da
cultura. Assim, ela depende sempre de uma aprendi-
zagem sendo, nessa medida, imposta do exterior. As
regras de conduta - jurídicas ou morais - com os
competentes códigos de «permitido», «proibido» ou
«obrigatório» são ministradas aos sujeitos sem uma
particular diferenciação ("·1 ) . A superação de KANT-
e de novo os quadros hegelianos têm aqui um papel -
permite reponderar, agora com o apontado reforço
antropológico, novas equações para o problema.
A Moral representa uma cultura(""), uma organiza-
ção global (5G) e conflui, com as suas finalidades, no

(5 3 ) PETER KOLLER, über sinnfülligkeit und Grenzrn des


moralischen Relativismus cit., 50 ss ..
(H) ROSEMARIE POHLMANN, Recht und Moral/ Kom-
petenztheoretisch betrachtet, ARSP BH 13 (1980 ), 225-242
(230 ss.), que se apoia na teoria moral cognitivo-genética, de
KOHLBERG.
( 55 ) WILHELM SAUER, System der Rechts- und Sozial-
philosophie 2 (1949), 211.
(56) ERICH FECHNER, Rechtsphilosophie / Sozioiogie
und Methaphysik des Rechts 2 (1962), 196.
XXXIX

reforço da organização global - portanto da socie-


dade e das suas projecções - em que se inclua ou a
que pertença (5 7 ) .
As regras jurídicas distinguem-se elas demais
regras sociais, apenas, pela sua inclusão assumida
num particular processo de decisão, ou seja: pela sua
sujeição estrita à Ciência do Direito (' 8 ) . Mas isso
não absorve todas as regras. A necessidade de ele-
mentos suprapositivos (G 8 ) soma-se o realismo no esta-
belecer das soluções: estas, fatalmente influenciadas
pelos cenários culturais que presidem ao seu encon-
trar, apresentam sempre níveis éticos que não devem
ser ignorados ('3º).
É, pois, hoje um lugar-comum: a jurisprudência
é - deve ser - ética (ª 1 ) . Resta saber se não há, aqui,
um novo logro linguístico.

( 57) JüRGEN HABERMAS, Strukturwandel der õffen-


tlichkeit / Untersuchungen zu einer Kategorie der bürgerlichen
Gesellschaft (1969 ), 127.
( 58 ) Cf. H. GEDDERT, Recht und Moral cit., 309 ss ..
( 39 ) ADALBERT PODLECH, Recht und Moral, RTh 3
(1972), 129-148 (133) e RUPPERT SCHREIBER, Ethische Sys-
teme als Kriterien zur Bewertung von Rechtsordnungen, em
ILMAR TAMMELO / AULIS AARNIO, Zum Fortschritt von
Theorie und Technik in Recht und Ethik, RTh BH 3 (1981),
255-261.
(ºº) Cf. LOTHAR PI-llLIPPS, über Relationen-im Rechts-
leben und in der Normlogik, RTh BH 3 cit. (1981), 123-139.
( 61 ) Cf., ainda, p. ex., HERBERT SCHAMBECK, Richter-
amt urid Ethik (1982), 18 ss. e MICHAELA STRASSER,
Notwendigkeit eines Gerichtigkeitsbegriffes in einer Gesell-
schaftsvertragstheorie, RTh BH 3 cit. (1981), 281-291.
XL

5. A jurisprudência analítica

I. Sobre o pano de fundo acima esquematizado


surgem, depois, algumas correntes de pensamento
que importa conhecer. Assim sucede com a teoria
analítica do Direito ou jurisprudência analítica.
A jurisprudência analítica tem, na origem, transfe-
rências culturais operadas do espaço anglo-saxónico
para o continental e, particularmente, para a
República Federal Alemã e para Itália. O condiciona-
lismo político-económico do segundo pós-guerra surge
favorável a esse tipo de transferência; além disso, o
modo de pensar «analítico», com as suas classifica-
ções de normas e princípios, com o seu positivismo
agravado e com o jusracionalismo de recurso que
sempre o informa, confluiu no produto tardio da
jurisprudência dos interesses. A evolução da jurispru-
dência analítica conduziu, contudo, nos últimos anos.
a latitudes inesperadas para o núcleo primordial desse
tipo de pensamento.

II. Como foi dito, a


jurisprudência analítica
assenta em transposições culturais anglo-saxónicas,
realizadas para o Continente europeu. Teve um par-
ticular relevo a divulgação da obra de HART ("::),
fruto de uma tradição que remonta a AUSTIN, a
BENTHAM e a HOBBES.

( 62 ) Cf. H. L. A. HART, O Conceito de Direito, trad. port.


de ARMINDO RIBEIRO MENDES, ed. Fundação Calouste Gul-
benkian (1987).
XLI

Para além de alguns traços comuns, com relevo


para o reivindicar dessa tradição, a teoria analítica
do Direito não tem unidade: ela comporta múltiplos
desenvolvimentos independentes, que se alargam
desde a ideia de common sense até ao conhecimento
e manuseio da linguagem (e::). Firme no aforismo
autoritas, non veritas, facit legem, a teoria analítica
é positivista no sentido mais estrito do termo, numa
situação agravada, no Continente, pela aproximação
ao normativismo kelseniano (" 1 ) . Outras das suas
características, em simplificada generalização, podem
ser formuladas com recurso às seguintes proposi-
ções (~:;): ela implica uma posição empírica, mas racio-

(•;:) Cf. WOLFGANG MINCKE, Die finnische Rechts-


theorie unter dem Einfluss der Analytischen Philosophie (1979),
9 ss. e K. OPALEK, Sprachphilosophie und Jurisprudenz, em
KRA WIETZ!OPALEK!PECZENIK/SCHRAMM, Argumentation
und Hermeneuti.k in der Jurisprudenz, RTh BH 1 (1979), 153-161
(153-154). Em gera!, vide: Sprache und Analysis, publ. RüDI-
GER BUBNER (1968); C. A. VAN PEURSEN, Phanomenologie
und analytische Philosophie (1969); JOHN HOSPERS, An
Introduction to Philosophical Analysis 2 (1970), cuja simples
ordenação da matéria é eloquente; por fim, DIRK KOPPEL-
BERG, Die Aufhebung der analytischen Philosophie / Quine
ais Synthese von Carnap und Neurath (1987).
('11 ) Em especial, G. ZACCARIA, Deutsche und italieni-
sche Tendenzen in der neueren Rechtsmethodologie, ARSP
LXXII (1986), 291-314 (297). Cf. P. MAZUREK, Analytische
Rechtstheorie, em ARTHUR KAUFMANN / WINFRIED HAS-
SEMER, Einführung in Rechtsphilosophie und Rechtstheorie der
Gcgenwart (1977), 164-173 (164 ss.).
(' 1'') Cf. ZACCARIA, Deutsche und italienische Tendenzen
cit., 294, RAFFAELE DE GIORGI, Wahrheit und Legitimation
XLII

nalista e antimetajísica; ela cultiva a clareza concei-


tuai, preocupando-se com a linguagem e a sua utili-
zação; admite uma contraposição intrínseca entre
proposições descritivas e prescritivas; aceita a
adstringência da lógica; proclama a excelência da
crítica ética às soluções preconizadas pelo Direito.

III. O empirismo da jurisprudência analítica


prende-se ao pragmatismo do início. As derivações
operadas são, contudo, de tipo dedutivo, numa pos-
tura agravada pela recusa de intromissões morais (06 ).
A racionalidade omnipresente intenta apresentar-se
mais a nível de fundamentação das soluções do que
no plano da pesquisa dos pontos de partida (07 ) .
A clareza conceitual, a ref lectir na linguagem,
cifrou-se, desde logo, no ordinary language approach
preconizado para a abordagem da teoria filosó-
fica {°ª). Posteriormente, foi-se mais longe: na sequên-
cia da teoria dos jogos de linguagem apresentada por

im Recht / Ein Beitrag zur Neubegründung der Rechtstheorie


(1980), 125 ss., 150 ss., 180 ss. e 195 ss., e WINFRED HASSE-
MER, Juristische Hermeneutik, ARSP LXXII (1986), 195-
-212 (198).
(ªG) P. MAZUREK, Analytische Rechtstheorie cit., 170 ss ..
(ª 7 ) Cf. RAINER HEGSELMANN, Normativitat und Ra-
tionalitat / Zum Problem praktischer Vernunft in der Ana-
lytischen Philosophie (1979), 165 ss. e DE GIORGI, Wahrheit
und Legitimation im Recht cit., 195 ss ..
( 68 ) HANS LENK, Metalogik und Sprachanalyse / Stu-
dien zur analytischen Philosophie (1973 ), 30 ss ..
XLIII

WITTGENSTEIN (ºº), chegou-se à ideia do relevo


substantivo da linguagem Cº). Este aspecto - que não
se liga, como consequência, à jurisprudência analítica
continental, embora lhe deva a sua divulgação - tem
enorme importância, sendo difícil prever até onde
poderá obrigar à revisão da doutrina jurídica tradi-
cional: a linguagem não é simbólica: ela corporiza as
próprias ideias, viabilizando-as, condicionando-as ou
detendo-as na fonte - o próprio espírito humano -
facultando a sua aprendizagem e divulgação e abrindo
as portas à crítica e às reformulações. Tocar na lin-
guagem é tocar nas ideias. Além disso, a própria
linguagem pode suportar o discurso, assim erguido
a metadiscurso, num fenómeno que, com facilidade,
pode passar despercebido: toma-se, então, por dis-
curso jurídico o que mais não· é do que um locubrar
sobre dados linguísticos pré-elaborados (7 1) .

(ü 9 ) Tem-se em vista a segunda fase de WITTGENSTEIN,


portanto a das Philosophical Investigations, em contraposição
à do Tractatus Logico-Phi!osophicus, ainda preso pela ideia da
neutralidade da linguagem; cf. LUDWIG WITTGENSTEIN,
Schriften, 8 vol., (1964). Vide E. e W. LEINFELLNER / H.
BERGHEL / A. Hl'.JBNER, Wittgenstein and his Impact on
Contemporary Thought / und sein Einfluss auf die gegenwar-
tige Philosophie (1980) e ERNST TUGENDHAT, Selbstbe-
wusstsein und Selbtbestimmung / Sprachanalytische Interpre-
ta tionen (1979), 91 ss e 114 ss ..
(7°) FRITJOF HAFT, Juristische Rhetorik 3 cit., 83 ss.
ERNST TUGENDHAT, Vorlesung zur Einführung in die sprach-
analytische Philosophie (1976), 197 ss ..
( 71 ) Cf. FRITJOF HAFT, Recht und Sprache, em
KAUFMANN / HASSEMER, Einführung in Rechtsphi!osophie
und Rechtstheorie der Gegenwart (1977), 112-131.
XLIV

A separação entre proposições descritivas e prcs-


critivas (7 2 ) , num estrito dualismo que recorda o
Sein / Sollen neo-hantiano, teve na origem a preo-
cupação correcta em levantar os elementos consti-
tuintes do discurso. A adstringência da lógica e a
possibilidade da crítica ética às soluções de Direito
apresentam-se, por fim, como o produto dos raciona-
lismo e empirismo pragmático subjacentes.

IV. Uma crítica alargada às múltiplas posiçoes


que, nos últimos anos, se têm reivindicado da teoria
analítica do Direito transcende, em absoluto, o
âmbito destas notas introdutórias. No grande devir
das ideias humanas, a teoria analítica tem, por certo,
o seu lugar assegurado. No entanto, ela incorre em
várias observações e, tal como se apresenta, numa
crítica frontal.
As observações arbitram em torno da imprecisão
actual da própria ideia de «jurisprudência analítica».
Em oposição às coerência e clareza linguísticas que
era suposto defender, a «jurisprudência analítica»
tem-se tornado num subterfúgio linguístico destinado
a dar abrigo a construções de irredutibilidade cres-
cente. Tais construções encontram na vaguidade da
locução, uma primeira ordem de fundamentação apa-
rente. Tudo isto, na medida em que se verifique,
deve ser repensado.

(72) Cf. ROBERT WEIMAR, Zur Theoriebildung in der


Rechtswissenschaft, GS Tammelo (1984), 703-722 (707 e 710),
bem como ZACCARIA, Deutsche und italienische Tendenzcn
cit., 294.
XLV

A crítica frontal cifra-se no seguinte: perante o


dilema do final do século - positivismo versus irrea-
lismo metodológico - a jurisprudência analítica
optou decididamente pelo primeiro e abriu as portas
ao segundo. Sucedem-se as obras e os desenvolvi-
mentos: não há, no entanto, neles, quaisquer solu-
ções - ou quaisquer particulares soluções - para as
grandes questões do Direito privado: lacunas, concei-
tos indeterminados, contradições de princípios e nor-
mas injustas têm, assim, de procurar saída noutras
latitudes.

6. A jurisprudência problemática

1. A jurisprudência problemática apresenta-se


como uma segunda grande corrente do pensamento
jurídico actual. No seu activo, esta linha jusmetodoló-
gica conta a própria criação do Direito, na Antiguidade
e o desenvolvimento subsequente, até aos nossos dias:
na verdade, foi na base da solução concreta de pro-
blemas também concretos que se sedimentou o tra-
balho dos jurisprudentes romanos e que, mais tarde,
foi decantado todo o Direito Comum (7 3 ) . Sobre essa
base problemática incidiu, contudo, durante séculos,
uma Ciência generalizadora que, na busca de regras
e princípios, esqueceu os problemas da origem.

(7 3 ) Cf., quanto ao Direito prudencial, o importante


c!esenvolvimento de MARTIM DE ALBUQUERQUE ! RUY DE
ALBUQUERQUE, História do Direito Português, 1 (1984/85),
185 e passim.
XLVI

Em 1953, ao relançar a ideia básica ele que o


Direito é e permanece uma técnica de resolução de
problemas, THEODOR VIEHWEG traçou as bases da
moderna jurisprudência problemática ('l).

II. Segundo VIEHWEG, o Direito só na aparên-


cia comportaria uma estrutura sistemática, que possi-
bilitaria a dedução de todas as suas proposições e
competentes soluções a partir de uns quantos axio-
mas de base. Na verdade, quatro planos decisivos
impossibilitariam tal contextura para a Ciência do
Direito: a escolha dos princípios de base e seus con-
ceitos é, logicamente, arbitrária; a aplicação do
Direito requer, perante as proposições pré-elabora-
das, extensões, restrições, assimilações, concentrações
e passos similares; a necessidade de recurso à lin-
guagem, sempre multi-significativa, impossibilita deri-
vações; a apreensão da matéria de facto, condicio-
nante de qualquer s0lução, escapa ao sistema C").
Perante tal situação, quedaria uma natureza tópica
para o Direito; dado um problema, chegar-se-ia a
uma solução; de seguida, tal solução seria apoiada
em tópicos, em pontos de vista susceptíveis de serem
compartilhados pelo adversário na discussão, pontos
de vista esses que, uma vez admitidos, originariam
respostas lógicas infalíveis. Em suma, a Ciência do
Direito deveria ser entendida como um processo espe-

( 74 ) THEODOR VIEHWEG, Topik und Jurisprudenz / Ein


Beitrag zur rechtswissenschaftlichen Grundlagenforschung "
(1974).
(7ã) VIEHWEG, Topik und Jurisprudenz 5 cit., 84-90.
XLVII

cial de discussão de problemas, havendo que tornar


tal esquema claro e seguro, graças ao desenvolvi-
mento duma teoria da praxe CG).

III. O pensamento viehwegiano foi exemplar-


mente criticado por CANARIS, na obra agora tradu-
zida (7;); em síntese, pode dizer-se que o Direito não
é, na essência, tópico, antes surgindo sistemático
- em sentido não axiomático·- numa tradição que
remonta ao Ius Romanum. Não obstante, :;ectorial-
mente, a tópica faz a sua erupção. Pense-se, por
exemplo, na integração de certas lacunas ou no
manuseio de conceitos indeterminados. Não se apro-
fundam, pois, estes aspectos.
Cabe, no entanto, situar a tópica no contexto da
metodologia jurídica dos nossos dias.
A tópica teve um vivo sucesso, depois de ter pas-
sado despercebida nos anos subsequentes ao estudo
de VIEHWEG. O mérito da ideia foi enfocado (' 8 ) ;

eG) VIEHWEG, Topik und Jurisprudenz .; cit., 14, 25-34


e 95-110.
(7•) CANARIS, Pensamento sistemático e conceito de sis-
tema, infra 243 ss ..
eª) De entre a inumerável bibliografia, refiram-se: KARL
ENGISCH, rec. a VIEHWEG, Topik und Jurisprudenz, ZStW
69 (1957), 596-601 (596 e 599) e Einführung in das juristische
Denken 8 (1983), 196; ADOLF ARNDT, Gesetzesrecht und
Richterrecht, NJW 1963, 1273-1284 (1277); NORBERT HORN,
Zur Bedeutung der Topiklehre Theodor Viehwegs für eine
einheitliche ·Theorie des juristischen Denkens, NJW I 967,
601-608 (601) e Topik in der rechtstheoretischen Diskussion,
. em DIETER BREUER / HELMUT SCHANZE, Topik / B(-;itrage
XLVIII

mas sobretudo, assistiu-se CL um vulgarizar elo termo


«tópicos» - muitas vezes expresso no grego a/ati-
nado, mais impressivo, «topoi» - que veio, assim, a
conhecer um emprego alargado, mesmo em áreas
onde, com total propriedade, se deveria antes dizer
«princípios», «vectores» ou, até, «normas». A pre-
texto de adesões tópicas, redobrou-se na crítica ao
pensamento sistemático, sem atentar no facto de os
argumentos de VIEHWEG - conhecidos, aliás, há
muito - atingirem, tão-só, um certo tipo de sistema:
o axiomático-dedutivo.
A vulgarização da tópico, clara acha na fogueira
do irrealismo metodológico, deve ser combatida em
nome da mais elementar precisão e seriedade de
linguagem.

IV. Não obstante, a jurisprudência problemática,


assente na tópica, veio agitar uma série de sectores

zur interdisziplinaren Diskussion (1981), 57-64 (57); OLOF


EKELOF, Topik und Jura, em Le raisonnement juridique ( 1971 ),
43-62 (43); GERHARD OTTE, Zwanzig Jahre Topik-Diskussion:
Ertrag und Aufgaben, RTh 1 (1970), 183-197 (183); PAN J.
ZEPOS, «Topik» und «Glaubhaftmachung» im Prozcss, FS
Larenz (1973), 289-292 (290); OTTO PbGGELER, Dialektik und
Topik, em Rehabilitierung der praktischen Philosophie, 2 (1974).
291-331 (305); REINHOLD ZIPPELIUS, Das Wesen des Rechts /
Eine Einführung in die Rechtsphilosophie (1978), 192; SAMUEL
STOLJAR, Systeill and Topoi, RTh 12 (1981), 385-393 (385 e
386); KARL ALLGAIER, Toposbewusstsein als literaturwissen-
schaftliche Kategorie, em BREUER / SCHANZE, Topik cit.
(1981), 264-274 (264).
XLIX

elo conhecimento; facultou, assim elementos impor-


tantes para as novas sínteses que se desenham e,
elesignadamente: abriu as portas à retórica jurídica,
à lógica jurídica, a uma nova linha linguística e habi-
litou os juristas com a instrumentação necessária
para agir - ou explicar a sua actuação - perante
lacunas rebeldes a qualquer tipo ele integração siste-
mática ou equivalentes.
A retórica jurídica remonta à Antiguidade. O_ seu
esquecimento perante o assalto jusracionalista não
a fez - não podia fazer - desaparecer; apenas impe-
diu o seu estudo assumido, com claras perdas para
a cientif icidade do discurso jurídico. Apresentada
como ciência de argumentação, ela servina para
fixar as premissas endoxais e~) das quais, depois,

e~) Propõe-se o termo «premissa endoxal» para exprimir


a proposição formada iE ~-1~c,çu1v, ou seja, a proposição assente
em pontos admitidos pelas partes numa discussão, mercê da
autoridade de todos, de quase todos, da maioria ou dos mais
sábios; a premissa endoxal, por dedução silogfstica, conduz ao
discurso dialéctico, no sentido aristotélico, assim se contra-
pondo ao discurso apodíctico, que avança na base de premissas
verdadeiras. Cf. ARISTóTELES, Tópicos, versão bilingue greco-
· francesa, de BRUNSCHWIG (1967), I, 1, 4 (1); a este último
se deve a ideia de introduzir o termo «endoxal» - exacto antó-
nimo ele paradoxal - para prevenir as traduções comuns ine-
xactas de premissas ~: ivor,~11,v, embora não a use, depois, na
verscio francesa dos Tópicos; cf. BRUNSCHWIG cit., XXXV,
nota 1. Quanto a ARISTóTELES, cf. HANS GEORG GADAMER,
Hermeneutik ais theoretische und praktische Aufgabe, RlntPh
11. 127-128 (1979), 239-259 (244 ss.) e JOZEF A. R. KEMPER,
0

Topik in der antiken rhctorischen Techne, em BREUER /


'SCf-1!\NZT::. Topik cit. (1981). 17-32 (23).
L

derivaria a justificação para a solução preconizada


para o problema. A Retórica jurídica teria assim,
para visões tópicas, ainda que atenuadas, do Direito,
um verdadeiro papel de base. A doutrina veio, con-
tudo, enfocar o seu relevo no domínio da justificação,
fundamentação e legitimação das decisões (8º).
A lógica, também antiga, faz, no Direito, uma
aparição renovada. Introduzida pelos estudos pionei-
ros de KLAUS e SCHREIBER (81 ), e amparada na
lógica simbólica desenvolvida por CARNAP (8 2 ) , o qual
aliás foi também pioneiro nas suas aplicações linguísti-
cas (81 ) , a lógica jurídica assentou nos campos aber-

( 80 ) Cf. ROBERT ALEXY, Theorie der juristischen


Argumentation / Die Theorie des rationalen Diskurs ais
Theorie des juristischen Begründung ( 1978), com rec. aprecia-
tiva de HELMUT RüSSMANN, RT/1 10 (1979), 110-120 (120);
SCHEIDER / SCHROTH, Sichtweisen juristischer Entschei-
dung / Argumentation und Legitimation, em KAUFMANN /
/ HASSEMER, Einführung in Rechtsphilosophie und Rechts-
theorie der Gegenwart (1977), 254-272; AULIS AARNIO /
! ROBERT ALEXY / ALEKSANDER PECZENlK, Grundlagen
der juristischen Argumentation, em KRA WIETZ / ALEXY,
Metatheorie juristischer Argumentation (1983), 9-87 (9 ss.);
RITA ZIMMERMANN, Die Relevanz einer herrschenden Mei-
nung für Anwendung, Fortbildung und wissenschaftliche For-
schung des Rechts (1983), 95 ss. e passim; HERMANN 1-JUBA,
Juristische Rhetorik, Jura 1987, 517-521 (517).
( 31 ) ULRICH KLUG, Juristische Logik 1 (1982, mas 1, 1953)
e RUPERT SCHREIBER, Logik des Rechts (1962).
( 82 ) RUDOLF CARNAP, Abriss der Logistik (1929), Sym-
bolisçhe Logik (1960) e Einführung in die symbolische Logik /
/ Mit besonderer Berücksichtigung ihrer Anwendungen (1954).
(83) RUDOLF CARNAP, überwindung der Methaphysik
durch logische Analyse der Sprache (1931 ), em Methaphysik,
LI

tos pela jurisprudência problemática, dando hoje lugar


a uma literatura imensa, cada vez mais especiali-
zada (84 ) . Na postura problemática, a lógica teria um
duplo papel: na fundamentação das premissas endo-
xais, dado o largo poder convincente dos «tópicos
lógicos»; na justificação das soluções obtidas a partir
dessas premissas, numa derivação que se reclama da
lógica absoluta. Mais tarde, porém, a lógica jurídica
foi desenvolvida apenas por si, sem atentar 1-:.esses
domínios aplicativos.
A linguagem, por seu turno, sofreu o duplo
influxo da retórica e da lógica, na linha acima refe-
rida. Trata-se de um desenvolvimento que viria a
confluir na tradição wittgensteiniana da jurisprudên-
cia analítica, num reforço que deixa antever inúmeras
possibilidades futuras.
Finalmente, a jurisprudência problemática revela
todas as suas potencial:dades no domínio das lacunas
rebeldes aos processos sistemáticos de integração -
portanto à analogia e aos princípios gerais: impedido
de denegar justiça, o intérprete-aplicudor terá. de
buscar uma saída razoável que, entD.o, intentará jus-
tificar nos tópicos que encontrar.

publ. GEORG JANOSKA / FRA.NK KAUZ ( UJ77), 50-78,


Bedeutung und Notwendigkeit / Einc Studie zur Scmantik und
modalen Logik ( 1rJ72, versa o alemã ele Meaning and Necessity,
1967) e Logischc Syntax der Sprache 2 (19GB).
(~ 1 ) Sobre a l<ígica no Direito, cf. OTA WEINBERGER,
Logische Analysc in der Jurisprudcnz ( 1979), 27 ss. e passim.
UI

V. Como foi referido e vem, depois, explicado


detidamente por CANARIS, o pensamento jurídico
não é, puramente, um pensamento tópico ou proble-
mático. A apreciação que agora importa fazer põe-se,
contudo, noutras latitudes.
A jurisprudência analítica é, de algum modo, o
produto do positivismo dos princípios do século XX.
Paralelamente, pode considerar-se a jurisprudência
problemática como o resultado do evoluir do for-
malismo.
As linhas de evolução que, originadas na tópica
viehwegiana, têm vindo a animar toda a literatura
da argumentação jurídica e da lógica jurídica são,
assumidamente, linhas formais. A bondade ou a con-
veniência das soluções a que conduzam são-lhes indi-
ferentes; tudo assenta na pureza da derivação 0u da
justificação apresentadas. Acresce ainda que a lite-
ratura relativa à argumentação e à lógica tem vindo
a assumir um grau de hermetismo que a torna, em
absoluto, inacessível · aos não-iniciados. Não há,
sequer, a pretensão de, por uma forma ou outra,
interferir no apontar das soluções concretas. Estes
aspectos, em conjunto com a já referida vulgarização
da referência a «topai» fazem da jurisprudência pro-
blemática um dos grandes pilares do irrealismo meto-
dológico.
Mas como qualquer ideia humana, a jurisprudên-
cia problemática contribui, também, para as novas
sínteses metodológicas.
Lili

7. As sínteses hermêuticas

1. No domínio das perspectivas metodológicas da


actualidade, cabe ainda fazer referência ao pensa-
mento ontológico que, com raízes em HEGEL, e de
HEIDEGGER a GADAMER, está na base das sínteses
hermenêuticas hoje em curso. Tais sínteses derivam,
também, do encontro desse pensamento onto1ógico
continental com as jurisprudências analítica e pro-
blemática, bem como com a preocupação, finalmente
assumida, de superar o irrealismo metodológico.
O pensamento jurídico é um pensamento objec-
tivo - ou não é científico ( 85 ). A vontade livre pau-
tada pelo Direito deriva a sua natureza apenas no
quadro do Estado juridicamente organizado (ª';) ou,
se se quiser, no âmbito de um Direito pré-dado.
Aberto ao exterior, o Homem apreende o Direito
cuja existência reside na sua regular concretiza-

( 85 ) WERNER KRA WIETZ, Recht und Rationalitat in der


modernen Systemtheorie, GS Tammelo (1984), 723-739 (724),
fala da objectivação como um processo de racionalização.
(Su) Cf. MICHAEL W. FISCHER, Soziologische Geltung?
Ober Hegels Beitrag zur Soziologisierung des Wirklichkeitsver-
standnisses, em V ARGA / WEINBERGER, Rechtsgeltung, ARSP
Bl-I 27 (1986), 24-36, R. DE GIORGI, Abstraktion versus Insti-
tution? Phanomenologie und Geltungsgrund des Rechts in der
Frühphilosophie des jungen Hegels, FS Troller 80. (1987),
95-105 (95 ss.) e JOSÉ LAMEGO, Hermenêutica e jurisprudên-
cia / I - Hermenêutica e motivos hermenêuticos na jurispru-
dência de valoração e na Filosofia do Direito analítica (polic.,
1987), 42 ss ..
LIV

ção (º'). A hermenêutica adapta, a esta luz, o papel


de motor do processo jurídico: ela é pressuposta,
sempre, por qualquer discussão. A linguagem assume,
assim, um papel constituinte mais profundo. A apreen-
são hermenêutica da realidade - para o caso, da
realidade jurídica - só é possível porque o sujeito
cognoscente conhece de antemão a linguagem em
jogo e o alcance da instrumentação nela usada (ªª).
Ha, pois, todo um conjunto de pré-estruturas do
saber, a que se poderá chamar o pré-entendimento
das matérias.
Esta perspectiva, em si simples, põe em crise
todos os modelos f armais de discurso jurídico (ªª) ;
não há, apenas, um entendimento da matéria: esta
é o entendimento Cº), confundindo-se com a lingua-
gem que o suporta.

M1\RTIN 1-/EIDEGGER, Sein und


(" 7 ) Zeit (1927),
~ 13 =
Gcsamtausi::ahc, :.?.·· \'ol. (1964), 80 ss. e Brief über den
Hurnanismus (/.')-/.')) = WL'gmarkcn (1967), 145-194 (149 ss.);
cf. FECHNER, Rcchtsphilosophie ~ cit., 230 e OTTO PôGGELER,
Heidegger un die hermcneutische Philosophie (1983), 171 ss ..
(''') IIANS-GEORG GADAMER, Wahrheit und Methode 4
( 1975), 250 ss.; cf., também de GADAMER, Mensch und Spra-
che (1 nGG) = Gesammelte Werke, 2.º vol. (1986), 146-154.
(''') Recordem-se as críticas de HEGEL às concepções
f armais de Direito natural; cf. G. PAULUS, Die juristische
f-ragcstcllung des Naturrechts cit., 14 ss ..
('1") 1/ASSAN GIVSAN, Der verweigerte Dialog / Notizen
zur Lcitfragc des Symposions: «Worauf kann man sich noch
berufcn», ARSP BI-l SP BH 29 (1987), 9-18 (9): «O título her-
menêutico m,o está primordialmente para a arte da interpre-
taçiio ou o método do entendimento, mas deve antes· mostrar
a metafísica do ser e da tradição que lhe subjazem (e a pala-
LV

II. Surge, assim, a ideia de círculo do entendi-


mento C1) transposta para a hermenêutica jurídica
por FRIEDRICH MOLLER C'i) e JOSEF ESSER (93 )
e, mais tarde, por uma série ele outros Autores, com
relevo para KARL LARENZ C' 1) (º''). Explica essa
construção que, no Direito, hú uma particular relação
entre o problema e a resposta; na busca desta, recor-
re-se a normas que se tornam inteligíveis por utili-

vra metafísica é utilizada apesar de Heidegger)». Cf. POGGE-


LER, Heidegger und die hermeneutische Philosophie cit., 247 ss.
e KEN TAKESHITA, Von der Normativen zur Ontologischen
Auffassung des Rechts, ARSP BH 30 (1987), 167-176 (175 ss.).
(D 1) Cf. HANS-GEORG GADAMER, Vom Zirkel des
Verstehens (1959) = Gesammelte Werke, 2.º vol. (1986), 57-65.
( 92 ) FRIEDRICH MüLLER, Normstruktur und Normati-
vitat / Zum Verhaltnis von Recht und der juristischen Henne-
neutik, entwickelt an Fragen der Verfassungsinterpretation
(1966), 50 e, por último, em Strukturierende Rechtslehre
(1984), 47 ss ..
(D 1) JOSEF ESSER, Vorverstandnis urid Methodenwahl
in der Rechtsfindung / Rationalitatsgrundlage richterlicher
Entscheidungspraxis 2 ( 1972), 137 ss.; sobre esse escrito, cf.
HANS-JOACHIM KOCH, Zur Rationalitat richterlichen Ent-
scheidens, RTh 4 (1973), 183-206 (197-198); uma adopção da
ideia pode ser vista em PA WLOWSKI, Zum sog. Verfol-
gungsrecht cit., 200 ss ..
( 9 ·1 ) KARL LARENZ, Methodenlehre 5 cit., 199 ss.; cf.
MONIKA FROMMEL, Die Rezeption der Hermeneutik bei Karl
Larenz und Josef Esser (J 981 ), 1 ss., 12 ss., 44 ss., 55 ss. e
passim.-
(95) P .. ex. JOACHIM HRUSCHKA, Das Verstehen von
Rechtstexten ( 1972), 43; HORST ZINKE, Die Erkenntniswert
politischer Argumente cit., 109 ss.; HASSEMER, Juristische
Hermeneutik cit., 207 ss. (210).
LVI

zarem uma linguagem e uma conceitologia pré-


-conhecidas pelo intérprete-aplicador; essas mesmas
normas são procuradas pelo pré-julgamento sobre a
ordenação e a própria solução que, para o problema,
o mesmo intérprete-aplicador tenha visualizado, num
momento prévio. Surge, assim, a imagem do círculo
ou espiral hermenêutica: perante um problema, o
intérprete-aplicador terá de efectuar tantas idas e
vindas entre o pré-entendimento e o entendimento
em si quantas as necessárias para a sua integração.
Este poentar gnoseológico - tal como gnoseoló-
gica é a relação entre o Direito e a realidade ( 9G) -
abre, desde logo, perspectivas completamente diver-
sas à estruturação do discurso jurídico: o pré-enten-
dimento das questões opera em modelos concretos de
problemas; a espiral hermenêutica desenvolve-se entre
questões e pré-questões, soluções e pré.,soluções,
tudo em termos gerais-concretos. A hipótese histó-
rica de quebra da insolubilidade da relação entre o
conceito abstracto e o caso real ganha consistência.
Deve ainda ter-se presente que, na própria lição
gadameriana, o relevo do pré-entendimento permite
explicar o peso da tradição (º;), cujo papel, sempre
relevante, não era, antes, assumido. E no Direito,
entende-se, a essa luz, o relevo da experiência pro-

(DG) Cf. HANS VON GLEICHENSTEIN, Die Allgemeinheit


des Rechts / Zum fragwürdigen Gerechtigkeitspathos sozial-
staatlíchen Rechtsreformen (1979), 14.
( 97 ) GADAMER, Wahrheit und Methode 1 cit., 256 ss.
e 261 ss ..
LVII

iissional elo intérprete-aplicador, 110 domínio, por


exemplo, da aplicação jurisprudencial (9").

III. Nas sínteses hermenêuticas dos nossos dias,


tiveram ainda peso várias directrizes derivadas da
panorâmica geral metodológica do final do século e,
ainda, múltiplas indicações dadas pelas acima deno-
minadas jurisprudências analítica e problemática.
Assim, cabe referir a integração de ramos do
saber, os quais não devem ser deformados no seu
conteúdo pelas limitações humanas que obrigam a
um cultivar separado das diversas disciplinas. Desde
logo se recordam as relações mutuamente enriquece-
doras entre a Hermenêutica e o Direito ( 99 ), incluindo
a dogmática (1° 0 ) , entre a própria Hermenêutica, a
Lógica e a Semântica (1° 1 ) , e, naturalmente, a Filoso-
fia da linguagem (1°~). Depois, aviva-se o rela-

( 9 S) LARENZ, Methodenlehre 3 cit., 202 ss ..


( 99) Cf. HASSMER, Juristische Hermeneutik cit., 195.
('ºº) FRIEDRICH MVLLER, Strukturierende Rechtslehre
cit., 381 ss .. A própria dogmática comporta uma Ciência e
uma Técnica, em termos abaixo examinados - cf. AULIS
AARNIO, Denkweisen der Rechtswissenschaft (1979), 33 ss. -
ou, como quer ALEKSANDER PECZENIK, Grundlagen der
juristischen Argumentation (1983), 153 ss., no que parece
representar uma superação das categorias analíticas, um misto
de teorias descritivas e doutrinas valorativas.
( 101 ) Cf. CHRISTIANE und OTA WEINBERGER, Logik,
Semantik, Hermeneutik (1979) e Ota Weinberger, Logische
Analyse in der Jurisprudenz (1979), 27 ss, e 127 ss ..
( 102 ) PETER SCHIFFAUER, Wortbedeutung und Rechtser-
lcenntnis / Entwickelt an Hand einer Studie zum Verhaltnis von
verfassungskonformer Auslegung und Analogie (1979), 71 ss ..
LVIII

cionamento entre o Direito, o poder e a estruluru


social (1°:1) , agora também no sentido enriquecido de
o próprio caso concreto ser parte do mundo vivo (' 111 ) .
Os valores fundamentais, designadamente na sua for-
mulação constitucional, conquistam uma dimensão de
efectiva capacidade de decisão (1°G).
Os próprios níveis adjectivos e instrumentais assu-
mem uma dimensão substantiva, devendo ser consi-
derados no todo.

IV. Aspecto promissor das sínteses em curso


prende-se com os níveis legitimadores do; discurso.
Seja num prisma sociológico (1ºº), seja por pura via

º
( 1 3) L. FRIEDMANN, Das Rechtssystem im Blickfeld der
Sozialwissenschaften cit., 179 ss. e ERNST E. HIRSCI-1,
Rechtssoziologie für Juristen / Eine Aufsatzsammlung ( 1984),
86 ss ..
( 1 º4 ) JAN SCf-IAPP, Hauptprobleme der juristischen Metho-
denlehre cit., 15, NIKLAS LUHMANN, Die Lebenswelt - nach
Rücksprache mit Phanomenologen, ARSP LXXII (1986) 176-194
(176 ss.), E. HIRSCH, Rechtssoziologie für Juristen cit., 127 ss.
e ROBERT WEIMAR, Rechtswissenschaft ais Weltbild, FG
Troller ( 1987), 351-368 (356 ss.).
( 105 ) PETER SCHIFFAUER, Wortbedeutung und Rechtser-
kenntnis cit., 28 ss., e 41 ss., RITA ZIMMERMANN, Die Rele-
vanz einer herrschenden Meinung cit., 106 ss., FRIEDRICI-I
MüLLER, Strukturierende Rechtslehre cit., 184 ss., ERHARD
MOCK, Rechtsgeltung, Legitimation und Legitimitat im demo-
kratischen Verfassungsstaat, ARSP BH 27 (1986), 51-58 e
ROBERT ALEXY, Rechtssystem und pratische Vernunft, RTh
18 (1987), 405-419.
( 106 ) Cf. NIKLAS LUHMANN, Legitimation durch Ver-
fahren 2 (1975), 30 ss .. As críticas a LUHMANN - cf. ESSER,
LIX

hermenêutica (1°·), verifica-se que uma determinada


solução vale, para além do seu conteúdo e apesar
dele, por surgir através da entidade competente ou
mediante um processo a tanto adequado (1° 8) . Esta
validação processual das decisões jurídicas surge inte-
grada no todo hermenêutico: apenas por razões de
cmálise científica pode, dele, ser desinserida.

Vorverstandnis 2 cit., 207, R. ZIPPELIUS, Legitimation durch


Verfahren?, FS Larenz 70. (1973), 293-304 (302 ss.) e J. LLOM-
P ART, Gerechtigkeit und geschichtliches Rechtsprinzip, ARSP
67 (1981), 39-60 (50-51) - cifram-se mais no extremismo da
sua leitura ( apenas o processo legitimaria e a legitimação seria
condição suficiente de validade) do que na sua inexactidão:
afinal, na complexidade das sociedades actuais, apenas na
base da legitimação processual é possível decidir em grande
escala, enquanto a autoridade argumentativa pesa decisiva-
mente nas estruturas da racionalidade jurídica - cf. NOR-
BERT HORN, Rationalitat und Autoritat in der juristischen
Argumeritation, RTh 6 (1975), 145-160 (150 ss.).
( 1 º•) ROBERT ALEXY, Die Idee einer . prozeduralen
Theorie der juristischen Argumentation, em AULIS AARNIO /
/ ILKKA NIINILUOTO ! JURKI UUSITALO, Methodologie
und Erkenntnistheorie der juristischen Argumentation, RTh
BH 2 (1981), 177-188 (178): a verdade surge enquanto tal como
produto de um discurso racional; G()NTHER STAHLMANN,
Zur Theorie des Zivilprozessrechts / Von der Legitimation
durch Erkenntnis zur Legitimation durch Verfahren (1979);
DE GIORGI, Wahrheit und Legitimation im Recht cit., 233 ss.;
SCHREIDER .1 SCHROTH, Sichtweisen juristischer Entschei-
dung / Argumentation und Legitimation, em KAUFMANN /
! HASSEMER, Einführung in Rechtsphilosophie cit., (1977),
254-272.
( 1 º8 ) Cf. HERMANN HUBA, Juristische Rhetorik, Jura
1987, 517-521 (517 ss.).
LX

A legitimidade do discurso hermenêutico opera


pelo consenso das soluções em que se corporiza (1º~).
Mais do que um dado sociológico ou político (1: 0 ) ou
do que uma hipótese racional ou razoável de elabora-
ção justeorética (rn), o apelo ao consenso permite
aferir a bondade das soluções através da sua con-
fluência no sistema donde promanem.

º Cf. ROLAND DUBISCHAR, Einführung in die Rechts-


( 1 9)
theorie (1983), 70 ss., JOSEF ESSER, Vorverstandnis 2 cit.,
13 e Juristisches Argumentieren im Wandel des Rechtsfin-
dungskonzepts unseres Jahrhunderts (1979), 10 e 15 e OTA
WEINBERGER, Logische Analyse ais Basis der juristischen
Argumentation, em KRA WIETZ / ALEXY, Metatheorie juris-
tischer Argumentation (1983), 159 -232 (212), Dic Rolle des
Konsenses in der Wissenschaft, im Recht und in der Politik,
em AARNIO / NIINILUOTO / UUSITALO, Methodologie und
Erkenntnistheorie der juristischen Argumentation, RTh BH 2
(1981), 147-165 (148 ss.) e Analytische-Dialektische Gerech-
tigkeitstheorie / Skizze einer handlungstheoretischen und
non-kognitivischen Gerechtigkeitslehre, em TAMMELO / AAR-
NIO, Zum Fortschritt von Theorie und Technik in Recht und
Ethik, RTh BH 3 (1981), 307-330 (327 ss.).
( 110 ) ALFRED BüLLESBACH, Systemtheoretische Ansatze
und ihre Kritik, em KAUFMANN / HASSEMER, Einführung
in Rechtsphilosophie und Rechtstheorie der Gegenwart (1977),
235-253 (236 ss.), DUBISCHAR, Einführung in die Rechtstheoric
cit., 79 ss. e ULRICH STEINVORTH, über die Rolle von
Vertrag und Konsens in der politischen Theorie, ARSP LXXII
(19_86), 21-31.
MICHAELA STRASSER, Notwendigkeit eir.es Gerich-
( 111 )

tigkeitsbegriffes in einer Gesellschaftsvertragstheorie, RTh


BH 3 cit. (1981), 281-291, PETER KOLLER, Theorien des
Sozialkontrakts als Rechtsfertigungsmodelle politische,· Insti-
tutionen, FG Weinberger (1984), 241-275 (243), HANS-JüRGEN
LXI

Chega-se, com isto, à necessidade de um discurso


sistemático renovado que, do Direito, ponha a tónica
110 inter-relacionar das regras com os factos ( 112 ) .

8. Cultura e Ciência da decisão

I. As perspectivas metodológicas da actualidade


podem, no rescaldo das considerações acima tecidas,
ser sintetizadas em duas ideias fundamentais: a natu-
reza cultural do Direito e a necessidade de dotar as
decisões jurídicas de uma estruturação científica.
A natureza cultural do Direito, herança irrepudiá-
vel da escola histórica, coloca a ordem jurídica na
categoria das criações humanas, configuradas por
evolução paulatina e por uma complexidade causal
que as torna imprevisíveis e insubumíveis em mode-
los rígidos de lógica formal. Nesta. dimensão, o
Direito é um fenómeno pré-dado: o jurista deve
apreendê-lo, do exterior, tal como ele se encontra,
de acordo com coordenadas históricas e geográficas.
A fenomenologia jurídica não se esgota, porém,
no f actor de irracionalidade que a sua natureza cul-

KCHN, Soziale Gerechtigkeit ais moralphilosophische Forde-


rung / Zur Theorie der Gerechtigkeit von John Rawls (1984),
13 ss. e JAN M. BROEKMAN, Zur Ontologie des juristischen
Sprechakts, FG Troller (1987), 231-242 (231 ss.).
( 112 ) Refira-se, desde já, a nova construção de ARTHUR
KA UFMANN, Vorüberlegungen zu einer juristischen Logik,
und Ontologie der Relationen, RTh 17 (1986), 257-276 (265 e
273), que põe, justamente, o Direito, não na norma nem no
caso, mas 11a sua relação.
LXII

tural necessariamente postula: ela assenta em deci-


sões que se querem previsíveis e que devem variar
de acordo com uma certa adequação, em função do
princípio tratar o igual de modo igual e o dif erentr?.
de forma diferente, de acordo com a medida da dife-
rença. Ou seja: a decisão deve obedecer a regras;
estrutura-se, pois, cientificamente.

II. A natureza cultural do Direito e a estrutura-


ção científica das suas decisões apresentam-se, assim,
como os dois pólos de uma realidade destrinçada
apenas pelas necessidades de estudo. A permanente
tensão existente nessa realidade, entre um conjunto
de elementos pré~dados, que o intérprete aplicador
intenta conhecer e as necessidades de soluções cien-
tificamente elaboradas é, no entanto, bem conhecida
pelos juristas.
O problema a enfrentar reside, pois, na busca de
esquemas que permitam lidar com os dois pólos em
causa da realidade jurídica. A teoria evolutiva dos
sistemas e os esquemas da realização do Direito apre-
sentam-se como respostas a essa questão.
Ili -A TEORIA EVOLUTIVA DOS SISTEMAS

9. A ideia de sistema como base do discurso


científico

I. A existência do Direito assenta numa série


de fenómenos que se concretizam com regulari-
dade ( 113 ) . Sem essa regularidade, o Direito não teria
qualquer consistência, ideal ou real: ininteligível,
imperceptível e ineficaz, ele deveria ser afastado das
categorias existentes.
Em termos esquemáticos, pode considerar-se que,
mediante bitolas eleitas em cada cultura jurídica, o
Direito tende para tratar o igual de modo igual e o
diferente de modo diferente, de acordo com a medida
ela diferença. De outro modo, os diversos problemas
concretos seriam resolvidos ao acaso, surgindo como
expressão do puro arbítrio. Noutros termos: por pri-
mitiva que seja a sociedade onde a questão se ponha,
só pode falar-se em Direito quando os confrontos de
interesses mereçam saídas previsíveis, diferenciadas
em função do que se entenda ser relevante.

( 113 ) Cf. FECHNER, Rechtsphilosophie 2 cit., 230.


LXIV

Os fenómenos jurídicos implicam relações estáveis


entre si; essas relações facultam um conjunto de
estruturas que permitem a consistência ontológica
do conjunto. Seja qual for o labor teórico que sobre
ele incida, o Direito, ainda que relativizado segundo
coordenadas históricas e geográficas, pressupõe como
que uma concatenação imanente.
Impõe-se, desde logo, uma primeira ideia clt!- sis-
tema: o Direito assenta em relações estáveis, firma-
das entre fenómenos que se repetem, seja qual for· a
consciência que, disso, haja.

II. A ideia de sistema em Direito provoca dúvi-


das e discussões. Como hipótese de trabalho - e tal
como faz CANARIS - é, em regra, utilizada a noção
de KANT: sistema é a unidade, sob uma ideia, de
conhecimentos diversos ou, se se quiser, a ordenação
de várias realidades em função de pontos de vista
unitários (1 11 ) .
Esta ideia pode ser aplicada às relações estáveis
que são o Direito. A repetição, a medida ou a própria
estabilidade são~no porquanto informam os pontos de
vista unitários da fórmula .kantiana. Assim se obtém
o sistema interno, equivalente à lógica mínima que
permite destrinçar o Direito do arbítrio puro.
A esta luz, o sistema existe, quer dele se tenha,
quer não, uma específica consciência.

( 114 )Além do próprio CANARIS, cf. FRANZ-JOSEPH


PEINE, Das Recht als System (1983), 32 e LARENZ, Metho-
denlehre " cit., 420 ss ..
LXV

III. O papel cio sistema no Direito vai, porém,


bem mais longe. Enquanto realidade cultural, o
Direito deve ser conhecido, para ter aplicação.
A aprendizagem dos fenómenos jurídicos torna-se,
assim, indispensável.
Tal aprendizagem pode, em teoria, processar-se
por via empírica. As diversas situações relevantes
são ministradas, caso a caso, aos sujeitos, funcio-
nando, depois, em todas as conjunções similares.
Pode-se, então, dizer que o Direito, embora dotado
necessariamente do seu sistema interno, segue vias
assistemáticas de reprodução. Uma segunda posição
é, no entanto, viável e, porventura, mesmo preferível,
a partir de certo estádio de evolução histórica: a da
sistematização na aprendizagem ou na comunicação.
Ou seja, na exteriorização do Direito, não se recorre
já a uma técnica empírica ou puramente casuística:
os estudiosos antes procuram fórmulas redutoras que
permitam exprimir grandes categorias de casos, atra-
vés da pesquisa e da ordenação do que, neles, haja
de regular, de comum ou de diferente, em função da
diferença. Por oposição ao interno, este sistema de
comunicação e df' aprendizagem recebe o nome de
sistema externo(''"·).

IV. A ideia de sistema é, assim, a base de qual-


r,uer discurso científico, em Direito. A seu favor
depõem qspectos como os da necessidade de um

i"'') Cf. PJ-//UPP HECK. Begriffsbildung cit., 142-143.


LXVI

mínimo de racionalidade na dogmática (1 1 u), 0 da


identificação das instituições com sistemas de acções
e de interacções (1n) ou do próprio Direito como um
sistema de comunicações (1 18 ) , o do apoio sociológico
da estruturação jurídica (1 19 ) , o do tipo de pensamento
dos juristas (1 2 º), etc.. Mas depõem, sobretudo, as
considerações muito simples, acima efectuadas, sobre
a própria existência do Direito e sobre a necessidade
de, na sua comunicação, utilizar uma linguagem inte-
ligível e redutora, sob pena de inabarcável complexi-
dade. Ou seja: há um sistema interno e deve haver um
externo.

( 11 n) WERNER KRA WIETZ, Rechtssystem und Rationa-


litat in der juristischen Dogmatik, em AARNIO / NIINI-
LUOTO I UUSIT ALO, Methodologie und Erkenntnistheorie der
juristischen Argumentation, RTh BH 2 (1981), 299-335 (318 e
327) e Recht und Rationalitat cit., 737 ss ..
( 117 ) OTA WEINBERGER, Ontologie, Hermeneutik und
der Begriff des geltenden Rechts, ARSP BH 27 (1986), 109-126
(115 ss.). A ideia remonta, sabidamente, a TALCOTT PAR-
SONS; cf., deste, The social system (1964) e Social systems
and the evolution of action theory (1977), entre outros escritos,
bem como REINHARD DAMM, Systemtheorie und Recht / Zur
N ormentheorie Talcott Parsons (1976), 50 is ..
( 11 R) NIKLAS LUHMANN, Die Codierung des Rechtssys-
tems, RTh 17 (1986), 171-203 (178).
( 11 ª) ALFRED BüLLESBACH, Systemtheoretische Ansatze
und ihre Kritik, em KAUFMANN ! HASSEMER, Einführung
in Rechtsphilosophie und Rechtstheorie der Gegenwart (1979),
235-253 (236 ss), que, no entanto, formula críticas ao pensa-
mento sistemático.
c12°) AULIS AARNIO, Denweisen der Rechtswissenschaft
cit., 50 ss ..
LXVII

V. A contraposição entre o sistema interno e o


externo deve-se a HECK e é um conhecido arrimo
positivista. Ela permitia, na verdade, concluir pela
irrelevância do segundo, que ficaria na disponibiii-
dade do estudioso, afastando, desse modo, toda uma
série de elementos do jus positurn.
Há, hoje, elementos sobejos para se saber qu.3 não
é assim: a contraposição entre os sistemas interno e
externo deve ser superada.
O Direito pressupõe, na verdade, uma repetição
de fenómenos normativos, enquanto acontecimentos
dotados de dimensão social, independentes, em certos
estádios evolutivos, da própria consciência gnoseoló-
gica que, deles, exista.
A objectivação assim permitida não pode, 110
entanto, fazer esquecer que o Direito é sempre um
fenómeno cultural. A sua existência depende da cria-
ção humana e a sua estruturação advém da adopção
pelos elementos que compõem uma sociedade, de
certas bitolas de comportamento.
O Direito - qualquer Direito - depende de uma
aprendizagem, sofrida pelos membros da comunidade
jurídica; tal como a própria Moral, há sempre um
ministrar de códigos de conduta, do qual depe11de a
subsistência e a reprodução dos dados norma-
tivos (1 21 ).
Numa sociedade primitiva, de estruturação nor-
mativa simplificada, essa aprendizagem poderia ser
ministrada de modo empírico, isto é, fazendo corres-

(121) Cf. supra nota 54.


LXVIII

ponder, em termos descritivos, às situações típicas


da vida, determinadas consequências jurídicas. Atin-
gido, porém, um determinado patamar de desenvolvi-
mento social, a aprendizagem requer reduções dogmá-
ticas, isto é, generalizações simplificadas que facultem
a transmissão de conhecimentos crescentemente
complexos. O fenómeno é perceptível, com clareza,
no próprio Direito romano. O sistema externo, antes
dispensável, adquire, em tais condições, um ,-elevo
crescente: só o seu manuseamento permite conhecer
as conexões materiais internas' do Direito. E deve-se
ter presente que tais conexões, a serem desconheci-
das, não integram a cultura nem são Direito.

VI. O sistema externo torna-se necesscirio e


imprescindível. E quando isso suceda, ele vai bulir,
de modo fatal e compreensível, com o próprio sis-
tema interno. O universo das ,-ealidades jurídicas, nas
suas previsões e nas suas consequências é, pela natu-
reza cultural, logo espiritual ou imaterial, do Direito,
um conjunto de possibilidades linguisticamente des-
critas, relativizadas mesmo à própria linguagem uti-
lizada (l 22 ) . As cadeias linguísticas - mesmo quando
não passem por estruturas materiais - vêm, afinal,
a consubstanciar as conexões propriamente jurídicas:
estas dependem daquelas, no seu conhecimento como
na sua própria anticidade.

(122) Cf. H. W. ERDTMANN, Eine eigenstândige


Rechtssprache, RTh 9 (1978), 177-200 (179) e JAN BROEK-
MAN, Juristischer Diskurs und Rechtstheorie, RTh II ( 1980),
17-46 ( I 7), bem como a bibliografia referida supra, n.° 5, m.
LXIX

A ordenação exterior, imprimida à realidade jurí-


dica com puras preocupações de estudo e aprendi-
zagem, vai moldar, e!11 maior ou menor grau, seja as
próprias proposições jurídicas, seja o pensamento
geral de que vai depender a sua concretização
ulterior.
Mas se o sistema externo interfere no interno, o
inverso não é menos verdadeiro.
À partida, o sistema externo visa comunicar o
interno, tornando-o acessível ao estudo e à aprendi-
zagem. Ele nasce, pois, com uma preocupação de
fidedignidade. As alterações evolutivas das conexões
jurídicas materiais projectam-se nas exteriorizações
do Direito, interferindo nelas de modo mais ou menos
imediato.

VII. A concepção positivista da contraposição


entre os sistemas interno e externo deve ser supe-
rada, através da sua síntese. Definitivamente inter-
ligadas, a lógica imanente do Direito e as proposi-
ções externas necessárias ao seu estudo e à sua
aprendizagem constituem um todo que só em abor-
dagens analíticas pode ser dissociado.
Por isso, quando se fala em sistema, no Direito,
tem-se em mente uma ordenação de realidades jurí-
dicas, tomadas nas suas conexões imanentes e nas
siias fórmulas de exteriorização.
Por isso, também, pode antever-se o relevo pro-
fundo que a arrumação imprimida, pelo legislador,
aos seus diplomas, assume em sede de soluções
j11 rídico-materiais.
LXX

VIII. As críticas movidas, desde o segundo


JHERING, ao pensamento conceptual, atingiram com
gravidade a própria ideia de sistema e o pensamento
sistemático. Num fenómeno que CANARIS explica e
documenta com exaustão, foram atingidos, de então
para cá, os fundamentos do pensamento científico
;urídico, na base de puras confusões linguísticas: o
sistema não é, necessariamente, axiomático, fechado,
completo e dedutivo, antes comportando todas as
operações que a moderna doutrina tem vindo a isolar.
O pensamento sistemático em jogo é, em termos
claros, muito diferente do inicial.
A rejeição do sistema surge como o coroar do
irrealismo metodológico: na sua falta, as fontes tor-
nam-se não-manuseáveis e as decisões irredutíveis,
inexplicáveis e incontroláveis.
Os progressos hermenêuticos alcançados, com
relevo para a substantivação da linguagem, permitem,
em definitivo, colocar a ideia de sistema na base do
discurso científico.

1O. A evolução do direito e a sucessão de modelos


sistemáticos; os modelos periférico, central e
integrado

O Direito teve, desde sempre, o seu sistema


1.
interno. O externo, porém, só se tornou possível
quando a Ciência do Direito atingiu um determinado
nível de desenvolvimento.
LXXI

A situação pode ser testada com clareza nas


grandes compilações do Direito romano, em parti-
cular no Digesto. As soluções aí reunidas tinham uma
lógica imanente: procurnndo tratar o igual de modo
igual e o diferente de modo diferente, de acordo com
a medida da diferença, elas atingiram uma adequação
formal que assegura a actualidade, de muitas delas
até aos nossos dias. A arrumação exterior dessas
soluções era, contudo, pré-sistemática: obedecendo
aos acasos da História ou a puros juízos de oµortu.-
nidade empírica, os fragmentos do Digesto, mesmo
quando reportados aos mesmos temas, dispersam-se
pelos seus cinquenta livros.
O Direito privado continental resulta de três
recepções sucessivas do Direito romano: a recepção
das universidades medievais, a partir de Bolonha, a
recepção humanista, com tónica em França, no
século XVI e a recepção pandectística, na Alemanha
do século XIX.
Na recepção verifica-se que uma comunidade,
independente de qualquer dominação política, econó-
mica ou social, adapta elementos jurídicos significa-
tivos próprios de outra, presente ou passada. Trata-se
de um fenómeno cultural, incompreensível perante
esquemas simplistas de dominantes ou determinantes
económicas (1 23 ) . Uma transposição pura e simples de

( 1 23)Assim: a recepção tem sido ligada à ascensão da


burguesia; mas ela faltou onde a burguesia tinha maior pujança,
e apesar de toda~ as condições universitárias serem favoráveis:
em Inglaterra; ela tem sido associada à centralização monár-
LXXII

Direito, subjacente às ideias clássicas de recepçí."'"IO C":).


releva de um conceptualismo positivista que, do
Direito, ofereça uma ideia de normas objectivadas. Ora
o Direito é um modo social de existência, patente nos
comportamentos de cada pessoa e na sua legitimação.
A essência da recepção é outra: ela repousa numa
difusão cultural de certos elementos ou, se se quiser,
na aprendizagem de uma determinada Ciência (1"').

quica; mas atingiu o máximo onde tal centralizaçcio wio ocor-


reu: na Alemanha; ela surge. conectac!a à ideia política do
Império; mas operou em áreas onde tal ideia sempre foi
repudiada, como na Península. Em compensação, parece cla;a
a sua ligação à igreja; mas nuo por razões religiosas, já que
o Direito romano é laico: joga o poder cultural da Igreja.
( 121 ) Cf., p. ex., HERMANN CONRAD, Deutsche
Rechtsgcschichte, II 1 ( 19GG), 339.
( 12 õ) Este entendimer.to da recepçcio, funclnmentcl para
tornar compreensível a actual configuração elo Direito Civil
português - pense-se, por exemplo, na recepçcio do Direito
alemão em Portugal, a partir de 1900 - deve-se, em particular,
a FRANZ WIEACKER, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit"
(1967), § 7." (124 ss.) = trad. port:.ig:wsa (1981), 129 ss., 134 ss.,
250 e 272. Em certas zonas, seria possível destrinçar uma
recepção teórica e uma recepção prática - cf. GERHARD
WESENBERG ! GüNTER WESENER, Neuere deutsche Privat-
rechtsgeschichte im Rahmen der europaischen Rechtsentwick-
lung (1976), 76: a primeira exprimiria um acto fornwl ele
recepção, que determinaria, iure imperii, uma adopção jurídica;
a segunda, pelo contrário, correspo:-!.deria a uma efectiva assun-
ção de certo Direito, por uma comunidade jurídica. Ora apenas
esta última releva, .,endo certo que a primeira, quando ocorra,
mais não visa elo que dar a um fenómeno cultural já veriíi-
cado - cf. HANS PLANJTZ / AUGUST ECKHART, Deutsche
Rechtsgeschichte (1961), 133 e PETER BENDER, Die Rezeption
LXXIII

Uma Ciência é a obra dos seus cultores. O Direito


não constitui excepção. A recepção prende-se, pois,
sempre com o nível de aprendizagem dos juristas (1 1G).
Há largos séculos que a Ciência do Direito tem uma
prerrogativa única: é concretizada e aplicada, pratica-
mente, apenas por especialistas formados em univer-
sidades.
Tudo isto permite entender como, nas recepções
sucessivas, sob um aparente imobilismo dos textos
rnmanos, o Direito ia sendo modificado com recurso
eis alterações introduzidas no sistema externo.
A teoria evolutiva dos sistemas pretende explicar
o progresso do Direito civil continental na base de
uma sucessão de modelos sistemáticos externos.
O re!cvo do pensamento sistemático pode, assim, ser
testado, revelando as suas dimensões.

c'.c'.; romischcn Rechts im Urteil der deutschen Rechtswissenschaft


( I 979), 29-embora, naturalmente, o venha reforçar-HERMANN
KR!\USE, Kaiserrecht und Rezcption (1952), 86 e HEINRICH
MITTE/S / 1-/ElNZ LlEBERlCH, Deutsche Rechtsgeschichte 10
(/ 981 ). 296. A concepçüo de WIEACKER está hoje consagrada;
cf. H. SCHLOSSER, Grundzüge der neueren Privatrechtsge-
schichtc : ( I 979), 3-4. No mesmo sentido e independentemente
ele WIEACKER, vide MARTIM DE ALBUQUERQUE I RUY
DE ALBUQUERQUE, História do Direito Português I cit.,
278 ss., especialmente, 28I ss ..
(1 ~';) Além cios automs e obras cit. na nota anterior, cf.
I-!ELMUT COJNG, Die Rezeption des romischen Rechts in
frankfurt am Main / Ein Beitrag zur Rezeptionsgeschichte
(1939). 152 e Romisches Recht in Deutschland, IRMAE. V, 6
( l.'lG-1), § .'I. 12 e 26 (36 ss. e 86 ss.).
LXXIV

II. A Ciência Jurídica europeia nasceu com a pri-


meira recepção do Direito Romano, levada a cabo nas
Universidades medievais, a partir do século XII. Glo-
sas e comentários permitiram a sua implantação
numa sociedade muito diferente daquela para que ele
fora, no início, pensado (1 27 ) .
A passagem do tempo actua, porém, nas realida-
des humanas, não sendo, o Direito, excepção.
No termo da Idade Média, a Ciência Jurídica da
primeira recepção encontrou dificuldades. Os textos
justinianeus vinham acompanhados de largo material
que dificultava o ensino do Direito e inviabilizava a
inovação.
O problema - que não era especificamente jurí-
dico - veio a ser removido pelo Renascimento que,
no Direito, assumiu a feição de humanismo jurí-
dico (1 28 ) .

A recepção medieval do Direito romano - ou pri-


( 127 )

meira recepção - foi precedida pela difusão do Direito canó-


nico - em si já muito romanizado - que muito a facilitou.
Fala-se, para designar o fenómeno, em «pré-recepção»; cf.
WIEA CKER, Priva trechtsgeschichte 2 cit., 116 ss. = trad. port.,
121, COING, Romisches Recht in Deutschland cit., 19-20 e
WESENBERG / WESENER, Neuere deutsche Privatrechtsge-
schichte cit., 21-22.
( 12 8) Prefere-se essa fórmula para exprimir as relações
entre o Humanismo e o Renascimento, embora haja outras
ordenações possíveis; cf. FRANCESCO CALASSO, Medio evo
dei diritto, 1 - Le fonti (1954), 601, D0MEN1CO MAFFEI, Gll
inizi dell'umanesimo giuridico (1968, reimpr.), 20-21 e KARL
PAUL HASSE, Die italienische Renaissance / Ein Grundriss
der Geschichte ihre Kultur (1925), 31.
LXXV

Sendo um fenómeno complexo ( 1 • 9 ) , pode, no


entanto, intentar-se uma clarificação do humanismo
nalgumas proposições:

- o Homem apresenta-se como centro do Uni-


verso, sendo a Antiguidade um modelo a
seguir (1 30 ) ;
- a linguística e a crítica da linguagem adquirem
um estatuto importante (1': 1 ) ; trata-se de um
aspecto directamente relevante para o estudo
das fontes (1 iz);
- a Filosofia redescobre Platão e o estoi-
cismo (m).

No domínio jurídico, o Humanismo promoveu a


colocação histórica dos problemas. Mas não pro-

( 129 ) Cf. NUNO ESPINOSA GOMES DA SILVA, Huma-


nismo e Direito em Portugal no século XVI (1964), 25, 27-28,
31 e 59.
( 13 º) JAKOB BURCKHARDT, Die Kultur der Renaissance
in Italien (1928), 131 e ss. e ALFRED MANlGK, Savigny und
die Kritik der Rezeption, SZRom 61 (1941), 187-229 (207).
( 131 ) DOMENICO MAFFEI, Gli inizi dell'umanesimo giu-
ridico cit., 151.
( 13 3) Data dessa época a pesquisa das interpolações no
Corpus Iuris Civilis; cf. LUIGI PALAZZINI FINETTI, Storia
della ricerca delle interpolazioni nel Corpus Iuris giustinianeo
(1953 ), 26 e 44-45.
( 133 ) HELMUT COING, Grundzüge der Rechtsphiloso-
phie 3 (19765, 28 e K. P. HASSE, Die italienische Renaissance
cit., 141.
LXXVI

curou - nem poderia fazê-lo - um puro regresso ao


Direito romano clássico. Houve, no essencial, uma
renovação pedagógica e metodológica, mais do que
alterações no fundo das velhas soluções românicas.
Ao ensino da escolástica anterior, considerado 1nemo-
rizador e estereotipado, tentou contrapor-se um
estudo dirigido para ideias perpétuas de validade
geral.
O Direito Romano ficara sedimentado no Corpus
luris Civilis, principalmente nos Digesta. Apesar da
lógica interna que o informava, o Corpus Iuris Civilis,
repositório de proposições prudenciais e tópicos, apre-
sentava-se em moldes caracterizados pela ausência
de ordenação. Essa situação, que glosadores e comen-
tadores eram levados a acompanhar, dado o método,
seguido, tornava difícil o manuseio das f antes e pos-
sibilitava, nestas, repetições, lacunas e contradições.
O grande problema enfrentado - e, de algum
modo, solucionado - pelos humanistas, residiu iusta-
mente na busca de uma ordem de exposição para o
Direito civil, portanto, dum sistema externo. As ten-
tativas mais conseguidas devem-se a CUIACIUS
(1522-1590) (1:: 1) e a DONELLUS (1527-1591) (1 1' ) .

(1 34 ) Confrontou-se a obra JACOBI CUJACII, Ig. Tolo-


satis Opera ad Parisiensem fabrotianam editionem diligenfr;-
sime exacta XIII Tomos (ed. publ. a partir de 1836).
(rn•) Confrontou-se a obra HUGONIS DONELLT, Opera
omnia (12 volumes) Commentatorium de jure civile cum notis
OSVALDI HILLIGERI (ad. publ. a partir de 1840).
LXXVII

protagonistas do mos gallicus ou jurisprudéncia ele-


gante (1~º).
Os jurisprudentes humanistas aceitaram o Direito
romano, tal como podiam conhecé-lo, como elemento
pré-dado: constituía uma base histórico-cultural de
toda a elaboração posterior. Intentaram, no entanto,
dar-lhe uma ordem exterior.
As matérias, em vez de aparecerem ao acaso das
massas de fragmentos dos Digesta, são ordenadas em
função de certos factores de similitude exterior.· equi-
valência linguística, proximidades do objecto, etc ..
As aproximações periféricas tornam-se dominantes.
A tentativa é empírica, mas surge eficaz: o
Direito assume, pela primeira vez, uma ordenação ou,
nesse sentido, um sistema externo: é a primeira sis-
temática ou sistemática periférica.
Mais assimilável e melhor adaptado à realidade
da época, que implicava, pelo desenvolvimento econó-
mico-social, um número sempre crescente de instân-
cias de decisão, o Jus Romanum conheceu uma nova
e eficaz recepção.

III. O Humanismo alcançou a primeira sistemá-


tica, de tipo empírico e periférico. Faltava-lhe um
vigoroso discurso teórico que, transcendendo as con-

(1::G) Verifica-se, assim, que embora o Humanismo seja


orrgmarzo de Itália, ele daria frutos jurídicos mais sensíveis
em França; em Itália, haveria uma regressão motivada pelo
peso do escolasticismo anterior que manteve o método tradi-
cional conhecido, por isso, como mos italicus.
LX.XVIII

tingências dos contactos superficiais entre temas jurí-


dicos, dispersos nas fontes, facultasse um verdadeiro
sistema externo de Direito.
Esse discurso seria atingido e projectaclo µo,-
DESCARTES (1596-1650) (1 ':~), cujas regras de pro-
gressão científica estão na base das Ciências Moder-
nas (1:is). Transposto para as Ciências Humanas por
HOBBES (1588-1679) (m), o cartesianismo daria lugar
a uma sistematização de tipo muito diferenciado.
Em termos metodológicos, o pensamento carte-
siano seguia um processo totalmente inverso do pre-
conizado pela Escolástica como pelo Humanismo.
Os elementos histórico-culturais não eram aceites
como pré-dados. As desconexões daí derivadas
opunham-se, em irredutível antinomia, ao cogito,
válido pela clareza da sua asserção. Todo o edifício
das Ciências Humanas assentaria, na· nova visão, nal-
guns quantos postulados, dos quais, por dedução.
seria possível retirar os demais elementos. Na leitura
de HOBBES, elementos variados como a sociedade,
o Estado e o poder articulam-se mercê de postulados

( 13i) Em especial, RENI:. DESCARTES, Discours de la


méthode (1637).
( 138 ) Cf. TALCOTT PARSONS, Social systems cit., 155 ss ..
( 139 ) THOMAS HOBBES, De cive (1642), De !10minc
(1658) e Leviathan or the matter, forme and power of a
commonwealth ecclesiasticall and civil (1651). A conexão DES-
CARTES / Jusracionalismo, feita através de HOBBES, deve-se
a genial intuição de WIEACKER. na l.º ed. da Privat-
rechtsgeschichte (1952), 150, tendo sido, depois, investigada
por MALTE DIESSELHORST, Ursprünge des modernen Sys-
temdenkens bei Hobbes ( 1968).
LXXIX

básicos tais como: a aspiração à sobrevivência dos


hor.iens, a guerra como estado natural reinante entre
eles, a insegurança provocada, a necessidade de a
solucionar com recµrso ao Estaào e à sociedade, a
privação da liberdade assim ocasioncida, etc ..
O pensamento existencial
,. de HOBBES teve como
contraponto o jusnaturalismo ideal de GRóCIO (1583-
-1645). Deve-se, a este, um esquema de Direito natu-
ral caracterizado por ilações matemáticas, elabora-
das a partir de princípios apriorísticos fixados pela
razão e informadas pela universalidade e pela imu-
tabilidade (1 40 ) .
Nestas condições, seria possível elaborar um
esquema jurídico inverso do da sistemática perifé-
rica: em vez de se assentar em elementos pré-elabo-
rados a intentar a sua ordenação, escolher-se-iam uns
quantos princípios nucleares; destes, por dedução,
seria depois retirada toda a sequência. Houve uma
significativa confluência metodológica de fracções
aparentemente diversas, num claro sinal dos tempos.

(Hº) HUGO GROTIUS, De jure belli ac pacis libri tres


(1625), como obra mais conhecida; esta obra teve como ante-
cedente o De iure praedae commentarius (1604) o qual derivou,
por seu turno, do Parallelon rerum publicarum liber tertius
(1601 ou 1602), quase despercebido, até à publicação parcial
feita por W. FIKENTSCHER, De fide perfidia / der Treuge-
danken in den «Staatsparallelen» des Hugo Grotius aus heuti-
ger Sicht ( 1972). Cf ., quanto ao jusnaturalismo grociano, entre
a muita literatura existente, HANS WELZEL, Naturrecht und
materiale Gerechtigkeit 4 ( 1962), 124 ss ..
LXXX

A sistemática assim possibilitada é central, por


oposição a periférica. Respeitando as precedências e
inserções históricas, pode falar-se, a seu propósito,
em segunda sistemática ou sistemática jusraciondista.
As grandes construções, sabiamente concatenadas,
encontram, no Direito, particulares dificuldades: a
natureza histórico-cultural das realidades jurídicas
desafia, por vezes, as tentativas de redução lógica.
Quando isso suceda - e tem sucedido, pelo menos no
actual estado de limitação dos conhecimentos huma-
nos - verifica-se uma inoperacionalidade das constru-
ções em causa para reduzir a realidade do Direito.
Esta, sempre necessária em sociedade, terá de pros-
seguir o seu caminho sem o amparo das construções
oferecidas.
O jusracionalismo estaria, a essa luz, destinado
ao fracasso: a pretensão de intuição racionalista da
coisa social e de dedução logicista subsequente des-
conhece, por definição assumida, toda a riqueza his-
tórico-cultural pré-dada, que não se pode escamotear.
Outro foi, porém, o caminho seguido pelos jusra-
cionalistas. Abdicando duma sequência perfeita no
seu modo de pensar, e graças a autores como
PUFENDORF (1932-1694) (1·11 ) , o jusracionalismo
soube fazer uma captação subtil de realidades cul-
turais subjacentes: os desenvolvimentos lógicos eram
apoiados no Direito Romano. Trata-se duma orien-

( 141 ) SAMUEL PUFENDORF, De jure naturae et gentium


libri octo (1688), como obra mais divulgada e representativa.
LXXXI

taçêío desenvolvida, depois por DOMAT ( 1625-


1696) (1• 2 ) e POTHIER (1699-1772) ('·i:1 ) , de grande
influxo posterior e que, colocando-se numa certa
sequência com os jurisprudentes elegantes, recordam
que as ideias humanas avançam num continuum his-
t.órico.

IV. O pandectismo exprime, tenninologicamente,


o pensamento jurídico assente nos Digesta. O mom1°
menta de IUSTINIANUS tem comportado, contudo,
cw longo da História, uma utilização diversificada.
A segunda sistemática deu-lhe um particular relevo,
intensificando a sua utilização no que ficaria conhe-
cido como usus modernus pandectarum (século XVIII):
o Jus Romanum relevaria na medida em que se mos-
trasse adaptado às necessidades da época.
No entanto, o pandectismo, agora em causa,
reporta-se a outro período histórico: o da doutrina
geral do Direito civil, iniciada por SA VIGNY. e desen-
volvida a partir da Alemanha, nos princípios do
século XIX.
Na linha do criticismo jusracionalista anterior,
SA VIGNY fixaria os particulares quadros da escola

( 1 ·10 ) JEAN DOMAT, Les lois civiles dans leur ordre


naturel (1689-1694).
(1•') R.-J. POTHJER, em especial nas Pandecta~ e no
Traité des Obligations; a obra de POTHIER alarga-se por
dezenas de tratados; existe uma recolha Oeuvres, de Pothier,
em .1.? volumes.
LXXXII

histórica (1 44 ) . O Direito é, na verdade, apresentado


como produto dum permanente devir: mas mais do
que o evolucionismo, deve entender-se que SA VIGNY,
ao colocar o D:reito ao abrigo de iniciativas arbitrá-
rias dos legisladores, estabeleceu, nele, as bases para
uma verdadeira reflexa.o científica (1°).
O Direito corresponder·ia ao «espírito do povo»;
SA VIGNY, no entanto, reconduzia tal «espírito» ao
Direito Romano (14G), evitando, por isso, o naufragar

( 144 ) Em especial: LARENZ, Methodenlehre" cit., 11 ss.,


FIKENTSCHER, Methoden des Rechts cit., III - Mitteleuro-
paischer Rechtskreis (1976), 37 ss., WIEACKER, Privat-
rechtsgeschichte 2 cit., 384 ss., COING, Grundzüge der
Rechtsphilosophie' cit., 41 ss. e WALTER WILI-IELM, Zur
juristischen Methodenlehre im 19. Jahrhundert (1958), 62 ss.;
entre nós, CASTANHEIRA NEVES, Escola histórica do Direito,
Enc. Pó/is 2 (1984), 1046-1062 e OLIVEIRA ASCENSÃO,
O Direito - Introdução e Teoria Geral 4 (1987), 154 ss ..
( 145 ) Cf. FRIEDRICI-I CARL VON SA VIGNY, Vom Beruf
unsrer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft ( 1814), 8;
nesse ponto, p. ex., FRANZ WIEACKER, Wandlungen im
Biide der historischen Rechtsschule (1967), 5.
( 140 ) SAVIGNY, Vom Beruf cit., 118. O «espírito do
povo» designava, pois, a cultura reduzindo-se, nessa medida,
ao lus Romanum. Cf. HERMANN KANTOROWICZ, Volksgeist
und historische Rechtsschule, HZ 108 (1912), 295-315 (299),
ERICH SACI-IERS, Die historische Schule Savignys' und das
rbmische Recht, em Atti dei Congresso Internazionale di Diritto
Romano, Bolonha II (1937), 217-250 (234 ss.), KARL-AUGUST
WOLFF, Kritik der Volksgeistlehre v. Savignys (1937), 7,
HANS THIEME, Savigny und das deutsche Recht, SZGerm 80
(1963), 1-26 (9) e PIO CARONl, Savigny und die Kodifikation
(Versuch einer Neudeutung des «Berufs»). SZGerm 86 (1969),
97-176 (163).
LXXXlll

de toda a sua construção, por total impraticabilidade.


A natureza histórica do Direiro junta SA VIGNY
uma outra e importante característica: o ser uma
«Ciência filosófica», devendo « ... na sua conexão inte-
rior, produzir uma unidade» ( 14 ' ) . Apela-se, pois, e de
modo expresso, à necessidade de um sistema.
Nenhum destes aspectos foi, tomado em si, ori-
ginal. O Humanismo já havia proclamado a essência
histórica do Direito, desenvolvendo esforças para
valorizar essa dimensão. Por seu turno, as neces-
sidades de construção sistemática, exigência clara do
cartesianismo, foram implantadas e desenvolvidas
pelo jusracionalismo. A originalidade savignyann ana-
lisa-se na síntese desses dois aspectos: a natureza
histórico-cultural do Direito deve articular-se com um
adequado sistema de exposição. Nasce, assim, a ter-
ceira sistemática ou sistemática integrada.

V. O pandectismo aceita o Direito periférico -


perante o conjunto de factores que, nos diversos pro-
blemas concretos e a esse nível, promovam soluções
aplicáveis e aplicadas - como irrecusável herança
histórico-cultural. Trata-se de um complexo pr& .. dado.

( 14i) Esta e outras importantes considerações contêm-se


em SA VIGNY, Juristische Methodenlehre, 1802-1803, na redac-
ção de JAKOB GRIMM publ. por G. WESENBERG (1952);
cf. aí, 14. Trata-se dum escrito que tem merecido a maior
atençãq dos jusci~ntistas actuais - cf. WIEACKER, Privat-
rechtsgeschichte 2 cit., 386, LARENZ, Methodenlehre 5 cit.,
11-17 e FRITZ SCHWARZ, Was bedeutet Savigny heute?
AcP 161 (1962), 481-499 (484-489).
LXXXIV

Não abdica, contudo, de uma reelaboração científica


do material recebido, ordenando-a em função de pon-
tos de vista unitários. Tal ordenação tem relevo: apro-
ximando e cotejando determinadas matérias, surgem
lacunas, repetições e contradições que podem ser
corrigidas; além disso, os princípios nucleares não
são inócuos, repercutindo-se nas soluções periféricas.
Estas, por seu turno, não deixam de agir na própria
escolha e concatenação dos princípios centrais. Dá-se
toda uma interacção centro-periferia, de dois senti-
çlos, que sugere a perfeita síntese dos momentos his-
tóricos anteriores: as experiências puramente empíri-
cas e periféricas do Humanismo e as tentativas
centrais e racionais do Jusracionalismo são inte-
gradas.
O sistema do pandectismo traduz a conquista aca-
bada de um esforço secular de aperfeiçoamento
;uscientífico. Sob o seu manto ocorreu, no séculu XIX.
uma última e decisiva recepção do Jus Rornnnum,
que cristalizaria no Código Civil alemão de 1896.
A difusão deste Código asseguraria, ao longo do
século XIX, um retorno a muitas soluções româ-
nicas.

11. Modelos sistemáticos e codificações civis

1. A relevância substantiva do sistema - ou dos


diversos modelos sistemáticos - pode ser compro-
vada qtravés dos seus reflexos nas codificações civis.
A codificação não se confunde com uma com-
pilação. Uma compilação implica sempre um con-
LXXXV

junto de fontes, submetido a determinada orde;1ação.


Pode ser envolvente e, teoricamente, mesmo total,
surgindo acompanhada da expressa menção da revo-
gaçclo de todas as fontes nela não incluídas (1 18 ) : nem
por isso ela se confunde com uma codificação.
A codificação corresponde a uma estruturação
juscientíf ica de certas fontes (1 49 ) . Pode dar-se um
passo: a codificação implica a sujeição das fontes ao
pensamento sistemático; joga-se, nela, uma consciên-
cia mais ou menos assumida do relevo da linguagem
e da dimensão estruturante do todo, na cultura.
A codificação torna-se possível apenas com a obten-
ção ele um certo. estádio ele desenvolvimento da
Ciência do Direito. A tarefa é morosa e muito com-
plexa: o nível necessário só foi atingido em França,
nos finais do século XVIII. Acrescente-se ainda que
não basta, para uma codificação, a obtenção de parti-
culares resultados juscientíficos. No Direito, jogum-se
sempre amplas dimensões culturais, pelo que uma
codificação requer ainda circunstâncias políticas e
universitárias favoráveis e··").

( 11 ' ) Quanto ás compilações romanas, vide SEBASTIÃO


CRUZ, Direito Romano 1 .1 ( 1987), 441 ss.; quanto às Ordena-
ções do Reino, vide MARTIM DE ALBUQUERQUE I RUY
DE ALDUQUERQUE, História do Direito Português, 2.° vol.,
l." tom., 31 ss ..
(• "') Em especial, OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito 4
cit., 293 ss ..
( 1 "IJ) A inexisWncia de tais condições explica a relativa
morosidade da codificaçao germânicci e o ritmo das codifica-
(Ões tnrd ;eis.
LXXXVI

II. A primeira codificação no sentido própno do


termo - portanto com o alcance e . as implicações
juscientíficas que acima ficaram expressas - é a
francesa, de 1804, ou Código Napoleão. O Allgemei-
nes Landrecht prussiano, de 1794, tinha já traços
típicos de uma codificação; por carências várias,
designadamente a nível de síntese, não pode, contudo,
considerar-se uma verdadeira codificação.
O Código Napoleão é fruto da segunda sistemá-
tica. Foi elaborado na linha de todo um trabalho
levado a cabo nos séculos XVII e XVIII e que per-
mitiu o conhecimento e o redimensionar do material
jurídico românico. O papel fundamental nesse domí-
nio foi o de DOMAT e POTHIER, com raízes nos
jurisprudentes elegantes, CUIACIUS e DONELLUS.
Ponderadas as obras destes autores, pode conside-
rar-se que, nos finais do século XVIII, a Ciência do
Direito ultrapassara largamente a ordem jurídica
positivo-formal. O esforço reformador de Napoleão
permitiu acertar a distdncia.
Nos séculos XVII e XVIII, a doutrina francesa
procurou enfrentar e resolver três problemas funda-
mentais (1 51 ):

- a unificação das fontes;


- a busca de uma sistemática racional;
- a adaptação dos institutos a novas realidades.

Estas questões constam do trabalho ele A.-J.


( 1 ·' 1 )

ARNAUD, Les origines doctrinales du Code civil français


(1969), sendo aqui proposta uma sua adaptação.
LXXXVII

A unificação das fontes era um problema parti-


cularmente grave em França, dividida numa zona
norte, de costumes - ainda que redigidos em termos
romanizados - e numa zona sul, de Direito escrito -
o Corpus Iuris Civilis. Mas para além disso, havia
toda uma situação complexa gerada pela existência
das compilações justinianeias, de inúmeras leis nacio-
nais, do Direito canónico e de vários costumes e pra-
xes jurisdicionais.
A busca de uma sistemática racional correspondia
à necessidade de encontrar uma ordem para a com-
preensão e a aprendizagem do Direito ou, se se quiser,
de aprontar um sistema externo que superasse as
meras ordenações periféricas levadas a cabo pelos
jurisprudentes elegantes. Parecendo, hoje, uma tarefa
fácil, a sistematização racional levantava, então, dif i-
culdades praticamente insolúveis (1" 2 ) . Apenas uma
actividade aturada, durante o longo período da pré-
-codificação, possibilitaria perspectivas novas.
A adaptação dos institutos a novas realidades
tem-se prestado a equívocos que, por desvirtuarem a
essência das codificações civis, cabe esclarecer.
O Código Napoleão é, com frequência, assimilado a
um diploma cheio de intenções perante a Revolução

( 152 )Cf. HANS THIEME, Das Naturrecht und die euro-


paische Privatrechtsgeschichte (1947), 25, GIOVANNI TA-
RELLO, Le ideologie della codificazione nel secolo XVIII
(1974), 21-22 e 57 ss. e ARNAUD, Les origines doctrinales
cit., 7.
LXXXVIII

liberal e a burguesia industrial que se anunciava C'').


Há muito se proclama o simplismo desta orienta-
ção (1:; 4 ) : a primeira codificação traduz o ponto ele
chegada de uma evolução complexa, iniciada com os
comentaristas, renovada pelo humanismo e pe!a pri-
meira sistemática e inf lectida pelo jusracionaiismo.
Entre a doutrina pré-revolucionária e o Código não
há quebras ou, sequer, evoluções significativas; pelo
contrário: o Código Napoleão pôs cobro às múitipias
inovações introduzidas dumnte o período revolucio-
nário, adaptando soluções anteriores (1"'). A adapta-
ção dos institutos a novas realidades, aquando ela
efectivação de uma codificação civil, tem, pois. outro
alcance: trata-se ele generalizar segmentos já aprovei.-

( 1''') Cf. ORLANDO DE CARVALHO, Para uma teoria


da relação jurídica civil~ (1981), I 32 ss ..
( 131 ) Cf. HERMANN CONRAD, Code Civil und histori-
sche Rechtsschule, em Deutschland-Frankreich iI ( 1943), 59-69
(59) e ESMEIN, L'originalité du Code Civil, em Le livre du
centenaire, 1." vol. (1904), 5.
( 1 :,-,) O Código Napoleão foi obra de quatro juristas de
prestígio e qualidade: PORT ALIS (1745-1807), TRONCHET
(1726-1806), MALEVILLE (1741-1821) e BIGOT-PRfAMENEU
( 1747-1825); todos eles foram, aliás, alvo d2 pcrseguiç11es r:o
período revolucionário, como informa ARNAVD, Les origines
doctrinales cit., 23 ss .. O próprio NAPOLEÃO teve um papel
pessoal importante no dinamizar dos trabalhos, assegurando
uma conclusão rápida da tarefa. As várias peripécias que
acompanharam a elaboração do Código Napoleão podem ser
confrontadas em SA V ATIER, L'art de faire les lois / Bonaparte
et le Code civil (1927).
LXXXIX

todos e comprovaclos sectorialmente, de consagrar


inovações preconizadas há muito pela doutrina, de
limar ar-estas em esquemas há muito conhecidas ou
de irraclicar fórmulas consideradas, de modo pacífico,
como inúteis.
A primeira codificação tem permitido um exame
elos condicionalismos ambientais que permitem a fei-
tura dos grandes códigos, que moldam o Direito civil
actuo.l.
Como factor primordial, têm sido apontadas as
11ecessiclacles po!ítico-sociais de simplificação C'G),
sensíveis em épocas históricas de reconstrução ou de
pro 6 resso. Tal simplificação postula a introdução de
esquemas ele tipo económico nas proposições jurídi-
rns, de modo a tomar os circuitos do Direito c1cessí-
veis aos nao-juristas. Além disso, ela implica uma
cfectiva e já referida revogação elas regras ante-
riores - quando não, assistir-se-ia a uma mera com-
pilação - e, ainda, uma condensação nos conteúdos
i1or;nativos: institutos que traduzem pequenas varia-
(;ões seio suprimidos n favor ele tipos unitários que a
tncios abrnnjam, enquanto as figuras de utilização
1::enos frequente são abolidas.
Os grandes pilares de fundo do Código Napoleão
residiriam nos seus artigos 544 e 1134/ 1, assim con-
cebidos:
<<A. propriedacle é o direito ele gozar e de dispor
ctos bens· da forma mais absoluta, desde que não se

( 1 '") T ARELLO, Lc ideologie de lia codificazione" cit., 27.


XC

faça deles um uso proibido pelas leis e pelos regu-


lamentos».
e
«As convenções legalmente formadas valem como
leis para aqueles que as fizeram .. »

Trata-se, contudo, de regras que tiveram o sim-


ples mérito de proclamar com clareza aquilo que já
era bem conhecido no Direito anterior. A propriedade
remonta ao Direito romano; o facto de se lhe reco-
nhecerem, à partida, limites, denota bem uma preo-
cupação moderadora. O relevo dos contratos ou,
mais precisamente, da autonomia privada eru, por
seu turno, sublinhado já em fases antecedentes (1 57 ).
O essencial das inovações integradas num novo está-
dio político-social cifrara-se, tudo visto, em supres-
sões, como a das antigas corporações (1r, 3 ) : a abertura
do Direito privado, assente na ausência de regula-
ções, facultou, por si, como já foi referido (1 50 ) , uma
melhor actuação dos níveis económicos no plano
privado.

( 157 ) DIETER GRIMM, Soziale, Wirtschaftliche und poli-


tische Voraussetzungen der Vertragsfreiheit / Eine verglei-
chende Skizze em La fonnazione storica dei diritto europeo
(1977), 1245 e HARALD STEINDL, überlegungen zum
Verhaltnis von Privatrecht, Gewerbefreiheit und Industrialisie-
rung, IC 15 (1981), 76-107 (79).
( 1 r.s) HARALD STEINDL, Zur Genese des Privatrechts
ais «allgerrieines Wirtschaftsrecht», FG Coing (1982), 349-386
(352-353).
( 159 ) HARALD STEINDL, Zur Genese des Privatrechts
cit., 364.
XCI

Na linha dos parâmetros gerais que sempre justi-


ficam uma codificação, o Código Napoleão veio ainda
acusar, de modo marcado, o influxo jusnaturalista.
Na verdade, o Código em causa apresenta-se como
um produto terminal da segunda sistemática, possibi-
litado embora por exprimir, a vários níveis, a reali-
dade cultural românica.
A presença da sistemática central no tecido napo-
leónico apresenta-se clara se se tiver em conta a sua
sistematização. O Código Napoleão reparte-se, com
efeito, por três livros:

- Livro I - Das pessoas;


- Livro II - Dos bens e das diversas modifica-
ções da propriedade;
- Livro III - Das diferentes formas por que se
adquire a propriedade.

No livro I trata-se da matéria referente à posiçao


jurídica do indivíduo e de situações jurídicas fami-
liares; no livro II, surgem as coisas, a propriedude e
outros direitos reais; no livro III são versadas as
sucessões, doações, contratos em geral, casamento e
regimes matrimoniais, contratos em especial, hipote-
cas e prescrição.
Toda a matéria se desenvolve, pois, a parUr de
ideias centrais simples e claras: a pessoa, enquanto
indivíduo, carece de bens que movimenta, para sobre-
viver e ~e expandir. A aplicação destes postulados,
por não atentar suficientemente nos elementos pré-
-sistemáticos que a cultura e a história sempre com-
XCII

portam, mostra-se pouco apta, perante os regimes em


jogo, como a evolução acabaria por demonstrar.
Bem elaborado, o Código Napoleão surgiu como
um monumento legislativo de primeira grandeza.
Assim, ele impôs-se para além das suas fronteiras
naturais, seja pela força das armas napoleónicas, seja
por livre adopção - portanto, num fenómeno de
recepção - dos interessados.
Nuns casos, ele foi simplesmente traduzi.elo e
posto em vigor: assim sucedeu na Renânia, onde uma
versão alemã do Code vigorou até ao advento do
BGB (1Gº). Noutros, ele serviu de modelo inspirador
a Códigos dotados de grau variável de originali-
dade (1ª 1 ) , com exemplo claro no Código Ci\ 1 il de
Seabra, de 1865.
Mais importante, porventura, do que o influxo na
configuração formal das fontes foi a divulgação de
um certo estilo juscientífico, promovida pelo Código
Napoleão.

III.
A influência dominadora, científica e cultu-
ral, do Código Civil francês esmoreceria perante o
aparecimento, nos finais do século XIX, de uma nova
codificação, assente em dados científicos mais per-

(Hr Surgiu, assim, uma rica literatura alemã, elaborada


1)

sobre o Código Francês, com relevo para ZACHARl/4 VON


LINGENTHAL ! CARL CROME, Handbuch des Franzosichcn
Civilrechts 4 vols. (1894).
(1G1) Cf., em especial, ZWEIGERT/KbTZ, Einführung in
die. Rechtsverg1eichung, auf dem Gebiete des Privatrecht:. ·2 - I
Grund1agen (1894), § 8, (11.3 ss.) e WIEACKER, Privatr<:.chts-
geschichte ~ cit., 346 ss ..
XCIII

feitos e avançados: o Código Civil alemão. Este


merece, a título pleno, a designação de «segunda
codificação».
O Código Civil alemão corresponde ao ponto ter-
rninal da intensa actividade juscientífica do pandec-
tismo, que se prolongou por todo o século XIX. Na
base de um estudo aturado do Direito comum - o
Direito romano, com determinadas adaptações e em
certa leitura - os pandectistas foram levados a con-
feccionar todo um sistema civil: as proposições jurí-
clicas singulares, os institutos, os princípios e a
orclenação sistemática sofreram remodelações profun-
das, aperfeiçoando-se, evitando contradições e desar-
rnonias e multiplicando o seu tecido regulativo de
modo a colmatar lacunas.
A Ciência Jurídica alemã servida, para mais, por
llrna língua rica e muito analítica e num ambiente
de grande aprofundamento das ciências humanas e
ele intenso pensamento filosófico, depressa ultrapas-
sou as suas congéneres. A doutrina francesa, designa-
damente, presa a uma exegese intensa do texto napo-
leónico, não cessou de perder terreno, até aos nossos
rlias e·:~).

IV. A segunda codificação tem, subjacente, as


estruturas científicas da terceira sistemática. O pan-
dectismo do século XIX aceitou expressamente o
Direito romano como elemento pré-dado, elaborado

(1,;;) Cf., quanto às fraquezas da doutrina francesa,


designadamente no campo metodológico, MENEZES COR-
DEIRO, Da boa fé cit., l vol., 252.
XCIV

pela História e pela cultura e património insubsti-


tuível dos povos. Os elementos assim obtidos eram,
no entanto, elaborados e sistematizados em função
de pontos de vista unitários: conseguia-se, deste modo,
a determinação de disfunções, incongruências e incom-
pleitudes, facultando a sua correcção. Os pontos de
vista unitários que presidiam à ordenação da matéria
não se obtinham em termos de escolha arbitré.ria: os
próprios dados periféricos, uma vez concatenados,
propiciavam a determinação desses pontos. E a
concluir a integração sistemática, recorde-se que os
próprios princípios se revelam criativos: por um lado,
não há ordenações inóquas; por outro, cabe recorrer
aos princípios quando, na periferia, se apurem lucunas
irredutíveis.
As preocupações imediatamente ideológicas - pa-
tentes no Código Napoleão e, em geral, nas codifica-
ções de inspiração liberal - desaparecem da Ciência
do Direito, a favor de considerações de predomínio
técnico.
Para além de corresponder a um elevado desen-
volvimento técnico-científico da doutrina que o ante-
cedeu, o Código Civil alemão foi originado por par-
ticulares condicionalismos extrínsecos, que explica-
ram, em certa medida, o seu aparecimento re.lativa-
mente tardio. Em 1814, sob o entusiasmo provocado
pela codificação napoleónica, THIBA UT preconizou a
efectivação de um Código alemão (1° 1 ); mas logo se

( 1 G'1 ) ANTON FRIEDRICI-I JUSTUS THIBAUT, Ueber die


Nothwendigkeit eines allgemeinen bürgerlichen Rechts für
Deutschland (1814).
XCV

lhe opôs o próprio SA VIGNY, em nome da natureza


cultural do Direito (1G 4). Às dúvidas científicas vieram
somar-se problemas políticos: a unidade alemã só
lentamente se ia afirmando, dela dependendo uma
codificação eficaz. Os trabalhos codificadores teriam,
assim, o seu início: depois da proclamação, por
BISMARK, do 2. 0 Império alemão ('G 5).
Iniciados os trabalhos, vieram estes a prolon-
gar-se por vinte e três anos de labor sério e
intenso (1GG): houve, aqui, um vivo contraste com a
rapidez que presidiu à elaboração do Código Napo-
leão. A comissão foi dominada pela figura de
BERNHARD WINDSCHEID que presidiu num~i pri-
meira fase e que foi, na sua ausência, sempre repre-
sentado pelas suas Pandekten (1°·).

( 10 ~) SA VIGNY, Vom Beruf unsrer Zeit cit.; estes escri-


tos podem ser confrontados em Thibaut und Savigny / Ihre
prcgrammatischen Schriften, publ. HANS HATTENHAUER
(1973). A projecção posterior deste debate pode ser aferida em
FELIX VIERHAUS, Die Entstehungsgeschichte des Entwurfes
eines Bürgerlichen Gesetzbuches für das Deutsche Reich (Í888),
9 ss. e LEHNSEN, Was ist am Bürgerlichen Gesetzbuch
deutscher Ursprung? (1933), 13 ss ..
( 16 5 ) Cf. GOLDSCHMIDT, Die Codification des Deutschen
bürgerlichen und Handels-Rechts, ZHR 20 (1874) 134-171
(134 ss.), HANS-PETER BENbHR, Die Grundlage des BGB -
Das Gutachten der Vorkommission von 1874, JuS 1977, 79-82
(79 ss.) e HELLMUT GEORG !SELE, Ein halbes Jahrhundert
deutsches Bürgerliches Gesetzbuch, AcP 150 (1949), 1-27 (1).
( 1 ºt1) J. W. HEDEMANN, Fünfzig Jahre Bürgerliches
Gesetzbuch, JR 1950, 1-4 (1 ).
( 1 G7 ) Cf. HANS THTEME, Aus der Vorgeschichte des Bür-
gerlichen Gesetzbuchs, DJZ 1934, 968-971 (970). A formação
XCVI

Como qualquer codificação, o BGB traduz «unw


recolha do já existente e não uma criação de novida-
des» c•lS); sintetiza a Ciência Jurídica do século XI X,
no que ela tinha de mais evoluído (1';!').
Na linha do pandectismo oitocentista, o BG D
apresenta uma sistematização em cinco livros: Parle
geral; Direito das relações obrigacionais; Direito dos
coisas; Direito da família; Direito das sucessões.
Trata-se da chamada classificação ger·mânica cio
Direito Civil.
O BGB, apesar de escrito, por vezes, num.a lin-
guagem complicada - mas, em compensação muito
precisa - teve uma grande influência (1·1)): as dificul-
dades linguísticas foram compensadas pelo enorme
interesse i'écnico do diploma.

do BGB pode ser confrontada em: WIEACKER, História do


D. privado moderno ~ cit., 536 ss.; THILO RAMM, Einführung
in das Privatrecht / Allgemeiner Teil des BGB ~ (1974), I,
G 1.3 ss. e L 193 ss.; KARL LARENZ, Allgemeiner Teil des deut-
schen Bürgerlichen Rechts ,; (1983), 15 ss.; para mais pormeno-
res, vide WERNER SCHUBERT, Materialien zur Entstehungsge-
schichte des BGB: Einführung, Biographien, Materialen (1978);
quanto à sua aprovação no Reichstag, cf. MALLMAN, 50 Jahre
BGB, DRZ 1946, 52.
( 108 ) /SELE, Ein halbes Jahrhundert deutsches BLirger-
liches Gesetzbuch cit., 3.
11
( ;8 ) Nas palavras da HANS DbLLE, Das Bürgerliche
Gesetzbuch in c!er Gegenwart (1950), 15, o BGB não nbriu o
portão do séc. XX; fechou o do séc. XIX.
( 1 •º) Cf. ZWEIGERT /KóTZ, Einfi.ihrung in die Rechts-
vergleichung ~ cit., .~ I 2 ( 180 ss.).
XCVII

Também aqui, o essencial residia, 110 entanto, na


Ciência do Direito que lhe estava subjacente: esta
pode enfrentar, com êxito, os dois grandes desafios
que lhe foram lançados.
O primeiro derivou da inexisténcia, no próprio
texto do BGB, de normas adaptadas ao trabalho, tal
como este se desenvolve nas sociedades indus-
triais (1 71 ) ; o seguinte adveio das perturbações econó-
micas e sociais profundas que não cessaram de
aumentar depois da primeira guerra mundial.
Em resposta ao primeiro problema nasceu o Direito
do trabalho, como Direito privado especial; o segundo
conduziu ao desenvolvimento de vários institutos
importantes, no âmbito civil.
Tudo isto teve uma influência determinan/.e na
actual civilística portuguesa, através de um fenómeno
de recepção, provocado pelo ensino universitário do
Direito, a partir de GUILHERME MOREIRA, na vira-
gem do século.

(i 71 ) Cf. WILHELM KISCH, Fünfzig Jahre Bürgerliches


Gesetzbuch, NJW 1950, 1-3 (1), HEDEMANN, Fünfzig Jahre
cit., 3 e DbLLE, Das Bürgerliche Gesetzbuch cit., 16. Ficaram
clcíssicas, a esse propósito, as críticas movidas na época por
OTTO VON GIERKE, Der Entwurf eines bürgerlichen Gesetz-
buchs und das deutsche Recht (1889), 245 e ANTON MENGER.
Das bürgerliche Recht und die besitzlosen Volksklassen :,
(1927), 160 ss. (a l." ed. é de 1890). Também o Código Civil
francês fora omisso no tocante ao contrato de trabalho; em
1804, no entanto, ainda não se consumara, em França, a
Revolução Industrial, o que permitiria entender o silêncio
do Code.
XCVIII

V. As duas grandes codificC1ções - primeirn e


segunda - foram, inquestionavelmente, a francesCl e
a alemã. Mais do que a importância elos textos cm
que se consubstanciaram, convém recordClr que esteve
em jogo o culminar das duas grandes tradições jus-
científicas do continente europeu: a segunda sistemá·
tica, como produto do jusracionalismo e a terceiro
sistemática, como resultado da pandectf stica. E no
sua sequência, surgiriam os dois grandes estilos que
repartem hoje o espaço juscultural românico.
O Direito civil posterior manter-se-ia dentro elas
balizas resultantes da sistemática savignyana. F nem
se poderá falar, por isso, no estagnar da Ciência Jurí-
dica: antes se verifica que uma sistemática integrada,
articulada numa síntese entre uma periferia cultural
e um núcleo juscientífico, destacáveis mas interde-
pendentes, pode evoluir a partir do setL [Hóprio
interior
Nesta sequência, chamar-se-á «codificações tcir-
dias» aos códigos civis surgidos depois do BGB, isto
é, aos códigos do séc. XX; especialmente em causa
ficam os Códigos civis suíço (1907), grego (1940),
italiano (1942) e português (1966).
As codificações tardias têm, essencialmente, as
seguintes características:

- são fruto da terceira sistemática;


- correspondem a uma certa universalização do
Direito e da sua Ciência;
XCIX

- têm em conta as críticas sectoriais feitas às


primeira e segunda codificações e consagram
certos institutos novos obtidos já depois delas;
- apresentam desvios provocados pelas diversas
realidades nacionais.

As codificações tardias são fruto da terceira sis-


temática. Foram precedidas pela recepção e pelo
desenvolvimento de uma Ciência Jurídica de tipo pan-
dectístico, que procurando evitar os extremos de um
Direito puramente racionalista ou de um Direito empí-
rico no seu todo, ef ectuou a síntese integrada desses
dois níveis jurídicos.
As codificações tardias assentam em transferên-
cias culturais relevantes, ocorridas entre os diversos
espaços nacionais. O Código Napoleão é um produto
da doutrina francesa, tal como o BGB da doutrina
alemã. Mas as diversas codificações do século XX
tiveram, na sua base, estudos científicos alargados,
que não se detiveram em fronteiras nacionais ou lin-
guísticas. Pode, assim, considerar-se que eles corres-
pondem a uma universalização do Direito e da sua
Ciência que, de então em diante, passaram a actuar
a uma escala europeia. Trata-se de um fenómeno claro
se se considerar, ainda que de modo abreviado, a
génese dos Códigos suíço, grego, italiano e português.
As codificações tardias aproveitaram as críticas
feitas aos códigos anteriores: evitaram erros de con-
cepção - por exemplo, a «parte geral» foi suprimida
nos códigos suíço e italiano - e consagraram, de
modo expresso, institutos resultantes de uma elabo-
e

ração jurisprudencial posterior a 1900 - por exem-


plo, o abuso de direito, a alteração das circunstâncias
ou a violação positiva do contrato.
As codificações tardias apresentam, por fim, uma
identidade própria, motivada pelas particularidades
dos espaços em que surgiram.

VI. A feição assumida pelas diversas codificações


civis - no fundo, pois, a sua filiação, em termos sis-
temáticos - condiciona e explica muitas das diversi-
dades subjacentes, em termos de soluções para os
problemas.
A teoria evolutiva dos sistemas põe em relevo o
pensamento sistemático como factor necessário em
qualquer pensamento jurídico. No fundo, ele dá corpo
aos elementos culturais e históricos que se inserem,
constituintes, no tecido jurídico, condicionando, para
além disso, todas as operações de realização do
Direito e da sua justificação.
IV - A REALIZAÇÃO DO DIREITO

12. O esquema concepto-subsuntivo; críticas; a uni-


dade de realização do direito e a natureza
constituinte da decisão

I. O esquema clássico da realização do Direito -


aliás ainda largamente defendido e, sobretudo, utili-
zado - assentava em dois pilares essenciais: a com-
partimentação do processo interpretativo-aplicativo e
o método da subsunção.
O processo da realização do Direito era decom-
posto em várias operações: a determinação da fonte
relevante, a sua interpretação, a integração de even-
tuais lacunas - admitidas com dificuldade, como foi
visto-, a delimitação da matéria de facto resultante,
a sua q1..'.alificação jurídica e a aplicação.
Na base deste entendimento está, por um ludo, a
concepção jusracionalista ela separação dos poderes
e, por outro, o estilo savignyano da formação dos
conceitos, na degenerescência subsequente conhecida
por elaboração conceituai do Direito. A separaçeto
dos poderes, levada ao mais marcado grau, intenta,
do juiz, fa.-zer um autómato: todas as soluções estão
na lei, cabendo ao julgador, sem margem de arbítrio,
retirar. dela, as saídas concretas. A elaboração con-
CII

ceitual do Direito, por seu turno, deriva de se traba-


lhar não já com as instituições cuja contemplação -
nas palavras de SAVIGNY-permitiria a formação
intuitiva dos conceitos mas, tão-só, com os próprios
conceitos já formados.
O método da subsunção resultava, por seu turno,
da particular técnica de elaboração da premissa menor
do silogismo judiciário (1 72 ) , assente na recondução
automática de certos factos a determinados conceitos
jurídicos.

II.
O processo clássico, acima esquematizado,
depara, contudo, com vários e decisivos óbices.
A compartimentação nas operações de realização
do Direito não resiste à própria observação du reali-
dade. Quando soluciona os problemas que se lhe
ponham, o jurista dá corpo a uma actuação unitária
que, em conjunto, trabalha com fontes, com factos,
com a interpretação e com a aplicação. Apenas num
esforço de análise é possível, num todo unitário,
apontar várias operações.

No silogismo judiciário, a premissa maior resultaria


( 172 )

da interpretação que facultaria a regra aplicável (p. ex., os


contratos devem ser cumpridos), a premissa menor, da subsun-
ção de certos factos considerados relevantes em determinado
conceito jurídico (p. ex., as declarações feitas por A e B cor-
respondem a um contrato) e a solução, da própria conclusc'io
do silogismo (p. ex., A e B devem cumprir o contrato que
celebraram). Como se vê, a chave do processo não reside na
conclusão - sempre automática - nem na formação da pre-
missa maior; ela está, pelo contrário, na premissa menor, mais
precisamente na subsunção.
cm

Por seu turno, a subsunção abre as portas ao


método da inversão (1 73 ) : com base na construção de
conceitos, procedia-se à sua definição exacta e à sua
recondução a conceitos gerais; estes são, depois, usa-
dos para integrar lacunas, invertendo-se, com isso, a
relação entre o especial e o geral. Em termos mais
latos: o conceito traduz, por definição, uma redução
simplificativa da realidade sobre a qual ele foi con-
feccionado; pretender passar do conceito para a reali-
dade, sempre mais rica, além de traduzir uma inver-
são metodológica, implicaria, de modo necessário, o
complemento do conceito com elementos estranhos
às proposições conceptualizadas e, como tal, estra-
nhos à fundamentação e à demonstração.
Finalmente, tanto a compartimentação como a
subsunção radicam numa posição positivista básica.
Daí o soçobrarem perante os obstáculos, já referi-
dos (1··1 ) : a ocorrência de normas vagas, indetermina-
das, susceptíveis de concretização, apenas, no caso
concreto; a incompleitude do sistema com a subse-
quente presença de lacunas intra e extra-sistemáticas;
a ocorrência de contradições de princípios; a existên-
cia, por fim, de soluções injustas ou inconvenientes.

III. As críticas ao esquema concepto-subsuntivo,


bastante comuns na sequência da divulgação de

( 173 ) · Cf. HECK, Rechtsgewinnung 2 cit., 10 e Begriffsbil-


dung cit., 92.
(174) Supra, n. º 2, II.
crv

HECK, ncio fornrn. em tempo útil, seguidas por ade-


quadas propostas alternativas. Os esquemas tradicio-
nais de rcnlização do Direito eram destruídos, nada
se oferece11do em troca, salvo as abstractas conside-
rações tecidas pelo irrealismo metodológico. Aqui
estmá mais um factor - e não dos menores - que
terá jogado no divórcio entre o pensamento metodo-
lógico e a dogmática jurídica.
No entanto, este aspecto está hoje superado: é
possível apresentar, com precisão, um esquema de
realização do Direito, que funcione como alternativa
aos esquemas clássicos registados. A alternativa
assenta em dois pontos fundamentais: a unidade de
realização do Direito e a natureza constituinte da
decisão.
A realização do Direito é unitária: apenas em aná-
lise abstracta é possível decompô-la em várias fases
que funcionam, tão-só, em inseparável conjunto.
Particularmente focada é a unidade entre interpreta-
ção e aplicação (1:-,). Mas há que ir mais longe:
tudo está implicado, desde a localização da fonte à

Assim: F. MULLER, Normstruktur und Normativitat


( 17 '·)

cit., 39; LARENZ, Aufgabe und Eigenart der Jurisprudenz,


Jl<S 1971, 4,19-455 (453) e Methodenlehre s cit., 202 ss.; GADA-
MER, Wahrheit und Methode 4 cit., 307 ss. (312); E. MEYER,
Grundzüge einer systemorientierten Wertungsjurisprudenz cit.,
50 ss.; W. KRA WlETZ, Zur Korrelation von Rechtsfrage und
Tatfrage in der Rechtsanwendung, em NORBERT ACHTER-
BE:RG, Rcchtsprechungslehre (1986), 517-553 (551); CASTA-
NHEIRA NEVES, Interpretação jurídica, Enc. Pólis 7 (1985),
651-707 (698 ss.); MENEZES CORDEIRO, Lei (aplicação da),
Enc. Pólis 3 (1985), 10-46-1062 ( 1019 ss.).
CV

clelimitaçc"io dos factores relevantes; o cc1so é porte


de um todo vivo (' 7 "), sendo certo que interpretar é
conhecer e decidir (';;); a própria ontologia do
Direito foi, numa última revisão elo seu pensamento,
fixada por ARTHUR KAUFMANN, na rclaçâo entre
o caso e a norma (' 7 ~).
Não quer dizer que se percam ou elevam perder
todos os clássicos elementos da interpretação e da
aplicação, em nome de um reclucionismo informe.
Apenas se chama a atenção para a necessidade de,
aquando da realização do Direito, não perder de vista,
em estereotipas, a natureza do labor em curso. Pode
falar-se, também aqui, num círculo ou espiral de rea-
lização do Direito: há que passar da interpretação
à aplicação e, destas às fontes e aos factos, tantas
vezes quantas as necessárias para obter uma síntese
que supere todas essas fases, na decisão consti-
tuinte final.

IV. A natureza constituinte da decisão parte da


constatação, em si simples, de que apenas na solução

( 1 ;G) JAN SCHAPP, Hauptprobleme der juristische.i


Methodenlehre cit., 15 ss ..
( 177 ) BERND-CHRISTIAN FUNK, Juristische Auslcgt..:ng
ais Erkenntnis- und Entscheidungsprozc:;s, em KRA WIETZ/
/OPALEK/PECZENIK/SCHRAMM, Argumentation und Hermc-
neutik in der Jurisprudenz, RTh BH 1 (1979), 107-112.
( 1 ;~) ARTHUR KA UFMANN, Vorüber!C'.gur.gen zu ciner
juristischen Logik und Ontologie der Relation2n, RTh 17 (1 :,86).
257-276 (264); como aí se explica, a construção cios fc:ctores
e a interp;·etação da norma esteio entre si r,m1a re!c.ção de
mútua corre!ativicl<'.de.
CVI

concreta há Direito (1 •0 ). Basta atentar no dilema


alternativo: conhecer um Direito independentemente
das soluções que ele promova ou viabilizar decisões
jurídicas sem a prévia intervenção de regras consti-
tuintes e legitimadoras.
A decisão constituinte é, por definição, uma mani-
festação de vontade humana. Trata-se, porém, não
de uma vontade vinculada, no sentido de se limitar
a apreender os elementos dados pelas fontes e pelos
factos, tirando, depois, a lógica conclusão, mas de
uma manifestação cognitivo-volitiva: o julgador
apreende certos elementos e decide, criativamente,
em termos finais (1ªº). Por certo que o quantum da
criatividade não é uniforme: atingindo um máximo

( 170 ) Ainda que em termos diversos, refiram-se: HELMUT


COING, Die Auslegungsmethoden und die Lehren der allge-
meinen Hermeneutik (1959), 23; LARENZ, Aufgabe und Eigen-
hart der Jurisprudenz cit., 450; J. LLOMPART, Juristisches
und Philosophisches Denken cit., 86; RALF DREIER, Zum
Selbstverstandnis der Jurisprudenz ais Wissenschaft, RTh 2
(1971), 37-54 (43 e 45); FRANZ HORAK, Zur rechtstheoreti-
schen Problematik der juristischen Begründung von Entschei-
dungen, em RAINER SPRUNG, Entscheidungsbegründung
(1974), 1-26 (1 ss.); W. ROTHER, Elemente und Grenzen des
zivilrechtlichen Denkens (1975), 12; H. ALBERT, Traktat über
rationale Praxis (1878), 22 ss. e 65 ss.; GERHARD HASSOLD,
Strukturen der Gesetzesauslegung, FS Larenz / 80 (1983),
211-240 (212-213).
( 1 ªº) Estas construções surgiram já há mais de cem
anos - p. ex., OSKAR BüLOW, Gesetz und Richteramt (1985),
29 ss., 32, 36 e 81 ss. - tendo sido desenvolvidas, na actuali-
dade, pelas sínteses hermenêuticas acima referenciadas.
cvu

aquando da aplicação de conceitos vazios ou da inte-


gração de lacunas rebeldes à analogia e extra-siste-
máticas, ele surge reduzido perante normas rígidas ou
mesmo típicas. Mas existe sempre, desde a apreensão
dos factos à localização das fontes.
A natureza cognitivo-volitiva da decisão jurídica
permite captar o relevo da sua capacidade consti-
tuinte. A decisão implica sempre algo de novo, que
apenas nela ocorre e se concretiza (1 81 ) . Também por
esta via fica clara a impossibilidade de fazer meto-
dologia sem dogmática.

13. Os modelos de decisão; pré-entendimento,


sinépica e integração horizontal

I.A natureza constituinte, volitivo-cognitiva, de


realização do Direito obriga a recolocar o processo
da sua efectivação. Na sua base está, como .foi dito,
a vontade humana. Não se trata, porém, duma von-
tade arbitrária; pelo contrário, é uma vontade orien-
tada por uma série de proposições dadas pela Ciência

( 18 1) A. KAUFMANN, num prisma lógico, e utilizando os


estudos de PIERCE, chama a atenção para este fenómeno enfo-
cando que, para além das operações clássicas da dedução e da
indução, exist~ uma terceira forma de concluir: a abdução.
Nela, em vez de se progredir estritamente na base de elemen-
tos já disponíveis, introduz-se uma ideia nova. Cf. A. KAUF-
MANN, Vorüberlegungen zu einer juristischen Logik und Onto-
logie der Relationen cit., 260 ss ..
C\'lll

do Direito. Tais propos1çoes, · porquallto clirigicius ó


vontade liurnana, seio argumentos cm sentido pl'óprio.
Eles jogam entre si em função do peso próprio e cio
papel que lhe atribua o sistema, articulando-se em
modelos de decisão.
Os modelos de decisão apresentam densidades
muito variáveis, consoante a margem de discriciona-
riedade que deixem ao intérprete-aplicaclor. Será
mesmo possível fixar categorias de modelos, em con-
sonância com esse factor: modelos rígidos, quundo CI
decisão tenha de seguir estritamente o sentido incul-
cado por certas proposições (p. ex., a maioridade aos
18 anos); modelos comuns, sempre que proposições
firmes se articulem com valorações do intérprete
(p. ex., a interpretação dum negócio); modelos móveis,
caso haja que atender a vários factores, que o intér-
prete terá de ordenar em concreto (p. ex., a indemni-
zação de danos provocados em estado de necessidade,
artigo 339.n /2 do Código Civil); modelos de equidade,
nas hipóteses em que se dispensem quaisquer elemen-
tos formais; modelos vagos, por via da junção da
mobilidade com princípios em oposição (p. ex., a alte-
ração das circunstâncias, artigo 437."/ 1 do Código
Civil); modelos em branco se, porventura, ocorrer
uma lacuna extra-sistemática ou uma irredutível con-
tradição de princípios.

I1. Os elementos que compõem os modelos de


decisão - os argumentos - advêm do labor da Ciên-
cia do Direito, no seu diátogo com as fontes. Têm,
com esse fito, sido aperfeiçoados múltiplos instru-
CIX

mentas, utilizáveis desde que se não perca de vista a


unidade do processo. Os conhecimentos hoje dispo-
níveis levam, contudo, a alargar o processo de reali-
zação do Direito em dois sentidos: a montante, através
do pré-entendimento e a jusante, com recurso à ideia
de sinépica.
O pré-entendimento, já considerado (1 82 ) , implica
aqui que o intérprete-aplicador, quando confeccione e
manuseie os modelos de decisão, tenha já uma pré-
-visão do problema, fruto da sua experiência, dos
seus conhecimentos, das suas convicções e da própria
linguagem. Esta realidade não pode escapar à Ciência
do Direito, sob pena de se admitirem áreas não-cien-
tíficas no processo de decisão. Por isso, através da
análise dos factores pré-firmados da decisão, e assu-
mindo-se, designadamente, a dimensão pedagógica do
Direito, há que integrar, na medida do possível, o
próprio pré-entendimento nos modelos de decisão,
limando arestas e valorizando os factores sistemáti-
cos que inclua.

III. Na outra extremidade do processo, há que


lidar com as denominadas consequências da decisão.
Na origem, pode colocar-se o utilitarismo, de
BENTHAM a JHERING e precisado através de
BIERLING (1s 1 ) , que veio exigir, na interpretação, a
indagação do escopo prosseguido pelo legislador.

( 1~2) Supra, n." 7, II.


('' ') ERNST RUDOLF BIERLING, Juristische Prinzipien-
lehre, 4." vol. (1911, reimrr. 1961), 276.
ex

Desenvolveu-se, assim, o factor teleológico da interpre-


tação (1 8 ·1 ) , particularmente valorado por CANARIS.
Vai-se, agora, mais longe. Para além da finalidade
do Direito, a consignar condignamente nos modelos
de decisão, há que lidar com as consequências dessa
própria decisão (1 85 ) . Na verdade, a sequência da deci-
são - domínio, em princípio, fora já da esfera do jul-
gador - pode sufragar ou inviabilizar .os objectivos
da lei e do Direito. Ignorá-lo, enfraquece a mensagem
normativa; incluí-lo no próprio modelo de decisão
permite, em definitivo, superar estádios meramente
formais no domínio da aplicação do Direito. Nessa
linha, surge a sinépica: trata-se de um conjunto de

( 184 ) Cf. HARRO HdGER, Die Bedeutung von Zweckbe-


stimmung in der Gesetzgebung der Bundesrepublik Deutschland
(1976) e VILMOS PESCHKA, Die Theorie der Rechtsnormen
(1982), 16 ss ..
( 185 ) ADALBERT PODLECH, Wertungen und Werte im
Recht, AdR 95 (1970 ), 185-223 (198 ss.) e Recht und Moral,
RTh 3 (1972), 129-148 (138); GÜNTHER TEUBNER, Folgenkon-
trolle und responsive Dogmatik, RTh 6 (1975), 179-204 (182 e
200-201); REINHARD DAMM, Norm und Faktum in der his-
torischen Entwicklung der juristischen Methodenlehre, RTh 7
(1976), 213-248 (228); ERICH DdHRING, Die gesellschaftli-
chen Grundlagen der juristischen Entscheidung (1977), 3; THO-
MAS SAMBUC, Folgenerwagung im Richterrecht (1977), 138;
THOMAS W. W ALDE, Juristische Folgenorientierung / «Policy
Analisis>> und Sozialkybernetik: Methodische und organisato-
rische überlegung zur Bewaltigung der Folgenorientierung
im Rechtssystem (1979), 24 ss.; ZINKE, Die Erkenntniswert
politischer Argumente in der Anwendung und wissenschaftli-
chen Darstellung des Zivilrechts cit., 70 ss. e HERMANN
HILL, Einführung in die Gesetzgebúngslehre, Jura 1986,
57-67 (63).
CXI

regras que, habilitando o intérprete-aplicador a «pen-


sor em conseqw211cias», permitem o conhecimento e a
pundernção elos efeitos elas decisões (1 8G).

IV. A considernçc1o do pré-entendimento e dos


c1spcclos sinépicos elas decisões correspondem como
que a umu integração vertical do processo de realiza-
ção elo Direito. Impõe-se, também, uma integração
verticul.
Perante um problema a resolver, não se uplica,
apenas, a norma primacialmente vocacionada para a
solução: tocló o Direito é chamado a depôr. Por isso,
há que lidar com os diversos ramos do Direito, em
termos articulados, com relevo para a Constitu[ção -
a interpretação deve ser conforme com a Constitui-
çao c1.~,), os diversos dados normativos relevan ·

(:''·) Cf. WOLFGANG f'IKENTSCHER, Synepeik in Recht


und Gerechtigkeit / Synepeics in Law and Justice (1979, polic.),
Methoclcn des Rcchts, 5." vol. ( 1977), 30 e 32 e Synepeik und
cine syncpüische Definilion des Rechts, em Entstehung und
\Vandel rcchtlicher Traditioncn (1980), 53-120.
('ª 7 ) Cf., p. ex.: FRIEDRICH SCHACK, Die verfassungs-
konfcrme Auslegung, JuS 1961, 269-274; HELMUT MICHAEL,
idem 27·1-281; WOLF-DIETER ECKART, Die verfassungskon-
forme Auslegur.g von Gesetzen (1966), 21 ss., 86 ss., 127 ss. e
passim; I-1. BOGS, Die vcrfassungskonforme Auslegung von
Gcsetzen unter besonderer Beri.icksichsichtigung der Recht-
sprcchung des Bundcsverfassungsgerichts ( 1966); DETLEF
CHRISTOPH GôLDNER, Verfassungsprinzip und Privatrechts-
norm in der verfassungskonformen Auslegung und Rechts-
fortbi!dung (1969), 43 ss. e pa!:sim; FRIEDRICH MüLLER,
Juristische Methodik (1976), 168 ss.; HANS-PAUL PR()MM,
CX!l

tcs ("') e os próprios níveis instrumentais, como o


prncesso (; ,,.).
A especialização dos juristas deve ser complemen-
tucla com novas sínteses e conexões que, à realização
do Direito, c/êem todas as suas dimensões.

14. O novo pensamento sistemático

As exigências renovadas de uma Ciência Jurí-


I.
dica clara e precisa, capaz de responder a uma reali-
dade em evolução permanente e que tenha em conta
os actuais conhecimentos hermenêuticos e as exigên-
cias ele maleabilidade deles decorrentes apontam para
wn novo pensamento sistemático.
Tal pensamento pode ser comodamente indiciado
através de quatro requisitos presentes no sistema por
ele postulado: trata-se de um sistema aberto, móvel,
heterogéneo e cibernético. Aberto no duplo sentido de
extensivo e intensivo; extensivo por oposição a pleno:

Vei"fassung und Methodik / Beitrage zur verfassungskonformen


A uslegung, Lückenerganzung und Gesetzeskorrektur (1977),
100 ss.; P. SCHIFFAUER, Wortbedeutung und Rechtserkenntnis
cit.. 71 ss.; R. ZIMMERMANN, Die Relevanz einer herrschen-
den l\'Ieinung cit., 106 ss ..
e~") Cf. JOHANNES HAGER, Gesetzes- und sittenkon-
forrne Auslegung und Aufrechterhaltung von Rechtsgeschaften
(1983).
( 1 "';) Cf. ERWIN QUAJ\1BUSCI-I, Recht und genetisches
Programm / Ansatze zur Neubelebung des Naturrechtsgedan-
kes (1983). 185 ss. e HERMANN HUBA, Juristische Rhetorik,
Jura JCJ87, 517-521 (517).
CXIII

odmite questões ,1 ele cxterio,·es. qlle Le,·ao de t'ilc:011-


trar snídcis; intensivo por oposic:ao u contínuo: com-
pnti/Jiliza-se. no seu interior, com elementos nwteriuis
Cl ele estranhos. Móvel por, no sell seio, ncio postular
proposições hierarquizadas, antes surgindo intcrmu-
tcíveis. Heterogéneo por apresentor. no seu corpo,
círec1s ele densidade dive1·sa: clescle coberturas integrais
por proposições rígidas até às quebras intrci-siste:má-
ticas e às lacunas rebeldes à analogia. Cibernético
por atentcir nas consequências de decisões que legi-
time. modificando-se e aclaptnnclo-se em função des-
ses elementos periféricos.

II. O Pensamento sistemático e conceito de sis-


tema, ele CLAUS-WILHELM CANARIS, escrito hcí já
ulguns anos. mas sufragado, ainda. pelo sei1 Autor,
opcirece como uma obrei ele charneira. na grande vira-
gem ela Ciê11cia Jurídica elos nossos clic1s.
Procurcmclo introduzir c1 cla1·eza e u preciscio num
domínio que se presta a confusos clesenvolvimentos,
CLAUS-WILHELM CANARIS sintetiza, num pequeno
livro. Cl ideia, o conteúdo, a natureza e os limites do
pensnme11to sistemático. A carga que eis fáceis apro-
ximoções e11tre o sistema e os axiomas têm provocado
é ci/ijc1cla. com isso se prevenindo o espectacula,· retro-
cesso que o opelo acrítico à tópica formal vinha pro-
voca11clo ,w Ciência do Direito. Finalmente, o dis-
curso teórico relativo cw sistema é acompc111/wclo e
c/esenvolviclo com base em problemas jurídico-positi-
vos retirndos do Direito privnclo. Consegue-se, assim,
CXIV

um passo pioneiro no domínio da surercição elo irrea-


lismo metodológico.
Ao promover a presente tradução, a Fundoçc"'io
Calouste Gulbenkian dá mais um passo importante
na linha fina e segura que vem seguindo em edições
deste tipo: põe à disposição elo pú.blico universitário
de língua portuguesa uma obra que premmciu, elo
melhor modo, a Ciência elo Direito do virar do
século.

António Menezes Cordeiro


PREFACIO A PRIMEIRA EDIÇÃO

O presente escrito resultou da conferência que eu


proferi no dia 20 de Julho de 1967, no âmbito do meu
processo de habilitação, perante a Faculdade de
Direito da Universidade de Munique. A sua elabora-
ção ficou concluída em Agosto de 1968; a literatura
posteriormente aparecida só pode ser considerada iso-
ladamente nas notas de rodapé.
O trabalho é dedicado ao meu muito venerado mes-
tre Karl Larenz, como modesto sinal da gratidão pelo
rico incentivo que dele recebi, no domínio científico
como no pessoal. Para além disso, devo também agra-
decer aos restantes membros da Faculdade de Muni-
que a benevolência e a simpatia que, no meu tempo de
assistente e de docente, sempre me concederam.

Graz, Dezembro de 1968

CLAUS-WILHELM CANARIS
PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO

O presente escrito, que remonta à minha conferên-


cia de habilitação feita no ano de 1967, encontra-se
esgotado há muitos anos. Não obstante, só com hesi-
tação acedi ao desejo, manifestado pela Editora, de
uma nova edição pois, por razões atinentes à técnica
da impressão, havia que excluir grandes alterações.
Não obstante, as ideias fundamentais, tal como resul-
tam, em especial, das teses inseridas no fim do livro,
correspondem, ainda hoje, ao meu pensamento. Desisti
pois de, no particular, realizar grandes acrescentos.
O texto corresponde assim, salvas pequenas altera-
ções, ao da primeira edição. Outro tanto sucede com
as citações, que eu deixo no estado anterior; actualizá-
-las ou, até, continuar a discussão desde então iniciada,
teria forçosamente conduzido a reescrever, em parte,
o livro - e não foi esse, como se disse, o objectivo
desta nova edição.
Estão em preparação traduções em japonês e em
português.

Munique, Dezembro de 1982

CLAUS-WILHELM CANARIS
A questão do significado da ideia de sistema para
a Ciência do Direito é dos temas mais discutidos da
metodologia jurídica. Em poucas controvérsias estão,
ainda hoje, as opiniões tão divididas. Enquanto, por
exemplo, SA UER exclama com ênfase: «Apenas o sis-
tema garante conhecimento, garante cultura. Apenas
no sistema é possível verdadeiro conhecimento, ver-
dadeiro sabem (1) e H. J. WoLFF diz: «A Ciência do
Direito ou é sistemática ou não existe» (2), EMGE
opina, com discrição céptica: «Um sistema é sempre
um empreendimento da razão com um conteúdo exa-
gerado» C) - uma afirmação que está apenas a curta
distância da célebre frase de NIETZSCHE que caracte-
rizou a aspiração ao sistema como uma «falta na
consecução do Direito» e uma «doença no carác-
ter» (1). No que respeita, em particular, ao direito
privado, a discussão metodológica mais importante

( 1) Juristisclte Metltodenlehre (1940), p. 171.


e) Typen im Recht und in der Rechtswissenschaft, StG
1952, p. 195 ss. (205).
(3) Einführung in die Rechtsphilosophie (1955), p. 378.
( 4) Gesammelte Werke (1895-1912), vol. VIII, p. 64 e
vol. XIV, p. 354, respectivamente. Justamente a propósito de
um princípio metodológico das ciências do espírito, BoLLNOW
enfoca a desconfiança contra o sistema; cf. Die Objektivitat der
Geisteswissensc/wften und die Frage nach dem Wesen der
Wahrheit, Zeitschr. f. Philosophische Forschung 16 (1962),
p. 3 ss. (15 s.).
G

deste século - travada entre a «jurisprudência dos


conceitos» e a «jurisprudência dos interesses>> - não
foi mais, em última análise, do que uma controvérsia
sobre o sentido, a forma e os limites da formação
do sistema jurídico. Mais recentemente, THEODOR
VrEHWEG, através do seu escrito sobre «Tópica e
Ciência do Direito» ("), renovou finalmente a discus-
são e encontrou, pela sua crítica ao sistema, quer
asser,timento enérgico, quer recusa firme.
Tais afinco e agudez da discussão não são, de
modo algum, de admirar, pois subjazem questões cen-
trais da Metodologia e da Filosofia do Direito. Como
ficaria claro, sobretudo com a discussão em torno das
teses de V1EHWEG, trata-se, afinal, dos fundamentos
da nossa disciplina, em especial do auto-entendimento
da Ciência do Direito como Ciência e da especifici-
dade do pensamento e da argumentação jurídicos.
Mais ainda: como a metodologia jurídica, em toda a
suê. extensão, está numa conexão estreita com a Filo-
sofia do Direito em geral, colocamo-nos, com celeri-
dade, perante a problemática dos «valores jurídicos
mais elevados» e da relação entre eles(':).
A discussão travada até hoje padece frequente-
mente da inexistência de clareza quanto ao seu
objecto, - o conceito de sistema - seja no campo
terminológico, seja no material. Assim por exemplo,

C') \ ." ed., 1953, actualmente na 2." ed., 1965. (A ed. mais
rcc;:-,t~. d::it'I de 1974-not.:t do tradutor).
<1 ::',.·,
(' J Cf., cc,m 1m1i,~ pormenores, infra H I II 2, -l IV ~.
5 l !. e; I .·J h e 7 1I.
7

VIEHWEG foi contraditado por DIEDERICHSEN por ter


conduzido uma «luta contra moinhos de vento» e um
«combate aparente», visto o sistema axiomã.tico-
-lógico, por ele questionado, não ser, há muito, defen-
dido por ninguém (7) - e, com efeito, aqui está uma
fraqueza essencial do trabalho de VIEHWEG ('). Não
obstante, e na melhor das hipóteses, apenc!s se encon-
tram, na literatura, respostas parciais à questüo do
conceito de sistema, pressuposto a cada passo. Sem
uma clarificação desse conceito falta, à discussão do
sistema, uma base indispensável; na sequência, vai-se
tentar obter, sobre o assunto, urna clareza maior.

C,) Topisches uncl systenrntisc'1cs Dcnl~en in der Juris-


prucien::::. NJW 19GG, p. G97 ss. (700).
(~) Cf., com mais pormenores, infra ~ 7 e, c>.í, a nota 64.
§ 1.0 A FUNÇÃO DA IDEIA DE SISTEMA
NA CIÊNCIA DO DIREITO

A elaboração de considerações mais pormenoriza-


das sobre o conceito de sistema jurídico pressupõe,
para já, que se clarifiquem dois pontos: em primeiro
lugar, o do conceito geral ou filosófico de sistema e,
em segundo, o da tarefa particular que ele pode
desempenhar na Ciência do Direito (1).

1- AS QUALIDADES DA ORDEM E DA UNIDADE COMO


CARACTERISTICAS DO CONCEITO GERAL DE SISTEMA

Sobre o conceito geral de sistema deveria domi-


nar - com múltiplas divergências em aspectos
específicos - no fundamental, uma concordância
extensa (2): é ainda determinante a definição clássica

( 1) Para a justificação deste procedimento na formação


de conceitos, cf. CANARIS, Die Feststellung von Lücken im
Gesetz (1964), p. 15 s., onde foi utilizado o mesmo caminho
para a determinação do conceito de lacuna.
( 2) RITSCHL, System und systematische Methode in der
Geschichte des wissenschaftlichen Sprachgebrauchs und der
philosophischen Methodologie, 1906, dá um bom panorama
histórico sobre a evolução do termo «sistema».
10

de:{;..·:,._-,-, ,: ,.('. c.:::;:-acterizou


-~--.). :;r:.:...'.v.::u ,,;.::.acte,
\\<-. __

sob u;n2 ideia, de conhecimentos variaàos» C) ou,


também, como «um conjunto de conhecimentos orde-
nado segundo princípios» ( 4 ) . De modo semelhante,
por exemplo, no «Dicionário dos conceitos filosófi-
cos» de EIS LER ("), define-se sistema: «l. Objectivo:
um conjunto global de coisas, processos ou partes, no
qual o significado de cada parcela é determinado
pelo conjunto supra-ordenado e supra-somativo ( ... )
2. Lógico: uma multiplicidade de conhecimentos, uni-
ficada e prosseguida através de um princípio, para
um conhecimento conjunto ou para uma estrutura
explicativa agrupada em si e unificada em termos
interiores lógicos, como o correspondente, o mais
possível fiel, de um sistema real de coisas, isto é,
de um conjunto de relações das coisas entre si, que
nós procuramos, no processo científico, 'recom:truir'
de modo aproximativo». As definições que se encon-
tram na literatura jurídica correspondem-lhe, também,
~argamente. Assim, por exemplo, segundo SAVIGNY,
o sistema é a «concatenação interior que liga todos
os institutos jurídicos e as regras de Direito numa

(l) Cf. Kritik der reinen Vernunft, l.' ed. (1781), p. 832
e 2.ª ed. (1787). p. 860, respectivamente.
(~) Cf. Mctaphysische Anfangsgründe der Naturwissen-
schaft, l.ª ed. (1786), preâmbulo, p. IV.
( 5) Worterbuch der philosophischen Begriffe, 4." ed.
ü 930), vol. III, palavra «Systenrn.
l1

granàe unidade»("), se;undo STAMMLER «uma unidade


totalmente coordenada» C), segundo BrNDER, «um
conjunto de conceitos jurídicos ordenado segundo
pontos de vista unitários» ("), segundo HEGLER, «a
representação de um âmbito do saber numa estrutura
significativa que se apresenta a si própria como orde-
nação unitária e concatenada» C'), segundo STOLL um
«conjunto unitário ordenado» (1'') e segundo CoING
uma «ordenação de conhecimentos segundo um ponto
de vista unitário>> (1 1 ) .

(G) · System des heutigen romischen Rechts, vol. I (1840),


p. 214 (também p. XXXVI e p. 262).
(') Theorie der Rechtswissenschaft, 2.' ed. (1923), p. 221;
de igual modo Lehrbuch der Rechtsphilosophie, 3.' ed. 1928;
concordam, p. ex., B1NDER, Rechtsbegriff uncl Rechtsidee (1915),
p. 158 s. e Philosophie des Rechts (1925), p. 922; ENGISCH, Sinn
und Tragweite juristischer Systematik, StG 10 (1957), p. 173 ss.
(186).
( 8) Philosophie des Rechts, loc. cit.; de igual modo
Rechtsbegriff und Rechtsidee, loc. cit. e, mais tarde, ZHR 100,
p. 34 s. e 78.
( 9) Zum Aufbau der Systematik des Zivilprozessrechts,
em: Festgabe für Heck, Rümelin und Schmidt (1931), p. 21G.
( 111 ) Begriff und Konstruktion in der Lehre der Interes-
senjurisrrudenz, Festgabe für Heck, etc. (cf. nota anterior),
p. 77.
( 11 ) Geschichte und Bedeutung des Systemgedanlws 111
der Rechtswissenschaft, Frankfurter Univertitatsreden Heft 17,
citado segundo CoING, Zur Geschichte des Privatrechtssystems,
(1962), p. 9; cf., também, CoING, Bemer/wngen zum iiberlwmme-
nen Zivilrechtssystem. em: Festschrift fi.ir Dolle (I 963), p. 25.
12

Há duas características que emergiram em todas


as definições (1 2 ) : a da ordenação e a da unidade; elas
estão, uma para com a outra, na mais estreita relação
de intercâmbio, mas são, no fundo, de separar (1 ::) .
No que respeita, em primeiro lugar, à ordenação, pre-
tende-se, com ela - quando se recorra a urna for-
mulação muito geral, para evitar qualquer restrição
precipitada - exprimir um estado de coisas intrín-
seco racionalmente apreensível, isto é, fundado na
realidade. No que toca à unidade, verifica-se que este
factor modifica o que resulta já da ordenação, por
não permitir uma dispersão numa multitude de :,ingu-

( 12 ) Por vezes, aparece ainda referida a característica


da plenitude; cf., principalmente, STAMMLER, Theorie der
Rechtswissenschaft, loc. cit., p. 221 s., em ligação com KANT:
«O conjunto... pode, na verdade, crescer interiormente (per
intus susceptionem), mas não exteriormente (per appositionem),
como um corpo animal, cujo crescimento não implica qualquer
soma, antes levando, sem modificação das proporções, à melho-
ria da força e da capacidade de cada um, face aos seus esco-
pos» (Kritik der reinen Vernunft, loc. cit., pp. 833 e 861, res-
pectivamente). Esta característica não pode, em caso algum,
assistir ao sistema jurídico porque este, por força da «abertura»
do «sistema objectivo» (cf., quanto a isto, infra § 3 II), pode
sempre crescer também «per appositionem». O elemento da
«plenitude» poderia, contudo, não ser essencial ao conceito
geral de sistema, mas reportar-se a uma sua delimitação deter-
minada. - Quanto à exigência da «plenitude» num sistema
axiomático no sentido da logística cf. infra p. 26 e p. 27 s.
( 13 ) Certo STAMMLER, ob. cit., p. 222.
13

laridades desconexas (1·1 ) , antes devendo deixá-las


reconduzir-se a uns quantos princípios fundamentais.
Deve-se, assim, distinguir sempre duas formas ou,
melhor, dois prismas do sistema: por um lado, o sis-
tema de conhecimentos, que E1sLER, na definição
citada, chama de «lógico» e que, na sequência, de
modo mais genérico, será apelidado de «científico» e,
por outro, o sistema dos objectos do conhecimento,
a propósito do qual, com razão, E1sLER fala de sis-
tema «objectivo» ou «real». Ambos estão, de facto,
em conexão estreita, devendo o primeiro ser «o cor-
respondente o mais fiel possível» (1 5 ) do último, de
modo a que a elaboração científica de um objecto
não desvirtue este, falseando, com isso, a sua finali-
dade. Segue-se imediatamente daí, para a formação
jurídica do sistema, que esta só será possível quando
o seu objecto, isto é, o Direito, aparente tal sistema
«objectivo». Qualquer outra precisão sobre o signifi-
cado da «ideia de sistema» na Ciência do Direito e
sobre o correspondente conceito de sistema pressupõe,
por isso, o esclarecimento da questão sobre se e até
onde possui o Direito aquelas ordenação e unidade,
indispensáveis como fundamento do sistema.

( 14 )Poder-se-ia, ainda aqui, falar de ordenação uma vez


que a conexão já representa, em particular, uma das suas for-
mas, enquanto cada ordenação como tal comporta sem dúvida,
já em si, a tendência para a unidade (cf. também a nota 13).
( 15) Cf. E1sLrn, ob. e Ioc. cit.
14

!I - A ADEQUAÇÃO VALORATIVA E A UNIDADE INTERIOR


DA ORDEM JURíDICA COMO FUNDAMENTOS DO SISTEMA
JURÍDICO

O que se passa então com a ordenação interior e


com a unidade de sentido do Direito?

1. Adequação e unidade como premissas teorético-


-científicas e hermenêuticas

Num prisma metodológico, elas pressupõem-se,


normalmente, como evidentes. Isso resulta, desde
logo, de se considerar o Direito como Ciência (1G);
pois, como diz CoING: «Em última análise, o sistema
jurídico é a tentativa de reconduzir o conjunto da
justiça, com referência a uma forma determinada de
vida social, a uma soma de princípios racionais.
A hipótese fundamental de toda a Ciência é a de que
uma estrutura racional, acessível ao pensamento,
domine o mundo material e espiritual» (1 7 ) . Por con-
sequência, também a metodologia jurídica parte, nos
seus postulados, da existência fundamental da uni-
dade do Direito. Ela fá-lo, por exemplo, com a regra

( 10 ) A ligação inseparável entre a natureza científica do


Direito e a ideia do sistema foi acentuada, de forma expressa
e repetida, sobretudo, por BINDER; cf., p. ex., Philosophie des
Rechts, p. 838 s., 852 e já em Der Wissenschaftscharakter der
Rechtswissenschaft, Kantstudien XXV (1921), p. 321 ss. (356).
( 17 ) Zur Geschichte des Privatrechtssystems, p. 28.
da «interpretaç5.o sistemática» (1i) ou através da pes-
quisa de «princípios gerais de Direito», no campo da
chamada analogia de Direito, colocando-se, com isso,
em consonância com as doutrinas da hermenêutica
geral; de facto, pertence a estas o chamado «cânon
da unidade» ou da «globalidade», segundo o qual o
ir1térprete deve pressupor e entender o seu objecto
como um todo em si significativo, de existência asse-
gurada (1!)).
No entanto, o concluir, sem mais, pela existência
da unidade do Direito, a partir da natureza científica
da jurisprudência ou do postulado metodológico do
entendimento unitário, conduz a uma petitio principii.
Pois o ser a jurisprudência uma Ciência suscita, logi-
camente, a questão prévia, inteiramente procedente,
de saber se a aceitação desse carácter científico não
.será um erro, por inadequação do seu objecto; assim,
os adversários do pensamento sistemático, em parte
na sequência desse seu princípio básico, têm negado
o carácter científico da jurisprudência ("(J), reconhe-

( 1' ) Cf., quanto a esse tema, infra ~ 5, I 1, com mais


indicações na nota 21.
( 19 ) Cf., por último, pormenorizadamente, BETTI, Allge-
meine Auslegungslehre ais Metfzodili der Geisteswissenschaften,
1967, p. 219 ss., com amplas indicações.
( 20 ) Com particulares consequências, EHRLICH, Gundle-
gung der Soziologie eles Rechts, 1913, p. 1 ss., 198 e passim;
quanto à recusa de EHRLICH da ideia de unidade da ordem
jurídica e quanto à sua crítica ao sistema, cf. Die juristische
Logik, 2." ed., 1925, p. 121 ss. (em especial, p. 137) e p. 258 ss.,
rcspectivamen te.
16

cendo-lhe apenas a categoria de uma espécie de «arte


ou de técnica». E o mesmo acontece com as regras
da «interpretação sistemática», da pesquisa dos prin-
cípios gerais de Direito e do entendimento unitário
que, como todas as máximas metodológicas, devem
permanecer meros postulados inalcançáveis, quando
não encontrem no seu objecto, isto é, na ordem jurí-
dica, uma correspondência.
A remissão para hipóteses metodológicas funda-
mentais, feita tradicionalmente pelo jurista, não é,
contudo, totalmente desprovida de valor. Pelo menos
ela deveria alertar os críticos do pensamento siste-
mático para o facto de eles abandonarem mais do que
talvez parecesse à primeira vista; assim, é plenamente
duvidoso que VIEHWEG queira negar o carácter cientí-
fico da jurisprudência e que os seus seguidores o
queiram acompanhar nessa consequência C: 1 ) . Mas

( 21 ) VIEHWEG caracteriza a tópica coqio a «técnica do


pensamento problemático» - cf. ob. cit. (p. 15), e parece
conceber a expressão «técnica» como o oposto de «ciência»
(para uma oposição entre tópica e ciência depõem também as
considerações de p. 25, VII). De facto, dever-se-ia pensar que
um processo que apenas «queira dar indícios» (p. 15), que
«evite compromissos» (p. 23), que apoie a legitimação das
suas premissas apenas na «aceitação do interlocutor» (p. 24),
etc. etc., não poderia aspirar seriamente à natureza científica.
No entanto, VIEHWEG parece reconhecer, junto das ciências
que trabalham de modo lógico-dedutivo, um segundo tipo de
Ciêncià (com que ele concordaria) e no qual quer situar a
Ciência do Direito, também através da afirmação da sua estru-
tura tópica fundamental (cf., p. ex., p. 1 s., p. 53 s., p. 63 s.)
(o que seria difícil de conciliar, pelo menos com o conceito
tradicional de Ciência).
17

sobretudo e para além disso a hipótese do carácter


científico e as máximas metodológicas conclusivas
remetem para o auto-entendimento dos juristas (2~),
o qual constitui, pelo menos, um certo indício (2:))
para a estrutura do objecto da jurisprudência, a ordem
jurídica (2 1 ) ; caso esta estivesse em grande oposição
com os pressupostos e os postulados da metodologia,
o jurista ou iria sofrer, no seu trabalho prático, um
permanente fracasso ou não tomaria em conta as

( 22 ) Existe uma ligação estreita entre a metodologia de


uma disciplina e a fenomenologia do entendimento (por último,
cf., por todos, GADAMER, Wahrheit und Methode, 2.• ed. 1965):
a fenomenologia pode retirar da metodologia conclusões essen-
ciais sobre a forma de entendimento nessa disciplina (con-
quanto as máximas da metodologia não surjam como puros
postulados, mas antes sejam efectivamente observadas), e,
inversamente, cada metodologia deve considerar as leis essen-
ciais do entendimento humano, elaboradas pela fenomenologia,
quando não queira expor-se a exigências incomportáveis.
( 23 ) Esta afirmação pode ser produzida mesmo sem um
embrenhar na problemática gnoseológica da relação entre
sujeito e objecto.
( 2 ·1 ) Cf., a este propósito, também DIEDERICHSEN, NJW
1966, p. 695, na nota 29, o qual, entre outras coisas, objecta
contra as teses de VrEHWEG que «no mundo concreto das
realidades» aparece «a sua disciplina, ao jurista, como um
todo significativo e não como uma mistura de questões des-
conexas». Esta afirmação - que, aliás, não é inatacável, na
sua generalidade - não assume também, naturalmente, força
demonstrativa obrigatória; pois a «experiência de unidade»
dos juristas, como facto meramente psicológico, não afirma
nada de definitivo sobre a estrutura da ordem jurídica, nem,
ao contrário da metodologia, nada sobre a forma de pensa-
mento jurídico correcto.
JS

exigências da metodologia ou ainda apenas aparente-


mente o faria, - ora nada disto pode ser afirmado
da Ciência do Direito actual. Não obstante, este «indí-
cio» permanece bastante inseguro, não podendo
falar-se de uma verificação obrigatória da hipótese.
A ideia da ordem interior e da unidade carecf:, por
isso, de uma confirmação que se deve fundamentar
na própria estrutura do seu objecto, portanto na essên-
cia do Direito.

2. Adequação e unidade como emanações e pos-


tulados da ideia de Direito

De facto, a demonstração não é difícil. A ordem


interior e a unidade do Direito são bem mais dq que
pressupostos da natureza científica da jurisprudência
e do que postulados da metodologia; elas pertencem,
antes, às mais fundamentais exigências ético-jurídicas
e radicam, por fim, na própria ideia de Direito. Assim,
a exigência de «ordem» resulta directamente do reco-
nhecido postulado da justiça, de tratar o igual de
modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo
com a medida da sua diferença: tanto o legislador
corno o juiz estão adstritos a retornar «consequente-
mente» os valores encontrados, «pensando-os, c1té ao
fim», em todas as consequências singulares e afas-
tando-os apenas justificadamente, isto é, por razões
materiais, - ou, por outras palavras: estão adstritos
a proceder com adequação. Mas a adequação racional
é, como foi dito, a característica da «ordem» no sen-
19

lido do conceito de sistema, e por isso a regra da ade-


quação va!orativa, retirada do princípio da igualdade,
constitui a primeira indicação decisiva para a aplica-
ção do pensamento sistemático na Ciência do
Direito, - o que, por e:'Cemplo, FLUME (2;), seguindo
SAV:GNY e';), certeiramente exprime quando caracte-
riza o sistema como «a consequência do Direito, inte-
riormente pressuposta» e·).
De modo semelhante, também a característica da
ui1idade tem a sua correspondência no Direito, embora
a ideia da «unidade da ordem jurídica» pertença ao
domínio seguro das considerações filosóficas (2s).

e 3) Allg. Teil des Bürgerl. Rechts, 2." vol., 1965, p. 295


e 29G.
e';) Ob. cit., p. 292. A referência a SAV!GNY não se
reporta contudo, como se poderia retirar das considerações
de F!.UME, imediEJ.tamente ao sistema, mas sim à analogia; para
o conceito de sistema de SAVIGNY cf. a citação supra na nota 6.
e 1) Em parte semelhantes também as obras citadas
111frcr, na nota 35.
(>) Ê fundamental o escrito de ENGISCH de 1935, que tem
o mesmo nome: Die Einheit der Rechtsordnung. Sobre este
infeliz e relativamente pouco discutido problema cf., do mesmo
autor, Einfiihrung in das juristische Denken, 3." ed., 1964,
p. 156 ss.; EHRLICH, Die juristische Logik, p. 121 ss., com uma
panorâmica histórica desenvolvida; STAMMLER, Theorie der
Rechtswissenschaft, p. 209 ss., 211 ss.; WENGLER, Betrachtungen
iiber den Zusammenhang der Rechtsnormen in der Rechtsord-
nung und die Verschiedenheit der Rechtsordnungen, em: Fest-
schríft für Rudolf Laun, 1953, p. 719 ss.; LARENZ, Metho-
denlehre cit., p. 135, 353 s.; HANACK, Der Ausgleich
divergierender Entscheidungen in dér oberen Gerichtsbarkett,
1962, p. 104 ss.
20

Também esta não é, de modo algum, apenas um


«postulado lógico-jurídico» (2°), antes se recondu-
zindo, da mesma forma, ao princípio da igualdade.
Por um lado ela constitui - nos seus, por assim dizer,
componentes negativos - apenas de novo uma ema-
nação do princípio da igualdade, enquanto procura
garantir a ausência de contradições da ordem jurídica
(o que já está abrangido pela ideia de adequaçã.o Cº),
e por outro - no seu componente positivo (3 1 ) - - ela
não representa mais do que a realização da «tendência
generalizadora» da justiça (3 2 ) , que exige a superação
dos numerosos aspectos possivelmente relevantes no
caso concreto, a favor de uns poucos princípios,
abstractos e gerais (3 1 ) . Através deste último, garan-
(2º) Demasiado restrito, quanto a isso, HANACK, ob. cit.,
p. 107 (cf. também p. 104); trata-se, na verdade, em primeira
linha, de um postulado axiológico.
e 0) Assim torna-se de novo clara a conexão estreita
existente entre a qualidade de ordem e a da unidade.
( 31 ) A qual tem sido injustamente descurada, até hoje, na
literatura, perante o outro elemento, e da ausência de con-
tradições.
e 2) Quanto a esta (e quanto à sua inversa, a tendência
individualizadora) cf., por todos, HENKEL, Recht und lndivi-
dualitat, 1958, p. 16 s., 44 s. e passim e Einführung in die
Rechtsphilosophie, 1964, p. 345 s.; cf. também, por exemplo,
SALOMON, Gundlegung zur Rechtsphilosophie, 2.• ed., 1925,
p. 147 ss.; RADBRUCH, Rechtsphilosophie, 5.ª ed., 1956, p. 170;
CoING, Grundzüge der Rechtsphilosophie, 1950, p. 114 s.;
ENGISCH, Die Idee der Konkretisierung in Recht und Rechts-
wissenschaft unserer Zeit, 1953, p. 199 ss., com outras indica-
ções; EMGE, Einführung in die Rechtsphilosophie, 1955, p. 174 s.
( 93) Ela não se coloca, aliás, autonomamente perante o
princípio da igualdade, antes sendo, pelo contrário, conse-
21

te-se que a «ordem» do Direito não se dispersa numa


multiplicidade de valores singulares desconexos, antes
se deixando reconduzir a critérios gerais relativa-
mente pouco numerosos C,1) ; e com isso fica também
demonstrada a efectividade da segunda característica
do conceito de sistema, da unidade e-~).

quência dele; o puramente individual é, na .sua unicidade essen-


cial, sempre «incomparável»; ora a aplicação do princípio da
igualdade pressupõe, pelo contrário, sempre uma certa abstrac-
ção e generalização que tornam possível uma «comparação»;
assim a tendência generalizadora da justiça tem, de facto, a
sua origem· no princípio da igualdade.
( 31 ) Opõe-se-lhe, naturalmente, a «tendência individuali-
zadora»; esta não torna impossível a formação do sistema,
apenas lhe apondo limites; cf., quanto a isso, inf ra ~ 6 III
e ~ 7 II 2 b.
(~") A conexão entre a ideia da adequação e sobretudo
a da unidade do Direito e o sistema é muitas vezes salientada,
ainda que, com frequência, de modo incidental; para além das
citações feitas supra, notas 6 a 11, cfr. por exemplo,
KRETSCHMAR, über die Methode der Privatrechtswissenschaf t,
1914, p. 40 e 42 e JherJb. 67, 264 s., BAUMGARTEN, Die
Wissenschaft vom Recht und ihre Methode, 1920, Bd. I, p. 298
e p. 344; SAUER, Methodenlehre, ob. cit. p. 172; NAWIASKY,
Allgemeine Rechtslehre ais System der rechtlichen Grundbe-
griffe, 2.ª ed., 1948, p. 16 e 264; CoING, Rechtsphilosophie,
ob. cit., p. 276 ss. e JZ 1951, p. 485; Essrn, Gundsatz und
Norm, ob. cit., p. 227 e passim; LARENZ, Festschrift für Nikisch,
1958, p. 299 s. e Methodenlehre, ob. cit., p. 133 s.; P. SCHNEIDER,
VVdDStRL 20, p. 38; R.AISER, NJW 64, p. 1204; WIEACKER,
Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 2.• ed., 1967, p. 532; BETTI,
Ali. Auslí!gungslehre, ob. cit., p. 223 s.; ZIPPELIUS, NJW 1967,
p. 2230; MAYER-MALY, The Irish Jurist, vol. II, part 2, 1967,
p. 375 (cf. também Festschrift für Nipperdey, 1965, Bd. I,
p. 522).
22

Long2 r:k ser urna abe;:-r&(_:.:., .. .:e- . _ . :: c: •• d.:..·.': os


críticos do pensamento sistemático, a ideia do sistema
jurídico justifica-se a partir de um dos mais elevados
valores do Direito, nomeadamente do princípio da
justiça e das suas concretizações no princípio da
igualdade e na tendência para a generalização C').
Acontece ainda que outro valor supremo, a segurança
jurídica, aponta na mesma direcção. Também ela pres-
siona, em todas as suas manifestações - seja como
determinabilidade e previsibilidade do Direito, como
estabilidade e continuidade da legislação e da juris-
prudência ou simplesmente como praticabilidade da
aplicação do Direito - para a formação de um sis-
tema, pois todos esses postulados podem ser muito
melhor prosseguidos através de um Direito adequada-
mente ordenado, dominado por poucos e alcançáveis
princípios, portanto um Direito ordenado em sistema,
do que por uma multiplicidade inabarcável de normas
singulares desconexas e em demasiado fácil contradi-
ção umas com as outras. Assim, o pensamento siste-
mático radica, de facto, imediatamente, na ideia de
Direito (como o conjunto dos valores jurídicos mais
elevados). Ele é, por consequência, imanente a cad~
Direito positivo porque e na mediàa em que este
represente uma sua concretização (numa forma his-
toricamente determinada) e não se queda, por isso,
como mero postulado, antes sendo sempre, também,
pr~ssuposição de todo o Direito e de todo o pensa-
mento jurídico C'·;) e ainda que a adequação e a uni-
( 3G) Assim falou também S,WIG!'.Y, na citação referida,
da «consequência pressuposta do Direito».
23

dadé também com frequência possam realizar-se de


modo fragmentado C·).
Assim se atingiu o objectivo fixado no início deste
parágrafo: apurar-se um fenómeno jurídico, que
constitui um ponto de contacto com um sistema no
sentido da linguagem filosófica; por consequência,
torna-se agora possível a tarefa de uma melhor deter-
minação do sistema jurídico. Esta pode, por seu turno,
formar os princípios para uma mais exacta análise
sobre o sentido e os limites do pensamento sistemático
na Ciência do Direito e permitirá igualmente precisar
e testar as afirmações agora feitas, na sequência do
estudo (3 8 ) . O papel do conceito de sistema é, no
entanto, como se volta a frisar, o ele traduzir e reali-
zar e3n) a adequação valorativa e a unidade interior da
ordem jurídica.

c:1) Esta fragmentação não nega a possibilidade funda-


mental do sistema; apenas torna claro que são postos certos
limites à sua formação plena (quanto a eles, cf. infra ~ 6).
(3S) As presentes considerações não são mais do que um
primeiro esboço do problema do sistema que, na sequência,
ainda irá· sofrer múltiplas modificações.
Cº) Também para realizar; pois a unidade e a adequação
não são apenas afirmadas, mas também sempre pretendidas,
portanto não apenas pressuposição, mas também um postulado
(cf. supra nota 36 e i11fra ~ 5, IV, 2).
§ 2. 0 O CONCEITO DE SISTEMA

Ao atribuir-se, ao conceito de sistema jurídico,


as tarefas acima caracterizadas, afastam-se, de ante-
mão, da multitude dos conceitos desenvolvidos até
hoje (1), todos aqueles que não estejam aptos a
desenvolver a adequação interna e a unidade de uma
ordem jurídica. Isso não implica necessariamente que
eles falhem sem excepção ou que não possam ser
utilizados, em nenhum domínio, para as tarefas da
Ciência do Direito; mas a distinção tem ainda um
certo valor, uma vez que a justificação de um con-
ceito de sistema que não se apoie nas considerações
realizadas no parágrafo anterior é, de antemão, limi-
tada, expondo-se ainda à objecção de poder ignorar
a essência do Direito.

(1) Uma panorâmica encontra-se, por exemplo, em


RADBRUCH, Zur Systematik der Verbrechenslehre, em: Frank-
-Festgabe I, 1930, p. 158 ss.; ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957),
p. 177 ss.
2G

1 - CONCEITOS DE SISTEMA QUE NÃO SE JUSTIFICAM


A PARTIR DAS IDEIAS DA ADEQUAÇÃO VALORATIVA E
DA UNIDADE INTERNA DA ORDEM JURÍDICA

1. O sistema «externo»

A este propósito não releva, em primeiro lugar, o


chamado sistema externo no sentido da conhecida
terminologia de HEcK e) que, no essencial, se reporta
aos conceitos de ordem da lei; pois este não visa,
ou não visa em primeira linha, descobrir a unidade
de sentido interior do Direito, antes se destinando, na
sua estrutura, a um agrupamento da matéria e à sua
apresentação tão clara e abrangente quanto possível.
Com certeza que semelhante sistema não fica, com
isso, despido de valor; pelo contrário: ele é de grande
significado para que o Direito possa ser visto no seu
conjunto e, com isso, para a praticabilidade da sua
aplicação, bem como, mediatamente, também para a
segurança jurídica, no sentido da previsibilidade da
decisão. Mas isto não é o «sistema do Direito», no
sentido de uma ordenação internamente conectada,
embora possa muitas vezes, pelo menos em parte,
fazer esse papel.

(~) Cf. Begriffsbildung und Interessenjurispruclenz, 1932,


p. 139 ss. (142 s.).
27

2. O sistema de «puros» conceitos fundamentais

São também impróprios para traduzir a unidade


interior e a adequação de uma ordem jurídica, todos
os sistemas de «puros» conceitos fundamentais tal
como STAMMLER C), KELSEN (4) ou NAWIASKY (") os
desenvolveram. Trata-se, neles, de categorias pura-
mente formais, que subjazem a qualquer ordem jurí-
dica imaginável, ao passo que a unidade valorativa
é sempre de tipo material e só pode realizar-se numa
ordem jurídica historicamente determinada; sobre
isso, porém, os sistemas de puros conceitos funda-
mentais, pela sua própria perspectivação, não querem
nem podem dizer nada. Não obstante, dispensa qual-
quer enfoque que o afinamento do instrumentarium
da Ciência jurídica, através do reconhecimento dos
sempre pré-elaborados conceitos fundamentais aprio-
rísticos, tem grande valor; no entanto, o carácter
puramente formal e a generalidade destes conceitos
e categorias deixam suficientemente claros os limites
do seu valor para a elaboração científica do Direito,
que existe sempre, apenas, numa determinada indi-
vidualidade histórica. Assim, as questões que se
consideram como típicas para a problemática da

n Cf. sobretudo, a Theorie der Rechtswissenschaf t,


l.' ed., 1911, 2.' ed., 1923 e o Lehrbuch der Rechtsphilosophie,
3." ed., 1928.
(1) Cf., sobretudo, a Reine Rechtslehre, 2.ª ed., 1960.
(") Cf. a Aligemeine Rechtslehre ais System der recht-
lichcn Grundhcgriffe, 2." ed., 1948.
28

formação do sistema jurídico - em especial, as do


significado do sistema para a obtenção do Direito,
as da vinculação do legislador à ideia de sistema ou
as do manuseamento das quebras no sistema - não
se colocam, por acaso, sempre apenas a propósito de
uma determinada ordem jurídica (º); e também quando
se fala de «pensamento sistemático» - porventura em
oposição ao pensamento problemático ou à tópica -
não se tem em vista, habitualmente, um sistema de
puros conceitos fundamentais, mas sim o do Direito
positivo.

3. O sistema lógico-formal

a) O sistema lógico da jurisprudência dos conceitos

Um sistema lógico-formal (7) é igualmente inade-


quado para exprimir a unidade interior e a adequação
de determinada ordem jurídica positiva. Não obstante,
este ideal dominou por longo tempo a Ciência do

(G) Cf. também ENGISCH, ob. cit., p. 182.


(i) Para a determinação do conceito de «lógica formal»,
sobre o qual poderia haver unanimidade alargada, cf. ScttoLz,
Abriss der Geschichte der Logik, 2.• ed., 1959, p. 15. Segundo
ele, deve entender-se, como lógica formal, a parte da Ciência
que «formula, para a edificação de qualquer Ciência, as regras
de conclusão e que, do mesmo modo, fornece tudo o que é
necessário para a exacta formulação dessas regras>>. Sobre
outros tipos de lógica e sobre a questão de saber se se pode
falar, com sentido, de uma lógica não formal, cf. SCHOLZ,
ob. cit., p. 1 e p. 5, respectivamente.
29

Direito alemã, tendo os partidários da chamada


«jurisprudência dos conceitos» firmado como objec-
tivo a elaboração de um sistema desse tipo (8 ) . MAX
WEBER caracterizou o conceito de sistema em causa,
de modo certeiro, na sua Sociologia do Direito, da
forma seguinte: <<Segundo os nossos actuais hábitos
de pensamento, ela (sic, a sistematização) traduz:
a concatenação de todas as proposições jurídicas,
obtidas por análise, de tal modo que elas formem,
entre si, um sistema de regras logicamente claro, em
si logicamente livre de contradições e, sobretudo e
principalmente, s.em lacunas, o que requer: que todos
os factos possam logicamente subsumir-se numa das
suas normas, ou caso contrário, a sua ordem abdica
da garantia essencial» (9). Nos bastidores desta con-
cepção encontra-se, manifestamente o conceito posi-
tivista de Ciência (1°), elaborado tendo como ideais
a Matemática e as Ciências da natureza. Assim pode
o filósofo WuNDT dizer que a Ciência do Direito,
por força do seu processo jurídico-conceptual, é «uma
Ciência eminentemente sistemática» e que, através

( 8) Cf. por todos, a exposição de LARENZ, ob. cit., p. 17 ss.


( 8) Cf. Wirtschaft und Gesel/schaft, 4." ed. (promovida por
JOHANNES WÍNCKELMANN), 1956, 2.º tomo, p. 396 (os itálicos
pertencem ao texto) - MAX WEBER coloca-se aliás, em posição
inteiramente crítica a esse tipo de Ciência do Direito; cf.,
sobretudo, p. 493 e p. 506 s.
1
( º) Para essa influência na Ciência do Direito cf., em
geral, LARENZ, Methodenlehre, p. 34 ss.
30

do seu «carácter estritamente lógico» ela é «em certa


medida, comparável à Matemática» (1 1 ) .
Esta concepção da essência e dos objectivos da
Ciência do Direito pode-se hoje, sem reserva, consi-
derar corno ultrapassada. De facto, a tentativa de
conceber o sistema de determinada ordem jurídica (1 2 )
como lógico-formal ou axiomático-dedutivo está, de
antemão, votada ao insucesso (1~). Pois a unidade
interna de sentido do Direito, que opera para o erguer
em sistema, não corresponde a uma derivação da
ideia de justiça de tipo lógico, mas antes de tipo valo-
rativo ou axiológico. Quem poderia seriamente pre-
tender que a regra de tratar o igual por igual e o

( 11 ) Cf. Logik, vol. III, 4." ed., 1921, p. 617 (mas cf. tam-
bém p. 595 s.): já essencialmente realista a respeito da viabi-
lidade de um sistema lógico-foma! para a Ciência do Direito,
S!GWART, Logik, 2.º vol., 2.· ed., 1893, p. 736 ss.
( 12) Os sistemas dos «puros conceitos fundamentais>>,
pelo contrário, por força da sua natureza puramente formal,
poderiam satisfazer inteiramente as exigências de um sistema
lógico-formal ou axiomático-dedutivo.
( 1 ~) Do mesmo modo COING, Grundzüge der Rechtsphilo-
sophie, p. 276 e Geschichte und Bedeutung des Systemgedan-
kens, p. 27; VIEHWEG, ob. cit., p. 53 ss.; ENGISCH, Stud. Gen.
10 (1957), p. 173 ss. e 12 (1959), p. 86; EssER, Grundsatz und
Norm, 2.ª ed. (1964), p. 221; L:\RENZ, ob. cit., p. 134 s.;
S1MITIS, Ratio 3 (1960), p. 76 ss.; EMGE, Philosophie der
Rechtswissenschaft, 1961, p. 289 s.; BÃUMLIN, Staat, Recht
und Geschichte, 1961, p. 27; PERELMANN, Justice et raison,
1963, p. 206 ss.; RAISER, NJW 1964, p. 1203 s.; FLUME, Allg.
Teil des Bürgl. Rechts, 2.º vol., 1965, p. 295 s.; DIEDERICHSEN,
NJW 1966, p. 699 s.; ZIPPELIUS, NJW 1967, ]). 2230; cf. também
já SrGWART, ob. cit., p. 736 ss.
31

diferente de modo diferente, de acordo com a medida


da diferença, pode ser acatada com os meios da
lógica? Os valores estão, sem dúvida, fora do âmbito
da lógica formal e, por consequência, a adequação
de vários valores entre si e a sua conexão interna
não se deixam exprimir logica::nente, mas antes, ape-
nas, axiológica ou teleologicamente (14 ) . Pode, com
isso, colocar-se a questão difícil de saber até. onde
está o Direito ligado às leis da lógica e até onde a
ausência lógica de contradições da ordem jurídica
pode ser incluída, como previsão mínima, na sua uni-
dade valora tiva (1~·); mesmo quando isso seja afir-
mado, é indubitável que urna eventual adequação
lógico-formal das normas jurídicas singulares não
implica a unidade de sentido especificamente jurídica
de um ordenamento.
Este carácter axiológico e teleológico da ordem
jurídica implica que, comparativamente, os critérios
lógico-formais tenham escasso significado para o
pensamento jurídico e para a metodologia da Ciência
do Direito (1'). Na verdade, a Ciência do Direito, na

( 1 1) No sentido amplo do termo, cf. infra, p. 41.


( 1 ~·) Cf. quanto a isso, também infra, p. 122 s.
( 10 ) Compreende-se que no domínio do tema aqui em
discussão só seja possível uma caracterização do nosso próprio
ponto de vista, devendo desistir-se de uma discussão alargada
com outras opiniões. Para o significado da lógica na Ciência
do Direito cf., por exemplo; ENGISCH, Logische Studien zur
Gesetzesanwendung, 1943 (3.º ed. 1963), p. 3 ss. (em especial
p. 5 s. e p. 13) e Aufgaben einer Logik und Methodik des
i11ristischen Denkens. Stud. Gen. 12 (1959), p. 76 ss.; KLUG,
32

medida em que aspire à científicidade ou, pelo menos.


à adequação racional dos seus argumentos, está evi-
dentemente adstrita às leis da lógica (1·); contudo
essa ligação não é condição necessária nem suficiente
para um pensamento jurídico correcto (1 8 ) ; mais ainda:
os pensamentos jurídicos verdadeiramente decisivos
ocorrem fora do âmbito da lógica formal (1n). Assim
sucede com o que é a essência do Direito, com o
encontrar as decisões de valor, com o manuseamento

Juristische Denken, 1951, p. 100 ss. (também publicado em


ARSP 39, p. 324 ss.); SIMITIS, Zum Problem einer juristischen
Logik, Ratio 3 (1960), p. 52 ss., com outras indicações alarga-
das; DIETER HORN, Studien zur Rol/e der Logik bei der
Anwendung des Gesetzes, Diss. Berlim 1962, em especial
p. 142 ss.; FIEDLER, Juristische Logik in mathematischer SicT1t,
ARSP 52 (1966), p. 93 ss.
(17) Isto deve ser vincadamente separado da adstrição
do Direito ou do legislador às leis da lógica: a problemática
resulta aqui de se tratar de proposições de dever-ser ou de
valer, que, como tais, não são verdadeiras ou falsas, apenas
podendo ser válidas ou não válidas; perante isso, o jurista faz
afirmações (sobre o Direito) que se sujeitam ao critério do
verdadeiro ou falso ou do justo e injusto.
( 18 ) Isso acentua KLUG, ob. cit. de novo com razão; cf.
por exemplo o prefácio à l." ed., p. 2, 173.
( 19 ) A questão do peso do elemento lógico dentro do
pensamento jurídico não é, de modo algum, de natureza
puramente psicológica e, com isso, sistematicamente desinte-
ressante (mas cf. KLUG, ob. cit., p. 12, para o problema da
«sobrevalorização» dos conceitos e das construções), antes
tendo eminente significado teorético e científico; da sua res-
posta dependem as especialidades da metodologia jurídica,
assim como a posição específica da Ciência do Direito no
círculo das Ciências.
33

esclarecido dos valores, pensando-os até ao fim e, a


concluir, num último estádio, executando-os. Mas
para estas tarefas, a lógica só assume o significado
de um «quadro» (2°), enquanto o «entendem ou a
«valoração» não se podem, no essencial, alcançar
através dela, - tão pouco como o «entendem um
outro quadro significativo do espírito como, por
exemplo, uma obra artística literária ou um texto
teológico. A hermenêutica como doutrina do entendi-
mento correcto e os critérios para a objectivação dos
valores desempenham, aliás, em vez dele, o papel
decisivo dentro do pensamento jurídico (2 1 ) .
Tal resulta, sem excepção, de todas as formas de
conclusão jurídica. Assim, na chamada subsunção,
apenas a obtenção das premissas é decisiva: quando
a «premissa maior» e a «premissa menor» sejam sufi-
cientemente concretizadas e ordenadas entre si - e
para isso a lógica formal não é essencial - está
concluída a tarefa própria dos juristas; a conclusão
final surge agora, por assim dizer, de modo automá-
e
tico 2 ), e até este último acto, a «subsunção» C'),

(2°) Assim a sugestiva expressão de ENGISCH, Stud. Gen.


10 (1957), p. 176, col. 1; concordando, também, SIMITIS, ob. cit.,
p. 78, nota 134; mas cf. também KRAFT, Die Grundlagen einer
wissenschaftlichen Wertlehre, 1951, p. 214 ss., 260 ss.
( 21 ) Cf., quanto a isso, também infra § 2 II 1 e § 7 II 1.
( 22 ) Não apenas psicológica, mas também metodologica-
mente falando; cf. também supra nota 19.
( 23 ) Quanto à questão de se é de reter o conceito mais
lato de subsunção, aqui utilizado, ou antes o que se limita a
um puro processo lógico-formal cf., por um lado, ENGISCH,
34

não é, de modo algum, apenas de tipo lógico-formal,


antes surgindo, numa parte essencial, ainda que fre-
quentemente não explícita, numa ordenação valora-
tiva (2 4 ) . Por conseguinte, não aparecem praticamente,
na Ciência do Direito, complicadas cadeias lógicas de
derivação ( 24 ª). E por conseguinte também, todas as
conclusões lógicas pretensamente adstringentes dei-
xam-se muito facilmente desmascarar como lógica
aparente, porque o erro reside nas premissas e a
lógica se comporta, perante elas, de modo neutro.
Assim, para recorrer a dois conhecidos exemplos, não
é de modo algum lógico que um contrato nulo não
possa ser impugnado ou que na aquisição a 11011
domino pelo adquirente de boa fé o (outrora) não-
-titular deva adquirir o direito, em detrimento do
(outrora) verdadeiro titular; tudo isto resulta da for-
mação da premissa maior e, sobre isso, apenas deci-
dem pontos de vista teleológicos C).

Einführung in das juristisc/Jc Den/ien, 3." ed., 1964, p. 190,


nota 47, com outras citações e, por outro, LARENZ, ob. cit.,
p. 210, nota 1.
( 24 ) Para a problemática da r.ubsunção cf., por todos,
ENGISCH, ob. cit., p. 54 ss. com indicações;· LARENZ, ob. cit.,
p. 210 ss.; cf., também, S1GWART, ob. cit., p. 737 s.
(24º) Certo, VIEHWEG, ob. cit., p. 71, e passim.
C') Nota do tradutor: no Direito alemão, tal como no
francês mas ao contrário do português vigora, nos móveis, a
regra «posse vale título»: a pessoa que, de boa fé, adquira
um móvel e obtenha a sua posse, torna-se proprietária mesmo
quando o· alienante não fosse o seu titular legítimo; assim, só
é possível, em Portugal, documentar hipóteses de aquisição
a non domino através das regras do registo predial: a aquisição
35

O mesmo sucede, em medida ainda mais forte,


para os restantes «processos de conclusão» jurídicos,
como a analogia, a redução teleológica, o argumentum
e contrario, o argumentum a fortiori e o argumentum
ad absurdum. Na verdade, KLUG representou estes
processos de argumentação recorrendo aos meios da
lógica moderna e:1), mas é duvidoso que, com isso,
se tenha ganho algo de essencial para o trabalho
jurídico. De facto, o elemento decisivo de todos estes
processos não é, sem excepção, de natureza lógica
mas antes de natureza teleológica ou axiológica,
enquanto que a sua justificação metodológica não se
deixa alcançar com os meios da lógica, mas sim ape-
nas através da sua recondução ao valor da justiça e
ao princípio da igualdade, nela compreendido (posi-
tiva ou negativamente) e:). Quando a investigação

tabular do artigo 17."/l do Código do Registo Predial e o caso


particular do artigo 291.º do Código Civil; nestes casos, joga
perfeitamente a afirmação feita, no texto, por CANARIS.
( 25 ) Cf. ob. cit., p. 97 ss., 124 ss., 132 s.; cf., também,
ScHREIBER, Logik des Rechts, 1962, p. 47 ss., que considera
o referido processo inteiramente inadmissível para as regra.
de conclusão, assim como, em especial para a analogia, HELLER,
Logik und Axiologie der analogen Rechtsanwendung, 1961,
p. 10 ss., 24 ss. e 44 ss.
("G) Para a analogia cf., por exemplo, CoING, Grundzüge
der Rechtsphilosophie, ob. cit., p. 270; LARENZ, ob. cit.. p. 283,
288 e 296, assim como as citações feitas em CANARIS, Die
Feststellung von Lücken, ob. cit., p. 72, nota 47; para a redu-
ção teleológica, LARENZ, ob. cit., 296; para o argumentum a
fortiori e o argumentum e contrario. CANARIS, ob. cit., p. 78
e p. 45, respectivamente; para. o argumentum ad absurdum,
não é diferente: em sentido próprio só se pode, com ele, signi-
36

de KL UG sobre a estrutura lógica da analogia termina


com a afirmação - indiscutível - de que a resposta
à questão, «tão essencial na prática» (poder-se-ia bem
dizer: apenas essencial na prática) da admissibilidade
de determinada analogia não se obtém com os meios
da lógica, mas antes depende da definição do res-
pectivo «círculo de semelhança», o qual só é possível
de acordo com critérios teleológicos (2í), então resulta
muito claro quão pouco a lógica formal (na sua forma
«clássica» ou «moderna») pode oferecer à Ciência
do Direito. O essencial fica resolvido assim que o
«círculo de semelhança» esteja determinado, tal como
ocorre na chamada subsunção (2 3 ) ; o resto funciona,
por assim dizer, automaticamente, por si e~). Ou que
problema metodológico haveria ainda que enfrentar
quando, por exemplo, se tivesse determinado que a
ratio legis do § 463/2 do BGB reside no aproveita-

ficar que uma determinada consideração conduz ao «puro


arbítrio» ou que ela iria levar a um resultado em crassa
contradição com outros valores da lei, isto é, com o principio
da iguald::tde ou, numa utilização não puramente negativa do
argumento (meramente contraditante), mas antes positiva (fun-
damentadora de um determinado resultado): que qualquer
outro que não o resultado proposto conduziria ao «puro arbí-
trio» ou a uma crassa contradição de valores: também aqui
o poder convincente seria aferido não perante o valor da ver-
dade, mas sim em face do da justiça.
( 2 •) Cf. ob. cit., p. 123; para o argumentum a fortiori
cf. p. 137 e para o argumentum ad absurdum cf. p. 138.
(2 5 ) Cf. também as críticas às considerações de KLUG
em S!MITIS, ob. cit., p. 66 ss.
37

menta doloso de um erro do comprador sobre a omis-


.são de um vício mas também, «do mesmo modo»,
perante a simulação de uma qualidade favorável?(*)
Outro tanto se pode considerar para todas as outras
«fórmulas de conclusão»: quando se tenha determi-
nado qual a ratio de uma disposição e porque razão
ela não se «adapta» a determinado facto excepcional,
porque razão um valor «já conhecido» «respeita» a
um caso não expressamente regulado ou porque
razão um facto é valorativamente tão diferente de
outro que a consequência jurídica não pode ser a
mesma (2 9 ) , já se decidiu, respectivamente, estar-se
perante uma redução teleológica, um argumentum a
fortiori ou uma conclusão e contrario. Tudo conduz
pois ao mesmo resultado: a descoberta e a afinação
das premissas constitui a tarefa jurídica decisiva,
enquanto, pelo contrário, a formulação de conclusões
lógico-formais é de significado muito menor; nelas
nunca poderia ser incluído o «terceiro grau» da argu-
mentação jurídica, isto é a obtenção do Direito com
o auxílio de princípios jurídicos gerais, da natureza
das coisas, etc., onde o que se disse vale, natural-

C') Nota do tradutor: diz o § 463 do BGB:


(1) Quando, no momento da venda, falte à coisa vendida
uma qualidade assegurada, pode o comprador, em vez da reso-
lução ou da redução do preço, exigir uma indemnização pelo
inconveniente. (2) Vigora o mesmo regime quando o compra-
dor tenha, dolosamente, calado um vício.
( 29 ) Para a limitação do argumentum e contrario a este
caso e para a sua distinção da proibição da analogia, cf.
CANARIS, ob. cit., p, 44 ss. (46 s.).
38

mente, em medida ainda maior. Por consequênciJ,


hoje não mais se pode pôr em dúvida que um sistema
lógico-formal não sirva, de alguma maneira, nem a
essência do Direito, nem as tarefas específicas do
jurista.

b) O sistema axiomático-dedutivo 110 sentido cio


logística

A recusa de um sistema lógico-formal conduz. con-


sequentemente, também à recusa de um sistemu
axiomático-dedutivo (3°). Este pressupõe que todas as
proposições válidas dentro de um determinado âmbito
material se deixem deduzir de axiomas, através de
uma dedução puramente lógico-formal (l 1 ). Porque
isso, como acima foi dito, é inconciliável com a essên-
cia da Ciência do Direito, o método axiomático-dedu-
tivo exclui-se, desde logo, contra a opinião de

e0) Para o sistema axiomático-dedutivo cf., por todos,


HILBERT-ACKERMANN, Grundzüge der theoretischen Logik, 3.' ed.,
1949, p. 31 ss. e p. 74 ss.; FttAENKEL, Einführung in clic Men-
genlehre, 3.' ed., 1928, p. 2G3 ss. e, sobretudo, p. 334 s,;.;
CARNAP, Abriss der Logistil~. 1929, p. 70 s. e Einfiilir:mg i11
die symbolische Logil~. 1954, p. 14G ss.; uma panorâmic::i ::::.,rta
e fácil encontra-se em BocHE:.NSKI, Die zeitgcnüssischen Denh-
methoden, 1954, p. 85 s. e em POPPER, Logili der forsi:.:hur•p.
1966, p. 413.
(~ 1 ) Cf. FRAENKEL, ob. cit., p. 334 e p. 347; CARN.W,
Symbotische LogiR cit., p. 147; cf., ainda, por exemplo, HARLEt--.,
ARSP 39 (1951) p. 478 s.; VIEHWEG, ob. cit., p. 55; El'lGISCII,
Stud. Gen. 10 (1957) p. 174, col. 1 e 12 (1959), p. 86, col. 2;
KLUG, ob. cit., p. 181; BULYGIN, ARSP 53 (1957), p. 329 :s.
39

KL u G e~)' do nosso campo e~). Mas a confecção de


um sistema axiomático-dedutivo do Direito aparece
excluída também por outras razões. Deve, designada-
mente, questionar-se que seja possível uma formação
plena de axiomas, na Ciência do Direito. Para tal
formação, seria necessário, como é reconhecido, reu-
nir pelo menos duas (3~) exigências: a da ausência de

e~) Este exige a axiomatização do Direito; cf. ob. cit.,


p. 172 ss. (cf. também KRAFT, ob. cit., p. 263; HARLEN, ob. cit.,
p.477 ss.). Poder-se-ia, a isso, objectar que KLUG vê bem os
limites da lógica na jurisprudência e que ele acentua expres-
sc1mente o significado do elemento teleológico (cf., por exem-
plo, p. 123, 137, 138 e 176 ss.); tal não seria, porém, exacto
pois KLUG pretende proscrever expressamente o elemento
teleológico do processo de conclusão, mantendo-o na formação
das premissas, não determináveis logicamente (a esse propó-
sito, a crítica de D1EDERICIISEN, NJW 66, p. 700, nota 40, ao
entendimento de RAISER da afirmação de KLUG, em minha
o;:o:nii'io, não procede); ele não pode, porém, ser seguido
nesse ponto, por força de integração, em cada <<Conclusão»
jurídica, de um elemento da ordenação valorativa.
e:) Isso corresponde à opinião dominante; cf. as indi-
rnções dadas s.ipra, nota 13.
e~) /,lóm disso, é requerida ainda, muitas vezes, a cauto-
nomia», isto é, a indedutibilidade dos axiomas uns dos outros
(cf., ror exemplo, HILBERT-ACKERMANN, ob. cit., p. 33 s.;
FH.-\EN Iff L, ob. cit., p. 340 ss.). Esse postulado pode, contudo,
n..'io ser cons_iderado no presente desenvolvimento, uma vez
que tem a natureza de mera economia de pensamento ou é
talvez, também de tipo estético; seria, em qualquer caso, de
acatar na Ciênc:2 do Direito, caso, no restcinte, singrass-~ uma
:niomatização.
40

contradições C;;) e a da plenitude Cº); ora se a viabi-


lidade da primeira é, desde logo, extraordinariamente
problemática, a da segunda é de recusar, sem
objecções.
No que respeita, em primeiro lugar, à ausência de
contradições, é seguro, como geralmente se reco-
nhece, que se deve negar urna contradição entre duas
normas, em todas as circunstâncias, tendo a metodo-
logia jurídica desenvolvido um instrumentarium que,
em caso extremo através da aceitação de uma
«lacuna de colisão» C1 ), o possibilite (3 8) . Contudo,
isso só funciona para verdadeiras contradições de
normas, enquanto que as contradições de valores e
de princípios não se deixam evitar sem excepções Cº);
por consequência, o postulado da ausência de contra-
dições só se alcança num sistema de normas e não,
também, num sistema de valores ou de princípios.
Esta objecção não deve ser tomada com ligeireza
(ê 5 ) Cf. HILBERT-ACKERMANN, ob. cit., p. 31 s. e 74 ss.;
FRAENKEL, ob. cit., p. 356 ss.; CARNAP, Abriss, ob. cit., p. 70 s.
e Symbolische Logik, p. 148 s.; LEINFELLNER, Struktur und
Aufbau wissenschaftlicher Theorien, 1965, p. 208; HÃRLEN,
ob. cit., p. 477; ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), p. 174; KLUG,
ob. cit., p. 176; BULYGIN, ob. cit., p. 330.
C1º) Cf. HILBERT-ACI<::ERIVIANN, ob. cit., p. 31 e 33 ss. (35);
FRAENKEL, ob. cit., p. 347 ss.; CARNAP, Abriss, ob. cit., p. 70 s.
e Symbolische Logik, ob. cit., p. 149 (cf. também p. 147);
HÃRLEN, ob. cit., p. 477 s.; ENGISCH, ob. cit., p. 330.
(1 7 ) Cf., quanto a isso, infra § 6 I 4 a.
(3 8 ) Cf., quanto a isso, por todos, ENGLISCH, Einheit cit.,
p. 46 ss. e Einführung cit., p. 158 s.
( 30 ) Cf., quanto a isso, infra § 6 I, em especial p. 119 ss.,

126 ss. e 130 s.


41

porque o sistema, devendo exprimir a unidade agluti-


nadora das normas singulares não pode, pelo que lhe
toca, consistir apenas em normas; antes deve apoiar-se
nos valores que existam por detrás delas ou que nelas
estejam compreendidos (40 ) . Além disso, num sistema
de normas, a ausência de contradições só se deixaria
alcançar quando, para além das normas básicas, todas
as excepções que as limitam fossem elevadas à cate-
goria de axiomas; ora estes podem ser tão numerosos
que nos devemos interrogar se, na realidade, não se
trataria de uma axiomatização aparente; é, de facto,
mais do que questionável se proposições como «os
negócios são consensuais salvo quando a lei comporte
uma prescrição de forma» ou «os contratos devem ser
acatados, a menos que a lei conceda uma justificação
ou uma excepção» possam ser consideradas, propria-
e
mente, como axiomas 1 ) . Acrescente-se ainda que as
excepções muitas vezes surgem «não-escritas» e, em
certas circunstâncias, só podem ser obtidas através
da «interpretação criativa do Direito»; então torna-se
totalmente claro que dificuldades levanta o postulado
da ausência de contradições.
A realização da segunda característica, da pleni-
tude, é, no entanto, totalmente impossível (42 ) . Sob
ela é de entender, segundo HILBERT-ACKERNIANN (no

(1º) Cf. infra, p. 48 s.


( 41 )Cf. também ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), p. 176.
( 4 ~)A crítica à possibilidade de um sistema jurídico
axiomático-dedutivo não tem ponderado suficientemente, na
minha opini.lo, esta característica.
42

mínimo) (1), «que todas as formas correctas, dentro


do âmbito a caracterizar, se deixam retirar do sistema
de axiomas» ( 11 ) . Aceitando-se, com isto, que nenhu-
mas proposições com conteúdo material autónomo pos-
sam ser introduzidas fora dos axiomas, antes devendo
resultar todos os «teoremas» de puras operações
lógico-formais ("'), então, em consequência, o postu-
lado da plenitude iria exigir, n5o só que as normas
fundamentais de uma I2i, com as suas excepçõcs,
mas também todos os preceitos (escritos e não escri-
tos!) devessem ser elevados à categoria ele axiomas.
De facto, quase todas as disposições legais têm um
conteúdo material autónomo e modificam ou concre-
tizam as decisões jurídicas fundamentais numa ou
noutra direcção; de outro modo, elas seriam supér-
fluas o que, mesmo em leis mal elaboradas, só de
poucas normas é possível dizer. Não há regras rígidas
a propósito do número de axiomas que podem cons-
tituir um sistema axiomático; não obstante, tal
número não é, por seu turno, indiferente (1';); ele
deveria, e1n qualquer caso, ser essencialmente menor
do que o número dos «teoremas» dele derivados.
Através da combinação de proposições jurídicas sin-
gulares entre si, só é possível formular relativamente
( 1 ~) Ainda mais estreitamente falam H1LBERT-Ac1<ERM,\NN
da plenitude dos axiomas «quando pela introdução no sistem~
de fórmulas básicas, de uma fórmula até então não derivável,
surja sempre uma contradição» (cf. ob. cit., p. 35).
( 14 ) Cf. ob. cit., p. 35.
("1 :;) Cf. supra, na nota 31.
( 1G) Cf. também ENGISCH, Stud. Gen. 12 (1959), p. 8G
e a conversa aí relatada com KLUG.
43

poucas propos1çoes novas, mesmo quando se incluam


as «premissas maiores», concretas antes elaboradas
para a solução de um determinado caso concreto (47 ) .
Talvez ainda se possa reconduzir esta objecção a
ur,1a questão de terminologia; há, no entanto, uma
segunda objecção procedente. Se, conforme o reque-
rido, todas as proposições de uma ordem jurídica se
deixassem retirar de axiomas, então também as pro-
posições jurídicas destinadas à integração de lacunas
se deveriam compreender neles. Mas isso pressuporia
que aquelas fossem, sem excepção, imanentes, ao
Direito positivo - do qual se desenvolveram os axio-
mas! - o que só sucede por pura casualidade, de tal
modo que se pode ter como excluído. De facto, há
um determinado tipo de lacunas, no qual a incomplei-
tude da lei resulta indubitável, no campo do Direito
vigente: com a simples determinação dessas lacunas,
não se progride um mínimo quanto às possibilidades
da sua integração (4º) e aí, em certas circunstâncias,
o conjunto dc1 restante ordem jurídica não compreende
qualquer indicação para as colmatar; o exemplo clás-
sico é a falta de uma prescrição sobre o estatuto das
obrigações no Direito internacional privado. Pois a
axiornatização do Direito pressuporia aí que, para
todos os casos de lacunas, houvesse, na ordem jurí-

(") Qucst:io contudo diferente é a de que, cem auxílio


destas proposições, possa ser possível resolver um número
infinito de «casos da vida».
(" 1' ) Cf. CANARIS, Die Feststellung von Liicken, ob. cit.,
p. 144 ss. onde o correspóndente tipo de lacuna é caracterizado
como «lacuna de ordenac:ão» ou «de recusa do Direito».
44

dica, uma valorização integrativa; ela resultaria do


postulado da compleitude teleológica do Direito; ora
não se contradita apenas, sem objecção, a teoria da
compleitude lógica; também a compleitude teleoló-
gica é pura utopia (1 9 ) . Em estreita conexão com
esta crítica está, finalmente, o facto de a lei com-
preender uma porção de cláusulas gerais «carecidas
de preenchimento com valorações», tais como a boa
fé, os bons costumes, a exigibilidade, o cuidado neces-
sário no tráfego, etc. Nestas, a concretização da
valoração e a formação de proposições jurídicas só
podem operar perante o caso concreto ou em face de
grupos de casos considerados como típicos; semelhan-
tes normas são, assim, de antemão, de dogmatiza-
ção inviável. Acresce ainda que a passagem de tais
cláusulas carecidas de preenchimento com valorações
para as demais disposições é inteiramente fluida,
podendo mesmo dizer-se que todas as determinações
da lei carecem, numa ou noutra direcção, de concre-
tização valorativa. Estas complexidade e variabilidade
de sentido opõe-se, em última análise, sempre à
axiomatização.
A confecção de um sistema axiomático-dedutivo
não é, assim, possível ("º) e contradiz a essência do
Direito. Semelhante tentativa decorre, tal como, sobre-
tudo, as considerações sobre a necessidade da «pleni-
tude» dos axiomas deixaram claro, da utopia de que,
dentro de determinada ordem jurídica, todas as deci-

(49) Cf. CANARIS, ob. cit., p. 173.


(5º) Bem como as citações supra, nota 13.
45

sões de valor necessárias se deixam formular definiti-


vamente - decorre, portanto, de um pré-julgamento
tipicamente positivista (" 1 ) , que hoje pode conside-
rar-se como definitivamente rejeitado.

4. O sistema como conexão de problemas

a) O conceito de sistema de MAX SALOMON

Como que do lado oposto, surge a tentativa de


conceber o sistema como uma conexão de problemas.
Tal foi O empreendimento de MAX SALOMON ("~) e
como essa concepção tem hoje, sem dúvida, de
novo uma actualidade especial, vai, de seguida, tra-
tar-se dela mais de perto. O ponto de partida de
SALOMON foi o objectivo de fundamentar o carácter
científico da jurisprudência. Mas na sua opinião só
pode ser considerado como Ciência o empreendimento
dirigido a um objecto permanente e::). Nesse ponto, a
jurisprudência falha, enquanto se ocupa de uma deter-
minada ordem jurídica histórica, - e com isso SALO-
MON, inelutavelmente fascinado pela célebre confe-
rência de VoN KIRSCHMANN sobre <<A ausência de valor

( 51 )Com isso a censura do positivismo, contra a qual


KLUG, ob. cit., p. 173 s. se tinha precavido, procede inteiramente.
("2) Grundlegung zur Rechtsphilosophie, 2.ª ed., 1925, em
especial p. 26 ss. e 54 ss.; concordando, BURCKHARDT, Methoden
und System des Rechts, 1936, p. 131, nota 24.
( 53) Cf. ob. cit., p. 11 ss. e 18 ss. (21).
46

da jurisprudência corno Ciência», fica expressamente


ligado C1) ao lema proferido: «Três palavras adequa-
das do legislador e bibliotecas inteiras tornam-se em
papel de embrulho» (3 3 ) . Como saída, SALOMON vê
apenas a ocupação com os problemas (permanente) e
não, pelo contrário, com as suas soluções (não per-
manentes). Retira-se, assim, sem mais, o que até hoje
se chamava Ciência do Direito, do círculo das Ciên-
cias CG), ficando apenas, como objecto da verdadeira
Ciência do Direito, a formação do «sistema dos pro ..
blemas da legislação possível» C;).
Fica claro, à primeira vista, que semelhante sis-
tema de problemas e das suas conexões é inadequado
para traduzir a unidade interior e a adequação da
ordem jurídica. Pois o Direito não é um somatório
de problemas, mas antes um somatório (5 8 ) de solu-
ções de problemas; por isso a sua unidade de sentido
também só pode ser encontrada nesses pontos de
vista de base e não em questões isoladas. O conceito
de sistema de SALOMON também não é, por isso, capaz
de contribuir para o esclarecimento do tema colocado
na presente investigação.

('H) Die Wertlosigkeit der Jurisprudenz ais Wissenschaft,


1848, p. 17.
( 1 ::i) Cf. ob. cit., p. 13 e p. 21.
('•") Também é esta a opinião de SALOMON; cf., por exem-
plo, p. 24, 54 ss., 53 e passim.
e;) Cf. p. 54 ss., 67.
(:;~) Somatório não de entender-se como mera adição,
mas antes como conjunção de sentido.
.,,
.,:

Para além disso, deve também questionar-se que


seja possível o desenvolvimento de um sistern.i de
problemas C'"); um tal «sistema» seria, antes, uma
contradição em si. Falta-lhe, necessariamente a uni-
dade indispensável para o conceito de sistema, a cone-
xão interna('"'). Os problemas, como tais, não são
mais do que questões isoladas, que se podem esco-
lher arbitrariamente e que, por isso, para poderem
integrar uma relação sistemática, carecem de um ele-
mento instigador de sentido e de unidade, que só pode
existir fora deles próprios. Assim, logo o pr me iro
problema imaginável - a questão das tarefas de uma
ordem jurídica - requer que, de certo modo, se saiba
ou se pressuponha o que é o Direito; o perguntar sem
qualquer pressuposição é impossível, porque a coloca-
c:.ão de uma pergunta implica sempre, em si, um certo
«ponto de vista». Isto sucede em todos os graus da
conexão de questões. Assim, a problemática da auto-
nomia privada e do negócio jurídico só se põe quando
a questão prévia da ordem das relações humanas
tenha sido respondida em certo sentido, designada-
mente a favor da criação de um Direito privado ('·');
só esta resposta coloca novas questões como, por
exemplo, a da necessidade de forma pnra os actos de

(-·'') Cf., qu:rnto ao que se~uc, a órtima crítica de B1~Drn,


Kantstudien 25 (192 l), p. 321 ss.
(c:u) A opinião contrária de S.-\LO\IO\:, oh. cit.. p. 58. ss.
é uma mera afirmação.
(G 1) Cf., quanto a isso, F. V. HJPPEL, Das Proh!em lh·
rechtsgesc/Jüftlichen Privatautonom ie, 1936.
li
48

autonomia privada, a do tratamento das perturbações,


como os erros, e a dos limites da autonomia privada;
só que das suas respostas surgem novas sub-questões
como, por exemplo: a partir da necessidade de princí-
pio de forma obrigatória, o problema de excepções
eventuais e a sua diferenciação plena e, aí, de novo
o do tipo de forma a observar e a sua diferenciação;
a partir da consideração de princípio dos erros, o pro-
blema da determinação dos erros relevantes, da ale-
gabilidade do erro e da indemnização do dano da
confiança da contraparte; a partir da afirmação de
princípio dos limites da autonomia privada, o pro-
blema da sua determinação, seja através de normas
estritas, como no ~ 134 BGB, seja através de regras
flexíveis, como no ~ 138 BGB, cuja formulação pode
ainda, em cada caso, ser de tipo positivo ou do nega-
tivo (escolhido, e bem, pelo ~ 138) (r. 2 ) , etc., etc. Tudo
isto não permite contestar a impossibilidade de um
puro sistema de problemas. Possível é apenas pro-
jectar uma conexão de pergunta e resposta, de nova
pergunta (daí emergente) e de nova resposta, etc.
O objectivo de uma Ciência que não queira limitar-se
a um determinado Direito positivo deveria ser a ela-
boração das soluções dos problemas então possíveis,
cujo número é, aliás, limitado, das subquestões daí
resultantes e das possíveis subrespostas, bem como,
a propósito das subrespostas, da limitação na possi-

(G 2) Não se deve, pois, determinar que o negócio jurídico


corresponde aos bons costumes, mas sim que ele não os
contradiz.
49

bilidade de esco1ha, sempre resultante da resposta às


questões prévias; contra o carácter científico de um
tal empreendimento não se podem, por certo, alegar as
objecções de SALOMON (G::).

b) A concepção de FRITZ VON HIPPEL

A muito discutida (G 1) pesquisa de FRITZ VON


HIPPEL sobre a construção do sistema jurídico é
aparentada com as ideias de SALOMON (':"). Este preo-

(º~) Elas também não procedem, aliás, contra uma Ciên-


cia do Direito que se ocupe de uma determinada ordem jurídica,
desde que se veja o Direito legislado como uma das possíveis
soluções do problema «perpétuo» da justiça, sob as exigências
de uma situação histórica concreta. Por isso também a afirma-
ção de VoN KIRCHMANN àcerca das bibliotecas que se torna-
riam papel de embrulho é improcedente; toda a história do
Direito privado e, em especial, o surgimento do BGB, que seria
impensável sem os trabalhos preparatórios da Ciência, são a
me!hor refutação. As ideias desenvolvidas pela Ciência do
Direito não ficariam, de modo algum, sem valor, «através de
um risco do legislador», antes sendo, no desenvolvimento do
Direito (em sentido hegeliano) ou «suprimidos» ou «enrique-
cidos)>, como que esperando a existência «perpétua» de pos-
síveis soluções de problemas. Que as obras que contenham
estas ideias envelheçam, passa-se também com todos os tra-
balhos científicos; e de outra maneira todo o progresso
científico seria impensável.
( 0 ") Cf. VIEHWEG, ob. cit., p. 66 ss.; Essrn, Grnndsatz une!
Norm cit., p. 5 s.; ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), p. 179,
DJEDERICHSEN, NJW 1966, p. 699.
(Gã) Çf. Zur Gesetzmdssigkeit juristischer Systembildung,
1930; · citado segundo F. V. HIPPEL, Rechtstheorie und
Rechtsdogmatik, 1964, p. 13 ss.
50

cupou-se em descobrir a «conexão imanente de pro-


blemas» necessariamente consubstanciada com o reco-
nhecimento da autonomia privada e desenvolveu, com
base nesse exemplo, ideias gerais sobre a construção
do sistema. No âmago da sua concepção coloca-se o
significado daquela «conexão imanente de proble-
mas»; diz ele: «conheçamo-lo e conheceremos a sis-
temática jurídico-privada» (GG). Não havendo aqui um
equívoco, fica a ideia de que VoN HIPPEL vê o sis-
tema, tal como SALOMON, exclusivamente na conexão
de problemas. Assim entendeu de facto VJEHWEG as
suas explicações, tendo-as resumido do seguinte
modo: «Com isso, tal conexão imanente de problemas
forma a procurada sistemática jurídico-privada»; a
sua especialidade está em que ela não é mais pro-
curada «do lado do Direito positivo», antes lhe «cor-
respondendo», «manifestando-se como que uma estru-
tura de perguntas» (ü7).
Um tal «sistema» ma expor-se a todas as
objecções que acima foram feitas contra SALOMON e,
na verdade, nem poderia aspirar ao nome de sistema.
É, contudo, duvidoso que VIEHWEG tenha, efectiva-
mente, entendido bem VoN HIPPEL ('' 8 ) . De facto este
não deixa, de forma alguma, o lado da resposta, fora

Cf. ob. cit., p. 19.


(Gti)
(67)Ob. cit., p. 67.
(G 8)
Isso cont2sta DIEDERICHSEN, ob. e loc. cit. De facto,
não basta para tanto, a mera referência à intenção de VoN
HIPPEL de construir um sistema, pois esta poderia relacionar-se
com um mal-entendido na ideia de sistema; no entanto a natu-
51

de causa; antes prossegue, no local citado (GD): «Nós


podemos, daqui em diante, ordenar a massa de conhe-
cimentos singulares jurídico-privados como respostas
históricas a questões permanentes de uma determi-
nada conexão de problemas ... ». VoN HIPPEL também
acentua, com bastante clareza, que esta conexão de
problemas não resulta, de modo algum, a priori, mas
apenas na base de determinada resposta, designada-
mente da decisão a favor da autonomia privada.
A conexão inseparável da resposta com o problema e
da nova resposta com o novo problema é, para VON
HIPPEL, totalmente consciente. Ele também não disse
que a conexão de problemas «forma» a sistemática,
sendo pois, como lhe atribui VIEHWEG, a ela idêntica,
mas apenas que nós podemos «conhecem a sistemá-
tica, porque nós podemos agora ordenar as diferentes
soluções.
Todavia, mantém-se assim uma certa impressão
discrepante, mesmo quando se tem em conta que

ralidade com que VoN H!PPEL fundamentou a ideia de sistema


devia levar VJEHWEG a duvidar da justeza da sua interpretação;
como VIEHVvEG e contra DIEDERICHSEN, agora também WIEACKER,
Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 2.ª ed., 1967, p. 597,
nota 48 C).
(0D) Deve salientar-se que ambas as proposições estão
ligadas por dois pontos, que deixam clara a sua estreita liga-
ção interior.
C') Nota do tradutor: Traduzida em português por ANTÓ-
NIO HESPANHA e publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian
sob o título História do Direito Privado Moderno; vide, aí, a
p. 690-691, nota 48.
52

VON HIPPEL devia naturalmente salientar o aspecto


problemático como o realmente novo da sua pesquisa.
Na verdade, ele disse com toda a razão: também o
legislador, na medida em que «responda a estas ques-
tões, cria um Código Civil» Cº); no entanto, devia-se
ainda acrescentar: «ele apenas faz um sistema na
medida em que responda». Mas VON HIPPEL, não diz,
contudo, o que dá, a essas respostas, o sentido uni-
tário, nem segundo que pontos de vista valorativos
sobre-ordenados resolve o legislador os problemas C1 ) ,

(7°) Ob. cit., p. 22.


( 71 )Na linha desta objecção, a crítica que VON HIPPEL
faz ao sistema do iluminismo não é inteiramente convincente.
Nesse projecto esteve-se sempre perante a ideia de que a uni-
dade de sistema, para a qual todo o Direito essencialmente
apontava, só se poderia obter na base de alguns princípios
ético-jurídicos pouco numerosos - e isso constitui a sua indu-
bitável grandeza. Que esses princípios tenham sido unilateral-
mente sobrevalorizados ou que, pelo menos, hoje isso assim
nos pareça - e que, por isso, eles precisem de complementação
através da aceitação, no nosso sistema, de outros princípios
fundamentais (cf., quanto a isso, sobretudo, CoING, Festschrift
für Dõlle, 1963, l.º vol., p. 25 ss., em especial p. 29 ss.) apenas
significa que. a escolha da ordenação (de forma, aliás histo-
ricamente compreensível) foi feita de modo unilateral, e não,
em caso algum, que a «regularidade da formação do sistema
jurídico tenha sido desconhecida»; de facto, enquanto res-
posta ao problema fundamental da justiça, este projecto é
inteiramente compreensível - em oposição à «teoria dos fac-
tos jurídicos», assim chamada por VON HIPPEL - a qual, de
facto, menosprezou a essência da formação do sistema jurídico
(sem no entanto, dever ser equiparada, em globo, à «sistemá-
t;ca do século XIX»; cf., porém, VoN HIPPEL, ob. cit., p. 36).
53

não dando também, por isso, um projecto próprio de


sistema (' 2 ) . Ele apenas faz, aliás em total correspon-
dência com o título do seu trabalho, considerações
«para a regularidade da formação do sistema jurí-
dico», com o que salienta a conexão imanente de pro-
blem·as, necessariamente ligada a uma determinada
decisão fundamental - isto é, desde já: a uma solução
de problemas. É indubitável que aquela conexão
existe, merecendo, por isso, as ideias de VON HIPPEL,
inteira concordância; mas ele não chegou a dar uma
determinada concretização do conceito de sis-
tema (7':) - tal como se trata neste parágrafo.

5. O sistema como relações da vida

A semelhança das conexões de problemas,


enquanto tais, tão-pouco as relações da vida e a sua

( 72 ) É duvidoso que ele o tenha querido; cf. o título do


seu trabalho e, igualmente, o texto. Mas para a afirmativa a
essa pergunta depõe, no entanto, o facto de ele colocar a sua
própria concepção no plano da sistemática do iluminismo e do
século XIX; cf. p. 23 e p. 36.
( 73 ) Poder-se-ia, contudo, em ligação com as suas consi-
derações, dar a definição de que o sistema seria a solução de
uma conexão de problemas; manter-se-ia, porém, por um lado,
a dúvida se VON HIPPEL quis efectivamente considerar a «face
das respostas» no conceito de sistema e, por outro, não seria
também a definição suficiente, por lhe faltarem os elementos
essenciais do conceito: a unidade e a ordem.
54

ordem imanente (7·1 ) são suficientes para a construção


do sistema. Pois elas são apenas objecto do Direito,
sendo formadas por ele, na sua forma específica; elas
não podem, por isso, formar em si próprias a unidade
do Direito nem, também, comportá-la por si sós. Isso
não quer, naturalmente, dizer que elas não possam,
por seu turno, influenciar o Direito, como «natureza
das coisas» e, com isso, em certas circunstâncias,
actuar no seu sistema; este, porém, com isso, ainda
não está plenamente implantado nas relações da vida.
Também não deve, evidentemente, negar-se que a
ordenação das relações da vida tenha uma influência
essencial no sistema «externo» do Direito - pense-se
apenas no apoio de âmbitos jurídicos como do Direito
de Família e das Sucessões, do Direito Comercial, do
Trabalho ou de Autor ou dos tipos singulares do
Direito das obrigações em especial, nos corresponden-
tes fenómenos da vida e~) ! Mas deve prevenir-se

( 74 ) LARENZ, ob. cit. atribui a HEcK a opinião de que o


sistema interno é <<logo dado nas conexões da vida» (cf. p. 57
e p. 362). De facto, encontram-se afirmações nesse sentido
(cf. p. ex. HECK, ob. cit., p. 149 s. e p. 158); no entanto, este
aspecto do entendimento do sistema de HECK recua perante
a ideia de um «sistema de decisões de conflitos» (cf. sobre isso,
o texto, infra, n.º 6). Elas poderiam ser só o prosseguimento
consequente das proposições sociológicas da «teoria dos inte-
resses genéticos» (cf. infra nota 100); mas também aqui se
mostra que a jurisprudência dos interesses não se reporta a
isso, antes remetendo para o significado - não casualmente
determinado - do valor legislado.
(7 5 ) Também aqui surge uma estreita relação, determi-
nada pela natureza das coisas, entre o sistema «externo» e o
«interno».
55

contra uma iclcntíf icaçcio desta ordem com a conexão


específica das normas jurídicas, pois haveria aí ur.i
sociologismo alheio ao valor do Direito CG).

6. O «sistema de decisões de conflitos» no sentido


de HECK e da jurisprudência dos interesses

Fica por investigar um último conceito de sistema:


o de Heclz e da jurisprudência dos interesses. Deriva,
como se sabe, de HECK a distinção fundamental entre
o sistema «externo» e o <<interno» (' 7 ) . Para apurar a
unidade e a adequação da ordem jurídica releva, de
2.nternão, apenas o sistema interno; pois entre as suas
tarefas deve haver, segundo as palavras de HECK, no
domínio de uma «conexão material», uma «ordem
imanente» (7 8 ) . Onde fica, então, este sistema «in-
terno», segundo a opinião de HECK?

CG) Um exemplo disso é a posição de EHRLICH, que


nega a «unidade do Direito nas suas proposições» (cf. Die
juristische Logik, 2." ed., 1925, p. 137) e apenas a quer reco-
nhecer como «unidade na conexão da sociedade» (cf. p. 146).
E1:RL1CH deveria, consequentemente optar pelo conceito de sis-

tema indicado no texto; cf. também infra, nota 100.


(7 7 ) Cf. Begritfsbildung uncl Interessenjurisprudenz, 1932,
p. 139 ss. (142 s.).
C') Cf. ob. cit., p. 143.
56

a) A posição da jurisprudência dos interesses quanto


à ideia da unidade do Direito

HECK rejeita expressamente a ideia - em si evi-


dente Cº) - de que os elementos da ordem imanente
sejam visíveis nos interesses singulares (ªº) e caracte-
riza o $is terna como «sistema de decisões de conf li-
tos» (81 ). A questão, porém, de saber até onde este
realiza a unidade interior e a adequação da urdem
jurídica conduz imediatamente à questão prévia de
corno se coloca a jurisprudência dos interesses perante
a ideia da unidade do Direito - e, com isso, a um
ponto crítico nas bases filosóficas desta doutrina.
Aqui, a jurisprudência dos interesses oferece, de
facto, aos seus adversários, pontos fracos essenciais,
tendo assim a sua relação com a idei.:i da unidade
do Direito sido sempre objecto de crítica. Já no ano
de 1914, KRETSCHl'vlAR, no seu excelente discurso de
reitor, onde ponderou soberanamente as fraquezas e
as vantagens da jurisprudência dos conceitos como da
dos interesses, criticara, nesta, o abandono da ideia
de unidade (8 ~). De modo semelhante, HEGLER criticou
jurisprudência dos interesses por acentuar apenas os

<7º) Cf. supra nota 74.


(Sll) Cf. ob. cit., p. 150.
( 81 ) Cf. ob. cit., p. 149 ss.
( 5 ") über die Methode der Privatrechtswissenschaft, 1914,
em especial p. 39 ss.; cf. também KRETSCHMAR, Grundfragen
der Privatrechtsmethodik, Jher. Jb. 67 (1917), p. 233 c:;s., em
especial p. 271 ss., 285 s. e 291 ss.
57

juízos de valor expressos nas normas singulares, nssim


como os mais altos valores do Direito, como a jus-
tiça, a equidade, etc., descurando, no entanto, <<O que
fica entre eles, os escopos fundamentais específicos
do respectivo aspecto jurídico» cs:1) ou, como diríamos
hoje: os princípios gerais do Direito; e de modo
característico, ele associou-lhe a censura da falta. de
formação do sistema. E também ÜERTMANN teceu
críticas com palavras persuasivas, dizendo que, ape-
sar de todas as «considerações singulares certeiras
e muitas vezes convincentes» «não se encontra
nenhum todo» nos trabalhos da jurisprudênci:i dos
interesses e que «nunca e não mais um quadro uni-
tário» pode ser obtido, e que ele não se pode defender
de «um certo sentimento de desespero científico» (9 4 ) .
COING, por fim, resumiu estas objecções contra a

( 8 ~) Zum Gedüchtnis von Max Rümelin, Kanzlerrede


1931, p. 19.
( 84 ) Cf. Interesse und Begriff in der Rechtswissenschaf t,
1931, p. 40; cf., quanto a isso, a réplica de HECl<, ob. cit.,
p. 207 ss. e 212 ss. A propósito da interpretação da carta do
estudante, HECK pode ter certa razão (cf. p. 216 s.), mas no
restante, a sua resposta passa, de modo muito característico,
ao lado da afirmação de ÜERTMANN; assim ele confirma a sua
redução do. perguntar pela unidade interior à do «panorama
geral» (p. 207 ss.) assim como o reportar das conexões gerais
da ordem jurídica meramente às «necessidades da vida» (p. 214)
que na opinião representada no texto, HECK contrapunha, em
última análise, sem sentido, ao princípio da unidade de sentido
do Direito.
58

jurisprudência dos interesses com estas palavras:


«O Direito não é assim, para a jurisprudência dos
interesses, quer lógica quer moralmente, uma ordem
unitária. Ele não tem qualquer unidade» C·).
Mas o que dizem os próprios partidários da juris-
prudência dos interesses a estas questões? As toma-
das de posição são pouco numerosas, mas compreen-
dem uma adesão clara à ideia da unidade do
Direito Cº). Cabe agora perguntar o que entendem
eles com isso. Vêm a propósito duas afirmações de
HECK. A primeira parte da equiparação entre a uni-
dade do Direito e a ausência de contradições (S 7 ) ;
este é, por certo, um elemento essencial, mas repre-
senta apenas, por assim dizer, o lado negativo da
ideia da unidade e não deixa, de forma alguma, reco-
nhecer onde está a unidade de sentido do Direito,
positivamente considerada ( 88 ). A segunda afirmação
relaciona-se com a conexão interior da ordem jurí-
dica, procurando-a na relação das normas com «par-
tes da vida que estão ligadas entre si através de har-

( 85 ) Cf. System, Geschichte und Interesse in der Privat-


rechtswissenschaft, JZ 1951, p. 481 ss. (484); concordando,
LARENZ, Methodenhlere cit., p. 133; essencialmente positivo o
juízo de BINDER, ZHR 100, p, 63 s.
( 86 ) Cf., por todos, STOLL, Begriff i.md Konstrulition in
der Lehre der Interessenjurisprudenz, Festgabe für Heck,
Rümelin und Schrr.idt, 193 l, p. 96; HECK, ob. cit., p. 87 s. e
p. 149 s.
(ª1) Ob. cit., p. 87 s.
(ª 8 ) Cf., a tal propósito, supra ~ l V 2 e nota 31.
59

manias e de conexões multifacetadas» ( 89 ); que isso


não chega já foi acima C'") pormenorizadamente expli-
cado. Mas para além disso, o meio com cuja ajuda
HECK pretende captar a unidade do Direito também
não é frutuoso. Ele apenas considera como adequada
a esse escopo a formação classificatória de «conceitos
de grupos de generalidade sempre crescente» cn).
Conceitos gerais abstractos são porém, inteiramente
inadequados para captar a unidade de sentido, sem-
pre concreta, do Direito ("ê) e tornam-se totalmente
inutilizáveis para esse escopo quando se lhes deixe
apenas a função rudimentar que HECK atribui aos
seus «conceitos de grupo». Estes só devem, designa-
damente servir duas «necessidades»: por um lado,
eles devem «aligeirar» a «concepção» das realidades
complexas, porque o «espírito humano só pode captar,
em simultâneo, um número limitado de representa-
ções singulares» e, por outro lado, devem «facilitar
a rememoração» C' '). É evidente que, perante tal
<<subjectivização», para não dizer «psicologização»
do significado dos conceitos, que os reduzem a um
mero veículo auxiliar para as insuficiências das capa-
cidades humanas de representação e de rememoração,

('0 ) Oh. cit., p. 149 s.; cf. também a referência aos


«conflitos da vida» (em vez dos critérios adequados para a sua
solução).
C''') Cf. n." 5.
("') Ob. cit., p. 150.
('ê) Cf. infra p. 49.
("') Cf. oh. cit., p. 82 s.
60

não se considera em nada a unidade objectiva de sen-


tido e de adequação do Direito.
Assim fica apenas uma última indicação: a refe-
rência de HECK ao «efeito remoto» dos juízos de valor
legais (' 1) , dos q_uais apenas haveria um passo até à
«pressuposta consequência interna do Direito» C:;).
Está fora de qualquer discussão que urna das contri-
buições metodológicas essenciais da jurisprudência
dos interesses está na elaboração deste rnmnento.
Põe-se agora a questão de onde se encontram esses
juízos de valor: só nos valores singulares do legisla-
dor ou também nas camadas mais profundas do
Direito? Presumivelmente responderia HECK no
segundo sentido Cu;) e então a censura de HEGLER de
que a jurisprudência dos interesses negligencia «as
realidades mediadoras» procederia no essencial. Isso
fica igualmente claro na sua instrumentação metodo-
lógica como nos seus trabalhos práticos. Num prisma
metodológico, a jurisprudência dos .interesses só
conhece, no essencial, os dois primeiros <<graus» da
obtenção do Direito, o da interpretação e o da analo-

C'') Cf. ob. cit., p. 150; quanto à «eficácia remota»,


fundamental, HECK, Gesetzesauslegung und Ir1teressenjurispru-
c/enz, 1924, p. 230 ss.
("·) Cf. * l, nota 27.
('";) Assim ele remete - Gesetzesauslegung cit., p. 231 s.,
por exémplo - para o efeito remoto da igualdade no Direito
Civil; no entanto, não é nenhum acaso que HECK não tenha
aqui escolhido nem uma valoração singular nem um princípio
«intermédio»; mas antes, como o princípio da igualdade, uma
das mais elevadas valorações do Direito; cf., também, o texto.
61

gia e restrição; segue-se-lhe logo, sem comunicação, a


«própria valoração» do juíz. Ela não reconhece, pelo
contrário, uma função essencial ao terceiro «grau»
da obtenção do Direito, ao trabalho com os «esca-
pas específicos fundamentais» C·), portanto aos prin-
cípios fundamentais de um domínio jurídico: por
detrás da lex e da ratio legis colocam-se imediata-
mente os mais altos valores jurídicos como a justiça,
a equidade e a segurança do Direito. E no que toca
ao trabalho prático-dogmático dos representantes da
velha jurisprudência dos interesses - quem poderia
não sentir perante largas passagens (> 8 ) , o mal estar
de ÜERTMANN ( 84 ) , porque, em todas as «considerações
singulares acertadas e muitas vezes convincentes»,
não aparece qualquer «quadro de conjunto unitário»?
Não há dúvidas: a força da jurisprudência dos interes-
ses localizou-se na discussão do problema singular e
não na elaboração das «grandes concatenações» ("!'),

(!>·) Cf. HEGLER, ob. e loc. cit., nota 83.


('>s) Há, evidentemente, excepções. Pense-se apenas nos
trabalhos de MÜLLER-ERZBACH sobre a responsabilidade pelo
risco ou de STOLL sobre as perturbações na prestação, ainda
hoje, em larga medida, modelares, quer metodologicamente
quer quanto ao conteúdo.
(!1 !>) HECI<, perante as críticas de ÜERTMANN e de HEGLER,
responde, na verdade, que colocou no seu manual de Direitos
Reais, previamente, uma parte geral; no entanto, em minha opi-
nião, justamente nessa parte geral, pouco se torna claro da
«unidade interior de sentido» dos nossos Direitos Reais e dos
seus princípios fundamentais. Poder-se-ia replicar a HECI~ que
não é nenhum acaso, antes se ligando estreitamente ao entendi-
mento de sistema e de unidade da jurisprudência dos interesses,
<32

- o que aliás é plenamente compreensível, no prisma


da história da metodologia, como contra-movimento
antitético contra os exageros da época anterior. Assim,
dever-se-ia confirmar inteiramente o duro juízo de
COING C) de que ele corresponde sobretudo apenas
ao princípio sociológico fundamental da «teoria dos
interesses genéticos» (1 ''").

b) As fraquezas do conceito de sistema da jurispru-


dência dos interesses

Com estas considerações sobre a ideia da unidade


na jurisprudência dos interesses, obteve-se o pres-

que os grandes manuais da parte geral do Direito Civil nôo pro-


venham dos típicos juristas dos interesses, mas sim, desde
VON TUHR, passando por NIPPERDEY e até FLUME e LARENZ,
de Cientistas do Direito cujo pensamento se estende para lá
dos relativamente estreitos limites metodológicos da jurispru-
dência dos interesses; na realidade, tais limites nunca se
P'Jderam mostrar tão claros como perante as exigências da
<{parte geral».
( 100) Cf., quanto a isso, também supra, nota 74. Conse-
quentemente, aliás, EHRLICH, Logik cit., partindo da sua posi-
ção sociológica chega ao resultado de que não existe uma
unidade do Direito como unidade das suas normas e continua:
«Para a interpretação histórica, a única científica - isso cor-
responde exactamente à opinião de HECK ! - cada proposição
jurídica é uma individualidade, um ser autónomo, que vive a
sua própria vida e tem a sua própria história» (p. 137). Com
estas bases, o Direito só pode ter uma unidade no facto de
«elas (as proposições jurídicas) só vigorarem cm conexüu com
a sociedade». (Cf. ob. cit., p. 146).
63

suposto para efectuar também um juízo sobre o seu


conceito de sistema: é muito pouco adequado para
exprimir a unidade interior e a adequação da ordem
jurídica. Um «sistema de decisões de conflitos» não
diz praticamente nada sobre a unidade de sentido do
Direito, ainda quando HECK também acentue a neces-
sidade de destacar «as concordâncias e as diferenças
nas decisões de conflitos» (1°'). Assim, as ideias bási-
cas do nosso Direito privado, que formam, por exem-
plo, o seu sistema --- como os princípios de auto-deter-
minação, da responsabilidade própria, da protecção da
confiança, etc. (1n") não são idênticas às decisões de
conflitos: antes lhes subjazem, dando-lhes o «sentido»
e sendo, aliás, mal-entendidos, na sua substância,
quando se quisesse reduzi-los a meras «decisões de
conflitos» (1°~): ficariam privados do seu conteúdo
ético-jurídico. Também na tomada de posição de
HECK quanto a problemas práticos e singulares do
sistema se mostram quão estranha lhe é, no fundo,
a conexão entre o sistema e a ideia da unidade de
sentido do Direito. Escolha-se, por agora (1° 1 ) , apenas
um exemplo, o das «teorias dos títulos de crédito»,
que o próprio HEcr<: caracterizou como especialmente
típico para o seu entendimento de sistema. HECK con-
sidera decisivo que as proposições jurídicas vigentes

(;u1) Cf. ob. cit., p. 150.


(H'") Cf. infra p. 47 s. e 53 ss.
( 10 ~) O que HECK também não faz; ele pura e simples-
mente o omite.
( 1 " 1) Cf. mais pormenorizadamente infra, § S III.
64

provenham das necessidades da vida, e, por isso, pre-


tende reduzir toda a controvérsia das teorias a uma
pura «questão de formulação>> (1''.'); daí resulta, por
consequência «em grande medida, a possibilidade de
formulações de teor diferente mas equivalentes, isto é,
duma equivalência de construções científicas» ( 11 '';).
Poucos lapsos haverá maiores do que este. Na ver-
dade, não se trata de menos do que da defesa da
unidade de sentido do nosso Direito privado, designa-
damente da questão de saber se o princípio do con-
trato, geralmente dominante, pode ser quebrado, com
perigo para a unidade, e a favor da possibilidade de
vinculações unilaterais ou se, em vez disso, se reco-
nhece, preservando a unidade, o princípio do con-
trato, o qual apenas poderia ser complementado atra-
vés do princípio da aparência jurídica, alargado aliás
por vastas áreas através da sua ligação com o princí-
pio da auto-responsabilização, igualmente incluído
entre os princípios básicos. Em estreita conexão com
isto está o não-entendimento de HECK de que as deci-

Cf. Grundriss des Schuldrechts, 1929, § 137.


( 10 :;)

( 1oG) Cf. ob. cit., p. 473, nota 2, com referência expressa


ao ~ 137. Pelo contrário, com razão, STOLL, ob. cit., p. 117,
nota 2 (cf. também p. 110) a cujo desejo HECK, na sua réplica
(Begriffsbildung cit., p. 211) não faz justiça, porque ele per-
manece circunscrito ao erro fundamental do seu modo causal
de consideração; igualmente insatisfatório é o que HECI<,
ob. cit., p. 100 ss. contrapõe contra a crítica plenamente
justificada de LEHMANN; cf., quanto a isso, também infra
p. 96 s.
G5

sões sistemáticas incluem, em si, valores, a que haverá


ainda ocasião de voltar (1º 7 ) .
Assim, o conceito de sistema da jurisprudência
dos interesses não pode, tudo visto, satisfazer plena-
mente; por outro lado, admite-se que a crítica, por
causa das muitas obscuridades e ambiguidades nas
tomadas de posição dos seus seguidores, não seja fácil
e que as explicações acima efectuadas não possam
aspirar à pretensão de esclarecimento pleno desta
questão, tão interessante no que toca à história dos
métodos (1° 3 ). Para além disso, é de acentuar que a
jurisprudência dos interesses produziu um trabalho
muito valioso, no próprio domínio da problemática do
sistema (1° 9 ) e que, sobretudo com a ideia de sistema

c101) Cf. infra § 5 III.


º
( 1 8) Totalmente insatisfatório a este propósito é, infe-
lizmente, o há pouco surgido trabalho de EDELMANN, Die
Entwicklung der Interessenjurisprudenz, 1967; quando muito
podem-se salientar as considerações de p. 102 s. nas quais,
contudo, o mais digno de nota é a curiosidade de EoELMANN
referir o comentário do ~ 242 do BGB, feito por WEBER no
STAUDINGER / Kommentar, com referência ao seu âmbito pouco
comum ( !), como elemento para os esforços da Ciência do
Direito na «construção sistemática» (ou será ironia?).
(' c10 ). STOLL deveria aliás estar mais próximo do que
I-TECK do entendimento de sistema hoje dominante e defendido,
também, neste trabalho (cf. STOLL, ob. cit., 77 s., 96 e 100),
tal como as ideias de STOLL, em muitos aspectos, foram mais
avançadas do que as de HEcK; não foi por isso, por acaso que
STOLL foi conotado com a expressão «jurisprudência das valo-
rações» (cf. ob. cit., p. G7, nota 1 e p. 75, nota 5), dando,
a!õsim, o mote metodológico à actual dogmútica jurídico-civil.
GG

«interno>> e com a referência ao seu carácter teleoló-


gico (1 1 º), obteve pontos essenciais que cabe receber e
desenvolver (1 11 ) .

11-0 DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE SISTEMA A


PARTIR DAS IDEIAS DE ADEQUAÇÃO VALORATIVA E DA
UNIDADE INTERIOR DA ORDEM JURIDICA

As considerações críticas feitas até agora facul-


taram também as bases para o desenvolvimeni:o de
um conceito de sistema que esteja apto para captar
a adequação interior e a unidade da ordem jurídica.

1. O sistema como ordem axiológica ou teleológica

Sendo o ordenamento, de acordo com a sua deri-


vação a partir da regra da justiça (1 1 ~), de natureza
valorativa, assim também o sistema a ele correspon-
dente só pode ser uma ordenação axiológica ou teleo-
lógica - na qual, aqui, teleológico não é utilizado no
sentido estrito da pura conexão de meios aos fins (1' '),

( 11 º) Cf. HECI(, ob. cit., p. 147, 155, 160 e passim (com


referência a HEGLER).
(1 11 ) Para o sistema teleológico cf. igualmente infrn, II 1,
no texto.
( 11 ~) Cf. supra § II 2.
( 11 ::) Também neste sentido, a expressão não foi usada
poucas vezes; cf., por exemplo, BINDER, ZHR 100 p. 62 s.;
ENGISCH, Einfiihrung in das juristische Denlwn, p. 161 s. e
Stud. Gen. 10 (1957), p. 178 s.
G7

mas sim no sentido mais lato de cada realização de


escopos e de valores, portanto no sentido no qual a
«jurisprudência das valorações», é equiparada à juris-
prudência «teleológica». Não se entende, porém, só
por si, que semelhante sistema teleológico seja pos-
sível. Assim poderia, pelo contrário, a jurisprudência
dos conceitos ter partido, por exemplo, de que ou
existe um sistema lógico, ou de que não há nenhum.
E não foi por acaso que a limitação de STAMMLER aos
«puros» conceitos fundamentais e a sua renúncia
resignada à sistematização de uma determinada ordem
jurídica positiva, teve a sua base neste entendimento
do conceito de sistema (1 11 ) . Também \VALTHER
BuRCKHARDT distinguiu, ainda em 1936, de modo
estrito, entre a <<justeza lógica» do Direito e a «justeza
ética» e limitou o sistema à extrapolação da pri-
meira (11.-,). Finalmente cite-se o mais recente ULRICH
KLUG que considera o significado da ideia de sistema
como uma demonstração essencial do peso do pensa-
mento lógico-formal na Ciência do Direito; pois logo
o próprio conceito de sistema é um termo especifica-

( 111 ) STAMMLER considera o seu sistema como lógico-


-formal, construído de conceitos gerais abstractos; ele recusa
expressamente a possibilidade de confeccionar um sistema de
determinada ordem jurídica, «inteiramente preenchido». Cf.
Theorie der Rechtswissenschaft, 2.• ed., 1923, p. 222 ss. e
Lehrbuch der Rechtsphilosophie, 3." ed. 1928, p. 278 ss.
( 113 ) Cf. Metlwcle und System eles Rechts, 1936, p. 121 ss.
e 211 ss.
GS

mente lógico» e «só a lógica permite determinar onde


existe, afinal, um autêntico sistema>> (1 1 r.).
Esta limitação do conceito de sistema ao sistema
lógico-formal não deixa contudo de ter um certo
arbítrio (1 17 ) . Tanto quanto se trate apenas de ques-

( 110 ) Cf. ob. cit. p. 5; cf. ainda, por exemplo SIGWART,


ob. cit., p. 695: «A sistemática tem, por tarefa, o representar
a totalidade dos conhecimentos alcançados num determinado
momento, e cujas partes estejam inteiramente conectadas atra-
vés de relações lógicas» (os itálicos pertencem ao origi-
nal), - no qual, contudo, se deve sublinhar a limitação ao
sistema de conhecimentos (ao contrário dum sistema objec-
tivo). - Para urna equivalência entre sistema axiomático e
sistema em geral, vide ARNDT, NJW 63, p. 1277 s.
( 117 ) De facto a possibilidade de um sistema teleológico
é frequentemente reconhecida, sem que a sua problemática
científico-teorética tenha sido sempre vista. Cf., por exemplo,
RADBRUCH, Zur Systematik der Verbrechenslehre, Frank-Fest-
gabe I, 1930, p, 159; HEGLER, ob. cit., p, 216 ss.; ENGISCH,
Stud. Gen. 10 (1957), p. 178 ss.; neste domínio, também
HECK que, a tal propósito, acentua expressamente, várias vezes,
a sua concordância com HEGLER cf. ob. cit., p. 147, 155, 160
e passim. Aí, contudo, a expressão «teleológica» é, em parte,
usada com o sentido e::;trito, acima caracterizado, na nota 113.
Também em escritos não jurídicos se fala, muitas vezes, de
«sistemas de. valores» e similares; cf., por exemplo, KRAFT,
Die Grundlage einer wissenschaftlichen Wertlehre, 1951,
p. 21, ss., com mais indicações; STARI<, Die Wissenssoziologie,
1960, p. 59 ss., 92 ss., 114 ss., 252 ss. e passim (cf. no índice,
a palavra «Wertsystem»), onde, diferenciadamente, também o
termo. «sistema axiológico» é empregado; cf. por exemplo,
p. 93, 146 e 252; cf., a esse propósito, ainda que sem relação
expressa com a problemática do sistema, LEINFELLNEH, Ein-
führung in die Erkenntnis und Wissenschaftstheorie, 1965,
p. 178 ss.
69

tôes de terminologia, pode-se naturalmente discutir


sobre a justificação de semelhante estreiteza; como
saída poder-se-ia, com COING (1 1 ª), distinguir um
conceito de sistema mais estrito e um mais amplo,
sendo o mais estrito idêntico ao lógico-formal
enquanto, dentro do mais amplo, haveria ainda espaço
para um sistema teleológico. Mas desde que se trate
de uma problemática material, a limitação do conceito
de sistema ao sistema lógico-formal, é uma hipótese
em nada justificada, para não dizer uma petitio prin-
cipii. Pois um sistema não representa mais do que a
tentativa de captar e traduzir a unidade e a ordena-
ção de um determinado âmbito material com meios
racionais: a recusa da possibilidade de um sistema não
lógico-formal equivale, assim, à afirmação de que a
lógica formal representa o único meio possível para
esse fim. Uma tal restrição no âmbito em que sejam
possíveis (1 1 ~) o pensamento e a argumentação racio-

( 11 ~)Cf. Zur Geschichte des Privatrechtssystems, p. 9.


( 11 ª)Nem sempre é claramente evidente que uma tal
restrição corresponda, de facto à concepção dos partidários
de um sistema lógico-formal ou axiomático-dedutivo. No
entanto, merece enfoque que KLUG, ob. cit., perante a análise
lógica de problemas jurídicos, apenas contraponha a intuição
(cf. prólogo de 1950). Com isso, a questão do significado da
lógica formal para a Ciência do Direito não fica respondida.
De facto, a intuição é indispensável em todas as ciências - de
outro modo não poderia haver génios científicos e o processo
das Ciências séria plenamente «fabricável» - e, evidentemente,
não pode, também, o jurista, viver sem «fantasia científica»;
n questão mio cai, contudo, na alternativa de lógica formal ou
intuição, mas sim naquele «espaço entre elas», portanto na
70

nais deve justamente ser rejeitada, como inadmissível,


pelo jurista ( 120 ) ; porque as dificuldades próprias do
pensamento jurídico não se deixam transpor com os
meios da lógica formal (1 21 ) , adviria, daí, uma sen-
tença de morte não só para a jurisprudência como
Ciência, mas também, em geral, para cada tentativa
de entender a aplicação do Direito como um pro-
cesso racionalmente conduzido. Como, de fac::to, tem
sido dito com frequência, os juízos dos juristas fica-
riam, no essencial, reduzidos a avaliar um qualquer
«sentimento jurídico», que, como tal, é sempre irra-
cional e sobre cujas «afirmações» não há, pelo menos
actualrnente, um entendimento que possa aspirar
sequer a uma parcela de convincibilidade geral. Por
outras palavras: quem negue a possibilidade de um
sistema teleológico nega, com isso, igualmente a pos-
sibilidade de captar racionalmente a adequação do
pensamento teleológico (1 2 ~) e, com isso, também a

possibilidade e importância de uma metódica não lógico-formal,


mas ainda especificamente racional e jurídica, segundo o que
se disse no texto, portanto, uma «teleológica formal». Noutros
locais, contudo, KLUG sublinha expressamente a necessidade
de uma complementação teleológica da lógica formal; cf. as
indicações supra nota 27.
( 12 º) Mas também por outros cientistas do espírito e
pelo filósofo. A multiplicidade de tentativas de alcançar uma
lógica, material elaborada mostra com suficiente clareza, como
é forte a necessidade de uma complementação da lógica for-
mal, através de outro tipo de pensamento racional.
c121) Cf. supra p. 2 ss.
( 122 ) Devia-se, portanto, por exemplo, considerar impos-
sível uma fundamentação racional de cada conclw,ão por ana-
71

possibilidade de exercer racionalmente a jurisprudên-


cia, no seu âmbito decisivo; pois o sistemn, no sentido
aqui entendido (tanto quanto está em discussão neste
local (1 2 ~)) não é, por definição, justamente mais do
que a captação racional da adequação de conexões
de valorações jurídicas.
Deve-se, por isso, quando não se queira negar
radicalmente o entendimento tradicional da Ciência
do Direito, enquanto empreendimento metodologica-
mente orientado, assente em argumentos racionais,
apoiar a possibilidade de um sistema axiológico ou
teleológico, pelo menos corno hipótese. Vale aqui para
a ideia de sistema o que BINDER afirmou, em geral,
para o carácter científico da jurisprudência: assim
como KANT não perguntou se existe uma Ciência da
Natureza, mas antes o pressupôs, tendo procurado,
compreendê-lo, também se deve, primeiro, partir de
«que existe uma Ciência do Direito e, então, perguntar
qual o seu sentido e o que fundamenta a sua pre-
tensão de cientificidade» (1 2 ·1 ) . De facto, ganhar-se-ia
muito para a moderna discussão metodológica na

!agia, que transcenda a pura clarificação da sua estrutura


lógico-formal e que, no seu núcleo decisivo, introduza a ques-
tão do «encaixe» da ratio legis.
( 123 ) Isto é, a propósito da característica da ordem e não
da da unidade.
( 124 ) Cf. Philosophie des Rechts, 1925, p. 836 ss. (837) e
Der wissenschaftscharaliter der Rechtswissenschaft, Kantstu-
dien .25 (1921), p. 321 ss., em especial p. 352 ss.; um paralelo,
digno de nota encontra-se (com referência a uma seriação geral
de valores, e portanto não especificamente jurídica) em
LEINFELLER, Einführung cit., p. 180 s.
72

Ciência do Direito (e, em geral, nas ciências do Espí-


rito) quando se adaptasse este ponto de partida de
BINDER - infelizmente pouco observado - e, em vez
de pôr permanentemente em dúvida a cientificidade
dos modos de trabalhar específicos das ciências do
Espírito, em especial do pensamento hermenêutico e
teleológico, se procurassem entender as especialida-
des destes métodos e apenas no final se colocasse a
questão da natureza científica (' 2 ::;). A discussão sairia
então, com brevidade, de ambos os extremos, entre
os quais ela hoje oscila, para aquele ponto intermédio
apenas avaliado pelas tarefas específicas da Ciência
do Direito: da improdutividade das meras pesquisas
lógicas e logísticas, por um lado (1 26 ) e da não
.inadstringibilidade da pura tópica, por outro lado ci~),
para uma teleológica e hermenêutica, que facultem
resultados racionalmente verificáveis através de meios
razoáveis e, assim, vinculantes, - mesmo que não
se pudesse alcançar aquele grau de adstringência
que é característico para as Ciências da Natureza ou
para a Matemática.
E está-se assim tão mal quanto à verificabilidade
da hipótese questionada? De modo algum! Assim, por
( 125 ) Não se lhes deve colocar na base o ideal de Ciên-
cia do positivismo, que, de antemão, não está apto ao pensa-
mento hermenêutico ou a qualquer tipo de teleológica - cor-
respondendo inteiramente a outro modelo, para o qual se
orienta. Por isso, a polémica contra a adstringibilidadc única
desse conceito de Ciência é, por exemplo, e com razão, uma
das ideias ce:-itrais da metodologia de LARENZ.
( 1 ~0 ) Cf. também supra, p. 31 ss.
(m) Cf. também infra, § 7 III b.
73

exemplo, a Ciência da Literatura - quando tal juízo


seja permitido a um diletante (no duplo sentido da
palavra) -fez progressos assombrosos e obteve
resultados da mais alta evidência, desde que ela não
mais se assumiu exclusiva ou, pelo menos, predo-
minantemente como Ciência histórica (1 28 ) , mas antes
tornou a obra de arte, na sua própria e específica
regularidade, sob o lema da «interpretação imanente
da obra» ou da «análise estrutural», no objecto das
suas pesquisas e, nesse sentido se tornou uma Ciência
hermenêutica. E do mesmo modo a jurisprudência
teleológica moderna pode requerer para si um êxito
indiscutível; não se deve, finalmente, olhar, de modo
permanente, para as cláusulas gerais (1 29 ) , antes se

( 128 ) Também aqui o conceito positivista de Ciência pro-


voca sérios danos. Pois porque fora das Ciências Naturais e
da Matemática, só se reconhece como Ciência a descrição histó-
rica dos «factos positivos», julga-se que a Ciência da Literatura
só seja possível como Ciência Histórica; expulsa-se, com isso,
do âmbito da pesquisa científica justamente o que é específico
numa obra de arte.
( 12 º) E também a sua concretização tem feito, em parte,
progressos admiráveis - pense-se apenas, por exemplo, nos
trabalhos de S1EBERT e de WIEACKER sobre o § 242 do BGB (*).
(*) Nota do tradutor: o § 242 do BGB dispõe:
«O devedor está obrigado a realizar a prestação tal como
requer a boa fé, com consideração pelos costumes do tráfego».
Recorde-se que com base neste preceito, a jurisprudência
e a doutrina alemãs desenvolveram quatro institutos funda-
mentais: a culpa na celebração de negocios, a boa fé no
c1.1mprimento das obrigações, o abuso do direito e a alteração
das circunstâncias.
74

devendo incluir também aquelas partes nas quais,


como por exemplo nos domínios «construtivos» dos
Direitos Reais, do Direito das Sucessões ou do
Direito dos Títulos de Crédito, é possível, num número
indefinido de casos, um simples juízo de «errado» ou
«certo» sobre um resultado e onde não pode ser ques-
tão de «admissível», etc. De modo semelhante,
devem-se considerar as múltiplas interpretações, ana-
logias e restrições «adstringentes», e não elevar ape-
nas os problemas do aperfeiçoamento «livre» (isto é,
não mais orientado por valores imanentes à lei) do
Direito a critério da admissibilidade dos métodos
jurídicos. Finalmente, não pode haver dúvidas de que
o pensamento jurídico aparece tanto ao leigo como,
com frequência, ao próprio jurista, justamente como
um caso modelar de pensamento «lógicm>; tenha-se
presente que, na verdade não é um pensamento
teleológico que rege os problemas específicos da
jurisprudência e que só este faculta conduzir a sua
argumentação; torna-se então claro o que verdadeira-
mente subjaz a esse juízo: a experiência de uma evi-
dência especial da adequação e poder convincente do
pensamento axiológico e teleológico. Embora a sua
estrutura possa ser ainda pouco esclarecedora, poder-
-se-á dizer em resumo: a hipótese de que a adequação
do pensamento jurídico-axiológico ou teleológico seja
demonstrável de modo racional e que, com isso, se
possa abarcar num sistema correspondente, está sufi-
cientemente corroborada para poder ser utilizada
como premissa científica. Ela é a condição da pos-
sibilidade de qualquer pensamento jurídico e, em
75

especial, pressuposto de um cumprimento, racional-


mente orientado e racionalmente demonstrável, do
princípio da justiça de tratar o igual de modo igual
e o diferente de forma diferente, de acordo com a
medida da sua diferença.
A esse propósito deve-se, por fim, focar expres-
samente uma especificidade: quando se fala aqui,
constantemente, da adequação dos valores, preten-
de-se significar isso mesmo. Não se trata, portanto,
da «justeza» material, mas apenas da «adequação»
formal de uma valcração - na qual «formal» não se
deve, evidentemente, entender no sentido de «lógico-
-formal» mas sim no sentido em que também se fala
do carácter «formal» do princípio da igualdade. Por
outras palavras: não é tarefa do pensamento teleoló-
gico, tanto quanto vem agora a propósito, encontrnr
uma qualquer regulação <<justa», a priori no seu con-
teúdo - por exemplo no sentido do Direito Natural
ou da doutrina do «Direito justo» - mas apenas, uma
vez legislado um valor (primário), pensar todas as
suas consequências até ao fim, transpô-lo para casos
comparáveis, solucionar contradições com outros
valores já legislados e evitar contradições derivadas
do aparecimento de novos valores (1::"). Garantir a
adequação formal é, em consequência também a
tarefa do sistema «teleológico» (1 :1 ) , em total conso-

(D 0) Seja através de legislação, seja por via da in tcrpre-


tação criativa de Direito.
(1~ 1 ) Quanto ao tema, na medida em que a justiça mate-
rial se realiza igualmente, cf. infra § 5 IV 3.
76

nância com a sua justificação a partir do princípio


«formal» da igualdade.

2. O sistema como ordem de «princípios gerais


do Direito»

Com a caracterização do sistema como ordem


teleológica ainda não foi, contudo, dada resposta à
segunda pergunta essencial: a dos elementos consti-
tutivos nos quais se tornem perceptíveis a unidade
interna e a adequação da ordem jurídica. No entanto,
ficou já esclarecido que se deve tratar de valores,
ainda que isso não possa constituir a resposta final,
pois se mantém a questão mais vasta de que valores
se trata: todos ou apenas alguns? Se se quisesse
optar pelo primeiro sentido, chegar-se-ia a um con-
ceito de sistema que seria muito semelhante ao «sis-
tema de conflitos de decisões» de HECK e perante o
qual procederiam as mesmas objecções; ele não pode-
ria tornar perceptível, de modo algum, a unidade.
Trata-se, pois, de encontrar elementos que, na mul-
tiplicidade dos valores singulares, tornem claras as
conexões interiores, as quais não podem, por isso, ser
idênticas à pura soma deles.
Nesta ocasião, deve-se recordar de novo a carac-
terística principal da ideia da unidade, acima elabo-
rada (132 ): a recondução da multiplicidade do singular a
alguns poucos princípios constitutivos. Mas isso signi-
fica que, na descoberta do sistema teleológico, não
77

se pode ficar pelas «decisões de conflitos>> e dos


valores singulares, antes se devendo avançar até aos
valores fundamentais mais profundos, portante> até
aos princípios gerais duma ordem jurídica; trata-se,
assim, de apurar, por detrás da lei e da ratio legis, a
ratio iuris determinante. Pois só assim podem os valo-
res singulares libertar-se do seu isolamento aparente e
reconduzir-se à procurada conexão «orgânica» e só
assim se obtém aquele grau de generalização sobre o
qual a unidade da ordem jurídica, no sentido acima
caracterizado ( 1 :12), se torna perceptível. O sistema dei-
xa-se, assim, definir como uma ordem axiológica ou
teleológica de princípios gerais de Direito (1'1~), na
( 1 ::::)Para a f~nção dos princípios, constituinte do sis-
tema, cf. principalmente . Essrn, Grundsatz und Norm cit.,
p. 277 s. e 323 ss. Para além disso, poder-se-ia, quando muito,
aproximar o conceito de sistema aqui adoptado do de CoING
e do de LARENZ (indicações importantes também já em STOLL,
ob. cit., p. 77 s. e 96); cf. sobretudo, CoING, Grundzüge der
Rechtsphilosophie, 1980, p. 275 ss., JZ 1951, p. 481 ss. (484 s.),
Geschichte und Bedeutung des Systemgedankes, p. 9 ss. e
Dolle-Festschrift, p. 25 ss.; LARENZ, Festschrift für Nikisch,
1958, p. 299 ss. e Methodenlehre p. 133 ss. e 367 ss. No entanto,
ambos colocam o sistema não exclusivamente na conexão dos
princípios gerais de Direito, mas sim, em parte, também nas
conexões da vida, dos valores, dos institutos, etc. (cf. CoING,
JZ cit., p. 485 e Rechtsphilosophie, cit., p. 278; LARENZ, ub. cit.,
p. 136 s. e 367). Poderia aí, contudo, haver apenas uma opo-
sição relativamente pequena com a opinião representada no
texto. No que respeita, em primeiro lugar, ao significado das
conexões da vida, há que separar cuidadosamente o sistema
externo do sistema interno: elas têm um significado grn.nde e
imediato para a edificação do externo mas, para a do internp,
pelo contrário, elas só podem ser relevantes mediatamel\te,
78

qual o elemento de adequação valorativa se dirige


mais à característica de ordem teleológica (1"~) e o
da unidade interna à característica dos princípios
gerais e:;~).

actuando sobre a «natureza das coisas» e sobre o que, desta,


o Direito receba, portanto numa forma jurídica específica de
pontos de vista transpostos de ordenação e de valoração,
isto é, justamente sobre os princípios jurídicos. Outro tanto
vale para as «diferenças de estrutura lógico-materiais», por
exemplo as que existem entre o Direito das Obrigações e os
Direitos Reais; também aqui se trata de separar entre o sis-
tema externo e o sistema interno e, quanto ao último, de
aproximar apenas aqueles elementos por detrás dos quais
se escondam valores materiais. Quanto aos restantes el2men-
tos, como conceitos, institutos jurídicos ou valores, cf. igual-
mente no texto infra a). - Um sistema no qual todos ou alguns
destes elementos se contivessem em igual posição, no qual,
portanto, por exemplo, conceitos, institutos, valores, conexões
da vida, etc. estivessem, no mesmo grau, junto dos princípios,
parece-me, contudo, pouco conveniente (mas cf. CoING e
LARENZ, ob. cit.). Com isso, mesmo que não se misturasse,
de modo inadmissível, o sistema externo e o interno, tratar-
-se-ia, contudo, de uma equiparação de elementos que estão
em planos distintos. Poder-se-ia, na verdade, em outras cir-
cunstâncias, construir o sistema interno com valores, conceitos,
institutos, etc. (cf., quanto a isso, igualmente o texto, infra a)),
mas melhor seria erguê-lo sobre um desses elementos e mio
mudar permanentemente os planos. Poder-se-ia, desta forma,
desenvolver vários sistemas colocados em diferentes planos
uns por detrás de outros ou em degraus uns sobre os outros,
que se deixassem reformular uns nos outros, mas que perma-
necessem sistemas («científicos») diferentes, isto é, formas
diferentes de ver e de captar o sistema («objectivo») da ordem
jurídica (para a relação entre o sistema «objectivo» e a sua
formulação no sistema «científico» cf. supra p. 13).
( 1 ~·1 ) Cf. supra ~ 1 I e as notas 13 e 14.
79

Não se pode determinar, de antemão, quando deva


um princípio valer como «geral»; também aqui se
trata de um critério inteiramente relativo. Para o
conjunto da nossa ordem jurídica, não se poderiam
considerar todos os princípios como «portadores de
unidade» e, com isso, como sistematizadores; e no
que, quanto a essa função, respeita ao Direito pri-
vado: neste, nem todos os princípios são, por seu
turno, relevantes para o sistema, como o serão, por
exemplo, para o Direito das Obrigações, os Direitos
Reais, o Direito das Sucessões, etc.; dentro desses
âmbitos, formam-se subsistemas mais pequenos, com
princípios «gerais» autónomos, como, por exemplo,
o sistema dos actos ilícitos, do enriquecimento sem
causa, das perturbações na prestação ou da respon-
sabilidade pela confiança. Em qualquer caso, uma
parte dos princípios constituintes do sistema mais
pequeno penetra, como «geral», no mais largo e,
inversamente, o sistema mais pequeno só em parte
se deixa, normalmente, retirar dos princípios do mais
largo (1''.-·). Assim, modifica-se a «generalidade» dum
princípio com a perspectiva do ponto de vista; final-
mente, é sempre decisiva a questão de quais os prin-
cípios jurídicos que se devem considerar constitutivos
para a unidade interior do âmbito parcial em causa,
de tal modo que a ordem dele seria modificada, no

Os principias não são, em regra, materia!mentc


(1 ,-. )
bastantes para compreender também todos os pontos de vista
valorativos necessários, para o âmbito mais estreito do orde-
m1mento: cf. pormenorizadamente infro p. 96 s.
80

seu conteúdo essencial, através de uma alteração num


desses princípios. Para o Direito civil vigente seriam,
por exemplo, de reconhecer como constitutivos do
sistema - sem pretensão de exaustividade - os prin-
cípios da autodeterminação, da auto-responsabilidade,
da protecção do tráfego e de confiança, da considera-
ção pelas esferas de personalidade e de liberdade dos
outros e da restituição do enriquecimento injusto ('':).
O significado dos «princípios gerais de Direito»
para a formação do sistema precisa contudo, nalguns
pontos, ainda de maior elucidação.

a) As vantagens, na formação do sistema, dos «prin-


cípios gerais de Direito», perante normas, con-
ceitos, institutos jurídicos e valores.

Em primeiro lugar, não é de imediato evidente


que o sistema deva justamente ser composto de prin-
cípios. Põe-se antes a questão de saber se não poderia
depender de outros elementos «gerais», como por
exemplo, de normas, conceitos, institutos jurídicos ou
valores. A resposta não é fácil e não deveria, em
última análise, ser determinada pelos pontos de vista
da oportunidade e do acaso.

(1 :,:) Não é objectivo desta pesquisa uma representaç,io


do contetíc!o do Direito privado actual (cf., quanto '.1 isso,
sobretudo CoING, Dolle-Festschriít cit.); aqui trata-se antes
apenas do aspecto metoclológico da problemática, e os prin-
cípios referenciados no texto visam apenas a ilustração exem-
plificativa.
81

No que toca, em primeiro lugar, a um sistema de


normas, surge este como pouco significativo, por-
quanto se deve procurar justamente, a conexão aglu-
tinadora das normas - e esta não pode, por seu
turno, consistir também numa norma; de facto, os
princípios jurídicos unificadores e significantes só
numa parte demasiado pequena se deixam formular
na forma de normas que devam ser firmemente deli-
mitadas segundo as previsões e estatuições normati-
vas e, assim, recuam perante a articulação mais
flexível do princípio.
No que respeita agora a um sistema de conceitos
gerais de Direito, este seria, por certo, pensável não
apenas como um puro sistema formal de conceitos
fundamentais gerais (1 '·), mas também como um sis-
tema teleologicamente «preenchido» de uma determi-
nada ordem jurídica. No entanto, eles deveriam ser
conceitos teleológicos ou «conceitos de valor» (1':");
além disso, também não se deveriam considerar, para
a formação do sistema, os conceitos gerais abstrac-
tos (1':!>), mas apenas os conceitos concretos no sen-
tido de HEGEL (1-ll'), pois apenas os últimos surgem
capazes de recolher em si o pleno sentido constitutivo

('': 7 ) Cf., quanto a isso, supra ~ 2 I 2.


( 1~8 ) O termo é utilizado por Co1NG, Rechtsphilosophie
p:
cit., 272.
( 11 º) Cf. LARENZ, ob. cit., p. 139 s.
( 14 '') Para o significado do conceito geral-concreto na
Ciência do Direito é fundamental LARENZ, ob. cit., p. 353 ss.
82

da unidade interna (1·11 ) . Mas ainda que um sistema de


conceitos jurídicos seja possível, isso não quer ainda
dizer que ele também seja adequado. Pelo contrârio,
isso é duvidoso, perante as tarefas aqui em causa.

( 141 ) BINDER requereu um sistema de conceitos gerais


concretos na «Wissenschaftslehre» que deixou depois da sua
morte; cf. p. 351 ss. (355) do manuscrito na posse do Semi-
nário para a Filosofia do Estado e para a Política do Direito
da Universidade de Colónia. Na sua Philosophie des Rechts. de
1925, BINDER fala de um sistema de «conceitos gerais empí-
ricos» - cf. p. 921 ss. (924), que ele contrapõe aos «puros»
conceitos de Direito; esses conceitos são «empíricos» na
medida em que se devam desenvolver a partir «do conteúdo
das ordens jurídicas singulares historicamente dadas». A rela-
ção entre esses «conceitos gerais empíricos» e os «conceitos
individuais históricos» (no sentido de RICKERT), que B!NDER
considera, aliás, adequados para a Ciência do Direito (cf. em
especial ob. cit., p. 841 ss. e 888 ss.), não fica bem clara
(para as dificuldades da formação de conceitos de BtNDER cf.
também LARENZ, ob. cit., p. 106 s.). BINDER deveria ter visto
a solução no conceito geral-concreto de HEGEL, ao qual ele
também se ligou casualmente a este propósito, na Philosopllie
des Rechts (p. 842; cf. também p. 888). - Que os conceitos
devam ser de tipo teleológico indiciou B1N0Ert incansavelmente,
como poucos; cf. por exemplo ob. cit., p. 886, 890 e 897 ss.
LARENZ pretende que o sistema do conceito geral-concreto
é o da filosofia do Direito e não o da dogmática jurídica
(cf. p. 3G7), i. é, portanto, não o de uma determinada ordem
jurídica. Parece-me duvidoso que isto proceda e, também, que
isto surja consequentemente no resto da concepção de L,RP-:z.
A. justificação de que a Ciência do Direito vigente precisaric1,
para cumprir as suas tarefas, de conceitos gerais abstractos
por causa da sua capacidade de subsunção é, em qu::dquer
caso, pouco convincente. Isso é verdade, mas ni'\o é tarefa do
sistema oferecer a possibilidade de subsunçüo imediata; tam-
83

O sistema deve fazer claramente a adequação valora-


tiva e a unidade interior do Direito e, para isso, os
conceitos são muito impróprios. Designadamente, e
mesmo quando estejam bem construídos, eles apenas
mediatamente contêm as valorações, por assim dizer
fechadas, enquanto os princípios são abertos; assim
a valoração é, por exemplo, essencialmente mais
imediata e segura no princípio da autonomia do que
no (ordenado) conceito de negócio jurídico, e que só
através de considerações relativamente complicadas,
.é possível determinar a valoração que o conceito de
direito subjectivo em si contenha. Pode, portanto,
dizer-se: No conceito (bem elaborado) a valoração
está implícita; o princípio, pelo contrário explicita-a
e por isso ele é mais adequado para extrapolar a uni-
dade valorativa do Direito. Para além disso, também
não se deve esquecer que, de forma alguma, os con-
ceitos correspondentes a todos os princípios funda-
mentais da nossa ordem jurídica já estão elaborados
e que isso, no essencial, é ainda mais difícil do que
a formulação de princípios gerais de Direito. Quanto
ao resto, não será necessário salientar que a formula-
ção de conceitos não é, por isso, supérflua. Pelo
contrário: ela é imprescindível para a preparação da

bém os princ1p10s, os institutos jurídicos ou até as conexões


da vida não são inteiramente capazes de subsunção. Pelo con-
trário: capazes de subsunção são as normas; o sistema, porém,
deve desco6rir as conexões de sentido existentes «por detrás
delas» ou «nelas» e pode, por seu lado, não ser susceptivel de
subsunção.
84

subsunção, devendo, assim, ser ordenado um sistema


de conceitos jurídicos correspondente aos princípios.
Deve-se ter presente que eles são de natureza teleoló-
gica e que, por isso, em caso de dúvida, é sempre
necessário o recurso à valoração neles incluída isto
é, ao princípio equivalente; por exemplo, sendo pouco
claro se um determinado acto deve ser qualificado
como negócio jurídico ou se uma posição jurídica
protegida pode ser considerada como um direito
subjectivo, deve perguntar-se sempre se, no caso
questionado, respectivamente, procede a regulação
predisposta por força da auto-determinação privada
ou se se deparam aqui os valores vigentes no reco-
nhecimento de direitos subjectivos.
Outro tanto vale perante um sistema de institutos
jurídicos (1 4 ~). Também estes não tornam a valoração
unificadora de modo algum imediatamente visível.
Mas sobretudo, eles não se reportam, em regra, a um
único valor, mas sim à ligação de várias ideias jurí-
dicas distintas; assim, o complexo regulativo da auto-
nomia privada, que se pode considerar como «insti-
tuto» do nosso Direito privado, só se entende a partir
de uma acção conjunta dos princípios da auto-determi-
nação, da auto-responsabilidade e da protecção do
tráfego e da confiança {1 4 ~); uma semelhante «misce-

( 142 )Este corresponde sobretudo ao conceito de sistema


de SAVIGNY; cf. System des heutigen romischen Rechts, 1840,
.§ 5 (p. 10 s.); quanto ao «instituto» como factor constitutivo
do sistema cf. ainda EssER, Grundsatz und Norm cit., p. 324 ss.
e LARENZ, Methodenlehre cit., p. 137 ss.
( 14 ~) Cf. mais pormenorizadamente infra, p. 92 ss.
85

genação» de princípios fundamentais pode demons-


trar-se em todos os «institutos jurídicos». Mas assim
sendo, um sistema com eles formado iria exprimir a
unidade da ordem jurídica do modo fragmentário.
pois a conexão ainda mais profunda existente entre
os institutos não se tornaria visível; pelo contrário:
o facto de, para vários institutos, os mesmos princí-
pios serem, em parte, constitutivos (1 11 ) -por exemplo
para o da auto-responsabilidade ou da protecc;ão da
esfera de liberdade - mostra que, na procura da uni-
dade do Direito, se regressa, por últirno, sempre e de
novo aos princípios gerais do Direito, - uma vez
que o sistema não resulta da sua mera enumeração
desconexa, mas antes é constituído através da sua
concatenação e ordenação interna C1 ··) e desde que
contenha uma componente relativamente semelhante
aos institutos. - A mesma objecção feita perante um
sistema de institutos, também vale, aliús, em face
dum de conceitos, pois também estes. na ma1ona.
compreendem em si vúrios aspectos valorativos:
assim, o que acima foi dito a propósito do instituto
da 2utonomia privada procede, de modo semelhante.
para o conceito de negócio jurídico; também no con-
ceito de actó ilícito e nos seus elementos singulares
(previsão legal, ilicitude, culpa) se abrigam vário::;
princípios ou valorações diferentes entre si.

( 11 ·1 ) Cf. também L'.RENZ, ob. cit., p. 139: (( .. os princí-


pios ético-jurídicos, captados através dos institutos singulares
e constitutivos da conexão de um complexo alargado dL'
normas ... ».
( 1·1,;) Cf. mais porn~enorizadamente i11.fru. p. 5:; e 5.'i ss.
86

Segue-se à proposta aqui feita, a tentativa de


entender o sistema como ordem de valores (1·1G). Tam-
bém isso seria, evidentemente possível; em última
análise, cada Ordem Jurídica se baseia em alguns
valores superiores, cuja protecção ela serve. Mas ao
mesmo tempo boas razões depõem, também, contra
ela. Na verdade, a passagem do valor para o princí-
pio é extraordinariamente fluida; poder-se-ia dizer,
quando se quisesse introduzir uma diferenciação de
algum modo praticável, que o princípio está já num
grau de concretização maior do que o valor: ao con-
trário deste, ele já compreende a bipartição, caracte-
rística da proposição de Direito em previsão e conse-
quência jurídica (1·1• ) . Assim, por exemplo, por detrás

( 14 Cf. sobretudo COING, ob. cit. na nota 133.


º)
( 147 ) Cf. mais pormenorizadamente CANARIS, olJ. cit.,
p. 123 s. Isso não significa, evidentemente, que ele aparente,
no restante, já a forma de uma disposição jurídica; ele dis-
tingue-se antes desta por não estar ainda, em regra, suficiente··
mente concretizado para permitir uma subsunção, precisando,
por isso de uma «normativização»; cf., mais detidamente,
ob. cit., p. 160 ss. Contra a opinião de BYDLINSI<::I (oJB1. 1968,
p. 223), isso n5o modifica, contudo, em nada, a justeza da
diferenciação proposta entre princípio e valor; o princípio, ao
contrário do valor, indica sempre, pelo menos, a direcção da
consequência jurídica (ob. cit., p. 161 ss.) embora pormenores
possam ficar em aberto. No que toca, em especial, ao exemplo
citado por BYDLINSKI, do princípio de que a realização do
capital de base de uma sociedade anónima deve manter-se
assegurado, é inteiramente reconhecível, nele, a bipartição em
previsão («O capital de base») e estatuição jurídica («deve
manter-se realizado»); também parece, neste caso, especial-
S7

do princ1p10 da auto-determinação negocial, está o


v<1lor da liberdade; mas enquanto este só por si, ainda
não compreende qualquer indicação sobre as conse-
quências jurídicas do.í derivadas, aquele já exprime
algo de relativamente concreto, e designadamente que
a protecção da liberdade é garantida através da legi-
timidade, conferida a cada um, para a regulação autó-
noma e privada das suas relações com os outros.
O princípio ocupa pois, justamente, o ponto intermé-
dio entre o valor, por um lado, e o conceito, por
outro: ele excede aquele por estar já suficientemente
determinado para compreender uma indicação sobre
as consequências jurídicas e, com isso, para possuir
uma configuração especificamente jurídica e ultra-
passa este por ainda não estar suficientemente deter-
minado para esconder a valoração. Uma vez por
todas - e mais uma vez se repete, para evitar mal-
-entendidos - trata-se, predominantemente, de uma
questão de oportunidade e de acaso: um sistema de

mente pouco ajustado falar de um «valor», pois a realização


do capital de base não vale por si só, mas apenas pela pro-
tecc;ão <<do que está por detrás dela» e, portanto, é precisa
para vários «valores». De resto, é de admitir que os valores
jurídicos se deixam facilmente reformular nos correspondentes
princípios e que, por isso, as delimitações são fluidas - tra-
tando-se apenas de diversos graus de um processo de concre-
tização em si contínuo (que, na sua fase seguinte, prossegue
ào princípio para a norma e, aí, aparenta de novo delimita-
ções fluidas). - Em compensação, o que BYDLINSK! diz, ob. cit.,
quanto à diferença entre a analogia e princípios gerais de
Direito é COiwincente e representa um progresso importante
nesta questão.
88

conceitos teleológicos, de institutos jurídicos ou de


valores superiores deveria assemelhar-se muito a um
sistema de princípios: eleve ria deixar-se reformulur
neste outro, de modo extenso, quando ncio total.

b) Os tipos de funções dos «princípios gerais do


Direito» na formação cio sistema

Apurada e demonstrada a escolha para elementos


constitutivos unitários dos princípios gerais de Direito,
surge, como nova tarefa, o tecer considerações mais
pormenorizadas sobre o modo e a forma pelo qual eles
acatam a sua função sistematizadora. Salientem-se,
aqui, quatro características: os princípios não valem
sem excepção e podem entrar entre si em oposição
ou em contradição (1 4 ~); eles não têm a pretens:to da
exclusividade; eles ostentam o seu sentido próprio
apenas numa combinação de complementação e res-
trição recíprocas; e eles precisam, para a sua reali-
zação, de uma concretização através de sub-princípios
e valores singulares, com conteúdo material próprio.
Os princípios não valem sem excepção e podem
entrar em oposição ou em contradição entre si. Esta
característica não precisa de explicação; é para os
juristas um fenómeno seguro o de que, às decisões
fundamentais da ordem jurídica, subjazem muitas
excepções e de que os princípios singulares não pou-

Para a diferença entre oposição e contradiçfio cf.


( 1 ·15)
inf ra, § 6 I 2 d.
89

cas vezes levam a decisões contrárias. Pense-sei ape-


nas nas excepções sofrid2s pelo princípio da liberdade
de forma dos contratos obrigacionais, pelo da consen-
sualidade da procuração, pela possibilidade de repre-
sentação nos negócios jurídicos, pelo da condiciona-
bilidade dos negócios jurídicos, pelo da liberdade de
aceitação dos negócios do representante legal, etc.
Ou pense-se nas múltiplas limitações do princípio da
autonomia negocial que resultam da consideração de
princípios contrários e das contraproposições daí
resultantes, como, por exemplo, a limitação da liber-
dade de celebração, através de várias previsões do
dever de contratar, a limitação da liberdade de esti-
pulação dos contratos obrigacionais através do
Direito de protecção das denúncias do Direito social
do arrendamento e no Direito do trabalho, na limita-
ção da liberdade de testar através do direito de
legítima, etc., etc. Entre a mera excepção e o princí-
pio contrário existe, naturalmente, uma passagem
fluida; deve verificar-se, quanto a isso, se o valor
que requer a limitação possui uma generalidade e
urna categoria bastantes para, por seu turno, valer
como princípio constitutivo do sistema. Isso não
sucede, por certo, nos exemplos acima dados, a pro-
pósito das ideias jurídicas que subjazem às diversas
prescrições de forma, isto é à protecção contra a
precipitação ou à facilitação de prova; o BGB não
confere a esses valores um significado tal que, aqui,
se possa falar em princípio constitutivo do sistema
do Direito civil ou, sequer, apenas do Direito das
obrigações; trata-se, assim, de meras excepções ao
90

princípio da liberdade de forma. Pelo contrário, os


princípios de tutela dos trabalhadores e da protecção
da família, que estão por detrás do direito de pro-
tecção dos despedimentos e da legítima, respectiva-
mente, têm, sem dúvida, uma função constitutiva para
os nossos Direitos do Trabalho e das Sucessões e,
para além disso, também para todo o Direito Privado;
há, pois, princípios opostos.
Os princípios não têm pretensão de exclusiv~dade.
Isto significa que uma mesma consequência jurídica,
característica de um determinado princípio, também
pode ser conectada com outro princípio. Podia-se
julgar que isto é evidente. Mas tem sido frequente-
mente posto em causa, pelo menos a propósito de
princípios singulares, e este mal-entendido tem-se
mostrado, em parte, como um obstáculo pesado para
o progresso do nosso Direito privado. Assim, por
exemplo, nem sempre foi reconhecido que as presta-
ções de indemnização podiam resultar não apenas de
violações culposas do Direito; hoje já não é discutível
que, ao lado dela, haja uma série de outros princípios
de imputação, também constitutivos do sistema, tais
como os princípios do risco, da confiança ou da
imputação por actos lícitos e que as disposições a
eles respeitantes, como as previsões de responsabili-
dade pelo risco, § § 122, 179, 307 e 904/2 BGB (*),

("') Nota do tradutor: o ~ 122 do BGB obriga o declarante


a indemnizar o declaratário ou, em certos casos, terceiros,
quando a declaração seja declarada nula ou seja anulada; o
§ 179 estabelece a responsabilidade do representante que não
prove os seus poderes, quando o representado recuse a ratifi-
91

respectivamente, não são, de modo algum, previsões


excepcionais «contrárias ao sistema» mas antes, pelo
contrário, expressões (em parte incompletas) de prin-
cípios gerais. Por certo que o princípio do dever de
responder pelo ilícito culposo merece ainda uma
certa primazia, que se baseia em parte no seu signifi-
cado histórico, mas também, sobretudo, na sua espe-
cial evidência ético-jurídica; mas isso não justifica, de
modo algum, que lhe seja reconhecida uma pretensão
de exclusividade; antes conduz a que, no reconheci-
mento de outros fundamentos de imputação, seja
cuidadosamente verificada a questão do seu poder de
convicção interior. Compreende-se, por si, que esta
perspectiva tenha o mais alto significado para a inter-
pretação comum e para a interpretação criativa do
Direito (1·1~). Urna problemática muito semelhante à
colocada a propósito do princípio da culpa, põe-se,
também, quanto ao princípio de autonomia privada e
possui, ainda hoje, grande actualidade. Não poucas
vezes parece dominar o mal-entendido de que pre-
tensões «como as resultantes de um negócio jurídico»,
portanto, em especial, pretensões de cumprimento, só
podem, fundamentalmente, resultar de negócios jurí-

c2.c;úo; o ~ 307 manda, üquele que conheça a impossibilidade


duma prcstac;flo assumida, indemnizar a outra parte que se
tenha fiado na viabilidade do contrato; o ~ 904/2, por fim,
c!ctermina que, quem penetre em prédio alheio para prevenir
um dano na própria coisa, o possa fazer devendo, no er.tanto,
indemnizar. As indemnizações süo, no entanto, limitadas nos
trés primeiros casos ao denominado interesse negativo.
( 11 "'; Cf. também infra f). 120 s. e 17G s.
92

dicos (' 1 º). Isso opor-se-ia, por exemplo, ao reconheci-


mento da responsabilidade pela confiança corno um
princípio constitutivo do sistema de igual categoria,
na medida em que, dele não resultem apenas pre-
tensões de indemnização, mas ainda, corno na respon-
sabilidade pela aparência jurídica, pretensões de cum-
primento. Na verdade, não se demonstra semelhante
pretensão de exclusividade do princípio da autodeter-
minação negocial (1',l), de tal modo que ele não se opõe
ao reconhecimento de pretensões de cumprimento a
partir da responsabilidade pela confiança ou de outras
previsões de «imputação objectiva» (1-·ê). Em geral,
pode dizer-se a tal propósito: os princípios não devem,
fundamentalmente, ser colocados num quadro de
exclusividade; eles não devem, portanto, ser formula-
dos segundo «só quando ... então ... ».
Os princípios ostentam o seu sentido p,·óprio ape-
nas numa combinação de complementoçâ.o e restriçâ.o

(1:; 0 ) Tal poderia ser, antes de mais, a opm1ao ele FLUME,


uma vez que ele ou não considera os correspondentes fenó-
menos como outras previsões especiais capazes de declarações,
como, por exemplo, a doutrina do documento de autenticação
comercial (cf. Allg. Teil II, 1965, ~ 36) ou os recusa por
inconciliáveis com o Direito em vigor e, em especial, com a
doutrina do negócio jurídico como, por exemplo, a «procura-
ção aparente» (cf. ob. cit., ~ 49, 4, sobretudo p. 834: «... de
tal modo que as regras sobre negócio jurídico não engrenam»).
(1• 1 ) Cf., quanto a isso, mais desenvolvidamente, C.-..NAR1s,
Die Vertrauensliaftung im deutsclicn Privatrec/1t. 1971, p. 4:31 ss.
(1·:2) Cf., sobre isso, por todos, HÜilNEll, Zurechnw1 6 :::lcill
Fiktion einer Willenserklúrnng, em Nipperdey-foestschrift, 19fi:3,
p. 373 ss.
93

Também para esta proposição encon-


recíprocas (1":1) .
tramos variados exemplos. Assim, por exemplo, a
doutrina do negócio jurídico e, em especial, a regu-
lação do erro no BGB só se torna compreensível a
partir da ligação dos três princípios da autodetermi-
nação, da auto-responsabilidade e da protecção da
confiança. A autodeterminação só é possível em auto-
-responsabilidade (1 "~), assim como a autêntica liber-
dade sempre inclui, em si, a vinculação ética.· Em
consequência disso, o imputável deve ainda respon-
der, em certas circunstâncias, pela regulação legal
mesmo quando a sua autodeterminação falhe; surge,
aqui, a auto-responsabilidade como princípio comple-
mentador. Esta está estreitamente ligada ao princípio
da protecção da confiança, pois, em geral, só perante
o terceiro de boa fé existe a possibilidade de, hones-
tamente, apesar da falha na autodeterminação, con-
servar o negócio jurídico, com recurso ao princípio
da auto-responsabilidade. Por exemplo. o princípio
da auto-responsabilidade evidencia-se na regra da
interpretação objectiva, na medida em que se trata
de fazer imputar ao declarante (pelo menos agora) o
significado objectivo e o princípio da confiança aflora
quando dê relevo ao modo como a outra parte deve-
ria ter entendido, razoavelmente, a declaração. Subjaz,
de igual modo, uma ligação entre os três princípios,

(;-,:) São fundamentais os trabalhos de W11.Bu1,G; cf.,


quanto a eles, pormenorizadamente infra, ~ 4"
( 1 '·~) Cf., quanto a isso, por todos, LAHENZ, Die Methode
der Aus/egung eles Rechtsgcsch{ifts, 1930; FLUME, tJiJ. cit.,
i4,Sc21,1.
94

por exemplo, no ~ 123 II BGB, enquanto a relevância,


sem excepção, de uma ameaça, segundo o ~ 123/I
BGB (*), respeita a uma postergação do princípio da
confiança perante o da autodeterminação que, aqui,
por força do peso especial do vício - segundo a valo-
ração do BGB - não é modificado através da ideia
da auto-responsabilidade. Auto-responsabilidade e
protecção do tráfego (não a protecção da confiança)
estão também por detrás da validade provisória de
um negócio - sobre o qual recaia um erro rele-
vante-; a auto-responsabilidade e a protecção da
confiança dão ao§ 122 BGB o seu sentido(**). O prin-
cípio da protecção do tráfego desempenha um papel
significativo na regulação da capacidade negocial
onde ele, em conjunto com o estreitamente aparen-
tado princípio da clareza jurídica, conduziu à imposi-
ção de estreitos limites de idade; ele tanto modifica
o princípio da autodeterminação como o de auto-res-
ponsabilidade: o negócio de um menor de vinte anos

C) Nota cio tradutor: dispõe o ~ 123 do 8GB:


(1) Aquele que tenha sido levado a emitir uma declara-
ção de vontade através de dolo ou de ameaça ilícita. pode
anular a declaração.
(2) Quando o dolo tenha sido cometido por um t2rcciro,
a declaração destinada a outrem, só é anulável quando este
conheça ou deva conhecer o dolo. Quando qualquer outro que
não o destinatário da declaração tenha adquirido, com base
nela, imediatamente, um direito, é essa declaração anulável
sempre que ele conhecesse ou tivesse conhecido do dolo.
C"'') Nota do tradutor: o ~ 122, já acima referido, mand,1.
indemnizar a pessoa que creia na validade de um nrgôcio,
quando haja anulação.
95

é ineficaz, mesmo quando este tivesse uma total capa-


cidade de julgamento, e ela representasse, portanto,
uma regulação legal de autodeterminação responsável
e sem falhas; e inversamente, o clausulado por uma
pessoa de vinte e um anos mentalmente atrasada é
eficaz, ainda quando não se possa aqui falar propria-
mente de uma autodeterminação responsável.
Junto de uma tal complementação surge a limita-
çâo recíproca. Isso já foi acima indiciado, a propósito
da discussão do primeiro critério. Assim, o princípio
da autodeterminação na nossa ordem jurídica só se
deixa apreciar plenamente quando se incluam, na
ponderação, os princípios contrapostos e limitativos
e o âmbito de aplicação que lhe seja destinado, por-
tanto, por exemplo, quando se actuem as previsões
da obrigação de contratar, da protecção no despedi-
mento ou da legítima, de modo útil para a auton.omia
privada. Por outras palavras: o entendimento de· um
princípio é sempre, ao mesmo tempo, o dos seus limi-
tes e·;;).
A combinação mútua dos princípios conduz, no
entanto, a certas dificuldades na formação do sis-
tema. Designadamente, surgem aspectos diferenciados
consoante se descrevam os diversos lugares onde um
princípio de Direito tem significado jurídico ou se
elabore como actua ele num determinado local.
É certo, por exemplo, que o facto de os princípios
da imputação do risco e da protecção do tráfego não

(' -,-,) Seja dos seus limites imanentes, seja dos «externos»,
isto é, dos condicionados pela oposição de outros princípios.
I \
96

actuarem apenas no quadro da doutrina do negócio


jurídico mas também no enriquecimento sem causa
e na responsabilidade civil, constitui uma caracterís-
tica sistemática do Direito vigente. Mas é igualmente
próprio do sistema que eles tenham conduzido, no
âmbito negocial, ao princípio da interpretação objec-
tiva, no enriquecimento sem causa, à conhecida proi-
bição de ingerência em relações tripartidas e na res-
ponsabilidade civil, ~t objectivação da bitola da negli-
gência. Só os dois aspectos levam, de algum modo,
à representação plena do sistema, sem que se possam
sempre reflectir ou até formular simultaneamente.
Eles actuam pois, complementarmente um perante o
outro, para utilizar um termo que é também empre-
gue no domínio da teorização das Ciências natu-
rais (1 r,,;).
Finalmente, os princípios necessitam, para a sua
realização, da concretização através de subprincípios
e de valorações singulares com contctíç/o materiol
próprio. De facto, eles não são normas e, por isso,
não são capazes de aplicação imediata (1";), antes
devendo primeiro ser normativamente consolidados
ou «normativizados» (':; 8 ) . Para tanto, é imprescindí-

(1 :,e) Cf., quanto a isso, WEISSIWPF em Riickblick in die


Zukunft, 1981, p. 203 s. (na sequência de NIELS BOHR).
(' ,;) · Fundamental para a distinção entre princípio
e norma, Essrn, Grunclsatz und Norm in der richtei"liclien
Fortbildung eles Privatrechts, 2." ed., 1964.
('"s) Cf. CANARIS, Die Vertrauenslwftung cit., p. 47-l ss.
97

vel a intermeação de novos valores autónomos. Isso


demonstra-se, de novo, com exemplos. Quando, por
exemplo, se saiba que uma determinada vinculação
respeita ao princípio da auto-responsabilidade, ainda
se está muito longe de uma norma susceptível de
imputação. A auto-responsabilidade não significa
mais do que imputação, mas esta pressupõe um deter-
minado princípio de imputação. O Direito civil vigente
conhece, como tais, apenas o princípio da culpa, o
princípio do risco e - em todo o caso segundo uma
opinião difundida, ainda que incorrecta (1" 1 ) - o prin-
cípio da causalidade, cabendo efectuar uma escolha
entre eles. Mas com isso, o processo de concretização
não ficou contudo, ainda, concluído. Feita, por exem-
plo, uma escolha a favor do princípio da culpa, surge,
de seguida, a questão das formas de culpa; determi-
nadas estas, mais pormenorizadamente, como dolo
e negligência, cabe ainda esclarecer o que se deve
entender com isso; de novo são necessários valores
autónomos, por exemplo, a propósito do tratamento
dos erros sobre a proibição, a propósito da questão
de saber se o conceito de negligência se deve entender
objectiva ou subjectivarnente e a propósito da deter-
minação interna do que seja, em determinada situa-
ção, o «cuidado necessário no tráfego»; também sur-
gem novos valores na determinação da bitola de
responsabilidade, portanto a respeito do problema de
por que grau de culpa se deve responder: se só por
dolo. se só até ao limite da negligencia grosseira ou
98

se só pela diligência exigível, etc. Outro tanto acon-


tece quando, no tocante à imputação, se decida a
favor de princípios do risco. Também aí se colocmn
problemas de valoração próprios, porquanto se trata
de apurar que risco deve ser imputado e até que
limites actua o dever de responsabilidade; pense-se
apenas na escala de possibilidades, desde a respon-
sabilidade com inclusão da força maior e através de
várias formas intermédias até à liberação da res-
ponsabilidade pela existência de um «evento inevitá-
vel», no sentido do § 7 II StVG ! O mesmo se
demonstra com exemplo na responsabilidade pela
confiança. Assim, feita a afirmação básica de uma
protecção da confiança, surge imediatamente a per-
gunta por que forma ela vai actuar: através da con-
cessão de urna pretensão de indemnização pelos
danos e pelas despesas como, por exemplo, nos
§ § 122, 179 II e 307 do BGB (*) ou através da con-
cessão de uma pretensão de cumprimento como, por
exemplo, nos casos da responsabilidade pela aparên-
cia jurídica? Isso já não se pode resolver com base,
apenas, na ideia de confiança, de tal modo que devem
ser encontrados novos pontos de vista materiais,
depois de cujo emprego podem, em certas con-
dições, resultar subproblemas novos e semelhantes.
Aceitando-se que a responsabilidade pela confiança
respeita, normalmente, a uma conexão entre os prin-

C) Veja-se a nota do tradutor supro, p. 90-91.


99

cíp10s da protecção da confiança e da auto-responsa-


bilização, e que este último, por seu turno, como
acima se disse, implica toda uma escala de diferentes
possibilidades de concretização, torna-se clara a mul-
tiplicidade imaginável de formações previsivas, atra-
vés da combinação de variantes e subvariantes, - o
que é confirmado pela consideração do Direito vigente
com o seu grande número de diferentes tipos de
responsabilidades pela confiança.
Mostra-se, assim, amplamente, que as consequên-
cicis jurídicas quase nunca se deixam retirar, de forma
imediata, da mera combinação dos diferentes princí-
pios constitutivos do sistema, mas antes que, nos
diversos graus da concretização, surgem sempre novos
pontos de vista valorativos autónomos. Em regra, não
se pode rtconhecer a estes a categoria de elementos
constitutivos do sistema, por causa da sua estreita
generalidade e do seu peso ético-jurídico normalmente
fraco: eles não são constituintes da unidade de sentido
do Cunbito jurídico considerado, portanto, do Direito
privado, nos exemplos citados (1"Q).

( 1:;~) Mas eles püdem, naturalmente, ser constituintes da


unidade -de um âmbito parcial - em regra pequeno. Assim
pode-se, por exemplo, considerar um princípio jurídico inteira-
mente constitutivo para um «sistema da responsabilidade pela
confiança», princípio esse que não teria tal categoria no sis-
tema das obriguções ou, até, do Direito privado. Caracterizar
um principio como «constilutivo do sistema» é, aliás, uma
tarefa rcbtiva; cf. mais pormenorizadamente supra p. 77 s.
100

c) As cliferençcis dos «princípios gcrnis de Di:·ef!o:>


perante os oxiomas

Para concluir, regresse-se ainda uma vez à pro-


blemática do sistema axiomático-dedutivo (1';º); tor-
na-se claro, de acordo com as consideraçôes então
feitas, que os princípios gerais de Direito são, em
qualquer caso, inadequados para fundamentar tal
sistema. Na verdade, a segunda e, pelo menos em
parte, a terceira das características isoladas apli-
cam-se, também, aos axiomas. Pois também estes não
se devem, essencialmente, edificar segundo a fórmula
«só quando ... então ... », antes deixando aberta a pos-
sibilidade de o mesmo resultado poder ser retirado
de outro axioma (''''); uma certa tendência para a
redução a relativamente poucas premissas é também
inerente a um sistema axiomático - urna tendência
que surge, aliás, em cada sistema por causa do ele-
mento da unidade e que também é evidente num
sistema de princír,:os gerais de Direito-; no entanto,
um axioma não adquire por isso, de modo algum,
necessariamente a pretensão da exclusividade. E no

('.''º) Quanto a isso cf. pormenorizadamente, supra


*2I.3b.
( 1 ''') Questão completamente diferente é a de se um
axioma pode ser deduzido de outro ou de uma conexão entre
vários outros; isso deve ser negado, pois o axioma seria,
er:tão, supérfluo. Mais uma premissa não é, de modo ~.lgum,
supérflua por o mesmo resultado com ela obtido, se conseguir
a partir de outras premissas, interiormente diferentes.
101

c;ue respeita à terceira característica, a complemen-


tnc;êio mútua dos princípios, resulta também um
paralelo com os axiomas: do mesmo modo estes só
adquirem o seu significado próprio quando se liguem
entre si, para, a partir de várias premissas maiores
axiomáticas, obter a multiplicidade dos «teoremas».
A concordância cessa, contudo, no elemento da
limitação mútua e, inteiramente, na característica da
interrupção por excepções e das contradições de
princípios. Os axiomas exigem uma vigência sem
excepções, e admitir, na formação do axioma, todas
as excepções que surgissem seria uma axiomatização
aparente (1';"). Enquanto os princípios conservam o
seu sentido «em princípio», segundo o termo tão
característico para os juristas, os axiomas devem
poder ser formulados de acordo com o esquema
«sempre que ... , então ... ». Isto não é, de modo algum,
qualquer acaso; surge, pelo contrário, característico
das especificidndes do pensamento teleológico, perante
a orientação lógico-formal; pois, corno diz EssER (1G:;),
«Os princípios só podem funcionar quando se possam
quebrar com legitimidade». Totalmente inconciliável
com um sistema axiomático é a possibilidade de
contradições ele princípios. É geralmente reconhecido
que tais contradições podem ocorrer (1ü·1 ) , não se

(i ·;s) Cf. também supra p. 39 s.


(''";) Cf. Gnmdsatz und Norm, p. 7.
(õ' 1 ) Cf., por todos, ENG ISCH, Einführung in das juristische
Denlwn, p. 162 ss., com indicações desenvolvidas na nota 206a.
102

devendo, de facto, negá-lo (1,;-,). Elas não se deixam,


de forma alguma, remover sempre C'; 3 ) , de tal modo
que um sistema de princípios gerais de Direito não
pode satisfazer o postulado da total ausência de con-
tradições. Por isso, os princípios são inutilizáveis
como base de um sistema lógico-axiomático, uma vez
que a ausência de contradições dos axiomas é irre-
nunciável (1c 11 ) . Pelo contrário, a formação de um sis-
tema teleológico não se opõe, de modo algum, à pos-
sibilidade de contradições de princípios; ela impede,
em todo o caso, uma configuração perfeita desse sis-
tema ( 1(;~).
Finalmente, a quarta característica distingue tam-
bém os princípios gerais dos axiomas; a partir destes
todos os «teoremas» se devem deixar deduzir, com a
utilização exclusiva das leis da lógica formal e sem
a intromissão de novos pontos de vista materiais (1c')
enquanto que, como foi mostrado, para a concretiza-
ção dos princípios gerais de Direito, são sempre
necessárias, nos diversos graus, novas valorações
parciais autónomas.

( 1G~) Cf., pormenorizadamente, infra ~ 6 I 3-5.


(lCG) Cf. supra, nota 35.
( 1 '; 7 ) Cf., pormeno,-izadamcnte, infra ~ 6 I 5.
( 1 ·,•) Cf. as citações feitas supra, nota, 31.
§ 3. 0 A ABERTURA DO SISTEMA

Com a definição do sistema como uma ordem


teleológica de princípios gerais de Direito, ficou
determinado, nas suas características mais importan-
tes, o conceito de sistema; no entanto, são necessá-
rias, ainda, precisões nalguns pontos. Duas qualidades
do sistema desempenham, na discussão jurídica actual,
um papel largo que ainda não foi abordado, no
decurso, já efectuado, da investigação e que se vai
examinar de seguida: a «abertura» e a «mobilidade»
do sistema. O que se pretende dizer com isso?
No que toca, em primeiro lugar, à abertura, encon-
tram-se, na literatura, utilizações lingu_ísticas diferen-
tes. Numa delas, a oposição entre sistema aberto e
fechado é identificada com a diferença entre uma
ordem jurídica construída ca:suisticamente e apoiada
na jurisprudência e uma ordem dominada pela ideia
da codificação (1); nesse sentido, o sistema do Direito

( 1) Cf. Essrn, Grundsatz und Norm, p. 44 e 218 s. e


µassim, segtündo FRITZ ScrrnLz, History of Roman Legal
Scier.ce, 1946, p. 69, cuja utilização linguística não se fixou,
contudo, claramente, neste sentido; cf., ainda, LERCHE, DVBl.
1961, p. 692.
104

alemão actual deve-se considerar, pela sua estru-


tura C), sem dúvida como fechado. Na outra, enten-
de-se por abertura a incompleitude, a capacidade de
evolução e a modificabilidade do sistema C); neste
sentido, o sistema da nossa ordem jurídica hodierna
pode caracterizar-se como aberto. Pois é um facto
geralmente conhecido e admitido o de que ele se
encontra numa mudança permanente e que, por exem-
plo, o nosso sistema de Direito privado surge, no
essencial, diferente do imediatamente posterior à
promulgação do BGB ou do ainda há trinta anos exis-
tente. Esta mudança, em cujo decurso foi descoberta
uma série de «novos» princípios, ·tem sido descrita
com frequência ('1) e só precisa, aqui, de ser indiciada.

(2) Segundo as considerações de EssER, ob. cit., passim,


devia ser hoje geralmente reconhecido que a oposição não é
exclusiva, mas apenas tipológica e que, portanto, os dois tipos
de sistema convergem; cf., também, ZAJTAY, AcP 165, p. 97 ss.
(106).
('l) Cf. SAUER, Juristische Methodenleltre, 1940, p. 172;
ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), p. 187 s.; LARENZ, Methoden-
lehre, p. 134 e p. 367; EMGE, Philosophie der Rechtswis-
senschaft, 1961, p, 290; RAISER, NJW 1964, p. 1204; FLUME,
Ali. Teil des Bürgerlichen Rechts, 2." vol., 1965, p. 295 s.;
MAYER-MALY, The Irish Jurist, vol. H, part 2, 1967, p. 375;
KRIELE, Theorie der Rechtsgewinnung, 1967, p. 122, 145 e 150.
Esta utilização linguística corresponde à utilização teorético-
-científica geral; cf. as citações infra nota 8.
(1) Cf., quanto a isso, por todos, WIEACKER, Das
Sozialmodell der klassischen Privatrechtsgesetzbücher und die
Entwicklung der modernen Gesellschaft, 1953, Das Bür~erliche
Recht im Wandel der Gesellschaftsordnungen, DJT- Festschrift,
185

Assim, e enquanto factos construtivos ou modificati-


vos do sistema, desenvolveram-se: o princípio do
risco, na responsabilidade objectiva, o princípio da
confiança, na responsabilidade pela aparência jurídica
e na doutrina da culpa in contrnhendo e o princípio
da equivalência material no instituto da alteração
das circunstâncias; de modo semelhante, o princ1p10
da boa fé demonstrou, na exceptio doli, na doutrina
da supprcssio ("') ou na multiplicidade dos deveres
de comportamento àesenvolvidos a partir dela, uma
inegável força de alteração do sistema.
Em que se fundamentam estas modificações do
sistema e em que sentido é o sistema aberto? A res-
posta só se obtém quando se separem, com clareza,
os dois lados do conceito de sistema, isto é, o sistema
científico e o objectivo C').

vai. 2, 1960, p. 1 ss. e Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 1967,


p. 514 ss. e 543 ss.; F. V. HIPPEL, Zum Aufbau und Sinnwanclel
imseres Privatrechts, 1957.
(") Cf., quanto a essa diferença, supra, p. 13.
(*) Nota do tradutor: a expressão latina medieval
«suppressio» foi proposta em MENEZES CORDEIRO, Da boa fé no
Direito civil, 2.º vol. (1984), 797, para traduzir a Venvirkung,
sem correspondente na língua portuguesa.
A «suppressio» pode definir-se como o instituto pelo qual
o direito que não seja exercido durante bastante tem 1)0, não
mais poderá ser actuado quando o seu exercício retardado seja
contrário à boa fé. No Direito português, a «suppressio» é
uma subcategoria do abuso do direito.
106

i- A ABERTURA DO «SISTEMA CIENTíFICO» COMO INCOM-


PLEITUDE DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

No que toca ao primeiro, portanto ao sistema de


proposições doutrinárias da Ciência do Direito, a
abertura do sistema significa a incompleitude e a
provisoriedade do conhecimento científico. De facto,
o jurista, como qualquer cientista, deve estar sempre
preparado para pôr em causa o sistema até então
elaborado e para o alargar ou modificar, com base
numa melhor consideração. Cada sistema científico é,
assim, tão só um projecto de sistema Cª), que apenas
exprime o estado dos conhecimentos do seu tempo;
por isso e necessariamente, ele não é nem definitivo
nem «fechado>>, enquanto, no domínio em causa, uma
reelaboração científica e um progresso forem possí-
veis. Em consequência, nunca podem ser tarefas do
sistema o fixar a ciência ou, até, o desenvolvimento
do Direito num determinado estado, mas antes, ape-
nas, o exprimir o quadro geral de todos os reconheci-
mentos do tempo, o garantir a sua concatenação entre
si e, em especial, o facilitar a determinação dos efeitos
reflexos que uma modificação (do conhecimento ou
do objecto), num determinado ponto, tenha noutro,
por força da regra da consequência interior.

Cª) Cf. também POPPEH. Logil~ der forschung, p. 223 ss.


107

Contudo, ninguém iria afirmar que o fenómeno


da «abertura» do sistema na jurisprudência se possa
reconduzir; apenas, à provisoriedade do conhecimento
científico. Aceitar que as referidas modificações do
sistema respeitam, exclusivamente, a progressos de
penetração científica na matéria jurídica seria pura
utopia. Mas isso leva, naturalmente, à conclusão de
que subjazem mudanças no sistema objectivo, isto é,
na própria unidade da ordem jurídica, e de que ele,
· oor isso, deve ser aberto.

li - A ABERTURA DO «SISTEMA OBJECTIVO» COMO MODIFI-


CABILIDADE DOS VALORES FUNDAMENTAIS DA ORDEM
JURÍDICA

Não é discutível e resulta mesmo evidente, que o


Direito positivo, mesmo quando consista numa ordem
jurídica assente na ideia de codificação, é, notoria-
mente, susceptível de aperfeiçoamento, em vários
campos. Os valores fundamentais constituintes não
podem fazer, a isso, qualquer excepção devendo,
assim, mudar também o sistema cujas unidades e
é!-dequação eles corporizem. Hoje, princípios novos e
diferentes dos existentes ainda há poucas décadas,
podem t~r validade e ser constitutivos para o sistema.
Segúe-se, daí, finalmente, que o sistema, como uni-
dade de sentido, compartilha de uma ordem jurídica
concreta no seu modo de ser, isto é, que tal corno
108

esta, não é estático, mas dinúmico, assumindo pois


a estrutura da historicidade ('').
Não se deve encobrir esta realidade com o facto
de, em vez dum sistema em si mutável e, por isso,
aberto, se partir de uma sucessão de sistemas dife-
rentes estáticos e, assim, fechados. Na verdade, teori-
camente, sempre que um novo princípio constitutivo
para o sistema obtivesse validade, poder-se-ia aceitar
o nascimento de outro sistema, que absorvesse o até
então existente; mas com isso, não se teria resolvido
o fenómeno aqui em causa. Pois esta modificação do
Direito não se verifica com saltos bruscos, antes
operando num desenvolvimento paulatino e contínuo;
isso vale mesmo quando não se trate de um aperfei-
çoarnento jurisprudencial, mas sim de mera interven-
ção do legislador: por exemplo, se este, ao consagrar
sempre mais previsões de responsabilidade pelo risco,
elevar assim um novo princípio jurídico à categoria
de um elemento constitutivo do sistema, não fica,
por isso, modificada a identidade do nosso sistema de
Direito privado; este apenas se modificou, - nada de
diferente, aliás, do que o que ocorre com a identidade
de urna indi.vidualidade que não é negada pelas modi-
ficações no temi)O, se esta comparação for permi-

(") Para a historicidade do Direito cf., por exemplo,


G. HüSSERI., Recht uncl Zeit, 1955; ARTHUR KAUFMANN,
Naturrecht uncl Geschicl1tlichkeit, 1957 e Das Schuldprinzip,
1961, p. 86 ss.; LARENZ, Methodenlehre, p. 189 ss.; HENKEL,
Einfiihrung in die Rechtsphilosop/Jie, 1964, p. 36 ss.
109

tida C). Que o legislador possa, contudo, colocar um


sistema inteiramente novo no local do anterior con-
tende, evidentemente, com isso; não é esse, aliás,
o problema de que aqui se trata.

Ili - O SIGNIFICADO DA ABERTURA DO SISTEMA PARA AS


POSSIBILIDADES DO PENSAMENTO SISTEMATICO E DA
FORMAÇÃO DO SISTEMA NA CIÊNCIA DO DIREITO

abertura como incompleitude do conhecimento


À
científico acresce assim a abertura como modificabi-
lidade da própria ordem jurídica. Ambas as formas
de abertura são essencialmente próprias do sistema
jurídico e nada seria mais errado do que utilizar a
abertura do sistema como objecção contra o signifi-
cado da formação do sistema na Ciência do Direito
ou, até, caracterizar um sistema aberto como uma
contradição em si. A abertura do sistema científico
resulta, aliás, dos condicionamentos básicos do tra-
balho científico que sempre e apenas pode produzir
projectos provisórios, enquanto, no âmbito questio-
nado, ainda for possível um progresso, e, portanto, o
trabalho científico fizer sentido; o sistema jurídico
partilha, aliás, esta abertura com os sistemas de todas

C) Cf., quanto a isso, HENEEL, ob. cit., p. 40, que equi-


para expressamente a ordem jurídica a u1~1a «individualidade
própria)).
110

as outras disciplinas C). Mas a abertura do sistema


objectivo resulta da essência do objecto da jurispru-
dência, designadamente da essência do Direito posi-
tivo como um fenómeno colocado no processo da His-
tória e, como tal, mutável. Esta forma de abertura
não se encontra necessariamente em todas as outras
Ciências (8), pois o seu objecto pode ser imutável;
pode até haver aqui urna especificidade da Ciência
do Direito; não se justifica então, de modo algum,
colocar em dúvida a capacidade da ideia de sistema
para a Ciência do Direito: pois as especialidades do
nosso objecto devem corresponder a especialidades
do nosso conceito de sistema e um sistema (em sen-
tido objectivo) em mudança permanente é tão ima-
ginável como uma unidade de sentido duradoura-

(') A ideia da abertura do sistema é inteiramente cor-


rente na nova teoria científica; cf., por exemplo, Rrc1~ERT,
System cler Philosophie I, 1921, p. 350; PLESSNER, Zur Soziolo-
gie der modernen Forschung und ihrer Organísation in der
cleutschen Universitéit, em: Versuche zu einer Soziologie des
Wissens, publicado por l'vlAX SCHELER, 1924, p, 407 ss. (413);
JASPERS (e ROSSMANN)' Die Idee der Universitéit, fi.i.r die
gegenwéirtige Situation entworfen, 1961, p. 44; FREYER, Die
Wissenschaften des 20. Jahrhunderts und die Idee des Huma-
nismus, Merkur 156 (1961), p. 101 ss. (113); ScHEI.SEY,
. Eisamlwit und Freiheit, Idee une! Gestalt der deutsclien Uni-
versitéit uncl ihrer Reformen, 1963, p. 287 s.
(") Cf., por exemplo, a propósito da Física, a est 1.:! pro-
pósito, C. F. VON WEISÃChER, Al>schluss und Vollendung der
Physik, publicado na Süddeutsche Zeitung de 25.10.1966,
n." 255.
111

mente modificável C0 ) . Retira-se, de facto, daqui, que


a formulação do sistema jurídico - possivelmente em
oposição a outras Ciências - nunca pode chegar ao
fim, antes sendo por essência, um processo infindá-
vel (' 1 ) ; aí reside também um certo sentido prático,
derivado do sistema ser aberto. De qualquer modo,
isto traduz uma evidência, que de modo algum merece
um significado tão fundamental como o que lhe con-
fere a moderna discussão do sistema; em especial, a
abertura do sistema não tem qualquer significado para
a admissibilidade da interpretação criativa do Direito;

( 1'') A questão tem, aliás, o seu paralelo na discussão


sobre o carácter cientifico da jurisprudência, na medida em que
este seja negado com a fundamentação de que o jurista se ocupa
de um objecto «efémero». Por fim, em ambos os casos deveria
tratar-se de um pouco significativo problema de definição.
( 11 ) Enquanto uma ordem jurídica está em vigor, ela
modifica-se e assim que deixe de vigorar, ela já não é mais
objecto da dogmática jurídica, como Ciência do Direito
vigente, mas sim objecto da História do Direito. O modo de
trabalhar do historiador, contra a opinião de GADAMER
(Wahrheit und Methode, 2." ed., 1965, p. 307 ss.) não é, porém,
o mesmo do do jurista dogmático, pois não lhe compete a
aplicação do Direito, a um caso actual, tão essencial para o
dogmático, bem como o seu aperfeiçoamento; que GADAMAR
desconheça isto tem a ver, sobretudo, com a polissemia do seu
conceito de «aplicação»; cf. WAGNER, AcP 165, p. 535 s. que
censura a GADAMER, com razão, neste ponto, uma troca de
conceitos; contra GADAMER, com pormenor e convincente,
BETTI, Die Hermeneutil~ ais allgemeine Methodik der
Geisteswissenschaften, 1962, p. 44 ss. e WIEACKER, Notizen
zur rechtshistorischen Hem1eneutiR, 1962, p. 21 (cf. também
p. 8 ss. e 19 s.).
,:.
112

esta não é admissível por aquele ser aberto; antes


aquele surge aberto porque esta - por razões exte-
riores à problemática do sistema - é admissível.

IV - OS PRESSUPOSTOS DAS MODIFICAÇÕES DO SISTEMA


E A RELAÇÃO ENTRE MODIFICAÇÕES DO SISTEMA
OBJECTIVO E DO SISTEMA CIENTIFICO

O círculo de questões da abertura do sistema não


está totalmente esgotado com a mera justaposição
da incompleitude do sistema científico com a modifi-
cabilidade do sistema objectivo, tanto quanto tal
separação esteja, também, certa, em princípio. O pro-
blema, na prática altamente significativo, de saber
sob que condições são possíveis modificações num
dos clois sistemas tem ficado, até aqui, por esclarecer,
assim como a questão, com ele estreitamente ligada,
da relação na qual ambos os sistemas (ou ambos os
lados do sistema) se encontram entre si e, por conse-
quéncia, que influência têm as modificações dum
deles, no outro. À primeira vista, pode parecer que a
resposta não seja difícil de dar: o sistema científico
modifica-se quando tenham sido obtidos novos ou
mais exactos conhecimentos do Direito vigente ou
quando o sistema objectivo ao qual o científico tem
de corresponder, se tenha alterado; o sistema objec-
tivo modifica-se quando os valores fundamentais
constitutivos do Direito vigente se alterem. Em conse-
quência, o sistema científico está em estreita depen-
dência do objectivo e deve mudar-se sempre com este,
113

enquanto o sistema objectivo, pelo seu lado, não é


influenciado por modificações dentro do científico.
Um exame mais cuidado mostra que a probiemá-
tica não é assim tão simples, antes conduzindo ime-
diatamente a duas questões prévias altamente com-
plexas: ao problema da valjdade e das fontes do
Direito (1 2 ) e ao problema, de certo modo ligado
com aquele, da relação entre o Direito vigente «objec-
tivo» e os seus conhecimentos e aplicação; pois a
questão dos factores e pressupostos de uma modifi-
cação do sistema objectivo é idêntica à da admissibili-
dade de uma modificação do Direito vigente, portanto
ao problema das fontes do Direito e a questão da
relação entre o sistema objectivo e científico é apenas
um sub-problema da questão geral das relações entre
o Direito vigente «objectivo» e o seu conhecimento.
Por não serem ambos problemas específicos da pro-
blemática do sistema, ·compreende-se por si que não
possam ser pormenorizadamente discutidos no quadro
do presente trabalho; na sequência, apenas se vai

( 1 ~) A validade e as fontes do Díreito devem, natural-


mente, entender-se aqui, em sentido normativo e não em
sentido fáctico, isto é, como o enunciado das proposições
jurídicas que devam, acertadamente, ser aplicadas e não como
o levantamento das proposições jurídicas muda consoante a
matéria - é, na minha opinião, fundamental para a doutrina
da validade e das fontes do direito e não deve, apesar da
critica sempre retomada, ser abandonada ou, sequer, confun-
dida (mas cf., também, infra nota 36). Para os diversos tipos
de conceito de validade d., por todos, HENKEL, Einführung in
clie Rechtsphilosophie, p. 438 ss., com outras indicações.
114

esquematizar, com brevidade, o nosso próprio ponto


de vista (1: 1) , na medida em que isso seja necessário
para tornar segura, em toda a extensão, a problemá-
tica da abertura do sistema (1 ').

1. Modificações do sistema «objectivo»

Ocupemo-nos, primeiro, das modificações do sis-


tema objectivo. De acordo com a doutrina tradicional
das fontes do Direito, deve partir-se do princípio de
que, em primeira linha, a modificação cabe ao legis-
lador. Como exemplo, recorde-se mais uma vez o
alargamento paulatino da responsabilidade pelo risco
e a modificação do nosso sistema de Direito privado,
com isso provocada. No entanto, não é sempre neces-
sário verificar-se semelhante intervenção directa. As
modificações do sistema podem antes resultar de
actos legislativos que respeitem, primeiramente, a
domínios jurídicos inteiramente diferentes; nota-se,
aqui, de modo particular, o postulado da unidade valo-
rativa e, com isso, a força do pensamento sistemático.
Um dos exemplos mais visíveis, que surge a tal pro-
pósito, é a doutrina da eficácia externa dos direitos
fundamentais que só se torna compreensível sobre
o pano de fundo da ideia da unidade da ordem jurídica

(1 ~) Tanto se assumem conscientemente a renúncia a


uma discussão pcrmenorizada com opiniões divergentes como
certas simplificações inevitáveis nos problemas.
115

e que, na forma da eficácia externa imediata ou


mediata, modificou essencialmente o nosso sistema
de Direito privado; o terna do Direito geral da perso-
nalidade torna-o particularmente claro. Segue-se a
força modificadora do sistema do Direito consuetu-
dinário. Assim o sistema dos nossos Direitos Reais
foi alterado através do reconhecimento da transmissão
de garantias que, apesar de todas as tentativas de
justificação, deve ser considerada como aperfeiçoa-
mento contra legem do Direito e, assim, só se pode
apoiar na força derrogadora do Direito consuetudi-
nário.
Mas serão a legislação e o Direito consuetudinário
os únicos factores significativos para as modificações
do sistema objectivo? A doutrina tradicional das fon-
tes do Direito deveria, consequentemente, afirmá-lo,
colocando-se, então, o problema de como esclarecer
todas as modificações do sistema que se reconduzam
a criações jurisprudenciais do Direito. Como enten-
der, por exemplo, a tal propósito, a culpa in con-
trahendo e a responsabilidade pela aparência jurídica,
a violação positiva do crédito e o contrato com efi-
cácia protectora de terceiros, a exceptio doli e a
suppressio, o dever de contratar e a doutrina da alte-
ração das circunstâncias, o desenvolvimento dos deve-
res de assistência e de lealdade no Direito do Trabalho
e no Direito das sociedades ou a doutrina das socie-
dades e das relações laborais de facto? Estes institu-
tos surgiram inteiramente independentes de uma
intervenção do legislador e apoiar a sua validade no
Direito consuetudinário é pouco satisfatório porque
116

os pressupostos deste - ainda que hoje já existen-


tes - não se verificavam, de modo algum, no
momento do seu primeiro reconhecimento, de tal
modo que se deveriam, inicialmente, considerar como
«inválidos» e só posteriormente legitimados através
de um Direito consuetudinário derrogante. Fica ape-
nas uma saída: poder-se-ia, nestes casos, negar qual-
quer modificação do sistema objectivo e afirmar que
o desenvolvimento dos referidos institutos apenas
conduziu a uma modificação do sistema científico.
E porque o sistema objectivo é constituído, segundo
a opinião aqui apresentada, por valores fundamentais
ou por princípios fundamentais de Direito, isso iria
pressupor que aquelas figuras novas respeitam a
valores que, de antemão estavam imanentes ao nosso
Direito privado; a problemática em questão desem-
boca assim na questão do fundamento da validade
dos princípios gerais do Direito (H).
Como tal deve-se, em primeiro lugar, referir o
Direito legislado, do qual, frequentemente, se deixam
obter princípios gerais, através da analogia ou,
melhor, da indução. De facto, algumas das referidas
construções novas, derivam, sem mais, dos valores
da lei. Isso respeita, por exemplo, à responsabilidade
pela aparência jurídica, pois a st,1a construção vasta-

( 14 ) Este é relativamente pouco esclarecido; fiz uma


tentativa - oh. cit., p. 95 ss. (97 ss., 106 ss. e 118 ss.) de
progredir algo nessa direcção, na qual se edificaram ns con-
siderações que seguem.
117

mente ramificada desenvolveu-se, quase toda (1"), a


partir das indicações relativamente estreitas dos
~§ 171,172,405 e 794 do BGB C'), com base emana-
logia singular ou conjunta("'); isto vale, sem limita-
ções, para a vjolação positiva do crédito bem como
para a doutrina da sociedade de facto (1·). Em tais
casos, o reconhecimento de um novo instituto não
significa, de facto, qualquer modificação do sistema
objectivo, mas apenas uma alteração no científico,

(F·) Apenas há uma cxcepção p~ra a chamada <<pro·


curação aparente» que é altamente problemática por causa
da contradição de valorações com a regulação da falta de
consciência da, c:!,eclaração; cf. mais desenvolvidamente, infra
p. 98.
(1G) Cf. CANARIS, Die Vertraue11shaftu11g im dculschen
Privatrecht, 1971, p. lOG s., 107 ss. e 133 ss.
( 17 ) No que toca à violação positiva do crédito, ela
deriva directamente, da analogia com os casos legalmente
regulados de vícios na prestação. No que respeita à sociedade
de facto, resulta, para as relações externas, do princípio da
aparência jurídica imanente à nossa ordem jurídica (cf. supra,
no texto) e para as relações internas, do facto de os ~ ~ 812 ss.
do BGB não se adaptaram, tipologicamente, à sociedade,
ficando pois sem aplicação, por força de redução teleológica,
devendo substituir-se :.itravés da aplicação analógica do;; pre-
cei~os sobre liquidação, como regulação material da dissolu-
ção; para este entendimento da sociedade de facto cf. L\HENZ.
Methodenlehre p. 298 s. e Scliulclrecht, BT. ~ 56 VII.
C) Nota do tradutor: o ~ 171 dispõe a eficácia dzt pro-
curaçã·o perante quem ela tenha sido anunciada pelo repre-
sentado; o ~ 172, sobre a eficácia do documento onde te:nham
sido conferidos os poderes de representação; o ~ 405 estipula,
na ccssüo de créditos, a ino:)onibilidade, ao novo credor, de
118

uma vez que os valores relevantes já se continham,


de antemão, na lei e apenas não eram reconhecidos
no seu alcance total.
No entanto, nem todos os referidos institutos. se
podem apoiar, desse modo, nos valores da lei; muitos
deles não são «exigidos» através da teleologia ima-
nente da lei, mas apenas «inspiradas» por ela (1~);
doutros, nem isso se pode dizer. Como WIEACKER
acertadamente disse, existe uma «ordem jurídica
extra-legal» (1:;); as modificações no sistema podem,
também, partir dela. A maioria das novas formações,
acima referidas, permite exemplificá-lo; em regra e
em todo o caso, elas dispõem de um «apoio» jurídico-
-positivo (assim, para a exceptio doli e a suppressio,
o ~ 242 BGB) mas que não obtêm, da lei, uma verda-
deira legitimação. Poder-se-á dizer, em semelhantes
casos, que os valores de base já estivessem imanentes
à nossa ordem jurídica e tenham, apenas, sido desco-
bertos, tratando-se portanto, também aqui, apenas de

quanto não conste do título; o * 794 fixa a responsabilidade


do subscritor dum título ao portador pela obrigação em causa,
mesmo quando o título lhe tenha sido subtraído. Todas estas
figuras tem o seu correspondente no Direito português, excepto
o ~ 405: a cessão de créditos portuguesa, ao contrário da
alemã, é causal e não abstracta.
( 18 ) Assim a formulação acertada de LARENZ, Nikisch-
-Festschrift, p. 276.
(E') Cf. o subtítulo do seu escrito Gesetz un Richterlmnst,
1958: «Zum Problem der aussergesetzlichen Rechtsordnung»
(«Para o problema da ordem jurídica extra-legal»).
119

modificações no sistema científico, mas não no objec-


tivo? A resposta só se obtém quando se pergunte
por que razão aqueles valores, apesar de não consta-
rem da lei, devem ser ainda parte do Direito, isto é,
quando se coloque, de novo, a questão do seu funda-
mento de validade. E porque a lei e o costume, tendo
em conta a especialidade do enquadramento do pro-
blema, se colocam, de antemão, de parte, surge, .obri-
gatoriamente, a necessidade de uma reformulação das
tradicionais fontes do Direito (2°), a qual pode, no
essencial, seguir apenas duas direcções: ou se decide
elevar a jurisprudência à categoria de fonte autónoma
e
do Direito 1 ) , junto da lei e costume, ou se devem
reconhecer critérios de validade «extra-positivos»,
oferecendo-se então, como tais e antes de tudo, a
«ideia de Direito» e a «natureza das coisas».
A primeira solução é, porém, inconciliável com
a posição do juiz na nossa ordem jurídica: a proposi-
ção colocada pelo tribunal como fundamento de uma
decisão não vale por ter sido exteriorizada pelo juiz,
mas sim por estar convincentemente fundamentada,
isto é, porque deriva de critérios de validade bastan-
tes, exteriores à sentença judicial. Esta opinião não
só corresponde inteiramente à orientação domi-

(~º) Também \VIEACKER, ob. cit., retira expressamente


essa consequência da descoberta da «ordem jurídica extra-
-legal»; cf. p. 15 s.
( 21 ) No sentido normativo; não é discutível que ~ sen-
tença judicial seja fonte do direito facticamente vigente, isto é,
efectiva.mente aplicado (para a diferença cf. supra, nota 12).
120

nante e~), mas também se acolhe ao auto-entendi-


mento da jurisprudência como da doutrina: a pri-
meira, nas suas decisões, mesmo quando ela, cons-
cientemente, «aperfeiçoa» o Direito, da ideia de que
as proposições jurídicas de base não obtêm validade
e
através da sentença judicial 1 ) , mas antes a possuem
já previamente sendo, pois, apenas «descobertas>>; a
última, quando propaga um instituto jurídico novo,
modificativo do sistema, apresenta, desde logo, a pre-
tensão de que a solução por ela defendida seja
Direito vigente e não coloca apenas, à jurisprudência,
uma proposta não vinculativa, cuja aceitação, por ela,
fosse uma questão de mera oportunidade ou, até, de
livre vontade. De facto, fica apenas o segundo cami-
nho e este parece ser inteiramente praticável, apesar
da problemática estar ainda pouco pensada: os prin-
cípios gerais de Direito podem ter também o seu
fundamento de validade para além da lei, na ideia de
Direito, cuja concretização histórica eles largamente
representam, e na natureza das coisas (2"); por isso,
ambos estes critérios elevem ser reconhecidos como

e~) Na literatura sobre o Direito jurisprudencial, entre


os mais recentes, sobretudo HmscH, JR 1966, p. 374 ss. com
indicações extensas; Essrn, festschrift für F. V. Hippel, 1967,
p. 95· ss.; H. P. SCHNEIDER, Richterrecht, Gesetzesrecht und
Verfassungsrecht, 1969.
(2") Sublinhe-se, de novo, que, aqui, apenas se visa uma
esquematização do próprio ponto de vista, o qual foi apre-
sentado e fundamentado noutro lugar (cf. as remissões nas
notas 14 e 25) e que se renunciou conscientemente a uma
discussão pormenorizada.
12. l

fontes do Direito, subsidiárias em face da lei e do


costume (2 1 ) ; a partir delas, e através de um pro-
cesso de concretização inteiramente material e muito
complicado, desenvolvem-se proposições jurídicas de
conteúdo claro e de alto poder convincente e).
O que significa isto para a questão aqui colocada?
Significa, em primeiro lugar, que, para além da lei
e do costume, também podem conduzir a alterações
de sistema objectivo aqueles princípios gerais do
Direito que representam emanações da ideia de
Direito e da natureza das coisas (2'). No entanto,
estes critérios não se devem entender de modo
a-histórico e, em simultâneo, estático C'); pelo con-

e 1) Isso significa que os princípios jurídicos desenvol-


vidos a partir deles só podem vigorar, na medida em que não
contrariem os valores da lei e do costume; cf., mais porme-
norizadamente, CANARIS, ob. cit., p. 95 s.
( 25 ) No tocante a singularidades no campo dos exem-
plos, devo, de novo, limitar-me a uma remissão para as minhas
considerações em ob. cit., p. 93 ss. e p. 160 ss. (cf., também
o resumo, p. 170 s.).
( 2 º) Os princípios imanentes à lei não são, como acima
se disse, pontos de erupção para modificações no sistema
objectivo; mas existem, materialmente, passagens; sobretudo
por vezes, a generalidade de um princípio contido na lei só
se fundamenta convincentemente através do recurso a critérios
como a ideia de Direito ou a natureza das coisas e, pelo menos
nesses casos, sub jazem-lhe também certas mudanças; cf. tam-
bém inf ra, nota 38.
( 27 ) Cf., quanto a isso, sobretudo, EssER, Grundsatz und
Norm in der richterlichen Fortbildung des Privatrechts, passim;
LARENZ, Nikisch-Festschrift, p. 299 ss., em especial p. 301 e 305
e Methodenlehre, p. 314 ss.
122

trário, os princípios redutíveis à ideia de Direito só


ganham o seu poder concreto em todas as regras atra-
vés da referência a uma determinada situação histó-
rica e da mediação da «consciência jurídica geral» e·)
respectiva, outro tanto sucedendo com a natureza das
coisas e!'). No entanto, através da modificabilidade
desses «pontos de referência», aqueles critérios assu-
mem, consequentemente, um carácter relativo, isto é,
mutável. Assim, por exemplo, o «princípio da con-
fiança», que nenhuma ordem jurídica pode, total-
mente, deixar de considerar Cº), é de considerar como
uma emanação da ideia de Direito; assim, este prin-
cípio é justamente um exemplo modelar da capaci-
dade de modificação interna: para soluções claras de
princípios jurídicos, ele não se deixa prec_isar a priori,
mas antes apenas perante uma certa situação histó-
rica, que é determinada, essencialm~nte, através do
Direito legislado e do estado da «consciência jurídica
geral» - e assim se poderá, por exemplo, afirmar que
a doutrina de culpa in contrahendo ou da suppressio

O conceito é aqui entendido no sentido de LARENZ,


( 28 )

Methodenlehre, p. 192 s.
e9) Esta foi caracterizada por RADBRUCH justamente
como fundamento para a «multiplicidade de formações jurí-
dicas históricas e nacionais»; cf. Festschrift für R. Laun,
1948, p, 158. - Da vasta literatura sobre a natureza das coisas
cf., nos últimos anos, sobretudo ScHAMBECK, Der Begriff der
Natur der Sache, 1964, com indicações desenvolvidas; ARTHUR
KAUFMANN, Analogi~ und Natur der So.che, 1965; DREIER,
Zum Begriff der Natur der Sache, 1965.
Cº) Em todo o caso, depois de ter, uma vez, tomado
consciência dele.
123

não se basearam sempre, em todo o tempo, no prin-


cípio da confiança, portanto não «vigoraram» neces-
sariamente desde o princípio; mas apenas puderam
aspirar ao reconhecimento como fundamentos legí-
timos de aperfeiçoamentos jurídicos depois de uma
determinada modificação na consciência jurídica geral,
que tivesse conduzido a um acentuar mais forte de
valores ético-jurídicos. Outro tanto se demonstra para
o exemplo a partir de uma argumentação retirada
da natureza das coisas. Assim, por exemplo, as con-
cepções sobre a «natureza» da relação de trabalho
sujeitaram-se a fortes mudanças e, assim sendo, o
dever de assistência, dela derivado (3 1 ) e as conse-
quências múltiplas que hoje com este se relacionam,
poderiam não ter sido necessariamente, desde o início
(de modo objectivo e não apenas por desconheci-
mento) parte do nosso Direito privado, antes tendo
obtido validade apenas num processo paulatino C").
Por fim, o mesmo sucede, no essencial, com as cláu-
sulas gerais «carecidas de preenchimento com valo-
rações», como as remissões para os bons costumes
ou a boa fé, nas quais a própria lei deixa uma mar-
gem para a erupção de valorações extra-legais e,

C1 ) Assim, com razão, LARENZ, Nikisch-Fcstschrift,


p. 284 s.
e~) Para além da mudança na consciência jurídica
geral, - e, por outro lado, tanto, em parte, provocada por ela
como, também, agindo sobre ela - outros factores ainda,
naturalmente, o influenciam, como os avanços na protecção
legal dos trabalhadores e similares.
124

necessariamente, mutáveis: também aqui existe um


indício da modificação do sistema objectivo, que
decorre de modo inteiramente semelhante ao da con-
cretização de princípios gerais de Direito (para os
quais as cláusulas gerais remetem com frequência).

2. Modificações no sistema «científico»

O facto de a mudança de conteúdo do sistema não


ser determinada por princípios retirados da lei e, com
isso, através das modificações da «consciência jurí-
dica geral», não exclui, por outro lado, que ela seja
fundamentalmente, não «posta>> ou «postulada» mas
antes «descoberta» ou «encontrada» e~). Mas isso
significa, no que toca à relação entre o sistema objec-
tivo e o científico, que de novo a mudança do pri-
meiro precedeu a mudança do segundo C4); também
então, em casos deste tipo, a doutrina e a jurispru-
dência exprimem o que, «em si», já vigorava. Torna-se
então particularmente claro que a relação entre o
Direito objectivo e o seu conhecimento e aplica-
ção - pelo menos onde se trate de concretização

e~) Assim, com razão, LARENZ, Methodenlehre cit., p. 315.


(1·1 ) As coisas são diferentes no tocante ao Direito facti-
carnente em vigor, ao «Iaw in action», no qual, em regra, a
nova opinião ·coincide com a aplicação modificada ou, até, é
precedida por esta (para a diferença entre vigência normativa
e fáctica cf. supra, nota 12).
125

valorativa e não de mera subsunção - só se pode


entender como dialéctica C"): ela está na argumen-
tação a partir de um princípio geral de Direito cuja
vigência pressupõe sempre desde logo, enquanto este,
por seu lado, também só se concretiza no processo
da sua aplicação (3 6 ) , - assim, por exemplo, o reco-
nhecimento da doutrina da suppressio ou de novos
institutos superiores não só pressupõe uma modifica-
ção da consciência jurídica geral mas também a
exprime, e a estimula C1 ).
Em resumo, pode dizer-se o seguinte: as modifica-
ções do sistema objectivo reportam-se, no essen-

e·) Fundamental, L\RENZ, Metlwdenlehre, p. 189 ss.


( 193 s.).
(1tõ) Nesta dialéctica, a oposição entre o Direito norma-
tivo e facticamente em vigor (cf. supra, nota 12) fica, em
parte, superada, uma vez que ambas as formas de validade
se influenciam mutuamente, no processo da aplicação do
Direito. Aliás, a sua ligaç,1o é assegurada, sobretudo, pelo
Direito consuetudinário: uma regulç.ção que vigora fáctica,
mas não normativamente, pode obter esta última qualidade
através do costume e inversamente: uma regulação que pos-
sua, na verdade, validade normativa mas que, por falta de
aplicação, perca a validade fáctica, pode perder também a
validade normativa, através do desuso consuetudinário, de tal
modo que o Direito consuetudinário, com o tempo, vai impedir
uma não coincidência de ambos os tipos de validade.
e:,) Desta dialéctica deve, sobretudo, esclarecer-se que
os princípios gerais de Direito só são formulados relativa-
mente muito depois da sua primeira «aplicação» e, com espe-
cial frequência, permanecem muitos anos sob fundamentações
aparentes.
126

cial C'), a modificações legislativas, a novas forma-


ções consuetudinárias, à concretização de normas
carecidas de preenchimento com valorações e à
erupção de princípios gerais de Direito extra-legais,
que têm o seu fundamento de validade na ideia de
Direito e na natureza das coisas. As modificações do
sistema científico resultam dos progressos do conhe-
cimento dos valores fundamentais do Direito vigente
e traduzem, por outro lado, a execução de modifica-
ções do sistema objectivo. As modificações do pri-
meiro seguem, fundamentalmente, as alterações do
último; os sistemas objectivo e científico estão
também ligados na dialéctica geral entre o Direito
objectivo em vigor e a sua aplicação.

C: 8 )
Também têm ocorrido, naturalmente, modificações
no sistema através da interpretação comum, porquanto e na
medida em que também esta passa pela mediação da «cons-
ciência jurídica ger<1l» e, por isso. é susccptível de alterações.
§ 4. 0 A MOBILIDADE DO SISTEMA

A «mobilidade» do sistema é, muitas vezes, con-


fundida com a sua «abertura». Esta utilização lin-
guística seria em si inteiramente possível, pois a
palavra «mobilidade» exprime também a proviso-
riedade e a modificabilidade do sistema (1); mas não
se recomenda; o termo foi fixado por WILBURG com
outro sentido (2), e para evitar mal-entendidos, tam-
bém só se deve usá-lo com o significado que lhe deu
WJLBURG. Na sequência, a «mobilidade» será, por
isso, distinguida da «abertura» e só se falará de um
«sistema móvel» quando surjam as características
essenciais para o conceito de sistema de WILBURG.

1-AS CARACTERISTICAS DO «SISTEMA MÓVEL•, NO CON-


CEITO DE WILBURG

Essas características tornam-se claras, da melhor


maneira, num dos exemplos com os quais WILBURG
desenvolveu a sua concepção: na sua teoria da res-

( 1) Utiliza-o, nesse sentido, por exemplo, ZIPPELI us, NJW


19G7, p. 2231, coluna 2; também ZIMMERL, Aufbau des Straf-
rechtssystems, 1930, prefácio, p. V; cf. também as citações
infra, nota 29.
( 2) Fundamental, Entwicklung eines beweglichen Systems
im Bürgerlichen Recht, discurso do Reitor em Graz, 1950.
11 ;
128

ponsabilidade civil. WILBURG recusa procurar um


princípio unitário que solucione todas as questões da
responsabilidade indemnizatória e coloca, nesse lugar,
uma multiplicidade de pontos de vista que ele carac-
teriza como «elementos» ou como «forças móveis»;
são elas: «I. Uma falta causal para o acontecimento
danoso, que se situe do lado do responsável. Esta
falta tem peso diverso consoante seja provocada pelo
responsável ou pelos auxiliares ou tenha até surgido
sem culpa, como, por exemplo, por uma falha mate-
rial irreconhecível de uma máquina. 2. Um perigo
que o autor do dano tenha originado, através de uma
actuação ou da posse de uma coisa e que tenha
levado ao dano. 3. A proximidade do nexo de causali-
dade, que existe entre as causas provocadoras e o
dano verificado. 4. A ponderação social da situação
patrimonial do prejudicado e do autor do pre-
juízo» C). A consequência jurídica só surge·- e isto
é decisivo - «a partir da concatenação destes ele-
mentos, segundo o seu número e peso» (1) e é deter-
minada pelo juiz «segundo a discricionariedade
orientada»("). As «forças» não são, pois, «absolutas,
de dimensões rígidas, antes decidindo o efeito con-
junto da sua articulação variável» (G); pode mesmo

(:!) Cf. ob. cit., p. 125, seguindo Die Elemente des


Schadensrechts, 1941, em especial p. 26 ss e 283 ss.; cf. ainda
Zusammenspiel der Krüfte im Aufbau eles Schuldrechts, AcP
163, p. 346.
( 4) Cf. AcP 163, p. 347.
(") Cf. Entwicklung eines beweglichen Systems, p. 22.
(G) Cf. ob. cit., p. 13.
129

também bastar a existência dum único dos elementos,


desde que este apresente «um peso especial» (7).
Para a mobilidade do sistema, é característico, por
um lado, que WILBURG negue a determinação de uma
determinada hierarquia entre os <{elementos», que
coloca, pois, ao mesmo nível e, por outro, que eles
não devam surgir sempre todos, mas antes se possam
substituir uns aos outros. As características essen-
ciais do «sistema móvel» são, pois, a igualdade funda-
mental de categoria e a substituibilidade mútua dos
competentes princípios ou critérios de igualdade -
pois é de facto disso que se trata quando WILBURG
fala de «elementos» ou de «forças móveis» (3). Como

(7) Cf. ob. cit., p. 13 ..


( 8) Esta terminologia poderia ser pouco feliz. Ambas as
expressões recordam muito intensamente categorias das Ciên-
cias Naturais (elementos químicos, forças físicas! cf. também
ob. cit., p. 17, onde se trata da «energia motora» da lealdade
contratual), e com estas não se resolvem problemas jurídicos
materiais, - o que WILBURG, aliás, não desconhece, de modo
algum (cf., por exemplo, a sua crítica ao método «histórico-
-natural» de JHERING, ob. cit., p. 4 s.). Por isso, teriam sido
melhores os termos «princípios de valoração» ou «critérios de
justiça», pois se chamaria o significado directamente pelo
nome e, ao mesmo tempo, exprimir-se-ia claramente também
a posição histórico-metodológica de WILBURG: com efeito, ele
superou largamente as representações da velha jurisprudência
dos interesses e do «pensamento jurídico causal», nos quais
ele constata um certo parentesco (cf. ob. cit., p. 5) e que de
facto influenciaram a sua terminologia e deve, por isso, ser
contado entre os primeiros e mais avançados representantes
da moderna «jurisprudência das valorações» (quanto a esta,
cf. LARENZ, Methodenlelire, p. 123 ss.).
130

se vê com facilidade, isto não tem praticamente nada


a ver com a abertura do sistema e): a modificabili-
dade dos valores e dos princípios, característica para
este, não precisa, de modo necessário, de ocorrer
num sistema móvel, pois os competentes «elementos»
podem ser inteiramente firmes, e, inversamente, a
abertura do sistema não tem fatalmente, como conse-
quência, a igual categoria dos seus princípios e a
renúncia a previsões firmes; um sistema móvel pode,
portanto ser aberto ou ser fechado (1°) e um sistema
aberto pode ser móvel ou rígido.

11- SISTEMA MóVEL E CONCEITO GERAL DE SISTEMA

Com a sua concepção, WILBURG não quis, de modo


algum, dar uma ideia global de sistema, mas apenas
apresentá-lo como «móvel»; ele insiste também
inequivocamente no termo «sistema». Não obstante,
VIEHWEG incluiu-o, sem mais, entre os representantes

(D) Não procede pois a frequente equiparação do sistema


«móvel» de WILBURG a um simples sistema «aberto»; mas
cf., porém, ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), p. 187 s. (188);
WIEACKER, Juristentag-Festschrift, vol. II, 1960, p. 7; LARENZ,
JuS 65, p. 379, coluna 2; MAYER-1'v1ALY, The Irish Jurist, vol. II,
parte 2, 1967, p. 375, nota 2.
( 1 º) O próprio WILBURG poderia considerar o seu sistema
móvel, simultaneamente como aberto, pois ele salienta de
forma expressa que poderiam surgir também «novas forças e
pontos de vista»; cf. ob. cit., p. 14.
131

do pensamento tópico (' 1 ) - e isso quer dizer não-sis-


temático - e pergunta-se, de facto se e até onde,
neste ponto C"), se pode ainda falar verdadeiramente
de um «sistema» ou se um sistema «móvel» não tra-
duz, antes, uma contradição em si. Típicas do sistema
são, como foi dito no início e::), as características da
unidade e da ordem. A primeira verifica-se, sem
dúvida, em WILBURG. Como deve ser expressamente
acentuado perante múltiplos mal entendidos, todo o
seu pensamento se dirigiu para a elaboração de
cllguns poucos princípios constituintes, de cuja con-
catenação resulta toda a multiplicidade das decisões
singulares; o sistema móvel deve, pois, tornar per-
ceptível a unidade na pluralidade. Isso exprime-se, por
exemplo, na exigência de WILBURG ao legislador de,
através de uma «clara orientação das ideias», conter
a enchente de normas singulares desconexas (1 4 ) , bem
como, com clareza, na sua polémica contra a orienta-
ção do juiz para a pura equidade (1:;), que ignora o
«conjunto dos princípios gerais» (1G). Perante isso, é

( 11 ) Cf. Topik und Jurisprudenz, p. 72 ss.; concordante,


WIEACKER, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 2.ª ed., 1967,
p. 597, nota 48; cf. quanto a isso, também infra, nota 28.
( 1") A terminologia, por fim, não é, naturalmente, deci-
siva, ainda que VIEHWEG, ao exprimir o seu entendimento de
WILDURG, não a devesse, simplesmente, passar em silêncio; cf.
também D!ED[RICHS[N, NJW 1966, p. 699.
( 1 ::) Cf. supra § I I.
( 11 ) Cf. ob. c.:it., p. 4.
(D) Cf. ob. cit., p. 22.
( 1 •: 1 Cf. ob. cit., p. 6.
132

irrelevante que WILBURG se negue a reconduzir todas


as normas jurídicas a um único princípio jurídico,
pois um sistema pode perfeitamente consistir - e em
regra consiste - em vários princípios fundamentais.
Mas com a característica da unidade deve, conse-
quentemente, afirmar-se também a da ordem, pois
aquela não pode e:x)stir sem esta (1 1 ) ; assim, WIL-
BURG acentua sempre, também a necessidade de
«ordem interior» ou de «consistência interna» do
Direito (1ª). Isto não está, de modo algum, em contra-
dição com o facto de os critério~ decisivos surgirem,
como se viu, mutuamente substituíveis; pois nunca
pode um ponto de vista ao acaso substituir qualquer
outro - tal não seria, de facto, ordem, mas caos -
antes apenas um elemento de entre um determinado
número pode, pai·a uma matéria regulativa concreta,
colocar-se no lugar de outro, portanto, por exemplo,
para a solução do problema da pretensão de indemni-
zação, apenas Um dos quatro factores acima referi-
dos, pode ir para a posição de um outro. E tão-pouco
a igualdade fundamental nas categorias dos critérios
de justiça competentes se coloca em contradição com
a característica da ordem, pois a igualdade na orde-
nação é, ainda, uma forma de ordem. Apesar da ideia
de uma certa hierarquia estar ligada ao conceito
tradicional de sistema, esta categoria não surge irre-
nunciável, desde que a sua falta não torne possível

(1 7 ) Mas, inversamente, a ordem é possível sem unidade;


cf. também supra, p. 12 s.
( 1R) Cf. ob. cit., p. 12 e p. 22, rcspectivamente.
133

a existência de ordem interior. E, por fim, não pro-


cede com WILBURG -·- e seria entendê-lo mal quando
tal se pretendesse - o considerar todos e quaisquer
pontos de vista relevantes na Ordem Jurídica, funda-
mentalmente, como iguais; pelo contrário: a ideia
de uma certa hierarquia não pode, de modo algum,
ser estranha à concepção de WILBURG, pois em mui-
tos problemas particulares, surgem, para os elemen-
tos por ele elaborados, pontos de vista secundários,
. aos quais um pensamento tão diferenciador como o
dele não pode, justamente, renunciar e os quais pos-
suem, perante aqueles, um peso menor. Só dentro
dos princípios fundamentais - ordenadores - existe,
portanto, igualdade de categoria - e mesmo aqui,
WILBURG não exclui, evidentemente, de modo pleno,
a possibilidade de uma ordenação (1:') - ao passo que
na relação entre estes e os restantes critérios rele-
vantes para um problema singular, se pode falar intei-
ramente de certa hierarquia eº). Por tudo isto, a

( 1D) Cf., por exemplo, ob. cit., p. 15, onde WILi.lURG


(perante um problema de enriquecimento) quer, «em caso de
dúvida», ponderar a situação patrimonial dos implicados, por-
tanto apenas onde os restantes critérios não permitam uma
solução justa, isto é, apenas subsidiariame11t2, o que implica,
sem dúvida, uma relação de hierarquia. Mais tarde, também
na responsabilidade civil, WIUlURG exprimiu certas dúvidas
quanto à gdmissibilidade de uma consideração igualitária da
situaçâo patrimonial; cf., por exemplo, AcP 163, p. 346, nota 2.
( 2 ") Se tal é, efectivamente, a opinião de WJLDURG tor-
na-se difícil de decidir em definitivo, por falta de uma posição
unívoca quanto a esta questão.
134

concepção de WILl..lURG merece, com razão, a qualifi-


cação de sistema (" 1 ) , mesmo quando não se deva
desconhecer que se trata aqui de um caso limite.

Ili - SISTEMA MóVEL E DIREITO VIGENTE

1. A prevalência fundamental das partes rígidas


do sistema

O presente trabalho ocupa-se da problemática do


sistema perante o Direito vigente alemão, em especial
o Direito privado alemão; põe-se pois, a questão das
relações dele com o sistema de WILBURG. A consi-
deração da nossa ordem jurídica não deixa dúvidas
quanto à resposta: o sistema do Direito alemão
vigente não é, fundamentalmente, móvel mas sim
imóvel. Pois ele atribui, em regra, aos princípios sin-
gulares, âmbitos de aplicação delimitados, dentro dos
quais eles não são substituíveis e prefere a formação
rígida de previsões normativas, que exclua uma
determinação variável d-:-.s consequências jurídicas,
em função da discricionariedade do juiz, ainda que
«vinculada». Assim, para manter o exemplo da res-
ponsabilidade civil, está claramente determinado no
Direito alemão quais são as competências do princí-
pio da culpa e do princípio do risco, sob que pres-
supostos se pode, excepcionalmente, considerar a
situação patrimonial dos implicados (cf. ~ 829

( 21 ) Cf., também, BYDLINSl<J, oVBl. 1965, p. 360; DJEDE-


RICHSEN, NJW 66, p. 699.
135

BGB) (*), etc. Não há aqui qualquer espaço para uma


ponderação de critérios «de acordo com o número
e o peso» e isso vale, no fundamental, também para
todas as outras partes do nosso Direito privado e da
nossa ordem jurídica.

2. A existência de partes móveis no sistema

Mas isso, contudo, só em princípio! O Direito


alemão vigente da responsabilidade civil compreende
igualmente um contra-exemplo que torna clara a
necessária limitação: a erupção do princípio do
tudo-ou-nada no § 254 BGB. Segundo esse preceito,
o montante da indemnização depende «das circuns-
tâncias», desde que tenha havido igualmente culpa do
lesado(**) ou - como hoje, em geral, se reconhece -
tenha actuado também um perigo imputável do
empreendimento. Surge aqui, exactamente, o quadro
característico do sistema móvel de \VILBURG: àevem
ponderar-se vários factores entre si, podendo um
substituir o outro e sem que exista entre eles qual-
quer hierarquia rígida. Assim, por exemplo, em vez

(") Notas do tradutor: o § 829 do BGB determina, em


síntese, que o inimputável autor de certos danos possa, não
obstante, ser obrigado a indemnizar segundo a equidade, desde
que não seja possível obter tal indemnização do terceiro obri-
~c1do a vigiá-lo e na condição de o inimputável em causa não
ficar privado dos meios materiais necessários.
C"'') O § 254 do BGB, cujo conteúdo é explicado no
texto, corresponde assim ao artigo 570 º /1 do Código Civil.
136

do concurso de culpas, pode operar também um


perigo do empreendimento; uma culpa do lesado leve
pode, através da ocorrência, na esfera do lesado, de
circunstâncias agravantes do perigo, levar também a
uma diminuição equivalente na sua pretensão
indemnizatória; de igual modo, uma grave culpa do
lesado (22 ) , ou um risco de empreendimento «especial>>
ou «elevado» podem compensar em parte uma culpa
pesada, etc.; também um risco concorrente do
empreendimento pode actuar de modo a diminuir a
pretensão de indemnização perante a responsabilidade
pela culpa (23 ) , na ocorrência de culpa leve, perante
a negligência grosseira e, em certas circunstâncias,
até em face do dolo, e, inversamente, a responsabili-
dade pelo risco não é necessariamente excluída pela
culpa do lesado e a responsabilidade por <<culpa
levíssima» não é, sem mais, afastada por grave culpa
do mesmo lesado. Não é possível confeccionar uma
previsão normativa rígida, mas apenas ponderar entre
si determinados critérios «de acordo com o número
e o peso», no sentido de WILBURG, sem que se fixe
uma relação de hierarquia, por exemplo entre culpa

( 22 ) Pois a culpa e a sua graduação são apenas uma das


circunstâncias relevantes, no cálculo do montante da indemni-
zação; quanto à questão de quais os factores competentes,
cf., principalmente LARENZ, Schuldrecht A. T. 9." ed. 1968,
~ 15 I e; EssER, Schuldrecht, 3.ª ed. 1968, § 47 IV e VII;
SOERGEL-SCHMIDT, 10." ed. 1968, § 254, anot. 7 ss.
( 23 ) Esta é hoje, a doutrina inteiramente dominante; cf.,
por exemplo, LARENZ ob. cit., em b e EssER ob. cit., em 5,
com outras indicações.
137

e risco; por outro lado, também não relevam uns


quaisquer pontos de vista - o juiz não pode, sem
dúvida, considerar o estado civil ou a nacionalidade
dos implicados e apenas pode considerar as rehções
patrimoniais no caso excepcional de aplicação analó-
gica do § 829 BGB - mas apenas critérios de imputa-
ção específicos, geralmente rígidos, com a intensidade
da culpa, a perigosidade de um empreendimento ou
de uma coisa, o grau de adequação ou a «proximi-
dade» do nexo de causalidade e·1) , - portanto aqueles
princípios que também dominam o nosso Direito da
responsabilidade civil. O seu sistema compreende
assim, junto de uma «imobilidade» de princípio, um
sector no qual os pontos de vista valorativos compe-
tentes são «móveis>>.
Outro tanto acontece noutros âmbitos. Encon-
tram-se numerosos exemplos da mobilidade do sis-
tema, em especial onde as previsões normativas
rígidas se complementam e acomodam através de
cláusulas gerais: para determinar se um despedimento
é anti-social, se existe um fundamento importante,
se um negócio jurídico ou um comportamento são
contrários aos bons costumes, etc., é necessário pon-
derar entre si determinados pontos de vista «segundo
o número e o peso», sem uma relação hierárquica

Ainda não está plenamente esclarecido que factores


( 2 ·1 )

se devam çonsiderar, em cada caso; mas fica fora de questão


que se trata sempre, aí, de pontos d~ vista de imputação e
que não se deve aplicar um qualquer «topos». Cf., q~.1anto à
problemática, a literatura indicada supra, nota 22.
138

firme (2"). No entanto, a formação rígida de proposi-


ções normativas - pode-se dizê-lo sem mais - repre-
senta a regra; a «mobilidade» traduz a excepção (2°).
O Direito positivo compreende, portanto, partes do
sistema imóveis e móveis, com predomínio básico
das primeiras.

IV - O SIGNIFICADO LEGISLATIVO E METODOlóGICO DO


SISTEMA MóVEL

Do ponto de vista metodológico e jusfilosófico não


se pode, porém, ficar por este resultado. Cabe antes
ainda indagar como se deve julgar a concepção de
WILBURG, independentemente da sua realização mais
ou menos extensa numa ordem jurídica concreta e
que significado ela tem, em consequência, de lege
ferenda, isto é, para o legislador.

1. O sistema móvel e a necessidade de uma diferen-


ciação mais marcada

Para responder deve-se, em primeiro lugar, isolar


uma qualidade que também é característica do «sis-
tema móvel» de WILBURG, mas que não representa

( 2 '') O «sistema móvel» não se deve, contudo, identificar


com as cláusulas gerais; cf., mais pormenorizadamente, infra
p. 82 e 85.
( 26 ) Não apenas numericamente, mas, sobretudo, quanto
à sua importância.
139

algo de específico para ele, antes sendo imaginável,


também, num sistema «rígido». Trata-se da exigência
de WILBURG de uma diferenciação mais marcada e
da sua crítica à absolutização de um determinado
princípio. Deve-se, sem dúvida, concordar com ele - e
já acima e:) se considerou justamente isso como uma
característica essencial da função sistematizadora dos
princípios - em que estes não têm uma pretensão
de validade exclusiva, antes surgindo numa comple-
mentação mútua, portanto numa concatenação e,
além disso, carecem, para a formação de proposições
jurídicas, de uma concretização diferenciadora através
de critérios de valoração novos e autónomos. Esta
considerar:ão surge tão acertada e encontra um reco-
nhecimento tão geral - não por último sob a impres-
são dos próprios trabalhos de WILBURG sobre o enri-
quecimento sem causa e a responsabilidade civil - na
dogmática civil e actual quanto pouco uma tal dife-
renciação mais acentuada se liga justamente a um
sistema móvel (2'). Quando WILBURG, por exemplo,

(~:) Cf. p. 53 ss. e 55 ss.


c~s) É totalmente incompreensível o facto de VIEHWEG,
ob. cit., p. 72 ss., em especial p. 74, ver na luta de WILBURG
contra a absolutização de determinados princípios uma «prova
da estrutura tópica da civilística actual». Que um princípio
deva aspirar sempre il exclusividade não vale apenas para o
sistema .considerado por V1EHWEG como lógico-axiomático; uma
certa tendéncia para a redução a alguns poucos princípios
antes é também inerente a este (como a qualquer) sistema e
corresponde ao seu ideal. A elaboração de algüns e poucos
princípios constitutivos do sistema é, como se diz no texto,
justamente :1 intenc/ío de W1LBURG, de tal modo que essa
140

exige, no processo executivo, substituir o princ1p10


rígido da igualdade de todos os credores que não
tenham garantias reais, através de uma concatenação
«mais elástica» de diferentes princípios jurídicos e
quando ele considera como tais o ponto de vista do
«prosseguimento do valor», da concessão não cuida-
dosa de crédito e da protecção social perante «peque-
nos» credores (2! 1) , então pode-se obter esse objectivo
através de um sistema rígido, tão bem como através
de um móvel: pode-se, inteiramente, confeccionar
previsões normativas rígidas (como já acontece, no
processo executivo alemão, a propósito da prevalência
da indemnização no § 46 KO Cº) ou a propósito de
determinados credores especialmente dignos de pro-
tecção, no ~ 61 KO) (*) e, com isso, limitar o princí-

asserção de VIEHWEG surge como particularmente infeliz; se,


para isso, ele tivesse recorrido ainda à renúncia de WILBURG
ü formação de previsões normativas firmes, nem assim VIEHWEG
Leria podido demonstrar que a jurisprudência, no seu conjunto,
apresenta uma estrutura tópica, mas sim que se deveria limitar
a cláusulas gerais e a fenómenos semelhantes (com isso ele
ter-se-ia aproximado da verdade; cf., mais pormenorizada-
mente, inf ra ~ 7 II 2).
(2 9 ) Cf. ob. cit., p. 6 ss, na sequência de oVBl 1949,
]). 29 !':S .
. (") O facto de essa formulação corresponder, no parti-
cular, às exigências de WILBURG - e com certeza que não! -
não releva para a problemática dos princípios fundamentais,
aqui em causa.
C) Nota do tradutor: a sigla KO corresponde a Kon-
hursordung. a lei alemã das falências de 10 de Fevereiro de
1877, com ,1ltcrações subsequentes, das quais a mais recente
141

pio da igualdade de todos os credores perante a


falência, através de excepções claramente delimitadas;
dever-se-ia mesmo dizer que uma tal configuração no
processo executivo, na verdade diferenciadora mas
rígida, é essencialmente justa e que não se poderia
renunciar a uma hierarquização rígida entre os diver-
sos tipos de crédito a executar e, com isso, também
aos diversos pontos de vista valorativos. A diferen-
ciação e a luta contra a falsa absolutização de princí-
pios singulares não pressupõe, necessariamente, a
mobilidade (3 1 ) , e assim a grande diferenciação do
pensamento de WILBURG não afirma, como tal, ainda
nada de essencial sobre o valor de um sistema
móvel.

2. Sistema móvel e cláusula geral

Apenas as especificidades do sistema móvel são


decisivas, isto é, a ausência de uma formação rígida
de previsões normativas assim como a permutabili-
dade livre e a igualdade fundamental de categoria dos

data de 15 de Julho de 1986; o § 46 da KO confere à pessoa


que tivesse o direito de separar, da massa falida, determinada
coisa, a faculdade de exigir, dessa mesma massa, a contra-
prestação, quando a coisa em causa tenha sido alienada; por
seu turno, o § 61 da KO estabelece a ordem da graduação dos
créditos, na falência.
( 11 ) Mas antes a abertura, na medida em que a exigência
de uma diferenciação mais marcada não se dirija, apenas, ao
legislador mas também ao aplicador do Direito.
142

princ1p1os de valoração. A prirneira característica, em


especial, sugere a questão de a identificar de acordo
com a relação entre previsões rígidas e cláusulas
gerais. Com isso não se entenderia, contudo, WIL-
BURG C). É característico para a cláusula geral o ela
estar carecida de preenchimento com valorações,
isto é, o ela não dar os critérios necessários para a
sua concretização, podendo-se estes, fundamental-
mente, determinar apenas com a consideraç3.o do caso
concreto respectivo: a aspiração de WILBURG, pelo
contrário, é de determinar, em geral, os «elementos))
competentes, segundo o conteúdo e o número e con-
feccionar a sua «relação de interpenetração» de modo
variável, deixando-a independente das circunstâncias
do caso C'). Assim WILBURG bate-se também expres-
samente contra as decisões segundo a mera equidade
porque - num argumento altamente decisivo para o
seu pensamento - lhe falta a «presença de princípios
fundamentais» e~); as cláusulas gerais, pelo contrário,
são sempre caracterizadas, e pelo menos em parte,
com razão, como «pontos de erupc;i'í.o da equidade».

('::) A crítica de EsSER, AcP 151, p. 555 s. e RahclsZ .IS


(1953), p. 1G5 ss. ni'io faz por isso, na minha opini.:io, inteir3
justiça a W!L~URG.
C') WILBURG não se desliga, apenas, da situação do
caso concreto mas sim «à situac;uo do caso concreto, com
consideração pelos pontos de vista apresentados e co-actuantl:S>>
dé acordo com a sua formulação característic3; cf., ob. cír ..
p. 17, 13, 18 e passim.
( ' 1) Cf. ob. cit., p. 6; cl'. tamh\~rn p. 2'.:!.
143

3. A posição intermédia do sistema móvel entre


a cláusula geral e a previsão normativa rígida
e a necessidade de uma ligação entre estas três
possibilidades de formulação

Embora o sistema móvel não aparente a mesma


estrutura das cláusulas gerais carecidas de preenchi-
mento com valorações, não se deve negar um certo
parentesco com estas C5 ) : o sistema móvel ocupa uma
posição intermédia entre previsão rígida e cláusula
geral. Daqui provêm as suas vantagens e as suas fra-
quezas. No que toca às últimas, é evidente que um
sistema móvel garante a segurança jurídica em menor
medida do que um sistema imóvel, fortemente hierar-
quizado com previsões normativas firmes. Nos âmbi-
tos onde exista uma necessidade de segurança jurí-
dica mais elevada, deve-se preferir o último e o
próprio WILBURG não iria, por certo, dissolver as
ordenações firmes do Direito cambiário e dos Direitos
Reais Cr.) ou sequer do Direito das Sucessões ou das
Sociedades num sistema móvel. Deve-se também, pen-
sar que seria exigir demasiado do juiz se deparasse,
sem excepção, com um sistema móvel ficando por
isso, em cada caso, perante as dificuldades da ponde-
ração entre o relativamente frequente número elevado

Quanto ao significado do sistema móvel para a con-


( 3 :i)

cretização de cláusulas gerais cf. também infra p. 85, nota 45


e, sobretudo, p 152 s.
C:G) Quanto a este cf., expressamente, ob. cit., p. 4.
1;
14-1

de «elementos» C·). E finalmente, não se deve ainda


ignorar que, para além do valor da segurança jurí-
dica, também o da justiça pode entrar em contra-
dição com um sistema móvel; pois a tendência «gene-
ralizadora» do princípio da justiça, que resulta do
princípio da igualdade, contraria cada consideração
das circunstâncias do caso singular e, com isso, tam-
bém uma ponderação de «elementos» - ainda que
fixados genericamente.
A justiça, no entanto, não remete apenas para
uma tendência generalizadora mas, também para uma
individualizadora 1C 8 ) : compreende-se que se recorra
a esta para justificar o sistema «móvel». Mas ainda

C·) WILBURG apercebe-se inteiramente dessa objecção


(cf. ob. cit., p. 23) e replica que a posição do juiz é ainda mais
difícil «quando ele deva aplicar princípios que conduzam a
consequências inaceitáveis». Isto só em parte é convincente;
em primeiro lugar, consequências verdadeiramente inaceitáveis
em leis pensadas de modo razoável são um caso excepcional;
em segundo lugar pode-se-lhes opôr com frequência, de modo
inteiramente legítimo, com auxílio das cláusulas gerais relati-
vizadoras do Direito «estrito»; em terceiro lugar, a aceitação
de uma grande injustiça pode muito bem, perante outros valo-
res jurídicos como, em especial, a segurança jurídica, ser o
mal menor; e em · quarto lugar não resulta necessariamente,
da preocupação de WILBURG, que o sistema deva, no seu
todo, ser móvel, mas apenas que ele deve compreender partes
móveis (e também verdadeiras cláusulas gerais) como «vál-
vula» (cf. também, no texto).
e~) Quanto a essas duas tendências da justiça e ao seu
condicionamento mútuo cf., principalmente, HENKEL, Rec/1t uncl
Individualitat, 1958, p. 16 ss. e Einführung in die Rechtspliilo-
sophie. p. 320, 323 ss. (325), e 351 ss.
145

então é necessário cuidado. Por um lado, uma certa


individualização é também possível através de uma
forte diferenciação de um sistema rígido intensamente
hierarquizado e, por outro, o sistema móvel tão-pouco
permite uma individualização ilimitada C1ª), uma vez
que é constituído por um número limitado de «ele-
mentos». Na verdade, não se pode ordenar totalmente
o sistema móvel em nenhuma de ambas as tendências
da justiça: ele reporta-se à tendência generalizante
na medida em que determina, em geral os competen-
tes critérios de justiça, e comporta a vertente da
tendência individualizadora porquanto faz depender
as consequências jurídicas concretas da concatena-
ção, no caso singular, desses pontos de vista. Com
isso, transparece a sua maior vantagem: o sistema
móvel representa um compromisso particularmente
feliz entre os diversos postulados da ideia de
Direito - e também a segurança jurídica sempre é
garantida em maior medida do que perante uma mera
cláusula de equidade - e equilibra a «polaridade» C 1)
deles numa solução ponderada e «intermédia»; tanto
se afasta do rigorismo das normas rígidas como da
ausência de contornos da pura cláusula de equ\dade.
Mas faltam-lhe, como já foi dito, pelo menos em
parte, as vantagens daquelas outras modalidades;
assim, a consequência só pode ser o edificar o Direito
a partir de uma concatenação de todas estas possibi-

c:sa) Ou já não haveria qualquer sistema!


(nº) HENKEL, ob. cit., p. 345 ss., em especial p. 349 ss.,
demonstrou convincentemente que se trata de <<polaridade» e
mio de verdadeiras antinomias.
14G

/idades de formulação: entre a formação rígida de


previsões normativas, por um lado, e a pura cláusula
de equidade, do outro lado, figura o sistema móvel.
Não é de prescindir, de modo algum, das primeiras,
pelo menos em certos âmbitos,. como acima se expli-
cou, podendo estas representar a solução mais ade-
quada, em especial quando o sistema «imóvel» apre-
sente fortes diferenciações. Recorde-se o exemplo,
acima (4°) discutido, da falência ou, também, o exem-
plo de WILBURG retirado do âmbito da responsabili-
dade pelo risco: perante a especial alta perigosidade
de uma coisa, por exemplo, de um avião, a excepção
de força maior não exonera o proprietário, mas
perante um objecto menos perigoso, como um veículo
automóvel, a ocorrência de um evento «inesperado»
exterior já actua, pelo contrário, em termos de excluir
a responsabilidade (41 ) ; deve uma tal diferenciação
dos fundamentos da exoneração segundo o grau de
perigosidade do objecto - que surge razoável e, até,
inteiramente «imanente ao sistema» do Direito ale-
mão - ser, efectivamente, deixada ao juiz de cada
caso ou será do interesse da segurança jurídica como
da observância da regra da igualdade, aqui não essen-
cialmente adequada, que o !egis!ador se ocupe delas
de modo generalizador, de acordo com traços previ-
sivos claros (avião, combóio, automóvel, etc.)?!
E como fica, por fim, a limitação da responsabilidade,
através de limites máximos numericamente fixados,

( 40 ) Cf. p. 81.
(41) Cf. ob. cit., p. 13.
147

limitação essa que é indispensável para a responsa-


bilidade pelo risco, por ser necessária para o cálculo
do risco e a possibilidade de efectuar seguros (42 )?
Torna-se, aqui difícil contestar que a regulação legal
«rígida» seja o mal menor. - Mas, inversamente,
também não se deve desconhecer que a plena consi-
deração de todas as circunstâncias do caso concreto
possa ser igualmente razoável e, por isso, não deve
ser totalmente excluída pelo legislador; a «equidade»
é, também, um valor jurídico específico (43 ) ; apenas
determinações inteiramente abertas como, por exem-
plo as cláusulas de imputabilidade a comportam.
A multiplicidade dos postulados singulares da ideia
de Direito solicita, por isso, o legislador a fazer uso
de todas as referidas possibilidades formulativas e
apenas uma escolha criteriosa entre elas dá bons
resultados perante o problema da «polaridade» 9 ) e
dos mais altos valores jurídicos. Não se pode, porém,
dizer em geral qual a solução preferível; isso depende
da estrutura particular da matéria em causa e do
valor que lhe subjaza ( 44 ) . Neste campo cabe, ao sis-

(42) Neste problema poderá residir uma das objecções


principais contra uma cláusula geral de responsabilidade pelo
risco; esta deveria, pelo menos, ser complementada por uma
série de previsões normativas específicas que fixassem, de
modo diferenciado, os limites máximos da responsabilidade e
outras questões especiais, e assim, ao mesmo tempo, pudessem.
também oferecer bitolas para a concretização da cláusula geral.
(43) Assim, expressamente e com razão, HENKEL, ob. cit.
p, 324.
( 44 ) Não se pode aqui desenvolver uma discussão porme-
norizada sobre o mérito e o desmérito das cláusulas gerais e
148

tema móvel, um papel especialmente importante uma


vez que ele, como se disse, dá, de modo muito feliz,
um meio termo entre as previsões normativas firmes
e as cláusulas gerais e confere uma margem quer à
tendência generalizadora da justiça, quer à individua-
lizadora. É, porém, apenas uma das várias possibilida-
des formulativas a considerar não devendo, por outro
lado, sobreestimar-se a sua capacidade. Com esta
limitação pode-se, no entanto, dizer que a ideia de
um sistema móvel, tal como foi desenvolvida por
WILBURG, constitui um enriquecimento decisivo do
instrumentário quer legislativo quer metodológico (4 '')
devendo, por isso, incluir-se sem dúvida entre as
«descobertas» jurídicas significativas (4G).

sobre a extensão conveniente do seu âmbito de aplicação; cf.,


sobre isso, por todos, HEDEMANN, Die Flucht in die Gene-
ralklauseln, 1933; F. V. HIPPEL, Richtlinien und Kasuisti/~ im
Aufbau von Rechtsordnung, 1942; mais recentemente, sobretudo
HENKEL, ob. cit., p. 357 ss. e 360 ss.
(1") Metodologicamente, deve-se distinguir, quanto ao
significado, as partes móveis do sistema das cláusulas gerais
e, nessa linha, interpretá-las restritivamente, admitindo, por
exemplo, no § 254 BGB, apenas pontos de vista específicos de
imputação; por outro lado, deve-se conferir à ideia de sistema
móvel também um papel particular na própria concretização
das cláusulas gerais; cf., quanto a isso, infra, p. 152 ss. Nota
do tradutor: recorde-se que o § 254 do BGB se reporta à culpa
do lesado.
( 40 ) O conceito de «descoberta jurídica» provém de
DóLLE que, no entanto, o exemplificou em dimensões dogmá-
ticas; cf. a intervenção perante o 42. deutschen Juristentag,
vol. II das «Verhandlungen», Tübingen, 1959.
§ 5. 0 SISTEMA E OBTENÇÃO DO DIREITO

O conceito e as qualidades do sistema jurídico


estão suficientemente esclarecidas para se poder pas-
sar à questão que, em última análise, é decisiva para
o significado do pensamento sistemático na Ciência
do Direito: a da relevância «prática» do sistema. De
facto, uma pesquisa sobre a problemática do «pensa-
mento sistemático e conceito de sistema», tornar-se-ia
pouco significativa se não implicasse tomadas de
posição que assumissem, também, importância «prá-
tica»; de facto, a Ciência do Direito é, como poucas
outras Ciências, imediatamente dirigida e preparada
para efeitos «práticos»; a questão do seu «valor na
vida», para utilizar a linguagem da jurisprudência dos
interesses, coloca-se, assim, no meio da discussão do
sistema. Neste sentido, a «praxis» é a aplicação do
Direito aos factos concretos; o problema reside, então,
no explicitar de modo preciso, se cabe ao sistema um
qualquer significado no tocante à obtenção das pro-
posições jurídicas convenientes.
Esta possibilidade é negada, com convicção, por
uma opinião muito difundida. Segundo ela, o sistema
não possui qualquer «valor na vida» e, em especial,
150

qualquer «valor de conhecimento» (1), nem qualquer


valor para a obtenção do Direito; apenas valor de
«representação ou de ordenação». Este entendimento
do sistema remonta à jurisprudência dos interesses
mais antiga ,(2), podendo, contudo, ainda hoje contar
com apoio predominante. Como representativa cite-se,
desde logo, a tomada de posição do KRIELE. Ele pre-
tende que hoje «as tentativas de obtenção do Direito,
a partir de um sistema, através da dedução, desem-
penham na prática, apenas um papel relativamente
pequeno» (3) e que, de facto, «a obtenção do Direito

( 1) No sentido de conhecimento do que seja o Direito


vigente; em compensação, não se nega, em geral, ao sistema,
um valor didáctico no sentido da facilitação do entendimento
da lei.
( 2) Cf., principalmente, M. V. RüMELIN, Bernhard Wind-
scheid und sein Einfluss auf Privatrecht und Privatrechtswis-
senschaft, 1907, p. 40 ss. e Zur Lehre von der Juristischen
Konstruktion, ArchRWirtschph. XVI (1922/23), p. 343 ss.
(349 ss.); HECK, Das Problem der Rechtsgewinnnung, 1912,
2.ª ed. 1932, p. 9 ss. e Begriffsbildung und Interessenjurispru-
denz, 1932, p. 66 ss., 84 ss., 91 ss. e 188 ss.; STOLL, Begriff
und Konstruktion in der Lehre von der Interessenjurisprudenz,
Festgabe für Heck, Rümelin und Schmidt, 1931, p. 60 ss.
(p. 68 s., 76 ss. e 112 ss.). A óptima justificação do pensamento
sistemático, perante os ataques da jurisprudência dos interesses,
feita por KRETSCHMAR, über die Methode der Privatrechtswis-
senschaft, 1914, p. 42 ss. e Jher. Jb. 67, 264 ss., 273 ss. e 285 ss.,
nunca obteve, infelizmente, uma atenção bastante. Cf., mais por-
menozidamente, tarn.bém BAUMGARTEN, Juristische Konstruktion
und Konstruhtionsjurisprudenz em: Festgabe für Speiser, 1926,
p. 105 ss.
(") Cf. Theorie der Rechtsgewinnung, 1967, p. 97.
151

não poderia ganhar qualquer alento ao aceitar um sis-


tema pré-elaborado» {4 ) ; pois: «O sentido de um tal
sistema poderia ser múltiplo: ele serve objectivos
dídácticos, serve a repartição exterior e, com isso,
a orientação àcerca da ordem jurídica, serve, na polí-
tica legislativa, a elaboração apurada das leis ... e
coisas semelhantes. Só não serve a interpretação (") ».
Também neste ponto, a discussão é confundida
pelas obscuridades quanto ao conceito de sistema
subjacente. Tudo o que é alegado pelos adversários
do pensamento sistemático respeita, designadamente,
a apenas dois tipos bem determinados de sistema: ao
sistema «externo» ou ao sistema axiomático-dedutivo.
Assim, a polémica de HECK contra a «construção sis-
temática» C°) prende-se, imediatamente, com a luta da
jurisprudência dos interesses contra o «método da
inversão», utilizado pelos partidários da jurisprudên-
cia dos conceitos e só pode, por consequência, visar
o sistema lógico-dedutivo que sub jaz àqueles (').
E também KRIELE deveria ter em vista um conceito
de sistema muito semelhante, pois ele fala, expres-

(1) Ob. cit., p. 97.


(") Ob. cit., p. 98 (os itálicos foram acrescentados).
(•·) Cf., principalmente, Begriffsbildung, p. 66 ss. (69 s.)
e 188 ss.
(õ) Com isso, HEcK equipara-o também, simplesmente,
ao sistema «externo», o que torna a sua polémica ainda menos
exacta; cf., por exemplo, ob. cit., p. 196 (refere-se, ní, aliás, o
sistema externo da Ciência e nno o da lei).
152

sarnente, de «dedução» a partir de um sistema(~) e


refere-se ao sistema «axiomático» C'). Finalmente,
ainda hoje, o pensamento sistemático é, na maioria
dos casos, equiparado sem mais e de forma totalmente
acrítica, à «jurisprudência dos conceitos»; reside aí
uma das objecções mais preferidas para afastar um
argumento sistemático considerando-o, sem discussão
de maior, como «conceptual» e, por isso, ultrapas-
sado·- num processo que gosta de passar po::-
moderno, mas que no estado actual da doutrina, antes
surge antiquado. Corno se viu no parágrafo segundo,
existe uma multiplicidade de conceitos diferentes de
sistema e não se pode, de modo algum, afirmar de
antemão, que a crítica feita, com razão, à possibili-
dade de obtenção do Direito a partir de um sistema
lógico ou axiomático-dedutivo proceda, sem mais, em
relação aos resta~ües tipos de sistema.
Pelo contrário! O significado do sistema para a
obtenção do Direito torna-se evidente quando se
subscreva a opinião, aqui defendida, do sistema

(S)Cf. ob. cit., p. 97.


(º)Cf. ob. cit., nota 1. No entanto, os exemplos dados
por KRIELE, na nota 2, depõem em sentido contrário, uma vez
que os seguidores das opiniões aí citadas não podem partir de
um sistema axiomático dedutivo._ Infelizmente, KRIELE não
debateu, em pormenor, as teorias por ele citadas e assim n:io
se reconhece, com clareza, onde vê as fraquezas delas. As
oõjecções por ele inseridas no texto procedem apenas contra
um sistema axiomático-dedutivo; por isso, é de respeitar que
também KRIELE incorra no mal-entendido de, quando se trate
de um sistema jurídico, apenas referenciar uma realidade
daquele tipo.
153

<<interno» de uma ordem jurídica como axiológico ou


teleológico (1°); o argumento sistemático é, então,
apenas uma forma especial de fundamentação teleoló-
gica e, como tal, deve, desde logo, ser admissível e
relevante. Pode-se, nessa linha, falar de uma «capaci-
dade de derivação teleológica ou valorativa}> do sis-
tema, desde que se enfoq_ue que a «derivação» não
se deve entender no sentido de dedução lógica mas
sim no de ordenação valorativa. Isto não se deve
reconhecer apenas para o sistema, acima proposto,
de princípios gerais de Direito, mas sim para qualquer
sistema teleológico, em especial para os dos corres-
pondentes conceitos ou valores, nos quais os resul-
tados práticos, perante uma correcta configuração
sistemática que corresponda à articulação dos dife-
rentes sistemas teleológicos entre si (1 1 ) devem ser
sempre os mesmos (1 2 ) .
Com isto, apenas se evidenciou a possibilidade
fundamental de aproveitar o sistema para a obtenção
do Direito; trata-se, agora, de elaborar o seu signifi-
cado particular nesse domínio, bem como em especial
as especificidades do pensamento sistemático perante
outras formas de argumentação teleológica. Também
aqui se pode, de novo, trabalhar com os dois elemen-

(Iº) Cf. supra, ~ 2 II 1.


( 11 ) Cf., quaDto a isso, supra ~ 2 II 2 3.
( 1 ~) É evider.te que o me~mo argumento sistemático tanto
se pode obter, por c:-:emplo, a pmtir do conceito de negócio
jurídico telco!ogic;,mente ente,,clido, como do princípio da auto-
nornia privada.
134

tos do conceito de sistema: o da ordenação teleoló-


gica e o da defesa da unidade valorativa e da ade-
quação do Direito.

1- ORDENAÇÃO SISTEMÁTICA E DETERMINAÇÃO DO CON-


TEÚDO TELEOLóGICO

Quando se «ordena sistematicamente», de certa


forma, um fenómeno jurídico, está-se, em regra, com
isso, a fazer uma afirmação sobre o seu conteúdo
teleológico. Por exemplo, quando se qualifica um pre-
ceito como uma previsão de responsabilidade pelo
risco, de responsabilidade pela aparência jurídica ou
de responsabilidade por facto lícito ou quando se
caracteriza uma pretensão como pretensão sub-roga-
tória, não se servem, apenas, «escopos de represen-
tação ou de ordenação» (1 '). Pelo contrário: com isso,
solicitam-se de imediato os valores e, em especial,
os princípios gerais da ordem jurídica que estejam
por detrás das normas questionadas. Uma querela
sobre uma ordenação sistemática é, por isso, em
regra, também uma querela sobre a «essência» de
um fenómeno jurídico (1·1 ) , isto é, predominantemente
àcerca do seu conteúdo valorativo dentro do Direito
vigente (1-·). Por exemplo, não seria falacioso conside-

( 1 ·.) Cf., na sequência, vários exemplos.


e') Assim, cum raz5.o, ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957),
p. 188 s.
(' -, ) Niio se trata, pois, cm regra, de uma consideração
q rriori.
rar sem significado prático, para a jurisprudência dos
conceitos, a discussão sobre a qualificação de um
determinado acto das partes como negócio jurídico;
pelo contrário, quando se pergunta pela natureza dos
esponsais, pergunta-se se estes se devem considerar
como um contrato, como uma pura relação de facto
ou como uma relação obrigacional «legal» especial,
baseada na confiança e se, em consequência, o rom-
pimento dos esponsais representa uma violação con-
tratual, um delito ou uma quebra na confiança Cr.).
Outro tanto acontece na célebre querela entre a
teoria da criação e a teoria contratual (entre
outras (I 7 ) ) àcerca da «natureza» do acto de forma-
ção de um título de crédito.
No entanto, este processo de «determinação da
essência» não é, por assim dizer, um processo de
sentido único, pelo qual o objecto seja, primeiro,
totalmente desconhecido e, depois, de repente, atra-
vés da ordenação sistemática, se tornasse compreen-

( ":) Cf., t:imbém BEITZl<E, Fcstschrift für Ficker, 1967,


p. 84, que, com razão, pergunta qu:il das teorias pode «dar
uma melhor explicação da essência dos esponsais e das suas
consequências jurídicas». Niío se deve entender aqui a «expli-
caçüo» como uma derivação causal a partir da teoria - um
mal-entendido no qual caiu, em especial, a velha jurisprudência
dos interesses - mas antes como descoberta do sentido inte-
rior do instituto e da adequação (valora tiva) das consequências
jurídicas singulares.
(") Trata-se, além disso, da defesa da unidade do nosso
Direito (cf. já supra p. 39 s.), o que nüo pode ser rigidamente
separado da determinação da natureza (cf., mais pormenori-
zadamente, infra Ir (1)).
15G

sível. Existe, antes, um efeito mútuo entre o conhe-


cimento do objecto em causa e a sua qualificação
sistemática (' "). Deve-se, por exemplo, conhecer pri-
meiro a ratio legis do § 833/1 BGB antes de poder
ordenar esse preceito na responsabilidade pelo risco.
Mas por outro lado, a descoberta dessa ratio seria
bem mais difícil se a categoria sistemática da res-
ponsabilidade pelo risco não estivesse já disponível.
Além disso - o que é ainda mais importante - só a
ordenação sistemática permite entender a norma
questionada não apencis como fenómeno isolado, mas
como parte de um todo. O § 833/1 do BGB, por exem-
plo, entende-se mais cabalmente e melhor quando se
veja como uma previsão de responsabilidade pelo
risco, entre outras, do que quando se reconheça a sua
ratio legis - o dever de indemnizar pelos riscos pro-
vocados por um animal. Inversamente, o sistema
sofre, através da ordenação de uma nova previsão
normativa, em certas circunstâncias, um enriqueci-
mento ou uma modificação interiores, pois o especial
não é, aqui, uma mera sub-espécie, antes surgindo
como elemento constitutivo do geral (1!1) . Existe por-
tanto, um processo clialéctico de esclarecimento duplo.
Não se pode negar que, desse modo, não ameace o
perigo de um círculo fechado; no entanto, trata-se
apenas de um caso especial do círculo entre o geral

('º) Cf. ob. cit., p. 189; concordante, também


ENGISCH,
DIEDERICHSEN, NJW 66, 701.
( 1 f') O geral não se deve aqui entender como «geral-
·abstracto», m<1s sim como «geral-concreto», no sentido de
!-Ir.GEL.
157

e o especial, também bem conhecido na Hermenêu-


tica (iº); ele é próprio de todas as ciências do espírito
e nunca se deixa excluir de antemão.
Com isto, não se pode duvidar do <<valor para o
conhecimento» da ordenação sistemática; daí resulta,
também o seu significado para a obtenção do Direito;
como se trata aqui do esclarecimento do conteúdo
teleológico, ela não pode, perante a jurisprudência
preponderantemente virada, hoje, para a argumenta-
ção teleológica, surgir sem influência na interpreta-
ção e no aperfeiçoamento do Direito. As ordenações
sistemáticas desempenham, de facto, um papel con-
siderável, em todos os níveis da obtenção do Direito.

1. A «interpretação sistemática»

A «interpretação sistemática» ocupa assim um


lugar firme entre os «cânones da interpretação» jurí-

(~º) Quanto a esta problemática cf., principalmente,


SCHLEIERMACHER, Werke I 7, 1838, p. 37 e 143 ss.; DILTHEY,
Gesammelte Schriften VII, p. 212 s.; COING, Die juristischen
Auslegungsmethoden und die Lehren der allgemeinen Herme-
neutih, 1959, p. 14; BETTI, Zur Grundlegung eíner allgemeinen
Auslegungslehre, Festschrift für Rabel, 1954, vol. II, p. 102 ss.
e Allgemeine Auslegungslehre ais Methodik der Geisteswissen-
schaften, 1967, p. 219 ss. O círculo referido no texto não é
idêntico ao «círculo hermenêutico» no sentido de HEIDEGGER e
de GADAMER (noutro sentido, este próprio, ob. cit., p. 275 ss.),
que respeita à relação do «pré-entendimento» do interpretando
com o resultado da interpretação.
158

dica e 1
A tal propósito pensa-se, normalmente, na
).

interpretação a partir do sistema exterior da lei, por-


tanto nas conclusões retiradas da localização de um
preceito em determinado livro, secção ou conexão de
parágrafos, da sua configuração como proposição
autónoma ou como mera parte de uma proposi-
ção, etc., etc. No entanto, apenas haveria aqui um
ponto de apoio relativamente estreito e, além disso,
não poucas vezes a localização de um preceito surge
materialmente errada; pense-se, por exemplo, para
referir apenas dois casos, na inclusão do ~ 833 / I
do BGB na sequência dos delitos ou na remissão para
o ~ 278 do BGB, feita no ~ 254/11, 2 (em vez de no
número III) (*). No entanto, não se nega que a argu-

eI) Cf., por todos, B.\U MGARTEN, Die Wissenshaft VO/ll


Recht une! ihre Methode, 1920-22, vol. I, p. 295 ss. e II, p. 617 ss.
e Grundzüge der juristischen Methodenlehre, 1939, p. ~~5 ss.:
ENGISCH, Einfiihrung cit., p. 77 ss.; L\RENZ, Metl10cle11lehre
cit., p. 244 ss.
(") Nota do tradutor: de facto, o ~ 833/I do BGB, refe-
rente à responsabilidade do detentor de animais, surge na
sequência dos ~ ~ 823 e ss., relativos à responsabilidade por
actos ilícitos; o ~ 278 estabelece a responsabilidade dos repre-
sentantes e dos auxiliares no domínio obrigacional, corres-
pondendo, pois, ao artigo 800.'º/ I do Código Civil português.
Por seu turno, o § 254/I do BGB estabelece a regra da redução
da indemnização por culpa do lesado, enquanto o ~ 254/II
alarga essa regra às hipóteses em que tal culpa se restrinja
ao facto de o lesado não ter prevenido o devedor do perigo
de um dano excessivamente elevado, perigo esse que este não
conhecesse; nessa sequência, o ~ 254/II, 2 vem remeter para
o ~ 278, não havendo qualquer n." III no ~ 254. Assim se
compreende a ilustração feita, no texto, por C.-\1';ARIS.
159

mentação retirada do sistema externo tenha um certo


valor. Assim, por exemplo, não é totalmente inadmis-
sível retirar conclusões da colocação de um preceito
na parte geral ou na parte especial de uma lei, no
tocante ao seu âmbito de aplicação; também se deve
esquecer que a divisão de urna lei é, muitas vezes,
influenciada pela «natureza das coisas» e que, por
isso, a natureza de um preceito como por exemplo,
norma de Direito de família ou de Direito comercial,
pode tornar-se frutuosa para o seu entendimento.
Tais argumentos só são, porém, efectivarnente efica-
zes quando os valores resultantes da inserção siste-
mática sejam extrapolados; trata-se, então, porém,
já de uma argumentação retirada do sistema interno.
E esta é, de facto, do maior significado. Enquanto a
interpretação a partir do sistema externo apenas tra-
duz, em certa medida, o prolongamento da interpre-
tação gramatical, a 2.rgurnentação baseada no sistema
interno, exprime o prolongamento da interpretação
e
teleológica 2 ) ou, melhor, apenas um grau mais ele-
vado dentro desta, - um grau no qual se progrida
da «ratio legis» à «ratio iuris», e tal como a inter-
pretação teleológica C) em geral a argumentação a
partir do sistema interno da lei coloca-se, com isso,
no mais alto nível entre os meios da interpreta-
ção (2':).

( 22 ) Teleológica no sentido mais amplo; cf. supra p. 41.


(2':) A opinião frequente de que não existe qualquer
hierarquia firme entre os diversos meios de interpretação não
merece qualquer concordância. Deve-se, antes, conferir à inter-
pretação tcl2ológica a primazia e isso é, hoje, qu<1se sempre
1:,.:
160

Alguns exemplos práticos tornam perceptível o


significado da interpretação sistemática para a obten-
ção do Direito. Assim, por exemplo, a interpretação

reconhecido, no seu resultado prático. No que toca, primeiro.


à relação entre a interpretação teleológica e a gramatical, é
geralmente aceite a proposição de que «o sentido e o escopo
da lei estão mais altos do que o seu teor»; quanto ao «sentido
literal possível» constituir, segundo a doutrina dominante. os
limites da interpretação e, nessa medida, suplantar o escopo
da lei é apenas - descontando proibições de analogia ou fenó-
menos similares - um problema puramente terminológico, pois
perante um ultrapassar do sentido literal, apenas se transitou
da interpretação em sentido estrito para o grau seguinte, o da
analogia e da restrição e, com isso, o escopo da lei é, de
qualquer modo, erguido à frente do teor literal - demasiado
estreito ou demasiado lato. No que respeita, agora, ü relação
entre a interpretação teleológica e a sistemática, deve-se colo-
car a interpretação efectuada a partir do sistema externo, por
causa da sua grande insegurança (cf. precisamente, o texto).
em qualquer caso, atrás da interpretação teleológica, enquanto
a própria interpretaçiio a partir do sistema interno, como se
diz no texto, é apenas uma forma de interpretação teleológica.
No que, finalmente, se prenda· com a relação entre a interpre-
tação teleológica e a histórica, também aqui é de conceder o
primado à teleológica. Para a teoria objectiva, isso não carece
de qualquer justificação; mas também não é duvidoso para a
subjectiva, pois também esta não realiza as representações do
legislador histórico em todas as singularidades, mas antes pre-
tende promover a prossecuçiio cios seus objectivos; a interpre-
tação processa-se, portanto, aqui, de modo subjcctivo-teleoló-
gico e passa inteiramente por cima das representações visíveis
do legislador, quando estas sejam inadequadas para a obtençüo
dos escopos por ele pretendidos, - um processo que um par-
tidário tão decidido da teoria subjectiva da interpretação, como
HECK, verteu na conhecida máxima da «obediência pensante».
161

do § 833/ 1 do BGB é consideravelmente solicitada


pela sua qualificação como previsão da responsabili-
dade pelo risco. Resulta dela, entre outros aspectos,
que, como sempre sucede na responsabilidade pelo
risco, apenas se responde pelas consequências de um
«comportamento arbitrário tipicamente animal» e
não, por exemplo, por uma fractura duma perna
sofrida por alguém que tropece num gato adormecido
ou pelos danos que um cão açulado cause a uma
pessoa. Também para a delimitação do conceito de
detenção (do animal) se conseguem indícios essen-
ciais quando se tente concretizá-lo em conexão com
outras previsões da responsabilidade pelo risco, por-
tanto de modo conforme com o sistema. É certo que
os mesmos resultados se podem obter apenas com
a interpretação teleológica do § 833/1; no entanto,
r:ão se deve duvidar de que eles, através de uma
argumentação baseada nos princípios gerais da res-
ponsabilidade pelo risco, não só se tornam mais
fáceis de fundamentar mas, também, mais convin-
centes (" 1) . Há, também questões para cuja solução

(é 1 ) Não há qualquer objecção em que as regras sobre o


perigo de animais e o conceito de detenção se devam aplicar,
segundo a doutrina dominante, também ao n." 2, apesar deste
né"ío ser uma previsão de responsabilidade pelo risco, mas sim
uma previsão de culpa presumida. Pois por um lado, não é, de
modo algum, fatal antes carecendo, apesar da estreita ligação
exterior das duas prescrições e por força do princípio da rela-
tividade dos conceitos jurídicos, de uma fundamentação autó-
noma, adequada ao escopo especial do n.º 2. Por outro lado, os
pontos de vista do risco desempenham um papel essencial
162

apenas resta o recurso ao instituto articulado da res-


ponsabilidade pelo risco. Assim, por exemplo, em
casos como os do comodato de um animal ou da sua
entrega a um treinador ou a um veterinário, não se
deve tentar resolver a problemática com ficções como
a da construção de uma exclusão contratual de res-
ponsabilidade ou da aceitação de um concurso de
culpas (2~), mas antes apoiar a exclusão da responsa-
bilidade no ponto de vista da «livre exposição de
interesses» ( 2 º), imanente ao sistema e desenvolvido
na doutrina geral da responsabilidade pelo risco (2·).

também para o n." 2; a simples inversão do ónus da prova


compreende um elemento do risco do qual se pode, de facto,
retirar uma consonância ampla entre o conceito de detenção e
o surgimento de deveres especiais de comportamento, como
os que sutjazem ao s 833/2, ligando-se à particular perigosi-
dade do animal: caso o animal provoque Úm dano sem ser
pelo «comportamento arbitrário tipicamente animal», a ocor-
rência prejudicial verifica-se, em qualquer caso, fora do escopo
de protecção da norma, e já não se trata, então, da eventual
prova da ausência de culpa. Aliás, EssER faz notar, com razão,
que o preceito do n." 2 está hoje ultrapassado, em termos
materiais e que, em consequência, a prática o considera quase
como uma previsão da responsabilidade pelo risco (cf. Sclwld-
recht, 2.' ed., 1960, § 203, 4 a).
( 2 ") Para essa i)roblemática cf., principalmente, ENNEccr-
Rus-LrnMANN, 15." ed., 1958, § 253 V.
C'') Fundamental, MÜLLER-ERZBACH, AcP 106, p. 351 ss.,
396 ss. e 409 ss.; quanto ao assunto, também ESSER, Grundlagen
und Entwicl~lung der Gefo.hrdungshaftung, 1941, p. 109 s.;
LARENZ, Schuldrecht A. T., ~ 15 I e.
('2 i) A rejeição de uma responsabilidade pelo risco
segundo o ~ 833/ 1 do BGB não significa necessariamente que
163

Da mesma forma, o significado da ordenação sis-


temática torna-se patente na questão discutível de
se o § 281 do BGB tem aplicação à pretensão do
~ 985 do BGB (*). De novo a argumentação retirada
do sistema externo designadamente da inserção do
~ 281 no Direito das Obrigações é pouco convincente.
Pelo contrário, a interpretação feita com base no sis-
tema interno alcança logo o objectivo. O § 281 com-
preende, reconhecidamente, uma pretensão de sub-
-rogação e, portanto, só pode actuar, existindo os
pressupostos do princípio da sub-rogação, desde que
a pretensão do § 985 esteja prejudicada. Esta, porém,
não desaparece com frequência, dada a sua natureza
real, antes se dirigindo contra o novo possuidor; por

o titular do animal não possa responder, do mesmo modo,


independentemente de culpa. Só que isto não é um problema
de responsabilidade pelo risco, mas sim uma ordenação do
risco contratual, que se deve distinguir dele quer dogmática
quer praticamente (fundamental quanto à diferença, WrLBURG,
Die Elemente des Schaclensrechts, 1941, p. 157 ss.); este
remete, por exemplo, no comodato, o risco para o comodatário,
de tal modo que a atribuição de uma responsabilidade ao titular
do animal só ocorre havendo culpa, enquanto que no mandato
ou na gestão de negócios, pelo contrário, o titular do animal
suporta o risco, com l)ase nos princípios desenvolvidos pela
opinião dominante em analogia com o § 670 do BGB. [Nota
do tradutor: o s 670 do BGB estabelece a responsabilidade do
mandante pelas despesas necessárias do mandatário].
(') Nota do tradutor: O § 281 do BGB estabelece o
commodum da representação, em termos semelhantes aos do
artigo 794.º do Código Civil português; o ~ 985 do BGB, por
seu turno, determina que o proprietário possa reclamar do
µoss·Jidor :, rc:;tituiçãCJ da coisa.
164

consequência, em todos estes casos fica excluída a


aplicação do § 281. Cessando, pelo contrário, a pre-
tensão do § 985 através da perda da posse, já não hCt
qualquer obstáculo contra a aplicação do ~ 281.
Quando a supressão derive de um terceiro de boa fé
ter adquirido a propriedade, deve-se, então, conferir
a primazia ao § 816 I 1 BGB como /ex specialis
(apesar da aceitação de um concurso de pretensões
parecer defendível) (*). Quando a supressão, pelo
contrário, se deva a outros fundamentos - isto é, no
essencial, ao próprio perecimento da coisa - então
a aplicação do § 281 surge como inteiramente justifi-
cada; porque razão não poderá, por exemplo, o pro-
prietário pretender o montante do seguro ou a even-
tual indemnização (28 ), quando o § 281 já a concede,
perante a mera existência de uma pretensão obriga-

Baseada, por exemplo, no contrato, em ligação com


(2 8 )
o § 278 do BGB, desde que, acessoriamente, jogue também a
problemática da liquidação do dano a terceiro. - Na entrega
da prestação indemnizatória ao possuidor - em vez de ao
verdadeiro proprietário - aplica-se, em certas circunstâncias
o § 816/II BGB, em conexão com o ~ 851.
(") Nota do tradutor: O § 816 I 1 do BGB dispõe:
«Quando um não-titular pratique, em relação à coisa, um acto
de disposição que seja eficaz perante o próprio titular, fica
o não-titular obrigado a restituir ao titular o que tenha obtido
através de disposição.» A possibilidade de um não-titular pra-
ticar, em relação à coisa, actos eficazes perante o titular
liga-~, em primeira linha, ao princípio «posse vale título» o
qual, como já foi dito, embora comum na generalidade dos
ordenamentos continentais, não vigora no Direito português.
Neste, o caso poderia ser posto perante uma aquisição pelo
registo.
cional à coisa e não em face da ordenação real mais
forte?! Quando se parta da ordenação do § 281 no
sistema interno da nossa ordem jurídica, chega-se
rapidamente a uma solução convincente: só quando
- mas, também, sempre que - caiba uma sub-roga-
ção, isto é, a substituição de um direito extinto por
um novo direito surgido no seu lugar e, portanto,
tenha desaparecido a pretensão do § 985, tem apli-
cação o ~ 281. Com isso, tanto se evitam as dificul-
dades, receadas pela doutrina dominante, que possam
surgir através da co-existência de pretensões do pro-
prietário contra o novo possuidor, com base no § 985
e contra o antigo, por força do s e
281 0 ) , bem como
as iniquidades a que leva, por seu turno, a doutrina
dominante eº), com a sua recusa geral de aplicação
do § 281 C1 ) .

( 29 ) Em compensação, não se mostra que a aplicação do


~ 231 BGB possa atingir iniquamente o possuidor de boa fé,
por ele, porventura, já ter utilizado o sucedâneo para os seus
próprios fins, na crença de que ele lhe competia. Ele ficaria,
então, normalmente, liberado, nos termos do 9 275 BGB.
[Nota do tradutor: o § 275 do BGB estabelece a regra da
liberação do devedor pela impossibilidade superveniente da
prestação, que lhe seja imputávei].
Cº) Quanto a esta cf. principalmente, WESTERMANN,
Sc:chenrecht, 5." ed., 1966, § 31, IV 4.
C: 1 ) Através do ~ 818 I/2 também nem sempre se deixa
obter um resultado satisfatório, quando se aplicam os preceitos
sobre o enriquecimento junto dos § § 987 ss. do BGB (o que, de
facto, não levanta problemas a propósito da sub-rogação).
Junto da pretensão baseada no § 985 não necessita de estar
a do § 812; segundo o ~ 819 I, também só o conhecimento posi-
tivo prejudica (no entanto, poder-se-ia pensar em alargar o
166

Refira-se ainda um terceiro exemplo. Quando se


ordenem os § § 171/I e 172/1 do BGB na responsabili-
dade pela aparência jurídica(*), segue-se, daí, que
apenas será protegido o terceiro de boa fé e que este
deve ter tidel conhecimento da previsão aparente,
isto é, da declaração questionável - resultado que
não poderia convincentemente ser retirado apenas
dos §§ 171/1 e 173, por causa da sua redacção
pouco feliz (e que, por consequência, também são
discutíveis). Só a ordenação dos § § 171 e 172 numa
conexão sistemática geral C2 ) permite assim captar
plenamente o seu conteúdo teleológico e determinar,
em cada caso, as consequências jurídicas; joga aqui,
ao contrário do último exemplo e em medida mais
larga do que no primeiro, ainda um segundo ele-
mento, ao qual se irá, em breve regressar: o da pre-

§ 819, para garantir a unidade de valoração com as restantes


previsões, de modo correspondente: cf., também, o problema
análogo no § 281 e, sobre isso, vide a antepenúltima nota).
('.12 ) Coloca-se, nesta, de novo um problema circular. Para
o minorar, é necessário um critério que não esteja em conexão
com a questão da relevância de má fé; desde que este se
encontre, resolve-se o problema.
C) Nota do tradutor: O § 171/I do BGB confere poderes
de representação perante um terceiro ou perante a generali-
dade das pessoas, respectivamente, àquele que, por notificação
especial dirigida a esse terceiro ou por anúncio público, seja
havido corno procurador do declarante; o § 172/I do BGB, por
seu tmno, assimila à notificação especial de concessão de
poderes de representação a entrega, ao representante, por
documento adequado, seguida da apresentação desse documento
a terceiro.
167

servação da unidade valorativa com as restantes


previsões normativas ele responsabilidade pela apa-
rência jurídica (*) C").

2. A integração de lacunas a partir do sistema

O que foi concluído para a interpretação em sen-


tido estrito, isto é, para a interpretação das normas
no quadro do seu sentido literal vale, mutatis mutan-
dis, para a integração de lacunas. A afirmação da
jurisprudência dos interesses de que a integração das
lacunas não seria possível através duma argumenta-
ção a partir do sistema é improcedente para um sis-
tema teleológico e~) e, do mesmo modo, também para

ci:l) Como exemplo, cf. ainda a esse propósito, a inter-


pretação conforme com o sistema dos §§ 370 e 4D5 do BGB,
infra p. 117 s.
(1 4 ) Isso não quer naturalmente dizer, de forma alguma,
que a integração de lacunas a partir do sistema seja sempre
possível. A jurisprudência dos interesses tinha toda a razão
quanto à rejeição da tese de que a compleitude da ordem jurí-
dica se podia basear no sistema; cf. mais pormenorizadamente
infra IV, 4 e § 6 III 1.
(*) Nota do tradutor: Os ~§ 171/II e 172/II do BGB
determinam, respectivamente, que os poderes de representação
estabelecidos nesses preceitos subsistam até que a indicação
do prncurador seja revogada pela mesma forma por que se
realizou ou até que o documento seja retirado ao terceiro ou
declarado sem vigor. Nessa sequência, o § 173 do BGB vem
estabelecer que os preceitos referidos não se apliquem quando
o terceiro conheça ou deva conhecer, aquando da celebração
do negócio, a cessação àos poderes de representação. Todos
IG8

este não faz sentido a contraposição tão apreciada


entre a «construção apreensora» e a «construção
integradora de lacunas» C"). Pois, quando no desen-
volvimento do sistema interior de uma ordem jurídica,
se trate da descoberta dos valores fundamentais
constitutivos, surgem aqueles elementos, com cujo
auxílio não só a determinação C5 ª) mas também a
integração de lacunas é possível numa série de casos:
os princípios gerais.
Os exemplos confirmam, de novo, essa afirmação.
Quando, por exemplo (com a doutrina ainda plena-
mente dominante C0 ) ) se qualifica o § 904/2 do BGB
como uma previsão normativa de uma responsabili-
dade por intervenção C'), obtém-se desde logo, a par-
tir daí, a solução para o preenchimento da lacuna
contida nesse preceito e, designadamente, para a ques-
tão do obrigado a pretensões: o interventor é res-
ponsável. Se, pelo contrário, se vir no § 904/2 (de
acordo com a opinião mais convincente e~)) um caso

estes esquemas visam a tutela da confiança de terceiros, em


termos semelhantes aos determinados no artigo 266.º do Código
Civil português.
( 35 ) Esta terminologia pode ser reconduzida a THIEPEL;
cf. Staatsrecht und Politik, discurso do Reitor em Berlim,
1927, p, 22 s.
C"ª) Quanto a este cf. de seguida, o texto, infra II 2.
C: 0 ) Cf. a explicação e as indicações em HORN, JZ ! 960,
p. 350 ss.
(J 7 ) Este conceito é, no entanto, dogmaticamente, ainda
um tanto difuso.
( 38 ) Cf., principalmente, LARENZ, Schulc!recht/B. T., 8." ed.
1967, § 72, 1.
169

de responsabilidade pelo sacrifício, a correspondente


lacuna, em concordância com as regras gerais e com
a consequência interna do princípio do sacrifício, deve
integrar-se no sentido de o beneficiário ser o obri-
gado (*). Outro tanto vale no tocante à necessidade
de imputabilidade do responsável: caso se trate de
responsabilidade pela intervenção, ela é exigível,. por
analogia com os § § 827 s. do BGB; se se tratar de
responsabilidade pelo sacrifício, ela é irrelevante e~).
Assim, com exemplo no § 904/2 do BGB, não só
resulta claro como os pontos de vista decisivos para
a integração de uma lacuna provêm, directamente, de
uma ordenação sistemática, mas também como o
resultado se modifica igualmente, com a qualificação
sistemática, - o que não admira quando se repara
que na diversa ordenação do § 904/2 se exprimem
opiniões opostas sobre o seu conteúdo material.

('1! 1) Cf., ainda C/\NARIS, N. J. w. 64, 1963.


(*) Nota do tradutor: Segundo o § 904/1 do BGB, o pro-
prietário de uma coisa não pode proibir a actuação, sobre ela,
de outrem, quando tal actuação seja necessária para obstar a
um perigo actual e quando, com isso, se provoquem, ao pro-
priet.lrio danos relativamente pequenos; trata-se, pois, duma
previsão de estado de necessidade objectivo. Nessa sequência,
o ~ 904/II. vem declarar que o proprietário pode exigir uma
indemnização pelo dano que lhe tenha sido infligido. Com-
pieende-se, c:ssim, a lacuna de que fala CANARIS: a lei não
d;:,: q,!C?il1 de·;e indemnizar: se o interventor ou se a pessoa
beneficiada pela sua actuação. Perante a lei portuguesa,
segundo o artigo 339."/2 do Código Civil, qualquer deles poderá
ser chamado a indemnizélr, de acordo cor,1 a decis<'\o do tribunal.
170

Do mesmo modo, das teorias da criação, do con-


trato, ou da aparência jurídica resultam, no Direito
cambiário, consequências práticas, a propósito de uma
série de problemas singulares ('1°). Não procede, pois,
a afirmação de HECK de que a decisão por uma ou por
outra destas teorias não contém «qualquer juízo de
valor» e não deveria ser tomada «antes da integração
da lacuna, mas só depois» (41 ) . Existe antes aqui,
precisamente, aquele efeito mútuo que foi acima ('1ia)
descrito: procura-se, primeiro, entender as determina-
ções da lei com o auxílio de uma das teorias e
ordená-las nos valores fundamentais do nosso Direito
privado; de seguida, retiram-se, da teoria, as conclu-
sões para os casos não regulados; pondera-se a con-
vincibilidade dos resultados assim obtidos (42 ) ; modi-
fica-se, disso sendo o caso, a teoria, numa ou noutra

( 4'l) Quanto a estes cf., por exemplo, JACOBI, Ehrenbergs


Handbuch IV 1, 1917, p. 304 ss., ENNECCERUS/LEHMANN, ob. cit.,
=
s 208 II p. 844.
( 4 1) Cf. Begriffsbildung cit., p. 103; certo, LEHMANN, ob.
e loc. cit.
( 110 ) Cf. p. 89 s.
(-1 é) Como se faz tal ponderação é uma questão ainda
pouco esclarecida. O sentimento jurídico joga aqui, por certo,
um papel essencial; no entanto, e para além disso, dever-se-ia
ainda tentar assentar a «justeza material» de um resultado
em critérios objectivos tais como a «natureza das coi~as», a
praticabilidade, a consonância com valores expressos noutros
lugares normativos, a confluência com princípios ou valores
ger3.is de Direito tais como a tutela do tráfego ou simi-
hres, etc.
171

direcção, ou renovam-se as suas consequências, e


assim por diante. Portanto, não se integra primeiro a
lacuna e, então, se confecciona a teoria; a lacuna é
antes integrada aquando da formação da teori'.l e e:
teoria é elaborada aquando da integração da lacuna.
Este processo não é apenas confirmado pela pesquisa
fenomenológica C:) da formação das teorias jurídicas;
ele nem poderia, de antemão, apresentar-se de outra
forma, pois só assim a justeza e a unidade da ordem
jurídica poderiam ser garantidas: apenas um perma-
nente «vai e vem» pode prevenir o perigo de se
solucionar a multiplicidade de questões de que se
trata numa problemática tão complicada como a das
«teorias dos títulos de crédito», segundo pontos de
vista contraditórios, assim como apenas teorias pro-
visórias e modificáveis preservam a unidade interior.
O referido efeito duplo existe apenas a propósito dos
problemas mais importantes, enquanto que para ques-
tões singulares pouco significativas em termos de
formação de teorias, pode não assumir uma particular
consideração; as lacunas podem ser desde logo inte-
gradas a partir delas, isto é, do ou dos princípios
constituintes básicos ou seja, sem que se ordenem os
resultados obtidos nem o seu influxo para uma modi-
ficação da teoria; para estes casos vale precisamente
o contrário da citada proposição de HECK, remeten-
do-se de novo para a justificação do princípio da

( 4 ::) Psicologicamente o processo pode, evidentemente, ser


diverso.
172

adequação valorativa. Mas com isso acede-se já ao


segundo elemento essencial que confere ao sistema a
seu significado para a obtenção do Direito.

li - O SIGNIFICADO DO SISTEMA PARA A DEFESA DA UNI-


DADE VALORATIVA E DA ADEQUAÇÃO NA INTERPRETA-
ÇÃO DO DIREITO

Esse significado emerge da elaboração já efec-


tuada neste trabalho a partir do papel acima (1·1 ) atri-
buído ao conceito de sistema e da definição daí
derivada ('ic.). Esta função do sistema distingue-se
fundamentalmente da descoberta do conteúdo valora-
tivo de um preceito ou de um instituto, acima tratada,
embora esteja, com ela, numa relação estreita. Pois
enquanto naquela o centro de gravidade reside em
entender o especial - ainda que como parte do
geral-, trata-se, agora, predominantemente do
inverso, isto é, de preservar o geral - ainda que na
especialidade. Ambas as funções do sistema se arti-
culam entre si, aquando da obtenção do Direito, num
efeito mútuo dialéctico, remetendo uma para a outra,
mas distinguindo-se, também, entre si.
No que toca ao modo de eficácia do sistema na
preservação da unidade e da adequação no processo
da obtenção do Direito, pode ele ser quer conser-
--~--

Cf. sobretudo os ~ § 1 II e 2 II 2.
( 44 )

Ele surge claramente em KRETSCHMAR, Methocle cler


( 45 )

Privatrechtswissenschaft cit., p. 42 e Jher. .Jb. 67, p. 273.


173

vador, quer dinamizador, travando, pois, ou acele-


rando o aperfeiçoamento do Direito. No primeiro caso,
uma determinada solução é censurada como «contrá-
ria ao sistema»; no segundo, ela desenvolve-se, de
novo, como determinada pelo sisterna; no primeiro
caso trata-se essencialmente da prevenção de contra-
dições de valores, no segundo da determinação de
lacunas.

1. A prevenção de contradições de valores

Esta primeira função do sistema é, antes de mais,


frequentemente acentuada (4 5 ª). Assim, LARENZ con-
sidera, com razão, como um «indicativo de uma inter-
pretação judicial do Direito bem sucedida», o de que
a nova proposição jurídica não entre em contradição
com o sistema legal mas antes se deixe «incluir sem
quebra no todo pré-existente da ordem jurídica) (H;).
Como exemplo de uma interpretação criativa con-
trária ao sistema e, por isso, infeliz, refere LARENZ a
cessão de garantias (4 í). Um outro exemplo que se
apresenta nesta sequência poderia ser o da «procura-

( 4 "ª) Cf., por fim, principalmente, EssER, Wertung, Kons-


truktion und Argument im Zivilurteil, 1965, p. 14 ss, que
remete expressamente para a «função de controle» das orde-
nações sistemáticas.
(·11;) Cf. Kennzeichen geglücfater richterlicher Rechtsfort-
bildungen, 1965, p. 6 ss., 13.
( 4 •) Cf. ob. cit., p. G ss.
174

çcio apa,.ente», quando se utilize, como hoje fazem a


jurisprudência e a doutrina dominante, alargando-a,
para além do Direito comercial, até ao Direito civil
e considerando suficiente o desconhecimento descul-
pável, do dono do negócio, do aparecimento do falsus
procurator; pois então, segundo o regime do erro do
BGB, existiria apenas, no caso de falta de consciência
da declaração, uma responsabilidade pelo interesse
negativo, segundo o ~ 122, e não uma responsabili-
dade pelo cumprimento, como na responsabilidade
pela aparência, nada se alterando também quando o
erro ou o desconhecimento sejam culposas. O regime
do erro do BGB coloca, assim, limites inultrapassáveis
a uma interpretação criativa do Direito em tal direc-
ção, e fenómenos como a procuração aparente ou as
regras sobre a declaração comercial escrita devem
ser tomadas de forma a aparecerem como excepções
substancialmente justificadas e estritamente delimi-
tadas de decisão fundamental do legislador, e não
como quebras sistemáticas arbitrárias (1 8 ) . De outra
forma, não se consegue resolver a questão fundamen-
tal de quando e em que circunstâncias se pode, em
casos semelhantes, encetar uma interpretação criativa
do Direito, com a consequência inevitável de uma
quantidade de decisões singulares desconectadas e
contraditórias, ou seja, de injustiça e de insegurança
no Direito.

(h) Cf. CANARlS, Die Vertrauenshaftung im deutschen


Privatrc>cht, 1971, p. '271 ss.
175

O significado prático do sistema para a prevenção


de contradições de valores não se mostra apenas na
questão de saber se o Direito deve, de todo em todo,
ser aperfeiçoado, mas também no problema de como
deve ocorrer tal aperfeiçoamento (depois da sua
admissibilidade já ter sido determinada). Pois tam-
bém aquando da concretização da lei não bastam
princípios jurídicos formativos para a preservação da
unidade interior de uma ordenação sistemática ("1ª).
Assim, por exemplo, o princípio da ponderação dos
bens só conduz a normas susceptíveis de subsunção
através da sua inclusão dogmática na causa de justi-
ficação do estado de necessidade «supra legal» - no
qual esta ordenação sistemática é de relevância prá-
tica imediata, ou a propósito da possibilidade de legí-
tima defesa contra uma actuação em estado de neces-
sidade ou da questão de uma pretensão delitual con-
tra o que agiu em estado de necessidade. Também
com referência a isso surge a concretização do prin-
cípio da protecção da personalidade. Também aqui,
como já foi suficientemente salientado, o sistema do
BGB, ou de modo mais exacto, o princípio da limita-
ção da tutela delitual a direitos absolutos, teria exi-
gido que não se elaborasse um direito de personali-
dade «geral>> do tipo das cláusulas gerais, mas antes,
em vez dele, direitos de personalidade assentes em
previsões firmes.

( 4 tl) Cf. mais pormenorizadamente, CANARIS, Die Fest-


stellung Vüi1Lücken cit. pp. 162 s., 164 ss.
19
líG

2. A determinação de lacunas

Por outro lado, não se devem subestimar os impul-


sos originados pela ideia de sistema, para a comple-
mentação do Direito. A ideia da adequação e da
unidade do Direito demonstra, designadamente, uma
extraordinária força dinamizadora, desde que não se
entenda, de modo resignado, o Direito como um
conglomerado causal de decisões singulares histo-
ricamente acumuladas. Pois o problema de saber se
um determinado princípio de Direito é «constitutivo
para o sistema» inclui a questão de indagar se ele é
«significante» para o âmbito jurídico em causa e este
é de novo equivalente à questão da «generalidade»
de um princípio. Mas quando se tenha reconhecido
uma vez um princípio como «geral», e, em especia 1,
se tenha determinado o seu peso ético-jurídico e a
sua hierarquia jurídico-positiva, ele pode conduzir,
em ligação com a regra da adequação valorativa, a
um aperfeiçoamento inesperado do Direito: não é
outra coisa o que sucede com a determinação de uma
lacuna com recurso a um princípio geral C'º). Em
consequência, a elaboração consequente do sistema
tem, também neste ponto C''") influência na comple-
mentação de uma ordem jurídica. Pois quando um
princípio «geral» é elaborado, o princípio da igualdade
conduz, em muitos casos, ao reconhecimento de nor-

(;") Cf., quanto a isso, CANAHIS, ob. cit., p. 93 ss.


C''") Cf., também supra, I 2.
mas não escritas, e assim não é de admirar que, mui-
tas vezes, a partir de previsões singulares aparente-
mente limitadas como, por exemplo, os ~ § 122, 179
e 307 do BGB ou os ~§ 171, 172 e 405 BGB ou o
242 BGB (*), se tenham elaborado novos institutos
para o sistema: os valores corporizados naqueles pre-
ceitos são «gerais» segundo o seu peso interior, não
se podendo pois excluir que eles tenham influenciado
mais ou menos consideravelmente o sistema e o con-
teúdo do Direito vigente. Por isso é altamente contes-
tável que se censure à jurisprudência o ela procurar
«apoios» na lei, para o aperfeiçoamento criativo do
Direito. Isso não deveria ser considerado como um
«resquício positivista», nem a aspiração àe fidelidade
à lei, daí resultante, criticada como fundamentação
aparente, antes se reconhecendo que, sob esse pro-
cedimento, existe um conhecimento metodológico e
filosófico correcto: é designadamente mais fácil
demonstrar a mera adequação «formal» de um valor,
do que comprovar a sua justiça e adstringibilidade
(<material» (de lege lata!); e em consequência já se

e) Recorde-se que os ~~ 122, 179 e 307 do BGB estabe-


lecem, respectivamente, os deveres de indemnizar do decla-
rante quando a declaração seja declarada nula ou anulada, do
requerente que não prove os seus poderes quando o represen-
tado recuse a ratificação e daquele que conheça a impossibilidade
duma obrigação assumida; os ~~ 171, 172 e 405 têm, por seu
turno, a ver com a tutela de terceiros perante a procuração
ou perante documentos que atestem um débito; o ~ 242 firma,
por fim, o princípio da boa fé.
178

conseguiu muito quando se apurou, num preceito,


certo princ1p10 jur.ídico, mantendo-se apenas em
aberto a questão de porque não vale ele como «geral».
Esta questão implica com frequência ainda o pro-
blema espinhoso da valoração (5 1 ) e fica-se, aqui, sem-
pre no perigo de se perder no círculo entre o geral e o
especial: tais dificuldades são, em regra, mais estrei-
tas do que as de derivar a adstringibilidade de um
princípio de Direito apenas a partir da sua justiça
ma teria! (52 ) .
Assim surge junto à primeira e de algum modo
negativa função do sistema, de prevenir o apareci-
mento de contradições de valores, a função, em certa
medida positiva, de desenvolver o Direito de acordo
com o peso interior dos seus princípios constitutivos
ou «gerais»; em ambos os casos trata-se da defesa da
unidade valorativa, que constata, também, numa
lacuna não integrada contra a regra da igualdade, uma
contradição de valor, em sentido amplo.

111- O CONTEÚDO VALORATIVO DAS CONSTRUÇÕES LEGAIS

A ordenação sistemática inclui valores em si. Isso


não vale apenas para a formação do sistema através
da Ciência e da jurisprudência, mas também para as

Que se al:::rga bem para lá do problema de uma


( 51 )

mera analogia singular.


( 52 ) Quanto à relação entre sistema e justiça material cf.
também infra IV 3.
179

«construções» do legislador (5 3 ) . Tê-lo desconhecido


foi um dos erros mais pesados .de HECK e da juris-
prudência dos interesses na sua crítica ao sistema;
pois a consideração de que o juiz não está vinculado
às construções do legislador, devendo considerá-las
como um modo de redacção (!) (5 1 ) , contradiz, numa

(5:i) Em consequência, é altamente contestável a afirr,rn-


ção divulgada de que o legislador não poderia «prescrever
directrizes dogmáticas, mas apenas consequências jurídicas».
Na verdade, é de concordar em que o legislador não pode
estatuir a justeza de determinada teoria como tal, mas pode
decidir-se por ela através das consequências jurídicas. Por isso,
as formulações dogmáticas que o legislador tenha utilizado,
bem como as suas tomadas de posição cognoscíveis a favor
ou contra determinada teoria não são, por si, vinculativas para
a Ciência; no entanto, esta está-lhes vinculada, quando as
consequências jurídicas em causa se deixem esclarecer com
auxílio das referidas teorias ou quando elas as contradigam.
Igualmente problemática é a prevenção ao legislador de que
ele deveria evitar tomadas de posição em polémicas científicas.
De facto, ele deveria guardar-se de «desenvolvimentos de nível
doutrinador» e não intervir perante diferenciações materiais
que ainda não tenham sido teorética ou sistematicamente
«aclaradas»; no entanto não é, por outro lado, tão perigoso
com um «inoperante» compromisso entre várias teorias; pois
este vai necessariamente conduzir a contradições de valores
e à perturbação da unidade interior da ordem jurídica e, com
isso a injustiças; assim, e a tal propósito, também se deve
acentuar expressamente que o legislador também está ligado
à ideia de sistema (até em sentido constitucional!) - cf. mais
pormenorizadamente infra ~ 6 I 4.
C, 1 ) Cf. HECK, oh. cit., p. 86 s. e para o exemplo depois
referenciado, Sachenrecht, § 78 IV 2; também STOLL, Jher. Jb.
75, p. 171, nota 2, com indicações; mas diferentemente e com
razão, RÜMEI.IN, ob. cit., p. 351 ss.
180

questão importante, o princípio da lealdade à lei, tam-


bém assegurado pela jurisprudência dos interesses.
Também isso, como era de esperar, conduziu, em
questões práticas, a decisões falaciosas.
Um dos mais conhecidos exemplos, que o próprio
HECK, sintomaticamente, considerou característico
para a sua concepção metodológica e··) é a· sua dou-
trina da «comunidade de escopo» entre o crédito e a
garantia real. Ele polernisa contra o «dogma da imita-
ção», segundo o qual o direito de garantia é acessório
perante o crédito e preconiza, em sua substituição, a
teoria da comunidade de escopo, pela qual o crédito
e a garantia, porquanto igualmente dirigidos, em ter-
mos económicos, à satisfação do interesse do credor,
também formam, para o Direito, uma comunidade
«paritária»; ao contrário da construção legal, a rela-
ção entre crédito e garantia real não deve, por conse-
quência, ser considerada como a do crédito e da
fiança, mas antes como a de múltiplos créditos con-
juntos entre si eº). Esta opinião não se divulgou e
bem. Na verdade, não se trata aqui, de forma alguma,
de uma «construção conceptual privada de valora-
ção» (5 7 ) , mas sim de uma valoração nas vestes de
uma construção. Diz acertadamente WESTERMANN que
«a letra e o sistema da lei» teriam «colocado univoca-
mente o crédito e a hipoteca numa relação de direito
determinante e determinado» ficando, a tanto, vin-

(" 5 ) Cf. Sachenrecht, Preâmbulo, p. III, nota 1.


("n) Cf. Sachenrecht, § 78; cf. também § 82 e § 101,6.
e·) Assim HECI,, ob. cit., § 78 IV 2 ª·
18\

culada a aplicação jurídica; e, com razão, ele acres-


centa que esta relação corresponde também «à pro-
jecção económica que, ao contrário do pretendido por
HECK, não se deixa apenas determinar através da
garantia, mas sim, segundo o caso normal que cor-
responde ao decurso usual das coisas, isto é, ao paga-
mento do crédito» e~). A construção não é, pois, aqui
«contrária à vida» - e mesmo nesse caso ela seria
vinculativa, pois a lei pode também valorar os fenó-
menos da vida contrariamente à substância, isto é,
à natureza das coisas sem, só por isso, perder a sua
adstringibilidade - abstraindo de casos de puro arbí-
trio nc sentido do artigo 3 GG (" 9 ) . Por isso, é tam-
bém totalmente inexacto que HECK aplique a sua
teoria até à dívida fundiária e daí derive de uma
comunidade de escopo económico uma comunidade
de destino jurídico com o crédito garantido (Gº) com
a consequência de as modificações na existência de
um dos direitos actuarem, sem mais, de igual modo,
também no outro. Ora a lei, pelo contrário, pôs à
disposição, na hipoteca e na dívida fundiária dois
tipos diferentes e quando as partes se tenham deci-
dido pela dívida fundiária - portanto pelo tipo que

("~) Cf. Sachenrecht, 5." ed. 1966, ~ 93 II 4 c; cf. também


~ 114 II 1 c (para a dívida fundiária) e § 12 6 I 3 (para o
penhor).
(" 9 ) Cf. também infra ~ 6 I 4 b.
(ºº) Cf. ob. cit. ~ 100, 5 a; pelo contrário, com razão por
exemplo WOLFF /RAISER, Sachenrecht, 10." ed. I 957, § 132 I 2
com nota 7; WESTERM:\NN, ob. cit., ~ 116 II 1 a.
182

confere ao creàor uma posição mais forte - elas


escolheram, com isso, ao mesmo tempo, também uma
ponderação de interesses diversa, mais favorável ao
credor.
A questão de saber se a aquisição, de boa fé, de
um penhor na verdade não existente -- portanto da
segunda, terceira ou quarta aquisição de um penho-
rante aparente - é possível, oferece um segundo
exemplo igualmente sugestivo. A doutrina domi-
nante (61 ) nega-o com referência à construção da
transferência do penhor, no § 1250 I 1 BGB: o penhor
transmite-se ipso iure, independentemente da tradição
da ,:;oisa com a cessão do crédito ao novo credor,
faltando por isso um dos pressupostos típicos da
aquisição de boa fé no Direito dos móveis, em
conexão com o princípio da tradição. HECK preconiza,
com apelo às necessidades de vida, a opinião contrá-
ria e defende «a dignidade de protecção do adqui-
rente» não poderia «ceder à construção jurídica
injusta do caso anterior» (" WESTERMANN segue-o,
2
).

por não ser evidente que a lei não queira tratar o


penhor como objecto de comércio (r,:1) . Deve seguir-se
a doutrina dominante. WESTERIVIANN elaborou na ver-

(ti 1 )Cf. por todos WüLFF/RAISER, ob. cit., § 170 II 1 com


nota 4; BAUR, Sachenrecht, 4." ed. 1968, § 55 B V 3. (Nota do
tradutor: segundo o § 1250/l do BGB, <<O penhor transmite-se
para o novo credor, através da cessão de créditos. O penhor
não pode ser cedido sem o créditm).1
(•·~) Cf. ob. cit., § 105 V.
(•;:\) Cf. ob. cit., § 132 l l b.
183

dade o ponto de vista correcto mas a resposta deve


ser exactamente a inversa: a lei, ao tratar o penhor, a
propósito da transmissão, como anexo não autó-
nomo (!) do crédito (G 4), o qual, por seu turno, não é
configurado como objecto do tráfego, deixa justa-
mente entender (6 '') que ele também não surge como
objecto de tráfego; pois só assim se pode entender
plenamente o § 1250, prevenindo-se uma contradição
de valores: a colocação, entre as regras do Direito,
da cessão vale igual e consequentemente · para um
mero «anexo», também a propósito da exclusão fun-
damental da aquisição de boa fé, tal como ela é pró-
pria deste sector jurídico (6 G), ( 67 ). A construção con-

{ 64 ) Para o carácter de anexo, portanto para a renúncia


a uma eficácia constitutiva da tradição não é decisivo o facto
de se tratar de uma aquisição por força da lei; este último
ponto de vista poderia ser contraditado com a objecção de
que o § 1250 I apenas exprimiria a vontade presumível das
partes, havendo, por isso, uma forma de transmissão negocial
legalmente tipificada, de tal modo que se possa afirmar uma
necessidade de protecção do tráfego diferente do caso normal
de aquisição por lei.
(ª5) Isso vale igualmente pelo prisma da teoria objectiva!
Aliás a exclusão da aquisição de boa fé; da parte dos autores
da lei, propositada (cf. Mot. III, p. 837, 2), de tal modo que
os partidários da teoria subjectiva devem reconhecer a decisão
como vinculativa.
(G6) Quanto à hipoteca, o BGB sujeitou consequentemente
a cessão do crédito às regras do Direito imobiliário!
(G7) Mesmo quando a tradição fosse constitutiva e a
transferência de penhor seguisse, portanto as regras do Direito
mobiliário, a admissibilidade da aquisição de boa fé seria
extremamente questionável. A posse confere, na verdade,
.184 11
tém pois, de novo, a valoração (';~); declará-la irrete- •
vante significa assim desconsiderar a valoração em •
causa.
Deve-se aliás ter em conta, também na interpre-
tação criativa do Direito, que as construções legais
incluem, em si, valores. Este ponto de vista ganha
significado prático, por exemplo, a propósito da trans-
ferência de uma pré-notação. Esta não está expres-
samente regulada na lei e a doutrina inteiramente
dominante resolve, por isso, o problema através de

segundo o BGB, a propriedade, mas de modo algum, sem


mais, o penhor; é, de facto, muito provável que o possuidor
seja, igualmente, proprietário; mas nenhuma verosimilhança
comparável joga a favor de que o possuidor não proprietá·
rio - o terceiro conhece pois aqui a falta da propriedade! -
seja credor pignoratício: ele pode igualmente ser comodatário,
locatário, comissionário, etc. No exacto reconhecimento desta
situação, a lei negou a protecção da boa fé perante o poder
de disposição e seria uma contradição de valores proteger a
boa fé na existência de um direito de penhor, a propósito do
qual a mera posse não oferece nenhum fundamento mais
seguro do que a propósito do poder de disposição. A partir
destas considerações não se poderá, aliás, aplicar também o
~ 1006 para além do J227.
(';~) Que WESTERMANN, ob. cit., o negue, seguindo HECK,
não parece consequente perante a sua tomada de posição con-
trária (cf. em geral ~ 93 II 4 a e para o penhor, § 126 I 3) à
polémica de HECi<: contra o «dogma da acessoriedade»; pois
também para a configuração do § 1250 I 1, a opção funda-
mental do legislador a favor da acessoriedade das garantias
reais jogou, indubitavelmente, um papel considerável e assim
o relaciona HECK, ob. cit., tumbém expressamente fa sua recusa
grc:ral do «dogma da acessoriedade».
185

uma aplicação analógica do % 401 BGB, de tal modo


que a pré-notação se transmita ipso iure com a cessão
do crédito garantido (•ó!'). Mas com isso decide-se
igualmente - o que não é suficientemente enfo-
cado - sobre a questão de saber se é possível uma
segunda, terceira ou quarta aquisição de boa fé de
uma pré-notação constituída por quem não tenha
poderes para isso. Vale, então, exactamente, o que
foi dito para o correspondente problema quanto ao
penhor: porque se trata de uma aquisição exterior ao
registo (!), portanto segundo as regras da cessão de
créditos e não de acordo com o Direito imobiliário Cº),
fica excluída uma aquisição de boa fé C1 ) . A coloca-
ção da transmissão da pré-notação sob o § 401 em
vez de sob o § 873 BGB (*) só pode ter o sentido de,

(G 9) Cf. por todos RGZ 142, 331 (333); BAUR, ob. cit.,
~ 20 V l a; WESTERMANN, ob. cit., § 84 V 1. Nota do tradutor:
o § 401 BGB dispõe a transmissãc das garantias, com a cessão
de créditos; corresponde ao artigo 582.º do Código Civil.
(7º) Em compensação, é irrelevante que se trate de uma
aquisição por força da lei; vale aqui a nota 64.
(7 1 ) Muito duvidoso; quanto à problemática cf., sobre-
tudo, BGHZ 25, 16 (23); MEDICUS, AcP 163, 1 ss. (8 ss.);
REINICKE, NJW 64, p. 2373 ss. (2376 ss.); BAUR, ob. cit.,
§ 20 V 1 a; WESTERMi\NN, ob. cit., s 85 IV 4, onde, noutra
posição, se toma expressamente posição também quanto à
problemática metodológica e, contra as considerações do texto,
se nega o conteúdo valorativo da construção (mas cf. quanto
a isso supra, nota 68).
(*) Nota do tradutor: o s 873 BGB exige a inscrição no
registo predial para a transmissão ou oneração de direitos
sobre imóveis; o regime português é, sabidamente, diverso.
186

nela, não se ver um direito de tráfego imobiliário, mas


antes, apenas, um meio de garantia independente
perante o crédito, ou um anexo do mesmo e assim,
tão pouco como em face deste poderá, a propósito
daquele, haver uma aquisição de boa fé (7 2 ) . Com a
primeira questão fica pois decidida a segunda; sobre
a solução da primeira pode discutir-se; a da segunda
está, porém, traçada e aquela divergência deve con-
duzir a uma contradição perante a valoração firmada
na primeira questão, - por onde se verifica, de novo,
o elevado significado assumido pelo sistema para a
garantia da adequação valorativa.

IV - OS LIMITES DA OBTENÇÃO DO DIREITO A PARTIR DO


SISTEMA

As considerações produzidas até este momento


acentuam o significado do sistema para a obtenção
do Direito mais do que o habitual; no entanto, não
se deve sobrestimar este, desconhecendo em especial
os limites que se põem à obtenção sistemática do
Direito e:). Cabe, a tal propósito, distinguir vários
aspectos.

(_72) Para a objecção de que no § 401 esteja também


referenciada a hipoteca e de que, quanto a esta, não procedem
as considerações do texto cf. supra, nota 66.
e:) Cf. quanto a isso HERSCHEL, BB 66, p. 761 S5., que
tem contudo cm mente, sobretudo, a argumentação baseada no
sistema «externo».
187

1. A necessidade de controlo teleológico

Um primeiro limite resulta da natureza teleológica


de todos os argumentos sistemáticos bem entendidos.
Deve nomeadamente ter-se em conta que o sistema
não formula de modo adequado o valor em questão e
que, por isso, seja sempre necessário um controlo·
teleológico - pelo menos implícito - quanto a saber
· se a premissa maior ou o conceito mais vasto toma-
dos ao sistema comunicam plena e acertadamente o
conteúdo valorativo significado. Assim, por exemplo,
a proposição muito utilizada como argumento siste-
mático, de que na aquisição por força de lei não é
de considerar a tutela da boa fé só muito condicio-
nalmente é utilizável. Na verdade, ela prende-se com a
consideração acertada de que ela se relaciona com a
aquisição ex lege independente da vontade das partes
e que, por isso, falta nela, em regra, a necessidade
de protecção do tráfego indispensável para a aquisi-
ção de boa fé; não obstante, ela vai, na sua formula-
ção, para além desta sua ratio. Mas isso é peri-
goso porque, desse modo, não se atingem todas as
formas de aquisição legal C'), uma vez que uma trans-
ferência ex lege pode, em certos casos, ser apenas o

( 7') .itssim a hipoteca conforme com o ~ 1153 I BGB


transmite-se, por força da lei (!) com a transferência do crédito
e, simultaneamente, não se duvida que, segundo o ~ 892 BGB,
possa ser udquirida de boa fé. A proposição criticada também
não se harmoniza, na sua generalidade, com o § 366 III HGB.
188

revestimento técnico de uma transmissão (mediata-


mente) negocial C'). Assim por exemplo o direito
«legal» de penhor do empreiteiro, segundo o ~ G47
BGB poderia ser, na verdade, apenas um p~nhor
«negocial>> tipificado na lei, para que se pudesse afir-
mar a possibilidade de uma aquisição de boa fé C';);
o ~ 647 apenas ordena o que as próprias partes de
forma típica e razoável teriam acordado e~). A pro-
posição arvorada a argumento sistemático, sobre a
recusa de protecção da boa fé na aquisição por força
de lei só pode, por isso, ser utilizada quando, em
princípio, se lhe veja, por detrás, o seu princípio
jurídico constituinte e, sendo o caso (através de urna
espécie de «redução teleológica»), ele seja conse-
quentemente limitado.

2. A possibilidade de um aperfeiçoamento do sistema

Um segundo limite essencial ü obtençüo do


Diteito a partir do sistema resulta da abertura do

C·) Tal é, por certo, o caso com o ~ 1153 I BGB, mas


deveria, por exemplo proceder também perante os ~ 401 e
~ 1250 do BGB; nos dois últimos casos não é contudo igual-
mente possível qualquer aquisição de boa fé; cf. supra, Ili.
C';) Quanto à discutida questão cf. principalmente, por
um lado, BGHZ 34, 122 e 153 e, por outro, \VESTEítMANts:.
ob. ci.t., ~ 133 I, com extensas indicações.
e~) Caso não houvesse ~ 647 BGB, a jurisprudência cau-
telar jã teria hã muito retirauo a inclusJo de um direito de
penhor nas cláusulas contratuais gerais cio empreiteirci e o
~ 1207 BGB seria, então. imediatamente :iplicc"tvel 1
189

sistema (desenvolvidamente discutida no antepenúl-


timo parágrafo). Desta resulta, designadamente que
não se deva tomar como resultado final a determina-
ção de que o sistema (até então existente) exige ou
contradita uma determinada solução, mas antes ape-
nas como a possihi/iclacle de um aperfeiçoamento cio
sistema; o que pareça, ou, até, seja, em certa altura,
como contrário ao sistema, pode, pouco mais tarde,
surgir ultrapassado. Do mesmo modo deve-se evitar,
perante a obtenção do Direito a partir do sistema,
o mal-entendido de que o sistema é sempre dado, de
antemão, como pronto e, desde logo, faculta as solu-
ções para os problemas. Antes vale também para o
sistema o que ENGISCH C') averiguou para a ideia de
«unidade da ordem jurídica» - a este subjacente: não
é apenas axioma mas, também, postulado, não apenas
pré-dado mas, também, a elaborar e significa, para as
relações entre formação do sistema e obtenção do
Direito, que entre estes não existe uma dependência
unilateral mas sim uma relação mútua ('!'); tal como o
sistema influencia a obtenção do Direito, assim se
desenvolve, de modo inverso, a formação plena do
sistema apenas no processo de obtenção do Direito.
Para além de sob a prevenção elo «controlo teleoló-

C') Cf. Die Einheit der Rechtsordnung, p. 69 s. (cf. tam-


bém p. 83 s.); concorde, LARENZ, Methodenlehre, p. 135 s.
(7'') Esta só se pode entender inteiramente como dia-
léctica.
190

gico», cada argumento sistemático coloca-se assim


ainda sob a da possibilidade de um desenvolvimento
ou modificação do sistema ('º).

3. Justeza sistemática e justiça material

Recomenda-se cuidado quando se critique uma


solução <<justa perante o sistema» com recurso à
«justiça material» (" 1) . Pois a oposição que sub jaz a
uma tal argumentação não existe, fundamentalmente,
de forma alguma; pelo contrário: o sistema, como
conjunto de todos os valores fundamentais constitu-
tivos para uma ordem jurídica, comporta justamente
a justiça material, tal como esta se desenvolve e
representa na ordem jurídica positiva; com razão
caracterizou, por isso, COING o sistema como a ten-
tativa de «comportar o conjunto da justiça com refe-
rência a uma determinada forma de vida social num
conjunto de princípios racionais (8 2 ) , e tendo mesmo
LARENZ equiparado-o a uma «ideia de Direito histori-
camente concretizada» (8 '\). Nesta sequência deve-se,
por isso, acentuar ainda mais expressamente que os

(t1º) Quanto aos aspectos singulares pode remeter-se para


as considerações do § 3; cf. aí, em especial, o n.'' IV.
( 31 ) É típica a forma - em regra usada de modo total-
mente irreflectido - de que a justeza sistemática ou a unidade
do sistema não pode «singrar às custas da justiça materia\)).
( 82 ) Cf. zur Geschichte des Privatrechtssystems, p. 28.
('~·) Cf. Festschrift für Nikisch, p. 304.
191

argumentos sistemáticos, por definição, nada mais


representam do que os valores fundamentais da lei
pensados, até ao fim, em termos de igualdade e que
a sua legitimidade e a sua força reguladora resultam,
em simultâneo, da autoridade do Direito positivo e
da dignidade do princípio da justiça.
Num exemplo particularmente característico do
Direito do trabalho, torna-se patente como é duvidosa
a tentativa de, com recurso à justiça material, deter
soluções sistematicamente alcançadas. Corresponde,
reconhecidamente, à jurisprudência constante e r, dou-
trina que um trabalhador, perante uma «actividade
tendencialmente danosa» não seja, em certas circuns-
tâncias, obrigado a indemnizar o empregador ou, pelo
menos, não totalmente, apesar da presença dos pres-
supostos de uma «violação positiva do crédito» ou de
um facto ilícito. Isto é tão claro em princípio quanto
obscuro nos aspectos singulares, havendo, aí, sobre-
tudo discussão quanto à questão de saber as circuns-
tâncias requeridas para a presença de uma indemni-
zação e para calcular 0 seu montante em concreto;
em especial, é duvidoso se, em tal sequência, também
são de ter em conta pontos de vista «sociais» tais
como a idade, o estado familiar e as relações patri-
moniais do trabalhador. Por fim, contraria claramente
o sistema do Direito civil que tanto a respeito do
fundamento do dever de indemnizar como a propósito
do seu montante (§ 254 BGB ! ) se considerem apenas
critérios de imputação e não, também, aspectos
sociais do tipo citado. No entanto, é conforme ao
sistema uma solução erguida apenas sobre critérios
192 ····?i-t~
. -:.::,\~)
.. ~)
de imputação e perante um ilícito culposo por parte::
do trabalhador ponha cm c;:11npo o princípio da·',
imputação pelo risco contra u c111pregador, em termos
que minorem ou excluam a responsabilidade(").
A opinião contrária 11,·10 considerou, de facto que ela
seja «adequada ao sistema», mas tenta justificar a
sua contrariedade ao sistema - expressa ou implici-
tamente - através do apelo a pretensas exigências
da justiça material (':;) que, aqui, com base na parti-
cular natureza da relação de trabalho, deveriam tor-

(S 4) Quanto a esta consideraçüo, cf., principalmente,


GAMILLSCHEG/HANAU, Dic Haftung eles Arbeitnehmers, 1965,
p. 34 ss.; LARENZ, Schuldrecht B. T .. ~ 48 II d; CANARIS, RdA
66, p. 45 ss.
( 8 ") Característico, por último, WJEDEMANN, Dos Arbeits-
verhêiltnis ais Austausch- und Gemeinschaftsverhéiltnis, 1966,
p. 20. Pode-se facilmente inverter a censura de que as exi-
gências da justiça material contundem com a unidade do sis-
tema, jogando-a contra o próprio WIEDEMANN; pois a ordena-
ção sistemática por ele adoptada previamente leva-o a limitar
as regras sobre trabalho tendencialmente perigoso à relação
de trabalho e isso pode, como o deixou claro sobretudo o
«caso da ultrapassagem do automóvel», decidido pelo BGH
(AP Nr. 28 ao § 611 BGB Haftung des Arbeitnehmers com
an. A. HuECK), provocar injustiças consideráveis. Finalmente,
o próprio WIEDMANN parece subentender, que, com um «acordo
táctico», poderia auxiliar, do seu ponto de partida, de caso em
cas9, uma repartição adaptada de riscos (cf. p. 19); a aceitaçJo
de convenções «tácitas» entre as partes é, por causa do seu
carácter fictício, reconhecidamente, sempre um indício claro de
que existe uma fundamentação aparente e que, em conse-
quência, as premissas carecem de correcção. De resto, 0 prin-
~'. \1.~;-·:Y.. :·
l• -.~,·.,:.

nat· necessana um üe'2N\.a aos \rc\.nc.w\as ie!a\.s ó.a


nosso Direito de res-ponsa\:úhdade c:ivi\. Mas ·poder-
-se-á verdadeiramente afirmar que na relação de tra-
balho, aquando da determinação de um dever de
indemnizar, apenas C'·) a consideração das relações
patrimoniais, do estado familiar, etc., corresponde
à justiça material? Colocar a questão é negá-la.
Pode-se, pelo contrário, considerar até como uma
patente injustiça que, por exemplo, um trabalhador
que casualmente recebeu uma herança ou que é ainda
solteiro, em restantes circunstâncias idênticas, deva
pagar uma indemnização mais elevada do que o seu
colega mais pobre ou casado? O que corresponda,
aqui, à justiça material não se deixa determinar
a priori, mas apenas se pode decidir perante o Direito
positivo vigente na altura, no qual a justiça encontrou
a sua realização concreta; esta opõe-se aqui, como
foi dito, claramente à consideração daqueles pontos
de vista sociais.

c1p10 do risco desempenha também em WIEDEMANN um papel


tüo considerável (cf. sobretudo as considerações da p. 18 s.
que, no essencial, merecem total aplauso, enquanto também
o caso da ultrapassagem do automóvel, na minha opm1ao,
deveria ter sido decidido de outra forma, cf. RdA 66, p. 48),
que não é bem compreensível porque não o reconhece como
fundamento jurídico da limitação da responsabilidade e assim
se possibililando a reinclusão desse instituto no sistema do
nosso Direito de responsabilidade civil.
(su) Caso o ponto de vista contrário, conforme com o
sistema, pudesse ser reconhecido como materialmente justo,
cairia por terra a exigência de considerações de circunstân-
cias sociais.
194

O exemplo do trabalho tendencialmente danoso


é ainda, nesta sequência, rico em doutrina, noutro
propósito. Mesmo quando, de acordo com a opinião
aqui sufragada, se derive a solução apenas a partir
da confluência de específicos elementos de imputação
de ambos os lados, não se trata ainda, precisamente,
de um exemplo modelado de fidelidade ao sistema,
pois o Direito escrito não compreende qualquer apoio
para uma limitação da responsabilidade do trabalha-
dor perante o empregador. Na verdade, não se pode
negar que surgiram aqui exigências de justiça mate-
rial contra o sistema (originário) do nosso Direito
da responsabilidade civil e que conduziram à forma-
ção de um novo e não escrito fundamento de imputa-
ção. Tão-pouco se deve negar que em casos especiais
possa ocorrer um conflito entre justeza sistemática e
justiça material e que, em certas circunstâncias, ele
possa ser decidido a favor da última; pois como se
apresentou desenvolvidamente no s3, o sistema é
«aberto», portanto permeável a uma modificação; um
tal aperfeiçoamento pode resultar também de exi-
gências da justiça material ( 8 ' ) . Sob que circunstân-
cias cabe a estas a primazia não é, contudo, nenhuma
questão específica da problemática do sistema, mas
antes pertence ao tema da admissibilidade da inter-
pretação judicial criativa, em especial, à obtenção do
Direito com recurso à «ordem jurídica extra-legal»,

Cf. a tal propósito, sobretudo o


( 81 ) ~ 3 11 e IV 1, em
especial p. 70 s.
195

não podendo, por isso, ser aqui mais discutida (85 ).


De qualquer modo, resulta do que se disse - e ape-
nas isso é, aqui, decisivo - que os pontos de vista da
justiça material não podem, sem mais, ser contrapos-
tos a argumentos do sistema, mas sim que aqui é
antes necessária uma justificação especial (e normal-
mente muito difícil) de que carece qualquer interpre-
tação criativa e, em particular, aquela que se apoie
em critérios extra-legais (89 ) . No que toca ao insti-
tuto do trabalho tendencialmente danoso, verifica-se
de imediato que essa justificação reside na intenção
de restringir a responsabilidade do trabalhador (0°) e,
acessoriamente, na ideia de considerar, contra o sis-
tema do nosso Direito de responsabilidade civil, cir-

( 8 ~) Na minha opinião, um semelhante aperfeiçoamento


jurídico - descontando crassos vassos de «injustiça lega!» - é
admissível sob a dupla pressuposição de que, por um lado,
não se oponham aos valores do Direito positivo e que, por
outro, um «princípio geral do Direito» a exija, residindo o
fundamento da sua validade ou na «ideia de Direito» ou na
«natureza das coisas»; cf., mais desenvolvidamente, CANARIS,
Die Feststellung von Lüclwn, ob. cit., p. 95 s., 106 ss., 118 ss.
e supra, p. 69 s.
(S 9) Cf., quanto a isso, a nota anterior.
(Uº) Onde fica ela, de modo exacto, é uma questão de
direito do trabalho que n5o se aprofunda, em particular, a este
propósito. Decisiva, em último lugar, deveria, de facto, ser a
natureza especial da relação de trabalho (e contratos apresen-
tados) e· a situaç2.o atípica de risco, perante os outros contratos
(quanto à opinião própria, cf. RdA 66, p. 45 ss.); do ponto de
vista metodológico trata-se, pois, de uma argumentação com
auxílio de um princípio jurídico geral legitimado pela «natureza
das coisas» (o do princípio do risco).
196 ·:.-1

cunstâncias sociais como as relações patrimonia1s, o


estcrdo familiar, etc., independentemente do facto de
cada aperfeiçoamento ou modificação do sistema não
poder prosseguir, como as circunstâncias o exigi-
ram (' 1 ) .
Resumindo, deve dizer-se: a solução adequada ao
sistema é, na dúvida, vinculativa, de lege lata e é,
fundamentalmente de reconhecer como just:i., no
domínio de uma determinada ordem positiva; pontos
de vista de justiça material contrários ao sistema só
podem aspirar à primazia perante argumentos do
sistema quando existam as especiais pressuposições
nas quais é admissível uma complementação do
Direito legislado com base em critérios extra jurídico-
-positivos.

4. Os limites da formação do sistema como limites


da obtenção do Direito a partir do sistema

As prevenções até aqui realizadas quanto à obten-


ção do Direito a partir do sistema não representam
verdadeiras falhas nele mas, tão-só, como que limites
imanentes; pois tanto a necessidade de controlo teleo-
lógico como a possibilidade de um aperfeiçoamento
-do Direito - e na última devem-se também contar
os poucos casos nos quais a justiça material pode
pross€guir contra a adequação sistemática - tradu-

Já acima foi dito que não se trata aqui da conside-


(!>1)
ração de pontos de vi:.;ta sociais.
\91

zem, no fundo, apenas a consequência evidente de


determinadas qualidades do sistema, que existem com
total independência da problemática da obtenção do
Direito: da sua natureza teleológica e da sua «aber-
tura». Perante elas há contudo também casos nos
quais ocorrem autênticos - e altamente perturbado-
res - atentados à obtenção do Direito a partir do
sistema. Não seria apenas ingénuo acreditar que
cada questão jurídica se deixaria solucionar a partir
do sistema, sucedendo ainda, além disso, que a deci-
são consentânea com o sistema seja inconciliável com
o Direito vigente: lacunas no sistema e quebras no
sistema são um fenómeno familiar para o jurista.
A obtenção do Direito a partir do sistema vê-se, em
consequência, confrontada com limites inultrapassá-
veis, que são os mesmos que se deparam à formação
do sistema. Mas estes últimos colocam um círculo
próprio de problemas, que assume o maior signifi-
cado para o papel do pensamento sistemático na
jurisprudência e, por isso, deve ser discutido de
seguida (' 2 ) .

C> 2 ) Cf., quanto a isso, sobretudo o ~ G I 3 e, II 2 e III 2.


§ 6. 0 OS LIMITES DA FORMAÇÃO
DO SISTEMA

A referência aos limites de uma obtenção do


Direito a partir do sistema, que constitui a conclusão
do último parágrafo, indicou logo os limites postos
ao pensamento sistemático na Ciência do Direito.
De facto a formação de um sistema completo numa
determinada ordem jurídica permanece sempre um
objectivo não totalmente alcançado. Opõe-se-lhe,
invencivelmente, a natureza do Direito e isso a dois
títulos. Por um lado, uma determinada ordem jurídica
positiva não é uma «ratio scripta», mas sim um con-
junto historicamente formado, criado por pessoas,
apresentando como ta!, de modo necessário, contradi-
ções e incompleitudes, inconciliáveis com o ideal da
unidade interior e da adequação e, assim, com o pen-
samento sistemático. Mas por outro, há na própria
ideia de Direito um elemento imanente contrário ao
sistema e, designadamente, a chamada «tendência
individualizadora» (1) da justiça que contrace!1ando
com o pensamento sistemático - assente na «tendên-

( 1) Quanto à oposição entre tendências individualizadora


e generalizadora da _iustiça cf. as citações supra § 1, nota 32;
cf. ainda surra ~ 4 IV 0-= p. 83 s. e infra, § 7 II 2 e 3.
200

eia generalizadora»(:!)! - tem como consequência o


surgimento de normas que a priori se opõem à deter-
minação sistemática. «Quebras no sistema» e «lacunas
no sistema» são, por isso, inevitáveis.

1- QUEBRAS NO SISTEMA

1. Quebras no sistema como contradições de valores


e de princípios

No que respeita, em primeiro lugar às quebras no


sistema, colocaram-se elas a propósito da fundamen-
tação do conceito de sistema acima apresentado C)
como contradição de valores e de princípios (1); pois
se o sistema mais não é do que a forma exterior da
unidade valorativa e da adequação da ordem jurídica,

e) Cf. ~ 1 II, 2.
C) Cf. § 2 II.
(" 1) As contradições de princípios representam apenas,
uma forma particular de contradições de valores, designada-
mente contradições nos valores fundamentais da ordem jurí-
dica; diferentemente, ENGISCH, Einheit, p. 64, nota 2 e
Einführung, p. 160 e 162, que não subordina as contradições
de princípios às de valores, mas antes as coloca lado a lado
(cf., porém, também Einheit, p. 64, nota 2, última proposição
e Einführung, p. 164); tal é, do seu ponto de vista, adequado,
pois ao contrário da opinião aqui defendida, ele também conta
como contradições de princípios, casos nos quais não hã qual-
quer verdadeira contradição de valores, mas apenas meras
oposições de princípios; cf., assim, infra, 2 d, no texto.
201

então uma quebra no sistema tem de reportar-se a


uma perturbação dessas unidade e adequação e, com
isso, a uma inconsequência valorativa. O perguntar
pela possibilidade e pelas consequências de quebras
no sistema desemboca assim na questão da possibili-
dade e do significado de contradições de valores e
de princípios C').

2. Delimitação das contradições de valores e de


princípios perante os fenómenos aparentados

Para o esclarecimento deste tema é necessário, em


primeiro lugar, circunscrever o conceito das contradi-
ções de valores e de princípios. Para tanto, há que
delimitá-las dos fenómenos aparentados.

a) Perante as diferenciações de valo,-es

A tal propósito, devem-se excluir, em primeiro


lugar, as meras diferenciações de valores; tradu-
zem-se, com isso, as diferenças valorativas que se
justificam materialmente, podendo ainda quebrar apa-
rentemente um princípio geral a favor de uma previ-

C') Quanto a estas cf., em geral, ENGISCH, Einheit,


p. 59 ss. e Einfiihrung, p. 160 ss.; LARENZ, Methodenlehre,
p. 254 s., com outras indicações assim como os contributos em:
PrnELMAN (editor), Les Antinomies en Droit, Travaux du
Centre Nacional de Recherches de Logique, Bruxelles, 1965.
202

são especial - valorativamente atípica - e que, por


isso, não representam nenhuma autêntica «contra-
dição».

b) Perante os limites imanentes de um princípio

Além disso, também são de excluir os - limites


imanentes de um princípio, pois estes não contrariam,
verdadeiramente, o princípio, mas apenas tornam
claro o seu verdadeiro significado. Assim, por exem-
plo, seria incorrecto falar de uma «contradição» entre
o princ1p10 da autonomia privada e a regra do res-
peito pelos bons costumes, nos termos do § 138 do
BGB. Pois como qualquer liberdade, a verdadeira
liberdade inclui uma ligação ética e não é arbítrio;
assim também os limites dos bons costumes existem,
de antemão dentro da autonomia privada; falar aqui
de uma «contradição» conduz a uma absolutização
da ideia de autonomia privada que confunde o seu
conteúdo ético-jurídico e desnaturaria, assim, o pró-
prio princípio.

c) Perante a combinação de princípios

Não poucas vezes se fala, sem razão, de contra-


dições de princípios onde, na realidade, apenas se
trata de uma ligação entre dois princípios. Exemplo
disso é o problema de saber se a protecção do tráfego
e da confiança tem a primazia sobre a tutela da
203

incapacidade ou se é o inverso. Uma opos1çao entre


dois princípios só se poderia, quando muito (G), acei-
tar (') caso o princípio da confiança, pela sua essência
ou pela sua configuração jurídico-positiva, exigisse
apenas para si a protecção de quem confia. Mas não
é esse o caso. O princípio da confiança informa ape-
nas algo sobre um dos lados - o do que confia - mas
não sobre o outro lado, o do que responde; ora uma
conclusão sobre as consequências jurídicas só pode
ter lugar quando se obtenham os critérios de justiça
de ambos os lados; por conseguinte, outros elementos
devem contribuir para a ideia da protecção da con-
fiança, justificando a responsabilidade da outra parte,
os quais, em regra, se situam no princípio da auto-
-responsabilidade, portanto numa imputação da pre-
visão de confiança a quem lhe deu azo (8 ) . Caso este

(';) Na verdade, nem mesmo então; cf. infra, d), no texto.


(') Fá-lo, por exemplo, LARENZ, Festschrift für Nikisch,
p. 302. Também os restantes exemplos aí referidos por LARENZ
não são, na verdade, verdadeiras contradições de princípios,
mas antes pertencem ou ao grupo da necessária ligação entre
dois princípios ou (predominantemente) ao grupo das meras
oposições de princípios (depois discutidos).
(S) Pode-se abdicar dela, como por exemplo nos casos
de protecção tabular, quando ocorram outros elementos que
justifiquem a perda do Direito atingido ou a actuação da res-
ponsabiiidade, como sejam, uma necessidade agravada da pro-
tecção do tráfego perante a mera protecção da confiança ou o
aumento da previsão de confiança perante a simultânea redução
das fontes de erros, através da colaboração de um órgão esta-
dual, e havendo, para mais, possibilidade de regresso, segundo o
204

não seja plenamente capaz, falta-lhe, em consequên-


cia, a imputabilidade C) e, por isso, não se concretiza
a sua responsabilidade. Não se trata, pois, na ver-
dade, de que aqui, os princípios da protecção da
confiança e da tutela das incapacidades tenham en-
trado em conflito entre si e de que esta «contradição»
tenha sido decidida a favor do último, mas sim de
que o princípio da confiança só se torna, basicamente
relevante em conexão com o princípio da auto-res-
ponsabilidade e que, por isso, na falta de imputabili-
dade, falta também a protecção da confiança. Deve-se,
pois, distinguir da contradição entre dois princípios,
a não existência dos pressupostos de um de dois prin-
cípios relevantes apenas na sua conjunção.

d) Perante as oposições de princípios

Mesmo quando não se aceite este entendimento


do princípio da confiança, antes lhe contrapondo a

~ 839 BGB, etc. Nota do tradutor: este preceito estabelece a


responsabilidade do funcionário que viole o seu dever perante
terceiro.
( 8) No entanto, apesar de estas se poderem também deci-
dir fundamentalmente segundo a analogia dos ~ § 827 ss. do
BGB, os ~ ~ 104 ss. BGB adaptam-se melhor, pois se trata das
consequências de um tráfego no âmbito negocial e porque tam-
bém aqui as consequências jurídicas típicas, se conectam aliás
com os negócios jurídicos. Nota do tradutor: os ~§ 827 ss do
BGB estabelecem previsões de inimputabilidade, enquanto os
~ ~ 104 ss., do mesmo diploma se reportam às incapacidades
negociais.
205

tendência de requerer, só por si, a tutela do confiante,


não se poderia ainda falar de uma <<contradição».
A problemática cairia então no quarto - e mais
importante - grupo que deve ser separado: o das
oposições de valores e de princípios. Como já foi
dito a outro propósito (1''), pertence à essência dos
princípios gerais de Direito que eles entrem, com
frequência, em conflito entre si, sempre que, tomados
em cada um, apontem soluções opostas. Deve-se,
então, encontrar um compromisso, pelo qual se des-
tine, a cada princípio, um determinado âmbito de
aplicação. Trata-se, pois, aqui da característica, acima
elaborada (1"), da mútua limitação dos princípios.
Como exemplo, recorde-se a tendência divergente
entre o princípio da liberdade de testar e o da pro-
tecção da família, que encontram o seu equilíbrio na
legítima. Contra a opinião de ENGISCH (1 1 ) não se deve
considerar semelhante «compromisso entre dois dife-
rentes princípios gerais» da ordem jurídica como uma
contradição, mas sim como uma oposição. Pois uma
contradição é sempre algo que não deveria existir e

(1 '') Cf. p. 53.


( 11 ) Einführung p. 162, nota 206 b; cf. também L<\RENZ,
Festschrift für Nikisch, p. 301 e Methodenlehre, p. 314, onde
LARENZ fala igualmente de contradições, a tal propósito apesar
de ele, segundo a matéria, ter meras oposições de princípios
em vista (cf. também nota 7); LARENZ substitui também até o
termo «contradição» pelo termo «desacordo» - essencialmente
mais adequado - sem contudo, presumivelmente, se querer com
isso exprimir uma diferença material.
206

que por isso, sendo possível, deve ser eliminado ou


seja, como diz ENGISCH, uma desarmonia (12 ), enquanto
as oposições de princípios aqui em causa pertencem
necessariamente à essência de uma ordem jurídica e
só a esta dão o seu pleno sentido (1 3 ) ; eles não devem,
por isso, de modo algum ser eliminados ( 14 ) , mas antes
«ajustados» através de uma solução «intermédia»,
pela qual a sua oponibilidade interna se «resolva»
num compromisso, no duplo sentido da palavra (1 5 ) .
A expressão contradições de princípios deveria por
isso ser reservada para as verdadeiras contradições,
isto é, para as contradições de valores que perturbam
a adequação interior e a unidade da ordem jurídica
e a sua harmonia e que, por isso, devem basicamente
ser evitadas ou eliminadas.

(12) Ob. cit., p. 162.


( 13 ) Acertadamente, EssER, Grundsatz und Norm, p. 81
e p. 159, onde se diz que através de um princípio se mantém
o outro em «dimensões razoáveis»; cf., ainda, LARENZ,
Festschrift für Nikisch, p. 301 s.
( 14 ) Também ENGISCH não o quer; cf. ob. cit., p. 164; no
entanto, ele não limita essa reserva às oposições de princípios,
antes incluindo nela (em parte) também as autênticas contra-
dições (no sentido da terminologia utilizada no texto); no
último caso ele não pode, contudo, ser seguido (cf. infra, 3,
no texto), e porque o tratamento jurídico de ambos os fenó-
menos é diferente, também por isso se recomenda uma clara
delimitação terminológica.
( 15 ) A oposição é, pois, simultaneamente superada e
ainda mantida no compromisso.
207

3. As possibilidades de evitar contradições de valo-


res ou de princípios, através da interpretação
criativa do Direito

Alcançou-se, com isto, o círculo seguinte de pro-


blemas: a questão de como se deve comportar o
jurista, aquando da aplicação do Direito, perante tais
contradições de valores e de princípios e em que
dimensões devam, por conseguinte, manter-se as
quebras de sistema. ENGISCH é de opinião de que as
contradições de valores e de princípios «devem, em
geral, ser aceites» (1G). Isso não deve ser admitido.
Semelhantes contradições representam uma violação
da regra da igu_aldade (1 ·) à qual tanto o legislador
corno o juiz estão vinculados (1 8 ) . O jurista tem, por
isso, de recorrer a todo o seu arsenal metodológico

( 1G) CL Einführung, p. 161 e para as contradições de


princípios (ainda mais fortemente diferenciador), p. 164; cf.
também já Einheit, p. 63 s. e p. 84 ss., onde ENGISCH também
reconhece que, na verdade, a eliminação de contradições de
valores - assim como as de normas pode ser «incondicional-
mente necessária» (cf. p. 84); pergunta-se contudo por onde
se deve medir a «necessidade» de uma eliminação e na res-
posta a essa questão, não se pode evitar o recurso à regra
da igualdade, assim como surge a regra fundamental da elimi-
nação recomendada no texto. - Em qualquer caso a termino-
logia de -ENGISCH, em parte diversa, merece consideração; cf.
quanto a isso, as notas 11 e 14.
( 17 ) Assim também LARENZ, Methodenlehre, p. 254; reser-
vado, ENGISCH, Einheit, p. 62 s. («talvez»).
( 18 ) Cf. de seguida infra, 4, no texto.
~l
2ü8

para contrariar o perigo de contradições de valores e


de princípios podendo, quando muito, perguntar-se
que êxito já se obteve desse modo (1D).

a) As possibilidades da interpretação sistemática

Como meio auxiliar metodológico surge primeiro


<iinterpretação sistemática e, dentro desta, sobretudo
os princípios sobre a lex specialis, a lex posterior e a
lex superior (1Dª). Apesar de, inicialmente, elas só
terem sido desenvolvidas a respeito de contradições
de normas - portanto em casos nos quais a ordem
jurídica associa, à previsão P, numa norma, a conse-
quência C e noutra, a consequência não-C - pode-se
transferi-la, pelo menos em parte, para as contradi-

(1D) De forma semelhante, LARENZ, ob. cit., com nota 1.


( 1 Da) «Lex» pode ser também uma norma consuetudinária.
Assim a contradição de valor entre o § 307 I 2 BGB e as
regras gerais sobre a «culpa in contrahendo», i.V.m. § 254 BGB
(quanto à problemática cf., por um lado, LARENZ, Schuldrecht
A. T. p. 83, nota 1 e, por outro, EssER, Schuldrecht A. T. p. 206,
nota 16) pode-se eliminar através da - aliás problemática -
ideia de que a proposição jurídica sobre a «culpa in con-
trahendo», hoje consuetudinariamente reconhecida, tem prece-
dência como !ex posterior (generalis) e, por isso, está derrogado
o § 307 I 2. Quando se não queira segui-lo, chega-se também
à nulidade do § 307 I 2, com base na regra desenvolvida no
texto~ 4 b, pois a valoração subjacente a esse preceito, em com-
paração com o § 254 e as proposições sobre a «culpa m con-
trahendo» só pode, hoje, ser considerada como «evidente
arbítrio».
209

dições de valores e de princípios (20 ) , portanto em


casos nos quais a ordem jurídica associou numa norma
à previsão P1 a consequência C e noutra norma a
uma previsão P~ valorativamente semelhante, no
essencial, a consequência jurídica não-C. Além disso
podem-se evitar contradições de valores com recurso
à interpretação sistemática na medida em que se
interprete o teor de diferentes preceitos em confor-
midade com o sistema, isto é, de modo unitário.
Assim, por exe':llplo, só surge uma responsabilidade
pela confiança pela emissão de uma procuração,
segundo o § 172 I BGB, quando o sacador tenha
«entregue» o documento ao procurador e não quando
ele lhe tenha sido roubado, ao passo que dois outros
preceitos da responsabilidade pela aparência, estrei-
tamente aparentados, a saber os § § 370 e 405 BGB

(2°) A questão está pouco esclarecida e careceria de uma


investigação autónoma. Com frequência, a problemática poderá
ser resolvida através da concretização, numa norma, da valora-
ção em jogo encontrando depois as regras sobre a !ex superior,
posterior ou specialis aplicação imediata; mas esse caminho
nem sempre é praticável. De resto, a transferência do prin-
cípio da primazia da !ex superior poderia ser o mais justificado,
enquanto a relação entre valores e princípios contraditórios
anteriores e posteriores, portanto o círculo de problemas da
lex posterior, apresenta dificuldades maiores; cf. por último,
por exemplo, ENGISCH, Einheit, p. 84 e Einführung, p. 164 s.,
com indicações desenvolvidas; LARENZ, Methodenlehre, p. 266 ss.,
com o exemplo interessante da relação do § 254 BGB com o
§ 1 RHaftPflG; BETII, Allgemeine Auslegungslehre, ob. cit.,
p. 638. Cf. neste âmbito o exemplo em nota-de-rodapé 19 a.
210

não fazem tal limitação, pelo menos de modo


expresso. Ela deve-se, no entanto, interpretar assim
para minorar ou evitar neles uma contradição de
valores, com base numa interpretação conforme com
o sistema ( 21 ) , ·porque não se detecta um .fundamento
razoável para a diferenciação (2 2 ) e porque também
o ~ 935 I BGB aponta na mesma direcção (*). Assim,
no caso do § 370, poderia ainda haver uma inter-
pretação (restritiva) ou sentido estrito, pois seria
inteiramente viável dizer que, em termos linguísticos,
o ladrão não é necessariamente considerado como
«transmissário» de um recibo ( 23 ) ; no caso do § 405
trata-se, pelo contrário, de uma complementação de

{2 1 ) Opinião dominante; cf. para o § 370, por todos,


PALANDT/DANCKELMANN, § 370, nota 1 e para o § 405 STOLL,
AcP 135, p. 107.
{ 22 ) Na circulação dos títulos, não ocorre a supressão da
vinculação do sacador o que se justifica desde logo pelo escopo
da circulação e pela elevada necessidade de tutela do tráfego,
a ela ligada, de tal maneira que não há, então, nenhuma con-
tradição de valores a eliminar, mas antes uma significativa
diferenciação de valores.
( 23 ) Cf. já o protocolo ao ADHGB, 1858, 1. 1323 s.;
KEYSSNER, Festgabe für R. Koche, 1903, p. 142; GOLDBERGER,
Der Schutz gutglêiubiger Dritter im Verkehr mit Nichtbevollmêich-
tigten nach Bürgerlichen Gesetzbuch, 1908, p. 82. Também
os autores aqui citados representam contudo, com a doutrina
dominante, a opinião de que o § 370 também se aplica no caso
de desapareciment0.
(*) Nota do tradutor: o § 935 l BGB excepci.ona h aqui-
sição a non domino através da posse de boa fé - portanto ao
abrigo do principio <<posse vale titulm> - as coi.sas roubadas.
211

lacuna, pois a lei apenas exige a «emissão» do


documento e a inclusão da característica da «entrega>>
já não fica no quadro do possível sentido verbal (2 4 ) .

b) As possibilidades da complementação sistemática


das lacunas

Com isso alcançou-se já um segundo degrau na


eliminação de contradições de valores e de princí-
pios: junto da interpretação conforme com o sistema
surge também a complementação de lacunas conforme
com ele. Também aqui se devem utilizar os proces-
sos tradicionais, tais como a analogia, o argumentum
a fortiori e a redução teleológica que nada mais tra-
duzem do que exteriorizações metodológicas do prin-
cípio da igualdade. Assim por exemplo a contradição
de valores, discutida por ENGISCH C') em conexão
com uma decisão do RG (2u), entre a pena mais leve
pelo infanticídio do que pelo abandono de uma
criança, a que se siga a morte, cometidos pela mãe,
imediatamente depois do nascimento, poderia, ao con-

( 24 ) Ela não é por isso inadmissível. Existe antes um


particular tipo de lacuna - pouco tratada, até hoje, na sua
particularidade: uma «lacuna normativa escondida», na qual a
determinação ·da lacuna com recurso ao princípio positivo da
igualdade é bem sucedida; cf., quanto a isso, em geral, CANARIS,
Die Feststell:mg von Lücken, p. 81 e p. 137 s.
( 15 ) Einfilhrung, p. 160.
(26) RGSt. 68, p. 407 (410).
212

trário da opinião de ENGISCH e do RG, ser eliminada


através de um argumentum a fortiori: quando na pró-
pria morte de uma criança, possam ser consideradas
circunstâncias atenuantes, então também no aban-
dono, no fundo menos valorado pela lei, assim deverá
suceder; não há, então, de modo algum, uma decisão
claramente contraditória do legislador; este ape_nas
não considerou a previsão especial no quadro do
§ 221 StGB, de tal modo que, mesmo do ponto de
vista de partida da teoria subjectiva da interpretação,
não se trata de uma correcção inadmissível da lei.

c) Os limites da eliminação de contradições de valo-


res e de princípios através da interpretação
criativa do Direito

Com isso ficam também indicados os limites que


se colocam à complementação de lacunas em confor-
midade com o sistema: eles surgem onde, em geral,
residam os limites da integração das lacunas (2·).
Assim, ela é, antes de mais, vedada quando o teor e o
sentido da lei se oponham claramente à presença de
uma lacuna ou quando haja uma proibição de inter-

e•) Esta problemática e, em especial, a delimitação entre


lacuna e erro jurídico-político não pode ser aqui aprofundada;
cf., quanto a isso, mais desenvolvidamente, CANARIS, Die
Feststellung von Lücken, p. 31 ss., com indicações pormenori-
zadas a p. 55 ss.
213

pretação criativa do direito (2 8 ) . Quando, por exem-


plo, os § § 370 e 405 BGB, contivessem a afirmação
expressa «mesmo quando o documento tenha sido
tirado ao emitente», não se poderia eliminar a con-
tradição de valorações com o § 172 I BGB - igual-
mente inequívoco na letra como no sentido - através
da interpretação e da complementação de lacunas
(tendo também em conta a aceitação, proximamente
discutida, de uma lacuna de colisão). Os § § 28, 130
e 173 do HGB (*) podem oferecer um exemplo,
retirado do Direito vigente, para semelhante contra-
dição de valores: enquanto pelo ingresso no estabele-
cimento de um comerciante singular, a responsabili-
dade pelos antigos débitos pode ser afastada, segundo
o § 28 II, com eficácia perante os credores, ela está,
aquando do ingresso numa sociedade em nome colec-
tivo ou em comandita, injuntivamente prescrita,
segundo os § § 130 II e 173 H, - uma diferença para
a qual não se encontra uma fundamentação razoá-
vel ( 2 º). A contradição de valorações, aí presente,

( 28 ) Aqui se integram junto da proibição de analogia,


mais vezes referida a este propósito, também a proibiGão de
restrição ou de indução; quanto à última, cf. CANARIS, ob. cit.,
p. 193, e respectivamente, p. 184 ss. e 194 ss.
(2 9) Isso pode, em qualquer caso, ser aqui apoiado, para
esclarecer a problemática metodológica (e constitucional, cf.
infra, 4 b).
(*) Nota do tradutor: HGB é a sigla de Handelsgesetz-
buch, o Código Comercial Alemão, de 10 de Maio de 1897, com
alterações posteriores. O sentido dos preceitos citados vem
explicado no próprio texto.
214

não se pode eliminar nem com recurso à interpreta-


ção nem à complementação de lacunas: o § 28 II por
um lado e os § § 130 II e 173 II, por outro, são igual-
mente claros, pelo teor como pelo sentido: não se
trata aqui de uma lacuna mas de um «erro jurídico-
-político». - Semelhantes dificuldades podem também
ocorrer quando uma regulação contrária ao sistema
surja num nível consuetudinário; recorde-se, apenas,
a transmissão de garantias e a contradição daí resul-
tante com a proibição de um penhor sem posse.
Como exemplo para os limites que são postos à
eliminação de contradições de valores através de uma
proibição da interpretação criativa do Direito, pode
citar-se a diversa regulação da punibilidade da ten-
tativa nos danos materiais por um lado e das meras
ofensas corporais, por outro lado; enquanto a tenta-
tiva, no primeiro, cai expressamente numa pena, falta,
no último, uma regulação correspondente; daí resulta
uma desagradável contradição de valores (3º), pois o
nosso Direito valora, basicamente, de modo mais ele-
vado, a inviolabilidade do corpo e, em consequência,
protege-a de modo mais forte do que a propriedade,
e ainda porque a punibilidade da tentativa se pauta,
segundo a sistemática do StGB (entre outros), no

(3 Ela foi, como exemplo para tanto, apresentada por


º)
ENGISCH, Einführung, p. 160, com razão. A polémica de
SCHREIBER, Logik des Rechts, p. 60, contra ENGISCH é inopor-
tuna (cf. a penetrante réplica de ENGISCH, ob. cit., nota 198a)
e demonstra, tal como outras afirmações de SCHREIBER (cf.,
quanto a isso, infra, notas 44 e 67) uma incapacidade alargada
para colocações problemáticas axiológicas e teleológicas.
215

essencial, pela categoria, pela dignidade e pela neces-


sidade de protecção do bem jurídico em jogo. Em
simultâneo, não é admissível penalizar a tentativa
de ofensas corporais com o argumento seguinte: se
a tentativa de danos materiais é punível, então tam-
bém o será a de ofensas corporais. Pois em seme-
lhante argumentum a fortiori residiria uma comple-
mentação de lacuna in malam partem e esta, pelo
menos na parte especial do StGB, é proibida pelo
Art. 103 II GG. Não se pode, pois, remediar a contra-
dição de valores.
Finalmente, os_ limites à interpretação criativa do
Direito, tal como surgem no fenómeno das lacunas
inintegráveis C1 ) , opõe-se à eliminação de uma con-
tradição de valores. Por exemplo, é uma grave quebra
do sistema que a responsabilidade segundo o § 22
WHG não tenha um limite máximo (3 2 ) ; pois uma
quantia máxima é prevista em todas as restantes pre-
visões de responsabilidade pelo risco (com excepção
do § 833/1 BGB {33 ) ) e é também requerida pelos
princípios fundamentais constituintes desse instituto,
uma vez que apenas assim pode ser prevenido o
perigo de uma «imputação ruinosa de danos» e só
deste modo se pode garantir a plena segurabilidade

(31) Cf., quanto a isso, em geral, CANARIS, oh. cit.,


p. 172 ss., com indicações.
( 32 ) Cf. principalmente a crítica de LARENZ, VersR 63,
p. 591 ss. (603) e Schuldrecht B. T., § 71 VIII. Nota do tradu-
tor: quanto ao WHG vide a nota do tradutor, infra, p. 237.
<3::) Neste não se pode, contudo, falar de uma quebra
no sistema; cf. infra, p. 128.
21G

do risco - indispensável para a responsabilidade pelo


risco. A falta de uma quantia máxima no § 22 WHG
deve assim ser considerada como uma lacuna pois
os princípios imanentes da responsabilidade pelo risco
exigem uma regulação correspondente e porque, por
outro lado, nem a redacção do preceito nem a his-
tória do seu aparecimento deixam pensar que o legis-
lador tenha conscientemente pretendido encontrar uma
decisão contrária. Esta lacuna não pode, porém, ser
preenchida pelo juiz, por não haver disponíveis cri-
térios jurídicos específicos para a necessária deter-
minação de uma quantia certa e porque uma seme-
lhante decisão, por força do factor de arbítrio que
sempre contém, deve permanecer reservada ao legis-
lador C-1) . Também aqui os meios de interpretação
criativa jurisprudencial estacam perante contradições
de valoração C").
Em resumo, fica assim determinado que há con-
tradições de valores que não podem ser ultrapassadas
com auxílio dos métodos legítimos da interpretação
e da interpretação criativa do Direito. Tal o caso em
que a contradição de valores não se traduza numa
lacuna, mas num «erro jurídico-político» ou em que
existia, na verdade, uma lacuna, mas a sua integração
seja proibida ou impossível.

(1·1 )Quanto aos fundamentos cf., mais de perto, CANAR!S,


ob. cit., p. 175 s.
(8 5) Quanto à questão da validade do § 22 WHG cf.
infra, p. 128 s., com nota 60.
217

4. A problemática da vincu\a.bi\idade de normas con-


trárias ao sistema e a ligação do legislador ao
pensamento sistemático

Não foi, com isso, dito que semelhantes contradi-


ções de valores e as quebras no sistema deles deriva-
dos devessem ser aceites sem excepção. Tendo-se
designadamente presente que as contradiçõs de valo-
res representam violações contra o princípio da
igualdade e que este é, de modo reconhecido, tanto
uma emanação da ideia de Direito como também parte
da lei fundamental, levanta-se a questão de saber se,
pelo menos em certas condições, não será, no caso
de uma contradição de valores, de negar eficácia às
normas em questão. Com isso passa a examinar-se
um novo aspecto da problemática do sistema: a ques-
tão da vinculabilidade de normas contrárias ao sis-
tema e, consequentemente, a questão da ligação do
legislador ao pensamento sistemático CG). Na sua res-

(3 6) Esta está, até hoje, ainda relativamente pouco estu-


dada. Remete-se, contudo para os trabalhos de ZIMMERL (Der
Aufbau des Stràfrechtssystems, 1930, Strafrechtliche A rbeitsme-
thode de lege ferenda, 1931, em especial p. 14 ss., 54 ss. e
146 ss.), nos quais, no entanto, o centro de gravidade não está
na problemática metodológica, mas sim na substantivo-penalís-
tica; ZrMMERL argumenta também, predominantemente, de lege
ferenda, de tal modo que a questão da adstringibilidade de
normas contrárias ao sistema, de lege lata, fica, nele, total-
mente subjacente. Cf. também BELING, Methodik der Gesetzge-
bung, insbesondere der Strafgesetzgebung, 1922, p. 20 s.
218

posta resultam aspectos metodológicos e ainda, tal


como perante a problemática da validade não poderia
deixar de se esperar, aspectos constitucionais.

a) A solução com auxílio da aceitação de uma


«lacuna de colisão»

No que toca à primeira, reconhece-se na metodolo-


gia tradicional, há já muito uma figura que, em certas
circunstâncias, também se pode revelar frutuosa na
presente problemática: a das chamadas lacunas de
colisão (3·). Fala-se, tradicionalmente, de tal figura
sobretudo nos casos de contradição de normas: quando
a lei, à previsão P, associe, em simultâneo, as con-
sequências jurídicas C e não-C e esta contradição
não se deixe dirimir com recurso à interpretação
comum e à interpretação criativa, desaparecem então,
mutuamente, ambas as ordenações normativas do
Direito, surgindo uma lacuna. Mas com isso já se
ultrapassou o âmbito da complementação da lacuna e
se penetrou no da derrogação, o que não tem sido,
até hoje, suficientemente enfocado na literatura; pois
o passo decisivo ocorre antes da afirmação de uma
lacuna, designadamente na aceitação de que se deba-
tem normas contraditórias e que, por isso, ambas
são nulas.

(37) Cf. quanto a isso, por todos, ENGISCH, Einheit, p. 50


e p. 84, assim como Einführung, p. 159; CANAR1S, ob. cit.,
p. 65 ss. com indicações desenvolvidas, na nota 28.
219

Trata-se, agora, também de processar a existência


de uma contradição de valores e aí, de igual modo,
assentar em que as normas contraditórias se supri-
mem e surgem, em consequência, lacunas de coli-
são (3ª). Contra isso levanta-se, de imediato, a objec-
ção de que existe para a eliminação de contradições
entre normas uma necessidade mais forte do que para a
eliminação de uma contradição de valores Cn). A rele-
vância desta prevenção só pode ser ponderada quando
se indague pelo fundamento que obriga à exclusão de
contradições e quando se coloque este perante a
diferença entre ambos os tipos de contradições. À pri-
meira vista, parece jogar aqui um papel a ideia de
que, no caso de uma contradição de normas,. há uma
contradição lógica (1°), e no de uma contradição de
valores, pelo contrário, apenas uma contradição rodo-

(IS) Esta possibilidade já foi vista por EN~ISCH, Einheit,


p. 84, e afirmada, não em geral, mas antes apenas para casos
singulares (infelizmente n5o mais determinados). Contra, con-
tudo, CANARIS, ob. cit., p. 66, nota 32, onde as lacunas de
colisão (teleológicas) são claramente delimitadas das contra-
dições de valores; a opinião aí expressa é aqui, por mim,
abandonada; cf., em breve, no texto.
('ID) Esta é a posição básica de ENGISCH, cf. Einheit, p. 63
e Einführung, p. 161; cf. ainda BETII, Allgemeine Ausle-
gungslehre, cit. p. 638 (para a relação entre !ex prior e lex
posterior).
(~º) Assim. ScHREIBER, ob. cit., p. 60; CANARIS, ob. cit.,
p. 66; cf. também, ENGISCH, Einführung, p. 234, nota 198a, que
numa conexão similar, igualmente a propósito da «identidade
autêntica das 4 uestões de direito», - que sempre existe nas
contradições de normas! - afirma uma contradição lógica; mas
·cf. também KELSEN, Reine Rechtslehre, p. 209 s.
220

lógica ou teleológica; a primeira não poderia em caso ·.


algum aceitar-se porque o Direito se submete às leis '
da lógica (H), ao passo que a última seria admissível,·
uma vez que a ordem jurídica determina os seus pró-
prios valores (" 2 ) e porque, além disso, uma decisão
contraditória do legislador deve ser respeitada. Ora
é já muito duvidoso e deveria, pelo menos, ser con-
siderado por esclarecer, se e até onde subjazem, efec-
tivamente, as leis da lógica à ordem jurídica e~); pois
estas valem - pelo menos na sua configuração habi-
tual - apenas para proposições que, como tais, se

( 11 ) Cf., principalmente, ScHREIBER, ob. cit., p. 60, que


considera a necessidade de eliminação de contradições de nor-
mas como «exemplo para o facto de que as leis da lógica são
parte evidente do Direito».
( 12 ) Nesta direcção, ScHREmER, ob. cit., p. 60.
( 43 ) SCHREIBER, ob. cit., p. 90 ss., faz uma tentativa para
fundamentar que as leis da lógica sejam parte do Direito.
As suas considerações são, porém, desesperadamente confusas.
Em especial, ele troca, de modo ostensivo a «ligação» às leis
da lógica com a «ligação» do juiz à lei e ao Direito (cf. p. 93 s),
e torna-se, com isso, culpado de uma primitiva troca de con-
ceitos, pois a força vinculativa de uma proposição enunciativa
e de uma proposição de dever-ser é qualitativamente diferente.
Além disso, a citação de KLUG, p. 93, e o apelo às decisões
jurídicas tomadas em revista, p. 94, deixam pairar a suspeita
· de que SCHREIBER confundiu mesmo o carácter jurídico das
leis ~ógicas com o da ligação, a estas, do aplicador do Direito
(cf., quanto a isso, muito claro, KLUG, Juristische Logik, p. 142;
a propósito de «regras técnicas» especificamente jurídicas pode
ser diferente, porque e na medida em que estas sejam expres-
são de verdadeiras máximas de justiça; cf., quanto a isso,
EssER, Grundsatz und Norm, p. 110 ss-).
221

submetem apenas ao critério do certo ou errado e


não, pelo contrário. para proposições de dever-se que
não se medem por essa bitola, mas sim pela validade
ou invalidade (H). Mas mesmo quando se aceite que
uma contradição de normas deva, efectivamente, ser
tratada como urna violação às leis da lógica, não se
segue daí que também sejam razões lógicas que
conduzam à solução do problema que aqui interessa,
designadamente à aceitação de uma lacuna de coli-
são. Pois tal como da contradição de duas afirmações
só se pode concluir que uma delas deve ser falsa

(H) Quanto à problemática, cf. por exemplo, KELSEN,


Reine Rechtslehre, p. 76 s. e ARSP 52 (1966), p. 545 ss. (548);
PHILIPPS, ARSP 52 (]9S6), p. 195 ss. -A tentativa de SCHREI-
BER, ob. cit., p. 63 ss., de encontrar um conceito superior
comum é totalmente errada. Pois quando ele escolhe «válido»
como tal, isso traduz de novo uma facilmente detectável troca
de conceitos: válido tanto pode ser utilizado como sinónimo
de verdadeiro («uma afirmação válida») como sinónimo de
vigente («uma prescrição válida»), tendo, no entanto, em
ambos os casos, um significado totalmente diferente e sendo,
por isso, um conceito comum impraticável. ScHREIBER reconduz
depois a transformação ilimitada de regras lógicas às regras
jurídicas e, finalmente, a sua própria teoria para o absurdo
quando ele afirma do conteúdo de uma norma jurídica exis-
tente: «É legal: os autores de dissertações sobre a lógica do
Direito são relegados ou não relegados» (cf. p. 65 s.) e não
considera esta proposição jurídica, que confere escárnio a
qualquer conceito de validade, como a pura falta de sentido,
que ela é, mas apenas como exemplo de uns «certos rigores
que proposições jurídicas lógicas comportam» (p. 66). Só se
pode ver, nestas considerações, uma auto-crítica - aliás muito
infeliz.
222

assim só se pode, em termos puramente lógicos,


concluir da contradição de duas normas que uma
de elas deve ser inválida; trata-se, no entanto, de
explicar porque razão não são ambas inválidas - pois
é através desta aceitação que a contradição de nor-
mas deve ser eliminada - não ·se deixando, assim,
resolver a problemática, de modo algum, com recurso
à lógica.
Só nos aproximamos da efectiva fundamentação
da aceitação de uma lacuna de colisão quando per-
guntemos quais de ambas as normas devem ser, res-
pectivamente, válida ou inválida, e, ao mesmo tempo,
se deixe claro que uma resposta juridicamente expli-
cável não é aqui possível porque, por força da par-
ticular problemática da insolúvel contradição de
normas, faltam os correspondentes critérios de vali-
dade (4õ). Nada mais ficaria, aliás do que a mera
decisão por qualquer de uma ou de outra norma. Mas
isso seria puro arbítrio equivalendo a uma solução
que, por natureza não seria jurídica. Em última aná-
lise surge a proibição de arbítrio que conduz à acei-

( 4 ã) Quando seja possível fundamentar a primazia de


qualquer de ambas as normas, não há nem uma insolúvel
contradição de normas, nem uma lacuna de colisão. Uma tal fun-
damentação pode não só resultar das regras sobre a lex specialis
mas também de outros pontos de vista, como, por exemplo, de
que uma de ambas as normas contraria o sistema interno, a
natureza das coisas, a ideia de Direito ou os valores morais
reconhecidos na comunidade de Direito, enquanto a outra
esteja em consonância com esses critérios; então vale apenas
a última e não existe uma lacuna de colisão.
223

tação de invalidade de ambas as normas (1°). Esse


critério assume no entanto, também nas contradições
de valores, um papel decisivo, pois elas representam
violações do princípio da igualdade, estreitamente
ligado à proibição de arbítrio e assim se impõe de
facto a conclusão de que também na contradição de
valores se pode ser auxiliado pela aceitação de uma
lacuna de colisão.
Não deve, a tal propósito, esquecer-se no entanto
uma diferença essencial para com as contradições de
normas: enquanto nestas o juiz, deve, em qualquer
caso, negar obediência a pelo menos uma norma, pode
ele, naquelas, seguir ambas as normas; enquanto no pri-
meiro caso o juiz não tem pois qualquer possibilidade
de justificar o atentado à proibição de arbítrio com a
sua vinculação à lei, pode ele, no segundo, apelar à
autoridade do legislador, a cuja determinação respeita
a violação do princípio da igualdade e cuja vontade
ele não pode desconsiderar. Nesta diferença deveria,
por fim fundamentar-se a ideia de que as contradições
de valores são mais comportáveis do que as contra-
dições de normas. Sendo-lhe atribuído tal significado,
efectivamente decisivo, levanta-se de imediato a objec-
ção de que um tratamento diverso entre as contradi-
ções de normas e as de valores e a preterição aí

Que exista, através disso, uma lacuna de colisão,


. (- 16 ).

só se deixa aceitar quando se aceite a proibição de denegar


justiça; pois só esta bloqueia a saída existente de considerar
insolúvel a questão jurídica, por força da contradição; cf.
CANAIUS, ob. cit., p. 65 ss.
224

expressa do princípio da igualdade a favor da lealdade


à lei deveriam ser rejeitados como um resquício posi-
tivista. Esse aspecto pode, contudo, por agora Cuª)
ficar em aberto; pois também do ponto de vista de
um positivismo extremo, não fica o juiz, de modo
algum, submetido sem excepção a normas intra-cons-
titucionais, antes podendo negar-lhes obediência com
a fundamentação de que elas são inconstitucionais.
Porque as contradições de valores são violações do
princípio da igualdade, surge, precisamente, uma afe-
rição pela bitola do art. 3 I GG. A problemática tor-
na-se assim uma problematização constitucional.

b) A solução com auxílio do princípio constitucional


da igualdade

Resulta imediatamente do art. 1 III GG que o


art. 3 I GG obriga também o legislador. É também
indubitável que ele vale para todos os domínios jurí-
dicos e em especial também para o conjunto do Direito
privado (47 ) , pois a legislação é sempre o exercício
de um poder soberano e, por isso, não se trata da
problemática da «eficácia externa» dos direitos f un-
damentais. Por consequência, as contradições de valo-
rações não devem ser tratadas de modo diferente do
das restantes violações à regra da igualdade da Cons-

(4ºª)Cf., purém, infra, nota 58a.


Cf., por exemplo, BVerfGE 11, 277 (280 s.); 14, 263
( 47 )

(285); 18, 121 (124 ss.).


225

tituição, tanto mais que ela não está apenas assente


no art. 3 I mas antes «para além disso vale em todos
os domínios como princípio constitucional autónomo
não escrito ... » {4 8 ) . Com este pano de fundo ganha
o pensamento sistemático um novo aspecto do mais
alto significado prático: as normas contrárias ao sis-
tema podem, por causa da contradição de valores
nelas incluída, atentar contra o princípio constitucio-
nal da igualdade e, por isso, serem nulas. De facto,
o Tribunal Constitucional manifestou-se, também,
diversas vezes neste sentido e, por exemplo, consi-
derou nula uma norma com a fundamentação de que
o legislador· «se afastou do seu próprio princípio»,
sem que «houvesse razões bastantes e materialmente
figuráveis para esta contrariedade ao sistema» (49 ) .
Noutro local disse-se que embora o legislador fosse,
na verdade, livre «de se afastar de um certo círculo
jurídico de regras fundamentais que ele próprio colo-
cara» poderia um tal afastamento «ser um indício de
arbítrio, ... , quando com isso o sistema da lei fosse
abandonado sem razões materiais suficientes» (50 ) e,
em lugar diferente, de novo afirmou o Tribunal Cons-.
titucional que uma violação contra o art. 3 GG pode-
ria residir numa «regulação de tipo novo que caísse
fora do sistema, negando o sentido e o escopo da lei
até então existente» (5 1 ).

( 4S) Cf. BVerfGE 6, 84 (91).


(" 9 ) BVerfGE 13, 31 (38).
( 50 ) BVerfGE 18, 315 (334).
( 51 ) BVerfGE 7, 129 (153); 12, 264 (273).
226

Não quer isto dizer que cada norma contrária ao·


sistema deva, sem mais, ser nula. O Tribunal Consti-
tucional fala apenas num indício de uma violação do
artigo 3 e introduz, diversas vezes e cautelosamente
o termo «talvez» (5 2) , - por onde se pode reconhecer
que lhe subjaz uma outra ideia mais extensa de con-
ceito de sistema do que o que aqui representado e,
possivelmente não pensa apenas no sistema «interno».
Mas sobretudo, é de enfocar que, segundo a juris-
prudência constante do Tribunal Constitucional, o
artigo 3 I se deve entender no sentido de uma proibi-
ção de arbítrio: «o princípio da igualdade é violado
quando não se possa apontar um fundamento razoá-
vel, resultante da natureza das coisas ou material-
mente informado para a diferenciação legal ou para
o tratamento igualitário, ou, mais simplesmente,
quando a disposição possa ser carac.terizada como
arbitrária {5 3 ) ». Deparam-se, de facto, contradições de
valores e, em consequência, quebras no sistema em
todas as regras que «não permitam encontrar... um
razoável... fundamento para a diferenciação», pois
elas, por definição, não se reportam a afastamentos
justificados dos valores da lei; no entanto, não resulta
daí necessariamente sempre uma violação contra a
proibição de arbítrio. Apesar de uma contradição de
valores, taí pode ser negado por razões diversas.

( 52 ) Cf., por exemplo, BVerfGE 9, 20 (28); 12, 264 (273);


18, 315 (334).
e5::) BVerfGE 1, 14 (52).
227

É, em primeiro lugar, imaginável que não seja de


negar uma certa desarmonia de valoração, mas que
esta não haja, contudo, alcançado o grau necessário
para afirmar um efectivo arbítrio, e que, portanto, a
«não substancialidade da regulação aprontada» não
seja «evidente» C4 ) , (5 5 ) . Assim, deve-se pensar que o
legislador, para além do objectivo de uma regulação
materialmente justa, harmónica na totalidade da
ordem jurídica, ainda tenha de prosseguir outros
escapas e que, por isso, nem toda a contradição deva
traduzir a violação da proibição de arbítrio. Antes
de mais, deve-se aqui pensar no valor da segurança
jurídica. Esta pode, por exemplo, justificar uma proi-
bição de analogia (5 6 ) e com isso opôr-se à eliminação
de contradições de valores; recorde-se apenas o
exemplo acima discutido da não punibilidade da sim-
ples tentativa de ofensas corporais. Não pode, em tal
caso, falar-se de arbítrio, porque a segurança jurídica
p~oíbe aqui a igualização a casos em si similares, mas
não expressamente referenciados. Mas também se
suscitam outros escopos. Por exemplo, pense-se em
que o legislador, para a obtenção de uma unifica-
ção jurídica internacional - por exemplo, dentro da
CEE - adapta e sanciona legislativamente em deter-

CH) Esta formulação corresponde à jurisprudência cons-


tante do Tribunal Constitucional; cf. por exemplo BVerfGE 18,
121 (124), com indicações extensas.
( 5 !i) Cf. também o exemplo do § 25 I 1 HGB infra, II 1 a. E.
("ll) Cf., quanto a isso, ainda CANARIS, ob. cit., p. 183 ss.
228

minados âmbitos, regulações que conduzem a que-


bras com princípios fundamentais constitutivos do
nosso Direito, mas que por outro lado, não se pode
decidir a revogar de uma maneira geral os princípios
aprovados e introduzidos na consciência jurídica e
modificar todas as prescrições comparáveis, em cor-
respondência com os valores constitutivos da nova
regulação. Também então, apesar da quebra do sis-
tema, não se pode falar de uma violação contra a
proibição de arbítrio. Finalmente o facto de a ordem
jurídica ter surgido em diversos tempos pode também
conduzir a quebras de sistema não elimináveis atra-
vés da interpretação e da interpretação criativa do
Direito, sem que, por isso, deva sem mais haver
«arbítrio». Na verdade, não se pode reconhecer a mera
referência a um «crescimento histórico» de uma regu-
lação como justificação satisfatória para uma con-
tradição de valores; pode no entanto haver um fun-
damento material para que o legislador não nivele
imediatamente a parte antiga pela nova. Ele pode,
por exemplo, residir em que «o tempo ainda não
amadureceu», para a nova regulação de outras áreas
jurídicas (que podem pressupor ainda, em certos
casos, uma quantidade de outros problemas!), ou
muito simplesmente, por força da dificuldade do pro-
cesso legislativo, que ainda precise de um certo
tempo (á 7 ) . Assim, por exemplo, não se deveria en-

(57) A problemática poderia aqui transferir-se para a da


«omissão legislativa».
229

tão - mas hoje já ("i;) - considerar como nulos os


preceitos da lei sobre sociedades de responsabilidade
limitada que não se harmon1zavam valorativamente
com as disposições comparáveis da nova lei das socie-
dades anónimas, em vista da planeada reforma do
Direito das sociedades de responsabilidade limitada,
por não se «poder encontrar um' fundamento para a
diferenciação».
Há assim casos nos quais uma quebra no sistema
não representa uma violação da proibição de arbítrio.
Não se duvide da vinculabilidade da norma contrária
ao sistema, pois também o fundamento de nulidade
primeiro discutido, a aceitação de uma lacuna de coli-
são, se reporta à prnibição de arbítrio e dela
resulta ("ªª). Mas em regra haverá, na quebra do sis-

( 5 ª) Num certo momento, poderia de novo depender da


tomada de posição quanto ao problema da omissão legislativa;
não se duvida de que do princípio da igualdade se pode retirar
uma determinação constitucional de eliminação de contradi-
ções de valores.
('·~ª) Seria por certo imaginável em si colocar na base um
outro conceito de arbítrio do que o do art. 3 GG e concluir
assim pela nulidade dos preceitos contraditórios. Isso levaria
no entanto o juiz a poder recusar obediência a uma norma
que não atentasse contra a Constituição o que parece conci-
liável com a sua adstrição constitucional à lei e com o princípio
da divisão de poderes, quando muito naqueles casos extremos
de «injustiça legislativa», expressos pela conhecida «fórmula
de RADBRUCH»: o reconhecimento de um semelhante caso
extremo não é, evidentemente, possível perante contradições
de valores ligeiras, antes pressupondo «arbítrio evidente» ou em
semelhante critério «extremo», de tal modo que se chega assim
ao mesmo resultado do artigo 3 GG. Aliás trata-se aqui, par-
230

tema, uma violação do princ1p10 constitucional da


igualdade, no qual se deve ainda recordar que são
apenas visadas autênticas quebras do sistema e não
as meras modificações do sistema, portanto apenas
casos nos quais, efectivamente, exista uma contradi-
ção de valores e não apenas uma diferenciação de
valores - ainda que porventura pouco convincente
do ponto de vista jurídico-político, mas ainda admis-
sível. Como exemplo, pode ainda uma vez, remeter-se
para a problemática, acima (5º) discutida, da falta,
nalgumas previsões determinadas da responsabilidade
pelo risco, do montante máximo. No § 833/1 BGB
não se deve ver uma quebra no sistema mas apenas
uma modificação, porque os danos tipicamente cau-
sados por animais não são tão altos que ameacem o
perigo de imputações de danos ruinosas e que o risco
não possa ser calculado totalmente, segundo técnicas
dos seguros, sem um limite máximo geral; e também
por essa razão, mesmo quando se queira aceitar uma
verdadeira quebra do sistema, não há aí uma evidente
contrariedade material, de tal modo que não é alcan-
çado o grau necessário de diferença valorativa injus-
tificada, em proporção bastante para a aplicação do
art. 3 I GG. Diferentemente sucede, no entanto, no

ticularmente a propósito da questão da desobediência legítima


perante normas inconstitucionais, de um âmbito problemático
próprio e altamente complexo, que não pode ser discutido no
domínio deste trabalho.
(~!>) Cf., p. 120 s.
231

caso do § 22 WHG (*). Aqui poderiam ocorrer danos


de montante verdadeiramente inimaginável, de tal
modo que se pode afirmar o perigo da ruína econó-
mica do obrigado a indemnizar, colocando-se de facto
em causa a possibilidade de uma cobertura integral
do risco, através de um seguro. A falta de um mon-
tante máximo não se justifica, assim, em comparação
com as outra_s previsões da responsabilidade pelo risco
e atenta por isso contra o artigo 3/I GG (Gº). Pelo
menos constitucionalmente, muito problemática deve
também ser considerada a contradição acima citada
entre o§ 28/II e os§§ 130/II e 173/II HGB(G 1 ) -
como em geral toda a regulação da responsabilidade
por débitos antigos pela aquisição de um estabeleci-
mento comercial ou pelo ingresso nele ou numa
sociedade comercial é valorativamente contraditório e

(Gº) Se por isso o § 22 WHG é nulo ou se, do artigo 3 GG,


apenas deriva uma incumbência constitucional de uma corres-
pondente complementação do regime (cujo desrespeito deve
ser tratado segundo as regras sobre a omissão legislativa) é
uma questão geral de Direito constitucional relativa à presente
problemática; como conclusão poderia aqui ser dada a primazia
à segunda alternativa.
(G 1) Se há, efectivamente, ou não um desrespeito pela
Constituição não tem de ser aqui definitivamente decidido.
Isso depende de a contradição de regras atingir uma tal dimen-
são que a injustiça se torne «evidente» e se, portanto, não se
obtiver nenhum ponto de vista admissível que ampare a dife-
rença; a problemática não é, por último, nem do tipo consti-
tucional nem metodológico, mas sim comercial.
e) Nota do tradutor: WHG corresponde à sigla do
Wasserhaushaltsgesetz de 10 de Outubro de 1976, ou seja, a
lei relativa ao fornecimento de água.
232

totalmente inconsequente: segundo os § § 25 e 27 HGB


verifica-se a manutenção da firma, segundo os §§ 26,
130 e 173, pelo contrário, não; pelos § 25/II e § 28/11
a responsabilidade é dispositiva, segundo os § § 130/ll
e 173/II, injuntiva, etc.; não se reconhece, de facto
uma ratio legis clara das determinações (G 2) ! É por
isso muito questionável se o conjunto da regulação
da responsabilidade por débitos antigos - pelo menos
na medida em que ela dispõe não apenas uma res-
ponsabilidade com o património adquirido ou comum,
respectivamente, mas também com o património pes-
soal - se pode manter perante a proibição constitu-
cional do arbítrio (G 1). Mas com isso deveriam consi-
derar-se todas as disposições corno nulas- (em qual-
quer caso nas suas partes contraditórias) (G:1) e não
apenas uma disposição singular, pois não é evidente
qual das normas é mais justa material ou sistematica-
mente ou qual é «mais razoável», - enquanto noutros
casos pode permanecer uma de entre as várias nor-
mas contraditórias entre si (G 1).

(G 2) Cf. quanto à crítica do § 25 HGB, PJSKO, Ehrenbergs


Handbuch des gesamten Handelsrechts, vol. II, 1914, p. 243 s.,
245 s. e 255; para a crítica do ~ 28 HGB, Fischer, anotação a
BHG LM Nr. 3 ao § 28 HGB.
(ü 3 ) Se o «resto» pode ainda ser considerado como válido
e se, sendo o caso, surge uma lacuna a integrar pelo juiz é
um outro problema que não compete a este círculo e que,
em geral, se coloca nas normas parcialmente inconstitucionais;
cf., a tal propósito, também KNITTEL, JZ 67, p. 79 ss.
(" 4 ) Vale o mesmo que acima foi dito a propósito das
lacunas de ocasião (cf. nota 45). Assim, a propósito do exem-
233

5. O significado das quebras sistemáticas que se


mantenham para as possibilidades do pensamento
sistemático e da formação do sistema na Ciência
do Direito

Com isso, tudo aponta para que o pensamento


sistemático permaneça confrontando basicamente com
a possibilidade de quebras sistemáticas, e que estas,
no entanto, sejam de significado prático menor do que
geralmente se aceita. Às possibilidades da interpre-
tação e da interpretação criativa conformes com o
sistema (65 ) respeita, como saída mais lata, a aceita-

pio tratado no texto do § 22 WHG, as prescrições sobre a


quantia máxima nas restantes previsões de responsabilidade
pelo risco - conformes com o sistema e de acordo com os
princípios! - não se devem, naturalmente, considerar nulas,
para evitar a contradição de valores; antes se deve comple-
mentar o § 22 UWG através de uma regulação correspondente.
('; 5 ) Esta poderia ser como um subcaso da interpretação
e da interpretação criativa conformes com a Constituição,
desde que se veja o problema das quebras do sistema sob o
prisma, aqui representado, da proibição constitucional do arbí-
trio. Contudo, a interpretação e a interpretação criativa siste-
mática não se esgotam na eliminação de contradições que
tenham atingido uma tal dimensão que se ponha o problema
de uma violação do artigo 3/I GG. Na verdade, poderia inver-
samente a interpretação conforme com a Constituição (mesmo
quando não processada perante o artigo 3) ser um subcaso da
interpretação a partir do sistema (interno!) pois ela vê as
normas singulares perante o pano de fundo da totalidade da
ordem jurídica e poderi~ encontrar a sua legitimação última
no princípio da unidade e da ausência de contradições do
Direito.
23-1

ção da inconstitucionalidade e com isso da nulidade


de normas contrárias ao sistema. Estas podem, na
verdade, manter-se, em certas circunstâncias, perante
a Constituição, mas os exemplos acima introduzidos
a tal propósito deveriam ter tornado claro como são
pouco numerosos semelhantes casos, nos quais exista
uma verdadeira quebra do sistema, mas nenhuma vio-
lação contra a proibição de arbítrio. Que elas sejam
imagináveis é, de facto «perturbador» para a «uni-
dade» do sistema, mas não o impossibilita. Pois
enquanto um sistema lógico-axiomático logo se torna
inutilizável perante uma única contradição entre os
seus axiomas, porque toda a proposição é derivável
dele (60 ) , a contradição deixa-se «isolam no sistema
axiológico ou teleológico: a. formação do sistema é,
na verdade, impossível nesse ponto - e, consequente-
mente, também a obtenção do Direito a partir do
sistema - mas todos os restantes domínios não são,
pelo contrário, perturbados por isso (G 7). Ainda quando
uma formação plena do sistema permaneça inalcan-

( 66 ) Cf., por exemplo, LEINFELLNER, Struktur und .4.ufbau


wissenschaftlicher Theorien, 1965, p. 208; BocHENSKI, Die
zeitgenossischen Denkmethoden, p. 80; POPPER, Logik der
Forschung, p. 59.
(G 7) Daqui parte a crítica de SCHREIBER, Die Geltung von
Rechtsnormen, p. 199, a LARENZ, Festschrift für Nikisch, p. 301,
e mostra apenas como ScHREIBER captou pouco as especialida-
des do pensamento jurídico, i. é, predominantemente teleoló-
gico (cf., quanto a ;::;so, também as notas 30 e 44); o que vale
para um sistema lógico ou para uma proposição lógica não
é por isso necessano para um sistema teleológico e para
princípios gerais do Direito, cujas regras próprias, pelo con·
235

çável, essa discrepância entre o ideal de um sistema


e a sua realização não implica nada de decisivo con-
tra o significado do sistema para a Ciência do Direito.
Pelo contrário, resultou, no decurso dos presentes
estudos, um aspecto no qual a formação do sistema
é de relevância prática: através da possibilidade de
nulidade das normas contrárias ao sistema.

li - NORMAS ESTRANHAS AO SISTEMA

1. Normas estranhas ao sistema como violação do


princípio da unidade da ordem jurídica

A problemática das normas estranhas ao sistema


está estreitamente aparentada à das quebras do sis-
tema. Mas enquanto nestas e, em especial, nas nor-

trário, deve transmitir com fidelidade (cf., quanto a isso, tam-


bém supra, § 2, nota 124). Além disso, ScHREIBER teria final-
mente reconhecido, através de uma simples leitura que LARENZ,
como os exemplos claramente mostram, segundo a matéria,
não teve em vista, apesar das suas formulações admissivel-
mente mal entendidas, contradições autênticas (e isso até nem
em nome da lógica), mas apenas meras oposições de princípios
e fenómenos semelhantes (cf. mais desenvolvidamente supra,
notas 7 e 11). que deixam totalmente intocada a própria
posição de ·ScHREIBER, da possibilidade de derivações plenas.
De resto, afasta-se efectivamente do próprio uma proposição
como «Os vectores e princípios do Direito histórico global são
impróprios, por razões lógicas, para mostrar ao juiz que nor-
mas devem subjazer no domínio da criação jurídica da solução
de um conflito de interesses» (cf. ScHREIBER, ob. cit., p. 198 s.).
236

mas contrárias ao sistema, é violada a regra da ade-


quação valorativa, existe, naquela, uma inobservân-
cia do postulado da unidade interior: trata-se de propo-
sições jurídicas que não estão numa contradição de
valor com outras determinações ou com os princípios
fundamentais da ordem jurídica, mas que, por outro
lado, também não se deixam reconduzir aos princípios
jurídicos gerais, permanecendo, por isso, valorativa-
mente isoladas dentro da ordem jurídica global; elas
também não formam simplesmente uma modificação
no sistema, porque (e na medida em que) a sua ratio
não possui convivência suficiente para poder valer
como enriquecimento consequente dos valores funda-
mentais do âmbito jurídico em causa.
Um exemplo retirado do Direito privado poderia
advir do § 25 HGB. À primeira vista, poderia de facto
parecer que ele seria ou (tal como, por exemplo, o
§ 419 BGB) uma emanação do princípio da indissocia-
bilidade do activo e do passivo ou um subcaso da
responsabilidade pela aparência jurídica (Gª); mas am-
bas as hipóteses não subsistem a um exame mais
profundo; não subsiste a primeira porque ela não
poderia depender da manutenção da firma, porque a
responsabilidade deveria ser limitada ao património
recebido e porque a determinação também não deve-
ria ser dispositiva; não subsiste a segunda uma vez

(GB) Nesse sentido, toda a doutrina dominante; cf. por


exemplo, RGZ 149, 25 (28); 169, 133 (138); BGHZ 18, 248
(250); 22, 1 (3); A. HUECK, ZHR 108, p. 8; SCHLEGELBERGER/
HILDEBRANDT, 4." ed., 1960, § 25, nota 2 e 6, entre outros.
237

que a boa fé do antigo credor não desempenha qual-


quer papel, porque não é, da sua parte, requerida
uma «disposição» e também porque não existe
nenhuma previsão objectiva de aparência (ª 9 ) . Na
opinião do autor da lei, o sentido do § 25 I 1 HGB
não reside num desses dois princípios do Direito, mas
antes em que se quis «corresponder» à experiência
do tráfego, segundo a qual «o respectivo proprietário
da firma é considerado como titular e obrigado» (7°).
Protege-se, pois, a confiança numa falsa aquisição do
direito (e com isso ainda independentemente de o
antigo credor ter in concreto as representações jurí-
dicas inteiramente acertadas!) Uma tal ratio legis tra-
duz, na nossa ordem jurídica, uma singularidade par-
ticular e não tem, em si, o mínimo poder convincente.
O § 25 HGB não se pode, pois, de modo algum, orde-
nar sistematicamente.

2. Interpretação e validade de normas estranhas ao


sistema

Com referência ao manuseamento prático destas


normas estranhas ao sistema vale, de modo inteira-

(ª 9 )Cf. mais desenvolvidamente, CANARIS, Die Ver-


trauenskaftung im deutschen Privatrecht, 1971, p. 184 s.
( 70 ) Cf. Entwurf eines Handelsgesetzbuchs mit Ausschl.uss
des Seehandelsrechts nebst Denkschrift, edição oficial, Berlim,
1896, p. 38.
238

mente semelhante, o que se viu a propósito dos pre-


ceitos contrários ao sistema. Em especial afastam-se,
evidentemente, as possibilidades da interpretação e
de complementação sistemáticas de lacunas e isso
conduz com frequência - como aliás no caso do
§ 25 HGB ('1 ) - a que uma interpretação cabal não
seja,. de todo, possível. Mas em qualquer caso ter-se-á
de restringir tais «corpos estranhos» ao mais curto
espaço possível dentro da ordem jurídica, de tal modo
que se possa apresentar como máxima interpretativa
fundamental uma regra de interpretação restritiva ou,
pelo menos, uma proibição de interpretação extensiva . .
De resto, levanta-se também aqui a problemática da
validade e de novo ela deve ser resolvida segundo o
artigo 5 GG: também os preceitos estranhos ao sis-
tema devem ser medidos pela proibição de arbítrio.
Aí o § 25 HGB oferece um bom exemplo de que nem
toda a perturbação do sistema deve conduzir à uni-
.dade da norma correspondente; pois se a ratio posta
pelo legislador sob o § 25 HGB é tudo menos con-
vincente, ela não é tão desconexa que se deva carac-
terizar o preceito como evidentemente contraditório
e, por isso, arbitrário e~).

Cf. nota 69 e FISCHER, anotação a BGH LM n.º 3


(' 1 )

ao 28 HGB.
§
r
2) Se ele, por força de contradição de valores com
outros preceitos (cf. supra, p. 129) é nulo, deve ser separado
da questão da arbitrariedade da sua ratio - que respeita ape-
nas a si.
239

Ili - LACUNAS NO SISTEMA

1. Lacunas no sistema como lacunas de valores

Os perigos das «lacunas no sistema» ameaçam a


sua formação em termos bem mais pesados do que
as quebras no sistema, relativamente remediáveis e
do que as também pouco frequentes normas estranhas
ao sistema. Relativas, como quaisquer outras, à con-
traditoriedade ou à singularidade de determinados
valores legais, elas exprimem-nas na sua total falta.
Porque, ex definitione, o sistema apenas representa
a forma exterior da unidade valorativa do Direito,
toda a formação do sistema indicia algo por, em geral,
haver valores; as lacunas de valores implicam por
isso, como consequência, sempre lacunas no sistema.
Não se duvide de que semelhantes lacunas de valores
possam ocorrer, pois não só não há nenhuma «com-
pleitude lógica» do Direito, como, também, não existe
nenhuma «compleitude teleológica» (7 3 ) . Só isso já
demonstra a existência de tais lacunas na lei, para
cuja integração o Direito positivo coloca, à disposição,
valores suficientes; pense-se apenas num exemplo tão
clássico como a falta de uma regulação do estatuto
das obrigações no EGBGB alemão. Provam-no tam-
bém as numerosas normas «carecidas de preenchi-

(7 3 ) Cf. ainda CANARIS, Die Feststellung von Lücken,


cit. p. 173.
240

menta com valores» c·1) , que nem sempre se deixam


concretizar inteiramente com auxílio das valorações
do Direito vigente e que, muitas vezes, se dissociam,
de um caso singular para o outro, em determinações
valorativas independentes. Deve-se, a tal propósito,
ser claro em que a presença de tais lacunas legisla-
tivas de valores nem sempre se devem julgar negati-
vamente. Na verdade, as lacunas da lei primeiro refe-
ridas são uma falha pesada; também muitas nonnas
em branco nada mais representam do que uma desa-
gradável solução de embaraço; mas por outro lado
as cláusulas gerais «carecidas de concretização» têm
frequentemente uma função totalmente legítima e
opõem-se a· uma generalização demasiado rígida,
facultando a penetração da «equidade» no sentido da
justiça do caso concreto ('"). Nesta posição torna-se
portanto notável que à formação do sistema, como
já foi salientado (7°), não só se oponha a origem his-
tórica do Direito e a limitação das possibilidades
humanas linguísticas e de conhecimento mas tam-
bém - como limites de certo modo imanentes - a
«tendência individualizadora» da justiça.

(' 4 )Estas são separadas, pela doutrina dominante na


Alemanha, das lacunas da lei, mesmo nos casos em que con-
têm lacunas de valoração; cf. pormenorizadamente, CANARIS,
ob. cit., p. 26 ss., com indicações desenvolvidas.
('G) Cf. também supra § 4 IV 3, p. 85 e infra, § 7 II 2.
('G) Cf. p. 112.
241

2. Lacunas no sistema como erupções de modos de


pensar não-sistemáticos

No que toca ao tratamento metodológico de seme-


lhantes lacunas de valores, negam-se aqui as possibi-
lidades do pensamento sistemâtico; pois este, pela sua
estrutura, está ligado a um trabalho com auxílio do
princípio da igualdade e só pode, em consequência
desse carácter <<formal», (pelo menos em parte) «pen-
sar até ao fim» valores já existentes, mas nunca
alcançar valores inteiramente novos. Na verdade, as
partes questionáveis da ordem jurídica não devem
permanecer para sempre fora do sistema, mas antes
. se podem tornar, depois de serem suficientemente
concretizadas e determinadas para uma sistematiza-
ção e uma incorporação, acessível ao sistema (7·);
no entanto, isto apenas é possível em parte, no melhor
dos casos e, sobretudo, nem sempre é desejável; pelo
menos naquelas lacunas de valoração que respeitam
à erupção da «tendência individualizadora» da justiça,
uma determinação sistemática sem sobras seria con-
trária à função. Abre-se, assim, um campo legítimo
para uma forma de pensamento não sistematizada.
Como tal refira-se, em primeiro lugar, a «tópica»
cujo significado para a Ciência do Direito vai ser ave-
riguado no parágrafo seguinte.

(77) Cf. infra, § II 3.


§ 7. 0 PENSAMENTO SISTEMATICO E TôPICA

No seu escrito «Topik und Jurisprudenz» (1),


THEODOR VIEHWEG apresentou a tese de que a estru·
tura da Ciência do Direito não poderia ser captada
com o auxílio do pensamento sistemático (1ª), mas

( 1) 1953, 3.º ed., 1965; cf. também Stud. Gen. 11 (1958),


p. 334 ss. (338 s.). De entre as inúmeras recensões cf., princi-
palmente, SCHILLING, Philos. Literaturanzeiger VIII, p. 27 ss.;
COING, ARSP 41 (1954/55), p. 436 ss.; WÜRTENBERGER, AcP 153,
p. 560 ss.; WESENBERG, JZ 1955, p. 462; ENGISCH, ZStrW 69,
p. 596 ss.
( 1 ª) Recentemente, VIEHWEG reage contra a interpretação
de que a sua posição se dirige contra qualquer tipo de pensa-
mento sistemático na Ciência do Direito e limita a sua crítica
expressamente à utilização de um «sistema dedutivo»; cf.
Systemprobleme in Rechtsdogmatik und Rechtsforschung, em:
System und Klassifikation in Wissenschaft und Dokumentation,
1968, p. 96 ss. (p. 102, a nota 13). Por consequência, ele não
vê entre o pensamento tópico e o sistemático nenhuma oposição
fundamental, antes juntando ambos, expressamente até, num
«sistema tópico»; cf. ob. cit., p. 104. Isso é, no entanto, uma
contradição em si; pois um processo que seja «parco em
conexões» (cf. VrEHWEG, Topik cit., p. 23), que apenas «pre-
tenda dar indicações» (cf. VIEHWEG, Topik cit., p. 15) e que
esteja orientado essencialmente ao problema singular o mais
244

apenas com base na doutrina da tópica. A discussão


em torno desta afirmação não mais amainou desde
então; também o presente trabalho deve a sua exis-
tência, não por último, aos estímulos provocatórios
que as ideias de VIEHWEG em si incluem para cada
seguidor do pensamento sistemático. O reconheci-
mento (2) como a vivacidade de oposição C) que

estreitamente formulado que possível, logo ao caso singular


(cf. quanto a isso infra, nota 67) nunca prossegue a ideia da
unidade e da ordem interior, não servindo, por isso, os pos-
tulados básicos do conceito de sistema; assim VIEHWEG não
anda em torno daqueles poucos princípios gerais que consti-
tuem a unidade de uma disciplina, mas antes pelo contrário,
de multiplicidade de pontos de vista mais ou menos precisos
(cf. a descrição de «topos» em VIEHWEG, Topik cit., p. 10 e 18).
Quando ele fala agora num «sistema tópico» não só ele nada
traz para o esclarecimento da problemática, como pelo con-
trário retira ao conceito já fortemente confuso do «topos» os
seus últimos contornos.
(2) Cf., p .. ex., COING, ob. cit.; WÜRTENBERGER, ob. cit.;
EssER, Grundsatz und Norm, pp. 6 s., 44 ss. e 218 ss.; BÃUMLIN,
Staat, Recht und Geschichte, 1961, p. 27 ss.; ARNDT, NJW 63,
p. 1277 s.; PETER SCHNEIDER, VVdDStRL 20, p. 35 ss.; EHMKE,.
VVdDStRL 20, p. 53 ss.; WIEACKER, Privatrechtsgeschichte der
Neuzeit, 2." ed., 1967, p. 596 s., nota 48; EGON SCHNEIDER,
MDR 67, p. 6 ss. (8 ss.); N. HORN, NJW 67, p. 601 ss.
(3) Cf., p. ex., FLUME, Steuerbernter-Jahrbuch 1964/65,
p. 67, Allg. Teil des Bürg. Rechts, 2. 0 vol., 1965, p. 296, nota 9
e Richter und Recht, conferência perante o 46. Deutschen
Juristentag, 2.º vai., Teil K, 1967, p. 34, nota 85; DIEDERICHSEN,
NJW 1966, p. 697 ss.; fundamentalmente crítico, ainda que
pouco duro no tom, também p. ex. ENGISCH, ob. cit.;
WESENBERG, ob. cit.; ENN./NIPPERDEY, Allg. Teil des Bürg.
Rechts, 15." ed., 1959, § 23 II e § 58, nota 35; LARENZ,
Methodenlehre,,.p:: 133 ss.
245

elas encontraram deixa, de antemão, presumir que


V1EHWEG, com a sua afirmação central de que a Ciên-
cia do Direito é, pela sua estrutura, tópica, deve ter
tocado num ponto essencial do auto-entendimento jurí-
.dica. Pelo menos essa ideia fundamental merece ser
sempre discutida de novo; contra a sua justeza não
depõem também, de modo decisivo, muitas fraquezas
e obscuridades que têm sido opostas em pontos par-
ticulares, a VIEHWEG pelos seus críticos - na minha
opinião, predominantemente, com razão. Como está,
pois, a «tese da tópica»? A resposta a isso pressupõe
um curto esclarecimento da essência da tópica que
está, no essencial facilitada através das investigações
de DIEDERICHSEN (1)' HORN (5)' KRIELE ( 6 ) e ZIPPE-
LIUS (7).

1- PARA A CARACTER-IZAÇÃO DA TóPICA

1. Tópica e pensamento problemático

Na opinião de VIEHWEG é «o ponto mais impor-


tante na consideração da tópica a determinação

( 4) Topisches und systematisches Denken in der Jurispru-


denz, NJW 1966, p. 697 ss.
( 5) Zur Bedeutung der Topiklehre Theodor Viehwegs für
eine einheitliche Theorie des juristischen Denkens, NJW 1967,
p. 601 ss.
(º) Theorie der Rechtsgewinnung, 1967, p. 114 ss.
(7) Problemjurisprudenz und Topik, NJW 1967, p. 2227 ss.;
cf. também Wertungsprobleme im System der Grundrechte,
1962, p. 79 ss. e Das Wesen des Rechts, 1965, p. 64 ss.
246

daquela técnica do pensamento que se orienta pelo


problema» e, em confonnidade, define sinteticamente
a tópica como «a técnica do pensamento problemá-
tico» (8 ) . Mas com isso pouco se ganhou; pois com
razão diz um partidário do pensamento sistemático e
adversário da tópica tão decidido como FLUME: «Todo
o pensamento jurídico é pensamento problemático e
cada regulação jurídica é-o de um problema» (º),
podendo-se acrescentar: todo o pensamento científico
é em geral pensamento problemático - pois um «pro-
blema» nada mais é do que uma questão cuja res-
posta não é, de antemão, clara (1 º).
VIEHWEG tem por isso de fundamentar um con-
ceito mais estreito do «problema» (11 ) e ele fá-lo, de
facto, para o que se liga à diferença de NICOLAI
HARTMANN entre modo de pensar <<aporético» e «sis-
temático» (1 2 ) . HARTMANN caracterizou-os do modo

( 8) Cf. ob. cit., 15; os itálicos são do original.


(9) Cf. Allg. Teil, cit., p. 296.
( 1 º) De modo semelhante define o próprio VIEHWEG o
<<problema» como «cada questão que, aparentemente, permita
mais do que uma resposta» (cf. ob. cit., p. 16).
( 11 ) Cf., a este propósito e, para a sequência, também
KRIELE, ob. cit., p. 119 SS.
( 12 ) Cf. HARTMANN, Diesseits von Idealismus und Realis-
mus, Kantstudien, vol. XXXIX (1924), 160 ss. Deve salientar-se
que MAX SALOMON já vários anos antes do aparecimento do
trabalho de VIEHWEG não só caracterizou a Ciência do Direito
como «Ciência problemática» mas também se reportou expres-
samente a N. HARTMANN e a ARtSTÓTELES; cf. Grundlegung zur
Rechtsphilosophie, 2.º ed. 1925, p. 54 ss. (58); quanto à cons-
trução de SALOMON, cf. aliás supra, § 2 l 4 a.
247

seguinte: «O modo de pensar sistemático parte do


todo. A concepção é, aqui, o primórdio e mantém-se
dominante. Segundo este ponto de vista aqui não se
procura; antes de mais, inclui-se. E a partir dela são
escolhidos os problemas. Os conteúdos problemáticos
que não coincidem com o ponto de vista são elimina-
dos. Eles surgem como questões falsamente coloca-
das. «... » O modo de pensar aporético processa-se,
em tudo, inversamente. «... » Ele não duvida de que
há sistema e isso talvez seja determinante, latente
no seu próprio pensamento. Por isso ele é certamente
seu, mesmo quando não o saiba (1 3 ) ». Destas propo-
s1çoes resulta sem dúvida claro que N1cOLAI
HARTMANN não aceita uma posição frontal contra o
pensamento sistemático - também o pensamento
aporético parte da existência do sistema! - mas
antes polemiza só contra um certo tipo de pensa-
mento problemático que recusa como problemas apa-
rentes as questões não ordenáveis no sistema. Ele
dirige-se apenas contra uma concepção que vê no
sistema algo de definitivo e não apenas um projecto
provisório, modificável a todo o tempo, portanto con-
tra um sistema «fechado». Este, porém, não é o da
Ciência do Direito nem o de qualquer outra Ciência,
pelo menos enquanto um progresso nos seus conheci-
mentos fundamentais ainda for possível (14 ) ; e assim,
através da identificação de VIEHWEG da tópica com o
pensamento aporético não resultou de modo algum

(D) Cf. ob. cit., p. 163 ss.


( 14 ) Cf. ainda supra, § 3 I e III.
248

uma definição satisfatória da tópica. Pelo contrário:


ela é, na mais alta medida, falaciosa (1 5 ) , pois a
forma de pensar em Ciência, sem objecções conside-
radas não-tópicas, é também «aporética» no sentido
de HARTMANN, porque a recusa de problemas não sus-
ceptíveis de ordenação no sistema (até então exis-
tente) deve ser considerada, em qualquer disciplina,
como pecado contra o espírito da Ciência; por certo
nenhum físico ou nenhum químico iria ignorar um
fenómeno contraditório perante os princípios até
então existentes, mas a ninguém ocorreria ordenar,
por isso, a Física e a Química na tópica. O pensa-
mento aporético não conduz assim, de modo algum,
necessariamente à tópica mas. sim, apenas, à «aber-
tura» do sistema (1u).
A conexão entre pensamento problemático e
tópica torna-se, de todo, duvidosa quando se consi-
deram as consequências que VIEHWEG retira daí para
a «estrutura da Ciência do Direito». Para além da
proposição, que nada diz, de que «a estrutura global
da Ciência do Direito só pode ser determinada pelo
problema», expõe ele duas outras «necessidades»: «os
elementos da Ciência do Direito, os seus conceitos
e as suas proposições têm de permanecer, de modo
específico, ligados ao problema e só podem, por isso,
ser entendidos a partir do problema» e (<Üs problemas
e proposições da jurisprudência só podem, também

(1ó) Falta também em HARTMANN, ob. cit., como ZIPPE·


uus, ob. cit., p. 2227, nota 1, indica, com razão.
( 1 º) Com razão KRIELE, ob. cit., p. 121 s.
-por isso, ser c.onõ.u2iõ.os a uma iml)\ic.açãa à G_ua\ a
problema se mantenha ligado. Qualquer outra é de
evitam (11 ) . lsto é ou falso ou trivial. É falso quando
V1EHWEG queira ligar os <<conceitos e proposições da
Ciência do Direito» ao problema concreto a propó-
sito do qual eles foram descobertos e desenvolvidos
(mais ou menos por acaso): que, por exemplo, o «con-
trato com eficácia protectora de terceiros)>, no início,
tenha encontrado aplicação exclusivamente a con-
tratos de locação não diz, só por si, nada contra a
utilização desta construção também noutros tipos con-
tratuais. Tudo depende antes de saber se o «novo»
problema conflui, materialmente, no essencial, com o
até então resolvido. Quando VIEHWEG, pelo contrário,
com o trecho citado, apenas queira dizer que cada
conceito ou cada proposição jurídicos representem um
determinado problema jurídico e por isso devam
ver-se perante esse pano de fundo, ele merece, sem
dúvida, concordância; mas com isso nada mais se
diz do que cada resposta se relaciona com uma per-
gunta e, por consequência, é determinada por esta,
essencialmente, no seu significado. É sem dúvida útil
colocá-lo sempre diante dos olhos e, por isso, por
exemplo, elaborar sempre, muito exactamente, ó con-
teúdo teleológico dos conceitos ou proposições jurí-
dicos (1 8 ) ; no entanto, não reside aí nada de específico
da tópica e, em especial, nenhuma diferenciação
perante o pensamento sistemático, mas sim uma evi-

(17) Cf. ob. cit., p. 66.


( 18 ) Cf. também supra, § 5 IV L
250

ciência que vale, mutatis mutandis, para cada pensa-


mento científico.
A «orientação pelo problema» não é pois, de modo
patente, o decisivo; para além disso, ela não poderia
traduzir em termos teorético-científicos nenhum cri-
tério de decisão utilizável (1°). Não se nega, natural-
mente, com isso que exista, psicologicamente, uma
oposição entre pensamento problemático e pensa-
mento sistemático, e que portanto o pensamento de
um cientista se inflame mais facilmene perante pro-
blemas concretos, e se interesse com mais força pelas
suas soluções, enquanto o de outro receba os seus
estímulos antes por via do sistema e encontra satis-
fação na construção dele; no entanto, também esta
contraposição não pode ser considerada como um
ideal típico (2º), pois também o pensador de proble-
mas não deixará totalmente fora de atenção o sistema,
sob cujo pano de fundo só, em regra, se pode for-
mular claramente e resolver, por fim, o problema e,
inversamente, o pensador do sistema se deve afastar
plenamente dos estímulos provenientes do problema,
para um enriquecimento e modificação do próprio
sistema. Seja como for, a contraposição entre o pen-
samento problemático e o sistemático não se pode
reduzir a uma diferença puramente psicológica, ina-
dequada, em qualquer caso, para dar um qualquer

(1 Cf. supra, nota 10.


º)
(2 Cf. também DJEDERICHSEN, ob. cit., nota 64 (p. 702)
º)
com referência à diferença de N1coLA1 HARTMANN entre o pen-
samento «sistemático» e o «aporético».
251

esclarecimento sobre a «estrutura da Ciência do


Direito», tal como se trata na discussão sobre a
tópica. Deve-se insistir nisso, expressamente, ou não
pudesse o fascínio que a tópica tantas vezes exerce,
assentar, não por último, no mal-entendido de que só
ela garante o verdadeiro pensamento problemático.
Na verdade, os seguidores da tópica assumem, porém,
para si, com esta afirmação, um serviço que lhes não
compete ou, em qualquer caso, apenas a eles.

2. Tópica e legitimação de premissas através de


i:1ôfJ;a ou de «common sense»

A ligação entre tópica e pensamento problemá-


tico colocada por VIEHWEG em primeiro plano não
pode, assim, dar o esclarecimento decisivo, mas ape-
nas o recurso ao que a «tópica» significou, para além
de uma tradição filosófica milenária. O conceito pro-
vém, como se sabe, de ARISTÓTELES e VIEHWEG acei-
ta-o expressamente (2 1 ) . Mas em ARISTÓTELES, a
tópica reconduz-se às chamadas conclusões «dialéc-
ticas» (Top. I.1.2) (2 2 ) e estas são, por seu turno,
caracterizadas por se alcançarem i~ i:i~~;wv, por-

( 21 ) Cf. ob. cit., p. 6 ss.; quanto à questão de até onde


tem sido ARISTÓTELES mal entendido e deturpado na moderna
discussão tópica cf., desenvolvidamente, KuHN, Zeitschr. für
Po)itik, 1965, p. 101 ss., em especial p. 112 ss.
( 22 ) Segue-se aqui, quanto ao modo de citar, V1EHWEG;
cf. ob. cit., p. 7, nota 8.
252

tanto, «por adequação opinativa», como VIEHWEG tra-


duz e) e muito bem (Top. I.1.4.). Ao contrário das
conclusões «apodícticas» que se podem obter a par-
tir de postulados cuja veracidade é demonstrável, as
conclusões dialécticas operam sobre premissas que
não podem ser estritamente comprovadas, mas apenas
mostradas, apresentadas ou inteligidas. O processo
para a obtenção de semelhantes premissas é a
e
tópica 4 ) , que se caracteriza não por quaisquer par-
ticularidades do processo de decisão por ela utilizado,
mas tão só pelas especialidades das premissas em que
ela se baseia (2:;) ou mais precisamente: através do
modo particular pelo qual se fundamentam essas pre-
missas. 'E:1rlo':,:r. são, designadamente, segundo ARISTÓ-
TELES, as proposições «que parecem verdadeiras a

(i::) Cf. ob. cit., p. 7 com nota 9; cf., nesta sequência,


também a concepção de LERCHE de um «pensamento opinativo»
(DVBI. G1, p. 695 ss.) que ele, no entanto - com razão, con-
trapõe claramente à tópica (cf. p. 67 s.).
(2·1) PERELMAN ocupou-se, de modo abrangente, da pro-
blemática da elaboração das premissas (por oposição à obten-
ção de conclusões a partir delas), reconhecendo com isso um
significado decisivo à «retórica» e à «tópica»; cf., sobretudo,
Rhétorique et Philosophie, 1952, e (em conjunto com L.
ÜLBRECHTS-TYTECA), Traité de l'argumentatiori, 1958, com o
sobretítulo característico «La nouvelle rhétorique» (quanto à
tópica cf., p. 112 ss.); quanto ao aspecto jurídico da problemá-
tica cf., sobretudo, Justice et raison 1963, agora parcialmente
em alemão em : über die Gerechtigkeit, 1967.
("·s) Remete-se sempre, e bem, para isso; cf. VIEHWEG,
ob. cit., 8; KRIELE, ob. cit., p. 134; HORN, ob. cit., p. 602 s.
Lodos, à maioria ou aos sábios e, de entre os sábios,
seja à maioria ou seja aos mais conhecedores e con-
ceituados (Top. l. l.5.3.).
A isso corresponde o que os partidários da tópica,
em regra, consideram como o critério decisivo para
o acerto de uma solução de um problema: o «sensus
communis» (2G) ou o «common sense» (2 7) e que
VIEHWEG chama «a discussão, única instância de con-
trolo» (28 ) . Aspira-se, com isso, a verdadeiras indica-
ções porque não se trata de <<meras opiniões ao
acaso» (2°) mas antes de proposições que têm de
prestar provas perante o forum de «todos>> ou dos
«melhores e mais conceituados» ou que poderiam
tê-lo feito.
Mas com isto ainda a tópica não está plenamente
caracterizada; até agora, ficou propositadamente de
fora uma característica essencial: a relação da tópica
com a retórica. Num prisma histórico, tal relação
fica-lhe de antemão imanente e joga, de ARISTÓTELES,

(2 6 ) A tópica e o sensus communis ficaram assim inse-


paravelmente ligadas em V1co (De nostri temporis studiorum
ratione, 1708, edição latino-alemã na tradução de WALTER F.
Ono, 1947); cf. quanto a isso, por todos, GADAMER, Wahrheit
und Methode, 2.º ed., 1965, p. 16 ss.
(2 7 ) É característica, por exemplo, a ligação entre tópica
e common sense em Essrn, ob. cit.; cf., p. ex., p. 44, 46, 47
e passim.
es) Cf. ob. cit., p. 24.
( 29 ) Assim VIEHWEG, ob. cit., p. 25; cf. também KRJELE,
ob. cit., p. 135 e GADAMER, ob. cit., p. 16.
254

através a CÍCERO e até V1co um papel considerá-


vel Cº). Trata-se, aí, por um lado, de discussões con-
duzidas de acordo com determinadas regras de jogo,
pela quais urr.a proposição, uma vez admitida, não
mais poderia ser retirada (3 1 ) , e por outro, também
simplesmente da preparação de discursos que seria
facilitada através da utilização de catálogos de
tópicos. É evidente que não está aqui em causa a
busca da verdade mas antes do «sucesso retórico»
puramente exterior, portanto do triunfo não poucas
vezes bastante fácil (3 2 ) sobre o parceiro na discussão
ou, ainda, apenas do «aplauso da multidão». A tópica
poderia assim agradecer também à sua ligação com
a retórica o seu desdém alargado como resulta, por
exemplo da afirmação de KANT de que a tópica «pode-
ria servir mestres e oradores a procurar, sob certos
títulos do pensamento, o que melhor convenha para
a sua matéria em causa e para matutar ou cavaquear
com verbalidade sobre ela, com uma aparência de
fundamentação» (3 3 ) .

Cº) Cf. as descrições em VIEHWEG, ob. cit., 6 ss., 10 ss.,


2 ss. e ob. cit., 136 ss., 141 ss., 144, 125 ss.
KRIELE,
(H) Cf. a descrição explícita em KRIELE, ob. cit., p. 136 s.
('1 2 ) Cf. os esquemas que propõe ARISTÓTELES, descritos
em KR!ELE, ob. cit., p. 137.
( 33 ) Cf. Kritik der reinen Vernunft, l." ed. 1781, p. 269 s.
255

11- O SIGNIFICADO DA TóPICA PARA A Cl~NCIA


DO DIREITO

1. A critica básica da tópica

a) A impraticabilidade da vertente «retórica» da


tópica

Quando se pergunta o que pode prestar a tópica


dentro da Ciência do Direito, torna-se de antemão
claro que ela é impraticável na medida em que se
ligue à retórica; pois o indagar pelo justo não é
nenhum problema de pura retórica, por muito que
sempre se possa alargar também esse conceito C4 ) .
Que, apesar disso, VIEHWEG não tenha tomado clara-
mente posição, mas antes, pelo contrário, também
queira, de modo patente, utilizar também esta com-
ponente da tópica para a sua análise da Ciência do
Direito é um lapso pesado e prejudicou gravemente a
discussão em torno da sua tese; uma afirmação como
a «de que as premissas fundamentais são legitimadas

Cf. também FLUME, Richter und Recht, ob. cit., p. 34


( 34 )

e KASER, ob. cit., p. 67: «A convivência entre a Ciência e a


Retórica encontra contudo, a breve trecho, o seu termo ...
A arte do discurso tende muitas vezes para resultados total-
mente exteriores e muitas vezes criticáveis, quando ponderados
através de bitolas éticas. Ela deixa-se, com efeito, conduzir,
seguindo ,os seus modelos gregos, por tópicos de todos os
domínios da vida, para cuja valorização ela se serve de uma
apurada dialéctica. Por muito elaborada que esta técnica se
apresente, ela coloca-se muito aquém da Ciência do Direito,
informada pela mais alta Ética jurídica».
256

através da aceitação do parceiro na conversa» C,·),


pode, na verdade, ajustar-se a determinadas formas
de discussão C6 ) , mas é, dentro da Ciência do Direito,
puramente inaceitável: as premissas são fundamental-
mente determinadas para os juristas através do
Direito objectivo, em especial através da lei e não são
susceptíveis de uma «legitimação» por via do <<par-
ceiro na conversa» (qual?!), nem disso carecem.

b) A insuficiência da tópica perante o problema da


validade e da adstringibilidade jurídicas

A tópica não se esgota, contudo, na sua referência


à retórica. Assim como cada discussão autêntica e
cada diálogo ef ectivo podem ser um processo para a
descoberta da verdade - basta pensar nos diálogos
socráticos - também a forma tópica de argumenta-
ção pode «conduzir à verdade» (3 7 ) ; ora de facto, as

( 35 )Cf. VIEHWEG, ob. cit., p. 24.


(ª6) Em especial, naturalmente, nos sítios em que a reti-
rada de determinadas premissas, já concedidas, seja inadmis-
sível (cf. nota 31); mas também cada discussão assenta, de
resto, sobre premissas comuns às partes, por elas reconhecidas
expressa ou tacitamente, desde que um acordo não deva ser,
de antemão, excluído.
(~ 7 ) Cf. a definição de tópica em VIEHWEG, ob. cit., p. 10,
supra; cf., ainda, GADAMER, ob. cit., p. 16: «O 'bem falar' ... é,
_de~de sempre, uma fórmula duplamente significativa em si e de
modo algum apenas um ideal retórico. Ele traduz o afirmar
do justo, isto é, do verdadeiro e não apenas: a arte do discurso,
a arte de dizer algo». Cf. porém também KuHN, Zeitschr. für
Politik 1965, p. 111.
257

conclusões dialécticas no sentido de ARISTÓTELES


prosseguem este objectivo. Não se deve pôr em dúvida
que isso possa proceder também quanto à (boa) retó-
rica; só que esse objectivo não pertence necessaria-
mente à essência da retórica (em sentido moderno ou
antigo) e~), recomendando-se, por isso, uma separa-
ção clara, terminológica e substantiva, entre a tópica
«retórica» e a «dialéctica» (3 8 ) . Deve-se, pelo menos,
tornar esta última frutuosa para a Ciência do
Direito?
Como define VIEHWEG (em interpretação a ARIS-
TÓTELES), os tópicos são «pontos de vista de múltipla
utilização e aceitáveis em geral, que podem ser a
favor e contra a adequação opinativa e que podem
conduzir à verdade» C9 ) . O pensamento tópico pode,
de acordo com a sua configuração, concretizar-se em
dois planos (4°). No primeiro, captam-se «pontos de
vista mais ou menos casuais, num qualquer tipo de
tentativa de escolha», enquanto, no segundo, se pode
recorrer a um «repertório de pontos de vista», que
se agrupam nos chamados catálogos de tópicos sob
urna determinada ordenação exterior, particularmente
alfabética, mas que não aparenta qualquer conexão
interna e, portanto, qualquer sistema (4 ºª).
Também o jurista se pode comportar dessa forma
perante um determinado problema e pode ser inteira-

e:~) Razão pela qual se põe a possibilidade de inter-


ferências.
(39) Cf. ob. cit., p. 10.
( 4 º) Cf. VIEHWEG, ob. cit., p. 18.
( 1na) Mas cf., agora, nota la).
258

mente correcto que as deliberações colegiais decor-


ram, nesse estilo (41 ) ; no entanto ainda não se disse
o mínimo sobre a aplicabilidade da tópica na Ciência
do Direito. Só a partir de agora se levanta a questão
decisiva de porque devem ser competentes os «pontos
de vista casualmente captados e qual de estes tópicos,
com frequência contraditórios entre si, recebe a pri-
mazia perante os restantes. Quando, por exe·mplo,
alguém exija, de outrem, uma indemnização, por este
o ter atropelado com o seu automóvel, à primeira
vista, recorre-se a diversos «pontos de vista»: pode-se
assentar em que o condutor agiu com culpa; mas tam-
bém se pode dizer que quem utilize uma coisa tão
perigosa como um automóvel deve responder pelos

( 41 )Isso invoca SCHNEIDER, MOR 63, p. 653 e 67, p. 8 ss.,


com muita ênfase, a favor da tópica. Com isso ele desconhece,
sobretudo, duas coisas: em primeiro lugar, não se trata, a
propósito da discussão da tópica, de urna questão fáctica mas
sim de urna questão metodológica e portanto não de corno os
tribunais habitulamente funcionam, mas sim de corno deveriam
funcionar com correcção (cf., quanto a isso, também infra,
nota 58), e assim o argumento de ScHNEIDER, por essa razão,
poderia, no máximo, ser mediatamente relevante; e em segundo
lugar - e sobretudo - e a tal propósito, não é, de modo algum
significativo o estilo da deliberação judicial mas apenas o da
decisão e da fundamentação e tanto assim que ninguém iria
afirmar que os nossos tribunais apenas procedem topica-
mente e· não rejeitam, por exemplo, em certas circunstâncias
um ponto de vista suscitado na deliberação corno «contrário ao
sistema» (no que, naturalmente o termo «contrário ao sistema»
não tem de ser expressamente utilizado). - Quanto ao mais,
os ataques de SCHNEIDER, ob. cit., contra DIEDERJCHSEN, ob. cit.,
estão a um nível que exclui uma discussão com ele.
259

danos causados aquando do seu funcionamento, inde-


pendentemente de culpa; pode-se tomar em conside-
ração a situação patrimonial de ambas as partes, mas
também é possível dizer que ela nada tem a ver com
um adequado cálculo de danos; pode-se perguntar
até onde contribuiu o comportamento do ferido para
o acidente, se esteve em jogo uma força maior, se um
terceiro qualquer não terá, só por si, causado o dano,
devendo por isso, suportá-lo; independentemente do
perigo de utilização do automóvel; pode-se reter se
um dos intervenientes tem um seguro; pode-se afir-
mar que o Estado devia incorrer nos danos, uma vez
que admite um perigo tal como o derivado do funcio-
namento de um automóvel, etc., etc. Todos estes pon-
tos de vista poderiam por certo ser relevantes para
a solução do nosso problema (por si sós ou em con-
junto com outros) mas eles não surgem, por isso,
de modo algum vinculativos no sentido de serem
Direito vigente (4 2 ) . Um tópico é portanto, apenas e
sempre uma proposta de decisão (4 3 ) e, assim, ele
precisa de um critério complementar para proporcio-
nar a sua adstringibilidade e para possibilitar a esco-

( 42 ) Cf. também DIEDERICHSEN, ob. cit., p. 703, coluna 2


(também p. 702, coluna 2).
( 43 ) Cf. também ZIPPELIUS, oh. cit., p. 2233, coluna 2 e
Das Wesen des Rechts, ob. cit., p. 67, assim como, principal-
mente, KRIELE, oh. cit., p. 146 ss., 151 e 153. A solução própria
de KRIELE do problema da obtenção do Direito soçobra, no
entanto, em minha opinião, no mesmo erro que ele cen-
sura - com razão - aos partidários da tópica; pois a «razão
jurídica» tida por KRIELE como decisiva (cf. p. 157 ss.) pouco
mais é do que uma forma especial da s~õo:a.
260

lha entre os diversos pontos de vista, consoante as


circunstâncias, para a solução de um determinado
problema. Como tal, a tópica oferece apenas - uma
vez excluída, segundo acima se viu, a «aceitação pelo
parceiro na conversa», como totalmente inutilizável
para o jurista - a €vao~a ou o common sense, por-
tanto a opinião «de todos ou da maioria ou dos mais
sábios» sobre o que é verdade ou mutatis mutandis
sobre o que é justo, respectivamente; «a discussão
permanece a única instância de controlo» para mais
uma vez repetir esta citação (44 ) , na qual desde logo
se pode ver que o saber dos «melhores e mais con-
ceituados» se insere.
Mas torna-se, com isso, claro que a tópica des-
conhece, no fundamental, a essência da Ciência do
Direito. Pois não se determina qual seja o Direito
vigente ou qual o ponto de vista vinculativo, em
regra, através do <<common sense» ou da «opinião
de todos ou da maioria ou dos mais sábios», mas
antes através do Direito objectivo. Toca-se, por isso,
no cerne do problema quando DIEDERICHSEN censura
VIEHWEG que em parte alguma da sua obra se encon-
tre «um reconhecimento da ordem jurídica vigente e
da proposição, evidente para cada jurista, da adstri-
ção, aquando · da aplicação jurídica, à lei e ao
Direito» (4 5 ) . E é assim tão consequente como ine-
xacto, que HORN, na prossecussão da ideia de VIEHWEG

Cf. VIEHWEG, ob. cit., p. 24.


( 44 )

Cf. ob. cit., p. 702, coluna 1; de modo semelhante


( 4 ~)

com razão, também FLUME, ob. e loc. cit. (como na nota 2).
261

venha a atribuir à lei (!) «estrutura tópica» (40 ) e


apoie a sua «validade» de proposições e princípios
jurídicos reconhecidos na sv~o~a ( 47 ) . É evidente que
toda a doutrina da validade jurídica contradita HORN:
uma lei «vale» ainda quando não se apoie «em todos,
na maioria ou nos mais sábios» e, de modo inverso,
a opinião de «todos, da maioria ou dos mais sábios»
pode ser inteiramente falsa, isto é, pode proclamar
algo que não seja, de modo algum, Direito vigente (48 ) .
Nem VIEHWEG nem HORN distinguem, de modo reco-
nhecível, entre a actividade do legislador e a do juiz, de

Cf., a este propósito, VIEHWEG, ob. cit., p. 68, onde ele diz
da tópica: «Ela entende-a (a techne jurídica) como uma forma
de aparecimento daquela inalienável busca do justo adequado,
que se prossegue com base no Direito positivo». Isto é carac-
terístico dos perigos da tópica: o jurista vinculado ao Direito
positivo não busca o «justo adequado» «com base» ( ! ) nele,
mas antes deve aceitar a decisão jurídico-positiva, no funda-
mental (isto é, descontando a possibilidade - extrema - de
«injustiça legislada») como justa e não, em regra, colocar a
questão de um «justo adequado» independente dele; cf. quanto
a isso, também supra, § 5 IV 3.
( 46 ) Concordante, F. MÜLLER, Normstruktur und Norma-
tivitiit, 1966, p. 59, «A norma torna-se ... para a tópica, um
tópico entre outros».
(47) Cf. ob. cit., p. 606 s.
( 48 ) Assim sucede quando alguém critica a opinião domi-
nante ou a jurisprudência constante, evidentemente com a
afirmação de que apenas a «opinião minoritária» por ele
defendida está «certa» no sentido de ser Direito vigente e
não faz apenas uma proposta totalmente não-vinculativa para
a modificação da situação jurídica até então existente, como
deveria ser se ela apenas se baseasse na E,õoEa; cf., a este
propósito também supra, p. 69 s.
262

tal modo que fica com a impressão de que as suas


considerações se mantêm, primacialmente, ligadas à
primeira.

c) A tópica como doutrina da actuação justa e a


jurisprudência como Ciência do entendimento
justo

Não deve ser por acaso que a tópica tem, de facto,


essencialmente mais a oferecer ao legislador - e, por
consequência a uma disciplina como uma politolo-
gia (4°) normativamente entendida (50 ) - do que ao
juiz. HORN, por exemplo, fez notar com razão que os
exemplos da tópica aristotélica são, na maior parte,
retirados da ética e que ARISTÓTELES, por conseguinte,
«pensa, ai, claramente nos domínios científicos que
ocupam da actuação humana, portanto na filosofia
prâtica em sentido amplo: ética economia e 'política',
isto é, Direito e Ciência Política» ( 51 ) . HORN caracte-
riza, por isso, a tópica como «método das Ciências
da acção» (52 ) e, da mesma forma, jâ antes HENNIS

( 49 ) Quanto ao significado da tópica para a Ciência


Política cf., por um lado, HENNIS, Politik und praktische Philo-
sophie, 1963, p. 89 ss. e por outro HELMUT KuHN, Aristoteles
und die Methode der politischen Wissensschaft, Zeitschr. für
Politik, 1965, p. 101 ss.
( 5 º) Quanto à questão de até onde assim é cf. o artigo
informativo de GRIMM, JZ 65, p. 434 ss.
(~ 1 ) Cf. ob. cit., p. 603, coluna 2; cf. também GADAMER,
ob. cit., p. 18 s. («saber prático»); WIEACKER, Privatrechtsge-
schichte cit., p. 596 («justeza prática»).
(52) Cf. ob. cit., p. 603 s.
263

lhe reconhecera a categoria de uma «lógica das Ciên-


cias prâticas>> (53 ) . Deveria aí, de facto, residir uma
prec_isão fundamental da essência da tópica. Onde se
trate da questão da acção justa e, em especial, onde
se façam afirmações ou prescrições que pretendam
eficáçia para terceiros, uma legitimação dessas pro-
posições através do consenso de «todos, ou da maio-
ria ou dos mais sábios» ain~a aparece sempre, pelo
menos numa democracia, como a melhor saída perante
o facto de não serem, nesse domínio, · possíveis
demonstrações adstringentes, do tipo das Ciências
Naturais; ou, para citar ainda uma vez HORN: «Quem
não tenha uma razão omnisciente, com a qual possa
resolver as questões de facto e de valor de forma
aritmética, deverá recorrer a proposições sobre as
quais haja entendimento, na comunidade social na
qual se coloque a questão da 'justeza' (5 4 ) ».
Para o legislador, tal é, certamente, nos casos
normais (56 ) , uma máxima de grande valor e assim se
podem designar de facto as premissas pelas quais
ele se oriente, como tópicos (56 ) e se pode chamar o

( 5 ~) Ob. cit., p. 109; contra KUHN, ob. cit., p. 110, 112 e 119.
(5·1) Cf. ob. cit., p. 607, coluna 1.
( 55 ) Nos casos excepcionais ele deve, naturalmente, ter
a coragem de decidir contra a opinião de «todos» ou da
«maioria» e, sobretudo quando esta não coincida com a opinião
dos mais «sábios»; que a possibilidade de semelhante dis-
crepfmcia resultava já da fórmula de .ARISTÓTELES, sem que
surjam critérios para a sua solução, aparece como uma fra-
queza essencial da tópica.
( 50 ) Cf. HENKEL, ob. cit., p. 418 ss. que fala, a tal pro-
pósito, de «tópicos do Direito justo a procuram.
264

processo pelo qual elas se encontram, como tópico,


- só que a arte legislativa não é Ciência do Direito
no sentido tradicional da palavra; e não se pode
colocá-la simplesmente, com esta, no mesmo plano,
pois de outra forma a diferença fundamental entre
argumentação de lege ferenda e de lege lata seria
abandonada (5 1 ) . - um resultado inconciliável com a
repartição de poderes e a vinculação da jurisprudên-
ria à «lei e ao Direito» estatuída no Art. 20 III GG (58 ).
( 67 ) Não se deve, naturalmente, negar que haja transi-
ções e casos-limite; isso não impede, contudo, de considerar
a diferença como, no essencial, certa (cf., também, a nota
seguinte). Não se pode, no âmbito deste trabalho, aprofundar
mais as questões prévias altamente complexas que aqui se
conexionam; no entanto, a manutenção da diferença, apesar
de críticas sempre repetidas, corresponde ainda à opinião total-
mente dominante; caso ela não se efectue, vai-se, naturalmente,
considerar também a tópica de modo totalmente diferente
ainda que se não devam passar em branco as posições extre-
mas nesta questão prévia.
( 58 ) Ninguém quereria seriamente afirmar que não seja
de todo possível uma diferenciação entre política do Direito
e aplicação do Direito e que, por isso, o Art. 20 Il1 GG con-
tenha um postulado inacatável e, assim, vazio. Por isso, contra
a opinião .de KRJELE, ob. cit., p. 149, não é, de modo algum,
uma objecção sem sentido que o pensamento jurídico não
((possa ou não deva ser tópico». A «tese tópica» antes só
pode, pelo contrário, de modo razoável, entender-se metodoló-
gica e normativamente e não fáctica ou fenomenologicamente;
seria uma afirmação despropositada o dizer que o jurista,
((inelutavelmente» (cf. KRIELE, ob. cit.) pensa de modo tópico,
pottanto só pode necessariamente (!) apoiar os seus argu-
mentos, de forma exclusiva, na hõoEa e no common sense
mas não na ordenação da lei, independentemente disso, e
com bastante frequência em contradição com ela e só pode
265

Por consequência, a Ciência do Direito também


não é, no fundamental (5 9 ) , uma «Ciência da acção»

pôr em causa como se deve argumentar com correcção.


KRIELE mostra, por todas as vias, que ele retira da possibili-
dade do legislador de colocar valorações claramente apreen-
síveis; assim por exemplo na sua polémica contra o «ideal
da subsunção» (p. 47 ss.) ou na sua afirmação desmedida-
mente exagerada de que «a existência de uma proposição
jurídica que se torne, pelo simples 'entendimento', adequada
para a subsunção» seja «um caso limite» e que o conceito
de lacuna actue, por isso, «de modo mais perturbador do que
esclarecedor» (p. 196; cf. também p. 205 s.). A opinião de
KRIELE não se orienta apenas, de modo evidente, com dema-
siada intensidade, pelo Direito constitucional com a sua por-
ção de cláusulas gerais «carecidas de preenchimento com
valorações» mas também, demasiado unilateralmente, pela
actividade dos tribunais superiores e da Ciência; pela natu-
reza das coisas, estes ocupam-se quase exclusivamente com
problemas de valorações que não foram claramente decididos
pelo legislador mas nada depõe contra a existência de um
número ilimitado de casos regulados de modo totalmente
claro (e que, por isso, na maioria nem são seriamente Iitigio-
sos!). Que «o BGB abra mais problemas do que os que resolva»
(assim, KRIELE, ob. cit., p. 209), é, no entanto, uma afirmação
que nada faculta e que, na minha opinião, deve ser rejeitada
como aventureira (HECK é, sem razão, chamado por KRIELE
como testemunha: no local citado, ele apenas diz que segundo
uma determinada terminologia «talvez a maior parte das ques-
tões duvidosas respeita à existência de lacunas na lei»;
KRIELE desconhece aqui (tal como na p. 196), de modo evi-
dente, a limitação a questões «duvidosas», sobre cuja relação
numérica com as não duvidosas HECK não diz um mínimo, bem
como sobre o significado puramente terminológico da posição
na qual se trata de uma delimitação linguística entre «sub-
sunção» e «complementação da lacuna» e nada mais).
( 59 ) Mas cf. também infra, n.º 2.
266

no sentido em que HORN utiliza o conceito, mas sim


uma ciência hermenêutica: ela é, largamente (59 ) ,
uma Ciência do entendimento correcto e não da
actuação certa (ªº). No essencial, o Direito objectivo
impõe as determinações sobre esta última, devendo,
em regra, o juiz, complementar apenas, de modo
consciente, os seus valores (61 ) e não colocar em seu
lugar as intuições de outros, sejam elas «as de todos,
ou da maioria ou dos sábios». Que este «entendi-
mento» não poucas vezes contenha um elemento de
valoração própria - cujo significado não deve ser
substimado - e que não se deixe enquadrar com os
meios da lógica formal, nada diz a favor da tópica;
pois esta não é, de modo algum, a única alternativa
à lógica formal e, de nenhuma forma, o único pro-
cesso para a obtenção de premissas (62 ) e por isso, as
permanentes afirmações de VIEHWEG quanto ao êxito
limitado do pensamento lógico-formal na Ciência do
Direito (63 ) são tão pouco demonstrativas da sua «tese
tópica» como a sua polémica contra um sistema
axiomático-dedutivo (63 ) , que já não tem represen-

( 60 ) Nesse sentido, com clareza, WIEACKER, JZ 57, p. 704


e 706; cf. também Zur rechtstheoretischen Préizisierung des
§ 242 BGB, 1956, p. 19 e Festschrift für Erik Wolf, 1962, p. 451.
( 61 ) O conceito da «jurisprudência das valorações» não
é isento de confusões pelo que foi, p. ex., recusado por HEcK;
cf. Begriffsbildung und Interessenjurisprudenz, p. 50 s.
( 62 ) As Ciências Naturais não se servem, por exemplo,
sem dúvida, da tópica para a descoberta das suas premissas.
(º 3 ) Cf., sobretudo, p. 53 ss.
267

tantes (~ 4 ) . A tópica deveria formar a necessana


complementação das proposições da lógica formal
na Ciência do Direito; no essencial, apenas um
pensamento teleológico-sistemático, como acima foi
mais detidamente explanado (05 ) e que corresponde
hoje, de modo pleno, ao entendimento metodológico
dominante (G~ª), o poderia fazer. Ele distingue-se da
tópica, sobretudo, em dois pontos: orienta-se . em
termos hermenêuticos (06 ) , isto é, visa a execução

(G 4) Isto tem sido, muitas vezes, contraposto a VIEHWEG;


cf., p, ex .. ENGISCH, ZStrW, 69, p. 600; DIEDERICHSEN, ob. cit.,
p. 699 s.; KRIELE, ob. cit., p. 120 ss., em especial p. 124,
nota 42; cf., mas cf. ainda a citação da nota la).
(G 5) Cf. § 2 II.
( 6 "ª) Cf. as indicações do § 2, notas 117 e 133.
( 6G) · Perante a multiplicidade de sentidos da expressão
«topos» é de recear que muitos partidários da tópica não
venham aqui, a ver qualquer oposição (cf. VIEHWEG, ob. cit.,
p. 24 e sobretudo, bem para além da tomada de posição em
causa na p. 24 e não justificado pelo aí dito, p. 59. Cf. ainda
CüING, Auslegungsmethoden, p. 22 s. e F. MÜLLER, ob. cit.,
p. 45 ss., que fala justamente de «hermenêutica tópica», pon-
do-a, contudo, em oposição à tópica). Mas isso iria apenas
causar confusão terminológica e embaraçar as contraposições
materiais - que existem no essencial, entre uma doutrina do
«entendimento justo» e da «actuação justa». Desde que exis-
tam certas conexões - por exemplo entre o «pré-entendimento
hermenêutico» no sentido de HEIDEGGER e GADAMER e a sv ô o Ea
que, p. ex.,. EHMKE (VVdDStRL 20, p. 53 ss.) relaciona de modo
original (cf. quanto a isso também F. MÜLLER, ob. cit.,
p. 45 ss.), - , põe-se a necessidade de uma diferenciação básica,
tanto mais que ambas as formas de pensar se completam, em
particular na Ciência do Direito e, em parte, se interpenetram
mutuamente (cf., quanto a isso, também no texto infra, 2 e 3).
268

de criações espirituais objectivamente pré-dadas e


recusa-se, por isso, a apoiar as suas premissas apenas
na s:1~o~a ou no common sense; e não considera todas
as questões que surjam como problemas singulares
isolados, como é característico da tópica (07 ) , mas
antes procura, seguindo a tendência generalizadora
da justiça (68 ) , e procedendo, assim, de «modo siste-
mático», reduzi-los a problemas mais gerais, tão
extensos quanto possível (63 ª) a solucioná-los sobre o
pano de fundo da «totalidade da ordem jurídica» isto
é, do sistema teleologicamente entendido.

Cf., ainda, também


APEL, Die Idee der Sprache in der Tradition
des Humanismus von Dante bis Vico, 1963, que quer (p. 143)
englobar a tópica numa «hermenêutica transcendental (exis-
tencial)», embora assentando, tal como HEIDEGGER, num sentido
muito englobante da palavra hermenêutica.
(G 7) A tal propósito, também é característico que
VIEHWEG considere como tarefa da Ciência do Direito sempre
e de novo a busca da «justiça permanente» pela qual «algo se
justifica aqui e agora» (cf., respectivamente, ob. cit., p. 63 e
p. 65 e passim e também supra, nota 45). Cf. ainda GADAMER,
ob. cit., p. 18 s. que coloca a tópica em conexão com a
phronesis aristotélica, caracterizando-a corno o conhecimento
«prático» e retratando-a do seguinte modo: « ... ela dirige-se
à situação concreta. Deve, portanto, abarcar .as «circunstân-
cias» na sua infindável variedade». Cf. ainda EHMKE, VVdDStRL
20, p. 55: «A solução do problema deve ser encontrada com
a ponderação de todos os pontos de vista relevantes para o
caso concreto ... ».
( 68 ) Quanto à contraposição entre a tendência generali-
zadora e a individualizadora do princípio da justiça, cf. supra,
* 1 II 2 com indicações na nota 32 e o § 4 IV 3.
( 0 Ba) Cf., a tal propósito, também, ENGISCH, Wahrheit
und Richtigkeit im juristischen Denken, 1963, p. 20 s.
269

Como resultado intermédio pode-se pois conside-


rar que a tópica não alcança satisfatoriamente, tão-só
no essencial, a estrutura da jurisprudência. Isso
resulta, sobretudo, de que um tópico, como tal, é
apenas uma proposta de solução e não, desde logo,
Direito positivo e isso ainda que ele se pudesse impor
«a partir do problema» mesmo quando fosse «mate-
rialmente justificado». A tópica só pode resolver a
questão em aberto da adstringibilidade dos pontos de
vista, assim levantados, e da escolha entre eles, atra-
vés do recurso à «opinião de todos ou da maioria
ou dos sábios» ou ao common sense, assim se situando
em forte oposição à doutrina jurídica da validade e
das fontes do Direito. Por conseguinte, os seus segui-
dores não distinguem suficientemente entre as tarefas
da legislação e as da jurisprudência e desconhecem
que a Ciência do Direito tem a ver, em primeira
linha, com a execução consciente de valores já legis-
lados e não com a escolha tópica de premissas; por-
tanto é uma doutrina do «entendimento justo» e não
do «comportamento justo».

2. As possibilidades remanescentes da tópica

Com isto fica também já claro, como e em que


circunstâncias tem o pensamento tópico uma função
significativa a cumprir dentro da Ciência do Direito:
sempre que faltem valorações jurídico-positivas sufi-
cientemente concretizadas. Pois nesse caso, não só as
possibilidades do pensamento sistemático deparam
270

com limites inultrapassáveis (G 9), como também se


verificam, em regra, as características da tópica: as
normas só podem aqui ser preenchidas, em termos
de conteúdo, através do juiz, de tal modo que este
deve actuar como o legislador, decidindo, afectiva-
rnente, àcerca da máxima do «comportamento cor-
recto»; ele fica adstrito, no campo da sua «auto-
-valoração», a considerar os valores e as intuições
jurídicas, culturais e sociais dominantes na comuni-
dade jurídica em causa, o que é dizer: ele deve reme-
ter-se à i11~o~a. De que círculos de problemas se trata,
circunstanciadamente?

a) A tópica como meio auxiliar perante a falta de


valores legais bastantes, em especial nos casos
de lacunas

Devem-se, em primeiro lugar, referir certos casos


de lacunas da lei, para cuja interpretação o Direito
positivo não compreenda valorações. O exemplo clás-
sico que ocorre, a tal propósito, é a falta de uma
regulação sobre o estatuto das obrigações no Direito
internacional privado alemão. Aqui, nada mais resta
do que recorrer a diversos pontos de vista mais ou
menos procedentes, experimentá-los em face do pro-
. blema e ponderá-los uns perante os outros, isto é,
proceder em termos tópicos, num movimento, carac-
terístico para a tópica, fortemente orientado para o

~ 09 ) Quanto a estes cf., mais pormenorizadamente,. supr.~.


§ G, em especial o n.º III.
271

problema singular e, até, para o caso concreto no


qual surge o remeter há muito dominante - para a
«vontade hipotética das partes» (7°).

b) A tópica como processo adequado perante remis-


sões legislativas para o «common sense» e perante
decisões de equidade

O segundo grupo aqui em causa é o das cláusulas


gerais car_ecidas de preenchimento com valorações.
Também nestas se deixam surpreender ao caracterís-
ticas do pensamento tópico. Assim, por exemplo a
fórmula da consideração «de todos quantos pensam
justa e equamente», utilizada pela jurisprudência para
a concretização do § 138 BGB (*), está próxima de
uma definição de iv~o~a (' 1 ) : de igual modo, a deter-
minação do conteúdo do «cuidado necessário no trá-
fego», no sentido do § 276 BGB (**), só é possível

(7°) Quanto ao estado actual de discµssão cf., principal-


mente, SOERGEL-KEGEL, Bürg. Gesetzbuch, vol. V, 9." ed., 1961,
introdução ao artigo 7 EGBGB, notas 167 ss.; SANDROCK, Zur
ergiinzenden Vertragsauslegung im materiellen und Schuldver-
tnagsrecht, 1966, p. 132 ss.
( 71 ) Cf., a tal propósito, também EHMKE, vv dDStRL 20,
p. 71, onde o poder convincente dos argumentos tópicos se
apoia no «concurso de todos 'os que pensam razoável e jus-
tamente'».
C') Nota do tradutor: segundo o § 138 BGB, «um negócio
jurídico que atente contra os bons costumes é nulo».
(""") Nota do tradutor: segundo o § 276 I, 2 BGB, {<Actua
com culpa quem não observe o cuidado necessário no tráfego».
272

numa distanciação perante o caso concreto conside-


rado através do que o «comerciante ordenado», o
«condutor razoável», etc. façam, portanto através da
formulação de regras do «comportamento justo»
- trata-se, justamente, disso! - com auxílio do re-
curso à opinião «de todos, da maioria ou dos
sábios» (' 2 ) . _Perante o pensamento sistemático, a
tópica tem, assim, aqui, uma função complementadora
inteiramente legítima a cumprir; pode-se mesmo dizer
que, nesta questão, se exprime de novo a «polari-
dade» dos valores jurídicos mais elevados (7':): a tópica
ordena-se na equidade, portanto na tendência indivi-
dualizadora (G&) da justiça('::ª); ela representa o pro-
cesso adequado para um problema singular formulado
o mais estritamente possível ou uma argumentação
de equidade, orientada para o caso concreto, na qual,
no essencial, nenhum ponto de vista discutível se
pode rejeitar liminarmente como inadmissível, tal
como é típico do pensamento sistemático abstracto,
apoiado na tendência generalizadora (G 8) da jus-
tiça (' 1 ) .

( 72 )Onde, em opos1çao à fórmula aristotélica, está fora


de dúvida de que se não trata de uma bitola estatística, mas
sim normativa.
(n) Cf. também supra, ~ 1 IV 3 nota 39.
<7::a) Quanto à equidade como expressão da tendência
individualizadora da justiça, cf. HENKEL, Einführung in die
Rechtsphilosophie, p. 327, com indicações na nota 2.
(7 1 ) Não há aqui uma contradição perante a «abertura»
do sistema no sentido do pensamento «aporético»; pois o sis-
tema não exclui determinados problemas como questões apa-
273

3. A interpenetra.ção e a múltipla complementação


dos pensamentos sistemático e tópico

Já disse que os pensamentos tópico e sistemático


não são opostos exclusivistas, mas antes se comple-
mentam mutuamente (7 5 ) . Assim, eles não estão, como
talvez possa ter resultado das considerações feitas
até aqui, isolados um frente ao outro, antes se inter-
penetrando mutuamente. Assim, também quando à
tópica seja conferida a primazia, não se torna a siste-
mática totalmente sem sentido. Isto fica bem patente
no círculo problemático primeiro referido, portanto
naqueles casos 'de lacunas nos quais o Direito posi-
tivo não contenha valorações para a integração: a
tópica nada mais é aqui do que um meio auxiliar
tratando-se então de substituir o mais depressa pos-
sível os inseguros tópicos por claras valorações, isto é,
de determinar sistematicamente a resolução.
Mas também na concretização de cláusulas gerais
carecidas de preenchimento com valorações, nas quais

rentes, mas apenas certas soluções de problemas como aten-


tados contra os princípios fundamentais constitutivos do Direito
vigente.
( 75 ) Para uma ligação da tópica e da sistemática, com
múltiplas variações particulares, cf. também EsSER, ob. cit.,
p. 6 s., 44 ss. e passim e Stud. Gen. 12 (1959), p. 104 e 105,
col. 2; KASER, ob. cit., p. 53; PETER SCHNEIDER, VVdDStRL 20,
p. 37 e 51; HENKEL, ob. cit., p. 426; RAISER, NJW 64, p. 203 s.;
DIEDERJCHSEN, ob. cit., p. 704 s.; F. MÜLLER, ob. cit., p. 57 e
p. 67; ZIPPELIUS, ob. cit., p. 2233, d.
274

a tópica é bem mais de que um mero auxiliar, surge


uma tendência clara para sistematização (7 6 ) . Não só
as cláusulas gerais se devem interpretar sempre à luz
da ordem jurídica global, portanto sobre o pano de
fundo do sistema - assim, por exemplo, o § 138 BGB
tem sido interpretado com recurso a valores expres-
sos noutros locais da ordem jurídica e, portanto,
sistematicamente conectados, e não a partir da
evao~a (7 1 ) - como ainda, e sobretudo, se verifica que
a sua concretização ocorre, largamente, através da
formação de tipos, isto é, em parte, através da for-
mação clara de previsões normativas (7 8) , pressionan-
do-se, com isso, no sentido da determinação siste-
mática. Pense-se, por exemplo, no § 242 BGB, no
trabalho de sistematização efectuado pela jurispru-
dência e pela doutrina, em prol da sua «precisão jurí-
dico-teórica» (79 ) . Assim se autorizou, . para referir
apenas um exemplo, a «exceptio dali» e, dentro
desta, que se conserva ainda como uma «sub-cláusula
geral» carecida de preenchimento com valoração, sur-

(7º) Com razão, DIEDERICHSEN, ob. cit., p. 704; ainda des-


conhecido em CANARIS, ob. cit., p. 107, nota 172.
(7 7 ) Cf., quanto a isso, principalmente, PAWLOWSI<I, ARSP
1964, p. 503 ss.; LARENZ, Jur. Jb. vol. III (1966), p. 98 ss. e
Allg. Teil, 1967, § LF III a.
( 78 ) Cf., a tal propósito, também PAULUS, Probleme
richterlicher Regelbildung am Beispiel des Kreditsicherungsre-
chts, Jur. Jb. vol. VI (1965/6), p. 134 ss.
( 79 ) Remeta-se apenas para o comentário do § 242 de
S1EBERT, em SOERGEL-SIEBERT, 9.ª ed., 1959 e para WIEACKER,
Zur rechtstheoretischen Prêizisierung des .~ 242 BGB, 1956.
275

giu um conjunto de prev1soes firmes - móveis no


sentido de WILBURG ( 80 ) - e totalmente aberto, num
âmbito residual só captável em termos tópicos: a
excepção do «dolus praeteritus» poderia já ser uma
previsão fixa, largamente preenchida em termos valo-
rativos adequados (ainda que também com o elemento
normativo (81 ) do «dolo»); a excepção da suppressio
representa, pelo contrário uma previsão móvel, na
qual embora os «elementos» estejam firmes (ª 2) , a
consequência jurídica só resulta em cada caso da sua
«relação de composição» (8 ~) enquanto a excepção do
«venire contra factum proprium» se poderia, ainda
hoje, colocar nos limites entre uma previsão «móvel»
e uma cláusula geral topicamente aberta (84 ); o maior
âmbito destes três tipos permanece contudo ainda
largamente por concretizar, pelo que qualquer tópico
é admissível. Assim, não se deve abandonar total-
mente a cláusula geral à equidade e, com isso, ao
pensamento tópico. Antes releva, também nela, a

(8 º) Cf. a exposição supra, § 4 I.


( 81 ) <<Normativo» e «carecido de preenchimento com valo-
rações» não é a mesma coisa, ainda que a diferença possa ser
apenas de tipo gradual.
( 8 ~) São eles: confiança em que a pretensão não mais
seja feita valer; um «a ter-se» a isso; um certo decurso do
tempo; e a imputabilidade da omissão do apelo à pretensão.
(ª~) Assim pode, por exemplo, uma duração particular-
mente longa da abstenção, suprir as medidas necessárias para
o «ater-se» a ela e inversamente.
( 8 -1) Cf. ainda CANARIS, Die Vertrauenshaftung im
deutschen Privatrecht, 1971, p. 266 ss., em especial p. 301-305.
278

simultaneidade das tendências individualizadora e


generalizadora da justiça (G 4") e a esta última pres-
siona sempre no sentido da sistematização.
De forma inversa, o âmbito. virado, em primeira
linha, para o pensamento sistemático, não se con-
serva totalmente livre das influências da tópica. Isso
resulta, desde logo, de que o âmbito no qual existam
valorações jurídico-positivas ainda determináveis com
clareza apenas tem contactos fluidos com o âmbito
no qual faltam, daí resultando uma zona de fronteira
na qual se podem misturar pontos de vista sistema-
ticamente legitimados e outros respeitantes apenas
à i110o~a. Também num aperfeiçoamento praeter legem
do Direito, que se oriente pelo sistema, e em especial
na concretização de princípios jurídicos «gerais»
extra-legais - tal como também a propósito de modi-
ficações provocadas (ª") -. os meros tópicos desem-
penham, pelo menos nos estádios iniciais do desen-
volvimento, um papel considerável ( 6 n); pode-se até,
de certa forma, atribuir estrutura tópica ao nasci-
mento de novos princípios jurídicos(ª'), porque a
modificação da consciência jurídica geral que lhes
subjaz se realiza, de facto, no processo de «dis-

Cf. também HENKEL, ob. cit., p. 359 s.


(84 11 )

(ª 5 )Quanto a isso cf. supra, § 3 IV 1.


( 80 ) Cf., quanto a isso, sobretudo Essrn, ob. cit., pp. 5 ss.,
44 ss.; 218 ss. e passim.
( 87 ) Cf. HORN, ob. cit., p, 607, que contudo não só vai
demasiado longe a partir do fundamento referido no texto e
por isso também não distingue entre princípios imanentes à
lei e extra-legais.
277

cussão» (ou sentido mais amplo) entre «todos ou a


maioria ou os sábios - ainda que apenas «de certa
forma», uma vez que o apelo à «consciência ~urídica
geral» ou à ivõ()~a não basta, antes sendo necessária
a complementação através de critérios objectivos,
como a ideia de Direito ou a natureza das coi-
sas (88), csº).
Não há, assim, uma alternativa rígida entre J pen-
samento tópico e o sistemático, mas antes uma com-
plementação mútua. Quão longe vai um ou outro
determina-se, em termos decisivos, de acordo com a
medida das valorações jurídico-positivas existen-
tes, - assim se explicando também o facto de a
tópica jogar um papel bastante maior eº) em sectores
fortemente marcados por cláusulas gerais como o
Direito constitucional (0 1 ) ou em áreas reguladas de
modo muito lacunoso como o Direito internacional
privado do que, por exemplo, no Direito imobiliário
ou no Direito dos títulos de crédito.

(88 ) Cf., mais pormenorizadamente, supra, p. 70 s.


( 89 ) Também estes são, por seu turno, influenciados pela
consciência jurídica geral, daí resultando de novo o problema
da dialéctica entre o espírito objectivo e o subjectivo.
( 90 ) Mas não o único decisivo; cf. também F. MÜLLER,
ob. cit., na nota seguinte.
( 91 ) Quanto ao significado da tópica para o Direito cons-
titucional cf., principalmente, PETER SCHNEIDER e EHMKE, em
VVdDStRL 20, pp. 1 ss. (35 ss.) e 50 ss., respectivamente,
bem como com justificadas prevenções, F. MÜLLER, ob. cit.,
pp. 47 ss. (57 ss.).
§ 8. 0 TESES

§ l.º

1. É pressuposto da praticabilidade do pensa-


mento sistemático na Ciência do Direito e do desen-
volvimento de um conceito de sistema especificamente
jurídico, que o sistema possa cumprir uma função
significativa na Ciência jurídica. Isso depende de as
características do conceito geral de sistema se pode-
rem ordenar em correspondência com os fenómenos
jurídicos.

2. As características do conceito geral do sistema


são a ordem e a unidade. Eles encontram a sua cor-
respondência jurídica nas ideias da adequação valora-
tiva e da ui1idade interior do Direito; estas. não são
apenas pressuposições de uma jurisprudência que se
entenda a si própria como Ciência e premissas evi-
dentes dos métodos tradicionais de interpretação, mas
tampém, e sobretudo, consequências do princípio da
igualdade e da «tendência generalizadora» da justiça,
portanto, mediatamente, da própria «ideia de Direito».
280

3. A função do sistema na Ciência do Direito


reside, por consequência, em traduzir e desenvolver a
adequação valorativa e a unidade interior da ordem
jurídica. A partir daí, o pensamento sistemático ganha
também a sua justificação que, com isso, se deixa
derivar mediatamente dos «valores jurídicos mais
elevados».

§ 2.º

4. O conceito de sistema jurídico deve-se desen-


volver a partir da função do pensamento sistemático.
Por isso, todos os conceitos de sistema que não sejam
capazes de exprimir a adequação valorativa e a unidade
interior da ordem jurídica são inutilizáveis ou, pelo
menos; de utilização limitada; isso aplica-se, em espe-
cial, ao «sistema externo», ao «sistema de conceitos
puros fundamentais», ao sistema lógico da «jurispru-
dência . dos conceitos», ao sistema axiomático-dedu-
tivo no sentido da logística, ao «sistema de conexões
· de }:>roblemas» de SALOMON e ao «sistema de decisões
de conflitos» no sentido de HECK e da jurisprudência
dos interesses.

5. Uma vez determinado o conceito de sistema


com referência às ideias de adequação valorativa e
unidade interior do Direito, deve-se definir o sistema
jurídico como «ordem axiológica ou teleológica de
princípios jurídicos gerais». Também é imaginável
uma correspondente ordem de valores, de conceitos
teleológicos ou de institutos jurídicos.
281

§ 3.º

6. Este sistema não é fechado, mas antes aberto.


Isto vale tanto para o sistema de proposições doutri-
nárias ou «sistema científico», como para o próprio
sistema da ordem jurídica, o «sistema objectivo».
A propósito do primeiro, a abertura significa a incom-
pleitude do conhecimento científico, e a propósito do
último, a mutabilidade dos valores jurídicos funda-
mentais.

7. A abertura do sistema jurídico não contradita


a aplicabilidade do pensamento sistemático na Ciên-
cia do Direito. Ela partilha a abertura do «sistema
científico» com todas as outras Ciências, pois en-
quanto no domínio respectivo ainda for possível um'
progresso no conhecimento, e, portanto, o trabalho
científico fizer sentido, nenhum desses sistemas pode
ser mais do que um projecto transitório. A abertura
do «sistema objectivo» é, pelo contrário, possivel-
mente, uma especialidade da Ciência do Direito, pois
ela resulta logo do seu objecto , designadamente, da
essência do Direito corno um f enórneno situado no
processo da História e, por isso, mutável.

§ 4.º

8. Da problemática da «abertura» do sistema


deve-se distinguir a sua «mobilidade». A mobilidade,
282

no sentido que este termo recebeu de WILBURG,


significa a igualdade fundamental de categoria e a
mútua substituibilidade dos critérios adequados de
justiça, com a renúncia simultânea à formação de
previsões normativas fechadas.

9. Também um ,<<sistema móvel» merece ainda o


nome de sistema, pois também nele se realizam as
características da ordem e da unidade. Trata-se, con-
tudo, deu um caso limite da praticabilidade do con-
ceito de sistema.

10. O Direito positivo é dominado, fundamen-


talmente, não por um sistema móvel mas antes por
um imóvel. No entanto, ele compreende partes
móveis.

11. O «sistema móvel» está, legislativamente,


entre a formação de previsões normativas rígidas, por
um lado, e a cláusula geral, por outro. Ele permite
confrontar de modo particularmente feliz, a polari-
dade entre os «mais altos valores do Direito», em
especial a «tendência generalizadora» da justiça e a
«individualizadora» e constitui, assim, um enriqueci-
mento valioso do instrumentário legislativo. Ele não
deve, contudo, ser exclusivamente utilizado, antes
representando uma possibilidade legislativa entre
outras, ligadas entre si.
283

§ 5.º

12. A consciência do conceito e da qualidade do


sistema jurídico conduz também, desde logo, a uma
resposta para a questão do significado do sistema na
obtenção do Direito. Quando se entenda o sistema
como uma ordem teleológica (aberta e fundamental-
mente imóvel), logo daí resulta que o argumento sis-
temático apenas representa uma forma especial de
fundamentação teleológica; pode, por isso, e tal como
esta, aspirar à mais alta categoria entre os critérios
de interpretação criativa. O sistema possui, com isso,
«aptidão para a derivação teleológica».

13. O sistema cumpre sobretudo, em particular,


duas tarefas na obtenção do Direito: ele contribui
para a plena composição do conteúdo teleológico de
uma norma ou de um instituto jurídico o que conduz
a interpretá-los como parte do conjunto da ordem
jurídica e sobre o pano de fundo das conexões rele-
vantes; e ele serve para a garantia e a realização
da adequação valorativa e de unidade interior do
Direito, porquanto mostra as inconsequências valora-
tívas, proporcionando, com isso, o aperfeiçoamento
do Direito, tanto pela delimitação de ameaçadoras
contradições de valores como pela determinação de
lacunas.
Por consequência, o significado do sistema pode
reconhecer-se em todos os graus da obtenção do
Direito: na «complementação de lacunas e na inter-
284

pretação criativa sistemáticas» não menos do que na


«interpretação sistemática».

14. O princípio da «aptidão para a derivação


teleológica» do sistema vale também para as «cons-
truções» do legislador. Contra a opinião de HECK,
estas não são «construções de conceitos privadas de
valores», que se possam corrigir «como um lapso de
redacção», mas antes valorações em trajos de cons-
trução, que são tão vinculativas como qualquer outra
valoração legal.

15. Ao acentuar o significado do sistema para a


obtenção do Direito, não se devem desconhecer os
limites que lhe são colocados. Ele está, sobretudo,
sempre sob a dupla reserva de um «controlo teleoló-
gico», do argumento sistemático e da possibilidade de
um aperfeiçoamento do sistema, em consonância com
o princípio da sua abertura.
Perante isso, requer-se o maior cuidado em face
da tentativa de utilizar alegadas exigências da «jus-
tiça material» contra argumentos sistemáticos: estes
representam, por definição, apenas a ideia final dos
valores da lei, dirigida ao princípio da igualdade e
recebeu, simultaneamente, o seu poder convincente
da autoridade do Direito positivo e da dignidade da
regra da justiça (formal). A solução conforme com o
sistema é, assim, na dúvida, não só a que vincula,
de lege lata, mas sendo também de aceitar como a que
se justifica sob o império de uma determinada ordem
jurídica.
285

De resto, os limites da obtenção do Direito a


partir do sistema resultam dos próprios limites postos
à formação do sistema.

§ 6.º

16. Estes limites à formação do sistema têm o


seu fundamento, por um lado, no desenvolvimento
histórico da ordem jurídica e nas falhas da legislação
relacionadas com a incompleitude do conhecimento e
da linguagem humana, e, por outro, na chamada «ten-
dência individualizadora» da justiça, que se realiza
por sectores, em cada ordem jurídica e contra a qual
actua o pensamento sistemático - conectado com a
«tendência generalizadora»!

17. As quebras sistemáticas, as normas estranhas


ao sistema e as lacunas no sistema devem-se distin-
guir entre si. As quebras no sistema respeitam a
contradições de valores e de princípios, as normas
estranhas ao sistema resultam de valorações que per-
manecem isoladas dentro do conjunto da ordem jurí-
dica e, também das que, em si mesmas, não possuem
qualquer poder convincente e as lacunas no sistema
são a consequência de lacunas de valoração.

18. As quebras no sistema eliminam-se através


da «interpretação sistemática» e da «integração sis-
temática de lacunas».
286

Onde isso não seja viável, porque o teor e o sen-


tido da lei, o Direito consuetudinário ou uma proibi-
ção de interpretação criativa se lhe oponham, fica a
saída de considerar as normas contrárias ao sistema
como nulas, por causa da sua violação da regra cons-
titucional da igualdade; pois as quebras no sistema
representam, por definição, contradições de valores
e, com isso, violações da regra da ~gualdade. O Tri-
bunal Constitucional da União já se pronunciou, de
facto, várias vezes nesse sentido. Com este reconheci-
mento, o sistema ganha aliás, em simultâneo, signi-
ficado prático, sob um novo aspecto.
Não obstante, mantém-se um resquício, ainda que
relativamente pequeno, de quebras no sistema, pois
uma contradição de valoração nem sempre precisa
de significar «arbítrio», no sentido da interpretação
dominante do artigo 3 I GG.

19. As quebras irremediáveis no sistema impe-


dem de facto uma formação cabal do sistema mas
deixam-no, intocado, nos demais âmbitos não directa-
mente atingidos pela quebra; assim sendo, nada de
decisivo depõem contra a aplicabilidade da ideia de
sistema na jurisprudência.
O mesmo vale, no fundamental, para as lacunas
do sistema que são essencialmente mais frequentes
do que as quebras sistemáticas. Elas deixam-se, na
verdade, integrar em parte no sistema através da
realização de valorações adequadas mas, por outro
lado, subtraiem-se em largos troços a qualquer sis-
tematização, em especial onde as lacunas de valora-
287

ções subjacentes respeitem à erupção da «tendência


individualizadora» da justiçaó Abre-se aqui um campo
legítimo para uma forma de pensamento não siste-
mática e, em especial, para a tópica.

§ 7.º

20. Contra a opinião de VIEHWEG, o «pensamento


tópico» específico não se deve considerar com rela-
ção ao «pensamento problemático»; em especial, o
«pensamento aporético» no sentido de N1coLAI
HARTMANN não conduz, necessariamente, à tópica,
mas apenas à abertura do sistema.
A característica da tópica reside então antes em
que a legitimação das premissas a fundamentar se
apoia apenas na i1180~ a, portanto, na «opinião de
todos, da maioria ou dos sábios», isto é, no essencial,
sobre o «common sense».

21. A tópica é, por isso, basicamente, inconciliá-


vel com a doutrina da validade e das fontes do Direito;
pois aquando da aplicação do Direito, as premissas
não se legitimam a partir da «opinião de todos ou da
maioria ou dos sábios» mas sim do Direito positivo
e isso mesmo quando este não coincida com aqueles.
Em especial, a tópica não consegue oferecer nenhum
critério acertado para. a resposta à questão decisiva
de a qual de entre vários «tópicos», que pela sua
natureza apenas podem s~r propostas de solução, se
26
288

deve reconhecer a primazia; só o sistema pode, ém


regra, cumprir esta função de escolha.
Esta insuficiência da tópica perante o princípio da
sujeição da aplicação do Direito à lei resulta de os
seus partidários não distinguirem suficientemente
entre as tarefas da legiferação e as da jurisprudência;
eles desconhecem, sobretudo, que a jurisprudência
tem parcialmente a ver com a execução compreensiva
de valorações já colocadas, mas não com uma escolha
tópica de premissas e que, por consequência, ela é
fundamentalmente uma doutrina do «entendimento
justo» e não uma doutrina da «a'ctuação justa». Além
disso, o pensamento tópico está sempre orientado o
mais estreitamente possível para o problema singular
e corre, por isso, sempre o perigo de ignorar a regra
da unidade interior e da adequação da ordem jurídica.

22. Embora, desta forma, a tópica não possa


abarcar, com correcção e no fundamento a estrutura
da Ciência do Direito, há no entanto áreas nas quais
ela tem uma função legítima a desempenhar. Elas
surgem sobretudo onde faltem valorações legais bas-
tantes e onde, por isso, não haja espaço para o pen-
samento sistemático.
Nessas áreas, a tópica é, por um lado, um mero
recurso e um primeiro passo para uma determinação
sistemática, representando também, por outro, o
único processo justificado. Este último caso verifi-
ca-se, sobretudo onde a própria lei remeta, em branco,
para o «common sense» e deixe ao juiz a determina-
ção das máximas da «actuação correcta>> e onde a lei
289

requeira erupções da «tendência indi vidualizadora»


da justiça contrária ao sistema e, por isso, exija a
orientação ao caso concreto - de acordo com a
tópica.

23. A oposição entre o pensamento sistemático


e a tópica não é, assim, exclusivista. Ambas as for-
mas de pensamento antes se completam mutuamente
interpenetrando-se, até, em parte.
SCHRIFTEN ZUR RECHTSTHEORIE

Seit Sommer 1976 sind erschienen:

51. Juristische Methodik und Politisches System. Von F.


Müller. 127 S. 1976. DM 36,-.
52. Entfaltung der Menschen durch die Menschen. Von D.
Suhr. 233 S. 1976. DM 68,-.
53. Die Bedeutung von Zweckbestirrimungen in der Gesetz-
gebung der Bundesrepublik Deutschland. Von. H. Hõger.
124 S. 1976. DM 32,60.
54. Der rechtsfreie Raum. Von H. Comes. 142 S. 1976.
DM 39,80.
55. Gewohnheitsrecht und Rechtssystem. Von H.-0. Freitag.
183 S. 1976. DM 44,80.
56. Die kogniiiv-praktische Situation. Von D. Suhr. 133 S.
1977. DM 48,-.
57. Zur Fachsprache in der Juristenausbildung. Von Th.-M.
Seibert. 167 S. 1977. DM 49,60.
58. Das subjektive Recht im Proze13 de.r Rechtsgewinnung.
Von J. Schapp. 204 S. 1977. DM 56,-.
59. Die analytische Rechtstheorie: Eine "Rechts.,'-theorie
ohne Recht? Von K.-L. Kunz. 142 S. 1977. DM 42,60.
60. Strukturen juristischer Argumentation. Von Ch. Clemens.
171 S. 1977. DM 54,-.
61. Argumentation und Begründungen in der Ethik und
Rechtslehre. Von Ch. Westennann. 215 S. 1977. DM 58,-.
62. Grundzüge einer Normentheorie. Von F. Lachmayer.
116 S. 1977. DM 38,60.
63. Zur Theorie der juristischen Argumentation. Von G.
Struck. 162 S. 1977. DM 48,-.
64. Legitimitat und Rechtsgeltung. Von H. Hofmann. 103 S.
1977. DM 36,-.
292

65. Untersuchungen zur Stufenbaulehre Adolf Merkls und


Hans Kelsens. Von J. Behrend. 103 S. 1977. DM 33,60.
66. Typuskonzeptionen in der Rechtsthe.orie. Von L. Kuhlen.
177 S. 1977. DM 56,-.
67. Verfassung und Methodik. Von H. P. Prümm. 310 S.
1977. DM 78,-.
68. Privatrechtsbegriffe in den Tatbestanden des Steuerre-
chts. Von W. Maa,Ben. 292 S. 1977. DM 88,-.
69. Der Be.griff der rr Sphéire" in der Rechtswissenschaft.
Von D. v. Schenck. 279 S. 1977. DM 78,-.
70. Die gesellschaftlichen Grundlagen der juristischen Ent-
scheidung. Von E. Dõhring. 227 S. 1977. DM 66,-.
71. Rechnen und Entscheiden. Hrsg. von. A. Podlech. 300 S.
1977. DM 98,-.
72. Die Ordnung der Ehe. Von Ch. Greiff. 137 S. 1977.
DM48,-.
73. GewiJ3heitsverluste im juristischen Denken. Von G.
Haverkate. 247 S. 1977. DM 72,-.
74. Grenzen richterlicher Rechtsfortbildung. Von R. Wank.
298 S. 1978. DM 78,-.
75. Anthropologische Vorausse.tzungen der Staatstheorie
Rudolf Smends. Von J. Poeschel. 225 S. 1978. DM 68,-.
76. Die Einheit der Verfassung. Von F. Müller. 268 S. 1979.
DM68,-.
77. Die Bedeutung der Préijudizien im Verstéindnis der
deutschen Rechtswissenschaft. Von H. Weller. 126 S.
1979. DM 44,-.
78. Kodifikationsgerechte Rechtsprechung. Von D. Rethorn.
184 S. 1979. DM 66,-.
79. Die juristische Frageste,llung des Naturrechts. Von G.
Pai.llus. 51 S. 1979. DM 28,-.
80. Rechtstheorie und Strafrechtsdogmatik Adolf Me.rkels.
Von G. Dornseifer. 135 S. 1979. DM 48,-.
81. Die Bindung des verfassungséindernden Gesetzgebers an
den Willen des historische.n Verfassunggebers. Von E.
Tosch. 148 S. 1979. DM 49,60.
293

82. Die finnische Rechtstheorie unter dem Einflu/3 der


Analytischen Philosophie. Von W. Mincke. 101 S. 1979.
DM48,-.
83. Logische Analyse in der Jurisprudenz. Von O. Weinberger.
220 S. 1979. DM 68,-.
84. Soziologische Feststellungen in der Rechtsprechung des
Bundesgerichtshofs in Zivilsachen. Von F. Jost. 186 S.
1979. DM 59,60.
85. Wortbedeutung und Rechtse.rkenntnis. Von P. Schiffauer.
265 S. 1979. DM 78,-.
86. Die Allgemeine Rechtstheorie Santi Romanos. Von M.
Fuchs. 161 S. 1979. DM 58,-.
87. Die symbolische Natur des Rechts. Von A. Zielcke. 145 S.
1980. DM 58,-.
88. Die Bedeutung des Naturrechts für die Ausbildung der
Allgemeinen Lehren des deutschen Privatrechts. Von M.
Lipp. 168 S. 1980. DM 54, - .
89. Wahrheit und Legitimation im Recht. Von R. De Giorgi.
252 S. 1980. DM 78,-.
90. Der Begriff intentionaler Handlung. Von U. K. Kindhau-
ser. 232 S. 1980. DM 76,-.
91. Die Intersubjektivitat von Wertunge,n. Von H. Schreiner.
193 S. 1980. DM 69,-.
92. Ethik und Rechtswissenschaft. Von E. Winter. 474 S.
1980. DM 128,-.
93. Paradigma und Regei. Von P. Emmerich. 221 S. 1980.
DM74,-.
94. Fi.ktionen im offentlichen Recht, insbesondere im Beam-
te.nrecht. Von M. Pfeifer. 228 S. 1980. DM 76,-.
95. Normentheorie ais Grundlage der Jurisprudenz und Ethik.
Von O. Weinberger. 208 S. 1981. DM 78,-.
96. Das Strafrecht in der Rechtslehre J. G. Fichtes. Von R.
Zaczyk. 136 S. 1981. DM 48,-.
97. Die AufkW.rung und ihr Gegente.il. Von M. W. Fischer.
348 S. 1982. DM 118,-.
98. Verhaltensforschung und Recht. Von F.-H. Schmidt. 183 S.
1982. DM 76,-.
294

99. Der Gedanke einer Kollektivschuld in juristischer Sicht.


Von F. W. Rothenpieler. 310 S. 1982. DM 98,-.
100. Die Rechtsordnung ais Rechtsverhaltnisordnung. Von N.
Achterberg. 159 S. 1982. DM 60,-.
101. Die klassisch-utilitaristische Begründung der Gerechtigkeit.
Von W. Lasars. 169 S. 1982. DM 68,-.
102. Der Erkenntniswert politischer Argumente in der
Anwendung und wissenschaftlichen Darstellung des
Zivilrechts. Von H. Zinke. 197 S. 1982. DM 74,-.

DUNCKER & HUMBLOT / BERLIN


LITERA TURVERZEICHNIS

(As abreviaturas seguem o rrAbkürzungsverzeichnis der


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iNDICE DA INTRODUÇÃO

I- OS DILEMAS DA CltNCIA DO DIREITO NO


FINAL DO SÉCULO XX . JX
1. O lastro de novecentos; formalismo e posi-
tivismo IX
2. Críticas; a necessidade do discurso cientí-
fico integral XVI
3. O irrealismo metodológico . XXIV

II - PERSPECTIV AS METODOLóGICAS NA MU-


DANÇA DO SÉCULO . XXIX
4. Conspecto geral . XXIX
5. A jurisprudência analítica XL
G. A jurisprudência problemática XLV
7. As sínteses hermenêuticas . LIII
8. Cultura e Ciência da decisão LXI

III - A TEORIA EVOLUTIVA DOS SISTEMAS LXIII


9. A ideia de sistema como base do discurso
científico . LXIII
10. A evolução do Direito e a sucessão de
modelos sistemáticos; os modelos perifé-
rico, central e integrado . LXX
11. Modelos sistemáticos e codificações civis LXXXIV

IV - A REALIZAÇÃO DO DIREITO . CI
12. O esquema concepto-subsuntivo; críticas;
a unidade da realização do Direito e a
natureza constituinte da decisão . CI
13. Os modelos de decisão; pré-entendimento,
sinépica e integração horizontal CVII
l 4. O novo pensamento sistemático . CXII
iNDICE GERAL

INTRODUÇÃO IX

s l .'' A FUNÇÃO DA IDEIA DE SISTEMA NA CIÊN-


CIA DO DIREITO 9

I- As qualidades da ordem e da unidade como


características do conceito geral de sistema 9
II - A adequação valorativa e a unidade interior
da ordem jurídica como fundamentos do sis-
tema jurídico . 14
1. Adequação e unidade como premissas
teorético-científicas e hermenêuticas . 14
2. Adequação e unidade como emanações e
postulados da ideia de Direito . 18

~ 2." O CONCEITO DE SISTEMA . 25

I - Conceitos de sistema que niio se justificam a


partir das ideias da adequação valorativa e da
unidade interna da ordem jurídica 2G
1. O sistema «externo» . 2G
2. O sistema de «puros» conceitos funda-
mentais 27
3. O sistema lógico-formal 28
a) O sistema lógico da jurisprudência
dos conceitos 28
306

b) O sbtema axiomático-dedutivo no
sentido da logística 38

4. O sistema como conexão de problemas 45

a) O conceito de sistema de MAX


SALOMON 45
b) A concepção de FRITZ VON HIPPEL 49

5. O sistema como relações da vida . 51


6. O «sistema de decisões de conflitos» no
sentido de HECK e da jurisprudência dos
interesses 55
a) A posição da jurisprudência dos inte-
resses quanto à ideia da unidade do
Direito 56
b) As fraquezas do conceito de sistema
da jurisprudência dos interesses . G2

II - O desenvolvimento do conceito de sistema a


partir das ideias de adequação valorativa e da
unidade interior da ordem jurídica . 6G
1. o sistema como ordem axiológica ou
teleológica 66
2. o sistema como ordem de <{princípios
gerais do Direito» 76

a) As vantagens, na formação do sis-


tema, dos «princ1p1os gerais do
Direito», perante normas, conceitos,
institutos jurídicos e valores 80
b) Os tipos de funções dos «princípios
gerais do Direito» na formação do
sistema 88
c) As diferenças dos «princípios gerais
de Direito» perante os axiomas 100
307

~ 3." A ABERTURA DO SISTEMA 103

I- A abertura cio «sistema cientifico» como


incompleitude do conhecimento científico. 106
II - A abertura do «sistema objectivo» como
modificabilidade dos valores fundamentais
da ordem jurídica . 107
UI - O significado da abertura do sistema para
as possibilidades do pensamento sistemcítico
e da formação do sistema na Ciência do
Direito . 109
IV - Os pressupostos das modificações do sis-
tema e a relaçcio entre modificações do
sistema objectivo e do sistema científico 112

1. Modificações do sistema «objectivo» 114


2. Modificações no sistema «científico» 124

~ 4." A MOBILIDADE DO SISTEMA . _,


I ')~

I- As características do «sistema móvel», no


conceito de WILEURG . 127
II - Sistema móvel e conceito geral cio sistema l :::o
III - Sistema móvel e Direito vigente 1:H

1. A prevalência fundamental das partes


rígidas do sistema . 134
2. A existência de partes móveis no sistema l 35

IV - O significado legislativo e metoclológico cio


sistema móvel . l ')()
.)(_)

1. O sistema móvel e a necessidade ele uma


diferenciação mais marcada . l."38
2. Sistema móvel e cláusula geral 141
3. A posição inter111édia do sistema móvel
entre a cláusula geral e a previs,10 nor-
308

mativa rígida e a necessidade de uma


ligação entre estas três possibilidades
de formulação 14.3

~ 5." SISTEMA E OBTENÇÃO DO DIREITO . 149

I- Ordenação sistemcítica e determinação do


conteúdo teleológico . 154
1. A «interpretação sistemática» 157
2. A integração de lacunas a partir do
sistema 167

II - O significado cio sistema para a defesa da


unidade valorativa e ela adequação na inter-
pretaçcio do Direito . 172
1. A prevenção de contradições de valores 173
2. A determinação de lacunas . 176

III - O conteúdo valorativo das construções legais 178


IV - Os limites da obtenção do Direito a partir
do sistema 186
1. A necessidade de controlo teleológico 187
2. A possibilidade de um aperfeiçoamento
do sistema . 188
3. Justeza sistemática e justiça material . 193
4. Os limites da formação do sistema como
limites da obtenção do Direito a partir
do sistema . 196

OS LIMITES DA FORMAÇÃO DO SISTEMA 199

I- Quebras no sistema . 200


1. Quebras no sistema como contradições
de valores e de princípios . 200
309

2. Delimitação das contradições de valores


e de princípios perante os fenómenos
aparentados 201

a) Perante as diferenciações de valores 201


b) Perante os limites imanentes de um
princípio 202
e) Perante a combinação de piincípios 202
d) Perante as oposições de princípios 204

3. As possibilidades de evitar contradições


de valores ou de princípios, através da
interpretação criativa do Direito 207

a) As possibilidades da interpretação
sistemática 208
/J) As possibilidades da complementa-
ção sistemática das lacunas 211
e) Os limites da eliminação de contra-
dições de valores e de princípios
através da interpretação criativa do
Direito 212

4. A problemática da vinculabilidade de
normas contrárias ao sistema e a ligação
do legislador ao pensamento sistemático 217

a) A solução com auxílio da aceitação


de uma «lacuna de colisão» 218
b) A sol uçâo com auxílio do principio
constitucional da igualdade 224

5. O significado das quebras sistemáticas


que se mantenham para as possibilida-
des do pensamento sistemático e da for-
mação do sistema na Ciência do Direito 233
310

II - Normas estranhas ao sistema . 235

l. Normas estranhas ao sistema comei vio-


lação do principio da unidade da ordem
jurídica 235
2. Interpretação e validade de normas estra-
nhas ao sistema 237

III - Lacunas no sistema 239

1. Lacunas no sistema como lacunas na


valoração 239
2. Lacunas no sistema como erupções de
modos d~ pensar não sistemáticos . 241

~ 7." PENSAMENTO SISTEMATICO E TóPICA . 243

I- Para a caracterizaçcio da tópico . 245

1. Tópica e pensamento problemático 245


2. Tópica e legitimação de premissas atra-
vés de svo',Ê'l ou de «common sense» 251

II - O significado da tóµica para a Ciência do


Direito . 255

1. A critica básica da tópica 255

ci) A impraticabilidade da vertente «re-


tórica» da tópica . 255
b) A insuficiência da tópica perante o
problema da validade e da adstrin-
gibilidade jurídicas 256
c) A tópica como doutrina da actuação
justa e a jurisprudência como Ciên-
cia do entendimento justo . 262
311

2. As possibilidades remanescentes da
tópica . 269

a) A tópica como meio auxiliar perante


a falta de valores legais bastantes
em especial nos casos de lacunas 270
b) A tópica como processo adequado
perante remissões legislativas para
o «common sense» e perante deci-
sões de equidade 271

3. A interpretação e a múltipla comple-


mentação dos pensamentos sistemático
e tópico 273

§ 8.º TESES . 279


Esta :-',." edi<;ão de PENSAMENTO SIS-
TEMr\.TICO E CONCEITO DE SISTEMA NA
CIÊNCIA DO DIREITO. de Claus-\Vilhelm
Canaris, tüi impressa em offset e brochada
para a l'undaçâo Calous/e G'u/l;enkian nas
ulkinas ck A. Coelho Dias. S. A., Lisboa.
A tiragem é de :',000 cxemplare~

Maio ck 2002

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