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VITÓRIA - ES
2022
Livia Reis Caliman
Vitória
2022
Em suma o filme Xingu, retrata a história de uma das aventuras dos irmãos Villas-Bôas que
fulminaram na construção do parque indígena do Xingu. Adjunto a isso, retrata a luta dos indígenas
contra os brancos que causaram grande estrago em toda sua cultura e vivencia. Tais estragos to-
maram proporções inimagináveis como a destruição de tribos inteiras, epidemias de doenças e ou-
tros. Em contraste com esse cenário, tem-se o governo brasileiro impondo a construção de bases
militares, rodovias e a distribuição de terras, alegando a expansão agrícola sem medir as conse-
quências para com os povos que habitam tais terras e os desastres naturais que ali causavam. Ao
realizar uma análise mais precisa de tal cenário, é perceptível a presença de diversos conceitos
abordados por aclamados filósofos e pensadores que se mostram relevantes para a compressão
dos conteúdos socias, filosóficos e políticos abordados em sala de aula.
A priori, o filme nos retrata o alistamento de diversos trabalhadores para a marcha do oeste,
sendo esses listados por critérios como o de instrução, segregação essa resultada do que Marx e
Engels denominam como divisão social do trabalho1. Com o início das expedições os irmãos Villas-
Bôas se deparam com grupos indígenas que se encontravam em estado de natureza2 análogo ao
determinado por Locke e engendravam o que Tilly denomina um estado-nação3. Além do que tais
indígenas são vistos durante todo o filme, principalmente pelos brancos como Selvagens. Ao longo
do desenrolar da história tais concepções vão sendo desmitificadas na visão dos irmãos, principal-
mente Claudio que anotava em um diário tudo que aprendia com esses povos, passando através
de sua experiencia4 acumular conhecimento sobre a cultura desses fomentando assim o conceito
empiristas de Locke.
Ademais, tem-se permeado no enredo elementos como a coerção5 presente na obra de Tilly
que resultam em perdas ou danos, visível na cena em que é destruída uma tribo inteira para a
tomada de um território. Território esse pertencente aos indígenas por um direito natural, configu-
rando aquilo que Locke retrata sobre propriedade6. Com a problemática das tomadas de terra, mui-
tos povos nativos foram dizimados e submetidos ao trabalho forçado como relatado pelo grupo de
indígenas Caiabis que saem das seringueiras e vão à procura de ajuda, configurando um cenário
1 QUINTANEIRO, Karl Marx. “A divisão social do trabalho expressa modos de segmentação da sociedade, ou
seja, desigualdades sociais mais abrangentes como a que decorre da separação entre trabalho manual e
intelectual [...]”
2 WEEFORD, Locke (cap.4). “Nesse estado pacífico os homens já eram dotados de razão e desfrutavam da
propriedade que, numa primeira acepção genérica utilizada por Locke, designava simultaneamente a vida, a
liberdade e os bens como direitos naturais do ser humano”.
3 TILLY, 1993 (cap.1). Estado-nação é um estado cujo povo compartilha uma forte identidade linguística, reli-
giosa e simbólica.
4 WEEFORD, Locke (cap.4). “e onde apreende todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso res-
pondo, numa palavra, da experiência. Todo o nosso conhecimento está nela fundado e dela deriva fundamen-
talmente o próprio conhecimento”.
5 TILLY, 1993 (cap.1). “A coerção compreende toda aplicação combinada - ameaçada ou real - de uma ação
que comumente causa perda ou danos às pessoas ou às posses de indivíduos ou grupos, os quais estão
conscientes tanto da ação quanto do possível dano. (Essa definição desajeitada exclui o dano não-intencional,
indireto e secreto). [...] a coerção define um campo de dominação.”
6 WEEFORD, Locke (cap.4). Locke traz a ideia de que a propriedade privada é um direito natural, inerente ao
7 CHAUÍ, 2008. O que é ideologia. “passamos da mercadoria como coisa à mercadoria como valor de uso e
de troca, destes à mercadoria como tempo de trabalho social, deste à mercadoria como trabalho não pago e,
portanto, à forma de relação social entre o proprietário privado dos meios de produção e o trabalhador por ele
explorado.”
8 QUINTANEIRO, Karl Marx. Para satisfazer suas carências e necessidades, os seres humanos precisam
produzir seus meios de vida. Nessa atividade, recriam a si próprios e se reproduzem. E para produzir, os
humanos tentam dominar as circunstâncias naturais, e para isso, modificam o meio ambiente.
9 QUINTANEIRO, Karl Marx. “A ação dos indivíduos sobre a natureza é expressa no conceito de forças pro-
dutivas - o qual busca apreender o modo como aqueles obtêm, em determinados momentos, os bens de que
necessitam e, para isto, em que grau desenvolveram sua tecnologia, processos e modos de cooperação, a
divisão técnica do trabalho, habilidades e conhecimentos utilizados na produção, a qualidade dos instrumen-
tos e as matérias-primas de que dispõem. Esse conceito pretende, pois, exprimir o grau de domínio humano
sobre a natureza [...]”
10 CHAUÍ, 2008. O que é ideologia. “O Estado não é um poder distinto da sociedade, que a ordena e regula
para o interesse geral definido por ele próprio enquanto poder separado e acima das particularidades dos
interesses de classe. Ele é a preservação dos interesses particulares da classe que domina a sociedade. Ele
exprime na esfera da política as relações de exploração que existem na esfera econômica. O Estado é uma
comunidade ilusória.”
11 CHAUÍ, 2008. O que é ideologia. “Ou, ainda, faz com que os homens creiam que são desiguais por natureza
e pelas condições sociais, mas que são iguais perante a lei e perante o Estado, escondendo que a lei foi feita
pelos dominantes e que o Estado é instrumento dos dominantes. [...]”
12 CHAUÍ, 2008. O que é ideologia. Fatos não são mostrados como realmente são, a autora exemplifica atra-
vés da fala: “quando se diz que os homens são livres por natureza e que exprimem essa liberdade pela
capacidade de escolher entre coisas ou entre situações dadas, sem que se analise quais coisas e quais
situações são dadas para que os homens escolham.”
fazendeiro, o grupo é recebido por um trabalhador que claramente se encontra alienado13 e conse-
quentemente dominado por uma ideologia14, essa retrata os indígenas como “algo ruim” e ameaça-
dor explicitando um dos conceitos de Chauí sobre trabalhadores que se encontram dominados15.
Logo após esse episódio, se desdobram lutas para retomada da terra e é proclamado por um dos
Villas-Bôas à jornalistas que na região do Xingu se alastrou um estado de guerra16, cenário análogo
ao descrito por Hobbes em que a desconfiança de ataques faz com que a guerra se generalize entre
os homens, neste caso proporcionado pela distribuição aleatória das terras que formam o parque.
Sobre a proposta de estabelecimento do Parque do Xingu, os Villas-Bôas tiveram tal ideia
afim de retardar que mais danos acontecessem, estabelecendo assim o isolamento dos indígenas
e buscando também conservar sua liberdade17, que para Rousseau é uma das condições primordi-
ais para o estabelecimento de pactos entre os indivíduos. Nessa luta contam com o apoio de Jânio
Quadros que mais a frente se tornaria presidente do Brasil, esse mostrava uma semelhança de
interesses no estabelecimento concreto da área, configurando ações análogas a de uma classe
ascendente18 como Chauí bem descreve, pois após sua eleição e estabelecimento no poder, seus
interesses passam a ser particulares efetuando, por exemplo, a construção da transamazônica em
cima do Parque. Tal construção também demostra o conceito de hegemonia 19 perpetuado pela
classe dominante (em questão a ascensão de Jânio) para a manutenção dessas ideais dominantes,
por exemplo, de que o mesmo é a favor das causas indígenas.
Após o estabelecimento do parque e o inicio da ocupação dos indígenas no “novo” território,
um desses grupos se recusa a entrar no avião e ir afirmando que no local que está agora ele trabalha,
ganha seu dinheiro e quer ficar com sua família, essas falas demonstram aspectos da sociedade
capitalista abordado por Marx como força de trabalho20.
Faz presente também em uma cena de discursão entre um dos irmãos Villas-Bôas e um
13 CHAUÍ, 2008. O que é ideologia. Indivíduo alienado é aquele que no plano de experiência vivida e imediata
as condições reais de existência social não lhe aparecem como produzida por ele. Mas, ao contrário, eles se
percebem produzidos por elas e atribuem a origem da vida social a forças alheias às suas. Possibilitando
assim a ideologia.
14 CHAUÍ, 2008. O que é ideologia. Sendo ideologia um conjunto lógico, sistemático e coerente de ideias,
valores, normas e regras de caráter prescritivo e regulador que ocultam a realidade, se tornando um instru-
mento de dominação.
15 CHAUÍ, 2008. O que é ideologia. No processo de dominação os trabalhadores aceitam a ideologia nacio-
nalista, pois são levados acreditar que não sabem pensar. Isso se dá por conta da divisão do trabalho, e assim
precisam acreditar em quem pensa.
16 WEEFORD, Hobbes, 2011 (cap.3). “[...] Dessas suposições recíprocas, decorre que geralmente o mais
razoável para cada um é atacar o outro, ou para vencê-lo, ou simplesmente para evitar um ataque possível:
assim a guerra se generaliza entre os homens. [...]”
17 WEEFORD, Rousseau, 2011 (cap.6).” Fora preciso muito menos do que o equivalente desse discurso para
arrastar homens grosseiros, fáceis de seduzir, [...] todos correram ao encontro de seus grilhões, crendo as-
segurar sua liberdade [...] tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis, [...]”
18 CHAUÍ, 2008. O que é ideologia. Uma classe retrata uma universalidade ilusória que não pode parecer
particular contra outra classe, depois da ascensão seus interesses passam a ser particulares, utilizando de
procedimentos radicais.
19 CHAUÍ, 2008. O que é ideologia. “Esse fenômeno de manutenção das ideias dominantes mesmo quando
se está lutando contra a classe dominante é o aspecto fundamental daquilo que Gramsci denomina de hege-
monia, [...]”
20 QUINTANEIRO, Karl Marx. O trabalhador vende sua força de trabalho em troca de um salário. O autor
21 CHAUÍ, 2008. O que é ideologia. “Para a ideologia burguesa, toda a história é o progresso[...] E que o
historiador burguês aceita a imagem progressista que a burguesia tem de si mesma, na medida em que a
burguesia considera um progresso seu modo de dominar a Natureza e de dominar os outros homens. Com
esse culto do progresso, a burguesia e seus ideólogos justificam o direito do capitalismo de colonizar os povos
ditos “primitivos” ou “atrasados” para que se beneficiem dos “progressos da civilização”.
22 WEEFORD, Maquiavel, 2011 (cap.2). “(Discursos, livro I, cap. XXXIX.) A história é cíclica, repete-se indefi-
tas, "uma das quais provém de não desejar o povo ser dominado nem oprimido pelos grandes, e a outra de
quererem os grandes dominar e oprimir o povo" (O principe, cap. IX). Note-se que uma das forças quer domi-
nar, enquanto a outra não quer ser dominada.”
24 WEEFORD, Locke (cap.4). “Os direitos naturais inalienáveis do indivíduo à vida, à liberdade e à proprie-
dade[...]”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
WEFFORT, Francisco Corrêa (Org). Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Mon-
tesquieu, Rousseau, “o Federalista”. São Paulo: Ática, 2001. 13. ed. 287p.
TILLY, Charles. Coerção, capital e estados europeus: 990-1992. São Paulo: EDUSP, [1996].
QUINTANEIRO, Tania; OLIVEIRA, Mácia Gardênia Monteiro de. Um toque de clássicos. UFMG,
2003.
HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções. Europa, 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007
(1977).