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LEANDRO MARINS DE SOUZA

TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO
SETOR NO BRASII
Leandro Marins de Souza

é Mestre em Direito Econômico

e Social pela Pontifícia

Universidade Católica do Paraná,

instituição pela qual se graduou,

e Advogado em Curitiba.
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TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO
SETOR NO BRASIL

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LEANDRO MARINS DE SOUZA

TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO
SETOR NO BRASIL

Paulo - 2004
O by Leandro Marins de Souza

[DIALÉTICA| é marca registrada de


Oliveira Rocha - Comércio e Serviços Ltda.

Todos os direitos desta edição reservados


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ISBN nº 85-7500-105-1

Na capa, reproduz-se, em destaque,


obra de Marola Omartem.

Revisão de texto: Camilla Bazzoni, Fernanda Batista dos Santos,


Rita de Cássia da Cruz Silva e Viviam Silva Moreira

Editoração eletrônica: Mars

Fotolito da capa: Duble Express

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Souza, Leandro Marins de


Tributação do terceiro setor no Brasil /
Leandro Marins de Souza. -- São Paulo : Dialética,
2004.

Bibliografia.
ISBN 85-7500-105-1

1. Direito tributário - Brasil 2. Terceiro


setor - Brasil - Tributação |. Título.

04-0581 CDU-34:336.2:338.46(81)

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil : Terceiro setor : Tributação:
Direito tributário 34:336.2:338.46(81)
Agradecimentos

Agradeço a meu orientador, Professor Doutor James Marins, pelo crédito


que sempre me concedeu e por timonear com a perfeição de sempre nas aderna-
das de meu trabalho, mostrando-me o rumo do porto seguro.

À PUC/PR, na pessoa do Professor Doutor Carlos Frederico Marés de Sou-


za Filho, Coordenador do Mestrado em Direito Econômico e Social. Aos pro-
fessores do Mestrado da PUC/PR, na pessoa do Professor Doutor Roberto Fer-
raz.

Ãos professores que participaram da banca examinadora da dissertação que


deu origem à presente obra, Roberto Catalano Botelho Ferraz, Heleno Taveira
Tórres, Roberto Quiroga Mosquera e Luiz Alberto Blanchet, pelas importantes
e úteis observações. Ao Professor Doutor Valdir de Oliveira Rocha, pela honra
que me foi dispensada em acolher a publicação do presente trabalho por sua pres-
tigiosa Editora.

A toda minha família, início e razão de tudo, o que faço no nome dos meus
avós Astolpho Macedo de Souza Filho (in memoriam) e Stella Marins de Souza
(in memoriam); Isidoro Age (in memoriam) e Lígia Capanema Age; e do ilustre
Senhor Hélio Porto Sandoval (in memoriam). À minha amada Juliana Sandoval
Leal, que com amor, carinho, compreensão, estímulo e muita paciência, fez trans-
formar as horas perdidas em motivo para a confirmação de nosso sentimento,
encontrando forças, ainda, para a revisão do trabalho.

A todos os colegas de escritório, advogados, estagiários e funcionários, o


que faço em nome do Professor Doutor Antônio Carlos Efing, meu padrinho
jurídico. Aos Drs. André Ferrini, Bernardo Guimarães e Rodrigo Petry, pelo au-
xílio irrestrito. Aos meus amigos todos, em especial a Marco Aurélio Oliveira,
amigo para todas as horas, verdadeiro irmão.

Agradeço especialmente, dedicando este trabalho:

Ao meu pai, Paulo, à minha mãe, There, ao meu irmão, Cassi e à minha
irmã Nina, por tudo.

Leandro Marins de Souza


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Prefácio

Este primoroso livro do Dr. Leandro Marins de Souza, intitulado Tributa-


ção do Terceiro Setor no Brasil, materializa o resultado de um lustro de apro-
fundadas pesquisas e rico labor intelectual. Em verdade, nesse novo trabalho o
autor retoma, avança e amplia sua produção científica no tema de sua predile-
ção, uma vez que sua anterior incursão monográfica nessa área foi amplamente
acolhida como referência segura em numerosos estudos tributários sobre o ter-
ceiro setor* de modo a animar a continuidade da sua pesquisa e da necessária
reflexão.
O tópico é imprescindível. A existência do “terceiro setor” é uma realida-
de tão antiga como a vida em sociedade, mas seu desenho jurídico ainda assu-
me contornos nebulosos. No terreno tributário, apesar da robusta proteção de raiz
constitucional, prosperam confusos preceitos legais e infralegais que originam
incertos conceitos doutrinários que desaguam em repetidos desencontros juris-
prudenciais.
Cuida-se de uma realidade polimórfica, pois a atividade organizada que se
configure como não empresarial (i.e., não lucrativa) e não estatal é pela sua pró-
pria natureza objeto de diversas indagações e especulações de caráter socioló-
gico, político, econômico e, naturalmente, jurídico. O autor, mostrando larga
abrangência de raciocínio, introduziu o assunto com o exame de material apa-
rentemente extrajurídico, mas em cujo cimento se assenta a realidade que à le-
gislação cumpre regular e que à dogmática cumpre descrever sob o ponto de vista
jurídico, estrito senso.
Pareceu-nos correta a postura do Dr. Leandro, já que duas atitudes concre-
tas podem ser adotadas pelo intelecto do cientista sobre seu objeto de estudos.
Uma primeira destinada a conhecer estrita e precisamente o fenômeno sobre o
qual se debruça, buscando estabelecer suas regras homogêneas de funcionamen-
to, sem o propósito de estabelecer qualquer espécie de juízo sobre o fenômeno
e também sem a intenção de influir sobre ele, mas, tão-somente com a intenção
de descrevê-lo.
A segunda atitude intelectual diante do fenômeno não se cinge tão-somen-
te à descrição do que é ou do que acontece, mas aspira “enunciar proposições
indicativas de como esses fenômenos devem ser ou produzir-se para que seja
possível o logro de certas metas” (Sainz de Bujanda). Naturalmente essa duali-
dade é própria das ciências que têm como material de investigação objetos cul-
turais (como o chamado “terceiro setor” enquanto fenômeno social).
No entanto, situar o viés empírico ou normativo da Ciência que tome em
suas mãos o objeto jurídico é tarefa que supõe as mesmas e conhecidas dificul-
dades existentes no momento em que o cientista promove o corte epistemológi-

* SOUZA, Leandro Marins de. Imunidade tributária: entidades de educação e assistência


social, Curitiba : Juruá, 2001.
8 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

co, no qual, deliberadamente, separa a matéria política ou econômica ou socio-


lógica que se adere ao material de Direito positivo, ainda que de distintas subs-
tâncias se esteja tratando. O problema inerente ao Direito reside em que seu
objeto, a norma jurídica, enquanto material cultural é carregado de conteúdo éti-
co, impregnado de valor e, desse modo, fortemente normativo, não como sim-
ples roteiro lógico, mas sim no sentido de uma normatividade ética que está
imbricada com juízos acerca dos ideais a serem alcançados e não meramente com
a descrição do que existe. Então o Direito assume uma natureza dúplice, cultu-
ral corpórea, e susceptível de exame empírico lógico-normativo, que corresponde
à lógica deôntica (o “objeto jurídico”, a “norma jurídica”) e ideal incorpórea,
essencialmente ético-normativa (o “valor jurídico”, a “idéia de Direito”, ou o
“Direito justo”). Como não se pode aceitar - metodologicamente - que corpo e
alma do Direito se fundam na mesma realidade (embora, em verdade, assim o
seja), pois isso implicaria aceitarmos um objeto incognoscível para a ciência,
opera-se - em toda proposta metodológica para o Direito, consciente ou incons-
cientemente - uma cisão forçada e inexorável, uma ruptura entre o material ló-
gico-normativo positivado e o valor que lhe é imanente, ético-normativo, sem
embargo, naturalmente, das proposições metodológicas de integração que, no
entanto, não passam de meras propostas de aproximação, dadas as axiomáticas
barreiras gnoseológicas que afligem todo objeto impregnado de valor.
Sem embargo - e aqui se estabelece o eterno conflito - o trabalho do cien-
tista do Direito não pode ser encarcerado ora somente no plano empírico ora
exclusivamente no plano normativo, pois o resultado de seu esforço poderá ser
empírico ou ético-normativo, dependendo da postura intelectual adotada, e des-
de que o faça conscientemente. O que nos parece mais adequado dizer é que a
Ciência do Direito em sentido estrito, a dogmática jurídica, tem como escopo a
produção de enunciados descritivos da lógica-normativa, prescritiva, inerente ao
sistema de direito positivo, embora algumas vezes, sem embargo, produza juí-
zOs ético-normativos de caráter endógeno, destinados ao aperfeiçoamento do
próprio sistema, como missão indeclinável do estudioso.
E isso fez o autor deste livro, à perfeição. Ao tempo que reconhece a ne-
cessidade de compreensão do fenômeno político e socioeconômico representa-
do pelo terceiro setor, buscando o “conceito corrente” de terceiro setor, como
denominou, procede ao seu rigoroso encaixe no sistema normativo brasileiro a
partir da Constituição Federal de 1988 e deduz as consegiiências Jurídicas per-
tinentes, que não são poucas. Sem embargo - ademais - procede à análise crítica
do ordenamento posto não apenas em seus atritos intranormativos, como tam-
bém no que concerne aos campos de hiato entre a realidade socioeconômica e o
material legislado.
Assim é que, buscando, dentro do possível, na norma o espelho da realida-
de, o autor oferece-nos a seguinte definição, de preciosa singeleza: “O Terceiro
setor é toda ação, sem intuito lucrativo, praticada por pessoa física ou jurídica
de natureza privada, como expressão da participação popular, que tenha por fi-
nalidade a promoção de um direito social ou seus princípios.” É notável nesse
TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL 9

conceito de Leandro Marins de Souza a virtude de formalizar uma noção de gran-


de complexidade, utilizando com precisão científica todos os recursos necessá-
rios às abstrações jurídicas. Merece destaque o fato de que tampouco se furta a
enfrentar os subconceitos que compõem a definição, pois investiga adequada-
mente todos seus elementos, em especial a noção de “direito social”, autêntica
chave constitucional desvelada nesse trabalho.
Tivesse o autor parado nesse ponto já estaríamos diante de um livro indis-
pensável para a comunidade jurídica, mas foi muito mais além. Escorado em sua
bem posta teoria avançou pelas “formas jurídicas” que corporificam as organi-
zações do terceiro setor (fundações privadas, associações civis, sindicatos, coo-
perativas sociais), seus “títulos de utilidade pública” e variadas qualificações
(CEBAS, OS, OSCIP), no contexto da denominada reforma do marco legal do
Terceiro Setor.
Examinou detidamente as imunidades e as isenções no quadrante consti-
tucional e infraconstitucional, formulando certeiras críticas à confusão engen-
drada e promovida pelos poderes públicos no que se refere a institutos de natu-
reza jurídico-tributária tão distintas. Nessa toada e sobretudo com impecável e
retilínea lógica constitucional, promove exaustiva e valiosa análise do regime
imunitório das entidades de educação e assistência social, das entidades sindi-
cais de trabalhadores e das entidades beneficentes de assistência social. Também
sistematiza os regimes isencionais de diversos tributos de variada espécie como
PIS, Cofins, CSLL, SAT, IR, salário-educação, IPI, IOF, II, e inclusive ICMS,
quando relacionados com atividades de instituições de caráter confessional, fi-
lantrópico, científico, artístico, cultural etc., além de situar o regime de deter-
minados incentivos fiscais relacionados ao terceiro setor, como Lei Sarney, Lei
Rouanet, Lei do Audiovisual, Funcine e inclusive o Estatuto da Criança e do
Adolescente. Um esforço louvável e sem precedentes em nossa doutrina tribu-
tária.
É, como se vê, um volume rico de grandes virtudes e marcada utilidade.
Um livro, que, como poucos, não se limita a vertebrar um corpo tão desarticula-
do como a tributação do terceiro setor, mas edifica teoria, aponta com precisão
milimétrica o rumo a ser tomado, e, não bastasse todo o mais, opera tal qual vi-
gorosa voz em prol da mais antropológica, da mais humanitária entre as tendên-
cias econômicas das sociedades contemporâneas: a revalorização do non profit.
Está de parabéns o jovem autor e com ele o programa de Mestrado em Direito
Econômico e Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, onde este
trabalho foi gerado.

James Marins,
Professor do Mestrado em Direito Econômico e Social da PUC/PR.
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Sumário

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Título I - Primeiro Corte Metodológico: Noções Principiológicas para


a Delimitação ao Objeio de Estudo xo done imeneneascaranancaniaead
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Capítulo 1 - O Poliedro do Terceiro Setor: Breve Incursão nos Debates
MRERITICOS SONETO DEN corados: crop unas inteirasro roi nora sea al o ei 21
Capítulo 2 - Contexto Socioeconômico-político de Desenvolvimento do
CESTA TO Tee ro UR A ni E A SD DE 51
65

Título 2 - Conceito Jurídico de Terceiro Setor ............a n


Capítulo 4 - Aproximação Jurídica para o Conceito de Terceiro Setor .. n
Capítulo 5 - Matriz Constitucional do Terceiro Setor: Percurso Evoluti-
vo e Consolidação de seu Desenvolvimento através da Constituição Fe-
Ta
EE UUPo RGdoSR aa ENRICO ed E 1 ER 75
Capítulo 6 - Conceito de Terceiro Setor no Brasil, juridicamente Consi-
Ca
fo AETereva DA RAI A q cad e MD 95
Capítulo 7 - “Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor”................... 103
Capítulo 8 - Formas Jurídicas que podem assumir as Organizações do
dEUSOS do RUCA ES a TRE 107
Capítulo 9 - Títulos e Qualificações Relacionados com as Entidades do
PRE NCCNEO SELO nua oco csinne ade sega aa atado nos ES Gibaico alisa maia atm 121

Título 3 - Tributação do Terceiro Setor no Brasil.............eeeemersees 137


Capítulo 10 - Imunidades Tributárias Destinadas ao Terceiro Setor ...... 138
Capítulo 11 - Algumas Isenções Tributárias Destinadas a Entidades Per-
tencentes ao Terceiro Setor e suas Atividades ...................siiteeeeeeres 263
Capítulo 12 - Outros Benefícios Fiscais Existentes no Ordenamento Ju-
rídico Brasileiro, Relacionados com Atividades Desenvolvidas pelo Ter-
ER PRO SONO Ufo Maio PE Mio odoh ese ia destinaEram = ana pa fones e e netas 301

CONChISOCSA E cm RU (e a a rr o eo sRENR aa Ra ao SENEO CAs Po Rana e abi a caca e Ginsaa ES 319

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Introdução

Conceito que tem se desenvolvido visivelmente no cenário nacional, sobre-


tudo em tempos de Reforma do Estado, diz respeito ao chamado Terceiro Setor.
Em largas passadas, o conceito de Terceiro Setor, agora com o intuito de
simplesmente fixar premissa de estudo para o trabalho a ser desenvolvido, ori-
gina-se do desenvolvimento de organizações privadas com adjetivos públicos,"
portanto agregando características do Primeiro Setor (Estado, Administração
Pública) e do Segundo Setor (mercado), mas se afastando da burocracia estatal
e das ambições do mercado. Esta característica intermediária lhes permite a pres-
tação de serviços de interesse social, que verdadeiramente seriam de competên-
cia primitiva do Estado, mas que, por sua crise institucional, acaba por ter suas
ações substituídas pelas atividades desenvolvidas por entidades do Terceiro Se-
tor.
O papel substitutivo? das organizações do Terceiro Setor como instrumen-
to de efetivação das necessidades sociais é patente e toma contornos de impres-
cindibilidade, sobretudo em face da chamada globalização. O atual momento
mostra, verdadeiramente, uma crise na concepção de Estado. Estamos em uma
fase de transição que aponta para a configuração do Estado inteligente,” em con-
trapartida ao Estado mínimo e à mão invisível de Adam Smith.
Este Estado inteligente, ao se preocupar em dar conta de determinados se-
tores estratégicos para a sociedade, estaria necessariamente voltado ao desenvol-
vimento social, aqui se apontando o importante papel das organizações do Ter-
ceiro Setor como entidades de colaboração* ao Estado, por força de sua nature-
za eminentemente social.

! PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídi-
cos, administrativos, contábeis e tributários, Brasília : Brasília Jurídica, 1999, p. 45.
12
Expressão que se encontra tanto na obra de José Antonio del Campo (La fiscalidad de las
fundaciones y el mecenazgo, Valencia : Tirant lo Blanch, 2000, pp. 74 e ss.) quanto na
obra de Marcos Vaquer Caballería (La acción social: un estudio sobre la actualidad del
Estado Social de Derecho, Valencia : Tirant lo Blanch, 2002, pp. 201 e ss.). Sobre a no-
ção lídima de substituição, em cotejo com a expressão colaboração, ver Título II, capí-
tulo 6.2.
3 Expressão utilizada por Bernardo Kliksberg (Repensando o Estado para o desenvolvimen-
to social: superando dogmas e convencionalismos, trad. Joaquim Ozório Pires da Silva,
São Paulo : Cortez, 1998, p. 45).
* Expressão também utilizada por Caballería (op. cit., p. 201).
Ss Bernardo Kliksberg (op. cit., p. 67) apreende a importância das organizações do Terceiro
Setor como ferramentas de obtenção dos objetivos do Estado inteligente, assim asseve-
rando: “O Estado deve ser o fator convocante da formação de meta-redes, que integrem,
junto com os organismos públicos da área social, as regiões e os municípios, as ONGs,
fundações empresariais privadas, movimentos sindicais, organizações sociais religiosas,
Universidades, organizações de vizinhos, outros atores da sociedade civil e as comuni-
dades pobres organizadas.”
14 TriButaçÃo DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

É o Terceiro Setor, portanto, realidade que vem a reboque das novas noções
de Estado, ou seja, da própria evolução do conceito de participação e interferên-
cia estatais, apresentando-se como ferramenta de longo alcance e de investidura
precisa sobre as necessidades sociais. Ou ao menos é uma proposta de reformu-
lação do papel do Estado, a ser no mínimo avaliada com detença.
A ratificar sua importância, faz-se mister que sejam trazidos à colação al-
guns apontamentos sobre a vasta utilização deste instrumento, tanto no Brasil
como em outros países, mesmo que a sua regulação seja ainda imprecisa e inci-
piente, sobretudo em nosso país.
Eduardo Szazi traz números bastante expressivos da participação do Ter-
ceiro Setor no Brasil, ao dizer que
“recentes pesquisas apontam que o Terceiro Setor gastou no Brasil cer-
ca de 10,9 bilhões de reais em despesas operacionais no ano de 1995, o
que corresponde a 1,5% do PIB daquele ano. Parcela significativa dos
recursos (61,1%) foi gerada pelas próprias entidades: o governo contri-
buiu com 12,8% e os Doadores Privados, com os restantes 26,1%, com-
putadas as doações em moeda e bens de pessoas físicas e jurídicas e o
valor do trabalho voluntário.”
E continua o autor, dando conta de que “nos Estados Unidos, o Terceiro
Setor representa 6,3% do PIB e detinha, em 1988, ativos equivalentes a 670 bi-
lhões de dólares”.?
Caballería também apresenta estatísticas que corroboram com o antes ex-
pressado, dando conta da importância do Terceiro Setor no cenário mundial:
“En el Reino Unido, en 1995 el gasto de las organizaciones del tercer sec-
tor representaba un 6,6% del PIB y dicho sector ocupaba a 16 millones
de voluntarios (equivalentes en horas de trabajo a unos 1,7 millones de
empleados a tiempo completo) y a 1,5 millones de asalariados a tiempo
completo que, sumados a los anteriores, representan en total el 12,39% del
empleo global de la economía. En los siete países estudiados en detalle
por Salamon y Anheier en 1996 (EE. UU., Reino Unido, Francia, Ale-
mania, Italia, Hungría y Japón), el gasto operativo del sector representa-
ba de media el 4,5% del PIB *y cuatro veces las ventas brutas de Gene-
ral Motors, la mayor compafiía privada del mundo”. En la Fase II del
mismo estudio, referida a 1995 y ampliada a 22 países (incluida Espafia),
se concluye que el gasto del sector no lucrativo alcanza un promedio del
4,6% del PIB en dichos países y que el empleo en este sector representa
de media el 4,8% del empleo total en ellos, porcentaje que en Espafia es
del 4,5%.
Estas considerações demonstram a importância social do tema, a justificar
a proposta que ora se apresenta de uma abordagem a respeito do regime jurídi-
co do Terceiro Setor, em especial no que tange ao regime tributário afeto a estas
entidades. as
* -SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil, São Paulo : Peirópolis, 2000, p. 21.
7 SZAZI, Eduardo. Op. cit., p. 21.
* CABALLERÍA, Marcos Vaquer. Op. cit, p. 201.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 15

Não obstante na prática ser visível a efervescência do Terceiro Setor; as


discussões teóricas a seu respeito não têm acompanhado esta evolução.
Veja-se que, em pesquisa realizada em 1998 pela Comunidade Solidária,
chegou-se à conclusão de que somente as ONGs, neste ano, movimentaram no
Brasil cerca de doze bilhões de reais, equivalente a aproximadamente 1,2% do
PIB do país.!º-!! Esta mesma pesquisa apontou que as organizações sem fins
lucrativos são fonte de emprego e renda, no Brasil, para cerca de dois milhões
de pessoas.!? Nos Estados Unidos e na Europa, estima-se que as atividades de-
senvolvidas pelas organizações do Terceiro Setor representem 6% do PIB.

? Lester Salamon (Estratégias para o fortalecimento do Terceiro Setor, in 3º Setor: desen-


volvimento social sustentado, coord. Evelyn Berg Ioschpe, Rio de Janeiro : Paz e Terra,
1997, p. 90) corrobora esta assertiva, ao dizer: “Parece que assistimos a uma grande efer-
vescência no Terceiro Setor pelo mundo afora, a uma gigantesca promoção de atividade
organizada, privada e voluntária em todos os quadrantes.”
lo As pesquisas articuladas pela Civicus sob o encargo de Rubem César Fernandes (Priva-
do porém público: o Terceiro Setor na América Latina, 3º ed., Rio de Janeiro : Relume-
Dumará, 2002, p. 70, tabela 4), sobre as ONGs na América Latina, apontam para a exis-
tência de 1.010 Organizações não Governamentais no Brasil.
! “Utopia para uns, investimentos e lucros para outros, já se pode observar uma tendência
em estratégias de investimentos em empreendimentos que tenham utilidade social, pro-
tejam o meio ambiente ou simplesmente traduzam parte dos lucros em cidadania e ética.
Calcula-se que este tipo de investimento movimente algo em torno de US$ 5.9 trilhões no
mundo todo; nos EUA U$ 1 em cada U$ 8 vai para papéis que detenham o selo Socially
Responsible Investing (SRI).” (SABBAG, Zake. Responsabilidade social e investimen-
tos, in Gazeta do Povo, suplemento especial Terceiro Setor, Curitiba, 30/05/2003, p. 2)
2 Sobre este assunto, também calha citar pesquisa divulgada pelo BNDES e realizada em
2001: “o tamanho do terceiro setor varia bastante em termos de sua participação percen-
tual no total de empregos. Países como Holanda, Irlanda e Bélgica possuíam mais de 10%
do total de sua população ocupada em atividades deste setor (12,5%; 11,5% e 10,59% res-
pectivamente). Já o Brasil situa-se abaixo da média dos países considerados na pesquisa
em questão, que era de 4,8%. O número total de pessoas ocupadas em atividades ligadas
ao terceiro setor brasileiro, segundo dados de 1995, foi estimado em 1.500.000, aí incluí-
dos aqueles que desenvolvem trabalhos voluntários (aproximadamente 300 mil), ou seja,
sem remuneração. Considerando apenas o trabalho remunerado, observou-se uma parti-
cipação de 2,2% da população ocupada no terceiro setor em relação ao total de mão-de-
obra empregada no país (Gráfico 1). Cabe destacar, no entanto, que foram criados, somente
entre 1991 e 1995, cerca de 340.000 postos de trabalho neste setor no Brasil, fato que
confirma a tendência de aumento de sua participação no mercado de trabalho.” (in BNDES.
Terceiro Setor e desenvolvimento social: Relato Setorial nº 3 AS/GESET, julho/2001, pp.
15-16. Disponível em: <www.bndes.gov.br> Acesso em: 5 de junho de 2003)
3 Dados extraídos de pesquisa realizada em 2001 entre os 48 associados do Gife - Grupo
de Institutos, Fundações e Empresas também são relevantes: “O estudo aponta que, con-
juntamente, essas organizações investiram 593 milhões de reais em ações sociais no Bra-
sil no ano 2000. A rede de associados do Gife é formada em 58,3% por fundações de di-
reito privado, 31,3% por associações civis sem fins lucrativos (institutos) e 10,4% por
empresas. O levantamento indicou que eles já realizaram, desde o início de sua prática
social, mais de 14 mil projetos, sendo 45% por meio de financiamento de terceiros, 44%
executados diretamente e 11% em parceria com outras organizações.” (GIFE. Investimento
social privado no Brasil: perfil e catálogo dos associados Gife, São Paulo : Gife, 2001,
p. 9)
16 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

O Terceiro Setor, portanto, atualmente, é realidade que na prática tem se


consolidado naturalmente; é fenômeno que se espraia no contexto mundial e
adquire dimensões impressionantes. E fatos que assumem tamanha proporção
não podem simplesmente ser relegados ao esquecimento teórico; simplesmente
encarar com naturalidade acontecimento social de extrema relevância, como é
o Terceiro Setor, seria pôr em xeque a própria validade dos debates teóricos e
sua utilidade. Juridicamente, seria o desprezo à necessária evolução dos estudos
Jurídicos diante da evolução dos acontecimentos sociais, essência própria desta
ciência.
O crescimento do Terceiro Setor a partir da década de 80 é fato notório.!!
Em relatório elaborado pela Abong - Associação Brasileira de Organizações não
Governamentais em decorrência de pesquisa ocorrida junto a suas associadas no
ano de 2001, observa-se que entre 196 de suas 248 afiliadas, 81,6% foram cons-
tituídas entre 1981 e 2000. Lester Salamon demonstra que este crescimento não
tem contornos somente regionais, ao apontar que
“uma estimativa conservadora chega ao número total de organizações for-
malmente constituídas de acordo com as Seções 501 (c) (3) e (c) (4) do
Código Tributário de 1,2 milhões na metade dos anos 90, incluindo um
número estimado de 350.000 igrejas e outras congregações religiosas. Em
1998, estas organizações empregaram perto de 11 milhões de trabalha-
dores pagos, ou mais de 7% da força de trabalho dos Estados Unidos, e
recrutaram o equivalente a outros 5,7 milhões de empregados voluntá-
rios em tempo integral. Isto significa que o emprego pago somente nas
organizações sem fins lucrativos é três vezes que na agricultura, duas
vezes que no setor de vendas e perto de 50 por cento maior que nos se-
tores de construção e finanças, seguro (...)”.15-17
4 Simone de Castro Tavares Coelho (Terceiro Setor: um estudo comparado entre Brasil e
Estados Unidos, São Paulo : Senac, 2000, p. 17) ratifica esta afirmação: “Na verdade, esse
é um tema [terceiro setor] que apenas recentemente passou a despertar interesse. Embora
essas organizações sejam antigas em nossa sociedade, apenas há pouco tempo ganharam
visibilidade junto à opinião pública. A partir da década de 80, tornam-se alvo das aten-
ções, frequentemente a reboque das atividades de organizações não-governamentais in-
ternacionais como o Greenpeace, por exemplo. Poucos pesquisadores percebiam a dimen-
são real do fenômeno.”
“Pouco mais de 80% do universo das afiliadas à Abong surgiu após a década de 80 (Ta-
bela 5), refletindo o momento de reorganização que a sociedade civil brasileira experi-
mentou após o regime militar.” (ABONG. ONGs no Brasil: perfil e catálogo das associa-
das à Abong, São Paulo : Abong, 2002, p. 11) Pesquisa do Gife realizada em 2001 apon-
ta que 68,8% de suas associadas iniciaram a atuação na área social nas décadas de 80 e
90 (in GIFE. Investimento social privado no Brasil: perfil e catálogo dos associados Gife,
São Paulo : Gife, 2001, pp. 13-14).
'º SALAMON, Lester. The resilient sector: the State of Nonprofit America, in The State of
Nonprofit America, coord. Lester M. Salamon, Washington, D.C. : Brooking Institution
Press, 2003, p. 7. No original: “A conservative estimate puts the total'number of formally
constituted 501 (c) (3) and (c) (4) organizations at 1.2 million as of the mid-1990s, inclu-
ding an estimated 350,000 churches and other religious congregations. As of 1998, these
organizations employed close to 11 million paid workers, or over 7 percent of the U.S
LeanDRO MARINS DE SOUZA 7.

Diante de tais estatísticas não há como simplesmente ignorar a realidade,


e está justificada a importância do tema. Apesar de os debates teóricos não esta-
rem acompanhando a evolução prática do Terceiro Setor, felizmente se observa
que a análise deste fenômeno começa a se acalorar. Ainda de forma muito tími-
da e incipiente - especialmente no Brasil'º - tem-se visto a divulgação de obras
a respeito do tema.!?

work force, and enlisted the equivalent of another 5.7 million fulltime employees as vo-
lunteers. This mean that paid employment alone in nonprofit organizations is three times
that in agriculture, twice that in wholesale trade, and nearly 50 percent greater than that
in both construction and finance, insurance (...).” (tradução livre nossa)
Rubem César Fernandes (op. cit., pp. 69-70) aponta em sua obra que “os dados recolhi-
dos dos diretórios projetam um quadro nítido: as ONGs tornaram-se um fenômeno mas-
sivo no continente a partir da década de 1970. Cerca de 68% surgiram depois de 1975.
Um número significativo (17%) data de 1950 a 1960 e os restantes 15% distribuem-se de
maneira regular pelas décadas anteriores. Simplificando-se, pode-se dizer que organiza-
ções criadas antes de 1970 foram assimiladas pelo circuito das ONGs, o qual tornou-se
visível enquanto tal nos fins dos anos 70 ou começos dos anos 80. O próprio nome, ori-
ginário das nomenclaturas da ONU, e que é ainda objeto de algum debate, tornou-se ge-
ralmente reconhecido em meados dos anos 80.”
“Do ponto de vista acadêmico, apenas recentemente os pesquisadores voltaram sua aten-
ção para esse tipo de associativismo. Apesar da importância do debate público e da exis-
tência de uma vastíssima bibliografia estrangeira (boa parte dela comparativa), poucos
estudos foram até agora efetuados no Brasil. O que existe é o material produzido pelas
próprias organizações e alguns artigos analíticos.” (COELHO, Simone de Castro Tava-
res. Op. cit., p. 19)
Sobre o Terceiro Setor, em análises que não se dedicam ao estudo jurídico, veja-se:
ABONG. ONGs no Brasil: perfil e catálogo das associadas à Abong, São Paulo : Abong,
2002; PEREIRA, Luiz Carlos Bresser e GRAU, Nuria Cunill (org.). O público não-esta-
tal na reforma do Estado, Rio de Janeiro : Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999; PE-
REIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado para a cidadania: a reforma gerencial
brasileira na perspectiva internacional, São Paulo : Editora 34; Brasília : ENAP, 1998;
COELHO, Simone de Castro Tavares. Terceiro Setor: um estudo comparado entre Bra-
sil e Estados Unidos, São Paulo : Senac, 2000; DEMO, Pedro. Solidariedade como efei-
to de poder, São Paulo : Cortez; Instituto Paulo Freire, 2002; FALCONER, Andrés Pa-
blo e VILELA, Roberto. Recursos privados para fins públicos: as grantmakers brasilei-
ras, São Paulo : Peirópolis : Gife, 2001; FERNANDES, Rubem César. Privado porém
público: o Terceiro Setor na América Latina, 3º ed., Rio de Janeiro : Relume-Dumará,
2002; IOSCHPE, Evelyn Berg (org.). 3º Setor: desenvolvimento social sustentado, Rio
de Janeiro : Paz e Terra, 1997; KLIKSBERG, Bernardo. Repensando o Estado para o
desenvolvimento social: superando dogmas e convencionalismos, trad. Joaquim Ozório
Pires da Silva, São Paulo : Cortez, 1998; KOTHER, Maria Cecília Medeiros de Farias.
Profissionalização do Terceiro Setor, Porto Alegre : PUC/RS, 2001; KURZ, Robert. Para
além de estado e mercado, in Os últimos combates, 4º ed., Petrópolis : Vozes, 1998, pp.
151-157; MESTRINER, Maria Luiza. O Estado entre a filantropia e a assistência social,
São Paulo : Cortez, 2001; MONTANO, Carlos. Terceiro Setor e questão social: crítica
ao padrão emergente de intervenção social, São Paulo : Cortez, 2002; ROCHE, Chris.
Avaliação de impacto dos trabalhos das ONGs: aprendendo a valorizar as mudanças,
trad. Tisel Tradução e Interpretação Simultânea Escrita, São Paulo : Cortez : Abong;
Oxford, Inglaterra : Oxfam, 2000; VEIGA, Sandra Mayrink e RECH, Daniel. Associações:
como constituir sociedades sem fins lucrativos, Rio de Janeiro : DP&A : Fase, 2001. Tam-
bém dignas de menção, por sua qualidade e pertinência, as publicações periódicas coor-
18 TriButação DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Não é diferente a situação dos debates teóricos jurídicos acerca do tema,?º


que verdadeiramente se limitam a poucos estudos que tratam o Terceiro Setor
mais sob o prisma de suas vertentes metajurídicas do que propriamente em co-
tejo com o ordenamento jurídico que lhe daria suporte existencial.
Mas como dito, a preocupação em compreender e debater o Terceiro Setor
vem se espraiando e evoluindo visivelmente. Além das obras citadas e de outras
existentes, faz-se mister fazer referência a alguns cursos que vêm sendo criados,
no ambiente acadêmico, sobre o Terceiro Setor.
Em Curitiba, têm se destacado algumas instituições que promovem cursos
sobre o Terceiro Setor. A Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR,
além de incluir na grade curricular de seus cursos trabalhos voluntários em
ONGs, está ofertando neste ano o curso de especialização em Gestão para Or-
ganizações Sociais e Terceiro Setor. A Faculdade de Administração e Economia
- FAE oferece disciplinas específicas, em seus cursos de graduação e pós-gra-
duação, voltadas à Responsabilidade Social e Terceiro Setor, tais como Ética e
Responsabilidade Social e Gestão de Organização do Terceiro Setor. A Univer-
sidade Federal do Paraná - UFPR está formando, com previsão para 2004, seu
Núcleo de Terceiro Setor. O Centro Universitário Positivo - UnicenP dispõe de
Núcleo de Estudos do Terceiro Setor, que oferta vários módulos de capacitação
em responsabilidade social.?!
Simone Coelho? cita o Cets - Centro de Estudos do Terceiro Setor, da Fun-
dação Getúlio Vargas e o Ceats - Centro de Estudos em Administração do Ter-

denadas pela Abong denominadas Cadernos Abong, assim como a Coleção Gestão e
Sustentabilidade coordenada pelo Instituto Fonte (São Paulo) e publicada pela editora
Global, e ainda as publicações da Fundação Irmão José Otão, de Porto Alegre.
Para a análise da bibliografia jurídica brasileira sobre o Terceiro Setor, veja: BARBOSA,
Maria Nazaré Lins Barbosa e OLIVEIRA, Carolina Felippe. Manual de ONGs: guia prá-
tico de orientação jurídica, 3º ed., Rio de Janeiro : FGV, 2002; FALCÃO, Joaquim e
CUENCA, Carlos (org.). Mudança social e reforma legal: estudos para uma nova legis-
lação do Terceiro Setor, Brasília : Conselho da Comunidade Solidária : Unesco, 1999:
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídi-
cos, administrativos, contábeis e tributários, 4º ed., Brasília : Brasília Jurídica, 2003;
RAFAEL, Edson José. Fundações e direito: 3º Setor, São Paulo : Melhoramentos, 1997;
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro Setor, São Paulo : Malheiros, 2003; SILVA-
NO, Ana Paula Rodrigues. Fundações públicas e Terceiro Setor, Rio de Janeiro : Lumen
Juris, 2003; SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil, 3º ed., São Paulo :
Peirópolis, 2003.
Os dados deste parágrafo foram extraídos da seguinte fonte: Onde está o conhecimento:
um resumo dos principais cursos sobre o Terceiro Setor oferecidos em Curitiba, Gazeta
do Povo, suplemento especial Terceiro Setor, Curitiba, 30/05/2003, p. 15.
t313
COELHO, Simone de Castro Tavares. Op. cit., p. 20. Também o relato elaborado pelo
BNDES faz menção ao crescimento do número de cursos voltados ao Terceiro Setor:
“Outro ponto a destacar é o atual crescimento dos cursos voltados para a capacitação e
especialização de profissionais que irão atuar ou que já atuam em atividades dentro do
setor. Nos Estados Unidos, por exemplo, cursos de gestão para o terceiro setor começa-
ram a ser implantados nas universidades há quase duas décadas, e hoje, inclusive, alguns
centros universitários oferecem mestrado nesta área. Movimento semelhante já ocorre no
LEANDRO MARINS DE SOUZA 19

ceiro Setor, da Faculdade de Administração da USP, ambos em São Paulo. Es-


tes, entre outros eventualmente existentes, são cursos que vêm tentando robus-
tecer o conhecimento e o debate sobre o Terceiro Setor.
Toda esta movimentação em torno do Terceiro Setor serve para justificar a
análise ora proposta, sobretudo levando-se em consideração o adágio que ensi-
na que o direito deve acompanhar os fatos.
E a escolha pela análise especialmente do regime tributário a que estão
submetidas as entidades do Terceiro Setor - ou mesmo de aspectos tributários
que digam respeito a este setor - também tem justificativa a ser considerada. Por
certo, o crescimento das atividades de cunho social prestadas pelo Terceiro Se-
tor tem se mostrado fonte alternativa para que sejam alcançados os objetivos
sociais previstos constitucionalmente como direitos sociais dos cidadãos, tais
como a saúde e a educação, a título de exemplo. O Terceiro Setor é evidente al-
ternativa para tanto, não obstante o dever constitucionalmente consagrado de o
Estado suprir a sociedade com estas necessidades.
Exatamente em virtude desta atuação do Terceiro Setor, que se não é subs-
titutiva à atividade estatal pode ser considerada complementar, justifica-se a atri-
buição de regime jurídico tributário especial. É forma de incentivar atividades
que só vêm em benefício da própria atuação estatal, notadamente ao prover a
sociedade com suas necessidades e desonerar o Estado desta obrigação. ?
É verdade que tendências a este especial regime tributário já existem em
nosso ordenamento jurídico, tal como a imunidade tributária destinada às enti-
dades de educação e de assistência social, prevista nos artigos 150, VI, “c” e 195,
$ 7º da Constituição Federal de 1988. Também algumas isenções e incentivos
fiscais se fazem presentes no ordenamento jurídico pátrio, com vistas a incenti-
var atividades que se mostrem de interesse social. Todas estas formas de incen-
tivo tributário à participação das organizações do Terceiro Setor, quais sejam as
imunidades, isenções e os incentivos fiscais stricto sensu serão objeto de nosso
trabalho.
Mas a evolução da legislação tributária destinada ao Terceiro Setor emper-
ra, a nosso ver, em problema que lhe é anterior; a falta de definição legislativa
das próprias abrangência e atuação do Terceiro Setor impede o desenvolvimen-
to de uma legislação que seja coerente com a realidade social em que se insere.
A importância do Terceiro Setor para a sociedade brasileira, não obstante na

País, conforme se observa pela multiplicação de eventos, seminários, fóruns, encontros


e, especialmente, núcleos universitários especializados no assunto.” (BNDES. Terceiro
Setor e desenvolvimento social: Relato Setorial nº 3 AS/GESET, julho/2001, pp. 15-16.
Disponível em: <www.bndes.gov.br> Acesso em: 5 de junho de 2003)
23 Como observa Maria Eneida Saiach (Tratamiento tributario diferencial a favor de las en-
tidades sin fines de lucro con particular referencia a las contribuciones de la seguridad
social, in II Coloquio Internacional de Derecho Tributario, Buenos Aires : La ley, São
Paulo : IOB, 2001, p. 350), “el fundamento del tratamiento impositivo más beneficioso a
las entidades sin fines de lucro es que éstas realizan actividades de bien público, activi-
dades que en realidad competen al Estado en su objetivo de satisfacer las necesidades
públicas”.
20 TriBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

prática estar confirmada, não foi reconhecida ainda pela legislação pátria. É ver-
dade que o começo deste reconhecimento já está acontecendo, podendo ser ci-
tado o trabalho desenvolvido pelo Conselho da Comunidade Solidária propon-
do a chamada Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor, que deu origem, in-
clusive, à edição de leis que afetam diretamente a atividade do Terceiro Setor.
São exemplos a Lei nº 9.687/99 (Lei das Organizações Sociais) e a Lei nº 9.790/99
(Lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público).
Mas, não obstante este passo ter sido dado, deixou-se para trás, ainda, a
discussão sobre a abrangência e a atuação do Terceiro Setor.
É verdade (e aqui temos que concordar empiricamente com Carlos Mon-
tafio sem nos afastarmos do objeto do presente trabalho, que é a análise jurídica
do Terceiro Setor) que o Terceiro Setor não representa uma novidade nas rela-
ções sociais, mas sim no seu trato.?* Salvo recentes alterações legislativas, suas
instituições são conhecidas (mesmo que pouco debatidas), os fenômenos que as
cercam já se consagraram, mas a pujança com que renasce este fenômeno e o
novo formato que vem assumindo, sobretudo no que tange à sua interface com
o Estado e o mercado, autorizam que se justifique a retomada deste debate de
forma autonomizada. É neste sentido que se expressa a novidade do tema.
E até por conta disso, a necessidade de serem fixadas algumas premissas
jurídicas de trabalho se torna, além de tarefa árdua, indispensável à configura-
ção do objeto de análise em foco. Não sem antes passar pelo contexto que fez
brotar o Terceiro Setor neste novo formato, hodiernamente pujante.
É nesta esteira que o primeiro título de nosso trabalho se propõe a trazer à
baila o Terceiro Setor entendido sob óticas não jurídicas, mas sociais, políticas,
econômicas, religiosas, entre outras. Óticas não jurídicas e muito menos próxi-
mas da Ciência do Direito, mas oriundas de outras ciências (sociais, políticas,
econômicas, etc.) não menos importantes para uma análise totalizante do tema.
Tema, aliás, que mediata e finalmente é o regime jurídico tributário apli-
cável às entidades do Terceiro Setor (tributação do Terceiro Setor), mas que
imediatamente deve passar pela análise inafastável do que vem a ser o Terceiro
Setor juridicamente considerado: imediatamente deve-se definir juridicamente
o Terceiro Setor para mediatamente abordá-lo sob aspectos jurídico-tributários.
Imediatamente, portanto, propõe-se um abordagem jurídica para o concei-
to de Terceiro Setor através do título 2 do presente trabalho, a partir do qual se
tem condições de almejar o entendimento de nosso objeto mediato - a tributa-
ção do Terceiro Setor no Brasil - no título de número 3.

“a
* “A recorrente afirmação de que existiria hoje uma “nova questão social” tem, no fundo, o
claro, porém implícito, objetivo de justificar um novo trato à “questão social” ” (MON-
TANO, Carlos. Terceiro Setor e questão social: crítica ao padrão emergente de interven-
ção social, São Paulo: Cortez, 2002, p. 187)
21

Título 1 - Primeiro Corte Metodológico:


Noções Principiológicas para a
Delimitação do Objeto de Estudo

Como já ressalvado na parte introdutória ao presente trabalho, a proposta


de análise do regime tributário aplicável às entidades do Terceiro Setor a que ora
se lançam tintas passará por dois cortes metodológicos bastante definidos.
O intuito desta definição bastante rigorosa não é outro senão o de sistema-
tizar a abordagem do tema, de modo a não macular nenhuma das etapas meto-
dológicas que irão perfazer o todo a que converge este estudo, sobretudo no que
concerne a seu objeto mediato e principal, que é a tributação do Terceiro Setor.
É por esse motivo que se inicia o estudo com a análise de questões que se
encontram em momento lógico anterior ao objeto imediato do trabalho, que é a
delimitação jurídica do que venha a ser o Terceiro Setor. São fatores alheios ao
ordenamento jurídico e que estão de todo vinculados ao “surgimento”? do Ter-
ceiro Setor, a justificar sua abordagem no plano jurídico.
São, em verdade, considerações que não dizem respeito ao Terceiro Setor
diretamente, senão pelo fato de sua conjunção confirmar campo fértil para seu
desenvolvimento.
E é por isso que o presente capítulo, confirmando o quanto se disse nas li-
nhas introdutórias, faz referência ao primeiro corte metodológico, que é exata-
mente a compreensão dos aspectos sociopolítico-econômicos que abrem espa-
ço para o “surgimento” do Terceiro Setor. Não é, portanto, ainda, análise do ob-
jeto de estudo do presente trabalho, sequer o objeto imediato como antes expli-
cado. É, sem dúvida, a tentativa de firmar da maneira mais sólida possível as
bases para a construção a que se propõe a presente abordagem, sem fincar pé,
por enquanto, na análise jurídica do Terceiro Setor - objeto imediato do traba-
lho e do primeiro corte metodológico proposto.

Capítulo 1 - O Poliedro do Terceiro Setor:


Breve Incursão nos Debates Teóricos sobre o Tema

1.1. Premissas Introdutórias


E inegável que os fenômenos sociais são dotados de multiplicidade cientí-
fica? inerente à sua condição de dinamismo e continuidade. Todo fato apresen-

25 As aspas se devem ao fato de entendermos que o Terceiro Setor verdadeiramente não surge
a partir dos fatores analisados, mas sem dúvida é influenciado seu crescimento por eles.
Em nossa defesa as palavras de Luiz Eduardo Soares (in Prefácio à obra de COELHO,
Simone de Castro Tavares. Terceiro Setor: um estudo comparado entre Brasil e Estados
22 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

ta suas implicações nos mais diversos ramos científicos,” cujas características


podem criar interfaces entre determinadas abordagens ou não. A multiplicidade
é realidade ínsita aos acontecimentos, a ponto de serem extraídas do mesmo fato
inúmeras conclusões completamente distintas - e às vezes sem conexão alguma
-, cada qual relativamente à análise de cada vertente científica.?

Unidos, São Paulo : Senac, 2000, p. 11): “O “Terceiro Setor”, no Brasil, não é uma reali-
dade nova nem pouco importante, ainda que seja precária e bastante recente a consciên-
cia que atribui unidade e um sentido relativamente homogêneo às práticas que as abor-
dagens tradicionais identificavam exclusivamente à filantropia ou à solidariedade cívica.”
“Quanto ao objeto do conhecimento, esse pertence ao domínio especializado de cada sis-
tema científico. Em rigor, há espécie de objetos, distribuídos em subdomínios: objetos
naturais e objetos sociais (sócio-culturais), para termos em consideração tão-só as ciên-
cias empíricas. Cada subdomínio fragmenta-se em subáreas (por assim dizer). Assim, as
ciências sociais compreendem: sociologia do conhecimento, sociologia da linguagem,
sociologia do direito, etc. Resta a proposição. Mas a proposição sobre objetos físicos per-
tence à ciência física; sobre objetos biológicos, à ciência biológica; sobre objetos sociais,
a cada uma das ciências sociais. As proposições especificadas pelo objeto são parte do sis-
tema científico específico, que lhes determina as condições de verdade e de verificabili-
dade (metodologia de cada ciência).” (VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o
sistema do direito positivo, São Paulo : Max Limonad, 1997, p. 38)
Paulo de Barros Carvalho (Curso de Direito Tributário, 12º ed., São Paulo : Saraiva, 1999,
Pp. 12) bem destaca esta característica: “Toda a ciência pressupõe um corte metodológi-
co. Ao analisarmos o homem do ângulo histórico, por exemplo, colocamos entre parên-
tesis as conotações propriamente técnico-jurídicas, econômicas, sociológicas, éticas, an-
tropológicas etc., para concentrar o estudo prioritário na evolução dos fatos que se suce-
dem no tempo, e que apresentam a criatura humana como entidade central. Qualquer es-
peculação científica que pretendamos empreender trará consigo essa necessidade irrefra-
gável, produto das ínsitas limitações do ser cognoscente. O conhecimento jurídico não
refoge a esse imperativo epistemológico. Ao observarmos o fenômeno existencial de um
determinado sistema de direito positivo, somos imediatamente compelidos a abandonar
outros prismas, para que se torne possível uma elaboração coerente e cheia de sentido.”
“Por conhecimento jurídico entende-se qualquer espécie de saber que se dirija ao direito
com pretensão cognoscente. O conhecimento jurídico pode manifestar-se como históri-
co, antropológico-social, sociológico, filosófico. Cada espécie tem suas técnicas de inves-
tigação próprias, e outras comuns. Mas há uma espécie de conhecimento que se destaca
dos demais: o da Ciência-do-Direito (o conhecimento dogmático). Para verificá-lo, é su-
ficiente constatar o que se entende por “fontes do direito”. O direito tem fontes antropo-
lógico-sociais, fontes propriamente sociológicas, fontes históricas e fontes ideais-axioló-
gicas. Mas o conceito dogmático de fonte é o de modo de produção que o ordenamento
estabelece como tal. Pode ser o costume, a legislação, os julgamentos uniformes da ati-
vidade jurisdicional, ou fração de outro ordenamento - o internacional, por exemplo - que
se incorpore, por convocação do ordenamento-base. Seja qual for o modo de constitui-
ção de regras jurídicas, para o jurista, no fazer Ciência-do-Direito, em sentido estrito, fonte
técnica (fonte formal) é aquela de onde dimanam normas com força vinculante para os
indivíduos-membros e para os indivíduos-órgãos da coletividade. O jurisconsulto, o ju-
rista cientista, o advogado militante, o órgão administrativo, o órgão jurisdicional, o pro-
curador-geral do Estado, têm um fim específico: verificar quais as normas em vigor que
incidem sobre tal ou qual categoria de fatos. Com ajuda da experiência e da ciência jurí-
dica (em sentido estrito) não procuram as causas históricas, ou antropológicas, ou socio-
lógicas, ou racionais, que intervêm na criação de regra de direito. Sem tais fatores reais e
ideais não surgiriam, nem se modificariam, nem se desfariam tais regras. Mas o propósi-
LEANDRO MARINS DE SOUZA 23

“Pensar sobre o direito significa tomá-lo como um objeto. Isto é eviden-


te, e é uma concessão que podemos fazer aos formalistas e à fenomeno-
logia. Pensar sobre determinado objeto supõe distingui-lo de outros; ou-
tra obviedade e outra concessão análoga. O que importa, no caso do di-
reito, é acentuar que os outros objetos, dos quais ele se distingue, são os
outros “setores” (ou as outras áreas) da vida social, que são tratados por
ciência sociais específicas: isto é, a política, a economia, a educação, a
religião. Distinguem-se do direito justamente por serem, como ele, se-
tores do viver social, porções institucionalizadas da organização coleti-
Wap
A sociologia e a economia deverão encarar determinado acontecimento de
forma diversa entre si, e ambas as conclusões serão díspares àquela que será ela-
borada pela política. Isto não implica dizer que o estudo de determinado acon-
tecimento sob aspectos políticos não interfira em sua análise econômica, e que
não exista interface entre as abordagens científicas. O que se quer dizer é que
cada Ciência analisará de forma diferenciada a realidade que lhe é posta sob os
olhos.
E nem poderia ser diferente, dada a autonomia de ordenamento que cada
Ciência desenvolve para fazer incidir sobre seu objeto de análise. Cada sistema
se organiza sob a forma de métodos, especificamente construídos para serem
utilizados na análise dos fatos.
Esta diversidade de abordagens representa as várias faces do poliedro*” que
é a realidade social; cada uma das faces tem sua função na conformação do ob-
jeto que compreendem, mas não necessariamente se inter-relacionam de modo
a interferir umas nas outras. Não obstante, a análise de uma face não pode sim-
plesmente ignorar o conteúdo da outra face do poliedro, sob pena de o objeto em
análise não ser suficientemente conhecido por seu estudioso. Para ser mais exa-
to, dada a multiplicidade de abordagens possíveis sobre determinado objeto, para
sua compreensão totalizante faz-se imprescindível a incidência complementar
das diversas ciências que se lhe possam atribuir a condição de objeto de análi-
se; para uma ciência proceder a sua análise é de todo relevante que conheça seu
objeto como um todo.*!

to jurídico-dogmático é verificar se a norma existe. E existir a norma significa, se é váli-


da, se tem vigência por ter sido posta por processo previsto no ordenamento.” (VILANOVA,
Lourival. Op. cit., pp. 62-63)
2 SALDANHA, Nelson. Filosofia do direito, Rio de Janeiro : Renovar, 1998, p. 47.
3% Expressão utilizada por CARNELUTTI, Francesco. Introduzione allo studio del diritto
processuale tributario, in Rivista di Diritto Processuale Civile, vol. IX, num. 2, parte I, p.
106.
3 Lourival Vilanova (op. cit., p. 63) faz bem esta ressalva, ao dizer que “não se nega a com-
plementariedade dos outros pontos-de-vista para um saber integral do ser do direito posi-
tivo. Apenas, faz-se o corte metodológico, pondo-se entre parênteses fatores que são re-
levantes para outras ciências, mas não para o jurista ocupado em interpretar normas, em
reconstruir conceitos e princípios do sistema de normas, em função de sua aplicabilidade
aos fatos da vida social.” Também Francesco Carnelutti (Metodologia del derecho, trad.
24 TriBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Isto quer dizer, transportando a metáfora ao plano das ciências, que a rea-
lidade social é composta de elementos que permitem diversas análises sob dife-
rentes enfoques. No plano econômico, no campo político, no contexto social, sob
o enfoque religioso, etc. Não necessariamente estes enfoques influenciam uns
aos outros - e não que isto não aconteça -, mas o cientista que se dedica à análi-
se de determinado elemento da realidade social sem ao menos conhecer o seu
conjunto corre o risco de não compreender exatamente o objeto de seu estudo.
Ao mesmo tempo, é imperativo que os cientistas não confundam seu obje-
to de análise, ou melhor, as faces sobre as quais se dedicará cada um; o poliedro
será o mesmo, mas cada cientista se debruçará à abordagem de uma de suas fa-
ces sem adentrar à esfera de análise de outro campo científico.
Neste sentido a manifestação de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, com espe-
que em Miguel Reale, ao entender que

Ángel Ossorio, Buenos Aires : Valletta, 1990, p. 24) aponta para esta complementarida-
de: “Una primera verdad que puede brotar de estas reflexiones, es aquella que puede lla-
marse de la unidad de la ciencia o también, en outro términos, de la interdependencia de
las ciencias. Como la materia de las diversas ciencias no son un diverso mundo, sino un
diverso aspecto del único mundo al cual debemos limitar nuestro trabajo, porque somos
pequefios y el mundo inmenso, así los resultados de ese trabajo no son diversos sino por-
que son las diversas caras de un prisma único.”
*2 Nelson Saldanha (op. cit., pp. 38-39) bem expressa a possibilidade de uma análise totali-
zante da realidade social: “Sempre vale recordar a observação segundo a qual há Filoso-
fias-do-Direito produzidas por filósofos e Filosofias-do-Direito produzidas por juristas.
De certo tempo para cá (cem ou duzentos anos) teria talvez ocorrido um certo predomí-
nio destas últimas. Esta constatação é questionável, mas de qualquer sorte é diferente
pensar-se em uma visão do Direito sob o prisma do jurista, profissional ou cientista do
Direito positivo - só que ampliada com a alusão a determinados “temas gerais” -, e em uma
visão propriamente filosófica do chamado mundo jurídico. Neste caso temos um pensar
que se compromete e se articula substancialmente com afilosofia. Um pensar que, com
mais desenvoltura, poderá compreender as conexões do mundo jurídico com os demais
“setores” da vida social (a política, a religião, a economia).”
33
Apropriando-se das palavras de Carnelutti citadas por Paulo de Barros Carvalho (Teoria
da norma tributária, São Paulo : Max Limonad, 1998, p. 21), fazer metodologia “é de-
bruçar-se o cientista sobre sua própria ciência, numa tentativa de captar o relacionamen-
to lógico de suas categorias fundamentais e, logo em seguida, aplicá-lo no desenvolvi-
mento de seus estudos”.
“A atitude do jurista, portanto, não pode ser reduzida ou confundida com aatitude do
sociólogo ou do psicólogo. (...) A categoria do jurista é a categoria do dever ser, que não
se confunde com a do psicólogo e a do sociólogo; pois o Direito só compreende o ser re-
ferido ao dever ser. Quem não percebe esta distinção, ou persiste em tratar do mundo das
normas como se fossem coisas, é um desajustado entre os juristas, sendo aconselhável que
se dedique à Psicologia ou à Sociologia, achegando-se à sua vocação natural.” (REALE,
Miguel. Filosofia do direito, 17º ed., São Paulo : Saraiva, 1996, pp. 193-194)
% Tércio Sampaio faz referência à teoria tridimensional do direito trabalhada por Miguel
Reale, que consiste em analisar o Direito sob três enfoques, a saber, como valor do justo,
como norma e como fato social: “Encontraremos sempre estes três elementos, onde quer
que se encontre a experiência jurídica: - fato, valor e norma. Dondê podemos concluir,
dizendo que a palavra Direito pode ser apreciada, por abstração, em tríplice sentido, se-
gundo três perspectivas dominantes: 1) o Direito como valor do justo, estudado pela Fi-
losofia do Direito na parte denominada Deontologia Jurídica, ou, no plano empírico e
LEANDRO MARINS DE SOUZA 25

“reconhecemos, sem pôr em discussão, a pluridimensionalidade do ob-


jeto que chamamos direito, o que permite diversos ângulos de aborda-
gem, ora separados, ora ligados por nexos meramente lógicos ou didáti-
cos, ora integrados em formas sintéticas. Quem pretende realizar uma
investigação ontológica do direito corre, por isso, o risco de privilegiar
aspectos deste fenômeno plural, na forma de sociologismos ou psicolo-
gismos ou formalismos ou moralismos, conforme a lição de Miguel Reale
a respeito.*º
Sem nos aprofundarmos na discussão acerca da natureza científica do Di-
reito, o fato é que uma abordagem da realidade social sob a ótica da ciência ju-
rídica pressupõe o debate estritamente sobre seus elementos jurídicos. A face do
poliedro à qual se debruça o cientista do direito é a do ordenamento jurídico.”
Melhor dizendo, a ciência jurídica destina-se à análise do ordenamento jurídico
e seus efeitos, enquanto as demais ciências do Direito, como a sociologia jurí-
dica, a filosofia jurídica, entre outras, dedicam-se a seus campos de abordagem
específicos.”
Resgatando a ressalva já feita, isto não quer dizer que se devam ignorar as
outras faces do poliedro, mas elas não deverão ser objeto de análise do cientista
do Direito.” Podem - e devem na medida do possível - ser objeto de estudo com-

pragmático, pela Política do Direito; 2) o Direito como norma ordenadora da conduta,


objeto da Ciência do Direito ou Jurisprudência; e da Filosofia do Direito no plano episte-
mológico; 3) o Direito como fato social e histórico, objeto da História, da Sociologia e
da Etnologia do Direito; e da Filosofia do Direito, na parte da Culturologia Jurídica.”
(REALE, Miguel. Op. cit., p. 509)
36
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da
comunicação normativa, Rio de Janeiro : Forense, 2000, p. 24.
37
Como bem observa José Souto Maior Borges (Ciência feliz, 2º ed., São Paulo : Max Li-
monad, 2000, p. 27), “o conhecimento científico já implica uma demarcação artificial na
esfera do conhecimento, ao confinar-se numa região material de objetos, com exclusão
de todas as outras: em ciência não deve o sapateiro passar além dos sapatos. Invadir ou-
tros setores de especialização.”
38
“Do Direito ocupa-se hoje uma série de disciplinas diferentes: a filosofia do Direito a te-
oria do Direito, a sociologia do Direito, a história do Direito e a Jurisprudência (“dogmá-
tica jurídica”), para referir somente as mais importantes. Todas elas contemplam o Direi-
to sob um diferente aspecto, e assim, de modo distinto. Tal não seria possível se o Direi-
to não fosse na realidade um fenômeno complexo que se manifesta em distintos planos
do ser, em diferentes contextos.” (LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, 3º
ed., trad. José Lamego, Lisboa : Fundação Calouste Gulbekian, 1997, p. 261)
39
São neste sentido, também, as palavras de Hans Nawiasky (Teoría general del derecho,
2º ed., trad. Jose Zafra Valverde, Madrid : Rialp, 1962, pp. 25-26), ao ressaltar a possibi-
lidade de serem considerados aspectos sociais na análise jurídica, desde que não se os tome
como objeto de trabalho autônomo: “No sólo porque un Derecho abstraído de un fin ca-
recería de sentido, sino también porque su vigencia presupone unos portadores reales, que
tratan de realizar determinados fines con el Derecho, debe la Teoría de las normas del De-
recho tomar en consideración los hechos y las ideas sociales. Pero no os considera como
objetos autónomos de investigación, tal como hacen la Sociología jurídica y la Ideologia
jurídica, sino sólo en tanto en cuanto han encontrado acogida en la sustancia de las nor-
mas de Derecho; se comporta, pues, como Teoría del contenido del Derecho.”
26 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

plementar e informativo, mas sem procurar dotá-las da função de justificar pon-


tos da abordagem jurídica que incumbe ao cientista.
Quando pretender ampliar sua abordagem para abarcar questões metajurí-
dicas, deverá despir-se da condição de cientista do direito e fazer entender o corte
metodológico. Deve dar oportunidade, ao intérprete de sua abordagem, de dife-
rençar aquilo que faz na qualidade de cientista daquilo que serve somente como
pano de fundo do objeto de seu estudo.
Ademais, na medida do possível o cientista do Direito deve ser imparcial
no enfrentamento de questões que não estão afetas à Ciência do Direito - até
porque cientista não o é neste momento -, de modo a não fazer desmerecer nem
a análise jurídica a que se dedica nem as peculiaridades que lhe servem de pano
de fundo. A confusão metodológica, nestes termos, pode ocasionar a perda da
condição de cientificidade de lado a lado.
A imparcialidade em relação às questões metajurídicas é, assim, remédio
que mantém o cientista do Direito imune ao contágio que repercute na descon-
sideração de sua análise científica; além disso, mantém-no intacto às alegações
de isolamentoà realidade social. É, portanto, vacina dúplice.
É verdade que determinadas situações não deixam outra alternativa ao es-
tudioso senão a de adotar uma corrente ideológica para trilhar sua análise e cons-
truir o pano de fundo do objeto de seu estudo. Nestes casos não estará sendo
imparcial, tampouco estará limitando sua abordagem somente aos aspectos ju-
rídicos que lhe estariam afeitos. Mas de qualquer forma não estará procedendo
a análise jurídica, e não poderá deixar sua análise jurídica ser permeada de seu
viés ideológico.
O corte metodológico a ser feito pelo jurista, para voltar à carga com Pau-
lo de Barros Carvalho e agregar a seus ensinamentos as palavras de Lourival
Vilanova,º é aquele voltado à análise do seu objeto de estudo sob o prisma da
normatividade.
“Com o esquema lógico da causalidade normativa, no qual o efeito é
deonticamente vinculado à causa (ao fato jurídico), não poderemos sair
do sistema jurídico para correlatar fatos econômicos e normas ou insti-
tuições jurídicas; fatos religiosos e textos legislativos; fatos demográfi-
cos, geopolíticos e decisões judiciárias, mobilidade social vertical ou
horizontal e validade (legalidade, constitucionalidade) dos atos adminis-
trativos; macrossociologia ou microssologia dos grupos e validez de uma
resolução legislativa, de um decreto legislativo, de um decreto-lei ou de
uma lei de reforma constitucional”!

*º Lourival Vilanova (Causalidade e relação no direito, 4 ed., São Paulo : RT, 2000, p. 47),
em capítulo intitulado cortes metodológicos, inicia dizendo que “o jurista, como jurista,
e a Ciência do Direito, como conhecimento específico de um ordenamento positivo (como
dogmática desse ordenamento, cujo ato cognoscente poder-se-ia resumir com o termo
interpretação: ato complexo envolvendo aspectos lógicos, axiológicos, empírico-sociais),
valem-se da categoria da causalidade, normativamente estabelecida”.
*! VILANOVA, Lourival. Ibidem, p. 49.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 27

Os limites à análise do cientista do Direito, portanto, impostos pela própria


necessidade de metodologia da Ciência do Direito, são determinados pelo sis-
tema jurídico que circunscreve seu objeto de estudo.
À sua incursão na abordagem de aspectos relativos a sistemas que não o
jurídico estará configurando uma invasão de face do poliedro que é a realidade
social; o sapato deste sapateiro - relembrando o brocardo invocado por Souto
Maior Borges - é o sistema jurídico.
Vale aqui a lição de Paulo Dourado de Gusmão:
“Divergência há quanto ao seu objeto [da ciência jurídica], porém, em
um ponto há acordo: são as normas jurídicas, dado concreto que faz par-
te da realidade histórico-social, ou, se quisermos, da realidade cultural,
em que se acham também as obras de arte, a literatura, a filosofia, a ciên-
era eto
Volta-se a repisar, correndo o risco da repetição: não se advoga a tese de
que o estudioso do Direito deve fechar os olhos para o conjunto de elementos
que compõem seu objeto de estudo, a sua totalidade. Deve, sim, buscar conhe-
cer todas as faces do poliedro, desde que, para conhecê-las todas, se debruce tão-
somente sobre aquela em que deve firmar o pé.
É justamente este motivo que leva à elaboração deste título; ou pelo me-
nos, é por esta razão que se pretende a demonstração - não a análise crítica - dos

“2 É o que nos ensina Luis Recasens Siches (Tratado general de filosofia del derecho, 7º ed.,
Mexico : Porrual, 1981, p. 1), ao asseverar que “para que resalte con toda evidencia la
misión de la Filosofía del Derecho, convendrá contrastar los temas de ésta com os pro-
pios de la Ciencia Jurídica. Veamos, con tal fin, cuál es la función que desempefia el ju-
rista (...). El jurista, frente a un pedazo de vida social, tiene que indagar la norma aplica-
ble a esa situación, es decir, tiene que hallar cuál es la regla de Derecho vigente relativa
al caso planteado: encontrar el precepto em vigor que se refiere a la materia en cuestión.”
O magistério de Camelutti (Metodología del derecho, trad. Ángel Ossorio, Buenos Aires :
Valletta, 1990, p. 27) também vai nestes termos: “Debemos poner la norma jurídica como
objetivo de nuestro estudio porque ésta y no outra es la materia del derecho.”
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito, 32º ed., Rio de Janeiro :
Forense, 2002, p. 3.
“4 Valem também, nesta esteira, as palavras de Hans Kelsen (Teoría geral do Direito e do
Estado, 2* ed., trad. Luís Carlos Borges, São Paulo : Martins Fontes, 1992, pp. 12-13),
para quem “o Direito, considerado como distinto da justiça, é o Direito positivo. É o con-
ceito de Direito positivo que está em questão aqui; e uma ciência do Direito positivo deve
ser claramente distinguida de uma filosofia da justiça.”
4 “Na realidade concreta, os objetos não são, em princípio, pertencentes a qualquer área do
conhecimento científico. Cada ciência é que os incorpora, na medida em que os estuda
dentro de enfoques teóricos específicos. (...) É claro que, quanto maior o número de as-
pectos considerados, maior a possibilidade de a ciência fornecer uma explicação mais
profunda sobre os fenômenos. Ocorre, entretanto, que nenhuma ciência dispõe de refe-
rencial teórico que lhe possibilite penetrar em todos os aspectos da realidade. Daí a ne-
cessidade sempre crescente de pesquisas de natureza interdisciplinar, em que cientistas
de várias especialidades se articulem em torno de aspectos comuns da realidade, para ex-
plicá-los à luz de enfoques teóricos conjugados de duas ou mais disciplinas científicas.”
(MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. A ciência do direito: conceito, objeto, méto-
do, Rio de Janeiro : Renovar, 2001, pp. 95-96)
28 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

aspectos alheios ao sistema jurídico e que estão na pauta de discussões acerca


do Terceiro Setor.
Não temos a pretensão de discutir, para além das balizas jurídicas, as face-
tas do Terceiro Setor ora informadas. A pretensão única é a de demonstrar o co-
nhecimento das vertentes teóricas que têm sido levadas à baila no contexto inte-
gral do tema; a compreensão deste poliedro por inteiro é a função deste título.
É com este intuito que trazemos à colação os estudos de Carlos Montafio,
Pedro Demo, Bresser Pereira, Robert Kurz e Rubem César Fernandes, aos quais
poderíamos agregar um sem número de teóricos de grande importância para a
compreensão totalizante do tema.
A interface sociopolítica feita por Carlos Montafio é, sem nos afastarmos
da isenção ideológica, tentadora e atentadora ao mesmo tempo; ao passo que fixa
premissas de ordem social e política de fundamental importância para o estudo
do Terceiro Setor sob esta ótica, chama a atenção de todo estudioso para as im-
plicações deste fenômeno no cenário que propõe como pano de fundo para sua
abordagem.
Pedro Demo, por sua vez, em análise que funde o social e o psicológico,
também faz apreender o leitor para os efeitos das consegiiências propostas pelo
debate sobre o Terceiro Setor, neste plano.
Já Robert Kurz, um pouco mais otimista que os dois primeiros autores apre-
sentados, em análise de política econômica propõe o Terceiro Setor como for-
ma de substituição do atual modelo, paradigma que considera ultrapassado e
fadado à substituição.
E em se tratando de análise econômica, Bresser Pereira é dos maiores en-
tusiastas do desenvolvimento do fenômeno denominado Terceiro Setor, quando
alia às cifras daquela ciência questões de política e administração para concluir
pela crise do Estado e necessidade de desenvolvimento dessa via alternativa.
Por fim, mas sem esgotar os autores que poderiam fazer parte desta breve
lista, Rubem César Fernandes traça linhas que fundem questões históricas, reli-
giosas, políticas e econômicas para confirmar o fenômeno do Terceiro Setor.
E única e exclusivamente a finalidade de trazer à baila para o leitor o co-
nhecimento das outras faces do poliedro do Terceiro Setor que nos encoraja a
ingressar em temas que não fazem parte do ofício a que se pretende o presente
trabalho; não há intuito algum em se avançar nos sapatos que se radicam nas
esferas econômica, política, social, religiosa, tampouco outras, que perfazem o
Terceiro Setor, mas simplesmente ignorá-las seria forma de fechar os olhos para
a realidade integral do objeto mediato de nosso estudo.

1.2. O Terceiro Setor como “Estratégia Neoliberal de Reestruturação do


Capital”, segundo Carlos Montafio
Em obra extremamente consistente e de competência indiscutível, Carlos
Montario** traça visão crítica ao que denomina padrão emergente de interven-
ção social, que é como considera o Terceiro Setor. a
“4 MONTANO, Carlos. Terceiro Setor e questão social: crítica ao padrão emergente de
intervenção social, São Paulo : Cortez, 2002.
LEanDRO MARINS DE SOUZA 29

Não obstante sua visível predileção ideológica pelas teorias marxistas,” às


quais se refere a todo tempo, o trabalho de Montafio percorre com extremas ha-
bilidade e riqueza referencial para abordar tema que, para ele, representa um
“processo de transformação do padrão de resposta às segielas da questão so-
class
Não afasta a importância do debate sobre o tema, sob a justificativa de que
envolve um número significativo de instituições e organizações, sujeitos indivi-
duais e, sobretudo, o Estado, a quem atribui destaque na promoção do Terceiro
Setor. E é exatamente pelos motivos que o levam a concluir que o Estado se des-
taca na promoção do Terceiro Setor que passa a avaliar com minudência a im-
portância da discussão a seu respeito, encontrando, verdadeiramente, muitos
outros aspectos que a justifiquem.
Isto porque Montafio considera que o tema envolve o Estado “tanto no plano
legal quanto na esfera financeira”. No entanto, considera a dicotomia - esferas
legal e financeira - da repercussão do Terceiro Setor na atividade estatal como
corolário inafastável do que entende uma transferência de responsabilidade do
Estado com relação às questões sociais.
Por conta desta consideração o autor justifica a relevância do estudo do
Terceiro Setor, por “encobrir, mistificada e ideologicamente, este processo, in-
serido ou funcional à reforma neoliberal do Estado e das relações capital/traba-
lho, de transformação do padrão de resposta às segielas da “questão social”.
É esta contrapartida que preocupa o autor, e que representa o cerne do de-
senvolvimento de seu estudo a respeito do tema, por entender que a partir daí o
tão propalado Terceiro Setor, tão festejado por muitos, passa a se configurar como
elemento da estratégia neoliberal de reestruturação do capital, por representar
perda de direitos da cidadania. Perda esta que advém, segundo explica, exata-
mente da substituição dos direitos de cidadania, aos quais faz jus todo cidadão,
por políticas assistenciais oriundas de setor que se pretende excluir dos limites
do Estado. Considera esta substituição - a remercantilização ou refilantropiza-
ção da questão social - como uma precarização”! da prestação destes serviços
essenciais.
Na contracorrente dos festejos, sem deixar, no entanto, de justificar sua
posição, Carlos Montafio traça suas linhas fundamentalmente no caminho da
crítica à valorização do conceito gizado pelas discussões acerca do Terceiro Se-
tor. Aliás, de forma bastante contundente - e de certo modo instigante, tentado-

“ Importante ressaltar que a ressalva à expressa opção ideológica feita por Montafio não
deve ser considerada como espécie de reserva às teorias marxistas de nossa parte. Esta
advertência tem o condão de posicionar.o leitor acerca da carregada carga ideológica ado-
tada pelo excelente texto ora analisado, para que fique clara a ausência de isenção deste
jaez nas linhas montafiistas.
48 Ibidem, p. 15.
*º Idem.
50 Idem.
51 Idem.
30 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

ra e preocupante ao mesmo tempo -, desde a nomenclatura utilizada até os efei-


tos deste conceito sobre a realidade social em que se insere, diversas dúvidas são
levantadas pelo autor com o intuito de questionar, verdadeiramente, a utilidade
do conceito e as reais benesses que estaria apto a possibilitar.
De fácil constatação é o fato de o texto de Montafio ser, além de denso,
caracterizado por contrapontos extremos. Basta ver que o autor é discípulo as-
sumido de Karl Marx, e que chega à conclusão de que o debate sobre o Terceiro
Setor é funcional ao neoliberalismo. Logo se percebe a contundência dos argu-
mentos contrários ao debate sobre o tema levados a efeito na obra ora sob análi-
se.
Agrega referências diversas acerca do assunto, sobretudo ao se propor a
analisá-lo sob a ótica dos seus fundamentos teóricos. Ou seja, dedica-se à con-
traposição teórica de diversos autores nos quais se baseiam os estudiosos do
Terceiro Setor, tentando demonstrar, sobretudo a partir da doutrina de Marx, que
o tema está imbricado de “funcionalidade para com o projeto neoliberal”.'2
À começar pela constatação de que atualmente, especialmente no Brasil, a
sociedade civil é o único seio de resistência à hegemonia burguesa, diferente do
que acontece no âmbito do Estado, do mercado e do espaço de produção.*? Esta
resistência, fomentada pelas lutas de classes, impede a consolidação de tendên-
cias hegemônicas, sobretudo pela contraposição latente de valores e interesses,
o que mantém a sociedade civil como campo hígido da mácula da hegemonia e,
portanto, fértil à fermentação das lutas de classes.
A interferência do padrão emergente de intervenção estatal, neste ponto,
viria no sentido de contribuir para facilitar a hegemonia do capital na socieda-
de, derivada dos seguintes motivos: i) setorização das esferas da sociedade; ii)
mistificação da sociedade civil (popular, homogênea e sem contradição de clas-
ses); € iii) oposição desta sociedade civil ao Estado e ao mercado.
Tomando como ponto de partida o processo de reestruturação neoliberal do
capital, Montafio pretende inovar a abordagem corriqueira a respeito do tema,
para mostrar que se insere em contexto histórico; altera, portanto, a premissa
inicial para o estudo do Terceiro Setor, para escapar do que chama de “caminho
endogenista”* que constitui a análise do tema a partir de seu conceito.
Recorrendo a esta inovação, o autor afirma que “chega-se ao chamado “ter-
ceiro setor” como um debate ideológico, ora produzido no interior dos interes-
ses do grande capital (seguindo os postulados neoliberais), ora surgido numa
fração da esquerda resignada mas de (eventual) “intenção progressista”, porém
inteiramente funcional ao projeto neoliberal”.

2 Ibidem, p. 14.
* Nas palavras de Montafio (op. cit., p. 15), “hoje, mais do que nunca, é forte e clara a he-
gemonia burguesa no âmbito estatal, no mercado e no espaço de produção. Neste senti-
do, particularmente no Brasil, durante e após o contexto ditatorial, a sociedade civil põe-
se como locus privilegiado das lutas sociais e de classes pela hegemonia.”
% Ibidem, p. 17.
5 Idem.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 31

Compreendendo a posição de Montario, pode-se chegar a concluir que sua


abordagem é pessimista com relação ao Terceiro Setor. Mas ele mesmo enfati-
za, em contraposição a este tipo de conclusão, que “o “pessimismo da razão”,
como nos ensinou Gramsci, não cancela o “otimismo da vontade”, sempre que
sustentados no realismo da análise”. E para sustentar todas as suas conclusões,
que apesar de parecerem pessimistas, cativam de forma tentadora do ponto de
vista ideológico, o autor sistematiza sua abordagem de modo bastante consis-
tente.
No primeiro capítulo, reflete acerca das noções hegemônicas adotadas no
debate sobre o Terceiro Setor, notadamente quanto às debilidades do conceito e
às contradições havidas entre sua propalada missão e o rumo que está, segundo
ele, tomando a discussão.
Traça crítica à noção hegemônica sobre o Terceiro Setor,” pois entende que
ao serem isolados os setores (Estado - Mercado - Sociedade Civil) desconside-
ram-se conceitos como a reestruturação produtiva, a reforma do Estado e outras
transformações do capital oriundas de sua reestruturação neoliberal. E é exata-
mente ao que se propõe o trabalho do autor: ao invés de partir da análise do fe-
nômeno do Terceiro Setor, para chegar a suas conclusões, parte da análise do
contexto em que surge, que é a
“crise e reestruturação do capital no último quarto do século XX, co-
nectada à ofensiva neoliberal - ela sintetizada na ofensiva contra o tra-
balho, na “reforma do Estado” e na “reestruturação produtiva”, seguindo, para
os países latino-americanos, os ditames do “Consenso de Washington” >
De modo geral, estas são as debilidades teóricas apontadas por Carlos
Montafio no conceito hegemônico do Terceiro Setor. A partir de então, passa a
questionar com requintes de detalhamento as discussões teórico-políticas que têm
balizado os debates sobre este fenômeno.
Aponta a existência de duas tendências neste sentido: 1) tendência regres-
siva; € 11) tendência progressista. Ambas, segundo o autor, remetem-se a temas
que já vêm sendo tratados há muito tempo, e que tão-somente ganham nova rou-
pagem nos dias atuais;” conclui que as novidades bradadas não têm nada de
novo.

56 Ibidem, p. 18.
57 Entende que “o uso “predominante” do conceito de “terceiro setor” expressa uma noção
claramente diferenciada do que entendemos que realmente esteja em questão. A perspec-
tiva de análise hegemônica parte de traços superficiais, epidérmicos do fenômeno, o mis-
tificaram e o tornaram ideológico.” (op. cit., p. 51)
58 Ibidem, pp. 51-52. Montafio põe em discussão quatro tópicos relacionados ao conceito
hegemônico nos quais entende estarem presentes quatro de suas debilidades: 1) Terceiro
ou Primeiro Setor?; ii) qual a composição do Terceiro Setor?; iii) o que vem a ser o Ter-
ceiro Setor?; e iv) quais as características das organizações que o compõem? Estas são as
debilidades apontadas por Montafio.
5 Refere-se aos temas recorrentes na discussão teórica sobre o Terceiro Setor, normalmen-
te debatidos como novidades mas que, segundo o autor, vêm sendo debatidos há muito
32 TriButação DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Além disso, as duas tendências, fundamentadas em autores diversos, deba-


tem basicamente o mesmo conteúdo, ou seja, “relações entre Estado/sociedade,
justiça social/igualdade/liberdade, política/economia, público/privado”,*º todos
pontos teóricos de justificativa do surgimento, da abrangência, do conteúdo e da
inserção do Terceiro Setor no contexto apresentado.
Delineados por Montafio os pressupostos adotados pelos autores do Tercei-
ro Setor para legitimar seu discurso, passa a discorrer sobre o que chama de “pro-
messas do “terceiro setor": o canto da sereia”,*! que seriam promessas de uma
vida melhor nas irônicas palavras do autor.
Atribuindo ao debate sobre o Terceiro Setor a falha de simplesmente apon-
tar estas promessas como válidas, sem questioná-las e problematizá-las, Mon-
tafio passa a fazê-lo apontando-as uma a uma, as quais passamos a indicar: i) o
“terceiro setor” reforçaria a sociedade civil; ii) o “terceiro setor” diminuiria o
poder estatal; iii) o “terceiro setor” criaria um espaço “alternativo” de produ-
ção/consumo de bens e serviços; iv) o “terceiro setor” propiciaria o desenvolvi-
mento democrático; v) o “terceiro setor” estimularia os laços de solidariedade
local e voluntária; vi) o “terceiro setor” compensaria as políticas sociais aban-
donadas pelo Estado; vii) o “terceiro setor” constituiria fonte de emprego alter-
nativo.
Também considera o termo Terceiro Setor carente de rigor técnico e desar-
ticulador do social - por isso utiliza o termo sempre entre aspas. A falta de rigo-
rismo técnico atribui à falta de precisão na caracterização do espaço que ocupa
e a desarticulação do real é atribuída ao fato de dividir a realidade social em três
esferas. Estes argumentos já foram de certa forma abordados.
No que chama de análise do real, para desconstituir a proposta de conceito
hegemônico sobre o Terceiro Setor, Montafio o entende como atividades públi-
cas desenvolvidas por particulares que assumem função social de resposta às
necessidades sociais com base em valores de solidariedade local, auto-ajuda e
ajuda mútua, afastando, portanto, tanto a locução terceiro como a locução setor
de seu conteúdo conceitual.º?
Segundo o autor, diferente do Welfare State, onde se pretende a constitui-
ção de direitos de cidadania e de universalidade do serviço, o Terceiro Setor, com

tempo, tais como “novo associativismo”, “nova questão social”, “nova sociedade sem
emprego”, “nova solidariedade 2) » 6 nova consciência social do empresariado” (op. cit., p. 59).
O Op: cit, po 99:
1 Cf. MONTANO, Carlos. Op. cit. pp. 152-177.
“Assim, O que os autores chamam de “terceiro setor”, nem é terceiro, nem é setor - numa
segmentação do social entre Estado, mercado e sociedade civil autônomos -, nem refere
às organizações desse setor - ONGs, instituições, fundações e outros. Na verdade, no lu-
gar deste termo, o fenômeno real deve ser interpretado como ações que expressam fun-
ções a partir de valores. Ou seja, as ações desenvolvidas por organizações da sociedade
civil, que assumem as funções de resposta às demandas sociais (antes de responsabilida-
de fundamentalmente do Estado), a partir dos valores de solidariedade local, auto-ajuda
e ajuda mútua (substituindo os valores de solidariedade social e universalidade e direito
dos serviços)” (MONTAÍRO, Carlos. Op. cit. p. 184)
LEANDRO MARINS DE SOUZA Ss

suas características de funcionalismo ao modelo neoliberal e à reestruturação do


capital, não se afiguraria verdadeiramente como um setor mas como a alteração
de um padrão de resposta à questão social. Ou seja, a substituição das responsa-
bilidades sociais do Estado, constitutivas de direitos, pela interferência do Ter-
ceiro Setor.
Ademais e, até por conta disso, Montafio entende inexistir uma nova ques-
tão social como propugnam alguns autores; existiria, sim, uma nova resposta à
Já conhecida questão social.
Assim, analisando as propostas que enveredam para a nova resposta à ques-
tão social, conclui haver três movimentos ou orientações para fazer frente às
necessidades sociais.
À resposta do próprio Estado, a nível marginal e de acordo com as propos-
tas de descentralização administrativa (municipalização), redundando, para o
autor, em precarização e eliminação das respostas estatais, sobretudo aos muni-
cípios mais pobres.
À resposta do mercado, derivada da atividade substitutiva dos particulares,
quando se tratar de atividades lucrativas.
E a resposta da sociedade civil, oriunda da atividade substitutiva e de sua
focalização, que deriva para a prestação de serviços assistenciais pelos próprios
necessitados a eles mesmos. Este é o quadro pintado por Montafio.
Por todos estes motivos e aqueloutros já delineados, Montafio passa a rea-
firmar seu entendimento de que o Terceiro Setor seria instrumental e funcional
ao projeto neoliberal, cerne incontestável de sua obra.
“Na verdade, a função das *parcerias' entre o Estado e as ONGs não é a
de “compensar”, mas a de encobrir e a de gerar a aceitação da popula-
ção a um processo que, como vimos, tem clara participação na estraté-
gia atual de reestruturação do capital. É uma função ideológica. Como
apontamos, com o forte retraimento atual do impacto das lutas das clas-
ses trabalhadoras, o capital quer se desfazer de todas aquelas conquistas
trabalhistas (constitutivas de direito) que ele nunca quis, mas que teve que
aceitar num contexto de elevada luta de classes: direitos trabalhistas,
políticas e serviços sociais e assistenciais, direitos democráticos. Como,
então, retirar do Estado todas aquelas conquistas sem criar um processo
de convulsão social que pudesse levar a uma profunda crise e provável
quebra institucional? (...)
c) para legitimar o esvaziamento dos direitos sociais e particularmente
o recorte das políticas sociais: fomenta-se, a partir de “parcerias”, o cres-
cimento (e a imagem de “passagem compensatória”) da atividade do cha-
mado “terceiro setor”, essa miscelânea de indivíduos, empresas, ONGs:&
Seria, portanto, o Terceiro Setor, máscara utilizada pelo Estado, vinculado
aos interesses do capital (neoliberalismo), para se reestruturar através de sua
desresponsabilização quanto às questões sociais, focalizando-as, precarizan-
do-as, descentralizando-as ou até as eliminando.

6 Ibidem, pp. 224-225.


34 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Daí em diante, a análise de Montafio é ainda mais aterrorizante e pessimista


quanto aos desígnios do Terceiro Setor, sempre com fundamento nos argumen-
tos até então traçados e tendo como pedra de toque de seu discurso a constata-
ção de que o debate sobre o Terceiro Setor representa nítida vertente do proces-
so neoliberal de reestruturação do capital, especialmente ao propor alteração da
responsabilidade frente às respostas para as questões sociais.
No último parágrafo de sua obra, Montafio deixa resumido o seu entendi-
mento nos seguintes termos:
“Hoje, mais do que nunca, é forte e clara a hegemonia burguesa no âm-
bito estatal, no mercado e na esfera da produção. Neste sentido, a socie-
dade civil põe-se como espaço privilegiado das lutas de classes e sociais
pela hegemonia. A articulação das lutas tende a dificultar a busca da he-
gemonia burguesa na sociedade civil; contrariamente, o isolamento (me-
diante a setorialização das esferas sociais) e a mistificação de uma socie-
dade civil “popular”, homogênea e sem contradições de classe, contribui
para facilitar a hegemonia do capital nela. O debate sobre o “terceiro se-
tor” não é alheio a esta questão. Ideologizando este conceito, segmentan-
do as lutas em esferas (ou “setores”) autonomizados, desarticuladas da
totalidade social, personificando o Estado, o mercado e a sociedade ci-
vil, numa clara homogeneização desta última, escamoteando o verdadeiro
fenômeno: a desarticulação do padrão de resposta (estatal) às segiielas
da “questão social” desenvolvida, a partir de lutas de classes, no Welfare
State. com tudo isto, o conceito e o debate sobre o “terceiro setor" presta
um grande serviço ao capital e à ofensiva neoliberal, nessa luta pela he-
gemonia na sociedade civil”

1.3. As Críticas de Pedro Demo ao Terceiro Setor, Fundamentadas na


Análise dos Efeitos da Solidariedade
Em obra igualmente robusta, focalizada especialmente na análise dos efei-
tos da solidariedade e, sobretudo, sua interface com o exercício do poder, Pedro
Demo* traça, no bojo de seu livro, linhas bastante críticas a respeito do Tercei-
ro Setor.
Mas antes disso, fixando suas premissas de trabalho, ressalta a constatação
de que os debates e estudos a respeito da solidariedade têm crescido visivelmen-
te, o que atribui às condições pouco igualitárias criadas pelo capitalismo e à
consegiiente insurgência de movimentos preocupados com ahistória da huma-
nidade, com os quais concorda plenamente em suas bases principiológicas e pro-
postas.
“Entretanto, o apelo à solidariedade pode esconder, à revelia, efeitos de
poder, sobretudo quando provêm do centro do sistema capitalista ou das elites
“e
& Ibidem, p. 280.
$& DEMO, Pedro. Solidariedade como efeito de poder, São Paulo : Cortez; Instituto Paulo
Freire, 2002.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 35

em cada país" É nestes termos que Demo lança sua proposta de análise, para
posteriormente proceder à interface das premissas obtidas quanto à solidariedade
como efeito de poder com o Terceiro Setor.
Pretende, inicialmente, pôr em discussão a linha tênue existente entre a
concepção de solidariedade como resultante da realidade histórica concreta e
como massa de manobra ou “truque de domesticação”,” para usar suas palavras.
Desta premissa inicial, extrai a necessidade de que a solidariedade mantenha a
capacidade dialética e de confronto dos assistidos, criando possibilidade de estas
pessoas exercerem vias alternativas e interação com a própria solidariedade.
“Nem de longe pretendo colocar “gosto ruim” na busca por solidarieda-
de. Pretendo apenas que se proponha aquela solidariedade que faculte
ainda mais aos marginalizados confrontarem-se com a marginalização,
de sorte que a sociedade se torne mais justa. Combato frontalmente a
solidariedade assistencialista e capciosa. Retomo teorias dialéticas da
dominação, não mais na ótica do poder reduzido a soberania, mas no
contexto da ótica da dinâmica não-linear, ambígua e ambivalente. Não
pretendo inventar teoria nova. Apenas gostaria de montar uma discussão
pertinente para que a solidariedade possa tornar-se referência histórica
concreta, não apenas sermão dúbio.*
Esta é, em largas passadas, a resenha da proposta de Demo na obra ora em
análise, que já demonstra algumas premissas que serão trabalhadas ao longo do
texto pelo autor.
Ponto que considera fundamental para sua abordagem, e isto fica bastante
claro ao longo de todo o trabalho, é a fixação do pressuposto consistente em
admitir a realidade social, inexoravelmente, como um movimento dinâmico,
contraditório, não linear, desencontrado, de idas e vindas, subidas e descidas.
Enfim, dentre outros adjetivos utilizados, repete incessantemente esta premissa
para fazer entender que a solidariedade, quando não agregada a estes valores,
“pode representar discurso dos dominantes para acalmar os excluídos”.
É neste contexto que Demo promove ainterface da solidariedade com o
poder, haja vista considerar aquela como poderosa ferramenta de manipulação
e de poder por parte daqueles que a usufruem em face dos próprios assistidos.
Ou seja, a solidariedade se revestiria da condição de mascarar a dominação com
a face da ajuda, servindo de punhal cunhado com o metal do altruísmo para ofus-
car seu brilho e acomodar os beneficiados.
Exemplo disso é a condição educacional que o Estado provê aos cidadãos,
que no entender de Demo não passa de programas imbecilizantes com a finali-
dade de cultivar a ignorância e permitir a manutenção da massa de manobra na
qual se transforma a sociedade.”
56 Ibidem, p. 11.
7 Ibidem, p. 12.
& DEMO, Pedro. Op. cit., p. 13.
9 Ibidem, p. 22.
7º “O atual discurso sobre solidariedade pode conter esse efeito imbecilizante: além de ser
tendencialmente o discurso dos dominantes, não passa de ajuda residual. Dificilmente
36 TriButaçÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Portanto, retomando a premissa de que a realidade social é dialética e que,


dessa forma, pressupõe efeitos de poder, afirma que a solidariedade em socie-
dade será legítima quando dotada de crítica e autocrítica que afastem os seus
efeitos imbecilizantes.”
Outro argumento discutido por Demo diz respeito à análise biológica da
solidariedade, ou seja, os fundamentos éticos e psicológicos que incentivam as
pessoas a praticá-la.
Fundamentalmente, seu trabalho aborda questões relacionadas a estudos do
percurso evolucionário do homem, na biologia e na psicologia, para chegar à
conclusão, mais uma vez, de que “o fenômeno evolutivo não é linear: não pode
ser reduzido à simples luta pela sobrevivência, nem podemos esquecer a luta pela
sobrevivência”.??
Informa a predominância da teoria chamada de gene egoísta, segundo a qual
as pessoas só ajudam outras pessoas motivadas por auto-interesse. Para não nos
alongarmos nestas questões, na esteira do quanto já dito sobre o objetivo do pre-
sente trabalho, sumariamente resta dizer que esta teoria, cuja predominância é
ressaltada por Demo, entende que geneticamente o ser humano só age de forma
altruísta para alcançar interesses próprios, nem que seja tão-somente seu próprio
bem-estar.
Mas para o próprio autor, o radicalismo deste tipo de análise acerca da
solidariedade deve ser visto com maior parcimônia; advogar pela inexistência
de solidariedade apartada da busca por interesses individuais, para ele, é proce-
der a análise descabida.”? É, mais do que tudo, encarar a realidade social como
uma simples soma de indivíduos, esquecendo-se do viés eminentemente dialé-
tico e dinâmico que lhe é ínsito.
Por conta disso, mantendo a idéia de solidariedade como utopia, Demo
esclarece que este contexto só pode ser considerado quando se pretende implantar
uma sociedade em que a solidariedade é o único paradigma possível.?* Para ele,
uma sociedade consegue ser relativamente solidária, e somente esta relativida-
de é possível de ser viabilizada. Isto porque “sociedades mais solidárias são viá-
veis, desde que se precavenham contra os efeitos do poder”?
implica emancipação e autonomia das populações pertinentes.” (DEMO, Pedro. Op. cit.,
p. 34)
AR
“Relações de poder solidárias tendem a ser contradição nos termos, porque escondem mais
imbecilização do que história real. Daí não segue que a solidariedade em sociedade seja
impossível. Muito ao contrário, sugere-se apenas que a solidariedade, quando crítica e
sobretudo autocrítica, sabe discernir efeitos de poder. Por exemplo, a solidariedade que
produz ajuda assistencialista representa fantástico processo de imbecilização.” (DEMO,
Pedro. Op. cit., pp. 39-40)
? DEMO, Pedro. Op. cit. p. 41.
? “Não cabe, como querem os biólogos evolucionários rígidos e positivistas, acentuar ape-
nas a ganância individual, como se, em todo ato generoso, no fundo ocorresse o acober-
tamento do egoísmo.” (DEMO, Pedro. Op. cit., p. 134)
74
“A solidariedade torna-se utopismo quando imagina implantar ra histórica a sociedade
em que todos cooperam para o bem comum, mantendo-se a este como paradigma social
exclusivo e intocável.” (DEMO, Pedro. Op. cit. p. 145)
* DEMO, Pedro. Ibidem, p. 147.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 37

Do quanto exposto extrai-se que o autor entende (relativamente) possível


a construção de sociedades fundadas na solidariedade, desde que as ações soli-
dárias mantenham a condição crítica dos envolvidos, especialmente dos assisti-
dos. Isto porque a solidariedade, segundo Demo, tende a ocultar os efeitos do
poder, tanto quando faz acreditar em mudanças revolucionárias dela decorren-
tes quanto quando convence os marginalizados a contentarem-se com ela, im-
becilizando-os nas palavras do autor.
Analisa dois tipos de solidariedade separadamente, já se aproximando da
discussão relativa ao Terceiro Setor: i) solidariedade de cima; e ii) solidarieda-
de de baixo.
Solidariedade de cima, para Demo, é “aquela pregada pelo centro ou pela
elite. Rarissimamente não será infectada de efeitos de poder”.7º Na visão do au-
tor, normalmente a solidariedade de cima a que se refere, ou seja, aquela pro-
posta pelos detentores do poder, está eivada de viés colonialista e imbecilizan-
te.
Sobretudo preocupantes as ações deste jaez, segundo Demo, em virtude de
representarem a desresponsabilização do Estado perante as questões sociais -
mais ainda, a confissão de que o Estado deixou de lado o social - bem como a
auto-responsabilização da sociedade com relação a seus problemas. Vê-se, por-
tanto, que Montafio não está sozinho em sua ideologia. Há, em certas oportuni-
dades, abuso da boa vontade dos cidadãos por parte do Estado, que através de
propostas imbecilizantes afasta-se da responsabilidade social e a outorga à pró-
pria sociedade.”
Como se vê, nada otimista a análise acerca da solidariedade de cima. No
entanto, o autor ressalta a necessidade de maior atenção para as ações que clas-
sifica no conceito de solidariedade de baixo, dentre elas o Terceiro Setor e a eco-
nomia solidária, sempre com a ressalva de que se deve separar o joio do trigo,
inclusive no que tange a estas ações. São ao menos, segundo Demo, alternati-
vas apresentadas em um momento em que a única opção debatida é o neolibe-
ralismo; por isso o festejo com relação a estas propostas, mesmo que pareçam
utópicas ou pouco estruturadas.

7 DEMO, Pedro. Ibidem, p. 152.


7 “Solidariedade de centro ou de elite naturalmente propende, sob palavras bem declama-
das, a defender privilégios. Trata-se de propostas por vezes inacreditavelmente imbecili-
zantes, sobretudo quando manipulam gente de boa vontade e que amealha com isso forte
sentido para suas vidas. Essa mesma crítica valeria para os experimentos comunitários
localizados, que, em si, podem ter extremo mérito, mas no conjunto espargem a idéia fá-
tua de que, tendo o governo desistido da política social ampla para toda a sociedade, pro-
cura inventar ilhotas perdidas no espaço para desviar a atenção. (...) Entretanto, o Estado
precisa dar conta da sociedade como um todo, tornando-se sarcástica a postura de reser-
var desenvolvimento bem posto para pequenas experiências localizadas e específicas,
enquanto se reservada para a sociedade global políticas ostensivamente assistencialistas.”
(DEMO, Pedro. Op. cit., p. 163)
38 TriButação DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

“Como regra, tanto o terceiro setor quanto a economia dos setores po-
pulares são saudados tendencialmente como salvação de um sistema
muito injusto, embora não passem de remendos eventuais por vezes.
Mesmo assim, podem conter germes de alternativa, razão pela qual re-
comenda-se tomá-los a sério, sobretudo em nome da utopia solidária.”
Fazendo breve descrição do Terceiro Setor, tanto quanto sua origem como
em relação a suas características - o que faz com base em Rubem César Fernan-
des” -, Demo desde o início deixa claro seu entendimento, também consentã-
neo com o expressado por Montafio e antes analisado, de que o Terceiro Setor
tem se apresentado fundamentalmente como um projeto neoliberal.
Seguindo a linha de Simone de Castro Tavares Coelho,*! que Demo consi-
dera contrária ao neo-estatismo,* primeiramente admite que a sociedade brasi-
leira tem absorvido a realidade do Terceiro Setor, o que demonstra sua capaci-
dade de reação aos fenômenos novos. E com base nesta postura, Demo concor-
da que o Terceiro Setor teria como função principal a qualificação das ações do
Estado, nunca sua substituição, tampouco sua desresponsabilização.
No entanto, admite que os teóricos do Terceiro Setor o fazem representar
verdadeira solução à lacuna social atualmente existente; em suas palavras, “a
literatura em tomo do Terceiro Setor é tendencialmente triunfalista, como se
estivesse surgindo, no horizonte imediato, alternativa mais ou menos completa
ao mercado e ao governo”.
Para ele, em avaliação coincidente com a elaborada por Montafio, as dou-
trinas que proclamam e promovem o Terceiro Setor sob os estereótipos de cida-
dania útil,** oposição ao autoritarismo, empresa cidadã,* entre outros, não
conseguem esconder o funcionalismo ao sistema neoliberal.

7 DEMO, Pedro. Ibidem, p. 164.


? FERNANDES, Rubem César. O que é Terceiro Setor?, in IOSCHPE, Evelyn Berg. 3º
Setor: desenvolvimento social sustentado, Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1997, pp. 25-33.
80
“Parece-me nítida a vinculação do terceiro setor menos a projeto de cidadania alternati-
va, do que a tendências neoliberais: enquanto, do ponto de vista do mercado, trata-se de
complementaridade, do ponto de vista do Estado, trata-se de algo substitutivo ou restriti-
vo.” (DEMO, Pedro. Op. cit., p. 170)
81
COELHO, Simone de Castro Tavares. Terceiro Setor: um estudo comparado entre Bra-
sil e Estados Unidos, São Paulo : Senac, 2000.
Pedro Demo (op. cit., p. 174) conceitua o neo-estatismo como sendo “a tendência de re-
Jeitar a possibilidade de que demandas sociais possam ser atendidas de modo relativamente
independente da oferta estatal”.
º DEMO, Pedro. Op. cit. p. 177.
Cita TORO, José Bernardo. O papel do Terceiro Setor em sociedades de baixa participa-
ção, in 3º Setor: desenvolvimento social sustentado, coord. Evelyn Ioschpe, Rio de Janeiro :
Paz e Terra, 1997, pp. 35-39.
8º Cita THOMPSON, Andrés A. Do compromisso à eficiência? Os caminhos do Terceiro
Setor na América Latina, in 3º Setor: desenvolvimento social sustentado, coord. Evelyn
Ioschpe, Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1997, pp. 41-48. =,
86
Cita MARTINELLI, Antônio Carlos. Empresa cidadã: uma visão inovadora para uma ação
transformadora, in 3º Setor: desenvolvimento social sustentado, coord. Evelyn Ioschpe,
Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1997, pp. 81-88.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 39

Diante disso, e da constatação da dificuldade de mobilização social, Pedro


Demo afasta a necessidade de se propugnar por uma conceituação de Terceiro
Setor. Ademais, acredita na possibilidade de organização do mercado em siste-
ma que não o capitalista, bem como na organização do Estado de forma mais
igualitária. Este não estaria sendo o papel do Terceiro Setor da forma como or-
ganizado no Brasil atualmente, sobretudo, segundo Demo, por adotar como de-
terminante a doutrina neoliberal.
À referência fundamental para a organização de um Terceiro Setor capaz
de qualificar o mercado e o Estado - que é o seu papel segundo o autor - é a ci-
dadania organizada voluntária com o fito de reverter hierarquias. Não é, para
Demo, como o Terceiro Setor tem se organizado. Nos termos atuais, o movimen-
to do Terceiro Setor “acoberta tática de ocultação das políticas que aprofundam
a marginalização social, enquanto confunde a sociedade brasileira e ocupa es-
paços públicos agora privatizados”.*”
Critica especialmente o movimento de responsabilidade social empresa-
rial incluído no contexto do Terceiro Setor, por entender que a boa vontade oriun-
da do mercado em favor do bem comum pode representar, se não avaliada com
bastante crítica, a sugestão de resolução dos problemas sociais através da pró-
pria origem destes problemas. Além disso, entende que a solidariedade advinda
do próprio mercado tem muito mais conexão com os interesses mercantis que
com os interesses sociais destas ações.
Em conclusão, portanto, Demo deixa bastante clara a necessidade de exis-
tirem movimentos organizados em busca da qualificação do Estado, e sobretu-
do que estes movimentos detenham independência perante o Estado. Isto não
significa, para o autor, a dispensa do Estado, mas a necessidade de os movimen-
tos manterem a condição crítica como forma de se afastar do efeito imbecilizante
de determinadas ações de solidariedade. Atualmente, segundo Demo, “o vento
que sopra não é o da sociedade civil reunida em torno do bem comum, mas da
regulação de tudo, em última instância, do mercado”.º
Após traçar longas páginas sobre a segunda forma de solidariedade de
baixo proposta, qual seja a economia dos setores populares, que não é objeto do
presente trabalho, Demo aponta conclusões pontuais que bem resumem seu en-
tendimento a respeito do Terceiro Setor:
“Solidariedade não é entrega, perda de identidade, conformismo, mas ne-
gociação interminável de coisas negociáveis e não negociáveis. (...) É
mais difícil tirar proveito da discussão sobre o terceiro setor, porque sua
tonalidade neoliberal me parece flagrante, além de ofuscar o papel da
sociedade como controle democrático. Aparece por demais a intenção,
quase sempre sub-reptícia, de camuflar e de substituir o Estado, com lai-
vos privatizantes inegáveis. A própria designação de terceiro setor é, no

&7 DEMO, Pedro. Op. cit. p. 183.


88 DEMO, Pedro. Op. cit., p. 187.
40 TriBuTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

fundo, ociosa, porque as contraposições feitas ao Estado e ao mercado


são em grande parte fictícias ou desnecessárias. O que há de interessan-
te é a vertente das associações voluntárias, cuja qualidade política pode-
ria efetivar um controle democrático pertinente sobre Estado e mercado.
O terceiro setor, até o momento tem sido apenas apêndice do mercado
ou do Estado, em vez de ser estratégia da sociedade para impor ao mer-
cado e ao Estado padrões mais justos de estruturação e funcionamento.
Essa perspectiva é mais visível nas ONGs, que representam, de todos os
modos, floração muito interessante. Entretanto, apesar de por vezes ma-
nipularem recursos financeiros e humanos significativos, elas estão lon-
ge de constituir um “terceiro setor perante o Estado e o mercado.”*º
Estas as considerações teóricas de Pedro Demo a respeito do Terceiro Se-
tor, que demonstram sua preocupação em desvincular movimentos sociais do
Estado e do mercado para que possam atingir seu verdadeiro objetivo, qual seja
o de qualificar a atuação destes que são os verdadeiros setores, de modo a man-
ter a capacidade de crítica em face das políticas sociais e afastar os efeitos im-
becilizante e colonialista de determinadas políticas assistencialistas.

1.4. A Análise de Robert Kurz sobre o “Novo Paradigma de Reprodução


Social”” Chamado de Terceiro Setor
Em trabalho de menos fôlego que os outros dois anteriormente analisados,
intitulado “Para além de Estado e Mercado”, Robert Kurz analisa em breves
linhas o que considera um novo roteiro para a conquista do “sonho de emanci-
pação social, da autodeterminação do homem, de uma produção autônoma da
vida”,! o chamado Terceiro Setor.
Estas idealizações, segundo o autor, haviam sido esquecidas em virtude de
as relações sociais terem sido transformadas em relações monetárias, especial-
mente por força de o Estado e o mercado terem preenchido o espaço social. O
paradigma de reprodução social, portanto, estava centrado no sistema híbrido
composto por Estado e mercado.
No entanto, Kurz aponta que este sistema não se mostra mais capaz de in-
tegrar a sociedade, sendo premente a necessidade de deixar de ser a forma pre-
dominante de reprodução social. É neste contexto que surgem as propostas de
estruturação sistêmica da sociedade que, para Kurz, vão “para além do Estado e
do mercado”,? coordenados num espaço social difuso existente dentre estas duas
instituições.
Esta seria a justificativa encontrada por Kurz para o surgimento de propos-
tas tais quais o Terceiro Setor, que seria “composto da união de inúmeros agru-

º DEMO, Pedro. Op. cit. pp. 261-264.


*º KURZ, Robert. Para além de Estado e Mercado, in Os últimos combates, 4º ed., Petrópo-
lis: Vozes, 1998, pp. 151-157.
| KURZ, Robert. Ibidem, p. 151.
2 KURZ, Robert. Ibidem, p. 152.
Leandro MARINS DE Souza 41

pamentos voluntários, destinados a conter a miséria social e barrar a destruição


ecológica”, atuando, para tanto, em espaço relegado pelo Estado - por suposta
falta de recursos para sua atuação - e pelo mercado - pela inexistência de pers-
pectiva lucrativa com estas atividades.
Mas quando se pergunta se o Terceiro Setor tem condições de ser um novo
paradigma de reprodução social, em contrapartida ao modelo Estado/mercado
que necessita ser revisto, Kurz adianta que preliminarmente este conceito “terá
de ir além das simples medidas paliativas ou de urgência, destinadas somente a
fazer curativos leves nas feridas abertas pela “mão invisível” do mercado globa-
lizado”.º* Sobretudo, o autor ressalta a necessidade de se desvincular o Terceiro
Setor do mercado, para que deixe, segundo suas próprias palavras, de se finan-
ciar com as migalhas deixadas pelo setor lucrativo, e de ser eternamente consi-
derado como o irmão caçula do mercado. Caso contrário, evidentemente o Ter-
ceiro Setor vai se afigurar como ferramenta bastante útil ao neoliberalismo, es-
pecialmente ao mercado. Não que se proponha a total substituição do sistema
de mercado pelas atividades assistenciais, mas o aumento deste tipo de ativida-
des é possível em contrapartida ao mercado.
Sem se alongar muito, Kurz considera o Terceiro Setor como elemento de
grande peso político, sobretudo a partir do momento que seus próprios integran-
tes reconhecerem o que o autor considera como uma força histórica inovadora.
É interessante a ressalva feita por Robert Kurz ao final de seu trabalho, re-
lativamente ao apoio de grupos de ideologia política de esquerda ao desenvolvi-
mento do Terceiro Setor. Segundo ele, dificilmente haverá apoio destas pessoas
por terem muito apego ao conceito de Estado.
Esta ressalva de Kurz, especialmente importante neste momento, serve para
mostrar que efetivamente o debate sobre o Terceiro Setor está entremeado de
discussões de ordem ideológica que influenciam nas conclusões de cada autor
sobre a legitimidade deste movimento. Não são de se estranhar, portanto, as con-
clusões apresentadas por Montafio e Demo, tampouco outras adiante avaliadas,
quando se mostram evidentemente imbuídas de viés ideológico que repercute em
leituras mais ou menos otimistas sobre o assunto.
Para Kurz, por exemplo, em conclusão otimista, ao contrário de Montafio
e Demo que se apresentaram bastante receosos quanto ao Terceiro Setor,
“talvez o sistema totalitário da economia de mercado (assim como o Esta-
do) seja ele próprio um Golias corpulento, para quem a pedra e a funda já
estão armadas, à espera do momento exato para derrubar o gigante”.”
O autor atribui ao Terceiro Setor, portanto, a tarefa de solucionar o siste-
ma vigente de reprodução social, que considera corpulento e fadado à substitui-
ção.

3 KURZ, Robert. Ibidem, p. 152.


2% KURZ, Robert. Ibidem, p. 153.
9% KURZ, Robert. Ibidem, p. 157.
42 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

1.5. “Inovação Social na Resolução dos Problemas Coletivos”: o Público


não Estatal na Visão de Bresser Pereira
A obra de Luiz Carlos Bresser Pereira, da mesma forma, merece desta-
que dentre os autores que debatem o Terceiro Setor. Não obstante tratar do tema
de forma diferenciada - e até por conta disso -, ao fixar como pedra de toque de
seu trabalho a reforma do Estado para, delimitando esta premissa, abordar de
forma marginal a questão do Terceiro Setor, Bresser Pereira apresenta interes-
santes apontamentos a serem levados em consideração no debate teórico do Ter-
ceiro Setor.
Antes de mais nada, imprescindível a ressalva de que o autor, ao tratar do
Terceiro Setor, limita-se a se manifestar a respeito das organizações sociais,
motivo pelo qual sua abordagem sobre o assunto é mais pontual e, como dito,
marginal. No entanto, traça algumas balizas principiológicas bastante importan-
tes e correntemente discutidas pelos autores do Terceiro Setor, como já se ob-
servou de Montafio, em cotejo com o quanto será exposto.
Inicia, portanto, afirmando a crise do Estado e justificando sua Reforma
Gerencial como uma forma de contramão ao processo de globalização, permi-
tindo ao Estado manter sua autonomia relativamente às políticas públicas. Des-
te modo, a crise fiscal do Estado, segundo o autor, levou à primeira ordem de
reformas instituídas com o condão de alcançar o Estado mínimo idealizado nas
propostas neoliberais. Verificada a impossibilidade de esta primeira etapa de
reformas resolver o problema oriundo da crise fiscal do Estado, surge a segunda
geração de reformas, voltadas à reforma da Administração Pública e à recons-
trução do Estado, a chamada Reforma Gerencial. E complementa Bresser Pereira
ao asseverar que
“tais reformas, e particularmente a Reforma Gerencial, partem do pres-
suposto de que em um grande número de áreas, particularmente na so-
cial e científica, o Estado pode ser eficiente, desde que use instituições
e estratégias gerenciais, e utilize organizações públicas não-estatais para
executar os serviços por ele apoiados, recusando, assim, o pressuposto
neoliberal da ineficiência intrínseca e generalizada do Estado.”
O autor refere-se, especificamente, às organizações sociais, que fazem parte
dos inúmeros instrumentos de Reforma Gerencial do Estado como
“uma reação à onda neoconservadora ou neoliberal, que, estimulada pela
crise ou pela desaceleração econômica, fez, a partir dos anos 70, uma
crítica radical ao Estado Social-Burocrático do século vinte, nas três for-
mas que este assumiu: o Estado do Bem-Estar, no chamado primeiro
mundo; o Estado Comunista, naquilo que constituía o segundo mundo;
e o Estado Desenvolvimentista, no terceiro mundo”.

º* PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado para a cidadania: a reforma geren-
cial brasileira na perspectiva internacional, São Paulo : Editora 34; Brasília : Enap, 1998.
” PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Ibidem, p. 31.
** PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Ibidem, pp. 31-32.
Leandro MARINS DE SOUZA 43

A crise fiscal do Estado, que repercute em perda de eficiência do Estado e,


da mesma forma, em falta de governabilidade, seria resolvida pelas reformas no
Estado, especialmente a chamada Reforma Gerencial. Também consegiiência da
crise fiscal, solucionada pela Reforma Gerencial, seria a falta de capacidade do
Estado em implementar políticas sociais.
Sobretudo na realização das atividades exclusivas do Estado como saúde e
educação, ressalta o autor, a Administração Pública burocrática mostrava-se de
todo incapaz e ineficiente de prestar serviços de qualidade aos cidadãos-clien-
tes, solicitando urgente interferência para revitalizar o Estado.
É nesse contexto que se apresentam as propostas defendidas por Bresser
Pereira, dentre as quais se encontra a utilização de instituições que qualifica
como públicas não estatais como forma de, através de sua gerência, correspon-
der à demanda por políticas sociais de forma adequada e eficiente.
Aliás, o autor considera que “na Reforma Gerencial em curso no Estado
brasileiro, a instituição que provavelmente terá maior repercussão é a das orga-
nizações sociais”. Ainda no entendimento do autor, o que se pretende é trans-
formar a prestação de serviços sociais e científicos, prestados atualmente pelo
Estado de forma inadequada por conta de sua crise fiscal, em entidades sem fins
lucrativos - públicas não estatais - participantes do Terceiro Setor.
Em análise posterior, destinada especificamente a analisar a legislação já
existente acerca do Terceiro Setor, poderá ser avaliado com mais detença o mo-
tivo pelo qual Bresser Pereira acredita no regime das organizações sociais, ou
seja, a forma de seu funcionamento.
De antemão, faz-se mister ressaltar que o autor dá muita importância para
o fato de as organizações sociais, entidades que considera públicas mas de di-
reito privado, !º poderem celebrar contrato de gestão com o Estado e participa-
ção em seu orçamento, um dos motivos para considerá-las potencialmente mais
eficientes que o próprio Estado e que o mercado.
Segundo ele, a crise do Estado agravou em muito a dicotomia entre Esta-
do e mercado, o que gerou a onda de privatizações por se achar que seria a úni-
ca saída para a manutenção das relações sociais. No entanto, ressalva que a pri-
vatização nem sempre se apresenta interessante ao mercado, seja em virtude de
a atividade não ser lucrativa, seja por força de o mercado não suportar a coorde-
nação destas atividades.
Surge, portanto, nesta lacuna deixada pelo Estado e pelo mercado, o Ter-
ceiro Setor, que para o autor “tem um papel de intermediação, podendo facilitar

9 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Ibidem, p. 235.


100 Isto porque o regime jurídico das organizações sociais, como será visto, é o de direito
privado, mas sua configuração como prestadora de serviços de natureza pública autori-
za, para o autor, considerá-las como públicas. Em suas palavras, “é pública não-estatal
aquela que, embora buscando o interesse geral, não faz parte do aparelho do Estado e se
subordina ao Direito Privado” (PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Op. cit., p. 236).
44 TriBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

o aparecimento de formas de controle social direto e de parceria, que abrem


novas perspectivas para a democracia”.'º! O desenvolvimento das entidades pú-
blicas não estatais é apresentado como elemento chave para a democratização
da sociedade civil, quando o autor, na esteira do já comentado Tocqueville, en-
tende que estas entidades abrem “a possibilidade de que a sociedade civil se
engaje em contratos e seja origem legítima da lei, independentemente do Esta-
do”, 102-103

As entidades públicas não estatais teriam a condição de dotar os cidadãos


de consciência democrática e opinião crítica, fortalecendo sua representativida-
de, além de representar, segundo o autor, melhoria na qualidade e na eficiência
dos serviços por elas produzidos, únicas características que as justificariam. Mas
além disso há que se enfrentar questão referente à legitimidade da prestação de
serviços de educação e saúde, por exemplo, por entidades que não são estatais.
Bresser Pereira entende que esta questão é “antes de mais nada uma ques-
tão de valores éticos ou de ideologia política”,!* para concluir que o Estado deve
sim prestar estes serviços, mas pode fazê-lo de forma direta - fazendo referên-
cia ao Welfare State - ou indireta - através do financiamento das atividades das
entidades públicas não estatais.
Por conta disso, o autor assevera que a ampliação do Terceiro Setor tem
ocorrido por iniciativa tanto da sociedade como do Estado, representando o que
chama de processo de publicização. Seria a transferência de serviços não exclu-
sivos do Estado para as entidades do Terceiro Setor na forma de organizações
sociais, como alternativa ao estatismo e à privatização. Sendo mais conclusivo,
considera que
“a solidariedade, o compromisso, a cooperação voluntária, o sentido do
dever, a responsabilidade pelo outro são todos princípios que tendem a
caracterizar as organizações sem fins de lucro e, em termos mais amplos,
a “comunidade” enquanto mecanismo de atribuição de valores, diferen-
ciável do mercado, baseado na competição, e do Estado, fundado no
poder coercitivo. Estes últimos, precisamente porque no plano organiza-
tivo se baseiam na separação entre a propriedade e a administração, re-
querem um controle que é essencialmente hierárquico, ainda quando pre-
tende moderar?"!s

10
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Ibidem, p. 238.
'2 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Ibidem, p. 239.
103 É importante deixar claro que o autor discorda da aproximação correntemente feita entre
os conceitos de sociedade civil e de entidades sem fins lucrativos. Para ele, o conceito de
sociedade civil aproxima-se da idéia de oposição ao Estado ou à sociedade política.
'* PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Op. cit. p. 241. E
105 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser e GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado:
o
público não-estatal, in PEREIRA, Luiz Carlos Bresser e GRAU, Nuria Cunill (organiza-
dores). O público não-estatal na reforma do Estado, Rio de Janeiro : Fundação Getúlio
Vargas, 1999, pp. 15-48.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 45

Bresser Pereira, como pode se observar, é entusiasta do desenvolvimento


da prestação de serviços por entidades não estatais, portanto incentivador do
Terceiro Setor, por entender que este tipo de entidade pode prestar serviços de
melhor qualidade e com maior eficiência para a sociedade. É bastante enfático,
no entanto, em defender a necessidade inafastável de o Estado sustentar as ati-
vidades desenvolvidas pelo Terceiro Setor.
Estas, em breves linhas, as considerações apresentadas por Bresser Perei-
ra a respeito do Terceiro Setor, incluindo o assunto enfaticamente na Reforma
Gerencial do Estado brasileiro.

1.6. “Privado porém Público”: o Terceiro Setor na Obra de Rubem César


Fernandes
Fruto de pesquisa organizada pela Civicus - Aliança Mundial para a Parti-
cipação dos Cidadãos, 'º* o trabalho de Rubem César Fernandes!” apresenta re-
latório que discrimina, com dados e abordagens teóricas, o desenvolvimento do
Terceiro Setor na América Latina.
Desde o prefácio de Miguel Darcy de Oliveira já ficam claras as premissas
adotadas por Fernandes, motivo pelo qual transcrevemos as principais partes:
“Um terceiro setor - não-lucrativo e não-governamental - coexiste hoje,
no interior de cada sociedade, com o setor público estatal e com o setor
privado empresarial. (...) Já é consenso na América Latina que nem o
mercado nem o Estado têm condições de responder, por si sós, aos de-
safios do desenvolvimento com eqjiiidade. A participação dos cidadãos é
essencial. (...) Na maioria dos países, não há uma legislação que estimule
e promova o voluntariado e a filantropia.”!º8
Fernandes propõe ser este o momento adequado para se discutir o que cha-
ma de “sociedade civil planetária”,!º que significa a inserção da sociedade civil
no contexto globalizante, acompanhando os movimentos do Estado e do merca-
do.
Já neste sentido, segundo o autor, a evolução histórica fez surgir nos anos
70 e 80, nova forma de instituição que dava sinais de que esta nova ordem glo-
bal da sociedade civil tomava corpo, as chamadas Organizações não Governa-
mentais (ONGs).
Mas o fenômeno do Terceiro Setor é muito maior, justificado por Fernan-
des pelo desenvolvimento dos movimentos associativos, que hoje, diferentemen-
te dos movimentos do passado, não fazem parte do aparato estatal.

106 Civicus é uma aliança internacional fundada em 1993 nos Estados Unidos para promo-
ver o desenvolvimento de ações de cidadania por todo o mundo, especialmente nas áreas
de participação democrática e liberdade dos cidadãos.
07 FERNANDES, Rubem César. Privado porém público: o Terceiro Setor na América La-
tina, 3º ed., Rio de Janeiro : Relume Dumará, 2002.
108 OLIVEIRA, Miguel Darcy de. Prefácio, in FERNANDES, Rubem César. Op. cit. pp. 11-13.
19 FERNANDES, Rubem César. Op. cit., p. 16.
46 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Considerando “uma idéia em boa hora”,"'º e forte na doutrina de Tocqueville,


Fernandes passa a discorrer sobre o Terceiro Setor como um personagem que
surge sem vínculo com o Estado e o mercado. Pelo contrário, considera o ter-
ceiro setor como uma outra instituição, “além do Estado e do mercado”.!!!
Apesar de concordar com as alegações de que na verdade esta realidade não
é nova e que, portanto, não ocorre o surgimento de nada - alguns autores inclu-
sive chamando-a de primeiro setor por sua antecedência histórica -, Fernandes
justifica considerá-la como novidade pelos novos contornos que vem tomando,
sobretudo no que tange à sua dimensão. Tem-se, portanto, o surgimento do Ter-
ceiro Setor.
E surge, a reboque disto, a necessidade de serem pensados os interesses em
Jogo na realidade social como uma tríade, que inclua, além dos interesses priva-
dos e públicos, uma terceira possibilidade de interesses representada pelas ações
desenvolvidas no contexto do Terceiro Setor.
O Terceiro Setor seria exatamente, na visão do autor, uma entre as quatro
possibilidades de interação entre as esferas pública e privada, ao considerá-lo
como o desenvolvimento de atividades por agentes privados para fins públicos,
ou em suas palavras, “um conjunto de organizações e iniciativas privadas que
visam à produção de bens e serviços públicos”.!!2113
E após traçar algumas linhas sobre as discussões havidas sobre o conceito
de Terceiro Setor, conclui afirmando que
“Pensar “terceiro setor” significa reunir sob uma mesma classe concei-
tual atividades tão distintas que, no passado, costumavam ser vistas como
contraditórias ou mesmo antagônicas. Perceber a relevância desta pos-
sibilidade de agrupamento ideal implica dar um passo no sentido de tor-
ná-lo eficaz e, neste sentido, acenar para a passagem do possível ao
reali
Voltando um pouco às justificativas para o desenvolvimento deste Tercei-
ro Setor, Fernandes discute o papel dos trabalhos comunitários, de alguma for-
ma antecedentes às novas formas de desenvolvimento de ações sociais.
Os trabalhos dedicados à comunidade tomam corpo, como aponta o autor,
além da influência da Igreja, em virtude da impossibilidade de integração da

"9 FERNANDES, Rubem César. Op. cit. p. 19.


!! FERNANDES, Rubem César. Op. cit. p. 19.
'2 FERNANDES, Rubem César. Op. cit. p. 21.
“3 O autor elabora esquema (FERNANDES, Rubem César. Op. cit.,, p. 21) que representa
as interações entre as esferas pública e privada, para contextualizar o Terceiro Setor en-
tre elas, da seguinte forma:
Agentes Fins Setor
Privados para privados = Mercado
Públicos para públicos = Estado
Privados para públicos = Terceiro Setor
Públicos para privados = (corrupção)
“* FERNANDES, Rubem César. Op. cit. p. 32.
LEanDRrO MARINS DE SOUZA 47

sociedade com o mercado e com o Estado, principalmente no período militar.


Diante deste engessamento de participação, só restava uma alternativa à socie-
dade que era se organizar localmente em prol da comunidade. Restava a ten-
tativa de alcançar as necessidades sociais diretamente na sua base.
Essa impossibilidade de integração verticalizada repercutiu no desenvolvi-
mento de ações locais (não universais), que por sua diversidade acabaram por
possibilitar a criação de diversos nichos de atuação de acordo com os problemas
sociais apresentados: combate à pobreza, combate ao analfabetismo, discrimi-
nação racial, direitos das mulheres, etc.
A emergência destes chamados movimentos sociais deriva, segundo o au-
tor, de sua característica localista, que não ameaçava os centros de poder. Quanto
maiores os problemas urbanos, maior a demanda social e a consegiente multi-
plicação de movimentos sociais para fazer frente a esta demanda. Ressalva Fer-
nandes que estes movimentos sociais têm tanto função de mediação quanto de
atuação junto aos problemas sociais.
Tem-se, portanto, o quadro que pode ser pintado: especialmente por força
de governos autoritários, houve abertura de espaço para vários atores sociais que
não tinham relação com o Estado e o mercado para interferir nas questões so-
ciais.
E como sinal do desenvolvimento destas atividades, a proliferação das Or-
ganizações não Governamentais veio a corroborar a descoberta apontada por
Fernandes de que “atividades de interesse público podem ser exercidas fora do
governo, e em medidas que ultrapassam as expectativas de uma vida”.!!6
Para o autor, a crise institucional do Estado levou ao desenvolvimento das
ONGs e à necessidade de fortalecimento da sociedade civil. O período de de-
mocratização posterior aos regimes militares, na América Latina, acabou por
gerar uma deterioração dos serviços públicos, além da estagnação econômica,
inflação e, consegiientemente, miséria.
“É neste contexto de crise institucional que, por uma dialética cruel, veio
a frutificar o conceito de uma “sociedade civil”. As inseguranças do Es-
tado reforçam, por contraste, o valor das iniciativas civis, livres das an-
tigas dependências para com os órgãos de governo. A ineficácia dos ser-
viços públicos estimula a busca de alternativas autônomas que, embora
não sejam capazes de enfrentar os problemas em toda a sua extensão,
reforçam as idéias de ajuda mútua e iniciativa própria. As carências or-
çamentárias dos governos estimulam a busca de recursos para fins sociais
no setor privado.”!7

45 Como reforça Fernandes (op. cit., p. 34), “reduziu-se a um mínimo a participação cívica
no Estado e nas empresas. Estancando assim o ímpeto participativo gerado na década
anterior, uma saída restou para os que olhassem numa outra direção: para baixo e para o
plano local, justamente para as “comunidades””
46º FERNANDES, Rubem César. Op. cit., p. 67.
H7 FERNANDES, Rubem César. Op. cit., p. 94.
48 TriButação DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Este é o contexto da obra de Fernandes, assumidamente favorável ao de-


senvolvimento de atividades no âmbito do que considera o Terceiro Setor. Mas
é importante que saibamos o que o autor entende como sendo o Terceiro Setor.
Primeiramente, faz a ressalva de que a idéia de Terceiro Setor pressupõe a
existência de um primeiro setor e de um segundo setor. Este pressuposto, cuja
referência é indireta (não governamental e não lucrativo) e diversa da idéia de
sociedade civil, remete a conceito sem definição de fronteiras e delimitação de
atores específicos. Tem-se tão-somente a idéia de que o Terceiro Setor seria o
conjunto de ações desenvolvidas por particulares com sentido público, mais nada
além disso.
Vai-se bastante além das instituições, quando se interpreta conceito que tal,
para abarcar toda atividade que se amolde a estas características. Além das ins-
tituições, o autor inclui neste conceito prestadores de serviços que não estão
sequer juridicamente registrados. E para o autor é importante reconhecer a am-
plitude de atores participantes do Terceiro Setor: “amplia o entendimento do que
seja e de como se compõe a “coisa pública”; e modifica o horizonte da pergunta
sobre as interações efetivas e possíveis que dão vida ao terceiro setor”.!!8
Outra consideração importante feita pelo autor é a de que os movimentos
sociais, associações civis e ONGs romperam com a noção de assistencialismo.
E após diversas constatações de que efetivamente o Terceiro Setor está se
desenvolvendo naturalmente, passa a traçar algumas premissas que acha perti-
nentes para um melhor entendimento do Terceiro Setor, o que chama de “pistas
para interações futuras”,!!º as quais apontamos topicamente: i) pela diversidade
de autores que o compõem, é impossível tentar criar um padrão de Terceiro Se-
tor, sob pena de ser esvaziado; ii) é impossível identificar o Terceiro Setor com
uma ideologia política, por conta de sua heterogeneidade; iii) o Terceiro Setor
deve ser seletivo, de modo afazer frente àquilo a que se proponha; e iv) não há
possibilidade de massificar as ações do Terceiro Setor de modo a lhe determi-
nar uma linha única de atuação, sob pena de atropelar sua diversidade.
Destas conclusões Fernandes extrai que
“deixando de lado uma substância comum, um projeto comum, uma
agenda global, uma integração política vertical e uma organização guar-
da-chuva horizontal, percebe-se com clareza que o terceiro setor não pode
ser concebido ou promovido através de abordagens holísticas. Difere,
neste sentido, da perspectiva típica do século 19 que foi reintroduzida
poderosamente no período da guerra fria. Os movimentos nacionais é
populares foram em regra mobilizados por expressões ideológicas de uma
noção herdada da esquerda hegeliana, pela qual um sujeito universal afir-
ma os seus valores e a sua soberania através da história. A idéia do ter-
me

“8 FERNANDES, Rubem César. Op. cit., p. 128.


“º FERNANDES, Rubem César. Op. cit., p. 135.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 49

ceiro setor, por outro lado, não nos induz a imaginar a sociedade como
um grande indivíduo coletivo. Ao contrário, ela sublinha a diversidade”
Por fim, entende que o Terceiro Setor não pode ser encarado como reali-
dade concreta definida, mas como uma possibilidade de acontecimento cuja ca-
racterística principal é o dinamismo.

20 FERNANDES, Rubem César. Op. cit., pp. 136-137.


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51

Capítulo 2 - Contexto Socioeconômico-político


de Desenvolvimento do Terceiro Setor

2.1. Reforçando a Ressalva Inicial


Como frisado - correndo o risco da repetição para deixar clara a intenção
puramente metodológica das ressalvas -, este primeiro título tem o condão de
delimitar, através de considerações propedêuticas, o objeto de estudo do presente
trabalho. Mais ainda, pretende fixar a abrangência do primeiro corte metodoló-
gico a que se dedica o estudo.
Isto porque se propõe trazer ao conhecimento do leitor o Terceiro Setor
entendido sob óticas não jurídicas, mas sociais, políticas, econômicas, religio-
sas, entre outras.
Mas antes que se enverede para o estudo propriamente jurídico do Tercei-
ro Setor, imprescindível ao desfecho pretendido, faz-se mister que sejam traça-
das algumas linhas introdutórias não propriamente jurídicas, a demonstrar o
contexto sociopolítico-econômico em que “surge” o Terceiro Setor, primeiro
corte metodológico do estudo proposto.
Em momento lógico anterior à delimitação do objeto imediato do presente
trabalho, que é a análise jurídica do Terceiro Setor, há que se delimitar o con-
texto socioeconômico-político em que efervesce a discussão a respeito do Ter-
ceiro Setor, sobretudo por se aninhar em locus de debate que envolve a própria
atuação do Estado. Vale, aqui, a ressalva de Santi Romano, para quem
“a aplicação do “método jurídico” tem dado lugar, na ciência do direito
constitucional, a inúmeras e frequentes objeções, de maneira que se po-
deria dizer que estivessem em moda no passado. Felizmente, não obstante
algum retorno esporádico, é moda que tende a declinar. Tais questões de
método, frequentemente oriundas de equívocos e fontes de equívocos,
têm, muitas vezes representado, no campo do direito constitucional, uma
luta combatida, não raramente com armas embotadas, por adversários que
se conservam à distância um do outro, de maneira que dificilmente, che-
gam a tocar-se. A tese dos “juristas” é muito simples: o direito constitu-
cional é ... o “direito” constitucional e, portanto, deve ser tratado juridi-
camente como os demais ramos da ordenação jurídica, verdade esta tão
evidente que, não se podendo quase demonstrar, convém ser aceita como
axioma. A tese dos 'não-juristas” é a seguinte: uma matéria tão comple-
xa como a do Estado e sua constituição deve ser examinada sob múlti-
plos pontos-de-vista, o filosófico, o histórico, o político etc. e também
esta - embora o Estado e a constituição sejam fenômenos, intrínseca e
especificamente, jurídicos - deve se considerar fundada.
Mas, desta maneira, o verdadeiro problema, se é que existe, ainda não
está sendo colocado em seus justos termos. Apresenta ele dois aspectos:
1) se o tratamento jurídico deve amaigamar-se e fundir-se com o trata-
52 TriButação DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

mento não jurídico e 2) se e até que ponto o jurista deve considerar os


resultados obtidos pelas ciências não jurídicas concernentes ao Estado.
O primeiro é de fácil solução. A fusão das duas ordens de tratamento
pode de certo modo justificar-se quando o primeiro ainda não se desen-
volveu e, portanto, não basta para formar uma disciplina. O ulterior de-
senvolvimento tem sido tão imponente que sua autonomia tornou-se uma
exigência imprescindível da lei da divisão do trabalho. Ninguém pode
contestar que ela, oriunda daquele desenvolvimento, tem contribuído
eficazmente eliminando inúmeras desvantagens que são inseparáveis da
união com as investigações heterogêneas e que, na prática, acarretam,
com fregiiência, muitas confusões. Em geral, o sincretismo metodológi-
co impede a colocação exata dos problemas e a resolução dos mesmos
segundo o ponto-de-vista que lhes é específico. Além disso leva a sacri-
ficar a parte menos consolidada da disciplina, unificada artificialmente,
em favor da parte mais desenvolvida. Assim o direito constitucional vi-
nha sendo fregiientemente, aliás quase sempre, sufocado pela política,
ciência mais antiga e, por assim dizer, mais forte, menos técnica e, por-
tanto, também mais fácil para os diletantes, assim como mais aceita pelo
grande público.
Já o segundo aspecto é um tanto quanto mais complexo. Pode-se, sem
dúvida, admitir que o jurista possa servir-se das pesquisas não jurídicas
atinentes ao Estado e que as deva considerar. Mas isto não significa que
ele deva abandonar o “método jurídico” pelo “método político”, pelo “mé-
todo histórico” ou pelo “método sociológico”. (...) Todavia, o conhecimen-
to da verdadeira realidade lhe é indispensável para compreender a reali-
dade formal que a ordenação jurídica lhe apresenta, tanto mais que quan-
do esta aparece dúbia pode e deve presumir que coincide com a primei-
ra. Mas, se no momento em que o jurista constrói ou, melhor, reconstrói
Os conceitos, os princípios, os institutos de direito positivo, ele deve ater-
se à realidade deste último, no momento da aplicação concreta de seus
dogmas aos casos práticos, encontra-se, necessariamente, na realidade
efetiva, relações, interesses, necessidades, situações que são as que deve
julgar e avaliar, a fim de verificar se e até que ponto são reguladas pela
ordenação vigente. Por estas razões, todas as ciências sociais não lhe
podem ser indiferentes, sendo apenas os pressupostos daquela que é es-
pecificamente sua.” !2!
É, portanto, sobretudo diante da lição do insigne mestre italiano, motivo que
justifica o primeiro corte metodológico para a definição do objeto de análise do
presente trabalho, que se posiciona em momento lógico anterior à própria fixa-
ção do objeto em análise, seja em seu prisma mediato ou imediato.

21 ROMANO, Santi. Princípios de direito constitucional geral, trad. Maria Helena Diniz,
São Paulo : RT, 1977, pp. 28-30. Neste mesmo sentido, veja-se o entendimento de Paolo
Biscaretti di Ruffia (Direito constitucional: instituições de direito público, trad. Maria
Helena Diniz, São Paulo : RT, 1984, pp. 8-9).
LEANDRO MARINS DE SOUZA 53

2.2. Alterações no Papel do Estado: Campo Fértil para o Desenvolvimento


do Terceiro Setor
Quando se fala em Terceiro Setor - e o que ora se diz será objeto de análi-
se específica em tópicos posteriores - logo se deve traçar cotejo analítico com a
atividade estatal. Isto porque a atividade desenvolvida pelo Terceiro Setor, por
suas características e locus de atuação, deve ser considerada complementarà
atividade estatal.22 É inafastável, portanto, que se faça breve análise evolutiva
da relação entre Estado e sociedade e da própria intervenção estatal na socieda-
de, com o fito de localizar o desenvolvimento do Terceiro Setor no âmbito das,
ou complementarmente às (para evitar confusão), atividades do Estado.
Sem se aprofundar em questões subjacentes à discussão acerca do Estado!? -
tais como considerar ou não as formas de organização anteriores ao chamado
Estado Moderno efetivamente como formas de Estado e o debate sobre a dife-
renciação dos conceitos de Estado e Estado Moderno - em largas passadas é de
se demonstrar a evolução deste conceito.
Há autores que se filiam à idéia de que o Estado sempre existiu - e em con-
- junto com a sociedade - desde que o homem existe, por viver integrado em or-
ganização de grupo dotada de regras de poder e de autoridade.'* Há outros, ain-
da, que advogam a tese de que o Estado não acompanhou a sociedade durante
determinado período. Uma terceira corrente entende que só pode ser considera-
da como Estado uma sociedade política que detenha especiais características
bastante definidas, vinculadas à idéia de soberania, que se desenvolvem somen-
te no século XVII e dão origem ao conceito de Estado Moderno.'* Sabe-se que

'2 Esta afirmação será objeto de análise pormenorizada no Título 2, capítulo 6.2.
123 “É fora de discussão que a palavra “Estado” se impôs através da difusão e pelo prestígio
do Príncipe de Maquiavel. A obra começa, como se sabe, com estas palavras: “Todos os
estados, todos os domínios que imperaram e imperam sobre os homens, foram e são ou
repúblicas ou principados” [1513, e. 1977, p. 5]. Isto não quer dizer que a palavra tenha
sido introduzida por Maquiavel. Minuciosas e amplas pesquisas sobre o uso de “Estado”
na linguagem do Quatrocentos e do Quinhentos mostram que a passagem do significado
corrente do termo status de “situação” para “Estado” no sentido moderno da palavra, já
ocorrera, através do isolamento do primeiro termo da expressão clássica status rei publi-
cae. O próprio Maquiavel não poderia ter escrito aquela frase exatamente no início da obra
se a palavra em questão já não fosse de uso corrente.” (BOBBIO, Norberto. Estado, go-
verno, sociedade: para uma teoria geral da política, trad. Marco Aurélio Nogueira, 9º ed.,
Rio de Janeiro : Paz e Terra, 2001, pp. 65-66)
!% Autores que se filiam a esta corrente, conforme aponta Dalmo de Abreu Dallari (Elemen-
tos de teoria geral do Estado, 23º ed., São Paulo : Saraiva, 2002, p. 52), são Eduard Meyer
e Wilhelm Koppers.
25 Herman Heller (Teoría del Estado, trad. Luis Tobio, México : Fondo de Cultura Econó-
mica, 1990, p. 142) é expresso neste sentido: “Es patente el hecho de que durante medio
milenio, en la Edad Media, no existió el Estado en el sentido de una unidad de dominación,
independientemente en lo exterior e interior, que actuara de modo continuo con medios
de poder propios, y claramente delimitada en lo personal y territorial.” Alexandre Mus-
soi Moreira (A transformação do Estado: neoliberalismo, globalização e conceitos jurí-
dicos, Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2002, p. 19), citando Heller, também enten-
de neste sentido: “De toda a forma, a concepção de Estado a que se prende o presente tra-
54 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

as discussões a este respeito vão bastante além das breves linhas aqui traçadas,
mas o que importa neste momento é apreendermos, tão-somente, a evolução da
concepção do Estado em linhas gerais e, paralelamente, a influência desta evo-
lução para o estudo do Terceiro Setor.
Suficiente, portanto, que consideremos a evolução do Estado somente a
partir do chamado Estado Moderno, tal qual os adeptos da terceira vertente teó-
rica antes descrita. E este Estado Moderno, que denota a atribuição de ordem
política" à concepção de Estado dada às formas organizacionais vigentes até o
século XVII, que se caracterizavam, “quer na forma feudal, quer na forma des-
pótica, pela tirania, pela exploração, pela estagnação de castas estanques, a de-
sesperança e a fome para a maior parte do povo”,!27-128 eclodiu definitivamente
em meados do século XVII.
A instabilidade!? criada pelo Estado Medieval, por assim dizer, propiciou
que as aspirações por um sistema organizacional cuja característica principal
fosse a unidade se consagrassem, constituindo-se definitivamente o chamado
Estado Moderno e suas notas de soberania e territorialidade. Costuma-se vin-
cular a sedimentação do Estado Moderno ao Tratado de Westfália, que segundo
Dalmo Dallari teve “o caráter de documentação da existência de um novo tipo
de Estado, com a característica básica de unidade territorial dotada de um poder
soberano”.!º0

balho atém-se a uma realidade mais próxima, também no aspecto temporal, consideran-
do procedente a afirmação de Heller no sentido de que por meio milênio, durante a Idade
Média, inexistiu o Estado, como unidade de dominação independente.”
Vide a respeito SCHIERA, Pierangelo. Estado moderno, in Dicionário de política, vol. 1,
11º ed., coord. BOBBIO, Norberto et alii, trad. Carmem C. Varriale et alii, Brasília : UnB,
1998, p. 427.
27 MOREIRA, Alexandre Mussoi. Op. cit., p. 26.
28 “Dentro desse quadro é que se encontram os fatores de transformação, que, despertando
aspirações e criando novas condições, irão determinar as características do Estado Mo-
derno. Desde logo se percebe que, no Estado Medieval, a ordem era sempre bastante pre-
cária, pela improvisação das chefias, pelo abandono ou pela transformação de padrões
tradicionais, pela presença de uma burocracia voraz e quase sempre todo-poderosa, pela
constante situação de guerra, e, inevitavelmente, pela própria indefinição das fronteiras
políticas. A isso tudo se acrescenta, para a caracterização do Estado Medieval, a influên-
cia do feudalismo.” (DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit., pp. 68-69)
“Conjugados os três fatores que acabamos de analisar, o cristianismo, a invasão dos bár-
baros e o feudalismo, resulta a caracterização do Estado Medieval, mais como aspiração
do que como realidade: um poder superior, exercido pelo Imperador, com uma infinita
pluralidade de poderes menores, sem hierarquia definida; uma incontável multiplicidade
de ordens jurídicas, compreendendo a ordem imperial, a ordem eclesiástica, o direito das
monarquias inferiores, um direito comunal que se desenvolveu extraordinariamente, as
ordenações dos feudos e as regras estabelecidas no fim da Idade Média pelas corporações
de ofícios. Esse quadro, como é fácil de compreender, era causa e-consegiiência de uma
permanente instabilidade política, econômica e social, gerando uma intensa necessidade
de ordem e de autoridade, que seria o germe de criação do Estado Moderno.” (DALLARI,
Dalmo de Abreu. Op. cit., p. 70)
o DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit., p. 70.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 55

Revelada em largas passadas a fotografia do surgimento do Estado Moder-


no, resta apontar o desenvolvimento da intervenção do Estado na sociedade no
seu percurso evolutivo, desde sua constituição até os tempos hodiernos.
E desde já repise-se que o Estado Moderno é fruto de evolução que pro-
pugnava pela instituição de ordem social, inocorrente até a institucionalização
do poder soberano do Estado.
Muito pelo contrário, o panorama encontrado anteriormente, como já dito,
era de profundas instabilidade e tensões sociais, marcadamente pelos conflitos
entre a Igreja e o Império e a condição imposta pela dificuldade na manutenção
de relações comerciais - oriunda do caos instaurado pelas invasões bárbaras e
pelas guerras internas -, que impunha a necessidade de sobrevalorização da pro-
priedade como forma de subsistência - e que levava os senhorios à proteção de
suas propriedades desmedidamente, sobretudo por se negarem à sujeição a qual-
quer autoridade.
Instituído o Estado Moderno, a atribuição de poder soberano ao Estado
refletia a insurgência contra o anterior regime de desordem, mediante a institu-
cionalização da unidade de comando:
“Mas é só com a fundação política do poder, que se seguiu às lutas reli-
giosas, que os novos atributos do Estado - mundaneidade, finalidade e
racionalidade - se fundam para dar a este último a imagem moderna de
única e unitária estrutura organizativa da vida associada, de autêntico
aparelho da gestão do poder, operacional em processos cada vez mais
próprios e definidos, em função de um escopo concreto: a paz interna do
país, a eliminação do conflito social, a normalização das relações de for-
ça, através do exercício monopolístico do poder por parte do monarca,
definido como souverain enquanto é capaz de estabelecer, nos casos con-
troversos, de que parte está o direito, ou, como se disse, de decidir em
casos de emergência.”!*!
E já desde sua instituição o Estado Moderno passou a ser alvo de críticas,
no sentido de apresentar-se como um limitador das liberdades e individualida-
des dos cidadãos, por sua condição de interventor na sociedade, sobretudo por
adotar, em seu início, características absolutistas.!?

1 SCHIERA, Pierangelo. Estado moderno, in Dicionário de política, vol. 1, 11º ed., coord.
BOBBIO, Norberto et alii, trad. Carmem C. Varriale et alii, Brasília : UnB, 1998, p. 427.
32 “Embora se afirme que o desenvolvimento de monarquias absolutas e do mercantilismo,
no início da era moderna, tenha sido necessário para o avanço do capitalismo, servindo
para livrar comerciantes e cidadãos das restrições feudais de caráter local, parece eviden-
te que o rei e seu Estado “funcionaram antes como um suserano “superfeudal”, reimpon-
do e reforçando o feudalismo”, sob nova roupagem, no momento em que ele vinha sendo
dissolvido pela própria economia de mercado e suas necessidades.” (MOREIRA, Alexan-
dre Mussoi. Op. cit., pp. 26-27) Também Dalmo Dallari (op. cit., p. 275) acentua que “o
Estado Moderno nasceu absolutista e durante alguns séculos todos os defeitos e virtudes
do monarca absoluto foram confundidos com as qualidades do Estado. Isso explica por-
que já no século XVIII o poder público era visto como inimigo da liberdade individual, e
qualquer restrição ao individual em favor do coletivo era tida como ilegítima. Essa foi a
raiz individualista do Estado liberal.”
56 TriBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Surge, por conta disso, a doutrina liberalista, com o intuito de encontrar


forma de limitação do poder atribuído ao Estado na concepção do Estado Mo-
derno. “Na doutrina do liberalismo, o Estado foi sempre o fantasma que atemo-
rizou o indivíduo. O poder (...) o maior inimigo da liberdade.”!ºº
Grande conquista da civilização liberal, cujo marco podem ser considera-
das a Constituição da Federação Norte-americana (1787) e a Revolução Fran-
cesa (1789), o Estado Liberal de Direito servira de fundamento básico aos di-
reitos do homem, norteado pelas seguintes características básicas: submissão ao
império da lei, divisão de poderes, enunciado e garantia dos direitos fundamen-
tais.
A característica principal do Estado Liberal de Direito, originária exata-
mente do motivo pelo qual se fez instituir - qual seja a insurgência contra a in-
terferência estatal nas liberdades individuais -, é exatamente a pugna pela omis-
são do Estado quanto aos problemas sociais e econômicos, repercutindo na não-
intervenção do Estado no domínio econômico como forma de salvar a liberda-
de dos cidadãos." Instaurou-se, portanto, o Estado mínimo, orientado por fun-
ções restritas de vigilância. “Aceitava-se o Estado somente na figura de guar-
dião”,!ºº outorgando aos particulares e às regras de mercado a liberdade tão al-
mejada.
No entanto, a concepção liberal de Estado de Direito sofreu profundas de-
formações que culminaram na sua atualização e evolução. Estas alterações se
deram principalmente pela colisão de conflitos proporcionada pelo próprio ideal
do Estado Liberal de Direito. Isto porque a forma como era proposto este ideal
impendia na consideração do Direito como mero conjunto formal de normas,
repercutindo em uma teoria legalista pura afastada de qualquer compromisso
social. !%

23 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social, 7º ed., São Paulo : Malheiros,
2001, p. 40.
134
Paulo Bonavides (ibidem, p. 45) aponta que “a filosofia política do liberalismo, preconi-
zada por Locke, Montesquieu e Kant, cuidava que, decompondo a soberania na plurali-
dade dos poderes, salvaria a liberdade. Fazia-se mister contrapor à onipotência do rei um
sistema infalível de garantias.”
35 MATTEUCI, Nicola. Liberalismo, in Dicionário de política, vol. 1, 11º ed., coord. BOBBIO,
Norberto et alii, trad. Carmem C. Varriale et alii, Brasília : UnB, 1998, p. 693.
186 Como nos ensina José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, 18º ed.,
São Paulo : Malheiros, 2000, pp. 118-119) “se se concebe o Direito apenas como um
conjunto de normas estabelecidas pelo Legislativo, o Estado de Direito passa a ser Esta-
do de Legalidade, ou Estado legislativo, o que constitui uma redução deformante. Se o
princípio da legalidade é um elemento importante do conceito de Estado de Direito, nele
não se realiza completamente. (...) Pois, se o Direito acaba se confundindo com mero
enunciado formal da lei, destituído de qualquer conteúdo, sem compromisso com a reali-
dade política, social, econômica, ideológica enfim (o que, no fundo, esconde uma ideo-
logia reacionária), todo Estado acaba sendo Estado de Direito, ainda que seja ditatorial.
Essa doutrina converte o Estado de Direito em mero Estado Legal. Em verdade, destrói
qualquer idéia de Estado de Direito.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 57

Da mesma forma,
“o Estado liberal criou condições para sua própria superação. Em primei-
ro lugar, a valorização do indivíduo chegou ao ultra-individualismo, que
ignorou a natureza associativa do homem e deu margem a um compor-
tamento egoísta, altamente vantajoso para os mais hábeis, mais audacio-
sos ou menos escrupulosos. Ao lado disso, a concepção individualista da
liberdade, impedindo o Estado de proteger os menos afortunados, foi a
causa de uma crescente injustiça social, pois, concedendo-se a todos o
direito de ser livre, não se assegurava a ninguém o poder de ser livre. Na
verdade, sob pretexto de valorização do indivíduo e proteção da liberda-
de, o que se assegurou foi uma situação de privilégio para os que eram
economicamente fortes. E, como acontece sempre que os valores econô-
micos são colocados acima de todos os demais, homens medíocres, sem
nenhuma formação humanística e apenas preocupados com o rápido au-
mento de suas riquezas, passaram a ter o domínio da Sociedade. (...) Uma
outra conseqiiência grave que dele derivou foi a formação do proletaria-
do. Ocorrendo a formação de grandes aglomerados urbanos, como de-
corrência direta da revolução industrial, havia excesso de oferta de mão-
de-obra, o que estimulava a manutenção de péssimas condições de tra-
balho, com ínfima remuneração.”!*
Por conta de tudo isso, como evolução da concepção de Estado Liberal de
Direito, justamente em resposta às injustiças perpetradas por este ideal e impul-
sionado pelos constantes movimentos sociais ocorridos, surge o chamado Esta-
do Social de Direito.
Caracteriza-se pela ruptura sistemática promovida nos ideais da concepção
liberalista de Estado de Direito, atribuindo-lhe a noção de integração social e
transformando-a em Estado material de Direito. Deixa-se de lado a condição de
Estado Legal para, integrando e buscando a realização de justiça social, materia-
lizar os anseios da comunidade e a sua participação efetiva no desenvolvimento
do bem-estar social almejado através da aplicação irrenunciável do primado do
Direito.
O Estado Social de Direito conceitualmente destina-se à afirmação dos
direitos sociais e à aplicação de objetivos de justiça social. Surge no início do
século XX, mais precisamente quando do surgimento da primeira Constituição
considerada social, que é a mexicana de 1917, e que teve como fonte inspirado-
ra a Constituição de Weimar, da Alemanha, mesmo que date de 1919.1%
A partir de então, incentivado pela vertente social do constitucionalismo
alemão que trouxe a reboque a Constituição mexicana, aliando-se à grave situa-
ção econômica e social em que se encontrava a Europa após a Primeira Guerra

37 DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit., p. 278.


38 “Embora cronologicamente a Constituição Mexicana de 1917 tenha sido a primeira, a
matriz do constitucionalismo social será a Constituição de Weimar, de 1919, na Alema-
nha.” (MOREIRA, Alexandre Mussoi. Op. cit., p. 29)
58 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Mundial (1914-1918), às decorrências da própria vertente liberal e aos movimen-


tos socialistas de fins do século XIX e início do século XX, consagra-se o Esta-
do Social de Direito. Desenvolve-se, “nas primeiras décadas do século XX, um
surto intervencionista que já não poderia ser contido”.!*
A idéia de intervencionismo do Estado para garantir direitos sociais e eco-
nômicos começa a se robustecer no âmbito do Estado Social, já a Constituição
mexicana de 1917 dando sinais deste fenômeno ao prever dois novos grupos de
direitos: os sociais e os econômicos.
O Estado Liberal havia deixado profundas cicatrizes sociais, e suas idéias
não mais se sustentavam diante da necessidade de serem restauradas as condi-
ções de igualdade suprimidas pelo ideal de liberdade. No entanto e da mesma
forma, a auto-regulação somada a preocupações sociais não eram suficientes para
fazer frente ao verdadeiro rombo herdado do Estado Liberal.
Foi necessário, portanto, que o Estado assumisse o compromisso e a inicia-
tiva de efetivar a aplicação das reivindicações sociais para tentar amenizar o poço
de miséria e desigualdades posto a seus cuidados, mediante sua intervenção em
prol da sociedade. Passa o Estado a intervir no domínio econômico, sobretudo
após a Segunda Guerra Mundial, definindo-se a consolidação do Estado Social.
“Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações
que a impaciência do quarto estado faz ao poder político, confere, no
Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdên-
cia, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita o salá-
rio, manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego, prote-
ge os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, contro-
la as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede
crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades indivi-
duais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes
na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social,
em suma, estende sua influência a quase todos os domínios que dantes
pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual, nesse ins-
tante o Estado pode, com justiça, receber a denominação de Estado so-
gialço
E é no contexto do Estado Social que surge o Estado de Bem-estar Social
(Welfare State), cuja característica principal é o asseguramento de certas condi-

3» DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit., p. 278.


“9º BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 186. “Assumindo amplamente o encargo de assegurar
a prestação dos serviços fundamentais a todos os indivíduos, o Estado vai ampliando sua
esfera de ação. E a necessidade de controlar os recursos sociais e obter o máximo provei-
to com o menor desperdício, para fazer face às emergências da guerra, leva a ação estatal
a todos os campos da vida social, não havendo mais qualquer área interdita à intervenção
do Estado. Terminada a guerra, ocorre ainda um avanço maior do intervencionismo, pois
inúmeras necessidades novas impõem a iniciativa do Estado em vários setores: na restau-
ração dos meios de produção, na reconstrução das cidades, na readaptação das pessoas à
vida social, bem como no financiamento de estudos e projetos, sugeridos pelo desenvol-
vimento técnico e científico registrado durante a guerra.” (DALLARI, Dalmo de Abreu.
Op. cit., p. 280)
LEANDRO MARINS DE SOUZA 59

ções mínimas vitais (saúde, educação, moradia, alimento, renda, entre outros)
como direitos políticos.'*! Desde o início do século XX observavam-se propos-
tas que tinham feição assistencialista.!'? Aponta-se que na Inglaterra, entre 1905
e 1911, foram aprovadas medidas de inspiração visivelmente sociais e, ao mes-
mo tempo, assistenciais, tais como um seguro nacional de saúde.'* No decorrer
dos anos 20 e 30 as idéias para a consagração do Welfare State continuam se
desenvolvendo, sobretudo tendo em vista as decorrências das guerras que asso-
laram o mundo e demandaram despesas públicas significativas.
“Mas é preciso chegar à Inglaterra dos anos 40 para encontrar a afirma-
ção explícita do princípio fundamental do Welfare State: independente-
mente da sua renda, todos os cidadãos, como tais, têm direito de ser
protegidos - com pagamento de dinheiro ou com serviços - contra situa-
ções de dependência de longa duração (velhice, invalidez...) ou de curta
(doença, desemprego, maternidade...)."14
E a partir deste momento histórico o conceito do Estado de Bem-estar So-
cial passou a ganhar contornos universalizantes, tomando formas as mais varia-
das para a difusão do mesmo conceito: o Estado assistencial, também chamado
de Estado providência. Mesmo adotando as mais diversas formas, alguns paí-
ses tendo como característica intervir mais e outros menos, alguns instituindo
tributação bastante pesada para fazer frente a seu caráter assistencial outros en-
contrando outras fórmulas, de modo geral o Estado de Bem-estar Social es-
praiou-se por todo o mundo. !+-146

“1 Gosta Esping-Andersen (As três economias políticas do Welfare State, in Lua Nova -
Revista de Cultura e Política, nº 24, setembro de 1991, p. 98), embora discordante do
conceito por achar limitador e generalizante, observa que “uma definição comum nos
manuais é a de que ele envolve responsabilidade estatal no sentido de garantir o bem-es-
tar básico dos cidadãos”.
42 Na verdade, algumas medidas isoladas, de cunho que pode ser considerado assistencia-
lista, ocorreram antes mesmo do século XX. Gustavo Gozzi (Estado contemporâneo, in
Dicionário de política, vol. 1, 11º ed., coord. BOBBIO, Norberto et alii, trad. Carmem
C. Varriale et alii, Brasília : UnB, 1998, pp. 403) aponta que “as primeiras formas de
Welfare visavam, na realidade, a contrastar o avanço do socialismo, procurando criar a
dependência do trabalhador ao Estado, mas, ao mesmo tempo, deram origem a algumas
formas de política econômica, destinadas a modificar irreversivelmente a face do Estado
contemporâneo. A lei que instituía pensões de invalidez e velhice, aprovada na Alema-
nha de 1889, permitia uma contribuição de 50 marcos, por conta do Tesouro imperial, para
toda pessoa que recebesse uma pensão. Depois, os seguros sociais, que se tornaram tam-
bém extensivos a outras categorias de trabalhadores, e não só aos operários, constituíram
uma forma de redistribuição da renda entre os núcleos familiares.”
43 Vide REGONINI, Gloria. Estado do Bem-estar, in Dicionário de política, vol. 1, 11º ed.,
coord. BOBBIO, Norberto et alii, trad. Carmem C. Varriale et alii, Brasília : UnB, 1998,
pp. 416-419.
44 REGONINI, Gloria. Op. cit., p. 417.
145 Para abordagem sobre as características próprias de cada Welfare State, veja ESPING-ANDERSEN
Gosta. O futuro do welfare state na nova ordem mundial, in Lua Nova - Revista de Cul-
tura e Política, nº 35, 1995, pp. 73-111.
146 Gloria Regonini (op. cit., p. 417) traça as benesses oriundas do Welfare State: “O aumento
mais ou menos linear destas intervenções trouxe algumas consequências importantes so-
60 TriBuTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

No entanto, o aumento da necessidade de intervenção do Estado, aliado a


diversos outros fatores como, por exemplo, o crescimento populacional superior
ao ingresso de receitas para o Estado, faz eclodir o que se tem chamado de crise
fiscal do Estado.”
Por conta desta crise fiscal do Estado, a adaptação necessária para a ma-
nutenção da estrutura de benefícios estatais se faz premente. No entanto, as di-
ficuldades encontradas em se manter orçamento público capaz de arcar com os
direitos garantidos pelo Estado do Bem-estar Social demonstram que outra so-
lução deve ser viabilizada. Isto porque
“alguns Estados são obrigados a limitar a intervenção assistencial, quan-
do o aumento da carga fiscal gera em amplos estratos da opinião públi-
ca uma atitude favorável à volta da contribuição baseada no princípio
contratualista. Estes elementos têm feito com que se fale de uma nova
fase na história do Estado assistencial, marcada por profunda crise e por
uma possível tendência a desaparecer”!
É neste contexto histórico que tem sido inserido o debate sobre o Terceiro
Setor. Um cenário de profunda crise institucional - sobretudo no que tange ao
modelo de Estado corrente -, somado às conseqgiientes crises econômica e social,
faz surgir novo debate sobre o papel do Estado e suas relações com o mercado e
os cidadãos.
Mas é interessante, antes de mais nada, que se demonstre o contexto his-
tórico do surgimento do Terceiro Setor no Brasil, traçando breve paralelo com o
quanto explanado até então. !*º
Grosso modo, o constitucionalismo republicano brasileiro seguiu as ten-
dências mundiais na definição do modelo de atuação estatal. A Constituição
de 1891 foi marcadamente influenciada pelas instituições liberais norte-ame-
ricanas, assumindo a República brasileira características de um Estado Libe-
ral de Direito.
Esta característica perdurou por cerca de 40 anos, quando, já sob o influxo
da vertente social das Constituições mexicana e alemã, foi promulgada a Cons-

bre cujo significado falaremos em seguida: aumentou a cota do produto nacional bruto
destinada à despesa pública; as estruturas administrativas voltadas para os serviços sociais
tornaram-se mais vastas e complexas; cresceu em número e importância política a classe
ocupacional dos “profissionais do Welfare”; foram aperfeiçoadas as técnicas da descoberta
e avaliação das necessidades sociais; tornou-se mais claro o conhecimento do impacto das
várias formas de assistência na redistribuição da renda e na estratificação social.”
47 “As despesas públicas não conseguem prover, devido à diferença crescente entre as saí-
das necessárias e as entradas insuficientes, à distribuição de recursos que satisfaçam as
aspirações de uma área cada vez mais vasta de indivíduos, cuja reprodução social só pode
ser esperada da expansão das despesas sociais por parte do Estado.” (GOZZI, Gustavo.
Estado contemporâneo, in Dicionário de política, vol. 1, 11º ed., coord. BOBBIO, Nor-
berto et alii, trad. Carmem C. Varriale et alii, Brasília : UnB, 1998: p. 405)
48 REGONINI, Gloria. Op. cit., p. 417.
!2 Para esta análise evolutiva do constitucionalismo brasileiro, vide BONAVIDES, Paulo.
Curso de direito constitucional, 12º ed., São Paulo : Malheiros, 2002, pp. 327 e ss.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 61

tituição de 1934. “Em 1934 a inspiração do constitucionalismo alemão weima-


riano é decisiva para a formulação precoce da forma de Estado social que o cons-
tituinte brasileiro estabeleceu em bases formais:”!5º A partir de então, apesar do
período complexo que se segue, entremeado por regimes transitórios e revolu-
ções - e exatamente ressalvando-se este momento histórico que deu origem às
Constituições de 1967 e 1969, de todo autoritárias -, tem-se que o constitucio-
nalismo brasileiro adotou mesmo as propostas weimarianas.
Tanto que as Constituições que se seguem à de 1934 - afora as acima res-
salvadas - mantêm a mesma linha regente que é a do Estado Social de Direito.
Tanto a Constituição de 1949 quanto a Constituição de 1988, esta especialmen-
te, fizeram prevalecer o conteúdo social das idéias da Constituição de Weimar,
de 1919.
E como se disse anteriormente, há diversas formas de configuração de um
Welfare State. Uns inclusive, apesar de se denominarem Welfare States, não po-
dem ser caracterizados como tal. Deixa-se, no entanto, de abordar o enquadra-
mento do Estado social brasileiro na categoria de Welfare State, por não trazer
nenhum benefício ao presente trabalho.
O que se sabe, por assim se dizer, é que os tipos de Estado fundados no
assistencialismo passam a suportar ônus que superam sua capacidade de manu-
tenção da estrutura social que está sob sua dependência. A condição de depen-
dência da estrutura a que é subordinado o cidadão com relação às necessidades
básicas sociais, mesmo que lhe seja garantia inerente outorgada pelo Estado,
acaba por trazer abalos para a estrutura estatal. Abalos que advêm justamente da
impossibilidade de manutenção destas providências por parte do Estado, por
absoluta falta de condições. É a chamada crise fiscal do Estado. E no Brasil o
panorama traçado é o mesmo. Soma-se a tudo a crise institucional que sofre o
Brasil.!5!
Este é o contexto em que surgem os debates sobre o Terceiro Setor, que se
fundamentam sobretudo numa valorização e num fortalecimento da sociedade
civil, representada institucionalmente pelas entidades que compõem este fenô-
meno social. Diante das dificuldades estatais em prover os cidadãos das míni-
mas condições socioeconômicas garantidas pelo Estado Social, e sabendo-se das
mazelas decorrentes da não-intervenção absoluta do Estado, como o era no Es-

5º BONAVIDES, Paulo. Op. cit. p. 333.


151 Sobre o panorama brasileiro em que surge o Terceiro Setor, Rubem César Fernandes (Pri-
vado porém público: o Terceiro Setor na América Latina, 3º ed., Rio de Janeiro : Relu-
me-Dumará, 2002, pp. 92-94) traça algumas linhas: “A democratização trouxe mais do
que “abertura”. Trouxe também confusão. Formas antigas se desestabilizavam e as novas
não eram evidentes. (...) Por outro lado, à democratização não se fez sob a égide de uma
restauração. (...) Às incertezas decorrentes da redefinição das leis e das parcerias políti-
cas somaram-se os “ajustes estruturais” com o desmonte sistemático das funções regula-
doras e protecionistas do Estado. (...) Como se não bastassem as inseguranças de uma tal
transição, as mudanças ocorreram em condições de graves dificuldades econômicas. (...)
E ainda mais grave: estagnação, inflação, ajustes e crise dos serviços públicos resultaram,
combinados, num aumento da miséria.”
62 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

tado Liberal, propõe-se a participação da sociedade civil na complementação a


estas necessidades, seja através dos próprios cidadãos organizados, seja através
das instituições do mercado.
Surge, desta forma, movimento teórico que propõe a atribuição de funções
de co-responsabilidade entre o Estado, o mercado e os cidadãos (que podem ser
representados por entidades de natureza privada, integrantes da sociedade civil,
em sua atuação perante o Estado e o próprio mercado, sem criar cláusulas es-
tanques para tanto) no exercício de atividades de interesse público e que, até
então, estavam relegadas à função estatal. Também não se quer dizer que o mer-
cado não seja uma instituição privada, tampouco que não haja uma inter-relação
constante entre estes três conceitos ora apresentados. O que se quer afastar é
qualquer rótulo estanque que se pretenda dar a estes conceitos. E parece que é
com este intuito que se advoga o “surgimento” do Terceiro Setor.
Como se disse, não é o intuito do presente trabalho - tampouco deste capí-
tulo - avaliar a correção das argumentações no sentido de ser o Terceiro Setor o
fortalecimento da sociedade civil, que se posiciona entre o público e o privado.
Analisa-se, neste momento, um novo fenômeno que se espraia e tem sua
influência significativa inclusive na determinação das funções do Estado. Como
se observa, novas formas de parceria, juridicamente consideradas, têm surgido
por conta da evolução deste fenômeno.!S2 É o Direito se adaptando à realidade
dos fatos.
É fruto da evolução histórica da intervenção econômica e social do Esta-
do, e sobretudo da adaptação dele mesmo às realidades que lhe são impostas.
Assim como surgiu a doutrina liberal em meados do século XVIII, que evoluiu
para as concepções sociais de Estado e repercutiu nos Estados de Bem-estar
Social, hoje observa-se que o modelo adotado não se presta adequadamente à
consecução do Estado ideal. Estado ideal, inclusive, que não existe, senão atra-
vés das adaptações que a própria realidade social impõe às instituições políticas
e jurídicas.
Não se está a advogar a infalibilidade de uma proposta calcada na atribui-
ção de co-responsabilidades entre o Estado, o mercado e os cidadãos (cuja apro-
ximação jurídica será objeto de estudo a posteriori), como são os debates sobre
o Terceiro Setor. O que se diz e se acredita, é que a proposta de desenvolvimen-
to do Terceiro Setor é simplesmente o fruto da evolução histórica; é uma doutri-
na que “surge” (ou renasce) como alternativa atual para as deformidades dos sis-
temas anteriores.
Críticas virão de todos os lados e sob todos os enfoques - e já vieram aos
borbotões -, mas há de se convir que os críticos do modelo liberal também exis-
tiram, assim como os críticos do Estado social. É assim que os institutos se aper-
feiçoam e a realidade traça seu leito, que às vezes acaba po se desviar para se
adaptar a alguns obstáculos que lhe são impostos.

12 Vide, por exemplo, a Lei nº 9.790/99.


LEeanDRO MARINS DE SOUZA 63

Talvez seja a hora de se atentar para a evolução da doutrina do Estado in-


teligente de Bernardo Kliksberg, que tem como novo papel
“agregar aliados ao esforço de enfrentar os problemas sociais. O Estado
deve gerar iniciativas que promovam a participação ativa neste esforço
dos atores sociais básicos, empresa privada, sindicatos, universidades e
da sociedade civil em todas as suas expressões. Um Estado inteligente
na área social não é um Estado mínimo, nem ausente, nem de ações pon-
tuais de base assistencial, mas um Estado com uma “política de Estado”,
não de partidos, mas sim de educação, saúde, nutrição, cultura, orienta-
do para superar as graves iniguidades, capaz de impulsionar a harmonia
entre o econômico e o social, promotor da sociedade civil, com um pa-
pel sinergizante permanente”!
E é nesta senda que têm se inserido os debates sobre o Terceiro Setor, e que
se acaloram à medida que se observa a necessidade de mudança de rumos na
definição dos papéis do Estado.

53 KLIKSBERG, Bernardo. Repensando o Estado para o desenvolvimento social: superan-


do dogmas e convencionalismos, São Paulo : Cortez, 1998, pp. 47-48.
65

Capítulo 3 - Origem e Conceito


Corrente do Terceiro Setor

Ainda com o intuito de firmar o objeto de análise do presente trabalho - em


sua acepção imediata -, portanto ainda como premissa de trabalho, uma das ta-
refas mais difíceis é exatamente a definição, em seu sentido conceitual, do que
vem a ser o Terceiro Setor. Conceituá-lo é empreitada hercúlea, mas sobremodo
indispensável ao deslinde do presente trabalho. Não pretendemos, em verdade,
definir conceito estanque do Terceiro Setor, haja vista verdadeiramente não fa-
zer diferença, do ponto de vista jurídico, a denominação praxista que se dá a
determinado fenômeno ou ideologia.
O que nos propomos a fazer é tentar definir um conceito juridicamente
possível para o que se define como sendo o Terceiro Setor, cotejando a prática,
os debates de outras ciências e o ordenamento jurídico pátrio.
Para tanto, reforçando a dificuldade de tal sorte de aproximação e relem-
brando as ressalvas anteriores, faz-se mister traçar o conceito corrente de Ter-
ceiro Setor e sua origem, para, posteriormente, proceder-se a aproximação jurí-
dica para este conceito.
E aqui não se afasta o que já foi dito com relação à característica inerente
aos debates jurídicos sobre o Terceiro Setor, no sentido de serem escassos; pelo
contrário, reafirma-se veementemente esta nota quando se trata da definição ou
conceituação jurídica do Terceiro Setor. Todas as obras que abordam o Terceiro
Setor sob o enfoque jurídico restam silentes acerca de sua definição jurídica.
Ou se considera o Terceiro Setor como fato dado e consumado (o que não
se admite haja vista a incipiência do discurso sobre o tema), ou se empresta de-
finição dada ao Terceiro Setor por autores que não o analisam sob o prisma jurí-
dico (o que da mesma forma não se admite, haja vista a necessidade de este fe-
nômeno ser tratado, também, como fato juridicamente relevante).
O parco desenvolvimento dos debates acerca do tema agrava a dificuldade
de sua definição. No entanto, o ponto de partida deve ser dado, o que ainda não
ocorreu na seara jurídica. Limita-se, a produção bibliográfica até hoje existente
no Brasil sobre o Terceiro Setor, a tentar conceituá-lo sob a ótica de ciências que
não a jurídica. E é daí que pretende partir o presente trabalho, para, extraindo os
elementos juridicáveis constantes do conceito corrente do Terceiro Setor, juri-
dicizá-lo através da subsunção de seus elementos ao ordenamento jurídico.
A variedade de elementos considerados para a conceituação do Terceiro
Setor surpreende e mais confunde do que ajuda a compreender este fenômeno.
No entanto, todos estes elementos são importantes para a pretendida aproxima-
ção jurídica para o conceito Terceiro Setor, até para que se possa definir se real-
mente é possível extrair do ordenamento jurídico, a partir da Constituição Fe-
deral, elementos que moldem juridicamente a definição do Terceiro Setor.
O cientista social americano Lester Salamon, um dos mais respeitados ar-
ticulistas sobre o Terceiro Setor, faz bem a ressalva, ao dizer que “por trás desse
66 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

problema empírico há outro ainda mais sério, de natureza conceptual. A diver-


sidade do setor é tão assombrosa, que nos induz a passar por alto as considerá-
veis similitudes que também existem nele”.!S* Asseverando que o tema carece
de um conceito unificador, traça alguns parâmetros de pesquisa que dão a nota
deste seu conceito, entendendo como participantes do Terceiro Setor as organi-
zações
“que não integram o aparelho governamental; que não distribuem lucros
a acionistas ou investidores, nem têm tal finalidade; que se autogeren-
ciam e gozam de alto grau de autonomia interna; e que envolvem um nível
significativo de participação voluntária”.1
Estes parâmetros são correntemente citados! quando se busca uma defi-
nição do Terceiro Setor. Mas antes, imprescindível algumas considerações so-
bre aspectos mais genéricos envolvidos no debate sobre a definição do Terceiro
Setor.
A começar pela diversidade de alcunhas utilizadas na literatura, verdadei-
ramente anteriores ao termo Terceiro Setor mas que em muitas oportunidades têm
sido consideradas sinônimas. Sem adentrarmos aos aspectos históricos da evo-
lução e utilização específica de cada termo,!*” basta que indiquemos que o Ter-
ceiro Setor também pode ser apontado sob a denominação de organizações sem
fins lucrativos, de organizações voluntárias, de instituições de caridade, de fi-
lantropia, de mecenato, de organizações não governamentais, de sociedade ci-
vil organizada, entre outras que demonstram a falta de confluência do tema.
Além disso, o próprio termo Terceiro Setor merece análise um tanto mais
cautelosa. Apesar de se tratar tão-somente de uma nomenclatura que expressa
um conjunto de ações com determinadas características - conforme análise pos-
terior -, que se desenvolvem à medida que condições são criadas para tanto, faz-
se mister avaliar o motivo para a escolha de tal sorte de denominação. Frise-se,
no entanto, que firmamos pé no sentido de não se tratar de denominação técni-
ca, mas verdadeiramente poética e ideológica.
O termo Terceiro Setor faz alusão, necessariamente, à existência de dois
setores que lhe sejam antecedentes. Expressão importada do cenário sociológi-
co norte-americano e traduzida do original third sector, '* pressupõe o Estado

4 SALAMON, Lester. Estratégias para o fortalecimento do Terceiro Setor, in IOSCHPE,


Evelyn Berg (org.), 3º Setor: desenvolvimento social sustentado, Rio de Janeiro : Paz e
Terra, 1997, p. 93. Simone de Castro Tavares Coelho (op. cit., p. 58) também dá conta
da dificuldade desta conceituação: “Em geral, os autores optam por uma determinada
denominação, citam outras tantas, e nisso finda a discussão. Essa multiplicidade de de-
nominações apenas demonstra a falta de precisão conceitual, o que, por sua vez, revela a
dificuldade de enquadrar toda a diversidade de organizações em parâmetros comuns.”
155 SALAMON, Lester. Idem, p. 93.
!56 Cf. COELHO, Simone de Castro Tavares. Op. cit., pp. 60-61.
!57 Para tal sorte de análise, ver FERNANDES, Rubem César. O que é o Terceiro Setor?, in
IOSCHPE, Evelyn Berg (org.), 3º Setor: desenvolvimento social sustentado, Rio de Ja-
neiro : Paz e Terra, 1997, pp. 26-33.
158
Segundo Simone Coelho (op. cit., p. 58), “o termo “terceiro setor” foi utilizado pela pri-
meira vez por pesquisadores nos Estados Unidos na década de 70, e a partir da década de 80
LEANDRO MARINS DE SOUZA 67

como o primeiro setor e o mercado como o segundo setor, ou vice-versa. !ººExem-


plo claro desta idéia é a afirmação de Fernandes, quando diz que “a idéia de um
“terceiro setor” supõe um “primeiro” e um “segundo”, e nesta medida faz referên-
cia ao Estado e ao mercado. A referência, no entanto, é indireta, obtida pela ne-
gação - “nem governamental, nem lucrativo.””19
Outros, por sua vez, criticam a utilização do termo por entenderem que
historicamente as ações que fazem parte do Terceiro Setor, localizando-se no seio
da sociedade civil, são anteriores aos próprios conceitos de Estado e mercado.
O correto seria, segundo estes autores, considerá-lo como o primeiro setor. 'S!
E daí já se pode extrair outra característica usualmente encontrada nos de-
bates teóricos sobre o Terceiro Setor, notadamente no que tange a sua conceitua-
ção, que é a relação intrínseca que guarda com o conceito de sociedade civil.
Fernandes novamente nos dá referência desta conexão: “Marcando um espaço
de integração cidadã, a sociedade civil distingue-se, pois, do Estado; mas, ca-
racterizando-se pela promoção de interesses coletivos, diferencia-se também da
lógica do mercado. Forma, por assim dizer, um “Terceiro Setor.””!52
O locus de desenvolvimento que o conceito de Terceiro Setor tem costu-
mado adotar é além do Estado e do mercado!“, ou entre o público e o privado.'*

passou a ser usado também pelos pesquisadores europeus”. Em nota de rodapé continua
a autora: “segundo Seibel e Anheier, os americanos seriam Etzioni (1973), Levitt (1973),
Nielson (1975) e a Filer Commision (1975); os europeus seriam Douglas (1983), Reese
(1987), Reichard (1988) e Ronge (1988).
159 É o que apontam, por exemplo, os seguintes autores: THOMPSON, Andrés A. Do com-
promisso à eficiência? Os caminhos do Terceiro Setor na América Latina, in IOSCHPE,
Evelyn Berg (org.), 3º Setor: desenvolvimento social sustentado, Rio de Janeiro : Paz e
Terra, 1997, pp. 41-48; KISIL, Marcos. Organização social e desenvolvimento sustentá-
vel: projetos de base comunitária, in IOSCHPE, Evelyn Berg (org.), 3º Setor: desenvol-
vimento social sustentado, Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1997, p. 155; PAES, José Eduar-
do Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos,
contábeis e tributários. 4º ed., Brasília : Brasília Jurídica, 2003, p. 88; CARDOSO, Ruth.
Fortalecimento da sociedade civil, in IOSCHPE, Evelyn Berg (org.), 3º Setor: desenvol-
vimento social sustentado, Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1997, p. 8. Simone Coelho (op.
cit., pp. 58-59), por sua vez, aponta que “os autores que a ela recorrem [denominação ter-
ceiro setor] consideram o mercado como primeiro setor e a área governamental como se-
gundo, e essas organizações - que têm características dos dois setores - vêm a ser o Ter-
ceiro Setor”.
6º FERNANDES, Rubem César. Privado porém público: o Terceiro Setor na América La-
tina, 3º ed., Rio de Janeiro : Relume-Dumará, 2002, p. 127.
t61 Cf. MONTANO, Carlos. Terceiro Setor e questão social: crítica ao padrão emergente de
intervenção social, São Paulo : Cortez, 2002, p. 55.
682 FERNANDES, Rubem César. O que é o Terceiro Setor?, in IOSCHPE, Evelyn Berg (org.),
3º Setor: desenvolvimento social sustentado, Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1997, p. 27.
1683 Como sustentam, por exemplo, Robert Kurz (op. cit.) e Rubem César Fernandes (Priva-
do porém público: o Terceiro Setor na América Latina, 3º ed., Rio de Janeiro : Relume-
Dumará, 2002, p. 19).
84 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Op. cit., p. 235. O autor também denomina as entidades
constituintes do Terceiro Setor de públicas não estatais.
68 TriBuTAçÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Em verdade, como inclusive já foi apresentado anteriormente, os elemen-


tos que figuram o conceito do Terceiro Setor são inúmeros, e não convergem para
um entendimento sólido. Realmente, a dificuldade em conceituar o Terceiro Setor
acaba por gerar um sem-número de considerações que divergem radicalmente
umas das outras, mais por falta de fixação de métodos para a definição e pela
variedade de elementos que realmente é ínsita à realidade do Terceiro Setor, do
que por equívoco de parte a parte.
Ilustrativo, portanto, que façamos a transcrição de alguns conceitos de Ter-
ceiro Setor adotados por autores que se debruçam sobre o tema, notadamente
para extrairmos elementos que conduzam à percepção do fenômeno que é o Ter-
ceiro Setor, com vistas a reduzi-lo, a posteriori, a linhas estritamente jurídicas.
Simone de Castro Tavares Coelho, ao traçar a definição de Terceiro Setor,
utiliza-se de diversos elementos e acaba por citar o já transcrito conceito de Sa-
lamon:
“O terceiro setor pode ser definido como aquele em que as atividades não
seriam nem coercitivas nem voltadas para o lucro. Além disso, como
veremos mais detalhadamente no próximo capítulo, suas atividades vi-
sam ao atendimento de necessidades coletivas e, muitas vezes, públicas.
(...) Genericamente, a literatura agrupa nessas denominações todas as
organizações privadas, sem fins lucrativos, e que visam à produção de um
bem coletivo. (...) Portanto, essa característica [de “prestação de serviço
público”] deve vir sempre casada com outras duas: serem privadas, o que
as difere das instituições governamentais; e sem fins lucrativos, o que as
diferencia das empresas inseridas no mercado. Além das características
acima - fora do Estado e sem fins lucrativos -, Lester Salamon e Helmuth
Anheier, procurando sistematizar melhor os contornos desse grupo de
instituições, acrescentaram os pontos a seguir. Essas organizações são es-
truturadas. São autogovernadas. Envolvem indivíduos num significativo
esforço voluntário. (...) Para que os contornos do que estamos denomi-
nando terceiro setor fiquem mais nítidos, é necessário ressaltar ainda um
fator distintivo dessas organizações, um fator que não se apresenta nas
empresas privadas e nas agências governamentais: o trabalho voluntá-
rio”165
Ruth Cardoso, não obstante deixar de conceituar o Terceiro Setor, deixa
vestígios de como ofaria, ao asseverar - além de entendê-lo como ferramenta
de fortalecimento da sociedade civil - que “são vários os termos que temos uti-
lizado para caracterizar este espaço que não é Estado nem mercado ecujas ações
visam ao interesse público: iniciativas sem fins lucrativos, filantrópicas, volun-
tárias”.!56
Rubem César Fernandes arrisca um conceito bastante complexo, entenden-
do que
e

5 COELHO, Simone de Castro Tavares. Op. cit. pp. 40, 58, 60 e 69.
'ss CARDOSO, Ruth. Fortalecimento da sociedade civil, in IOSCHPE, Evelyn Berg (org.),
3º Setor: desenvolvimento social sustentado, Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1997, po7.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 69

“o Terceiro Setor é composto de organizações sem fins lucrativos, cria-


das e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não-
governamental, dando continuidade às práticas tradicionais da caridade,
da filantropia e do mecenato e expandindo o seu sentido para outros do-
mínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de
suas múltiplas manifestações na sociedade civil”.!9
Já Andrés A. Thompson é confessadamente mais simplista, ao entender que
o Terceiro Setor seriam “todas aquelas instituições sem fins lucrativos que, a
partir do âmbito privado, perseguem propósitos de interesse público”.15
O conceito formulado por Edson José Rafael é o seguinte:
“O Terceiro Setor recebe várias denominações, sendo as mais usuais
Setor Solidário, Setor Coletivo e Setor Independente. É, por excelência,
um setor solidário, onde alguns velam por muitos, onde o individual dá
lugar ao coletivo, e recebe a denominação de Setor Independente por se
mostrar equidistante do Poder Estatal e do Poder Econômico, gerador de
riquezas. (...) As entidades jurídicas não governamentais, sem finalida-
de lucrativa, objetivando o bem da coletividade, inserem-se neste setor.
O terceiro setor jamais procura auferir lucros e, em razão disto, não pode
ser inserido dentro das atividades mercantis usuais, com regulamentação
específica e própria. O Terceiro Setor é gênero do qual são espécies to-
das as sociedades civis sem fins lucrativos, inserindo-se aqui a quase to-
talidade das fundações, em especial as fundações particulares.”19
José Eduardo Sabo Paes também conceitua o Terceiro Setor, de forma bas-
tante genérica:
“Em termos do direito brasileiro, configuram-se como organizações do
Terceiro Setor, ou ONGs - Organizações Não-Governamentais, as enti-
dades de interesse social sem fins lucrativos, como as associações, as
sociedades e as fundações de direito privado, com autonomia e adminis-
tração própria, cujo objetivo é o atendimento de alguma necessidade so-
cial ou a defesa de direitos difusos ou emergentes. Tais organizações e
agrupamentos sociais cobrem um amplo espectro de atividades, campos
de trabalho ou atuação, seja na defesa dos direitos humanos, na prote-
ção do meio ambiente, assistência à saúde, apoio a populações carentes,
educação, cidadania, direitos da mulher, direitos indígenas, direitos do
consumidor, direitos das crianças etc .17º

167
FERNANDES, Rubem César. O que é o Terceiro Setor?, in IOSCHPE, Evelyn Berg (org.),
3º Setor: desenvolvimento social sustentado, Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1997, p. 27.
168
THOMPSON, Andrés A. Do compromisso à eficiência? Os caminhos do Terceiro Setor
na América Latina, in IOSCHPE, Evelyn Berg (org.), 3º Setor: desenvolvimento social
sustentado, Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1997, p. 42.
169
RAFAEL, Edson José. Fundações e direito: 3º Setor, São Paulo : Melhoramentos, 1997,
pp. 5-6.
170
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídi-
cos, administrativos, contábeis e tributários, 4º ed., Brasília : Brasília Jurídica, 2003, p. 89.
70 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

A diversidade de elementos constantes dos conceitos de Terceiro Setor


transcritos é flagrante. O que se observa, além disso, é que inexiste expressamen-
te uma tentativa de aproximação jurídica para o conceito de Terceiro Setor, ou
seja, não há, no Brasil, um autor que tenha confessadamente tentado traçar uma
conceituação de cunho jurídico para o Terceiro Setor. Não que seja tarefa fácil,
nem se está afastando o risco de não se obter êxito nesta tentativa.
No entanto, como dito anteriormente, em trabalho que se pretende jurídi-
co não há como simplesmente considerar o Terceiro Setor como fato dado e con-
sumado, tampouco como adotar conceito outro que não tenha sido avaliado sob
o prisma jurídico.
Volvendo ao festejado conceito de Lester Salamon, entendemos que para
uma conceituação jurídica do Terceiro Setor há alguns elementos normalmente
levados em consideração nas definições e que devem ser afastados. Como será
visto a partir do próximo tópico, o conceito jurídico de Terceiro Setor é mais
amplo do que normalmente se apregoa, justamente em virtude de o ordenamen-
to jurídico brasileiro não exigir todos estes elementos para uma conceituação
jurídica do Terceiro Setor.
Éo que também assevera Marcos Vaquer Caballería, com base no ordena-
mento espanhol, quando ao analisar o conceito corrente de Terceiro Setor apon-
ta o seguinte:
“En mi opinión, sin embargo, una definición jurídica del sector debe ser
mas lata y prescindir de algunos de dichos elementos (sin perjuício de
que concurran habitualmente) porque no los exige el ordenamiento (al
menos el espafiol y el italiano, que son los que ha estudiado sistemática-
mente quien esto suscribe).""!
Passa-se, portanto, no próximo título, à análise do objeto imediato do pre-
sente trabalho, que é a tentativa de se proceder a uma conceituação com propó-
sito estritamente jurídico sobre o Terceiro Setor.

7 CABALLERÍA, Marcos Vaquer. La acción social: un estudio sobre la actualidad del


Estado social de Derecho, Valencia : Tirant Lo Blanch, 2002, p. 207.
71

Título 2 - Conceito Jurídico de Terceiro Setor

Capítulo 4 - Aproximação Jurídica para o


Conceito de Terceiro Setor

Com efeito, já restou bem delineada a infinidade de elementos que figuram


nos mais variados conceitos até então elaborados acerca do Terceiro Setor. Di-
versidade de elementos que, sem dúvida alguma, advém da inexistência de pa-
râmetro único de pesquisa para a configuração deste fenômeno, o que repercute
na própria dificuldade de delimitação de seu âmbito de abrangência.
As formas de expressão que o Terceiro Setor pode adotar não foram bem
definidas no ordenamento jurídico brasileiro e sequer seu conceito, no sentido
de funcionamento, foi bem apreendido pela sociedade brasileira. As dificulda-
des de tal tarefa não são poucas, e o objetivo de superá-las não pode ser de ape-
nas alguns indivíduos.
E como início desta superação podem ser considerados os debates teóricos
que estão sendo levados a efeito nos mais variados ramos das ciências. Como já
explanado, a discussão sobre o Terceiro Setor ainda é bastante incipiente, e mais
prospectiva do que conclusiva. Os inúmeros espectros de abordagem do fenô-
meno dão a nota de como o tema deve ser tratado, ou seja, do que se trata a pro-
posta que se propõe difundir e implantar com maior extensão no Brasil.
À importação do termo Terceiro Setor da realidade sociológica norte-ame-
ricana deve ser - como tem sido, mesmo que ainda de forma tímida - seguida de
estudos e adaptações para a realidade brasileira, sobretudo no que tange à regu-
lamentação de suas atividades. De nada adianta a simples implantação de uma
proposta importada de uma realidade completamente diversa da nossa, sem que
haja intenso debate em todas as esferas sociais acerca do tema.
Felizmente, o fluxo de idéias sobre o Terceiro Setor começa a se intensifi-
car. Mesmo que no âmbito jurídico a elaboração de estudos teóricos ainda te-
nha muito a evoluir, os próprios trabalhos já existentes nesta seara bem como
aqueles desenvolvidos em outros ramos científicos auxiliam em muito a com-
preensão do fenômeno, imprescindível para uma abordagem jurídica.
A relação dos elementos extraídos dos conceitos produzidos nos âmbitos
social, econômico, político, etc., é de todo útil para que se trace um paralelo com
o ordenamento jurídico brasileiro, de modo a se tentar uma sistematização jurí-
dica a partir daí. Notadamente quando se observa que alguns princípios nortea-
dores das atividades desenvolvidas pelo Terceiro Setor existem antes mesmo de
se pensar em um ordenamento jurídico, como o é, por exemplo, a noção de soli-
dariedade ínsita à condição de ser humano.
Para que se trace uma linha de aproximação do desenvolvimento do Ter-
ceiro Setor com o ordenamento jurídico brasileiro, mister sejam isoladas algu-
mas de suas características correntemente divulgadas por seus teóricos.
72 TriBuTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Tem-se dito, por exemplo, que o Terceiro Setor se caracteriza como um


conjunto de atividades não coercitivas - portanto não pertencentes à estrutura do
Estado - e tampouco voltadas para o lucro - portanto desvinculadas do merca-
do. Daí se extraem quatro elementos: a) não coercitivas; b) não estatais; c) não
lucrativas; e d) fora do mercado.
Ademais disso, suas atividades se dirigem a atender necessidades coleti-
vas ou públicas, donde advêm mais duas características: e) visam atender neces-
sidades coletivas; e f) visam atender necessidades públicas. Outros dois elemen-
tos usualmente citados, fortes no conceito formulado por Salamon, são os seguin-
tes: g) são organizações estruturadas; h) são organizações autogovernadas; e i)
contam com expressivo serviço voluntário.
Comparação corriqueiramente trazida à baila pelos teóricos é a do Tercei-
ro Setor com a sociedade civil, donde se extrai mais um elemento: j) são orga-
nizações da sociedade civil. Ademais, vincula-se normalmente a prática de suas
atividades à caridade, à filantropia, ao mecenato e ao exercício da cidadania,
portanto: k) é expressão das práticas de caridade, filantropia e mecenato; e 1) é
forma de exercício da cidadania.
Em algumas oportunidades, da mesma forma, o Terceiro Setor é chamado
de Setor Solidário, o que lhe atribui a característica de m) vinculação ao con-
ceito de solidariedade.
Em suma, portanto, enumeramos exemplificativamente algumas caracterís-
ticas extraídas dos conceitos normalmente difundidos sobre o Terceiro Setor: a)
finalidades não coercitivas; b) entidades não estatais; c) finalidades não lucrati-
vas; d) entidades fora do mercado; e) visam atender necessidades coletivas; f)
visam atender necessidades públicas; g) são organizações estruturadas; h) são
organizações autogovernadas; i) contam com expressivo serviço voluntário; j) são
organizações da sociedade civil; k) é expressão das práticas de caridade, filan-
tropia e mecenato; 1) é forma de exercício da cidadania; e m) vinculação ao con-
ceito de solidariedade.
Sintetizando o quanto pretendemos extrair dos conceitos de Terceiro Setor,
e agregando outros elementos, Marcos Kisil manifestou-se no seguinte sentido:
“As seguintes características são geralmente mencionadas quando se ana-
lisam as organizações do Terceiro Setor, comparando-as com outros ti-
pos de organizações:
- elas não têm fins lucrativos, sendo organizações voluntárias, no sen-
tido de que não são organizações estatutárias emanadas do setor go-
vernamental;
- são formadas, total ou parcialmente, por cidadãos que se organizam
de maneira voluntária;
- O corpo técnico normalmente resulta de profissionais que geralmen-
te se ligam à organização por razões filosóficas e tem um forte com-
promisso com o desenvolvimento social;
- são organizações orientadas para a ação; são flexíveis, inovadoras, rá-
pidas e próximas às comunidades locais; e
LEANDRO MARINS DE SOUZA 73

- geralmente fazem um papel intermediário: ligam o cidadão comum


com entidades e organizações que podem participar da solução de pro-
blemas identificados. Assim, se por um lado fornecem algum tipo de
serviço à comunidade, por outro têm que procurar fundos para seus
programas em diferentes fontes de financiamento (o público em geral,
doações, governo).”!?
Todas estas características e elementos constantes dos conceitos e debates
atuais sobre o Terceiro Setor são fundamentais para uma compreensão jurídica
do fenômeno, que a par de ter nascido nos bastidores da sociologia merece deti-
da análise de cunho jurídico, exatamente para uma efetiva adequação do discur-
so jurídico acerca do assunto e, da mesma forma, para que se dê segiiência à ela-
boração do arcabouço legislativo que o regulamenta.
Não obstante o sem-número de elementos acima identificados e a afirma-
ção de que são imprescindíveis para que se delimite o espectro e a abrangência
do Terceiro Setor juridicamente, frise-se que não se tratam de elementos que
possam ser juridicamente considerados. São, sem dúvida, características do fe-
nômeno que servem para a subsunção do Terceiro Setor ao ordenamento jurídi-
co, mas que por si sós não são jurídicos.
Ou seja, com base nestes dados, pode-se tentar definir de que forma o or-
denamento jurídico tem evoluído para acompanhar esta realidade que é o Ter-
ceiro Setor.
E é o que se passa a fazer: traçar o panorama jurídico que faça referência
ao Terceiro Setor no ordenamento brasileiro, para que se possa conhecer seu
espaço de atuação e seus limites legais, além de sua evolução legislativa e a for-
mulação de um conceito do fenômeno, juridicamente considerado. Aí sim esta-
rá definido o objeto imediato do presente trabalho.

I? KISIL, Marcos. Organização social e desenvolvimento sustentável: projetos de base co-


munitária, in IOSCHPE, Evelyn Berg (org.), 3º Setor: desenvolvimento social sustenta-
do, Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1997, p. 142.
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75

Capítulo 5 - Matriz Constitucional do


Terceiro Setor: Percurso Evolutivo e
Consolidação de seu Desenvolvimento através
da Constituição Federal de 1988

Como já dito no capítulo anterior, o desenvolvimento do Terceiro Setor tem


estreita relação com a evolução das doutrinas sobre as funções do Estado e sua
aplicação nos campos legislativo e, sobretudo, prático. À medida que o Estado
vai alterando suas formas de atuação junto à sociedade, reduzindo ou aumentan-
do sua intervenção, o campo para o desenvolvimento das ações do Terceiro Se-
tor sofre influências.
Um excelente termômetro, portanto, para a análise sobre o espaço jurídico
de desenvolvimento do Terceiro Setor está na análise das Constituições, que di-
tam o roteiro da intervenção estatal. Passa-se, então, à análise das Constituições
brasileiras no que tange a dispositivos que tenham relevância para o Terceiro
Setor, por dizerem respeito aos limites de sua atuação.!?

5.1. Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824


A Constituição do Império, de 1824, pouco tem a contribuir para a análise
proposta no presente capítulo. Muito mais voltada à definição da estrutura ad-
ministrativa dos órgãos do Estado, é bastante limitada sua inclinação à definição
de direitos civis e políticos, garantias dos cidadãos, princípios fundamentais, etc.
É, como sua própria denominação, uma Constituição Política, voltando-se
mais a assuntos desta natureza do que qualquer outra coisa. Muito provavelmente
esta característica da Constituição do Império de 1824 se deva ao momento his-
tórico brasileiro em que foi outorgada.
Primeiro porque o Império brasileiro teve a influência das idéias liberais
freada por resquícios absolutistas, seguindo tendência européia. É o que nos dá
conta Paulo Bonavides, ao dizer que
“ao contrário de muitos outros países das Américas, o Brasil não cami-
nhou no sentido republicano. Um movimento que poderia ter sido forte-
mente influenciado pelo sopro das novas idéias liberalizantes acabou
preso às circunstâncias européias, que eram então de retorno ao absolu-
tismo monárquico e de enfraquecimento dos parlamentos. (...) Sendo
assim a Constituinte, em que pese o universo de escolha então extrema-
mente restrito em que foram eleitos os deputados, viu o liberalismo que
a impregnava colidir com o autoritarismo do Monarca"

173 Os textos das Constituições brasileiras de 1824 a 1969 foram consultados na seguinte obra:
CAMPANHOLE, Adriano e CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil, 6º
ed., São Paulo : Atlas, 1983.
74 BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil, Brasília :
Senado Federal, 1989, p. 89.
76 TriButação DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Em segundo momento, é de se ressaltar também o despreparo da própria


sociedade brasileira, e por extensão dos membros constituintes, para conviver
com a idéia de um constitucionalismo de idéias liberais:
“Outro aspecto por onde se manifestava a vulnerabilidade do corpo cons-
tituinte era o atraso da cultura política da sociedade nascente, o estado
embrionário da cidadania, a precariedade da consciência cívica, as incer-
tezas e os equívocos que rodeavam o processo de emancipação; mais à
semelhança de um pacto do que de uma ruptura com a metrópole, alimen-
tando-se, até mesmo, depois de proclamada formalmente a independên-
cia, o sonho de uma união, a ser conservada por via consensual e, enfim,
as condições sociais extremamente adversas oriundas dos vícios e taras
da sujeição colonial de trezentos anos.”!?
Não obstante, alguns dispositivos desta Constituição devem ser ressaltados,
para demonstrar que além dos vestígios de absolutismo nela impregnados - o
Poder Moderador é o melhor exemplo disto -, assim como da influência das idéias
liberais, podem-se observar indícios de um constitucionalismo social no texto
constitucional imperial.!7
Veja-se, por exemplo, que seu Título 8º é intitulado Das Disposições Ge-
raes, e Garantias dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros. Dois
incisos do artigo 179!” chamam a atenção, mesmo que não guardem exata rela-
ção com o Terceiro Setor.
O inciso XXXI estabelece que “a Constituição tambem garante os socor-
ros públicos”.

'5 BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de. Op. cit., pp. 37-38.
“s A começar pela fala de Dom Pedro I na sessão de abertura da Constituinte, quando diz:
“Tenho promovido os estudos públicos, quanto é possível, porém necessita-se para isto
de uma legislação particular. Fez-se o seguinte: comprou-se para engrandecimento da
Biblioteca Pública uma grande coleção de livros dos de melhor escolha; aumentou-se o
número de escolas, e algum tanto o ordenado de seus mestres, permitindo-se, além disto,
haver uns cem números delas particulares; conhecendo a vantagem do ensino mútuo tam-
bém fiz abrir uma escola pelo método lancasteriano. O Seminário de São Joaquim, que
os seus fundadores tinham criado para educação da mocidade, achei-o servindo de hos-
pital da tropa européia; fi-lo abrir na forma da sua instituição, e havendo concedido à Casa
de Misericórdia, e Roda dos Expostos (de que abaixo falarei) uma loteria, para melhor se
poderem manter estabelecimentos de tão grande utilidade, determinei ao mesmo tempo,
que uma quarta parte dessa loteria fosse dada ao Seminário de S. Joaquim, para que me-
lhor se pudesse conseguir o útil fim para que fora destinado por seus honrados fundado-
res. Acha-se hoje com imensos estudantes. A primeira vez que fui à Roda dos Expostos
achei (parece impossível!) sete crianças com duas amas: nem berços, nem vestuários. Pedi
o mapa e vi que em 13 anos tinham entrado perto de 12.000, e apenas tinham vingado
1.000, não sabendo a Misericórdia verdadeiramente aonde elas se achavam. Agora com
a concepção da loteria, edificou-se uma casa própria para tal estabelecimento, onde há
trinta e tantos berços, quase tantas amas, quantos expostos tudo em muito melhor admi-
nistração.” (in BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de. Op. cit., p. 23)
7 “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que
tem por basea liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Cons-
tituição do Império, pela maneira seguinte.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 77

Já o inciso seguinte, de número XXXII, é enfático ao estabelecer que “a


Instrucção primaria é gratuita a todos os Cidadãos”.
Como se vê, a Constituição Política de 1824 não trazia qualquer previsão
de regulamentação de atividades que pudessem ser enquadradas no que hoje está
a se chamar de Terceiro Setor. De qualquer forma, alguns dispositivos já demons-
travam uma vertente social no constitucionalismo brasileiro, a merecer destaque
de Paulo Bonavides e Paes de Andrade, ao dizerem que
“a Constituição outorgada, ao contrário do silêncio e omissão dos repu-
blicanos de 1891, enunciava o princípio, segundo o qual, “a Constitui-
ção também garante os socorros públicos”, ao mesmo passo que decla-
rava a instrução primária gratuita a todos os cidadãos; regras, portanto,
de constitucionalismo social, tão peculiares às conquistas de nosso sé-
culo.
A Constituição do Império foi, em suma, uma Constituição de três di-
mensões: a primeira, voltada para o passado, trazendo as graves segiie-
las do absolutismo; a segunda, dirigida para o presente, efetivando, em
parte e com êxito, no decurso de sua aplicação, o programa do Estado
liberal; e uma terceira, à primeira vista desconhecida e encoberta, pres-
sentindo já o futuro, conforme acabamos de apontar.
Como se vê, nossos antepassados abriram também uma janela para o so-
cial, para os direitos humanos do século XX, fora, portanto, das vistas
acanhadas e egoístas do liberalismo imperante, do qual, eles, por força
do tempo e da necessidade, se fizeram órgãos ou instrumentos.”178

5.2. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de


fevereiro de 1891
Já com a promulgação, em 1891, da primeira Constituição após o advento
da República em 1889, alguns dispositivos devem ser considerados de relevân-
cia para o estudo do desenvolvimento constitucional do Terceiro Setor.
Estes dispositivos, que são poucos - dois, mais especificamente -, estão
concentrados no artigo 72!” de referida Constituição e elevam a liberdade de
associação ao patamar constitucional. !8º

“8 BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de. Op. cit. p. 101.


IP “Art. 72. A Constituição assegura a brazileiros e a estrangeiros residentes no paíz a invio-
labilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade
nos termos seguintes.”
têo “A Constituição brasileira de 1824 não contemplava explicitamente o direito de associa-
ção. Era, portanto, omissa a respeito, o que levou, do ponto de vista prático, a que funcio-
nassem diversas organizações, uma vez que não estavam proibidas. Pelo seu papel histó-
rico, as mais importantes foram as de cunho político. A introdução deste direito funda-
mental deu-se com a Constituição de 1891. A partir de então, todas as demais o repetem”
(BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Bra-
sil: promulgada em 5 de outubro de 1988, 2º vol., São Paulo : Saraiva, 1989, p. 96). “A
liberdade de associação não foi prevista na Declaração de 1789 e nos documentos libe-
rais. Tal decorre da hostilidade que contra elas (as associações) manifestava o pensamento
78 TriButação DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

O 8 3º do artigo 72, por exemplo, estabelece que “todos os indivíduos e


confissões religiosas podem exercer publica e livremente o seu culto, associan-
do-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito com-
mum?. Remetendo-se à legislação infraconstitucional sobre as limitações ao di-
reito de associação, este parágrafo indica a possibilidade de associação de indi-
víduos para fins religiosos.
Mas a Constituição de 1891 não pára por aí. Em dispositivo de relevância
histórica inegável, ela vai além na disposição sobre a liberdade de associação,
ao assegurá-la plenamente no $ 8º do mesmo artigo 72: “A todos é lícito associa-
rem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não podendo intervir a policia,
sinão para manter a ordem publica”. Como antes comentado, eleva a liberdade
de associação ao patamar constitucional e abre espaço de participação popular
inegável, com evidentes reflexos para o desenvolvimento do Terceiro Setor, !*!
haja vista que “as associações não têm fins lucrativos. Quando se propõem atal
finalidade, vão encontrar respaldo constitucional em outros dispositivos: o que
assegura a liberdade de empresa ou de livre iniciativa e outros”!

5.3. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de


julho de 1934
Da Constituição de 1891 para a Constituição de 1934, mesmo tendo aque-
la alcançado a láurea de incluir no ordenamento jurídico brasileiro a liberdade
de associação, espaço jurídico de participação popular de profunda relevância,
há um grande salto no que tange a dispositivos de importância para o estudo do
Terceiro Setor.
Isto se dá, certamente, em virtude da aproximação da Constituição de 1934
com as questões sociais, para as quais se volta assumidamente. Exemplo claro
disto é a inserção do título denominado da ordem econômica e social, pela pri-
meira vez na história constitucional brasileira.

de Rousseau. (...) Foi somente na metade do século XIX que o direito de associação pas-
sou a ser reconhecido pelas Constituições. Delas, a primeira foi a Constituição francesa
de 1848, no art. 8º (...) Como reflexo dessa situação, o direito constitucional brasileiro não
previu o direito de associação em 1824. Era silente a Constituição Imperial a esse propó-
sito. É certo que a lição de Pimenta Bueno era no sentido de que o direito deassociação
estaria virtual e logicamente previsto no art. 179 da Constituição, uma vez que seria mero
reflexo da liberdade individual. Foi somente a Constituição de 1891, no art. 72, 8 8º, que
previu expressamente a liberdade de associação. Fê-lo no mesmo dispositivo que regula-
va a liberdade de reunião. Daí em diante todas as Constituições brasileiras previram a li-
berdade de associação.” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Cons-
tituição brasileira de 1988, vol. 1, São Paulo : Saraiva, 1990, p. 43)
181
“As associações prestam, ordinariamente, grande serviço a communhão social, porque
concorrem para o desenvolvimento das letras, artes, sciencias, commercio e industria e,
assim sendo, nada mais natural que o Estado as amparar, quando organizadas para fins
licitos e de utilidade publica.” (CASTRO, Araújo. A nova Constituição brasileira, 2º ed.,
Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1936, p. 405)
82 BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra da Silva. Op. cit., p. 99.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 79

A Constituição de 1934, como todas as outras posteriores, manteve aliber-


dade de associação,'º inclusive para fins religiosos,!%* mas além disso trouxe
algumas inovações que merecem o mesmo destaque, sobretudo por representa-
rem o reconhecimento da influência da participação popular e das atividades que
podem ser consideradas como participantes do Terceiro Setor à época.
Exemplo disso está logo no artigo 2º, quando a Constituição estabelece que
“todos os poderes emanam do povo, e em nome dele são exercidos”. É a insti-
tuição de uma legitimidade à sociedade antes inexistente de forma documenta-
da - sobretudo em texto constitucional -, e que representa um grande avanço for-
temente ligado ao conceito de cidadania, antes citado como elemento corrente
do conceito atual de Terceiro Setor. Não que o fato de o poder emanar do povo
se caracterize como atividade do Terceiro Setor. O que se quer falar é que este
dispositivo constitucional tem grande importância para o amadurecimento da
sociedade como ator influente na resolução dos problemas sociais, o que acaba
por repercutir no desenvolvimento do Terceiro Setor.
Também de suma importância é a inclusão dos sindicatos e associações
profissionais no texto constitucional, o que se dá no artigo 120 e que se remete
à lei para fins de reconhecimento.' Na esteira da liberdade de associação, o
reconhecimento dos sindicatos e associações profissionais no texto constitucio-
nal tem o condão de outorgar ao tema trabalho a condição de questão social
considerada das mais relevantes. E aqui se pede vênia para citação não obtida
em sua fonte original, mas que devido a sua agudeza não pode deixar de ser fei-
ta:
“Os syndicatos que actualmente têm mais importancia são os operarios...
Segundo Leon Duguit, o movimento syndicalista não é na realidade a
guerra emprehendida pelo proletariado para esmagar a burguezia e para
conquistar os instrumentos da producção e a direcção da vida economi-
ca. Não é, como pretendem os theoricos do syndicalismo revolucioná-
rio, a classe operaria, adquirindo a consciencia de si mesma, para con-
centrar o podere a fortuna, e anniquilar a classe burgueza. É um movi-
mento muito mais amplo, muito mais fecundo, mesmo muito mais hu-
mano. Não é um instrumento de guerra e de divisão sociaes; pelo con-
trario, é um poderoso meio de pacificação e união. Não é uma transfor-

188 “Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a in-
violabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual
e à propriedade, nos termos seguintes: (...) 12) E garantida a liberdade de associação para
fins lícitos. Nenhuma associação será compulsoriamente dissolvida senão por sentença
judiciária.” Y
!84 No mesmo artigo 113: “5) E inviolável a liberdade de consciência e de crença, e garanti-
do o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham à ordem publica e
aos bons costumes. As associações religiosas adquirem personalidade juridica nos termos
da lei civil.”
t85 “Art. 120. Os syndicatos e as associações profissionaes serão reconhecidos de conformi-
dade com a lei. Paragrapho único. A lei assegurará a pluralidade syndical e a completa
autonomia dos syndicatos.”
80 TriBuTAçÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

mação só da classe operaria, abrange todas as classes e tende a coorde-


nal-as num systema harmonico. O syndicalismo é a organização da massa
amorpha de grupos fortes e coherentes de estructura juridica determina-
da e compostos de homens já unidos pela comunidade de funcção social
e interesse profissional.”
186
Alguns outros dispositivos trazidos pela Constituição de 1934 também
merecem menção, mais por demonstrarem preocupação com assuntos que carac-
teristicamente estão vinculados ao conceito corrente de Terceiro Setor do que
propriamente por estimularem o seu desenvolvimento.
O artigo 138 traça algumas responsabilidades do Estado, em suas três es-
feras, relativamente a assuntos de interesse social, como o são o amparo aos
desvalidos, a educação, o amparo à maternidade e à infância, entre outras,!*”
como se observa:
“Art. 138. Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos
das leis respectivas:
- assegurar amparo aos desvalidos, creando serviços especializados e
animando os serviços sociaes, cuja orientação procurarão coordenar;
- estimular a educação eugênica;
- amparar a maternidade e a infancia;
- socorrer as familias de prole numerosa;
- proteger a juventude contra toda exploração, bem como contra o
abandono physico, moral e intellectual;
- adoptar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir
a mortalidade e a morbidade infantis; e de hygiene social, que impe-
çam a propagação das doenças transmissíveis;
- cuidar da hygiene mental e incentivar a lucta contra os venenos so-
ciaes”
Comentando este dispositivo, Araújo Castro é objetivo em dizer que “a
assistencia social constitue um dos mais importantes deveres do Estado”.!88
Princípio muito encontrado nos conceitos correntes de Terceiro Setor e tido
como um de seus pilares, conforme anteriormente frisado, é o da solidariedade.
É sem dúvida uma das molas propulsoras do desenvolvimento das ações do Ter-
ceiro Setor, que advém exatamente das outras características que lhe são atribuí-
das, como a natureza privada, a ausência de finalidade lucrativa e o desenvolvi-
mento de ações de interesse social. E mais uma das características da Constitui-
ção de 1934 que dá ensejo a que se lhe atribua a condição evolutiva no que tan-
ge ao Terceiro Setor é o disposto no artigo 149, quando faz menção, ao se refe-

'88 MARNOCO e SOUZA. Constituição politica da Republica Portugueza, pp. 117-118, apud
CASTRO, Araújo. Op. cit., p. 471.
!87 Também nesta senda é o artigo 148: “Art. 148. Cabe à União, aos Estados e aos Munici-
pios favorecer e animar o desenvolvimento das sciencias, das artês, das letras e da cultu-
ra em geral, proteger os objectos de interesse historico e o patrimônio artístico do paiz,
bem como prestar assistencia ao trabalhador intellectual.”
tê! CASTRO, Araújo. Op. cit., p. 481.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 81

rir ao direito à educação, à necessidade de se instituir a consciência da solidarie-


dade humana na sociedade brasileira.
!ºº
É dispositivo de suma importância por fixar no ordenamento jurídico pá-
trio, no âmbito constitucional, o cerne das atividades do Terceiro Setor. Mais uma
vez é importante a ressalva: não se quer, agora, dizer que o artigo 149 da Cons-
tituição de 1934 foi o responsável pelo desenvolvimento do Terceiro Setor no
Brasil. Pretende-se, tão-somente, cotejar as características deste fenômeno que
é o Terceiro Setor com o ordenamento jurídico brasileiro para traçar um matiz
constitucional evolutivo sobre o tema, sobretudo pelo fato de se saber que os
textos constitucionais acompanham os anseios das sociedades em que são ela-
borados.!ºº
Com efeito, o artigo 149 expressa formalmente uma característica da socie-
dade brasileira à época, sem precedentes nas Constituições anteriores, que era a
preocupação com uma vertente solidária, o que representa um avanço no que
tange ao desenvolvimento das atividades do Terceiro Setor.
Por fim, e a nosso ver o dispositivo mais importante da Constituição de
1934 no que diz respeito à evolução constitucional do Terceiro Setor, tem-se o
que assevera o artigo 154: “Os estabelecimentos particulares de educação gra-
tuita primaria ou profissional, officialmente considerados idoneos, serão isentos
de qualquer tributo” Como se vê, o reconhecimento da função destas institui-
ções no suprimento de atividades que estariam, em primeiro plano, a cargo do
Estado, como o é a educação, significa o grande avanço da Constituição de 1934,
a justificar a alegação inicial de que há um grande salto no que tange a disposi-
tivos de importância para o estudo do Terceiro Setor.
Ao isentar os estabelecimentos particulares de educação primária ou pro-
fissional de qualquer tributo, a Constituição atribui às atividades prestadas por
estas instituições a condição de co-partícipes no desenvolvimento da área da
educação, de inegável natureza social e integrante do Terceiro Setor.

89 “Art. 149. A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela familia e pelos pode-
res públicos, cumprindo a estes proporcional-a a brasileiros e a estrangeiros domiciliados
no paiz, de modo que possibilite efficientes factores da vida moral e economica da Na-
ção, e desenvolva num espírito brasileiro a consciencia da solidariedade humana.”
o Esta característica é inerente à idéia de constitucionalismo, conforme já dissemos em nossa
obra SOUZA, Leandro Marins de. Imunidade tributária: entidades de educação e assis-
tência social, Curitiba : Juruá, 2001, p. 29: “Esta busca do constitucionalismo pela nor-
matização dos direitos naturais ou fundamentais dos seres-numanos, cada qual relativa-
mente à sociedade, ou melhor, à realidade que lhes é imposta, efervesce como a eterna
busca do sistema ideal. Eterna à medida que cada relação temporal estabelece realida-
des diferentes, sendo certo que a adequação das normas jurídicas deve-se dar na propor-
ção da realidade vivenciada em cada momento. Ideal sob o ponto de vista da adequada
conformação da normatização jurídica, sobretudo no que diz respeito às previsões cons-
titucionais, aos anseios momentâneos do grupo social a que se dirige o sistema normati-
vo, inclusive a partir do momento que estabelece, além das garantias fundamentais, limi-
tações à ação estatal.”
82 TriBuTtaçÃo DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

5.4. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de


1937
Também a Constituição de 1937, muito embora outorgada por imposição
de uma ditadura,"! estabelece alguns dispositivos que se apresentam bastante
interessantes para a análise da evolução constitucional do Terceiro Setor, além
da manutenção das já consagradas liberdades de associação, inclusive religio-
sa, profissional e sindical.!”
Mesmo sendo caracterizada como um diploma mais preocupado com a
organização política do Brasil do que com conceitos de participação popular,!*
é de se observar que ao menos formalmente a Constituição de 1937 dá ensejo à
análise de determinadas atividades caracteristicamente atribuídas ao Terceiro
Setor.
É o caso, por exemplo, do artigo 128 de nosso texto constitucional, !* que
atribui à iniciativa privada, particular ou coletiva, inclusive na forma de associa-
ções, o desenvolvimento das artes, da ciência e do ensino. Mais ainda, institui

?1 “O golpe de 10 de novembro de 1937 impôs uma Carta constitucional que encerrou o


rápido período de vigência da Constituição de 1934, nascida da Assembléia Nacional
Constituinte. Pode-se afirmar que até então as Constituições haviam sido resultantes de
debates e decisões constituintes. Mesmo a Constituinte de 1824, outorgada por D. Pedro I,
deve ser considerada como fruto do trabalho dos constituintes. Quando o texto já estava
concluído, o Imperador dissolveu a Assembléia, mas a Carta que outorgou foi na sua quase
integralidade, a que os irmãos Andradas e outros ilustres brasileiros haviam preparado.
Por isso, pode-se afirmar que a Constituição de 1937, foi a primeira que dispensou o tra-
balho de representação popular constituinte.” (BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes
de. Op. cit., p. 339)
192
“Art. 122. A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no país o di-
reito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) 4 -
Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu
culto, associando-se para êsse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direi-
to comum, as exigências da ordem pública e dos bons costumes. (...) 9 - A liberdade de
associação, desde que os seus fins não sejam contrários à lei penal e aos bons costumes.
()
Art. 138. A associação profissional ou sindical é livre. Somente, porém, o sindicato re-
gularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal dos que partici-
parem da categoria de produção para que foi constituído, e de defender-lhes os direitos
perante o Estado e as outras associações profissionais, estipular contratos coletivos de tra-
balho obrigatórios para todos os seus associados, impor-lhes contribuições e exercer em
relação a êles funções delegadas de poder público.”
193
“A geração autoritária se reunia em torno de um princípio básico: a organização, naque-
le momento da história brasileira, e que era considerada mais importante e urgente que a
participação. Esse princípio, adotado pela Constituição de 37, foi utilizado por Getúlio
Vargas em seu próprio benefício, ou seja, a participação foi tão limitada que passou a ser
exclusiva do Presidente, eufemismo para o que se deveria chamar propriamente de dita-
dor.” (BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de. Op. cit., p. 332)
194
“Art. 128. A arte, a ciência e o seu ensino são livres à iniciativa individual e à de associa-
ções ou pessõas coletivas, públicas e particulares. 5
É dever do Estado contribuir, direta ou indiretamente, para o estímulo e desenvolvimen-
to de umas e de outro, favorecendo ou fundando instituições artísticas, científicas e de
ensino.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 83

como dever do Estado a contribuição para o desenvolvimento destas atividades,


estimulando e favorecendo a iniciativa privada para este fim.
Também no que se refere à educação, a Constituição de 1937, desta feita
no artigo 129,!º abre oportunidade para a participação de instituições privadas,
através, inclusive, do subsídio às associações particulares de educação. No mes-
mo artigo, de fundamental importância a atribuição de responsabilidade às in-
dústrias e sindicatos pela promoção de educação de seus funcionários e asso-
ciados e seus filhos, leitura da hodierna responsabilidade social da empresa.
A Constituição de 1937 insta os cidadãos brasileiros em melhores condi-
ções financeiras a cooperar, em matéria de educação, com os menos favoreci-
dos, através da constitucionalização do dever de solidariedade nos seguintes ter-
mos:
“Art. 130. O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, po-
rém, não exclue o dever de solidariedade dos menos para com os mais
necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não
alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma
contribuição módica e mensal para a caixa escolar.”
É, como se observa, expressão de elemento correntemente invocado nos
conceitos de Terceiro Setor desenvolvidos por seus teóricos, qual seja a solida-
riedade.
Por fim, os artigos 132 e 135 da Carta Constitucional também são exem-
plos do comprometimento de que é dotada a esfera privada diante das causas
sociais. Este artigo delega à iniciativa privada, nos limites do bem público, a res-
ponsabilidade pela regulação do mercado, deixando ao Estado, em dispositivo
de vertente liberal evidente, a condição de intervenção subsidiária.!ºº Já aquele
artigo é enfático ao atribuir às associações civis, com auxílio do Estado, a res-
ponsabilidade de promover a instrução profissional dos jovens, assim como seu
desenvolvimento físico, nos seguintes termos:

195 «Art. 129. À infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em
instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela
fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de
receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.
O ensino prevocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é, em ma-
téria de educação, o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever,
fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos
Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais.
É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos crear, na esfera de sua especialidade,
escolas de aprendizages, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. A
lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado sobre essas
escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo po-
der público.”
196 “Art. 135. Na iniciativa individual, no poder de creação, de organização e de invenção
do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade
nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as
deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a
evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o
pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado.”
84 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

“Art. 132. O Estado fundará instituições ou dará o seu auxílio e prote-


ção às fundadas por associações civis, tendo umas é outras por fim or-
ganizar para a juventude períodos de trabalho anual nos campos e ofici-
nas, assim como promover-lhe a disciplina moral e o adestramento físi-
co, de maneira a prepará-la ao cumprimento dos seus deveres para com
a economia e a defesa da Nação.”
Afora a evidente influência militar deste dispositivo, sobretudo ao deixar
clara sua real intenção - preparar a juventude para o cumprimento de seus de-
veres para com a economia e a defesa da Nação -, o reconhecimento do papel
das associações civis nesta esfera de atuação social é a abertura para campo fér-
til de desenvolvimento do Terceiro Setor, afora a atribuição de papel fundamen-
tal no desenvolvimento da nação.
Outra anotação importante a ser feita é a de que não há, na Carta de 1937,
qualquer menção a subsídio de natureza tributária para as atividades, por assim
dizer, do Terceiro Setor, diferentemente do que ocorria na Constituição de 1934.

5.5. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946


Em 1946, a inspiração liberal derrocou o regime ditatorial da Constituição
de 1937, a ponto de se dizer que “deve ser motivo de orgulho para todos os bra-
sileiros”.!7 A Constituição de 1946, na verdade, representa um regime de tran-
sição entre a vertente constitucional liberal e o Estado social, trazendo elemen-
tos de ambas as ideologias.
Para a análise de sua influência no desenvolvimento do Terceiro Setor,!º
importante o dispositivo que revigora - de forma ainda mais ampla - o benefício
fiscal que previa a Constituição de 1934 e que fora suprimido na Constituição
de 1937. Está a se falar de seu artigo 31, que além de revigorar a imunidade das
instituições de educação suprimido na Carta de 1937 estende este benefício a
outras instituições pertencentes ao que atualmente se chama Terceiro Setor, ao
dispor:
“Art. 31. À União, aos Estados, ao Distrito Federal a aos Municípios é
vedado:
(...)
V - lançar impôsto sobre:
E
27 BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de. Op. cit., p. 409.
“8 Desde já registre-se que a Constituição de 1946 também manteve aliberdade de associa-
ção: “Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança indivi-
dual e à propriedade, nos têrmos seguintes: (...) 8 12. É garantida a liberdade de associa-
ção para fins lícitos. Nenhuma associação poderá ser compulsóriamente dissolvida senão
em virtude de sentença judiciária.
(...) Art. 159. É livre a associação profissional ou sindical, sendo reguladas por lei a for-
ma de sua constituição, a sua representação legal nas convenções coletivas de trabalho e
o exercício de funções delegadas pelo poder público.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 85

b) templos de qualquer culto, bens e serviços de partidos políticos, ins-


tituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas
sejam aplicadas integralmente no país para os respectivos fins.”!ºº
Mais uma vez se reconhece, através deste dispositivo, a importância da atua-
ção destas instituições frente às questões sociais do nosso país, atribuindo-lhes
Junção substitutiva da atuação estatal?” e lhe incentivando o desenvolvimento
através do benefício da imunidade tributária.
Além disso, o Estado social se perfilha nesta Constituição em outros dis-
positivos, como os artigos 164, 166 e 167, por exemplo:
“Art. 164. É obrigatória, em todooterritório nacional, a assistência à ma-
ternidade, à infância e à adolescência. A lei instituirá o amparo das fa-
mílias de prole numerosa.”

“Art. 166. A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola.


Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidarieda-
de humana.”

“Art. 167. O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos poderes
públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regu-
lem”
Comentando o artigo 164 da Constituição de 1946, Themistocles Brandão
Cavalcanti avalia que “muitos numerosos são os meios usados para tornar efeti-
va a proteção, através de obras de assistência, obras educacionais, hospitalares,
diretamente ou através de subvenções à iniciativa privada”.?!
Merece especial atenção a última parte do artigo 166, que novamente ex-
pressa o princípio da solidariedade humana em matéria de educação. Somado
ao artigo 167, vê-se que esta solidariedade se erige inclusive no âmbito dos le-
gitimados a promover a educação, ou seja, os poderes públicos e a iniciativa
particular???

5.6. Constituição do Brasil, de 24 de janeiro de 1967 e Emenda


Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969
Em comparação às Constituições anteriores, a única novidade trazida por
nossa Constituição de 1967 - e mantida pela Emenda Constitucional nº 1/69 -

»º A Emenda Constitucional nº 18, de 6 de dezembro de 1965, deu nova redação ao artigo:


“Art. 2º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) IV -
cobrar impostos sôbre: (...) b) templos de qualquer culto; c) o patrimônio, a renda ou ser-
viços de Partidos políticos e de instituições de educação ou de assistência social, obser-
vados os requisitos fixados em lei complementar.”
20 Sobre a função substitutiva, veja capítulo 6.2.
201 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. A Constituição Federal comentada, vol. IV, 3º
ed., Rio de Janeiro : José Konfino, 1959, p. 84.
8 Novamente Themistocles Brandão Cavalcanti (op. cit., p. 86), sobre esta solidariedade,
se manifesta: “O princípio está formulado, em têrmos gerais, sem que, entretanto, envol-
va, desde logo, a afirmação da absoluta liberdade de ensino: os poderes públicos e os
particulares participam da tarefa.”
86 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

no que diz respeito ao objeto de estudo do presente capítulo é o disposto em seu


artigo 9º, in verbis:
“Art. 9º À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é ve-
dado:
(uu
II - estabelecer cultos religiosos ou igrejas; subvenciona-los; embaraçar-
lhes o exercício; ou manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ressalvada a colaboração de interêsse público,
notadamente nos setores educacional, assistencial e hospitalar”
Este dispositivo, que veda a parcialidade religiosa dos poderes públicos,
abre a possibilidade de colaboração da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, mediante alianças voltadas ao interesse público nos setores
educacional, assistencial e hospitalar.
Além disso, em seu texto original tão-somente mantém a imunidade tribu-
tária?? e o direito de associação,?* a exemplo de Constituições anteriores.
Já o texto da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, pro-
move alterações importantes para o contexto social, retomando alguns princípios
que haviam sido simplesmente ignorados pela Constituição de 1967.
É o caso, por exemplo, do direito à educação, que nos termos da Emenda
Constitucional nº 1/69 é garantido e atribuído também à iniciativa privada nos
seguintes termos, através de seu artigo 176:
“Art. 176. A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos
ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do
Estado, e será dada no lar e na escola.
(E:
$ 2º Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à iniciativa parti-
cular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públi-
cos, inclusive mediante bolsas de estudos”
Resgata, também, o princípio participativo do empresariado em matéria de
ensino, a exemplo do quanto fazia a Constituição de 1937, ao exigir a manuten-
ção de ensino primário gratuito aos empregados e seus filhos pelas empresas
comerciais, industriais e agrícolas, em seu artigo 178.25

203 «Art 20. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) HI -
criar impôsto sôbre: (...) b) templos de qualquer culto; c) o patrimônio, a renda ou os ser-
viços de partidos políticos e de instituições de educação ou de assistência social, obser-
vados os requisitos fixados em lei.” Este dispositivo foi mantido, com poucas alterações,
pela Emenda Constitucional nº 1/69, através de seu artigo 19.
“Art. 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à proprieda-
de, nos têrmos seguintes: (...) 8 28. É garantida a liberdade de associação. Nenhuma as-
sociação poderá ser dissolvida, senão em virtude de decisão judicial.”
205
“Art. 178. As empresas comerciais, industriais e agrícolas são obrigadas a manter o ensi-
no primário gratuito de seus empregados e o ensino dos filhos destes, entre os sete e os
quatorze anos, ou a concorrer para aquele fim, mediante a contribuição do salário-educa-
ção, na forma que a lei estabelecer.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 87

Ainda na esteira dos dispositivos sociais, a Emenda Constitucional incumbe


ao Estado a responsabilidade pelas ciências, pelas letras, pelas artes e pela cul-
tura, nos seguintes termos:
“Art. 179. As ciências, as letras e as artes são livres, ressalvado o disposto
no parágrafo 8º do artigo 153.
Parágrafo único. O Poder Público incentivará a pesquisa e o ensino cien-
tífico e tecnológico”

“Art. 180. O amparo à cultura é dever do Estado.


Parágrafo único. Ficam sob a proteção especial do Poder Público os do-
cumentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico, os monu-
mentos e as paisagens naturais notáveis, bem como as jazidas arqueoló-
gicas.”
Muito embora estes dois dispositivos não guardem relação direta com a
participação da iniciativa privada no desenvolvimento de atividades de interes-
se social, a mera disposição de assuntos sociais na Constituição já é motivo que
justifica destaque.
A história constitucional que se relaciona ao desenvolvimento do Terceiro
Setor anteriormente a nossa atual Constituição dá sinais de que existe uma li-
nha conceitual no ordenamento jurídico brasileiro de incentivo às atividades do
Terceiro Setor.
Apesar de não ficar fortemente delineada pela simples análise das Consti-
tuições, este trabalho é importante para que se tenha uma idéia do percurso evo-
lutivo dos movimentos constitucionais brasileiros e sua influência no desenvol-
vimento do Terceiro Setor. Sem dúvida, como será visto, a Constituição de 1988
é pródiga em dispositivos que expressam a vertente social brasileira, sendo di-
ploma de fundamental relevância para o desenvolvimento das atividades do Ter-
ceiro Setor e de seu próprio conceito, juridicamente considerado.

5.7. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988


Sem sombra de qualquer dúvida, a Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988 veio a consolidar as possibilidades de atuação da iniciativa
privada em matéria social, como coadjuvante à atuação estatal. Foi a consolida-
ção da participação do Terceiro Setor, motivo que deve ser levado em conside-
ração quando se difunde seu crescimento na década de 90. Tanto é que alguns
autores se manifestam no sentido de que o Terceiro Setor surge para
“dar cumprimento aos objetivos fundamentais da República, previstos no
artigo 3º da Constituição, quais sejam a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a

Parágrafo único. As empresas comerciais e industriais são ainda obrigadas a assegurar,


em cooperação, condições de aprendizagem aos seus trabalhadores menores e a promo-
ver o preparo de seu pessoal qualificado.”
88 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de


todos, sem qualquer tipo de discriminação”.?%
A começar pelo princípio da liberdade de associação, aperfeiçoado pelo
artigo 5º da Constituição brasileira de 1988,2” bastante mais amplo e esclareci-
do que anteriormente; bem como pelo princípio de associação sindical previsto
no artigo 8º da Constituição.?º
Tão importante quanto este aperfeiçoamento da liberdade de associação -
ou ainda mais por seu caráter inovador - são os dispositivos garantidores dos
direitos sociais dos cidadãos, os dispositivos de evidente vertente social inseri-
dos na Constituição, aqueles que especificam a participação da sociedade no
provimento das necessidades sociais, outros que expressamente prevêem o prin-
cípio da justiça social como balizador das relações sociais, entre outros.
O artigo 6º da Constituição de 1988, demonstrando o viés social de que foi
acometido nosso constitucionalismo, arrola os direitos sociais dos cidadãos para
depois tratar deles individualmente, in verbis: “Art. 6º São direitos sociais a edu-
cação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Cons-
tituição.?0º

206 SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil, 3º ed., São Paulo : Peirópolis, 2003,
pa23:
207 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XVII - é
plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar, XVIII -
a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autoriza-
ção, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; XIX - as associações só
poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão
Judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; XX - ninguém poderá ser
compelido a associar-se ou a permanecer associado; XXI - as entidades associativas, quan-
do expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou
extrajudicialmente.”
208 «Art, 8º É livre a associação profissional ou sindical (...).”
209 Também nesta vertente social, sem no entanto abrir margem à análise de implicações
constitucionais para o Terceiro Setor, veja-se os seguintes artigos: “Art. 23. É competên-
cia comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar
da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiên-
cia; (...) V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; VI - prote-
ger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar
as florestas, a fauna e a flora; (...) IX - promover programas de construção de moradias e
a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; X - combater as causas
da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores
desfavorecidos; (...) Parágrafo único. Lei complementar fixará normas para a cooperação
entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilí-
brio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”; “Art. 24. Compete à União,
aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) IX - educação,
cultura, ensino e desporto; (...) XII - previdência social, proteção e defesa da saúde; (...)
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência; (...) XV - pro-
teção à infância e à juventude.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 89

À grande diferença que se percebe no texto da Constituição de 1988 é exa-


tamente a sua preocupação com as questões sociais, voltando-se a garantir an-
tes o bem-estar e a justiça social do que qualquer outro interesse privatista. É o
que se observa textualmente dos artigos 170?7'º e 193,7!! que ao tratarem da or-
dem econômica e social estabelecem como seus princípios a existência digna, a
Justiça social, o primado do trabalho, o bem-estar social, entre outros com o
mesmo grau de importância. São conceitos que permeiam os debates teóricos do
Terceiro Setor, verdadeiros princípios regentes das atividades das instituições que
o compõem.
Desde o Preâmbulo de nosso Texto Magno, a magnitude de sua vertente
social se irradia. Volta-se o Estado Democrático a que se propõe a promulgação
da Constituição Federal de 1988 a assegurar o exercício dos direitos sociais,
fulcrado no valor supremo da igualdade para uma sociedade fraterna que se
funda na harmonia social.
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacio-
nal Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a as-
segurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a se-
gurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconcei-
tos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna ein-
ternacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob
a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do
Brasil””212
De qualquer forma, mesmo sendo importantes tais dispositivos para a aná-
lise ora proposta, maior detidão ainda deve ser dispensada àqueles dispositivos
que prevêem a participação da iniciativa privada em atividades consideradas de
interesse social, ou de direitos sociais.
A seguridade social, por exemplo, que compreende ações relativas à saú-
de, à previdência social e à assistência social, é expressamente de responsabili-
dade tanto do Estado como da própria sociedade, no texto do artigo 194 da Cons-
tituição Federal que dispõe in verbis que “a seguridade social compreende um
conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade,
destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social”.
Mais especificamente na área da saúde, que é de relevância pública, o ar-
tigo 19728 é enfático ao dispor que sua execução deve ser feita também por pes-

20 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre


- iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justi-
ça social, observados os seguintes princípios.”
211 “Art, 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-
estar e a justiça sociais.”
1» 14
Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de ou-
tubro de 1988.
213 «Art, 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder pú-
blico dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, deven-
90 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

soa física ou jurídica de direito privado, inclusive através de serviços assisten-


ciais e da participação da comunidade, conforme expressa o artigo 198.
Aliás, o artigo 199 da Constituição de 1988 faz expressa menção à partici-
pação de instituições privadas filantrópicas e sem fins lucrativos em ações de
assistência à saúde, in verbis:
“Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
$ 1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar
do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato
de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantró-
picas e as sem fins lucrativos.
$ 2º É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subven-
ções às instituições privadas com fins lucrativos.
$ 3º É vedada aparticipação direta ou indireta de empresas ou capitais
estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em
fer?
No mesmo sentido, na área da assistência social?” a possibilidade de par-
ticipação da iniciativa privada é imperativo constitucional, o que se observa pela
leitura do artigo 204 da Constituição Federal:
“Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão
realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no
art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes
diretrizes:
8)
I - participação da população, por meio de organizações representativas,
na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.”
Tem-se, até aqui, que o desenvolvimento do Terceiro Setor a partir da Cons-
tituição de 1988 tem motivo de ser. Efetivamente, os dispositivos constitucionais
que abrem margem à participação da iniciativa privada em ações de interesse
social têm larga evolução em 1988, legitimando a atuação destas instituições e
incentivando a participação da sociedade nas questões sociais.

do sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa físi-
ca ou jurídica de direito privado.”
“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hie-
rarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes dire-
trizes: (...) II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade.”
O artigo 203 estabelece o alcance da assistência social: “Art. 203. A assistência social será
prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social,
e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à
velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração
ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de defi-
ciência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário
mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família,
conforme dispuser a lei.”
LeanDrO MARINS DE SOUZA 91

Não é diferente quando se trata do direito à educação:


“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvoivimento da pessoa, seu preparo para o exercício da ci-
dadania e sua qualificação para o trabalho”
Fundamentada nos ditames de solidariedade e cidadania, a Constituição de
1988 invoca a colaboração da sociedade para a promoção da educação, inclusi-
ve prevendo formas de repasse de verbas a escolas particulares de natureza fi-
lantrópica e sem finalidade lucrativa, a exemplo do quanto é feito com as esco-
las públicas.?16
Semelhante regulamentação socorre matérias como a cultura, o desporto e
o meio ambiente, todos elevados à condição de direito constitucionalmente ga-
rantido e provido mediante a participação da sociedade.?””
E a Constituição de 1988 vai além, enfatizando a responsabilidade conjunta
do Estado e da sociedade na promoção de ações sociais para a infância, os ado-
lescentes e os idosos em seus artigos 227 e 230,7! confirmando sua vocação
social e a afirmação de que, realmente, abre bastante espaço para o desenvolvi-
mento das atividades que atualmente têm sido atribuídas ao Terceiro Setor.

216 “Art, 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigi-
dos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: I - com-
provem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;
II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou
confessional, ou ao poder público, no caso de encerramento de suas atividades.”
217 “Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às
fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifes-
tações culturais.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imate-
rial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à
ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem: (...) 8 1º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e pro-
tegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tom-
bamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. (...) 8 3º
A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores cultu-
rais.
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como
direito de cada um, observados: (...) $ 3º O poder público incentivará o lazer, como for-
ma de promoção social.
(2)
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...)
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização
pública para a preservação do meio ambiente.”
218 “Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e
garantindo-lhes o direito à vida.”
92 TriButaçÃo DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Inclusive, o artigo 227 da Constituição Federal de 1988,2!º ao atribuir ao


Estado, à família e à sociedade o dever de assegurar às crianças e adolescentes
o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionaliza-
ção, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, faz expressa menção à participação de entidades não governamen-
tais.
Por fim, além de a Constituição Federal de 1988 repetir o dispositivo que
já aparecia em Constituições anteriores, que representa a isenção religiosa do
Estado brasileiro e abre margem à colaboração de interesse público entre os en-
tes federativos e os cultos religiosos ou igrejas (artigo 19),2º é relevante o dis-
posto em seus artigos 150, VI, “c”, e 195, 8 7º, que diz respeito à instituição de
imunidades tributárias a entidades que figuram entre as participantes do Tercei-
ro Setor, in verbis:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte,
é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(ra)
VI - instituir impostos sobre:
Ka
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas
fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de
educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requi-
sitos da lei;
E
8 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem so-
mente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalida-
des essenciais das entidades nelas mencionadas.”

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de


forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenien-
tes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(.=)

219 «Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adoles-
cente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivên-
cia familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, dis-
criminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
$ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do ado-
lescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo aos se-
guintes preceitos.” =
20 «Art 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabe-
lecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou
manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada,
na forma da lei, a colaboração de interesse público.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 93

8 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades be-


neficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas
em lei.”
Esta, em largas passadas, é a história constitucional do Terceiro Setor no
Brasil, em análise de cunho meramente formal - ressalva feita para não nos afas-
tarmos da observação feita por Hesse sobre a lacuna existente entre a Constitui-
ção formal e a Constituição material.??!

21 Ver HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição, trad. Gilmar Ferreira Mendes,
Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris, 1991.
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ee si natação sd ipear-
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95

Capítulo 6 - Conceito de Terceiro Setor no Brasil,


juridicamente Considerado

Como já havia sido adiantado, a definição do Terceiro Setor a partir da


análise do ordenamento jurídico brasileiro é tarefa hercúlea. Somando-se ao sem
número de elementos teóricos que balizam os estudos doutrinários sobre o tema,
a própria legislação constitucional e infraconstitucional é heterogênea na defi-
nição do Terceiro Setor.
As denominações encontradas nos textos legais são as mais diversas, ape-
sar de muitas vezes estarem se referindo à mesma situação jurídica. Registra-se
a utilização de termos legislativos como associação, associação civil, serviço
social, estabelecimento particular de educação gratuita, instituição artística,
instituição científica, instituição de ensino, instituição fundada por associação
civil, instituto de iniciativa dos indivíduos, associação particular, associação
profissional, templo de qualquer culto, igreja, partido político, instituição de
educação, instituição de assistência social, serviço assistencial, instituição pri-
vada, entidade filantrópica, entidade sem fins lucrativos, organização represen-
tativa da população, escola comunitária, escola confessional, escola filantró-
pica, entidade sindical, sindicato, entidade beneficente de assistência social e,
por fim, entidade não governamental.
Até o presente momento, todos os dispositivos que pudessem fazer referên-
cia a atividades que figuram nos debates sobre o Terceiro Setor foram trazidos à
baila, exatamente com o intuito de se tentar traçar um conceito jurídico de Ter-
ceiro Setor através da linha conceitual extraída do ordenamento jurídico brasi-
leiro, notadamente por nossas Constituições.
É a partir deste conceito de Terceiro Setor juridicamente considerado -
objeto imediato do presente trabalho - que se terá condições de alcançar o obje-
to mediato a que se propõem as presentes páginas, qual seja a análise do regime
tributário do Terceiro Setor. Passemos ao conceito jurídico de Terceiro Setor.
O retorno à análise evolutiva dos dispositivos constitucionais que dão en-
sejo ao desenvolvimento do Terceiro Setor, acompanhada de resenha, é bastan-
te útil neste momento.
Como se viu, a Constituição de 1824 pouco agregou em nossa análise para
além de prever a garantia dos socorros públicos e da instrução primária gratui-
ta. Já em 1891 se consagra a liberdade de associação, ferramenta com a qual a
participação da iniciativa privada tem plenas condições de se desenvolver.
No entanto, é em 1934 que começa a se legitimar exatamente o âmbito de
atuação do que vem a ser chamado de Terceiro Setor, quando a Constituição,
sempre fulcrada no princípio da solidariedade humana, atribui responsabilida-
des a sindicatos e associações profissionais e, especialmente, legitima a partici-
pação da iniciativa privada em assuntos de responsabilidade precípua do Esta-
do, tais como o amparo aos desvalidos, o amparo à maternidade e à infância,
96 TriButAçÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

entre outras - prevendo a criação de serviços sociais -, bem como a educação,


sobretudo ao prever a “isenção” tributária dos estabelecimentos particulares de
educação primária ou profissional. É aí que se encontra a justificativa jurídica
para o desenvolvimento do Terceiro Setor, a confirmar o conceito que será for-
mulado a posteriori.
E continua a evolução constitucional dos dispositivos afetos ao Terceiro
Setor. Viu-se que em 1937 a Constituição atribuiu à iniciativa privada, particu-
lar ou coletiva, inclusive na forma de associações, o desenvolvimento das artes,
da ciência e do ensino, exigindo inclusive contribuição do Estado para este fim.
Também previa a responsabilidade do Estado em subsidiar as associações pri-
vadas de educação, bem como a responsabilidade das indústrias pela educação
de seus funcionários. E novamente invocando o princípio da solidariedade, exi-
ge que brasileiros em melhores condições subsidiem a educação de brasileiros
menos favorecidos financeiramente. Outra responsabilidade outorgada à inicia-
tiva privada pelo Estado na Constituição de 1937 foi a promoção de instrução
profissional e desenvolvimento físico dos jovens.
Em 1946 a Constituição retoma o benefício fiscal para a iniciativa privada
que participa das funções do Estado, desta feita abarcando as ações de educa-
ção e de assistência social, fundamentando expressamente a atribuição à inicia-
tiva privada da responsabilidade pela educação no princípio da solidariedade
humana.
E a consagração da atribuição de responsabilidades à iniciativa privada na
promoção dos direitos sociais se dá na Constituição de 1988, conforme já foi
visto à exaustão. É este percurso evolutivo que dá a nota do desenvolvimento do
Terceiro Setor, e que permite seja formulado conceito jurídico a respeito do tema.
E, a partir da Constituição de 1988, pode-se então chegar ao pretendido concei-
to de Terceiro Setor juridicamente considerado.
O Terceiro Setor é, no nosso sentir, de acordo com o percurso evolutivo dos
movimentos constitucionais brasileiros e, sobretudo, com a Constituição Fede-
ral de 1988, toda ação, sem intuito lucrativo, praticada por pessoa física ou jurí-
dica de natureza privada, como expressão da participação popular, que tenha por
finalidade a promoção de um direito social ou seus princípios.???
Em breves linhas, explicam-se os elementos que compõem o conceito ora
proposto.
Primeiramente, frise-se que o advento do Terceiro Setor, novo fenômeno
cujo estudo de forma isolada - e como novidade - se justifica exatamente por se
encontrar um matiz constitucional para seu desenvolvimento, é fruto de evolu-
ção da ideologia que permeia nosso constitucionalismo. Do absolutismo ao Es-

222 Paulo Modesto (Reforma do marco legal do Terceiro Setor no Brasil, in Mudança social
e reforma legal: estudos para uma nova legislação do Terceiro Setor, org. Joaquim Fal-
cão e Carlos Cuenca, Carlos, Brasília : Conselho da Comunidade Solidária : Unesco, 1999)
também formula conceito: “Pessoas privadas de fins públicos, sem finalidade lucrativa,
constituídas voluntariamente por particulares, auxiliares do Estado na persecução de ati-
vidades de conteúdo social relevante.”
LeanDrO MARINS DE SOUZA 97

tado social, passando pelo Estado liberal e pelo Estado providência, o campo de
inserção do Terceiro Setor foi sendo trilhado por nossas Constituições, à medi-
da que as funções do Estado se conformavam aos movimentos constitucionais
brasileiros.
E com a Constituição de 1988 o que houve foi a confirmação plena da as-
sunção, por parte do Estado brasileiro, da necessidade de participação da inicia-
tiva privada em campos de atuação anteriormente sob a guarda privativa do Es-
tado.
Sempre com fulcro nos objetivos fundamentais da República insculpidos
no artigo 3º da Constituição de 1988, quais sejam uma sociedade livre, justa e
solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desi-
gualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem qualquer tipo
de discriminação, bem como nos princípios da ordem econômica e social pre-
vistos em seu artigo 170 - i.e., liberdade de iniciativa, valorização do trabalho
humano, existência digna e justiça social -, passou-se a atribuir à iniciativa pri-
vada a co-responsabilidade nas atividades de provimento dos direitos sociais,
mas, ressalte-se, sem retirar do Estado a função precípua de provimento e fisca-
lização destas atividades.
Desenvolvem-se, nesta senda, as atividades privadas de provimento dos
direitos sociais, paralelamente à atuação estatal. É de se observar, contudo, que
a Constituição Federal de 1988 - assim como as anteriores - não exige que as
atividades de natureza social advindas da iniciativa privada sejam sem finalida-
de lucrativa. Ela abre espaço, sim, para que se desenvolvam atividades privadas
tanto com finalidades lucrativas quanto sem finalidades lucrativas para o provi-
mento dos direitos sociais em conjunto com a atuação estatal.
A possibilidade de desenvolvimento de atividades sociais com finalidade
lucrativa é a própria contrapartida do Estado em favor da iniciativa privada, diante
da atribuição de co-responsabilidade a que esta é submetida. Ou seja, com rela-
ção a estas atividades o só fato de se permitir o auferimento de lucro, somado
aos mecanismos de fiscalização necessariamente criados pelo Estado, já confir-
mam a indispensável contrapartida estatal oriunda da manutenção de sua função
precípua de provimento dos direitos sociais. A finalidade lucrativa para a ativi-
dade privada é o incentivo estatal para a promoção dos direitos sociais.
No entanto, ao possibilitar largamente o desenvolvimento de instituições
privadas sem fins lucrativos para a promoção dos direitos sociais em conjunto
com o Estado - o chamado Terceiro Setor -, a necessária contrapartida estatal não
é, por óbvio, o auferimento de lucro. Por conta da função social destas ativida-
des, a responsabilidade do Estado na promoção dos direitos sociais deve se con-
firmar através de subsídios, incentivos fiscais, repasse de verbas, etc., além, é
claro, do dever de fiscalização que lhe é ínsito. Mais uma vez está a se justificar
o estudo apartado do Terceiro Setor.

23 Sobre este assunto, veja-se capítulo 6.2.


98 TriBuTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

É de se ressaltar que a Constituição de 1988 em diversas oportunidades


invoca a participação da iniciativa privada despersonalizada na promoção dos
direitos sociais. Assim o é quando faz menção à participação da coletividade, da
sociedade e, mais especificamente quando trata da saúde de pessoas físicas. E
por conta disso que o conceito jurídico de Terceiro Setor, com base no ordena-
mento jurídico brasileiro, deve abranger a atuação de pessoas físicas.
Demonstrado o conjunto de dispositivos constitucionais que conformam e
legitimam a atuação do Terceiro Setor no Brasil hodiernamente, passa-se à aná-
lise de tópicos adjacentes de relevância para o tema.

6.1. Abrangência da Atuação do Terceiro Setor a partir de seu Conceito


Jurídico: Definição de Direitos Sociais
Para fins de que se esclareça a real abrangência do que pode ser considera-
do, de acordo com o ordenamento jurídico constitucional brasileiro, como Ter-
ceiro Setor, imprescindível que se defina o que vêm a ser os direitos sociais.
E já de início traz-se à colação conceito ímpar elaborado por José Afonso
da Silva, que assevera que
“os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do ho-
mem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou in-
diretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam
melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a rea-
lizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos
que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo
dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais
mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, pro-
porciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberda-
de?

O conceito deste ilustre constitucionalista serve de guia para o quanto se


pretende definir, sobretudo por sua didática.
Nos dá conta José Afonso da Silva de que os direitos sociais são dimensão
dos direitos fundamentais do homem, o que se ratifica pela simples análise da
disposição constitucional em que se encontra a enumeração dos direitos sociais
(artigos 6º a 11 da Constituição Federal de 1988), qual seja o Título II de nossa
Constituição denominado Dos Direitos e Garantias Fundamentais. É também
de se ressaltar o Título VIII da Constituição, que descreve os ditames da ordem
social, complementando o rol de prestações positivas enunciadas pela Consti-
tuição nesta seara ao traçar os enunciados aplicáveis à garantia dos direitos so-
ciais.
Outra característica invocada por José Afonso da Silva é a descentraliza-
ção da prestação positiva dos direitos sociais - que têm como finalidade a con-
cretização do direito à igualdade, em sua acepção real, e reflexamente a garan-

24 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 18? ed., São Paulo :
Malheiros, 2000, pp. 289-290.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 99

tia do direito à liberdade -, permitindo-se que seja proporcionada indiretamen-


te, ou seja, pela iniciativa privada.
Objetivamente, os direitos sociais são aqueles enumerados nos artigos 6º
a 11 da Constituição Federal, somados aos dispositivos de seu Título VIII, inti-
tulado Da Ordem Social, que regulamentam a aplicação dos direitos sociais. A
separação formal destes dispositivos é mera questão de técnica legislativa.” O
que se vê, na acepção de José Afonso da Silva, é que os direitos sociais inscul-
pidos nos artigos 6º a 11 da Constituição são conteúdo da ordem social estabe-
lecida no Título VIII da Constituição (artigos 193 a 232).26
Portanto, os artigos 6º a 11 da Constituição Federal são explícitos em defi-
nir Os direitos sociais por ela abarcados, quais sejam a educação, a saúde, o tra-
balho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à ma-
ternidade e à infância, a assistência aos desamparados. E quando o faz, reme-
te-se à regulamentação da própria Constituição para a completa definição dos
direitos sociais, ao dizer que assim o serão na forma desta Constituição.
Esta remissão é que aproxima o capítulo da ordem social à definição dos
direitos sociais. O artigo 6º da Constituição remete-se às definições de seu Tí-
tulo VIII para a completa delimitação dos direitos sociais previstos no ordena-
mento jurídico brasileiro. E no Título VIII a Constituição vai além da regulamen-
tação dos direitos sociais insculpidos no artigo 6º, estendendo o rol dos direitos
sociais através da inclusão dos tópicos cultura, desporto, ciência e tecnologia,
comunicação social, meio ambiente é índios.
São estes os tópicos, portanto, que entendemos figurarem no âmbito de
atuação do que pode ser considerado juridicamente como Terceiro Setor, sem es-
quecer que os princípios regentes dos direitos sociais também fazem parte des-
te rol.
É assim, portanto, que uma associação de natureza privada que se destine
à proteção da maternidade e da infância deve ser considerada como entidade do
Terceiro Setor (na qualidade de promotora de um direito social que é a prote-
ção à maternidade e à infância), a par de uma fundação que detenha concessão
para a exploração de rádio comunitária sem fins lucrativos (que desenvolve ativi-
dade propagadora de um direito social, qual seja a comunicação social). Da

25 José Afonso da Silva (op. cit., p. 288) entende que “cindindo-se a matéria, como se fez, o
constituinte não atendeu aos melhores critérios metodológicos, mas dá ao jurista a possi-
bilidade de extrair, daqui e de lá, aquilo que constitua o conteúdo dos direitos relativos a
cada um daqueles objetos sociais, deles tratando aqui, deixando para tratar, na ordem
social, de seus mecanismos e aspectos organizacionais”.
226 Nos dizeres do renomado mestre: “Mas não ocorre uma separação radical, como se os
direitos sociais não fossem algo ínsito na ordem social. O art. 6º mostra muito bem que
aqueles são conteúdo desta, quando diz que são direitos sociais a educação, a saúde, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à materni-
dade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Esta
forma é dada precisamente no título da ordem social.” (SILVA, José Afonso da. Op. cit.,
p. 288)
100 TriBUuTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

mesma forma, uma escolinha de futebol para crianças de uma comunidade ca-
rente, sem fins lucrativos, é participante do Terceiro Setor (por desenvolver um
direito social, que é o desporto), assim como o é um Instituto que se destine à
proteção da coruja marinha no Município de São Francisco do Sul-SC (pela pro-
moção de um direito social através da proteção ao meio ambiente). Da mesma
forma o voluntário que presta serviços de saúde junto a comunidades carentes,
haja vista a Constituição Federal de 1988 fazer expressa menção à participação
de pessoas físicas na promoção de direitos sociais, está enquadrado no conceito
de Terceiro Setor.
Por via reflexa, também, uma associação de combate à discriminação ra-
cial deve ser considerada participante do Terceiro Setor, por se vincular a prin-
cípios regentes da ordem social, o bem estar social e a justiça social.
É neste sentido que entendemos figurarem entre as instituições pertencen-
tes ao Terceiro Setor os sindicatos e associações profissionais, por se dedicarem
à promoção de um direito social que mereceu lugar de destaque na Constituição
Federal de 1988, por ser o único regulamentado através de dispositivos incluí-
dos no próprio capítulo dos direitos e garantias fundamentais, que é o direito
ao trabalho.
Por sua vez, também nesta esteira desconsideramos a participação das igre-
jas e templos de qualquer culto no rol de organizações consideradas participan-
tes do Terceiro Setor, por não se vincularem, em sua atividade religiosa, aos di-
reitos sociais constitucionalmente consagrados. É evidente que, prestando assis-
tência social, fará parte do Terceiro Setor.
Fica, assim, delimitado o objeto imediato de estudo do presente trabalho,
através do conceito de Terceiro Setor juridicamente considerado no tópico que
ora se encerra.

6.2. Atividade Substitutiva e Função Complementar do Terceiro Setor


Tópico que acalenta debates entre os teóricos do Terceiro Setor diz respei-
to à função de suas atividades frente às responsabilidades do Estado no provi-
mento das questões sociais.
A preocupação tem lugar em virtude de se entender que a responsabilida-
de do Estado por tais questões não pode ser delegada a particulares, sob pena de
se estar alterando a condição de direitos garantidos à sociedade pelo Estado para
favores concedidos pela iniciativa privada à sociedade.
Carlos Montafio, como já visto, é enfático em criticar esta suposta altera-
ção de paradigma, ao que chama de padrão emergente de intervenção social, o
que faz nos seguintes termos:
“Neste processo de constituição de um “terceiro setor” assumindo ativi-
dades sociais que eram prioritárias do Welfare State, a função social da
resposta às refrações da “questão social” deixa de ser, no projeto neoli-
beral, da responsabilidade privilegiada do Estado, e por meio deste do
conjunto da sociedade, e passa a ser agora de auto-responsabilidade dos
LEANDRO MARINS DE SOUZA 101

próprios sujeitos portadores de carecimentos, e da ação filantrópica, 'so-


lidária-voluntária”, de organizações e indivíduos. A resposta às necessi-
dades sociais deixa de ser uma responsabilidade de todos (na contribui-
ção compulsória do financiamento estatal, instrumento de tal resposta)
e um direito do cidadão, e passa agora, sob a égide neoliberal, a ser uma
opção do voluntário que ajuda o próximo, e um não-direito do portador
de carecimentos, o “cidadão-pobre” 277
No entanto, uma análise jurídica do desenvolvimento do Terceiro Setor,
com base na evolução dos dispositivos que dão ensejo a tanto no ordenamento
jurídico constitucional brasileiro, demonstra que tal sorte de conclusão não pode
ser considerada.
Isto porque o Estado não está abrindo mão de sua responsabilidade de pro-
ver a sociedade com os direitos sociais; a sua função de provedor permanece
intacta no ordenamento jurídico brasileiro. O que acontece é que o Estado insta
a sociedade, através do Terceiro Setor, a auxiliá-lo na promoção dos direitos
sociais, mediante atividades complementares e sob sua fiscalização.
O Terceiro Setor não tem a característica de substituir as funções atribuí-
das ao Estado, mas tão-só de complementá-las. Como bem observa Eduardo
Szazi, “não se trata de dividir responsabilidades, mas de exercer co-responsabi-
lidade”.228
Muito embora já tenhamos nos manifestado,” com base em Del Campo,”
no sentido de que as atividades das instituições do Terceiro Setor têm caráter
substitutivo às do Estado, e agora estarmos dizendo que o papel do Terceiro Se-
tor não é o de substituir as funções do Estado, entendemos que não está de todo
errado se falar em atividade substitutiva do Terceiro Setor.
Isto porque, efetivamente, se o Terceiro Setor se propõe a complementar a
atividade estatal e assume co-responsabilidade na promoção dos direitos sociais,
de certo modo suas atividades virão a substituir as do Estado na proporção de
sua participação.

27 MONTANO, Carlos. Op. cit., p. 240.


28 SZAZI, Eduardo. Op. cit., p. 23.
29 SOUZA, Leandro Marins de. Imunidade tributária: entidades de educação e assistência
social, Curitiba : Juruá, 2001, p. 94.
30 José Antonio Del Campo (La fiscalidad de las fundaciones y el mecenazgo, Valencia :
Tirant Lo Blanch, 2000, p. 74) utiliza esta expressão: “Es bien conocido que, histórica-
mente, la exención de impuestos a determinados estamentos sociales, como la nobleza o
el clero, fueron justificados en la retribución de su actividad. Encomendada a las mesna-
das de aquella la defensa del territorio y a éste la salvación de las almas, que se juzgaban
misiones básicas del Estado, la desviacíon de impuestos hacia los pecheros tenía un cier-
to carácter resarcitorio, pues se entendía como un exigencia de justicia conmutativa. Pues
bien. Siguiendo un razonamiento de esencia semejante, las modernas corrientes doctri-
nales justifican la especialidad del régimen tributario de las fundaciones en el valor sus-
titutivo de su actividad respecto de la imposibilidad pública de atender la creciente de-
manda de servicios de interés general.”
102 TriBuTAçÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

O que não nos parece correto é afirmar que há uma substituição nas res-
ponsabilidades, nas funções atribuídas no que tange à promoção dos direitos
sociais. A função de promover os direitos sociais e a responsabilidade por isso
é do Estado, e não se transfere por conta da participação do Terceiro Setor.?!
Tampouco no sistema de parcerias implementado pela legislação ordiná-
ria brasileira - que será sucintamente analisada em tópico posterior - ocorre a
suposta substituição das funções do Estado. O que há é a utilização por parte do
Estado, constitucionalmente autorizada, de meios para a promoção dos direitos
sociais; de qualquer forma o dever do Estado se mantém incólume.?*?

2! Está a se falar aqui da responsabilidade pelo provimento dos direitos sociais, o que dife-
re das responsabilidades civil e penal decorrentes de eventuais problemas na prestação dos
serviços.
12tw19
Simone de Castro Tavares Coelho (op. cit., p. 163) assevera: “Uma possível parceria não
significa necessariamente a transferência de funções do Estado para a sociedade civil.
Gonçalves reconhece que demos alguns passos no sentido de universalizar certos direi-
tos do cidadão na reforma constitucional de 1988, como é o caso da educação, por exem-
plo: o Estado deve garantir os meios para que todos tenham a acesso a ela. Só que esses
meios podem ser diversos e não obrigam o Estado a atuar diretamente no provimento de
tal serviço.”
103

Capítulo 7 - “Reforma do Marco Legal


do Terceiro Setor”

Vistas as características do Terceiro Setor em cotejo com nosso histórico


constitucional, e mais, traçado o conceito jurídico de Terceiro Setor com base
na linha constitucional permissiva do desenvolvimento das atividades por ele
desempenhadas, interessante que se fixe breve paralelo com a produção legisla-
tiva recente que se dirige especificamente para a matéria: a chamada Reforma
do Marco Legal do Terceiro Setor.
Com o advento da Constituição de 1988, por suas características voltadas
enfaticamente a questões sociais e, sobretudo, por seus dispositivos fomentado-
res da intervenção da iniciativa privada nestas questões sociais em colaboração
ao Estado, sem dúvida o desenvolvimento e o surgimento de entidades do Ter-
ceiro Setor vieram a reboque.
Não por coincidência, portanto, foram os anos 80 e 90 aqueles em que se
verificou a proliferação de entidades dos mais variados matizes voltados ao de-
sempenho de atividades sociais sem finalidades lucrativas. Desde instituições de
educação e de assistência social, passando por institutos culturais, entidades de
pesquisa científica e tecnológica, ONGs de proteção ao meio ambiente, funda-
ções de amparo à cultura indígena, uma série de organizações foram desabro-
chando e deixando a legislação regente das entidades do Terceiro Setor para trás.
Não se reconheciam, anteriormente, algumas destas atividades como legí-
timas à participação da iniciativa privada, por resquícios mesmo do Estado So-
cial. Ou, ainda, não se dava legitimidade jurídica constitucional a estas ativida-
des de modo a ser reconhecido seu papel de coadjuvante no patrocínio de ações
voltadas a garantir direitos sociais.
Com o desenrolar dos acontecimentos, percebe-se que o Terceiro Setor
começa a tomar corpo ea atropelar a legislação existente antes da promulgação
da Constituição de 1988, sendo imperativos os debates a seu respeito sob pena
de verdadeiro colapso no setor. Como falaremos mais adiante, a legislação vin-
culada às atividades do Terceiro Setor, como a que concede o título de utilidade
pública federal e o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social,
está ultrapassada para as características hodiernamente adotadas pelas novas
instituições. A necessidade de sua reforma é patente.
Forte nestas constatações, na esteira da visibilidade crescente das ativida-
des desempenhadas pelas entidades do Terceiro Setor sobretudo nos anos 90,
“resultado do trabalho de dezenas de organizações da sociedade civil, em par-
ceria com o Governo Federal e o Congresso Nacional, articulado pelo Conse-
lho da Comunidade Solidária”, iniciaram-se debates para a propositura de uma

233 FERRAREZI, Elisabete e REZENDE, Valéria. OSCIP - Organização da sociedade civil


de interesse público: a Lei nº 9.790/99 como alternativa para o Terceiro Setor, 2º ed.,
Brasília : Comunidade Solidária, 2002, p. 27.
Disponível em: <http://www.comunidadesolidaria.org.br> Acesso em 29 de janeiro de 2003.
104 TriButação DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor. Reforma, diga-se, indispensável à


manutenção das atividades do Terceiro Setor.
Foram editadas, neste contexto, a Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, e a
Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999. Esta última é conhecida como a Lei das
OSCIP anova lei do Terceiro Setor ou Regulamento do Terceiro Setor. Não obs-
tante ser marco legal deveras importante para o Terceiro Setor, a Lei das OSCIP
não ganha conotação de regulamento.
Foi um passo que deve ser engrandecido, não só por ter ocorrido em reco-
nhecimento ao já existente crescimento do Terceiro Setor, mas sobretudo por ter
a exata intenção de promover ainda mais este aumento.
“A Lei 9.790/99 - mais conhecida como “a nova lei do Terceiro Setor” -
representa apenas um passo, um primeiro e pequeno passo, na direção
da reforma do marco legal que regula as relações entre Estado e Socie-
dade Civil no Brasil. O sentido estratégico maior dessa reforma é o em-
poderamento das populações, para aumentar a sua possibilidade e a sua
capacidade de influir nas decisões públicas e de aduzir e alavancar no-
vos recursos ao processo de desenvolvimento do país. A Lei 9.790/99
visa, no geral, a estimular o crescimento do Terceiro Setor. (...) Para tanto,
faz-se necessário construir um novo arcabouço legal. (...) Evidentemen-
te ainda estamos longe de alcançar tal objetivo.”
Inicia-se, com esta nova legislação, nova etapa de discussões sobre o Ter-
ceiro Setor, já com ares de foro legitimado autonomamente para tanto. Não que
já se tenha consagrado este foro, mas o plantio da semente é evento sobrema-
neira importante para a futura colheita. Aliás, o foro de onde surgiram os deba-
tes para a propositura de Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor foi o Con-
selho da Comunidade Solidária, órgão que parece ter sofrido com a mudança de
governo.
De qualquer forma, o estopim para a consagração de uma necessária refor-
ma legislativa abrangente do Terceiro Setor foi aceso, mesmo diante das dificul-
dades consistentes em saber como esta reforma deve(ria) se proceder. Dúvida
legítima, expressada por Joaquim Falcão e Carlos Cuenca, participantes ativos
deste processo, nos seguintes termos:
“Identificamos três problemas básicos da reforma do marco legal. Primei-
ro, por onde começar a reformar? Mudando a Constituição? Revogando
portarias? Criando um Estatuto do Terceiro Setor? Ou propondo leis iso-
ladamente? O segundo problema diz respeito à possibilidade ou não de
as entidades se beneficiarem de isenções e incentivos fiscais. Devem os
atuais incentivos ser mantidos? Ampliados? Finalmente, o terceiro pro-
blema pergunta se a nova legislação deve privilegiar um determinado tipo
de entidade do Terceiro Setor, em detrimento dos demais. Escolher um
tipo de entidade como “modelo” para todo o setor. Por EsSmpÃo: deve

?* FRANCO, Augusto de. Prefácio à primeira edição: o que está por trás da nova lei do Ter-
ceiro Setor, in FERR AREZI, Elisabete e REZENDE, Valéria. Op. cit., p. 7.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 105

privilegiar as ONGs politicamente mobilizadoras, em detrimento das


Santas Casas de Misericórdia, de eventual caráter assistencialista?”23
Ao que se vê da Lei nº 9.790/99, a opção legislativa foi no sentido de, em
momento anterior e em lei isolada - sem a edição de um Estatuto -, sistematizar
distinção entre determinadas categorias de entidades pertencentes ao Terceiro
Setor, diferenciando-as para fins de obtenção do título de Organização da Socie-
dade Civil de Interesse Público - OSCIP.?% E assim o fez, a exemplo do que ocor-
re em leis de outros países,?”” com afinalidade de diferençar a justificativa para
a outorga de benefícios a umas e outras entidades.
À necessidade de efetivação desta Reforma do Marco Legal do Terceiro
Setor é flagrante, haja vista a obsolescência do regime jurídico brasileiro no que
tange à regulamentação das atividades destas entidades - especialmente no cam-
po tributário - em virtude de não ter acompanhado a própria evolução do Terceiro
Setor no Brasil, sobretudo a partir da Constituição de 1988.
Diga-se, aliás, que não é somente o Brasil que passa por este momento de
redefinição jurídica do papel do Terceiro Setor, ou ao menos pela necessidade
desta redefinição.
Juan Carlos Gallego García aponta a necessidade de reformulação do sis-
tema jurídico colombiano sobre o Terceiro Setor, especificamente falando do
campo tributário:
“Por la dispersión de legislación, la falta de una norma marco, y las con-
tinuas reformas tributarias, no es claro establecer las razones por las cua-
les se incentiva un determinado grupo de entidades sin ánimo de lucro.
En todas las exposiciones de motivos se indica la importancia de la cor-
respondiente entidad que se pretende beneficiar con alguna exención en
particular, pero no se hace un análisis global, definiendo las actividades
motivo de incentivo y permitiendo, de este modo, un beneficio que inte-
gre todos los tributos, tanto nacionales como locales. Debe existir un
principio que oriente el tema, un principio que no permita el capricho del
legislador?

235 FALCÃO, Joaquim e CUENCA, Carlos. Diretrizes para nova legislação do Terceiro Se-
tor, in Mudança social e reforma legal: estudos para uma nova legislação do Terceiro
Setor, coord. Joaquim Falcão e Carlos Cuenca, Brasília : Conselho da Comunidade Soli-
dária : Unesco, 1999, p. 13.
236 “A reforma social do marco legal do Terceiro Setor deve começar pela instalação de um
sistema classificatório que permita a distinção entre interesse público e interesse priva-
do, como fez a Lei das OSCIP.” (FRANCO, Augusto de. Prefácio à segunda edição: o que
está por trás da nova lei do Terceiro Setor, in FERRAREZI, Elisabete e REZENDE, Va-
léria. Op. cit., p. 16)
237 O Código Tributário norte-americano distingue as categorias de entidades sem fins lucra-
tivos em duas seções distintas, para fins de concessão de benefícios tributários.
238 GARCÍA, Juan Carlos Gallego. La tributación en Colombia de las entidades sin fines de
lucro, in II Coloquio Internacional de Derecho Tributario, Buenos Aires : La Ley, São
Paulo : IOB, 2001, p. 165.
106 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

O sistema jurídico italiano, por sua vez, é expresso em acolher o Terceiro


Setor e legitimá-lo como conceito jurídico participante da promoção de servi-
ços sociais. O termo Terceiro Setor foi expressamente incluído no ordenamento
jurídico italiano, mais especificamente em sua “Legge quadro per la realizzazio-
ne del sistema integrato di interventi e servizi sociali” É o que nos dá conta
Marcos Vaquer Caballería:
“A locução “terceiro setor" teve inclusive recente acolhida no ordenamen-
to positivo italiano, o artigo 5 da Legge quadro para a realização do sis-
tema integrado de intervenções e serviços sociais (Lei de 8 de novem-
bro de 2000, nº 328) se intitula precisamente “papel do terceiro setor”
(ruolo del terzo settore)”2322%
Este o regime jurídico instituído pela chamada Reforma do Marco Legal
do Terceiro Setor no Brasil, em cotejo com a vertente mundial de atualização da
legislação regente do Terceiro Setor, que bem demonstra a necessidade de ama-
durecimento dos debates e da produção legislativa nacionais.?*!

239 CABALLERÍA, Marcos Vaquer. Op. cit. p. 208, nota de rodapé nº 136. No original: “La
locución “tercer sector” tiene incluso reciente acogida en el ordenamiento positivo italia-
no, el artículo 5 de cuya Legge quadro para la realización del sistema integrado de inter-
venciones y servicios sociales (Ley de 8 de noviembre de 2000, nº 328) se intitula preci-
samente “papel del tercer setor (ruolo del terzo settore).”
240
A redação do artigo 5º da lei a que faz menção Caballería é a seguinte, a título de curiosi-
dade: “Articolo 5. (Ruolo del terzo settore). 1. Per favorire l'attuazione del principio di
sussidiarietà, gli enti locali, le regioni e lo Stato, nell"ambito delle risorse disponibili in
base ai piani di cui agli articoli 18 e 19, promuovono azioni per il sostegno e la qualifica-
zione dei soggetti operanti nel terzo settore anche attraverso politiche formative ed inter-
venti per l'accesso agevolato al credito ed ai fondi dellºUnione europea. 2. Ai fini
dell affidamento dei servizi previsti dalla presente legge, gli enti pubblici, fermo restan-
do quanto stabilito dall'articolo 11, promuovono azioni per favorire la trasparenza e la
semplificazione amministrativa nonché il ricorso a forme di aggiudicazione o negoziali
che consentano ai soggetti operanti nel terzo settore la piena espressione della propria
progettualitã, avvalendosi di analisi e di verifiche che tengano conto della qualitã e delle
caratteristiche delle prestazioni offerte e della qualificazione del personale. 3. Le regio-
ni, secondo quanto previsto dall"articolo 3, comma 4, e sulla base di un atto di indirizzo
e coordinamento del Governo, ai sensi dell"articolo 8 della legge 15 marzo 1997, nº 59,
da emanare entro centoventi giorni dalla data di entrata in vigore della presente legge, con
le modalitã previste dallarticolo 8, comma 2, della presente legge, adottano specifici in-
dirizzi per regolamentare i rapporti tra enti locali e terzo settore, con particolare riferimen-
to ai sistemi di affidamento dei servizi alla persona. 4. Le regioni disciplinano altresi, sulla
base dei principi della presente legge e degli indirizzi assunti con le modalitã previste al
comma 3, le modalitã per valorizzare 1apporto del volontariato nell'erogazione dei ser-
vizi.”
Disponível em: http://www.comune.roma.it/accacomune/Progetti/LeggeQuadro asp.
Acesso em 15 de agosto de 2003.
2! Para um histórico da legislação americana do Terceiro Setor: BREMMER, Robert H.
American Philantropy, in FISHMAN, James J. e SCHWARZ, Stephen. Nonprofit orga-
nizations, 2º ed., New York : Foundation Press, 2000, pp. 28-37.
107

Capítulo 8 - Formas Jurídicas que podem assumir


as Organizações do Terceiro Setor

O Terceiro Setor, conforme conceito antes formulado, é compreendido de


ações tanto de pessoas jurídicas quanto de pessoas físicas. Em ambas as hipóte-
ses, sua atuação deve ser complementar a determinadas atividades do Estado e
sem finalidades lucrativas. O conceito de ausência de finalidade lucrativa para
as pessoas jurídicas, como será visto com mais vagar adiante, relaciona-se com
a impossibilidade de ser distribuído eventual resultado positivo para os seus ins-
tituidores. No caso da pessoa física, a ausência de finalidade lucrativa consiste
na promoção graciosa, voluntária, não remunerada das atividades em referência.
O presente tópico se volta especificamente a traçar o regime jurídico das
pessoas jurídicas que compõem o Terceiro Setor, para o que nos apropriamos das
palavras de Joaquim Falcão e Carlos Cuenca ao dizerem que
“juridicamente, entidades privadas sem fins lucrativos podem assumir
duas formas distintas: a de sociedade civil sem fins lucrativos, também
denominada associação civil, ou a de fundação. A existência dessas duas
formas não é casual. Correspondem a duas manifestações típicas do cha-
mado “espírito comunitário”, razão de ser do Terceiro Setor: o associar e
o dar”?
Agregamos a esta assertiva, no entanto, na esteira do quanto expusemos nos
tópicos anteriores, o fato de os sindicatos fazerem parte do Terceiro Setor mas
se revestirem da personalidade jurídica de associações, motivo pelo qual trata-
remos, neste momento, do regime jurídico das fundações privadas e das associa-
ções civis (aqui incluindo os sindicatos), que são as formas jurídicas que podem
assumir as organizações do Terceiro Setor. Também a nova forma jurídica das
cooperativas sociais, criadas pela Lei nº 9.867, de 10 de novembro de 1999, por
sua configuração será tratada como entidade enquadrada nas características do
Terceiro Setor.

8.1. Fundações Privadas


As fundações privadas, “modalidade multimilenar e sui generis de socie-
dades civis”? cuja origem remonta aos idos do Império Romano - sem se es-
quecer da influência grega? -, são organizações dotadas de personalidade jurí-

2 FALCÃO, Joaquim e CUENCA, Carlos. Diretrizes para nova legislação do Terceiro Se-
tor, in Mudança social e reforma legal: estudos para uma legislação do Terceiro Setor;
coord. Joaquim Falcão e Carlos Cuenca, Brasília : Conselho da Comunidade Solidária :
Unesco, 1999, p. 47.
23 MARINS, James. Fundações privadas e imunidade tributária, in Revista Dialética de Di-
reito Tributário, nº 28, janeiro de 1998, p. 20.
24 Sobre a evolução histórica das fundações consulte-se Gustavo Saad Diniz (Direito das
fundações privadas, Porto Alegre : Síntese, 2000, pp. 27 e ss.), para quem: “Pode-se ex-
108 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

dica legalmente instituída, cujo patrimônio é afetado para uma finalidade espe-
cífica.
O histórico de nascimento das fundações privadas no Brasil remonta ao
período colonial, então chamadas de instituição ou estabelecimento particular
de utilidade pública, já com sua configuração jurídica relativa à dotação de per-
sonalidade jurídica - tema bastante controverso à época, encontrando bastantes
dissidências e dificuldades de apreensão - bastante estruturada nos moldes que
até hoje subsistem.
A par de sua configuração jurídica, até o advento do Código Civil de 1916
também a legislação regulamentadora das fundações privadas se encontrava sem
maiores evoluções. A bem da verdade, sobretudo em virtude de à época não se
ter dado a codificação do Direito, a disciplina das fundações privadas era trata-
da de forma esparsa e escassa, resumindo-se a alguns dispositivos nas Ordena-
ções.
Somente em 1903, através da promulgação da Lei nº 173 no governo de
Rodrigues Alves, é que se deu efetivamente a regulamentação das fundações
privadas, consolidando sua existência e sua personalidade jurídica.
Foi então que em 1916, através do Código Civil de autoria de Clovis Bevi-
láqua, confirmou-se e reconheceu-se definitivamente a personalidade jurídica de
direito privado às fundações, em texto claro e coeso.
O regime jurídico das fundações previsto no Código Civil de 1916 se en-
contrava basicamente expresso nos artigos 24 e seguintes, que requeria para sua
criação: a) uma pessoa que a institua mediante escritura pública ou testamento;
b) bens livres destinados a esta organização; c) a especificação de uma finalida-
de para a dotação dos bens eainstituição da fundação; d) uma pessoa nomeada
para a aplicação do patrimônio.
A partir da instituição deste importante instrumento de regulamentação das
fundações o seu surgimento foi crescente, e sua utilização mostra-se cada dia
mais difundida, sobretudo em face da impossibilidade de o Estado prover os ci-
dadãos com todas as necessidades básicas que lhes são inerentes.

plicar a ratio da origem das universitas bonorum pelas incessantes atitudes do homem
movidas pela virtude da solidariedade e difusão de um pensamento. Com efeito, desde os
primórdios da história da humanidade, registram-se atitude dos homens que, movidos pelo
amor às artes e à sabedoria ou o singelo amor ao próximo, legavam bens para alguma fi-
nalidade cultural ou filantrópica. A sociedade grega já revelava essa vocação. Exemplo
notável de instituição precursora da fundação foi, no mundo antigo, a escola que Platão
fundou nos jardins de Academos, a Academia. Não era esta, propriamente, uma institui-
ção de ensino, mas uma espécie de sociedade científica e religiosa consagrada às musas
e à filosofia. Contudo, é difícil afirmar que as Polis gregas possuíam semelhante atitude
gregária e de vocação fundacional. (...) O contrário ocorreu com o Império de Roma, que
divide o surgimento das fundações em dois períodos: a) o direito romano clássico, b) in-
fluência da Igreja, com desenvolvimento das sodalitia.” Veja-se também a obra de Raúl
Aníbal Etcheverry (Derecho comercial y económico: formas jurídicas de la organización
de la empresa, 1º reimpressão, Buenos Aires : Astrea, 1995, pp. 73 e ss.), que traça breve
histórico das fundações mais antigas e mais importantes em todo o mundo.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 109

Em 10 de janeiro de 2002, no entanto, foi aprovado novo Código Civil bra-


sileiro, através da Lei nº 10.406, que procedeu a algumas alterações no regime
jurídico das fundações, que passaram a ser reguladas pelos artigos 62 e seguin-
tes do Código Civil. No entanto, o regime geral anteriormente previsto perma-
nece o mesmo, com algumas alterações que serão comentadas adiante.
Vale agora frisar que fundação privada é pessoa jurídica a que se afeta de-
terminado patrimônio para uma finalidade específica determinada por seu insti-
tuidor.?4
Mais importante do que a conceituação, que no mais das vezes estanca o
conteúdo de seu objeto, é a delimitação do que venha a ser a fundação com base
em seu conteúdo, nos elementos de sua configuração jurídica. Insta, para tanto,
saber quais são estes elementos conformadores da personalidade jurídica plena
da fundação, o que se extrai do próprio texto do nosso Código Civil vigente e
com suporte na doutrina de Gustavo Saad Diniz,?* quais sejam, o patrimônio, a
finalidade e o vínculo (afetação pela vontade do instituidor).
O primeiro dos elementos ínsitos à existência de uma fundação, não por
ordem de importância mas para fins de análise meramente didática, é o patrimô-
nio.”*” Não há qualquer dúvida, no direito brasileiro, de que a dotação de patri-
mônio é elemento nuclear para a instituição de uma fundação, como bem obser-
va José Eduardo Sabo Paes existindo parcela de doutrina estrangeira que defen-
de a prescindibilidade da dotação.”
O motivo para a unanimidade da doutrina nacional é a letra do próprio ar-
tigo 24 do Código Civil de 1916, mantido pelo Código Civil de 2002 (artigo 62),
que determina expressamente que o instituidor fará, “por escritura pública ou
testamento, dotação especial de bens livres”. Não há outra interpretação que

2s Para Vicente Ráo (O Direito e a vida dos Direitos, 2º vol., 3º ed., São Paulo : RT, 1991,
p. 695, apud DINIZ, Gustavo Saad. Direito das fundações privadas, Porto Alegre : Sín-
tese, 2000, p. 57), as fundações são “fins de bem comum baseados na propriedade, ou
patrimônios afetados a fins de bem comum e dotados de subjetividade de direito”. Gus-
tavo Saad Diniz (op. cit., p. 59), por sua vez, entende que “fundação privada é organiza-
ção com patrimônio afetado por uma finalidade específica determinada pelo instituidor,
com personalidade jurídica atribuída pela lei”. Apesar de as discordâncias sobre o con-
ceito de fundação não serem muitas, veja-se, no entanto, que José Cretella Júnior (Fun-
dações públicas, Rio de Janeiro : Forense, 1976, p. 13) e Clovis Beviláqua (Código Civil
dos Estados Unidos do Brasil, vol. 1, 4º ed., Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1931, p.
233) atribuem ao patrimônio que é dotado em favor da fundação nota de personalização,
destoando dos outros doutrinadores neste aspecto.
246 DINIZ, Gustavo Saad. Op. cit., p. 59.
247 q Sobre a importância do patrimônio no negócio fundacional, Raúl Aníbal Etcheverry (op.
cit., p. 72) assim se manifesta: “La base de la fundación como persona jurídica, entonces,
es la existencia de un patrimonio, del que se desprende su propietario con fines altruis-
tas.”
us PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídi-
cos, administrativos, contábeis e tributários, Brasília : Brasília Jurídica, 1999, p. 163. O
autor aponta como exemplo o $ 82 do BGB alemão, que não exige a dotação patrimonial
como condição expressa da constituição de fundação.
110 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

permita discordâncias doutrinárias, e o motivo pelo qual parcela da doutrina es-


trangeira admite a inexistência de dotação é exatamente a omissão de sua legis-
lação específica.
Fixada, portanto, a premissa de que o patrimônio faz parte do conteúdo
essencial da fundação, resta saber o conteúdo desta premissa. Os dispositivos do
Código Civil de 2002 que regulam as fundações (artigos 62 e seguintes), a exem-
plo dos dispositivos do Código Civil anterior (artigos 24 e seguintes), não tra-
çam a delimitação do que seja patrimônio, ou de bens mais especificamente, li-
mitando-se a exigir que o objeto da dotação sejam bens livres.
Por esse motivo, remetemo-nos à análise dos artigos 79 e seguintes do
Código Civil vigente, que regulamentam todo o regime jurídico dos bens.” Sem
maiores tergiversações quanto a este tópico, sobretudo por se tratar de tema já
bastante debatido e sobre o qual ainda pairam discussões que estão além da pro-
posta do presente trabalho, calha a ressalva de que o que interessa efetivamente
é a possibilidade de valoração econômica para autorizar a dotação.”º Mais im-
portante neste momento é fixar os contornos da exigência que surge a reboque
da dotação de bens para a instituição da fundação: que os mesmos sejam livres.
Não podem os bens objeto de dotação no ato da instituição da fundação,
por disposição legal constante do artigo 62 do Código Civil de 1916,%! estar
gravados com quaisquer encargos que venham a ameaçar a sua destinação fun-
dacional. A finalidade deste dispositivo, sem sombra de dúvida, é a proteção à
finalidade da instituição da fundação, requisito nodal que será analisado poste-
riormente e que seria ameaçado se os bens destinados à fundação apresentassem
gravames.
Inadmissível, por via de consegiiência e a título de exemplo, que o bem
destinado à dotação fundacional seja imóvel objeto de penhora ou hipoteca que
o grave.
Outro requisito constante do Código Civil que se relaciona com o patrimô-
nio objeto da dotação, e tão importante quanto sua desoneração, é a sua sufi-

2º José Eduardo Sabo Paes (op. cit., pp. 164-165), a título de ilustração para o presente tra-
balho, esclarece a este respeito com base no Código anterior: “Bens, consoante o estabe-
lecido nos arts. 43 e ss. do CC, podem ser definidos como coisas que, por serem úteis e
raras, são suscetíveis de apropriação e contêm valor econômico e podem ser classifica-
dos ou agrupados por elementos comuns que contêm, sendo a classificação mais usual
aquela que separa os bens em móveis e imóveis e que comumente são apresentados como
integrantes da dotação inicial do patrimônio de uma fundação. Como bens imóveis: ter-
renos, casas, prédios, salas; e como bens móveis: equipamentos, automóveis, direitos,
ações, cotas, sendo quase sempre acompanhados de aportações em moeda corrente.”
Também interessante a ressalva de Gustavo Saad Diniz (op. cit., p. 61), que critica o arti-
go 24 do Código Civil de 1916, consegiientemente o artigo 62 do Código Civil de 2002,
e sugere que o dispositivo seja interpretado, no lugar de bens livres, relações jurídicas
patrimoniais livres de ônus e encargos. é
21 O artigo 24 do Código Civil de 1916 estabelecia: “Art. 24. Para criar uma fundação, far-
lhe-á o seu instituidor, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens li-
vres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de adminis-
trá-lo.”
LeanDRO MARINS DE SOUZA 111

ciência. Deve ser, portanto, a dotação patrimonial inicial do instituidor da fun-


dação suficiente para a sua mantença. Dispõe expressamente a este respeito o
artigo 63 do Código Civil de 2002 (e seu co-irmão, o artigo 25 do Código Civil
de 1916) que “quando insuficientes para constituir a fundação, os bens a ela
destinados serão, se de outro modo não dispuser o instituidor, incorporados em
outra fundação que se proponha a fim igual ou semelhante”.
A dificuldade está em se saber o que - ou quanto, melhor dizendo - seria
suficiente a autorizar a instituição da fundação, haja vista que o ordenamento
Jurídico pátrio não regulamenta os requisitos para tal sorte de verificação.
Sabe-se, tão-somente, que o responsável pela verificação da suficiência do
patrimônio dotado, por força da conjugação do antes citado artigo 63 do Códi-
go Civil de 2002 com o artigo 1.200 do Código de Processo Civil”? este de
maneira expressa, é o Ministério Público.
Mais do que isso não se sabe, existindo lacuna legislativa para a determi-
nação do montante patrimonial considerado suficiente no ato de dotação quan-
do da instituição de fundação.
A doutrina tem tentado formular critérios para a aferição da suficiência dos
bens dotados, mas sem qualquer referência legislativa prescindem de legitimi-
dade. Gustavo Saad Diniz entende que para serem considerados suficientes
“basta que os bens permitam o início das atividades e que tenham poten-
cial para continuá-las e incrementá-las ao largo do tempo e de um exer-
cício administrativo de qualidade, que faça alcançar, ao final, aquilo que
realmente era pretendido em termos de abrangência do beneficiado”.
Veja-se que a proposta é carecedora de critérios objetivos e de elementos
que permitam a avaliação necessária. Ademais, incide em exercício de futurolo-
gia que se afasta da necessária segurança que deve permear a instituição das fun-
dações, ao pretender que o órgão do Ministério Público incumbido da fiscaliza-
ção do critério da suficiência imagine a abrangência futura pretendida pela sim-
ples análise do Estatuto, o que se mostra por demais frágil e incorre no mesmo
erro do próprio diploma legal que exige tal requisito.
Também José Eduardo Sabo Paes apresenta proposta com relação a este
critério, entendendo
“que o parâmetro deve ser o valor necessário a propiciar que a fundação
recém instituída possa cumprir com suas finalidades durante, pelo me-
nos, os primeiros anos de sua existência, inclusive vindo a gerar receitas
que permitam a continuidade de suas atividades fundacionais”.?*

Código de Processo Civil - “Art. 1.200. O interessado submeterá o estatuto ao órgão do


19A 9

Ministério Público, que verificará se foram observadas as bases da fundação e se os bens


são suficientes ao fim a que ela se destina.”
3 DINIZ, Gustavo Saad. Op. cit., p. 63.
24 PAES, José Eduardo Soares. Op. cit., p. 167. O autor citado ainda complementa, dizendo
que cumprir com as finalidades significa efetivar os fins estatutários, e que a praxe do Dis-
trito Federal tem mostrado que um valor mínimo aproximado para a instituição de uma
112 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Incorre no mesmo vício o ilustre autor, não logrando êxito em fixar crité-
rio objetivo para a aferição da suficiência do patrimônio.
Mas não há demérito algum em não se conseguir definir critério suficien-
temente objetivo para esta aferição, haja vista a falta de elementos para tanto. A
uma porque a legislação brasileira não dá qualquer suporte que possibilite tal
sorte de fixação de premissas. A duas porque a doutrina, além de muito pouco
profusa, efetivamente não alcançou se desenvolver de maneira suficiente neste
aspecto.
Diante disso, a nosso ver os elementos de que dispomos não permitem a
criação de critério objetivo para a aferição deste requisito para a constituição de
fundação, efetivamente não tendo condições de ser alcançado. Verdadeiramen-
te, a observância a este requisito deve ser pautada por critério subjetivo, que é o
único legalmente instituído, qual seja o da fiscalização pelo Ministério Público
através de seus próprios critérios.
Traçadas estas breves considerações que lindam o primeiro elemento no-
dal da configuração jurídica das fundações, qual seja o patrimônio, resta-nos
analisar os outros dois elementos anteriormente apontados. Iniciaremos pela
análise da finalidade da fundação para, a posteriori, tratar do vínculo entre o
patrimônio ea finalidade, que é o terceiro elemento a finalizar a tríade apresen-
tada.
A finalidade é elemento legalmente previsto como formador da personali-
dade jurídica das fundações. Estas nascem com finalidade específica pré-conce-
bida por seu instituidor, a completar a amálgama de personalização com a dota-
ção de patrimônio livre de ônus para alcançar estes fins determinados.
Não é demais transcrever novamente o artigo 62 do Código Civil de 2002,
que estabelece que para criar uma fundação, o instituidor fará especificando o
fim a que se destina. Nosso ordenamento jurídico, portanto, expressamente pre-
vê a finalidade como requisito indispensável à criação da fundação.
Mas esta finalidade estabelecida pelo instituidor da fundação deve apresen-
tar determinadas características para que seja dotada de legitimidade, que no
entendimento de Gustavo Saad Diniz? seriam a sua possibilidade, sua licitude,
sua determinabilidade e sua inalterabilidade. A finalidade da instituição da fun-
dação não alcançará legitimidade neste contexto caso não observe qualquer des-
tas características.
A primeira delas é a possibilidade da finalidade, que diz respeito à verifi-
cação da viabilidade material de sua realização, não se admitindo a criação utó-
pica de fundações, ou melhor, a criação de fundações cuja finalidade seja mate-
rialmente utópica. A razão de ser desta exigência, a nosso ver, guarda relação
com a própria natureza social de que está imbuída a fundação. Ora, se a finali-
ve

fundação seria em torno de R$ 50.000,00 (cingiienta mil reais), ressalvando a inexistên-


cia de critério para esta aferição, sobretudo sem considerar as peculiaridades de cada fun-
dação.
255 DINIZ, Gustavo Saad. Op. cit., p. 64.
LeanDrO MARINS DE SOUZA 113

dade da instituição da fundação representa, por via transversa, a finalidade bus-


cada pela própria sociedade,? não é de bom alvitre que se admita fundação que
materialmente não tenha condições de alcançar sua finalidade, até sob pena de
se estar impedindo arealização de sua função.”
Outra condição para que a finalidade se revista de seu conteúdo integral é
a sua licitude, ou seja, é imprescindível que a finalidade escolhida pelo institui-
dor da fundação esteja em consonância com o ordenamento jurídico pátrio, que
se confunde, verdadeiramente, com o requisito da possibilidade jurídica da fi-
nalidade.?*
Sendo possível e lícita a finalidade atribuída à fundação pelo instituidor, da
mesma forma deverá ser determinável. Não é à toa que o artigo 62 do Código
Civil vigente expressa a necessidade de que o instituidor crie a fundação espe-
cificando o fim a que se destina. Por determinação legal a finalidade deve ser
específica, não se permitindo a atribuição de maneira genérica justamente para
assegurar a certeza da atuação da fundação, bem como a supremacia da vontade
do instituidor. Caso contrário, a possibilidade de desvio de finalidade estaria
sendo acobertada sob o manto de finalidades genéricas, passíveis de interpreta-
ções que, desviando a finalidade da fundação, desviariam sua própria função.
Não obstante, foram agregados a este dispositivo - novo artigo 62 do Có-
digo Civil - requisitos imanentes ao elemento finalidade no ato da instituição da
fundação privada, através da inserção de parágrafo único que dispõe exatamen-
te nos seguintes termos: “Parágrafo único. A fundação somente poderá consti-
tuir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência” Também se co-
necta com o elemento vínculo anteriormente descrito, exatamente pelo fato de
limitar a vontade do instituidor da fundação a estas quatro categorias expressas
no novo dispositivo.
Não havia, em qualquer dispositivo legal anterior ao novo Código Civil,
qualquer limitação na atuação da fundação privada no tocante à sua finalidade.

256 Ratificando esta consideração encontra-se o escólio de José Eduardo Sabo Paes (op. cit.,
p. 179) ao asseverar que “a vontade dos instituidores deverá sempre estar ligada a um
interesse geral, vez que os destinatários dos benefícios que uma fundação pode prestar são,
de uma maneira geral, a própria sociedade ou comunidade em que ela se insere”.
257 Gustavo Saad Diniz (op. cit., p. 65) dá bons exemplos de (im)possibilidade na institui-
ção de fundações: “Assim, será inadmissível a criação de uma fundação cujas finalida-
des excedam os limites do possível, por exemplo, no caso de dispor o estatuto que o fim
é a complementação pecuniária da renda de todas as famílias brasileiras com renda infe-
rior a 2 salários mínimos (impossibilidade econômica) ou que a entidade promoverá a
cultura para alterar a língua portuguesa como língua oficial, alterando-a para essa ou aque-
la língua (impossibilidade material e jurídica).”
258 No exemplo anteriormente citado, extraído da doutrina de Gustavo Saad Diniz, veja-se
que a impossibilidade jurídica da fundação destinada à alteração da língua portuguesa
reveste da característica de ilicitude. Outros exemplos dados pelo mesmo autor (op. cit.,
p. 66) são a criação de fundação com a finalidade manutenção de prostíbulo, e a criação
de fundação com a finalidade de prestar assistência jurídica gratuita sem anuência da
Ordem dos Advogados do Brasil.
114 TriButação DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Em lugar algum se encontrava limitação que impusesse à fundação privada a


necessidade de que assim se constituísse.
Gustavo Saad Diniz, diante desta constatação, chega a considerar que
“o art. 24 do CC nacional [o de 1916] não prescreve qualquer especifi-
cação de necessidade de fins sociais. Ora, já que tratamos no campo pri-
vado, a ausência de proibição traz a faculdade, qualificada pela licitude,
possibilidade, determinabilidade e inalterabilidade. Portanto, permite-se
a existência de uma fundação que atenda finalidades particulares”?
No entanto, as fundações privadas têm em sua origem caráter arraigado,
eminentemente, da filantropia e do assistencialismo. Muito embora a legislação
não tenha se pronunciado quanto à necessidade desta finalidade social das fun-
dações privadas, todo o histórico que acompanha este instituto levou à criação
doutrinária desta necessidade antes mesmo de se configurar expressamente no
novo Código Civil.2º
Na verdade, portanto, a inserção deste dispositivo no novo Código Civil
vem a consagrar entendimento doutrinário assente, qual seja o de que a finali-
dade da fundação privada só pode ser revestida de objetivos sociais, expressa-
mente, a partir de agora, aqueles relacionados a assuntos religiosos, morais,
culturais ou de assistência. Mas vale a ressalva de que no regime anterior a la-
cuna existia, justificando-se a exigência de finalidade social como requisito para
a instituição de fundação privada apenas por seu conteúdo histórico e por cons-
trução doutrinária, não por determinação legal, a possibilitar interpretação no
sentido de que no caso de fundação privada que não apresente conteúdo social,
não há repercussão na sua legitimidade, senão, talvez somente, na esfera tribu-

2º DINIZ, Gustavo Saad. Op. cit. p. 92.


29 Veja-se, somente a título de exemplo, a conceituação trazida por José Eduardo Sabo Paes
(op. cit., p. 33), em que consta o elemento finalidade social: “A fundação consiste em um
complexo de bens destinados à consecução de fins sociais e determinados e, como uni-
versitates bonorum, ostentam papel valoroso e de extremo relevo dentro das sociedades
em que se inserem, pois são instrumentos efetivos para que os homens prestem serviços
sociais e de utilidade pública diretamente a todos aqueles que necessitam, bem como
possam transmitir às sucessivas gerações seus ideais e convicções, e seguir atuando.” Note-
se, no entanto, que esta análise de José Eduardo Sabo Paes é feita antes do Novo Código
Civil, não havendo motivos legais, senão doutrinários, para incluir no conceito de funda-
ção privada o elemento finalidade social. Ressalve-se que se está a tratar de fundações
privadas. Ainda sobre a questão, vejamos novamente as constatações de Gustavo Saad
Diniz (op. cit., p. 92), agora comentando a doutrina acerca do assunto: “Eduardo Espíno-
la, respaldado em Chironi e Abelo, afirma que o interesse será sempre geral ou público,
porquanto seja “uma doação feita ao povo ou à parte do povo e, assim, tem sempre em
vista o interesse geral”. Também com essa orientação para as finalidades públicas se po-
siciona o processualista Emane Fidelis dos Santos. Entretanto, os renômados juristas, não
obstante o respeito merecido, deixaram de apresentar interpretação sistemática do direito
civil para chegar à admissão de finalidades particularizantes. Talvez estivessem demovi-
dos pela real ratio dos entes fundacionais, o que os tenha feito repudiar, à evidência, qual-
quer possibilidade de fundação voltada a fins particulares.”
LeanDRO MARINS DE SOUZA 115

tária - afastando-se a possibilidade de fruição de imunidade tributária, por exem-


plo.
No entanto, a nosso ver com razão, esta alteração tem dado azo a críticas,
haja vista restringir a possibilidade de criação de fundações e afastar, consequen-
te e injustificadamente, finalidades de tanta importância social quanto aquelas
prestigiadas pela nova redação. É o caso de fundações educacionais e científi-
cas, por exemplo, que não deveriam estar de fora do rol criado pelo novo Códi-
go Civil.?!
Não raras vezes a finalidade específica da destinação do patrimônio livre
para a instituição de uma fundação se reveste de fins educacionais, por exem-
plo.?2 Verdadeiramente, as fundações privadas “estão, via de regra, voltadas para
finalidades altruísticas de variados matizes, abertas ou fechadas, de benemerên-
cia e caridade, ora culturais, científicas, educacionais, confessionais, artísticas
ou desportivas”,2 donde se observa a implicação da alteração proposta pelo novo
Código Civil.
Por último, condição inafastável a dotar a finalidade da instituição da fun-
dação de foros de legitimidade é a sua inalterabilidade. Preserva-se aqui, de igual
forma, o princípio da vontade do instituidor, que deve ser levada às últimas con-
segiências. Tanto é verdade que no caso de o desvio de finalidade, esta sendo
considerada ilícita, nos termos do artigo 69 do Código Civil, poderá dar azo à
extinção da fundação e à transferência de seu patrimônio a outra fundação, exa-
tamente por ser considerada a finalidade especificada pelo instituidor, desde que
possível e lícita, verdadeira cláusula pétrea?“ fundacional.
A alteração da finalidade da fundação está expressamente proibida pelo
artigo 67 do Código Civil de 2002, quando, ao tratar da alteração do seu Estatu-
to, autoriza somente os casos em que não contrariem - ou desvirtuem, confor-
me a nova redação dada pelo novo Código Civil - o fim desta.
Este é, em largas passadas, o regime outorgado às fundações privadas em
nosso ordenamento jurídico.

281 A título de ilustração, é de serem vistos dois Enunciados aprovados pelo Centro de Estu-
dos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em jornada realizada em setembro de
2002: Enunciado 9 - “O art. 62, parágrafo único, deve ser interpretado de modo a excluir
apenas as fundações de fins lucrativos”; Enunciado 8 - “A constituição de fundação para
fins científicos, educacionais ou de promoção do meio ambiente está compreendida no
Código Civil, art. 62, parágrafo único.”
+a9
Segundo estatísticas do Gife - Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (vide obra ci-
tada de Gustavo Saad Diniz, p. 41 - fonte: Ação e Cidadania. Publicação do Gife - ano 1,
nº 1, agosto/setembro 1996), suas entidades filiadas têm participado ativamente das ati-
vidades do Terceiro Setor (estatísticas não exclusivamente de fundações), como se vê:
Educação: 72%, Promoção Social: 47%, Cultura: 47%, Saúde: 34%, Meio Ambiente:
34%, Agricultura: 19%, Políticas Públicas: 12%, Criança e adolescente: 6%, Relações
Internacionais: 39, Esportes: 39.
23 MARINS, James. Fundações privadas e imunidade tributária, in Revista Dialética de Di-
reito Tributário, nº 28, janeiro de 1998, p. 20.
264 Expressão utilizada por José Eduardo Sabo Paes (op. cit. p. 181).
116 TriBuTAçÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

8.2. Associações Civis (e Sindicatos)


Em todo o tópico referente à aproximação jurídica para o conceito de Ter-
ceiro Setor foi feita menção ao princípio da liberdade de associação como ex-
pressão constitucionalmente garantidora de desenvolvimento do Terceiro Setor.
Ao permitir às pessoas que se associem objetivando fins comuns, a Constitui-
ção cria instrumento de eficácia inestimável à congregação da sociedade em tor-
no de objetivos de natureza social, caracterizando-se dispositivo constitucional
que por si só fomenta o Terceiro Setor.
A personalidade jurídica do princípio da liberdade de associação, propria-
mente dita, se expressa através das associações civis, cujo regulamento se ins-
creve no Código Civil brasileiro.
As associações, previstas no artigo 16 do Código Civil de 1916 e no arti-
go 44 do Código Civil de 2002 como uma das espécies de pessoa jurídica de di-
reito privado, podem ser conceituadas como um
“contrato pelo qual um certo número de pessoas, ao se congregar, colo-
ca em comum serviços, atividades, conhecimentos etc. em prol de um
mesmo ideal, objetivando a consecução de determinado fim, econômico
ou não, com ou sem capital e sem intuitos lucrativos”.?*
Podem, portanto, no ato de seu registro civil? e dependendo de suas ca-
racterísticas, as pessoas jurídicas de direito privado tomar corpo de associações
civis, ou seja, a reunião de pessoas com o mesmo objetivo e sem finalidade lu-
crativa.
Atento à necessidade de diferençar adequadamente as associações civis das
sociedades empresárias, que no Código Civil de 1916 encontravam-se regradas
por dispositivos constantes da mesma seção intitulada Das sociedades ou das
associações civis, o Código Civil de 2002 alterou a configuração da disciplina

25 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, vol. 1, São Paulo : Saraiva, 1998, p. 295, ver-
bete Associação. Continua a autora: “Poderá ter finalidade altruística (associação benefi-
cente), egoística (associação literária, esportiva ou recreativa) ou econômica não lucrati-
va (associação de socorro mútuo).” Sílvio Rodrigues (Direito civil, vol. 1 - parte geral,
25º ed., São Paulo : Saraiva, 1995, p. 68) conceitua as associações como “os agrupamen-
tos de indivíduos sem finalidade lucrativa, como os clubes esportivos, os centros cultu-
rais, as entidades pias etc.” Ainda Orlando Gomes (Contratos, 18? ed., Rio de Janeiro :
Forense, 1998, p. 399) entende que “a associação também é um agrupamento de pessoas
para a consecução de fim comum. (...) Reúne permanentemente pessoas para finalidades
religiosas, pias, morais, científicas, literárias, profissionais e recreativas. Tais são, dentre
outras, as associações filantrópicas, as caixas de assistência ou de previdência, as associa-
ções literárias, artísticas ou científicas, os sindicatos, os clubes sociais ou desportivos e,
segundo alguns escritores, certos tipos de cooperativas, as chamadas sociedades de segu-
ros mútuos e até para outros a organização de condomínio dos edifícios de apartamentos.”
* Código Civil de 2002 - “Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de di-
reito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quan-
do necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no regis-
tro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.”
LeanDRO MARINS DE SOUZA 117

das pessoas jurídicas, “com mais precisa distinção entre associação civil e socie-
dade empresária”.?
Foi por conta disso que o novo Código Civil destacou as associações para
localização apartada das sociedades empresárias, estas dispostas nos artigos 981
e seguintes do Código Civil, enquanto aquelas se encontram nos artigos 53 a 61.
A primeira polêmica criada pelo novo Código Civil quando da alteração do
regime das associações se encontra já em sua nova conceituação, trazida pelo
artigo 53 que dispõe: “Constituem-se as associações pela união de pessoas que
se organizem para fins não econômicos” A partir de então, diz-se, ficou limita-
da a atuação das associações civis de modo a não poderem mais desenvolver
atividades econômicas.
A nosso ver, não é esse o intuito da norma, e nunca foi, consoante o Códi-
go Civil de 1916. No regime anterior, a distinção entre sociedades empresárias
e associações civis já era explicitamente fundada na natureza econômica das
atividades. Aliás, esta era a única nota referente às associações civis constante
do antigo Código: o artigo 22 dizia que a extinção de uma associação de fins não
econômicos ocasionava a destinação de seu patrimônio a um estabelecimento
público de fins semelhantes, enquanto a extinção de uma sociedade de fins eco-
nômicos ocasionava a repartição do patrimônio entre os sócios. Ou seja, a dis-
tinção já era fundada na existência de fins econômicos nas atividades desenvol-
vidas.
O que o Código Civil de 2002 fez foi, tão-somente, tornar mais explícita
esta distinção, e tanto conseguiu que só agora as vozes se voltam - injustifica-
damente - contra a redação dada pela lei.
Mas não há motivo para confusão, especialmente após a leitura do artigo
981 do novo Código Civil, que estabelece: “Art. 981. Celebram contrato de so-
ciedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou
serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos re-
sultados.”
A nota de distinção, portanto, para a caracterização da sociedade, é a par-
tilha dos resultados advindos da atividade econômica desenvolvida. O que não

27 REALE, Miguel. O projeto do novo Código Civil: situação após a aprovação pelo Se-
nado Federal, 2º ed., São Paulo : Saraiva, 1999, p. 13. E mais adiante averba o mestre
(op. cit. p. 65): “Tratamento novo foi dado ao tema das pessoas jurídicas, um dos pon-
tos em que o Código Civil atual se revela lacunoso e vacilante. Fundamental, por sua re-
percussão em todo o sistema, é uma precisa distinção entre as pessoas Jurídicas de fins
não econômicos (associações e fundações) e as de escopo econômico (sociedade simples
e sociedade empresária), aplicando-se a estas, no que couber, as disposições concernen-
tes às associações. Revisto também foi todo o capítulo relativo às fundações, restringin-
do-se sua destinação a fins religioso, morais, culturais, ou de assistência. Daí as regras
disciplinadoras da vida associativa em geral, com disposições especiais sobre as causas e
a forma de exclusão de associados, bem como quanto à repressão do uso indevido da
personalidade jurídica, quando esta for desviada de seus objetivos socioeconômicos para
a prática de atos ilícitos, ou abusivos.”
118 TriBuTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

podem as associações é dividir o resultado de sua atividade, não ter fins lucrati-
vos, como será melhor explicitado adiante.
Afora isso, louváveis as alterações do Código Civil de 2002 ao esclarece-
rem questões procedimentais referentes às atividades das associações civis, fi-
xando seu regime jurídico de forma clara.
E os sindicatos, como dito, assumem personalidade jurídica de associações.
Vale aqui a transcrição do artigo 511 da Consolidação das Leis do Trabalho (De-
creto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943):
“Art. 511. É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordena-
ção dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que,
como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos,
ou profissionais liberais, exerçam, respectivamente, a mesma atividade
ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas.”
São, portanto, associações que congregam pessoas com os mesmos interes-
ses profissionais, com o fito de estudar, defender e coordenar estes interesses,
em evidente expressão do direito social ao trabalho.
Uma última observação aser feita é a de que alguns termos são utilizados
normalmente para expressar entidades do Terceiro Setor, mas que verdadeira-
mente não podem ser considerados termos que representam a personalidade ju-
rídica da entidade. São os casos, por exemplo, das Organizações não Governa-
mentais e dos Institutos. A natureza jurídica destas entidades normalmente é de
associação e às vezes de fundação, recebendo somente o apelido ou o nome fan-
tasia de ONG ou Instituto. Então, as ONGs e os Institutos serão, sempre, ou
associações ou fundações.

8.3. Cooperativas Sociais


Às cooperativas sociais são uma nova forma associativa incluída no orde-
namento jurídico brasileiro pela Lei nº 9.867, de 10 de novembro de 1999, com
a específica e expressa finalidade de promover a integração social dos cidadãos
brasileiros nas formas previstas pelo diploma legal.
Trata-se, portanto, de norma estreitamente vinculada com o conceito jurí-
dico de Terceiro Setor, sobretudo quando analisado detidamente seu direciona-
mento.
Está expresso em seu artigo 1º, que estabelece in verbis:
“Art. 1º As Cooperativas Sociais, constituídas com a finalidade de inse-
rir as pessoas em desvantagens no mercado econômico, por meio do tra-
balho, fundamentam-se no interesse geral da comunidade em promover
a pessoa humana ea integração social dos cidadãos, e incluem entre suas
atividades:
I- a organização e gestão de serviços sociossanitáriose educativos; e
II - o desenvolvimento de atividades agrícolas, industriais, comerciais e
de serviços.”
Destinam-se as cooperativas sociais especificamente a promover a inser-
ção de pessoas em desvantagens no mercado de trabalho, e por conta disso o só
LeanDRO MARINS DE SOUZA 119

fato de a pessoa jurídica adotar a forma de cooperativa social já a inclui no rol


de entidades pertencentes ao Terceiro Setor, ao se destinar diretamente ao direi-
to social ao trabalho.
Basicamente, a cooperativa será formada pelas chamadas pessoas em des-
vantagens no mercado econômico a que se destina e por sócios voluntários,?*
portanto não remunerados e que não se enquadrem nas categorias de pessoas em
desvantagens no mercado econômico, quais sejam, conforme artigo 3º da Lei:
“I - os deficientes físicos e sensoriais;
I - os deficientes psíquicos e mentais, as pessoas dependentes de acom-
panhamento psiquiátrico permanente, e os egressos de hospitais psiquiá-
tricos;
II - os dependentes químicos;
IV - os egressos de prisões;
V - (vetado);
VI - os condenados a penas alternativas à detenção;
VII - os adolescentes em idade adequada ao trabalho e situação familiar
difícil do ponto de vista econômico social ou afetivo”.
Esta nova figura jurídica, que recebe tratamento legislativo específico, é
forma associativa que deve ser considerada como entidade do Terceiro Setor.

268 Tei nº 9.876/99: “Art. 4º O estatuto da Cooperativa Social poderá prever uma ou mais
categorias de sócios voluntários, que lhe prestem serviços gratuitamente, e não estejam
incluídos na definição de pessoas em desvantagem.”
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121

Capítulo 9 - Títulos e Qualificações Relacionados


com as Entidades do Terceiro Setor

As associações e fundações são, muitas vezes, denominadas genericamente


de entidades de utilidade pública, fazendo-se parecer que se trata, tal denomi-
nação, de uma nova categoria de pessoa jurídica de direito privado.
Assim tem acontecido, também, com a qualificação da entidade como
OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. Atribui-se à pes-
soa jurídica a qualidade de OSCIP como se fosse uma nova categoria de perso-
nalidade jurídica destinada às pessoas jurídicas de direito privado sem fins lu-
crativos.
No entanto, tanto a denominação utilidade pública federal quanto a quali-
ficação OSCIP, assim como também o sãootítulo de Organização Social - OS
e o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social - CEBAS, não
passam de títulos e qualificações destinados a determinadas entidades que preen-
cham os requisitos legalmente exigidos para tanto, criando alguns benefícios em
contrapartida.
São títulos diretamente vinculados às entidades do Terceiro Setor, sobre-
tudo por força da natureza das exigências para sua concessão e das prerrogati-
vas que deles advêm. Como nos ensina Paulo Modesto,
“essas designações consistem apenas em títulos jurídicos. Em princípio,
títulos jurídicos que podem ser conferidos, suspensos ou retirados. Es-
sas expressões não traduzem uma forma de pessoa jurídica privada. Nem
informam uma qualidade inata ou traço original de qualquer espécie de
entidade. Dizer de alguma entidade que ela é “de utilidade pública” ou
“organização social” significa dizer que ela recebeu e mantém o corres-
pondente título jurídico.”
Atualmente, títulos e qualificações de origem histórica um pouco mais
antiga, como o são otítulo de Utilidade Pública Federal e o Certificado de Enti-
dade Beneficente de Assistência Social - CEBAS, convivem com outros recen-
temente criados, na esteira da chamada reforma do marco legal do Terceiro Se-
tor, tais como as qualificações de Organização Social - OS e de Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP.
Novamente Paulo Modesto nos serve de referência, ao dar conta da finali-
dade da concessão de títulos às entidades do Terceiro Setor:
“A concessão caso a caso de títulos jurídicos especiais a entidades do Ter-
ceiro Setor parece atender a pelo menos três propósitos. Em primeiro
lugar, diferenciar as entidades qualificadas, beneficiadas com otítulo,

26º MODESTO, Paulo. Reforma do marco legal do Terceiro Setor no Brasil, in Mudança
social e reforma legal: estudos para uma nova legislação do Terceiro Setor, org. Joaquim
Falcão e Carlos Cuenca, Brasília : Conselho da Comunidade Solidária : Unesco, 1999, p.
139.
122 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

relativamente às entidades comuns, destituídas dessa especial qualidade


jurídica. Essa diferenciação permite inserir as entidades qualificadas em
um regime jurídico específico. Em segundo lugar, a concessão do título
permite padronizar o tratamento normativo de entidades que apresentem
características comuns relevantes, evitando o tratamento legal casuísti-
co dessas entidades. Em terceiro lugar, a outorga de títulos permite o
estabelecimento de um mecanismo de controle de aspectos da atividade
das entidades qualificadas, flexível por excelência, entre outras razões,
porque o título funciona como um instrumento que admite não apenas
concessão, mas também suspensão e cancelamento.”?7º
Estas características podem ser apontadas como vantagens trazidas pelo
regime de atribuição de títulos às entidades. No entanto, a segurança que pode
advir da concessão de títulos está estreitamente relacionada com o critério de
imposição de requisitos para a sua atribuição, bem como aos mecanismos esta-
tais de controle tanto da etapa de concessão quanto de manutenção do título.
Sabe-se que em alguns casos, como ocorre com otítulo de utilidade públi-
ca federal, a evolução legislativa não acompanha a evolução das próprias rela-
ções sociais, de modo a subsistirem em nosso ordenamento jurídico diplomas
legais inócuos
i ou, pior ainda, permissionários da ocorrência de abusos e desvios.
É por isso que “a concessão de incentivos diretos ou indiretos e a legislação la-
cônica estimularam a proliferação de entidades de utilidade pública, muitas
sem preencherem o fim exclusivo de servir desinteressadamente à coletivida-
de”,271

Estas distorções chegam a tal ponto que Paulo Modesto considera a exis-
tência de verdadeira “crise do título de utilidade pública”.?7
É um dos motivos que levaramà chamada reforma do marco legal do Ter-
ceiro Setor, com a edição de leis que prescrevem novas formas de qualificação
das entidades pertencentes ao Terceiro Setor, sem, no entanto, revogar as formas
já existentes. Passa-se a discorrer sobre os títulos.

9.1. Título de Utilidade Pública Federal (Lei nº 91, de 28 de agosto de


1935)
O título de utilidade pública federal é a mais antiga tentativa de distinção
entre as atividades desenvolvidas pelas sociedades civis, associações e funda-
ções, instituindo-se para tanto uma série de requisitos a serem observados pelas
pretendentes à titulação. Aquelas que os preencham estão aptas a receber o títu-
lo, que foi criado pela Lei nº 91, de 28 de agosto de 1935, ainda vigente.

20 MODESTO, Paulo. Op. cit., p. 141.


21 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro Setor, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 60.
22 MODESTO, Paulo. Op. cit., p. 143. E continua mais adiante (op. cit., p. 145): “Este ca-
ráter indiferenciado da referência às entidades do Terceiro Setor (qualificam-se do mes-
mo modo creches e clubes, escolas comunitárias e escolas privadas pagas etc.) e a debili-
dade do sistema de controle facilitaram a ocorrência de abusos importantes e fomentaram
a desconfiança em atividades e relações de parceria em que confiança e probidade são
valores fundamentais.”
LeanDrO MARINS DE SOUZA 123

“A pessoa jurídica pode receber o título de utilidade pública. O título de


utilidade pública procura ressaltar uma diferença na atividade da pessoa
jurídica que o recebe, se comparada com aatividade das demais pessoas
jurídicas. As pessoas jurídicas reconhecidas de utilidade pública buscam
realizar o bem comum, enquanto as demais pessoas jurídicas buscam
realizar apenas os interesses dos sócios ou dos associados, e não os in-
teresses da coletividade.”??
A concessão deste título, portanto, tem a intenção de diferençar a caracte-
rística das atividades prestadas pelas pessoas jurídicas, fazendo jus à titulação
aquelas que, como a própria denominação já diz, sejam de utilidade pública, ou
seja, prestem-se a servir a coletividade no desenvolvimento de atividades de in-
teresse público.
Como diz o artigo 1º da Lei nº 91/35, “as sociedades civis, as associações
e as fundações constituídas no País com o fim exclusivo de servir desinteressa-
damente à coletividade podem ser declaradas de utilidade pública”. E para isso,
devem observar as exigências deste mesmo diploma legal e de seu Decreto re-
gulamentar, de nº 50.517, de 2 de maio de 1961.
Conforme o mesmo artigo 1º, os primeiros requisitos para a obtenção do
título são que a entidade i) adquira personalidade jurídica; ii) esteja em efetivo
funcionamento e sirva desinteressadamente à coletividade; e iii) os cargos de sua
diretoria, conselhos fiscais, deliberativos ou consultivos não sejam remunerados.
Observados estes requisitos, a entidade deverá demonstrá-los submetendo
pedido de declaração de utilidade pública ao Ministro da Justiça - conforme
Decreto nº 3.415/2000 -, em que comprove, nos termos do artigo 2º do Decreto
nº 50.517/61, o seguinte:
“a) que se constituiu no País;
b) que tem personalidade jurídica;
c) que esteve em efetivo e contínuo funcionamento, nos três imediata-
mente anteriores, com a exata observância dos estatutos;
d) que não são remunerados, por qualquer forma, os cargos de diretoria
e que não distribui lucros, bonificações ou vantagens a dirigentes, man-
tenedores ou associados, sob nenhuma forma ou pretextos;
e) que, comprovadamente, mediante a apresentação de relatórios circuns-
tanciados dos três anos de exercício anteriores à formulação do pedido,
promove a educação ou exerce atividades de pesquisas científicas, de
cultura, inclusive artísticas, ou filantrópicas, estas de caráter geral ou
indiscriminado, predominantemente;
f) que seus diretores possuem folha corrida e moralidade comprovada;
£) que se obriga a publicar, anualmente, a demonstração da receita e des-
pesas realizadas no período anterior, desde que contemplada com sub-
venção por parte da União, neste mesmo período”.

2%3 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro Setor, São Paulo : Malheiros, 2003, p. 57.
124 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Comprovados os requisitos acima enumerados e concedido o pedido, o


nome e as características da entidade serão registrados em livro especial e “a
outorga de tal título formaliza-se por ato do Ministro da Justiça, conforme dele-
gação de competência do Presidente da República fixada no Decreto 3.415, de
19:4.2000521002%
Caso o pedido seja denegado, entretanto, a entidade, resguardada a possi-
bilidade de pedido de reconsideração no prazo de 120 dias a partir da publica-
ção do despacho denegatório, deverá aguardar por mais dois anos para renovar
o pedido (artigo 3º do Decreto nº 50.517/61).
Obrigação que decorre da concessão do pedido é a apresentação anual de
relatório dos serviços prestados à coletividade, acompanhado de demonstrativo
da receita e das despesas no período, independente se houve ou não subvenção
do Estado, sob pena de cassação do título.?””
Outras hipóteses de cassação do título concedido são a entidade se negar a
prestar serviço compreendido em seus fins estatutários ou retribuir por qualquer
forma os membros de sua diretoria, ou conceder lucros, bonificações ou vantagens
a dirigentes, mantenedores ou associados (artigo 6º do Decreto nº 50.517/61), ou
ainda deixar de preencher os requisitos do artigo 1º (artigo 5º da Lei nº 91/35).
Sílvio Luís Ferreira da Rocha aponta que “os efeitos jurídicos que decor-
rem da outorga do título de utilidade pública não foram disciplinados pela Lei
91, de 28.8.1935".28

24 Tei nº 91/35: “Art. 2º A declaração de utilidade pública será feita em decreto do Poder
Executivo, mediante requerimento processado no Ministério da Justiça e Negócios Inte-
riores ou, em casos excepcionais, ex officio. Parágrafo único. O nome e características da
sociedade, associação ou fundação declarada de utilidade pública serão inscritos em li-
vro especial, a esse fim destinado.”
Decreto nº 50.517/61: “Art. 4º O nome e características da sociedade, associação ou fun-
dação declarada de utilidade pública, serão inscritos em livro especial, que se destinará,
também, à averbação da remessa dos relatórios a que se refere o artigo 5º.”
275 Decreto nº 3.145/2000: “Art. 1º Fica delegada competência ao Ministro do Estado da Jus-
tiça, vedada a subdelegação, para decidir e praticar os atos de declaração de utilidade
pública de sociedades civis, associações e fundações, inclusive os de cassação dos títu-
los concedidos, na forma da Lei nº 91, de 28 de agosto de 1935.”
276 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Op. cit., p. 58.
27 Lei nº 91/35: “Art. 4º As sociedades, associações e fundações declaradas de utilidade
pública ficam obrigadas a apresentar todos os anos, exceto por motivo de ordem superior
reconhecido, a critério do Ministério de Estado da Justiça e Negócios Interiores, relação
circunstanciada dos serviços que houverem prestado à coletividade. Parágrafo único. Será
cassada a declaração de utilidade pública, no caso de infração deste dispositivo, ou se, por
qualquer motivo, a declaração exigida não for apresentada em três anos consecutivos.”
Decreto nº 50.517/61: “Art. 5º As entidades declaradas de utilidade pública, salvo moti-
vo de força maior, devidamente comprovado, a critério da autoridade competente, ficam
obrigadas a apresentar, até o dia 30 de abril de cada ano, ao Ministério da Justiça, relató-
rio circunstanciado dos serviços que houverem prestado à coletividade no ano anterior,
devidamente acompanhado do demonstrativo da receita e da despesa realizada no perío-
do ainda que não tenham sido subvencionados.”
218 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Op. cit., p. 59.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 125

Apesar da disposição expressa prevista no artigo 3º da Lei nº 91/35 de que


“nenhum favor do Estado decorrerá do título de utilidade pública, salvo a garantia
de uso exclusivo, pela sociedade, associação ou fundação, de emblemas, flâmu-
las, bandeiras ou distintivos próprios, devidamente registrados no Ministério da
Justiça”, além, é claro, da menção ao título de utilidade pública federal, o que
se observa é que ele tem se prestado à concessão de alguns privilégios.
Como observa Eduardo Szazi,
“dentre as vantagens, há as seguintes:
- possibilidade de oferecer dedução fiscal no imposto de renda, em doa-
ções de pessoas jurídicas;
- acesso a subvenções e auxílios da União Federal e suas autarquias;
- possibilidade de realizar sorteios, desde que autorizada pelo Ministé-
rio da Fazenda”.??º
Especificamente no campo tributário, como será visto mais adiante, o títu-
lo de utilidade pública federal se apresenta como requisito para diversos benefí-
cios, especialmente relacionados a isenções tributárias e à condição de benefi-
ciária de doações dedutíveis.

9.2. Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social


(Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993)
Chamado originalmente de Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos,
o atual Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social - CEBAS tem
origem na Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a Lei Orgânica da Assistên-
cia Social.
Ao instituir a organização da assistência social, a lei em referência atribui
competência ao Conselho Nacional da Assistência Social, órgão máximo da es-
trutura,?º para a concessão do Certificado de Entidade Beneficente de Assistên-
cia Social, assim dispondo seu artigo 18:
“Art. 18. Compete ao Conselho Nacional de Assistência Social:
a)
NI - observado o disposto em regulamento, estabelecer procedimentos
para concessão de registro e certificado de entidade beneficente de as-
sistência social às instituições privadas prestadoras de serviços e asses-

29 SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil, 3º ed., São Paulo : Peirópolis, 2003,
p. 91:
280 Tej nº 8.742/93: “Art. 16. As instâncias deliberativas do sistema descentralizado e parti-
cipativo de assistência social, de caráter permanente e composição paritária entre gover-
no e sociedade civil, são: I - o Conselho Nacional de Assistência Social; II - os Conse-
lhos Estaduais de Assistência Social; III - o Conselho de Assistência Social do Distrito
Federal; IV - os Conselhos Municipais de Assistência Social. Art. 17. Fica instituído o
Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS, órgão superior de deliberação colegia-
da, vinculado à estrutura do órgão da Administração Pública Federal responsável pela coor-
denação da Política Nacional de Assistência Social, cujos membros, nomeados pelo Pre-
sidente da República, têm mandato de 2 (dois) anos, permitida uma única recondução por
igual período.”
126 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

soramento de assistência social que prestem serviços relacionados com


seus objetivos institucionais;
IV - conceder registro e certificado de entidade beneficente de assistên-
cia social.”
Regulamentando a Lei nº 8.742/93, também no que tange à forma de con-
cessão do certificado, inicialmente foi editado o Decreto nº 752, de 16 de feve-
reiro de 1993, posteriormente revogado pelo Decreto nº 2.536, de 6 de abril de
1998.28!
Para a concessão do certificado, de acordo com o decreto regulamentar,
além de ser considerada entidade beneficente de assistência social? que atue nos
desígnios previstos no artigo 2º, a entidade deve cumprir os seguintes requisitos
(artigo 3º do Decreto):
“IT - estar legalmente constituída no País e em efetivo funcionamento nos
três anos anteriores à solicitação do Certificado;
- estar previamente inscrita no Conselho Municipal de Assistência So-
cial do município de sua sede se houver, ou no Conselho Estadual de
Assistência Social, ou Conselho de Assistência Social do Distrito Fede-
ral;
NI - estar previamente registrada no CNAS;
IV - aplicar suas rendas, seus recursos e eventual resultado operacional
integralmente no território nacional e manutenção e no desenvolvimen-
to de seus objetivos institucionais;
V - aplicar as subvenções e doações recebidas nas finalidades a que es-
tejam vinculadas;
VI - aplicar anualmente, em gratuidade, pelo menos vinte por cento da
receita bruta proveniente da venda de serviços acrescida da receita de-
corrente de aplicações financeiras, de locação de bens, de venda de bens
não integrantes do ativo imobilizado e de doações particulares, cujo
montante nunca será inferior à isenção de contribuições sociais usufruí-
das;
VII - não distribuir resultados, dividendos, bonificações, participações ou
parcelas do seu patrimônio, sob nenhuma forma ou pretexto;
VII - não perceberem seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores,
benfeitores, ou equivalente remuneração, vantagens ou benefícios, dire-
ta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das compe-

281 Decreto nº 2.536/98 (redação dada pelo Decreto nº 3.504/2000): “Art. 1º A concessão ou
renovação do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos pelo Conselho Nacional de
Assistência Social - CNAS, de que trata o inciso IV do art. 18 da Lei nº 8.742, de 7 de
dezembro de 1993, obedecerá ao disposto neste Decreto.”
2 Decreto nº 2.536/98: “Art. 2º Considera-se entidade beneficente de assistência social, para
os fins deste Decreto, a pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que atue
no sentido de: I - proteger a família, a maternidade, a infância, a adolescência e a velhi-
ce; II - amparar crianças e adolescentes carentes; III - promover ações de prevenção, ha-
bilitação e reabilitação de pessoas portadoras de deficiência; IV - promover, gratuitamente,
assistência educacional ou de saúde; V - promover a integração ao mercado de trabalho.”
LeanDrRO MARINS DE SOUZA 127

tências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respecti-


vos atos constitutivos;
IX - designar, em seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou ex-
tinção, o eventual patrimônio remanescente a entidades congêneres re-
gistradas no CNAS oua entidade pública;
X - não constituir patrimônio de indivíduo ou de sociedade sem caráter
beneficente de assistência social;
XI - seja declarada de utilidade pública federal”.
A burocracia é o tônus da expedição do Certificado de Entidade Beneficente
de Assistência Social; mas não são somente estas as exigências para sua expe-
dição - e nem assim os desvios e as concessões indevidas são evitados.
A entidade ainda deverá prestar os serviços gratuitos - ao menos 20% da
receita bruta - de forma permanente e indiscriminada, apresentando plano de tra-
balho para aprovação do CNAS. Aprovado o certificado, será publicado no Diá-
rio Oficial da União através de Resolução, e terá validade de três anos a contar
desta data, com possibilidade de renovação periódica.
A documentação a ser apresentada pela entidade ao CNAS para fins de
aprovação do certificado, além da comprovação dos requisitos supra referidos,
é a seguinte (artigo 4º do Decreto):
“I - balanço patrimonial;
IN - demonstração do resultado do exercício;
HI - demonstração de mutação do patrimônio;
IV - demonstração das origem e aplicações de recursos;
V - notas explicativas”.
Especificamente quanto à documentação formal prevista no artigo 4º do
Decreto, há exigência expressa de que as notas explicativas apontem o resumo
das práticas contábeis e critérios de apuração das receitas, despesas, gratuida-
des, doações, subvenções e aplicações de recursos, bem como apuração das con-
tribuições previdenciárias que seriam devidas pela entidade (artigo 4º, parágra-
fo único).
Além disso, exigência também expressa é a de que as demonstrações con-
tábeis e financeiras sejam auditadas por auditor independente com habilitação
no Conselho Regional de Contabilidade para as entidades que tenham atingido
receita bruta igual ou superior a R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil
reais) em qualquer um dos exercícios a que se refere o pedido de expedição do
certificado. Se a receita bruta referida for superior a R$ 2.400.000,00 (dois mi-
lhões e quatrocentos mil reais), a exigência é de que o auditor independente seja
registrado na Comissão de Valores Mobiliários.
O CNAS julgará o pedido de expedição do Certificado de Entidade Bene-
ficente de Assistência Social formulado pela entidade e, em sendo negado, ca-
berá recurso para o Ministério da Previdência e Assistência Social no prazo de
dez dias.
Estas são as linhas gerais da regulamentação concernente à expedição do
Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social. A principal utilida-
128 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

de de referido certificado, atualmente, está vinculada à concessão do regime de


isenção tributária previsto no artigo 55 da Lei nº 8.212/91 que, a nosso ver, é
insubsistente quando cotejado com o regime de imunidade tributária previsto no
artigo 195, $ 7º da Constituição Federal de 1988, como será visto oportunamente.
O que importa agora, em largas passadas, é demonstrar a extrema burocra-
cia que entremeia a expedição do CEBAS, isto sem falar no nível infralegal -
regulamentações do INSS e do CNAS -, que agrava ainda mais a forma de sua
obtenção.
Ao se falar em crise do título de utilidade pública, portanto, deve-se acres-
cer a evidente crise do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência So-
cial. A inversão de prioridade dada pelo legislador brasileiro em temas relacio-
nados à tributação do Terceiro Setor é muito bem exemplificada pela edição da
Lei nº 8.212/91, somada à Lei nº 8.742/93 e ao Decreto nº 2.536/98, que sob o
pretexto de regulamentar o artigo 195, $ 7º da Constituição Federal - como se
pudessem fazê-lo -, desvirtuaram todo o regime de imunidade como se isenção
o fosse, e assim passaram a tratá-la trazendo a reboque a discricionariedade da
vontade política ínsita ao regime isencional. Mas estas considerações são obje-
to de tópicos posteriores.

9.3. Qualificação da Entidade como Organização Social - OS


(Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998)
Criação legislativa um tanto recente, que vem na esteira da reforma admi-
nistrativa do Estado?*º e da reforma do marco legal do Terceiro Setor,?** a partir
da edição da Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, criou-se a qualificação de
entidades como organizações sociais.
O objetivo desta lei é proporcionar o desenvolvimento, através de contrato
de gestão firmado entre a entidade e o Poder Público, de atividades praticadas
pelas organizações sociais por serem reconhecidamente de jaez social, comple-
mentares, então, à atividade estatal. Isto sobretudo em face dos temas abarca-
dos pela legislação das organizações sociais, quais sejam o ensino, a pesquisa
científica, o desenvolvimento tecnológico, a proteção e preservação do meio
ambiente, a cultura e a saúde.*8

283 Sílvio Luís Ferreira da Rocha (op. cit., p. 81) aponta neste sentido: “Com efeito, não há
como negar que a criação da organização social foi um dos frutos produzidos pela Refor-
ma do Estado.”
284 Ver MODESTO, Paulo. Op. cit. pp. 145 e ss.
Lei nº 9.637/98: “Art. 1º O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais
pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas
ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preserva-
ção do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos os requisitos previstos nesta Lei.”
Veja-se que a abrangência da Lei das Organizações Sociais se encaixa perfeitamente no
conceito de Terceiro Setor por nós formulado, donde se extrai que a reforma do marco
legal do Terceiro Setor está seguindo a vertente de definir como Terceiro Setor exatamente
os direitos previstos no artigo 6º e no Capítulo da Ordem Social, da Constituição de 1988.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 129

Através da observância de determinados requisitos legais, portanto, a Lei


nº 9.637/98 permite que pessoas jurídicas de direito privado sejam qualificadas
como organizações sociais e, através de contratos de gestão firmados com o
Poder Público, desenvolvam atividades relacionadas ao desenvolvimento educa-
cional e assistencial, sendo então declaradas entidades de interesse social e uti-
lidade pública, recebendo, inclusive, incentivo do Poder Público para o fomen-
to das atividades sociais, conforme preceitua o artigo 12 da lei.
Trata-se, efetivamente, a qualificação das entidades como organizações
sociais, de instrumento criado no bojo do Plano Diretor da Reforma do Apare-
lho do Estado com vistas a dotar a prestação dos serviços sociais de maior fle-
xibilidade, através da interposição destas entidades entre o governo ea socieda-
de receptora dos serviços. É exatamente na esteira do quanto expusemos sobre
a evolução histórica que dá origem ao desenvolvimento do Terceiro Setor que
nascem as organizações sociais.
“Nos dias atuais, está presente o Plano Diretor da Reforma do Aparelho
do Estado, o qual apresenta um novo modelo de instituição: as organi-
zações sociais. No dizer dos idealizadores dessa nova reforma, as orga-
nizações sociais não são uma nova espécie de pessoa jurídica privada.
Tampouco se tratam de entidades criadas por lei e encartadas na estrutu-
ra da administração pública. São pessoas jurídicas organizadas sob a for-
ma de fundação privada ou associação sem fins lucrativos, que recebem
o “título jurídico especial” de organização social, conferido pelo Poder
Público, mediante atendimento dos requisitos previstos expressamente
em lei. A inovação, portanto, não está na estrutura da pessoa jurídica,
mas, sim, na nova forma de parceria entre o ente privado e o Poder Pú-
blico.”28?

286 Lei nº 9.637/98: “Art. 11. As entidades qualificadas como organizações sociais são de-
claradas como entidades de interesse social e utilidade pública, para todos os efeitos le-
gais.”
287 ALVES, Francisco de Assis. Fundações, organizações sociais e agências executivas:
organizações da sociedade civil de interesse público e outras modalidades de prestação
de serviços públicos, São Paulo : LTr, 2000, pp. 183 e ss. E continua (op. cit., p. 185),
fazendo expressa menção à inflexibilidade do aparato estatal: “O projeto de reforma cen-
tra-se num dos principais problemas enfrentados pela administração pública: a rigidez
resultante da aplicação de normas burocráticas, mesmo para os setores onde estas não são
consideradas necessárias, como é o caso do setor compreendido pelos serviços não-ex-
clusivos do Estado, que se caracteriza pela prestação de serviços sociais. Por isso mes-
mo, o Plano Diretor, um dos esteios da Reforma Administrativa, indica a prestação des-
ses serviços, como o setor apropriado a ser desenvolvido pelas organizações sociais. Os
serviços a que alude o referido Plano são aqueles relacionados fundamentalmente às áreas
da saúde e da educação, hoje mantidas pelo Estado através de autarquias e fundações. A
flexibilidade é fator determinante para a eficiência na prestação desses serviços. (...) Com
as organizações sociais, o que se pretende é criar uma parceria entre o Estado e institui-
ções privadas de fins públicos. Com essa modalidade de parceria da Administração Pú-
blica, objetiva-se implantar uma nova forma de participação popular na gestão adminis-
trativa.”
130 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Observados determinados requisitos legalmente instituídos, a pessoa jurí-


dica de direito privado pode ser contemplada com otítulo de organização so-
cial, e assim participar de determinados benefícios e prerrogativas criados pela
Lei nº 9.637/98 como contrapartida às atividades sociais supridas - complemen-
tadas! - por estas entidades, benefícios existentes exatamente por reconhecimento
da sua importância. É sobre o preenchimento destes requisitos que se passa a
discorrer.
Não basta que a entidade se dedique às atividades previstas no artigo 1º da
Lei nº 9.637/98 para ser reconhecida como organização social. Deve também
observância aos requisitos do artigo 2º.
Em primeiro lugar, o estatuto da entidade deve comprovar a natureza so-
cial de seus objetivos, a ausência de fins lucrativos, a existência de órgãos de
deliberação superior e de direção, a obrigatoriedade de publicação anual dos
relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão, a aceita-
ção de novos associados se associação civil, destinação de seu patrimônio a ou-
tra organização social em caso de extinção ou desqualificação.
À ausência de fins lucrativos exigida, somando-se ao disposto no artigo 2º,
I, “b” que complementa obrigando a entidade a investir seus “excedentes finan-
ceiros no desenvolvimento de suas próprias atividades”, o inciso “h” do mesmo
dispositivo acresce a exigência de que o estatuto preveja a “proibição de distri-
buição de bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese, in-
clusive em razão de desligamento, retirada ou falecimento de associado ou mem-
bro da entidade”.?º
No mesmo dispositivo também há exigências complementares relativas à
composição dos órgãos de deliberação superior e de direção, quando a alínea “d”
exige a “previsão de participação, no órgão colegiado de deliberação superior,
de representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória
capacidade profissional e idoneidade moral” e a alínea “e” exige a previsão da
“composição e atribuições de diretoria”.?

288 Sobre as características das possíveis naturezas sociais da entidade, vide ROCHA, Sílvio
Luís Ferreira da. Op. cit., pp. 91-96.
289 Desde já é possível demonstrar o que se pode entender pelo requisito da ausência de fi-
nalidades lucrativas, que será muito útil a posteriori. Sílvio Luís Ferreira da Rocha (op.
cit., p. 97) aponta com precisão: “O segundo requisito exigido pela lei é a finalidade não-
lucrativa da pessoa jurídica. Este requisito é complementado pela obrigatoriedade do in-
vestimento dos excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades. Tem
finalidade não-lucrativa a pessoa jurídica cujos sócios ou associados não recebem, sob
pretexto algum, lucros distribuídos pela pessoa jurídica. Este requisito não impede que a
candidata a tornar-se uma organização social obtenha lucro com suas atividades, mas exige
que o lucro que venha a ser eventualmente auferido não seja distribuído a seus sócios ou
associados, e sim reinvestido pela própria pessoa jurídica no desenvolvimento de seus
objetivos sociais.” Também Francisco de Assis Alves (op. cit. p. 218) ensina neste sen-
tido: “A ausência de fins lucrativos de uma entidade se configura não pela gratuidade de
seus serviços, mas pela não-distribuição de seu patrimônio e de suas rendas como tam-
bém pelo investimento na própria entidade dos resultados positivos auferidos.”
Os artigos 3º e 4º da Lei nº 9.637/98 fixam as diretrizes para a composição do Conselho
de Administração. Sobre as normas relativas à composição e ao funcionamento dos ór-
LeanDRO MARINS DE SOUZA 131

O último requisito para a qualificação da pessoa jurídica como organiza-


ção social é a própria aprovação do pedido de qualificação, prevista no artigo 2º,
NI da Lei nº 9.637/98, nos seguintes termos:
“II - haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qua-
lificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão super-
visor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto
social e do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do
Estado”.
Há duas observações a serem feitas quanto a este dispositivo. A primeira,
de ordem formal, é o fato de o Ministério da Administração Federal e Reforma
do Estado, o chamado MARE, não mais existir, estando suas atribuições a car-
go do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. A segunda volta-se a
observar o próprio conteúdo do dispositivo: atribui ao administrador discricio-
nariedade no deferimento do pedido de enquadramento da entidade como orga-
nização social. Na lição de Sílvio Luís Ferreira da Rocha, que confirma nossa
assertiva, “a atividade do administrador em conceder ou não conceder dita qua-
lificação encontra-se no campo da discricionariedade, pois o legislador confe-
riu-lhe liberdade decisória quanto à conveniência de conceder a qualificação e à
oportunidade de fazê-lo”.?”!
Este dispositivo é criticado pela doutrina, como são exemplos o próprio
autor citado,?? Francisco de Assis Alves? e José Eduardo Sabo Paes,?* entre
outros.
Sendo aprovada a qualificação da entidade como organização social, abre-
se a possibilidade de a mesma firmar contratos de gestão com o Poder Público,
“com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de
atividades relativas às relacionadas no art. 1º”, conforme artigo 5º da lei. Tam-
bém será declarada como entidade de interesse social e de utilidade pública, para
todos os efeitos legais, fazendo jus, ainda à destinação de recursos orçamentá-
rios e bens públicos para o cumprimento do contrato de gestão (artigo 12).
Vale, por fim, a ressalva de Paulo Modesto para demonstrar o intuito da lei
analisada: “Parece evidente, por esta simples enumeração, que o marco legal das
organizações sociais procura corrigir alguns dos desvios mais comuns do título
de utilidade pública.”

gãos de deliberação superior e de direção, ver ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Op. cit.,
pp. 97-98. Ver também ALVES, Francisco de Assis. Op. cit., pp. 193-196.
21 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Op. cit., p. 103.
22 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Op. cit., pp. 103-106.
23 ALVES, Francisco de Assis. Op. cit., p. 194.
294 PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídi-
cos, administrativos, contábeis e tributários, 4º ed., Brasília : Brasília Jurídica, 2003, p.
103.
295 Sobre o contrato de gestão, ver as seguintes obras: MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Curso de direito administrativo, 14º ed., São Paulo : Malheiros, 2002, pp. 211-217; DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública, 3º ed., São Paulo :
Atlas, 1999, pp. 187-212; ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Op. cit., pp. 121-146.
29 a MODESTO, Paulo. Op. cit., p. 148.
132 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

9.4. Qualificação da Entidade como Organização da Sociedade Civil de


Interesse Público - OSCIP (Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999)
Confirmando a ocorrência da chamada reforma do marco legal do Tercei-
ro Setor,” através da Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, foi instituída, ain-
da, outra qualificação destinada às pessoas jurídicas de direito privado: organi-
zações da sociedade civil de interesse público, as chamadas OSCIP.
Conforme dispõe o art. 1º desta lei,
“podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interes-
se Público as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos,
desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam
aos requisitos instituídos por esta Lei”.?”
Nos mesmos moldes da Lei nº 9.637/98 (organizações sociais), esta Lei nº
9.790/99 (organizações da sociedade civil de interesse público) foi instituída
com o fim de possibilitar o desenvolvimento de setores considerados de interes-
se público, com a atuação direta da iniciativa privada mediante termo de parce-
ria com o Poder Público,*ºº conforme estabelece seu artigo 9º.
A técnica legislativa adotada foi a de anteriormente excepcionar as pessoas
jurídicas que não podem se enquadrar como OSCIP, através de seu artigo 2º que
ora se transcreve por imprescindível:
“Art. 2º Não são passíveis de qualificação como Organizações da Socie-
dade Civil de Interesse Público, ainda que se dediquem de qualquer for-
ma às atividades descritas no art. 3º desta Lei:
I- as sociedades comerciais;
H - os sindicatos, as associações de classe ou de representação de cate-
goria profissional;
HI - as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos,
cultos, práticas e visões devocionais e confessionais;

?7 Escrevendo ainda antes da edição da Lei nº 9.790/99, Paulo Modesto (op. cit., p. 150)
assim se manifestou: “A mais nova proposta de alteração do marco legal das organiza-
ções do Terceiro Setor no Brasil é o recentíssimo projeto de lei sobre organizações da
sociedade civil de caráter público, que tenta também esvaziar na prática o título de utili-
dade pública.”
28 Regulamentada pelo Decreto nº 3.100, de 30 de junho de 1999.
O conceito de sem fins lucrativos é trazido pelo próprio artigo 1º, e vem ao encontro do
quanto já exposto bem como das considerações posteriores sobre o tema sob outros en-
foques: “S$ 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica
de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, di-
retores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos,
dividendos, bonificações, participações, ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante
o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respecti-
vo objeto social.”
300
Lei nº 9.790/99: “Art. 9º Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado
o instru-
mento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo
de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse
público previstas no artigo 3º desta lei.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 133

IV - as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas funda-


ções;
V - as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou
serviços a um círculo restrito de associados ou sócios;
VI - as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e asse-
melhados;
VI - as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantene-
doras;
VIII - as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas
mantenedoras;
IX - as organizações sociais;
X - as cooperativas;
XI - as fundações públicas;
XII - as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado
criadas por órgão público ou por fundações públicas;
XIII - as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vincula-
ção com o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Cons-
tituição Federal”
Estas são as pessoas jurídicas impedidas de serem qualificadas como OSCIP,
não se lhes afastando, no entanto, no que couber, as outras titulações existentes.
Ressalte-se: no que couber. A lei dá mostras claras de ter optado, em sua refor-
ma do marco legal, por iniciar separando as entidades do Terceiro Setor em gru-
pos de acordo com determinadas características certamente discutidas no âmbi-
to de criação legislativa, em debates promovidos pelo Conselho da Comunida-
de Solidária. Tem a clara intenção de proceder à categorização das organizações
do Terceiro Setor, destinando-se tão-somente a parte delas por considerá-las as
únicas merecedoras dos incentivos previstos na legislação, a exemplo de orde-
namentos jurídicos estrangeiros.

301 José Eduardo Sabo Paes (op. cit., p. 90) exemplifica: “E, nesse campo, os países anglo-
saxônicos dispõem de uma das tradições mais ricas, sendo deles a disseminação comum
dos termos non profit sector, independent sector ou voluntary sector para se referir ao que
atualmente vem sendo chamado de Terceiro Setor, cuja legislação é o resultado de sécu-
los de experiência social e jurídica, tendo eles já desenvolvido um marco legal do Ter-
ceiro Setor, onde, em linhas gerais, optou-se por distinguir em duas categorias as organi-
zações do referido setor, tendo como parâmetro as suas finalidades. A primeira categoria
é formada pelas organizações de interesse (ou caráter) público - que são aquelas voltadas
para a defesa do interesse mais amplo da sociedade ou para o desenvolvimento de uma
atividade que traz benefícios para a sociedade como um todo, mesmo que, aparentemen-
te, ela se dedique apenas a beneficiar agrupamentos específicos (como, por exemplo, os
aidéticos ou as populações mais carentes). A segunda é integrada pelas organizações de
ajuda mútua ou de auto-ajuda - que são as organizações ou agrupamentos que se formam
para defender interesses coletivos, mas de um círculo restrito, específico, de pessoas,
como, por exemplo, uma associação de classe, um clube social ou uma associação de mo-
radores de uma determinada zona da cidade ou de funcionários de uma determinada em-
presa.”
134 TriBuTAçÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Nos Estados Unidos, por exemplo, há distinção entre espécies de ativida-


des desenvolvidas por entidades sem fins lucrativos, destinando-se os benefícios
fiscais de forma diferenciada de acordo com sua característica. O Código Tri-
butário norte-americano (tax code) divide estas entidades em duas seções dife-
rentes, 501 (c) (3) e 501 (c) (4), e uma das diferenças é o fato de as doações fei-
tas às organizações enquadradas nesta seção não serem dedutíveis do imposto
de renda.”
Resta conhecer, portanto, o rol de atividades consideradas por esta lei como
sendo de interesse público, portanto enquadráveis na qualificação como OSCIP.
Como não poderia deixar de ser, as atividades previstas se identificam com aque-
las anteriormente apresentadas como fazendo parte do plexo de atividades pas-
síveis de serem enquadradas em um conceito jurídico para o Terceiro Setor, de
acordo com o ordenamento jurídico pátrio. São elas, de acordo com o artigo 3º
do referido diploma legal:
“I - promoção da assistência social;
H - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico
e artístico;
HI - promoção gratuita da educação, observando-se a forma complemen-
tar de participação das organizações de que trata esta Lei;
IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar
de participação das organizações de que trata esta Lei;
V - promoção da segurança alimentar e nutricional;
VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do
desenvolvimento sustentável;

*2 “Mais formalmente, focamos aqui nas organizações que são elegíveis para a isenção do
imposto de renda pela Seção 501 (c) (3) do Código Tributário, e as que se aproximam mais
do conceito de “organizações de bem estar social” elegíveis para a isenção pela Seção 501
(c) (4) deste Código. Incluídas aqui estão organizações que operam “exclusivamente por
propósitos religiosos, caritativos, científicos ou educacionais” e que não distribuem qual-
quer renda que gerem para qualquer sócio ou outra pessoa. Sozinhas entre os vinte e seis
tipos de organizações isentas do imposto de renda, as organizações da Seção 501 (c) (3)
também são elegíveis a receber dedução fiscal das doações feitas por pessoas físicas ou
jurídicas, reflexo do fato de que se espera que elas sirvam os interesses do público em geral
ao invés dos interesses e necessidades tão-somente dos membros da organização.” (SA-
LAMON, Lester. The resilient sector: the State of nonprofit America, in The State ofnon-
profit America, coord. Lester M. Salamon, Washington, D.C. : Brooking Institution Press,
2003, p. 7) No original: “More formally, we focus here on organizations that are eligible
for exemption from federal income taxation under Section 501 (c) (3) of the tax code, plus
the closely related “social welfare organizations” eligible for exemption under Section 501
(c) (4) of this code. Included here are organizations that operate “*exclusively for religious,
charitable, scientific, or educational purposes” and that do not distribute any profits they
may generate to any private shareholder or individual. Alone among the twenty-six types
of organizations exempted from federal income taxation, the 501tc) (3) organizations are
also eligible to receive tax-deductible contributions from individuals and businesses, a
reflection of the fact that they are expected to serve broad public purposes as opposed to
the interests and needs of the members of the organizations alone.” (tradução livre nos-
sa)
Leandro MARINS DE SOUZA 135

VII - promoção do voluntariado;


VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à po-
breza;
IX - experimentação, não-lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos
e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;
X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e
assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar;
XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da
democracia e de outros valores universais;
XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas,
produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e cien-
tíficos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo”.
Desta forma, exercendo a pessoa jurídica de direito privado ao menos uma
destas atividades enumeradas, bem como observando os demais requisitos legais
para tanto, poderá ser qualificada como OSCIP. E estes demais requisitos legais,
que se dirigem ao estatuto da entidade, estão previstos no artigo 4º da mesma
Ji:

303 «Art 4º Atendido o disposto no artigo 3º, exige-se ainda, para qualificarem-se como Or-
ganizações da Sociedade Civil de Interesse Público, que as pessoas jurídicas interessadas
sejam regidas por estatutos cujas normas expressamente disponham sobre: I - a observân-
cia dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicida-
de e da eficiência; II - a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficien-
tes a coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pes-
soais, em decorrência da participação no respectivo processo decisório; III - a constitui-
ção de conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de competência para opinar sobre os
relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações patrimoniais reali-
zadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade; IV - a previsão de
que, em caso de dissolução da entidade, o respectivo patrimônio líquido será transferido
a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente que tenha o
mesmo objeto social da extinta; V - a previsão de que, na hipótese de a pessoa jurídica
perder a qualificação instituída por esta Lei, o respectivo acervo patrimonial disponível,
adquirido com recursos públicos durante o período em que perdurou aquela qualificação,
será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente
que tenha o mesmo objeto social; VI - a possibilidade de se instituir remuneração para os
dirigentes da entidade que atuem efetivamente na gestão executiva a para aqueles que a
ela prestam serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados
pelo mercado, na região correspondente a sua área de atuação; VII - as normas de presta-
ção de contas a serem observadas pela entidade, que determinarão, no mínimo: a) a ob-
servância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas Brasileiras de Con-
tabilidade; b) que se dê publicidade por qualquer meio eficaz, no encerramento do exer-
cício fiscal, ao relatório de atividades e das demonstrações financeiras da entidade, incluin-
do-se as certidões negativas de débitos junto ao INSS e ao FGTS, colocando-os à dispo-
sição para exame de qualquer cidadão; c) a realização de auditoria, inclusive por audito-
res externos independentes se for o caso, da aplicação dos eventuais recursos objeto do
termo de parceria conforme previsto em regulamento; d) a prestação de contas de todos
os recursos e bens de origem pública recebidos pelas Organizações da Sociedade Civil
de Interesse Público será feita conforme determina o parágrafo único do artigo 70 da
Constituição Federal.”
136 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Cumpridos todos os requisitos positivos dos artigos 3º e 4º e os requisitos


negativos do artigo 2º, a entidade poderá solicitar sua qualificação como OSCIP
em requerimento escrito ao Ministério da Justiça, anexando ao pedido cópia do
estatuto registrado em cartório, da ata de eleição de sua diretoria atual, do ba-
lanço patrimonial e demonstração do resultado no exercício, de declaração de
isenção do imposto de renda e da inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes
(artigo 5º), tendo o Ministério da Justiça 30 dias para se manifestar (artigo 6º).
Em caso de deferimento será expedido certificado de qualificação de OSCIP.
Qualificada como OSCIFP, a pessoa jurídica de direito privado sem fins lu-
crativos poderá entabular termo de parceria com o Poder Público, com vistas a
dar execução às atividades sociais da entidade mediante determinados rigores
exigidos nos artigos 9º a 15 da Lei.
O artigo 18 da Lei 9.790/99 estabelece a possibilidade de manutenção tem-
porária do título de OSCIP com outros títulos e qualificações anteriormente con-
cedidos à entidade. É temporária porque a lei prevê esta possibilidade para o
prazo de até cinco anos contados da data da vigência da lei** findo o qual a en-
tidade deverá optar por uma ou outra qualificação. Não o fazendo, a entidade
perde o título de OSCIP.

*4 Medida Provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001: “Art. 18. O art. 18 da Lei nº


9.790, de 23 de março de 1999, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 18. As pes-
soas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, qualificadas com base em outros di-
plomas legais, poderão qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público, desde que atendidos aos requisitos para tanto exigidos, sendo-lhes assegurada a
manutenção simultânea dessas qualificações, até cinco anos contados da data de vigên-
cia desta Lei. $ 1º Findo o prazo de cinco anos, a pessoa jurídica interessada em manter a
qualificação prevista nesta Lei deverá por ela optar, fato que implicará a renúncia auto-
mática de suas qualificações anteriores.”
137

Título 3 - Tributação do Terceiro Setor no Brasil

Traçado o objeto imediato do presente trabalho, ou seja, definida baliza para


o conceito jurídico do Terceiro Setor, abre-se condição para que o estudo se es-
praie até encontrar seu objeto mediato, que é a análise do regime tributário apli-
cável ao Terceiro Setor no ordenamento jurídico brasileiro hodierno.
E antes de mais nada é imprescindível que se compreenda a que se refere
a proposta de analisar o regime jurídico tributário do Terceiro Setor, bem como
o que justifica o seu estudo em separado.
Como concluímos no capítulo anterior, o Terceiro Setor, juridicamente ava-
liado em cotejo com nosso ordenamento atual, deve ser considerado como o
conjunto de ações praticadas pela iniciativa privada sem intuito lucrativo e que
tenham por finalidade a promoção de um direito social ou seus princípios.
Também já foi frisado que a natureza substitutiva das atividades do Terceiro
Setor em relação às do Estado demanda a concessão de uma contrapartida legal
àquelas instituições, seja lhes possibilitando o auferimento de lucro, seja lhes
atribuindo outras espécies de incentivos. Todos estes incentivos fazem parte da
função estatal em prover a sociedade com determinados direitos que são inerentes
a esta e responsabilidade daquela: os chamados direitos sociais.
Uma das formas usualmente difundidas, constitucionalmente e infracons-
titucionalmente, para o incentivo ao desenvolvimento de atividades que se rela-
cionem com funções estatais estratégicas é a previsão de desonerações tributá-
rias - na acepção leiga da expressão. Tal fato acontece, por exemplo, nas suas
mais variadas expressões, com relação a energia elétrica, a petróleo, a produtos
da cesta básica, a produtos de informática, entre outros.
Não é diferente com as atividades desenvolvidas pelas entidades do Terceiro
Setor, que por sua importância social devem ser consideradas estratégicas para
o desenvolvimento do Estado e da sociedade. Contrapartida legal de suma im-
portância para estas instituições - nos níveis constitucional e infraconstitucional
-, reflexo mesmo da incumbência estatal de promover o desenvolvimento de ati-
vidades voltadas ao assecuramento dos direitos sociais, é a previsão de regime
tributário especial destinado a elas, fundado na desoneração dos encargos inci-
dentes sobre estas atividades como reconhecimento de sua importância substi-
tutiva e complementar.*'
35 “To cierto es que precisamente la crisis del Estado de Bienestar atribuye protagonismo a
las iniciativas sociales y éstas merecen una mayor atención y consideración por los po-
deres públicos, que han de ver en ella el complemento a sus cada vez más limitadas accio-
nes (si es que limitadas pueden llegar a ser las acciones de un Estado, que siempre sabe
salir airoso de cualquier supuesta crisis que pueda plantearse). Lo que nos lleva a la res-
puesta que requeríamos: la crisis del Estado de Bienestar no puede suponer menoscabo
para el reconocimiento de las fundaciones y por tanto tampoco para su tratamiento fiscal
favorable. De nuevo debe recordarse que la valoración de la labor de las entidades no
lucrativas requiere (merece) un reconocimiento por parte del Estado y que resulta más
económico a éste establecer un régimen tributario favorable que atender directamente las
necesidades sociales, sanitarias, docentes o culturales de otra manera debería afrontar no
138 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

É para tanto que converge a proposta do presente trabalho em seu objetivo


mediato e onde repousa a justificativa para tal sorte de abordagem apartada. A
análise do regime tributário do Terceiro Setor volta-se ao estudo das diversas
formas de benefícios tributários que se destinam às atividades desenvolvidas em
seu bojo; verdadeiramente, estes todos dispositivos criam regime tributário es-
pecial que possibilita seu estudo em separado.
À iniciar no plano constitucional, através da instituição de imunidades tri-
butárias destinadas ao incentivo de atividades substitutivas desenvolvidas pelas
instituições do Terceiro Setor, como o são aquelas expressas nos artigos 150, VI,
“b” e “c”, e 195, 8 7º de nossa Constituição Federal de 1988, tópicos iniciais de
nossa abordagem.
Mas não fica por aí: no plano infraconstitucional uma série de dispositivos
destinam-se a exonerar a atividade do Terceiro Setor da carga tributária que lhe
seria incidente, sob a forma de isenções tributárias. Neste mesmo patamar legis-
lativo, observa-se que o legislador em algumas oportunidades prevê outras for-
mas de benefícios fiscais ao desenvolvimento do Terceiro Setor, ao estabelecer,
por exemplo, a possibilidade de dedução das doações, feitas a entidades que se
enquadrem neste conceito, do Imposto de Renda. Estes tópicos complementa-
rão nosso trabalho.
Fundamentalmente, portanto, a análise do regime tributário do Terceiro
Setor sobre a qual se propõe o presente trabalho é voltada para a interpretação
destes dispositivos de jaez tributário que se vinculam ao incentivo das ativida-
des desenvolvidas pela iniciativa privada, sem fins lucrativos, com o fito de ga-
rantir direitos sociais.

Capítulo 10 - Imunidades Tributárias Destinadas


ao Terceiro Setor

No plano constitucional, o incentivo tributário ao desenvolvimento das ati-


vidades do Terceiro Setor se dá através da instituição das chamadas imunidades
tributárias.
Como já dito em trabalho anterior,
“a grosso modo, a imunidade tributária é norma constitucional de deli-
mitação da competência das entidades tributantes de promover a onera-
ção de certas pessoas, em função de características próprias estabeleci-
das, bem como conferência de direito subjetivo indisponível àqueles en-
quadrados na regra imunizatória”.*0
ya un Estado de Bienestar, sino un Estado calificado en la Constitución misma como So-
cial y Democrático de Derecho.” (MANAS, José Luis Pifiar. Fiscalidad de las fundacio-
nes. Consideraciones generales y perspectivas de futuro. In Las fundaciones: su fiscali-
dad e incentivos al mecenazgo, Madrid : Dykinson, 1998, pp. 321)
** SOUZA, Leandro Marins de. Imunidade tributária: entidades de educação e assistência
social, Curitiba : Juruá, 2001, p. 17.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 139

Nas precisas linhas de James Marins, a regra imunizatória “é aquela que


desde a norma primária (Constituição) deixa determinados eventos ou situações
expressamente fora da competência impositiva dos entes tributantes”.º”7
Advém o conceito de imunidade tributária do próprio sistema constitucio-
nal que o erige; ao fazê-lo, delimita com exatidão a competência tributária de
cada ente tributante, delineando os âmbitos de atuação e atribuindo critérios de
delimitação do poder fiscal e suas respectivas áreas de competência, ao mesmo
tempo em que
“institui o legislador constituinte forma de limitação à atividade dos en-
tes tributantes em relação a alguns casos determinados, afastando portan-
to a competência dos mesmos para a instituição de tributos em se tratan-
do de determinados fatos específicos que, no sentir do poder estatal,
merecem ser resguardados”.**
Não obstante estas considerações darem a impressão de que o tema é cris-
talino e livre de maiores discussões, a conceituação do instituto da imunidade
tributária tem sido campo fértil para acalorados debates doutrinários.” De modo
a demonstrar estas discussões, trazemos à colação alguns conceitos dos mais
abalizados tributaristas brasileiros.?!º

37 MARINS, James. Fundações privadas e imunidade tributária, in Revista Dialética de Di-


reito Tributário, nº 28, São Paulo : Dialética, janeiro de 1998, p. 22.
308 SOUZA, Leandro Marins de. Op. cit., p. 50.
309 Sobre os acalorados debates doutrinários em torno do conceito de imunidade tributária,
esclarecedora a constatação de Paulo de Barros Carvalho (Curso de direito tributário, 12º
ed., São Paulo : Saraiva, 1999, pp. 163-164): “Uma coleção de referências pode ser adu-
zida para bem ilustrar o estado de calmaria em que se detém a doutrina, todas elas colhi-
das em obras de argutos conhecedores desse ramo da especulação jurídica. Assim é que
pregoam o caráter político das imunidades tributárias, sobre aconselhar os recursos da
Ciência das Finanças para a interpretação e aplicação da Lei Fundamental [Aliomar Ba-
leeiro]; salientam a condição de verdadeiras limitações constitucionais às competências
tributárias, consubstanciando hipóteses de não-incidência juridicamente qualificadas no
Texto Supremo [Bernardo Ribeiro de Moraes]; aludem a uma exclusão do próprio poder
de tributar [Ruy Barbosa Nogueira]; ou supressão da competência impositiva [Amílcar de
Araújo Falcão].”
310 Para Regina Helena Costa (Imunidades tributárias: teoria e análise da jurisprudência do
STF, São Paulo : Malheiros, 2001, pp. 53-54), imunidade tributária é “a exoneração, fi-
xada constitucionalmente, traduzida em norma expressa impeditiva da atribuição de com-
petência tributária ou extraível, necessariamente, de um ou mais princípios constitucio-
nais, que confere direito público subjetivo a certas pessoas, nos termos por ela delimita-
dos, de não se sujeitarem à tributação”. Clélio Chiesa (A competência tributária do Esta-
do brasileiro: desonerações nacionais e imunidades condicionadas, São Paulo : Max Li-
monad, 2002, p. 123), por sua vez, entende as imunidades tributárias como “um conjun-
to de normas jurídicas contempladas na Constituição Federal que estabelecem a incom-
petência das pessoas políticas de direito constitucional interno para instituírem tributos
sobre certas situações nela especificadas”. Também Yoshiaki Ichihara (Imunidades tri-
butárias, São Paulo : Atlas, 2000, p. 183) conceitua as imunidades tributárias: “Imunida-
des tributárias são normas da Constituição Federal, expressas e determinadas, que deli-
mitam negativamente, descrevendo os contornos às normas atributivas e dentro do cam-
po das competências tributárias, estabelecendo e criando uma área de incompetência, di-
rigidas às pessoas jurídicas de direito público destinatárias, com eficácia plena e aplica-
140 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Ão conceituar tal instituto, Hugo de Brito Machado assevera que


“imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência
de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imuni-
dade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que
é imune. É limitação da competência tributária 3!
Ruy Barbosa Nogueira, por sua vez, com espeque na doutrina de Amílcar
de Araújo Falcão, conceitua imunidade como
“uma forma qualificada ou especial de não-incidência, por supressão, na
Constituição, da competência impositiva ou do poder de tributar, quan-
do se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias pre-
vistos pelo estatuto supremo”.?!2313
O jurista José Eduardo Soares de Melo, por sua vez, entende que
“a imunidade consiste na exclusão de competência da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios para instituir tributos relativamente a de-
terminados atos, fatos e pessoas, expressamente previstas na Constitui-
ção Federal. Do mesmo modo que outorga as competências para insti-
tuir tributos sobre determinadas materialidades, a própria Constituição
também estabelece outras específicas situações que são afastadas dos
gravames tributários.*!4
Roque Antonio Carrazza, por sua vez, leciona que
“a imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional. As
normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto
bilidade imediata, outorgando implicitamente direitos subjetivos aos destinatários bene-
ficiados, não se confundindo com as normas fundamentais, vedações ou proibições ex-
pressas, com as limitações que decorrem dos princípios constitucionais, nem com a não-
incidência.”
31
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, 18º ed., São Paulo : Malheiros,
2000, p. 221.
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário, 15º ed., São Paulo : Saraiva, 1999,
p. 167. j
313
Bernardo Ribeiro de Moraes (A imunidade tributária e seus novos aspectos, in Revista
Dialética de Direito Tributário, nº 34, São Paulo : Dialética, julho de 1998, p. 31) dis-
corda desta conceituação: “Em que pese o prestígio dos seguidores desta corrente, com a
devida vênia não aceitamos a conceituação da imunidade tributária como uma não-inci-
dência constitucionalmente qualificada, visto que essa “não-incidência” nada mais é do
que uma consegiiência ou efeito da imunidade tributária e não elemento essencial para
defini-la (vedando atributação, a imunidade tributária não admite a lei tributária em ques-
tão e sem lei não há incidência fiscal).”
314
MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, São Paulo : Dialética, 1997,
p. 89. No mesmo sentido de exclusão da competência tributária, Aires F. Barreto e Paulo
Ayres Barreto (Imunidades tributárias: limitações constitucionais ao poder de tributar,
São Paulo : Dialética, 2001, p. 11) entendem que as imunidades tributárias “consistem,
exatamente, na exclusão da competência tributária em relação a certos bens, pessoas e
fatos. Quer dizer: a própria Constituição, ao traçar a competência tributária, proíbe o seu
exercício em relação a eles. Em outras palavras, não concede competência tributária em
relação a certos bens, pessoas e fatos. As imunidades tributárias são, portanto, matéria
pertencente à disciplina constitucional da competência. Configuram as mais importantes
“limitações constitucionais ao poder de tributar”, como indelevelmente batizadas por Alio-
mar Baleeiro.”
LEANDRO MARINS DE Souza 141

fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para


onerar, com exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza ju-
rídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações.*!15
Como visto, a imunidade tributária dá ensejo a diversas interpretações no
que tange a seu conceito. Neste momento, portanto, mister que definamos uma
linha de entendimento a este respeito, o que fazemos remetendo-nos a conceito
por nós adotado anteriormente com espeque nos ensinamentos de Misabel Abreu
Machado Derziº!º e Paulo de Barros Carvalho?":
“A classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas con-
tidas de modo expresso no texto da Constituição Federal ou implicita-
mente necessárias, e que estabelecem a incompetência das pessoas polí-
ticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de
tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracteri-
zadas,8
Tem-se, portanto, que a primeira nota característica das imunidades tribu-
tárias é sua inserção no texto constitucional. E por estarem dispostas na Consti-
tuição, é de se observar que fazem parte do conteúdo evolutivo das aspirações
sociais brasileiras, que é a justificativa para a inclusão de dispositivos que tais
em diplomas aos quais é dada condição suprema, como o são as Constituições.
Isso decorre do movimento a que se chama constitucionalismo?!º ou
31 a
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, 11º ed., São Pau-
lo : Malheiros, 1998, p. 418.
“6 “A imunidade é regra constitucional expressa (ou implicitamente necessária), que estabe-
lece a não-competência das pessoas políticas da federação para tributar certos fatos e situa-
ções, de fora amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de redução
parcial, a norma de atribuição de poder tributário. (...) É norma que estabelece a incompe-
tência. Ora, estabelecer incompetência é negar competência ou denegar poder de instituir
tributos.” (DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas à obra de BALEEIRO, Aliomar. Limi-
tações constitucionais ao poder de tributar, 7º ed., Rio de Janeiro : Forense, 1999, p. 228)
317 “A classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da
Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas
políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que
alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.” (CARVALHO, Paulo
de Barros. Curso de direito tributário, 12º ed., São Paulo : Saraiva, 1999, p. 178) Sobre
o conceito de imunidade tributária, vide avaliação crítica elaborada pelo Prof. Paulo de
Barros Carvalho nesta mesma obra, às páginas 165 à 177.
“8 Expressamos esta opinião em nosso trabalho anterior: SOUZA, Leandro Marins de. Op.
cit., pp. 61-62. Neste mesmo trabalho, faz-se análise das críticas traçadas por Paulo de
Barros Carvalho a diversos elementos encontrados nos conceitos de imunidade tributária
formulados pela doutrina nacional, às páginas 54-60.
312 “O Constitucionalismo é a técnica da liberdade, isto é, técnica jurídica pela qual é assegu-
rado aos cidadãos o exercício dos seus direitos individuais e, ao mesmo tempo, coloca o
Estado em condições de não os poder violar. Se as técnicas variam de acordo com a época
e as tradições de cada país, o ideal das liberdades do cidadão continua sendo sempre o fim
último; é em função deste que se preordenam e organizam as técnicas.” (MATTEUCCI,
Nicola. Dicionário de política, coord. Norberto Bobbio et alii, vol. 1, 11º ed., Brasília : UnB,
1998, trad. Carmem C. Varriale et alii, p. 248, verbete Constitucionalismo)
320 Canotilho o conceitua como sendo o “movimento político, social e cultural que, sobretu-
do a partir de meados do século XVIII, questiona nos planos político, filosófico e jurídi-
142 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

movimento constitucional?!, que representa a consagração dos direitos e garan-


tias individuais dos cidadãos em textos consolidados, em cada país, com o fim
de efetivar o ideal das liberdades do cidadão.
Como dissemos anteriormente,
“este movimento - o constitucionalismo - tem como norte a busca pelo
delineamento dos princípios ideológicos de cada Estado e suas tradições,
através da tutela dos direitos fundamentais dos cidadãos e da organiza-
ção estatal e limitação de suas ações, de modo que o poder do Estado não
subsista sobre os direitos fundamentais”.º22-323
E a influência dos movimentos constitucionais para a evolução do concei-
to de Constituições modernas é inconteste, o que lhes dá o tom da busca pelo
ideal das liberdades dos cidadãos. Este movimento constitucional, notadamen-
te se considerado em sua pluralidade, contribuiu sobremaneira para a evolução
do sentido de Constituição, e sobretudo influiu no conteúdo das mesmas origi-
nando a elaboração das chamadas Constituições modernas, ao expressar a bus-
ca pelo ideal das liberdades do cidadão, por seu fundamento principal ser
a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.º2º-327

co os esquemas tradicionais de domínio público, sugerindo, ao mesmo tempo, a inven-


ção de uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político” (CANOTILHO,
J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, 2º ed., Coimbra : Almedina,
1998, p. 46).
2! Expressão utilizada por Canotilho. Sobre a noção de movimento constitucional e de sua
pluralidade, veja J. J. Gomes Canotilho (op. cit., p. 45 e ss.).
*2 SOUZA, Leandro Marins de. Op. cit. pp. 24-25.
2 Segundo Nicola Matteucci (op. cit., p. 247), “seria assim a função do Constitucionalis-
mo traçar os princípios ideológicos, que são a base de toda a Constituição e da sua orga-
nização interna”.
324
“Todo ordenamento estatal possui sempre um conjunto peculiar de princípios orgânicos
característicos, que os distinguia dos demais, mas só em tempos relativamente recentes
se estendeu e consolidou a convicção de que tais princípios deveriam, em geral, ser reu-
nidos em um documento formal, definido como Constituição.” (VERGOTTINI, Giuse-
ppe de. Dicionário de política, coord. Norberto Bobbio et alii, vol. 1, 11º ed., Brasília :
UnB, 1998, trad. Carmem C. Varriale et alii, p. 258, verbete Constituição)
325
O constitucionalismo moderno, no entender de Canotilho, “legitimou o aparecimento da
chamada constituição moderna. Por constituição moderna entende-se a ordenação siste-
mática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se
declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político. Podemos des-
dobrar este conceito de forma a captarmos as dimensões fundamentais que ele incorpora:
(1) ordenação jurídico-política plasmada num documento escrito; (2) declaração, nessa
carta escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo de garan-
tia; (3) organização do poder político segundo esquemas tendentes a torná-lo um poder
limitado e moderado.” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 46)
326
Nicola Matteuci (Dicionário de política, coord. Norberto Bobbio ef alii, vol. 1, 11º ed.,
Brasília : UnB, 1998, trad. Carmem C. Varriale et alii, p. 353, verbete Direitos humanos)
observa com proficiência: “O constitucionalismo moderno tem, na promulgação de um
texto escrito contendo uma declaração dos Direitos Humanos e de cidadania, um dos seus
momentos centrais de desenvolvimento e de conquista, que consagra as vitórias do cida-
dão sobre o poder.”
*7 Bernardo Ribeiro de Moraes (A imunidade tributária e seus novos“aspectos, in Revista
Dialética de Direito Tributário, nº 34, julho de 1998, p. 20), já contextualizando as imu-
LEANDRO MARINS DE SOUZA 143

Em linhas gerais, ao normatizar os direitos fundamentais dos cidadãos, o


constitucionalismo reflete a busca do sistema ideal voltado para a sociedade que
se pretende ideal.º** A Constituição surge, então, como a formalização dos an-
seios da sociedade que lhe dá ensejo, na forma de instrumento jurídico dotado
de hierarquia suprema para que se efetive a garantia destes direitos fundamentais.
José Afonso da Silva é incisivo quanto a este aspecto, observando com agu-
deza que
“o sentido jurídico de constituição não se obterá, se a apreciarmos des-
garrada da totalidade da vida social, sem conexão com o conjunto da
comunidade. Pois bem, certos modos de agir em sociedade transformam-
se em condutas humanas valoradas historicamente e constituem-se em
fundamento do existir comunitário, formando os elementos constitucio-
nais do grupo social, que o constituinte intui e revela como preceitos
normativos fundamentais: a constituição. A constituição é algo que tem,
como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como
conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômi-
cas, políticas, religiosas etc.); como fim, a realização dos valores que
apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa cria-
, dora e recriadora, o poder que emana do povo.”*?
E imprescindível que se ressalte que “as normas constitucionais devem ser
tidas como a exteriorização dos valores sociais que pretende regrar”;*º estes
valores sociais, constitucionalizados, transformam-se, entre outros, em direitos
fundamentais sistematizados, como tal invioláveis, pois é característica da Cons-
tituição, como visto, sistematizar os anseios sociais em cada momento constitu-
cional, os princípios que regem aquela comunidade em dado contexto histórico.
E ao se constituir em Estado Democrático de Direito,**! fundado nos prin-
cípios da soberania popular, da justiça e solidariedade sociais e da dignidade da

nidades tributárias no constitucionalismo, analisa com maestria a ratio essendi das nor-
mas constitucionais em relação aos direitos fundamentais, asseverando: “É evidente que
a Constituição, elaborada para criar um regime democrático, contém em seu bojo uma
filosofia, ou melhor, uma orientação ética e moral, baseada no princípio de que os homens
não são meios, mas fins em si mesmos. Alvos supremos do Estado são o princípio da dig-
nidade humana, o da expansão de todas as possibilidades da criatura humana, além de
outros, que estão na Lei Fundamental. O Estado, as leis, os mecanismos da Constituição
são os meios. Daí a Constituição ter uma base ética e ideológica que considera o homem
um fim em si mesmo, além de assegurar-lhe todos os meios para que tal fim seja atingido.”
328 Sobre estes conceitos, ligados à idéia de constitucionalismo, ver BARROSO, Luís Rober-
to. O direito constitucional e a efetividade de suas normas - limites e possibilidades da
Constituição Brasileira, 4º ed., Rio de Janeiro : Renovar, 2000, pp. 75-76. Também su-
cintamente a respeito do tema, nosso trabalho anterior: SOUZA, Leandro Marins de. Op.
cit., pp. 29-30.
329 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 18º ed., São Paulo :
Malheiros, 2000, p. 41.
30 SOUZA, Leandro Marins de. Op. cit., p: 32. E concluímos: “Afinal, a Constituição efetiva-
mente exprime a gama de princípios regentes da comunidade que lhe dá forma e acolhe.”
33
“A tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em superar as desigual-
dades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social.”
(SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 126)
144 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

pessoa humana,?? a Constituição de 1988 dá o tom dos anseios da sociedade


brasileira quanto de sua promulgação, e para garanti-los é que se fundamenta no
princípio democrático representativo e participativo. 334
Faz-se esta aproximação sucinta de conceitos adstritos à normatividade
constitucional para concluir renovando o entendimento de que
“denotando verdadeiramente a expressão máxima dos movimentos cons-
titucionais, as imunidades tributárias previstas constitucionalmente re-
presentam a resposta normativa à idéia de interferência do Estado no
sentido de garantia dos anseios da comunidade e da aplicação direta da
Justiça social. Isto porque o cunho principiológico da inserção de imu-
nidades tributárias na Constituição remonta a questões de ordem políti-
ca, social, econômica, etc., e pretende efetivamente traçar normas de
conduta limitadoras do poder do Estado com o fim de propiciar o desen-
volvimento humano, com a desoneração de certas atividades e seu con-
segiiente crescimento. Não há dúvida de que as limitações constitucio-
nais ao poder de tributar, entre elas as imunidades tributárias, estejam
revestidas das características de direitos e garantias fundamentais do ci-
dadão, e que expressam o conteúdo do constitucionalismo e do Estado
Democrático de Direito.” 336
332
Constituição Federal - “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união in-
dissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Demo-
crático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a digni-
dade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o
pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (...) Art. 3º Cons-
tituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma socie-
dade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover
o bem de todos, sem preconceitos de origem, taça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.”
333
Veja-se a respeito do conceito de democracia as notas da jurista Misabel Abreu Macha-
do Derzi à obra do professor Aliomar Baleeiro (Limitações constitucionais ao poder de
tributar, 7º ed., Rio de Janeiro : Forense, 1999, pp. 5 e ss.). Também a este respeito consul-
te BOBBIO, Norberto et alii. Dicionário de política, vol. 1, 11º ed., Brasília : UnB, 1998,
trad. Carmem C. Varriale et alii, pp. 319-329, verbete Democracia e RAWLS, John. Justi-
ça e democracia, trad. de Irene A. Paternot, São Paulo : Martins Fontes, 2000, pp. 193-194.
334
“Passa-se a enfocar a democracia como uma “técnica de igualdade”. Não só os privilégios
de raça, crença ou linhagem devem ser abolidos, mas se caminha em busca de uma igual-
dade sócio-econômico-material.” (DERZI, Misabel Abreu Machado. Op. cit. p. 8)
335
SOUZA, Leandro Marins de. Op. cit. p. 41.
336
É o entendimento abalizado da Professora Misabel Derzi: “As limitações constitucionais
ao poder de tributar são especiais manifestações dos direitos e garantias fundamentais do
cidadão-contribuinte. (...) Portanto, limitações constitucionais ao poder de tributar eram
e continuam sendo princípios ou regras de índole política, sem dúvida, mas é necessário
registrar que sua eficácia jurídica, em normas dotadas de efetividade, sobrepõe-se. A
Constituição de 1988 cria instrumentos e garantias especiais para assegurar a observação
de tais normas.” (DERZI, Misabel Abreu Machado. Op. cit,, pp. 35:36) Também vale a
citação das palavras sempre precisas de Roque Antonio Carrazza (op. cit., p. 42), ao di-
LeanDrRO MARINS DE SOUZA 145

A justificativa para a concessão de benesses tributárias através de imuni-


dades é a admissão de que a sociedade não é massa homogênea, mas formada
por uma diversidade de grupos que idealizam a mesma diversidade de interes-
ses, a demandar tratamento diferenciado em busca da igualdade socioeconômi-
co-material objeto da democracia.
E esta a justificativa para que se implemente, no âmbito constitucional,
regime especial de tributação de determinados sujeitos e atividades através da
concessão de imunidades tributárias.
É nesta esteira que se pode dizer que
“não se trata apenas de reconhecer a existência de desigualdades, mas
usa-se o Direito Tributário como instrumento de política social, atenua-
dora das grandes diferenças econômicas ocorrentes entre pessoas, gru-
pos e regiões. O princípio da igualdade adquire, nessa fase, o caráter
positivo - dever de distinguir - para conceder tratamento menos gravoso
aqueles que detêm menor capacidade econômica ou para distribuir ren-
das mais generosas às regiões mais pobres ou menos desenvolvidas, no
federalismo cooperativo. Princípios como progressividade, pessoalidade
ou seletividade servem às democracias que se dizem compromissadas
com a igualdade e a justiça social. (...) A Carta Fundamental brasileira,
ao contrário da alemã, estabelece as base em que se assenta o Estado De-
mocrático de Direito, fixando-lhes metas de justiça e igualdade social e,
coerentemente, faz repercutir o princípio no Capítulo do Sistema Tribu-
tário. Pessoalidade, seletividade, extrafiscalidade e progressividade são
princípios que espelham a busca da maior justiça tributária.”*373

zer que “nossa Constituição, no louvável propósito de transformar a República brasileira


num Estado Democrático de Direito, submeteu a ação tributária das pessoas políticas a
um extenso rol de princípios (federativo, da legalidade, da igualdade, da anterioridade,
da segurança jurídica, da reserva de competências etc.), que protegem, ao máximo, os
contribuintes, contra eventuais abusos fazendários”.
337
DERZI, Misabel Abreu Machado. Op. cit., pp. 8-9.
338 James Marins (Justiça tributária e processo tributário, Curitiba : Champagnat, 1998, pp. 9-11)
exprime a noção de justiça tributária com proficiência, ao ensinar: “Desvendar o conteú-
do natural ou universal da justiça é tarefa grandiosa à qual se lançaram, quase que exclu-
sivamente no campo filosófico, as mais privilegiadas inteligências de todas as épocas. Esta
empresa, contudo, não deve ser reservada somente aos cultores da filosofia, mas, ao con-
trário, como diz Karl Larenz, concerne igualmente a filósofos e a juristas a determina-
ção dos requisitos que um ordenamento jurídico requer para que seja considerado con-
forme com a justiça na medida do possível (Direito justo). A busca pela idéia de um Direi-
to natural, que pudesse ser válido per se, independentemente de condicionantes de tempo
ou espaço se remete historicamente aos domínios da filosofia grega dos pré-socráticos e
foi recebida pela filosofia aristotélica e pela estóica, tendo na Idade Média, como se sabe,
sido objeto das formulações filosóficas de Tomás de Aquino. Na Idade Moderna o Direi-
to Natural encontra entre seus maiores vultos, entre outros, Grocio, Hobbes, Puffendorf, e
Thomasio, estes privilegiando ótica mais racional, calçada na idéia de ordem instaura-
da; Hegel, desdobrando suas idéias conforme os princípios da razão prática pura, ou seja,
a Ética, e Kant voltado para a metafísica do espírito. Consoante sintetiza Larenz: “todas
estas teorías coinciden en que a la vigencia normativa precede un Derecho ideal, un 'Dere-
146 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

E as imunidades podem ser analisadas como instrumentos de aplicação da


Justiça tributária, haja vista que a sua consagração no texto constitucional está
intimamente ligada à consagração dos próprios princípios tributários que expri-
mem a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Estas considerações ficam bastante mais claras quando se relaciona a ou-
torga constitucional de imunidades tributárias às atividades desenvolvidas no
bojo do Terceiro Setor, como antes delineado. Pela imbricada relação tanto das
imunidades tributárias quanto do Terceiro Setor com a garantia dos direitos fun-
damentais dos cidadãos, a soma destes valores vem a corroborar o quanto dito.
Tem-se, portanto, que as imunidades tributárias outorgadas em benefício
das atividades do Terceiro Setor afiguram-se, sem sombra de dúvida, como um
instrumento de jaez tributário voltado à consecução de valores como a justiça
social, a solidariedade social, a democracia participativa, a igualdade socioe-
conômica, a dignidade da pessoa humana, etc.
É como bem nos lembra Edgard Neves da Silva, para quem
“as imunidades foram criadas, estribadas em considerações extrajurídi-
cas, atendendo à orientação do Poder Constituinte em função das idéias
políticas vigentes, preservando determinados valores políticos, religio-
sos, educacionais, sociais, culturais e econômicos, todos eles fundamen-
tais à sociedade brasileira”.*4º
cho en sí mismo”, recognoscible por la razón humana, independiente de todo estableci-
miento humano y en este sentido, intemporal, que solo consigue la validez fáctica, hasta
donde uno puede darse cuenta de ello, porque se hace Derecho positivo”. Muito embora
a busca pelo Direito natural remonte já há alguns milênios, a expressão “Direito justo”
somente veio a ser cunhada pelo filósofo do Direito Rudolf Stammler em livro publicado
originariamente em 1902. Cabe aqui relembrar lição de Engisch que, citando Pascal ex-
punha a insuperável contradição entre o Direito como realidade de cada nação e a Justiça
como valor universal: “Já das leis que regem o Direito e através das quais este impõe o
seu domínio se aguarda sempre aquela validade universal que se espera das verdades e
das leis da natureza. E ficamos profundamente decepcionados quando não a encontramos.
Pascal deu a tal decepção uma expressão clássica com estas palavras tantas vezes citadas:
“Quase nada há de justo ou injusto que não mude de natureza com a mudança de clima.
Três graus de altura polar revolucionam toda a jurisprudência. Um meridiano decide so-
bre a verdade. Após algum anos de posse alteram-se leis fundamentais. O Direito tem suas
épocas. Divertida Justiça essa que um rio ou uma montanha baliza. Verdade aquém, erro
além Pirineus.” *Sem embargo da inalcançável tarefa a que se lançaram os jusnaturalistas
a contínua busca pela justiça nos quadrantes do Direito positivo não pode ser abandona-
da, nem mesmo é investigação “fora de moda” como adverte Larenz. Ao contrário, repre-
senta verdadeiro alento a todos que trabalham com as normas jurídicas a identificação da
legitimação última do Direito através da “idéia de Direito” corporificada no plano positi-
vo naquilo que chamamos de “Direito justo” que se manifesta por meio dos “princípios
de Direito justo” (em especial, no nosso caso, na Constituição Federal) e, a partir daí,
desenvolvem-se permeados positivamente no ordenamento jurídico que mantenha a ap-
tidão geral para encaminhar-se no sentido da Justiça.”
339
Para uma análise mais detalhada da imbricação do instituto da imunidade tributária com
os conceitos de constitucionalismo, democracia, Estado Democrático de Direito e justi-
ça tributária, ver nosso trabalho anterior: SOUZA, Leandro Marins de. Op. cit., pp. 23-48.
”oº In MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de Direito Tributário, apud MAR-
TINS, Ives Gandra e BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988, tomo I, 6º vol., São Paulo : Saraiva, 1990, pp. 170-171.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 147

E para não nos alongarmos nestas considerações introdutórias sobre os


conceitos gerais das imunidades tributárias, que não são objeto principal do pre-
sente trabalho, passemos à análise das imunidades tributárias previstas consti-
tucionalmente que beneficiem as atividades que podem ser enquadradas no con-
ceito de Terceiro Setor, com base no exposto anteriormente.
Não sem antes indicarmos as imunidades tributárias do Terceiro Setor e
seus dispositivos constitucionais consagradores, quais sejam, na ordem em que
serão abordados: a) imunidade tributária a impostos das instituições de educa-
ção e de assistência social (artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988);
b) imunidade tributária a impostos das entidades sindicais dos trabalhadores (ar-
tigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988); e c) imunidade tributária a
contribuição para a seguridade social das entidades beneficentes de assistência
social (artigo 195, 8 7º da Constituição Federal de 1988).

10.1. Imunidade Tributária a Impostos das Instituições de Educação e de


Assistência Social (artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988)
Fruto de todos os elementos introdutórios antes delineados e com espeque
na doutrina abalizada de Sacha Calmon Navarro Coêlho**!, é de se lembrar que
a Constituição Federal de 1988 juridiciza, garante e protege certos valores éti-
cos que revelam a concepção democrática de vida e de governo.
Reconhecendo que as entidades de educação e assistência social desenvol-
vem atividades cuja responsabilidade é do Estado, por se tratar do provimento
de direitos sociais, e que a atribuição da complementariedade deste provimento
à iniciativa privada não desonera o Estado da contrapartida que advém da ino-
corrência de sua desresponsabilização, a opção política de nossos constituintes
na elaboração da Constituição de 1988 deu ensejo à inclusão, especificamente
no artigo 150, VI, “c”, de dispositivo que prevê a imunidade tributária a impos-
tos das instituições de educação e de assistência social, in verbis:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte,
é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)
VI - Instituir impostos sobre: (...)
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas
fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de
educação e assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisi-
tos da lei; (...)
$ 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem so-
mente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalida-
des essenciais das entidades nelas mencionadas”
Sendo as finalidades das instituições de educação e de assistência social
voltadas reconhecidamente para fins nobres, seja na proteção e assistência so-
cial, seja na promoção e no implemento da educação, por sua natureza comple-

31 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - sistema tribu-


tário, 6º ed., Rio de Janeiro : Forense, 1995, p. 348.
148 TriBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

mentar e auxiliar à atividade estatal no provimento destes direitos sociais houve


por bem a Constituição Federal determinar a imunidade tributária sobre as suas
atividades.*?
Faz referência o dispositivo citado, como se vê, à imunidade tributária das
instituições de educação e de assistência social.*º Para que se possa avaliar mi-
nuciosamente o dispositivo em comento, especialmente no que tange aos requi-

342
James Marins (Imunidade tributária das instituições de educação e assistência social, in
Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, coord. Valdir de Oliveira Rocha, 3º vol.,
São Paulo : Dialética, 1999, p. 150) bem observa: “Assim se dá com as atividades de
educação e assistência social, não apenas por se prestarem a fins de reconhecida utilida-
de para a sociedade, mas também por seu papel de coadjuvante nos deveres do próprio
Estado (arts. 6º, 203 combinados com os arts. 150, IV, alínea “c” e 195, 84 7º da CF/88).
As respectivas dicções dos mencionados dispositivos, ao imunizarem “nstituições” e “en-
tidades” produzem o efeito de tornar insuscetíveis de serem alcançadas pela competência
tributária as atividades desenvolvidas por tais pessoas jurídicas que eventualmente pudes-
sem estar expostas à incidência não fosse o preceito imunizante (“é vedado instituir im-
postos sobre o patrimônio, renda ou serviços das instituições de educação e assistência
social sem fins lucrativos” e 'são isentas - rectius, imunes - de contribuição para a seguri-
dade social as entidades beneficentes de assistência social”). O núcleo das possíveis hi-
póteses de incidência será sempre uma das facetas das atividades (critério material da
hipótese de incidência) realizadas por tais entidades ou instituições.” Ives Gandra da Sil-
va Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues (Imunidade tributária das instituições
de assistência social, à luz da Constituição Federal, in Revista Dialética de Direito Tri-
butário, nº 38, novembro de 1998, p. 119) manifestam-se no sentido de que “a imunida-
de constitui o instrumento que o constituinte considerou fundamental para, de um lado,
manter a democracia, a liberdade de expressão e a ação dos cidadãos e, por outro lado,
de atrair os cidadãos a colaborarem com o Estado, nas suas atividades essenciais, em que,
muitas vezes, o próprio Estado atua mal ou insuficientemente, como é o caso de assistên-
cia à saúde”.
343
Especificamente sobre o assunto, indicam-se os seguintes trabalhos doutrinários: ATALIBA,
Geraldo. Imunidade de instituições de educação e assistência, Revista de Direito Tribu-
tário, nº 55, janeiro-março de 1991, pp. 136-142; BOTTALLO, Eduardo. Imunidade
de
instituições de educação e de assistência social e lei ordinária - um intrincado confronto,
in Imposto de renda - alterações fundamentais, coord. Valdir de Oliveira Rocha, 2º vol.,
São Paulo : Dialética, 1998, pp. 51-64; BRANCO, Vera Sylvia Venegas Falsetti. Imuni-
dade tributária e Terceiro Setor (filantrópico): por maior transparência e regulamentação,
in Revista dos Tribunais - Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, nº 26,
janeiro-março de 1999, pp. 31-42; DERZI, Misabel Abreu Machado. A imunidade das
instituições de educação ou de assistência social, in Imposto de renda - alterações fun-
damentais, coord. Valdir de Oliveira Rocha, 2º vol., pp. 143-178; GONÇALES, Antonio
Manoel. A imunidade de sociedade de educação sem fins lucrativos, in Cadernos de Di-
reito Tributário e Finanças Públicas, nº 14, Janeiro-março de 1996, pp. 110-121;
MA-
CHADO, Hugo de Brito. Imunidade tributária das instituições de educação e de assistên-
cia social e a Lei 9.532/97, in Imposto de renda - alterações fundamentais, coord. Valdir
de Oliveira Rocha, 2º vol., São Paulo : Dialética, 1998, pp. 65-72; MARINS, James.
Fun-
dações privadas e imunidade tributária, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº
28,
janeiro de 1998, pp. 20-30; MARINS, James. Imunidade tributária das instituições de
educação e assistência social, in Grandes questões atuais do direito tributário, coord.
Valdir de Oliveira Rocha, 3º vol., São Paulo : Dialética, 1999, pp. 145-166; MARTINS,
Ives Gandra da Silva. Imunidade das instituições de educação e de assistência social
-
LeanDRrO MARINS DE SOUZA 149

sitos necessários para o enquadramento das instituições em seu conteúdo, mis-


ter que se definam os limites de sua regulamentação. É a partir daí que se tem
condições de investigar os requisitos conformadores para a fruição da imunida-
de tributária destinada às instituições de educação e de assistência social de acor-
do com o artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988.

10.1.1. Regulamentação da imunidade tributária a impostos das instituições


de educação e de assistência social (artigos 9º e 14 do Código Tributário
Nacional)
Em primeiro lugar, observa-se que o disposto no artigo 150, VI, “c” da
Constituição Federal remete-se aos requisitos previstos em lei. Isto significa di-
zer que será albergada pela imunidade tributária insculpida no dispositivo ora em
análise a instituição de educação e de assistência social que cumpra os requisi-
tos legais exigidos para tanto.
Aqui surge o primeiro ponto crítico na análise da regulamentação da imu-
nidade tributária destinada às entidades de educação e de assistência social. Isto
porque o dispositivo em comento, ao fazer menção à regulamentação legal, não
exigiu expressamente a edição de lei complementar para tanto, o que tem ense-
jado interpretações no sentido da suficiência de lei ordinária para fixar os requi-
sitos exigidos pela Constituição para a fruição da imunidade tributária pelas
entidades de educação e de assistência social.
No entanto, como passa-se a demonstrar, não há outro entendimento pas-
sível de ser considerado senão o de que os requisitos para a fruição da imunida-
de tributária prevista no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal devem ser
fixados por lei complementar. Mais ainda, esta fixação já existe e decorre da
recepção do Código Tributário Nacional pela Constituição Federal de 1988, com
status de lei complementar, remetendo-se os requisitos para a fruição da imuni-

inconstitucionalidade de dispositivo legal, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº


30, março de 1998, pp. 106-110; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidade tributária
das fundações de apoio às instituições de ensino superior - inconstitucionalidade de dis-
posições da Lei nº 9.532/97 - requisitos exclusivos para gozo da imunidade do artigo 14
do Código Tributário Nacional, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 37, São
Paulo : Dialética, outubro-1998, pp. 97-117; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Entidade
sem fins lucrativos com finalidades culturais e filantrópicas - Imunidade constitucional
de impostos e contribuições sociais, in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Pú-
blicas, nº 4, julho-setembro de 1993, pp. 79-96; MARTINS, Ives Gandra da Silva e RO-
DRIGUES, Marilene Talarico Martins. Imunidade tributária das instituições de assistên-
cia social, à luz da Constituição Federal, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 38,
novembro de 1998, pp. 108-123; MARTINS, Rogério Vidal Gandra da Silva. Imunidade
e isenção para instituições de educação, in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Pú-
blicas, nº 7, abril-junho de 1994, pp. 40-48; MELO, José Eduardo Soares de. A imunida-
de das instituições de educação e de assistência social ao imposto de renda (Lei federal
nº 9.532/97), in Imposto de renda - alterações fundamentais, coord. Valdir de Oliveira
Rocha, 2º vol., São Paulo : Dialética, 1998, pp. 85-102; XAVIER, Alberto. As entidades
fechadas de previdência privada como instituições de assistência social, in Revista Dia-
lética de Direito Tributário, nº 52, janeiro de 2000, pp. 19-45.
150 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

dade tributária em comento ao disposto em seus artigos 9º e 14, tudo em conso-


nância com as melhores doutrina e jurisprudência.
Inicia-se a demonstração de que é esta a única interpretação possível com
as precisas palavras de Paulo de Barros Carvalho, ao asseverar que é de
“cristalina evidência que a lei a que se reporta o comando constitucional
[artigo 150, VI, 'c”] é a complementar, mais precisamente aquela prevista
no art. 146, II, da Constituição Federal. E o Código Tributário Nacional, ex-
traindo com acerto o autêntico teor de sua competência, oferece, no art. 14,
os pressupostos para o implemento do desígnio do constituinte.”
É nesta ordem de raciocínio que se extrai o primeiro motivo que leva à con-
clusão pela necessidade de lei complementar para a regulamentação do artigo
150, VI, “c” da Constituição Federal: a própria Constituição assim o exige.
É de fácil compreensão, pela simples análise topológica da Constituição,
que a imunidade tributária destinada às entidades de educação e de assistência
social configura-se como uma limitação constitucional ao poder de tributar Não
só por todo o exposto nos tópicos introdutórios que deram azo à conceituação
do instituto da imunidade tributária, mas pela simples análise da Seção II, Ca-
pítulo I (Do Sistema Tributário Nacional), do Título VI (Da Tributação e do
Orçamento), da Constituição Federal, em que se localiza o artigo 150, VI, “c”
ora comentado, e que se intitula Das Limitações do Poder de tributar.
Maior evidência do que esta impossível, a permitir a remissão ao disposi-
tivo constitucional que expressamente exige a edição de lei complementar para
regular matéria atinente às limitações constitucionais ao poder de tributar, qual
seja o artigo 146, II que dispõe in verbis: “Art. 146. Cabe à lei complementar:
(...) II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”
Não resta qualquer espaço para interpretação diversa; a exigência de edi-
ção de lei complementar para a fixação dos requisitos para a fruição da imuni-
dade tributária destinada às instituições de educação e de assistência social é
conclusão que decorre de interpretação lógica e sistemática de nosso texto cons-
titucional, mediante o cotejo dos artigos 150, VI, “c” e 146, IL
Permitir a regulamentação por via de lei ordinária seria perpetrar a descon-
sideração plena do artigo 146, II da Constituição, relegando-o ao esquecimen-
to. Na esteira de Aires Barreto e Paulo Ayres Barreto, “admiti-lo [a regulamen-
tação por lei ordinária] é desconsiderar o inciso III, do art. 146, da Constituição;
é tê-lo por inaplicável, vazio, despiciendo”.345 -346
*4 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 122 ed., São Paulo : Saraiva,
1999, p. 185.
** BARRETO, Aires F.e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: limitações cons-
titucionais ao poder de tributar, 2º ed., São Paulo : Dialética, 2001, p. 24.
6 Com a mesma consegiiência, mas em outro sentido e sob o mesmo enfoque, Sacha Cal-
mon Navarro Coêlho (Comentários à Constituição de 1988 - sistema tributário, 6º ed.,
Rio de Janeiro : Forense, 1995, p. 350) observa que permitir a regulamentação do disposto
no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal por lei ordinária “seria admitir duas fór-
mulas constitucionais para operar uma só matéria, a regulação das limitações ao poder de
tributar. Haveria antinomia entre o art. 146, II, que prevê lei complementar para o trato
Leandro MARINS DE SOUZA 151

Como bem demonstra Regina Helena Costa,” dúvidas sempre existiram


sobre o papel das leis complementares em matéria tributária, e ainda há. Ques-
tionava-se, e ainda subsiste a discussão, se a lei complementar em matéria tri-
butária teria função dúplice ou tríplice; se teriam como funções constitucional-
mente erigidas dispor sobre conflitos de competência entre as pessoas políticas
e regulação das limitações constitucionais ao poder de tributar - espécies do
gênero normas gerais de Direito Tributário -, ou se a estas funções se agregaria
a de veicular normas gerais de Direito Tributário.
Nossa Constituição Federal de 1988, não obstante supostamente - ou à pri-
meira vista - ter preenchido a lacuna existente no ordenamento anterior, ao pre-
ver expressamente, em seu artigo 146, as três funções da lei complementar em
matéria tributária, parece não ter logrado encerrar as discussões.”
Mas voltando ao que interessa ao presente trabalho, o que chama a aten-
ção é que não há qualquer polêmica das duas correntes doutrinárias citadas, tam-
pouco influência das alterações constitucionais promovidas, no que diz respeito
à competência da lei complementar para regular as limitações constitucionais
ao poder de tributar.
“Uma coisa é certa, porém: as duas correntes sempre reconheceram se-
rem missões privativas de lei complementar, assim a de dispor sobre con-
flitos de competência, como a de regular as limitações constitucionais ao
poder de tributar. A doutrina sempre foi uníssona ao consagrar a lei com-
plementar como veículo específico para dispor sobre essas matérias”.*”
E neste sentido também se manifesta enfaticamente, por todos, o mestre
Geraldo Ataliba, para quem “o art. 150, VI, *c'da CF reporta-se à lei, pura e sim-
plesmente. Não há dúvida, entretanto, entre os doutrinadores, quanto a que, no
caso, esta referência é à lei complementar:**º Para derrocar quaisquer dúvidas

da espécie, e o art. 150, VI, c, prevendo apenas lei ordinária para a regulação de uma li-
mitação específica ao poder de tributar.”
37 COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias: teoria e análise da jurisprudência do
STF, São Paulo : Malheiros, 2001, pp. 99-104. Ver também BARRETO, Aires F. e BAR-
RETO, Paulo Ayres. Op. cit., p. 23.
38 “Parece-nos que somente o apego à literalidade da dicção constitucional pode conduzir à
conclusão de que a lei complementar desempenha tríplice função em matéria tributária.
A norma inserta no art. 146 da Lei Maior não pode ser considerada isoladamente ou em
contexto alheio aos princípios federativo e da autonomia municipal.” (COSTA, Regina
Helena. Op. cit., p. 103)
39 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Op. cit., p. 23.
350 ATALIBA, Geraldo. Imunidade de instituições de educação e assistência, in Revista de
Direito Tributário, nº 55, janeiro-março de 1991, p. 136. Misabel Abreu Machado Derzi
(A imunidade das instituições de educação ou de assistência social, in Imposto de renda
- alterações fundamentais, coord. Valdir de Oliveira Rocha, 2º vol., São Paulo : Dialéti-
ca, 1998, pp. 145-146) ensina: “A Constituição de 1988, como a anterior, condiciona a
imunidade das atividades, à observância dos “requisitos da lei”. A norma não tem, por-
tanto, eficácia plena e incontrastável, como a recíproca. O gozo da imunidade depende
do preenchimento dos requisitos previstos em lei complementar. A luz da Constituição
de 1988, não resta dúvida de que somente lei complementar da União pode cumprir os
ditames do art. 150, VI, *c”, por força do que estabelece o art. 146, II. (...) Não se pode
152 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

a este respeito, didática a transcrição de trecho de acórdão recentemente profe-


rido pelo Superior Tribunal de Justiça nestes termos: “As limitações constitucio-
nais ao poder de tributar podem ser reguladas apenas por meio de lei comple-
mentar, ex vi do art. 146, inc. II, da Lei Maior, que assim dispõe, de forma ex-
pressa!
Não bastasse a argumentação até agora expendida, que afasta a possibili-
dade de regulamentação de imunidades tributárias pela via de lei ordinária pela
expressa previsão constitucional neste sentido, Sacha Calmon Navarro Coêlho
agrega arguto fundamento de ordem prática que merece ser considerado. Dá
conta de que se fosse permitida a regulamentação das imunidades tributárias por
lei ordinária, pelo fato de inexistir hierarquia entre a legislação ordinária edita-
da por cada ente tributante - União, Estados, Distrito Federal e Municípios -,
estaria instaurado o caos legislativo no que tange a esta matéria, ao se permitir
que cada ente editasse uma legislação específica a respeito de um valor consti-
tucionalmente consagrado.
“Não é e nem poderia ser lei ordinária. A uma, porque a imunidade, res-
trição ao poder de tributar da União, dos Estados e dos Municípios, fi-
caria à mercê da vontade dos próprios destinatários da restrição, se lhes
fosse dado regulá-la pela lei ordinária. Seria transferir ao legislador or-
dinário das ordens parciais poder permanente de emenda à Constituição.
Sim, porque na medida em que por lei ordinária pudessem variar as con-
dições para a fruição da imunidade, poderiam até mesmo frustrá-la. As-
sistiríamos ao absurdo de ver um valor posto numa Constituição rígida,
para garantir certas categorias de pessoas contra a tributação, vir a ser
manipulado, justamente, por aqueles a quem se proíbe o poder de tribu-
tá-las.”"352

mais, pois, sustentar a tese de que a lei ordinária possa cumprir o papel de regular
as imu-
nidades, porque: - a Constituição em vigor é expressa ao exigir a edição de lei
comple-
mentar, no seu art. 146, supra citado; - a imunidade não pode ser regulada por
lei ordiná-
ria da pessoa estatal competente para tributar, uma vez que os interesses arrecadatór
ios
de tais entes levariam à frustração da própria imunidade.” Também neste sentido,
entre
outros: XAVIER, Alberto. As entidades fechadas de previdência privada como
institui-
ções de assistência social, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº
52, janeiro de
2000, p. 20; CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit., pp. 353 e ss.; MELO, José
Eduardo
Soares de. A imunidade das instituições de educação e de assistência social
ao imposto
de renda (Lei Federal nº 9.532/97), in Imposto de renda - alterações fundamentai
s, coord.
Valdir de Oliveira Rocha, 2º vol., São Paulo : Dialética, 1998, p. 89; COÊÉLHO,
Sacha
Calmon Navarro. Imunidade de instituições de assistência, in Revista de Direto
Tributá-
rio, nº 35, janeiro-março de 1986, pp. 123-137.
*1 Trecho do acórdão da lavra do Excelentíssimo Ministro Relator Paulo Medina,
proferido
pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso
Espe-
cial nº 413.728/RS, ocorrido na data de 8 de outubro de 2002, publicado em
2 de dezem-
bro de 2002.
toa 3
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - sistema
tribu-
tário, 6* ed., Rio de Janeiro : Forense, 1995, p. 349. Na mesma esteira
do Professor Sa-
cha Calmon, Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto (op. cit., pp. 24-25)
observam: “O
LeanDRO MARINS DE SOUZA 153

Demonstrado com sobra de argumentos que o artigo 150, VI, “c” da Cons-
tituição Federal se remete à observância de requisitos instituídos por lei com-
plementar, e não por lei ordinária, resta que se argumente no sentido de que a
lei complementar a que se faz remissão é o Código Tributário Nacional, como
se extrai da citação anteriormente feita dos ensinamentos de Paulo de Barros
Carvalho.
O Código Tributário Nacional, cuja elaboração remonta ao início da década
de 50, veio a lume em 1966 através da edição e publicação da Lei nº 5.172/66,
logo, anteriormente à Constituição de 1988 e, inclusive, à Constituição de 1967
e sua Emenda nº 01/69.
Nasceu referido diploma legal com roupagem de lei ordinária, até porque
lei complementar, em sua concepção de norma especial e que exige quórum
qualificado para a sua edição, inexistia à época do Código Tributário Nacional.º**
Consectário destas breves linhas é que o Código Tributário Nacional já vi-
geu, em nosso ordenamento, sob o comando de três Constituições diferentes: a
Constituição de 1946, que vigia à época da edição do CTN; a Constituição de
1967 e sua Emenda nº 01/69; e a Constituição atual, de 1988.
Volvendo a linhas há pouco escritas, recorda-se que discussão que ainda
subsiste em nosso sistema é acerca das funções das leis complementares em
matéria tributária, e que o cerne do problema é exatamente saber se é função
originária da lei complementar legislar sobre normas gerais em matéria tribu-
tária, ou se tal matéria é função de lei complementar somente de forma secun-
dária, ou seja, quando se legisla sobre conflitos de competência ou limitações
constitucionais ao poder de tributar. Mesmo com a promulgação do texto cons-
titucional de 1988 a polêmica persiste, não obstante a clareza do disposto no
artigo 146, HI.
Neste momento, imprescindível que se abram parênteses para falar sobre
o instituto da recepção da lei anterior, e sua aplicação prática no caso do Códi-
go Tributário Nacional. Este fenômeno, que atribui eficácia construtiva às nor-

legislador constitucional, ao conferir à lei complementar a função de regular as limitações


constitucionais ao poder de tributar, buscou manter a coerência da ordem jurídica e a efi-
cácia do seu comando, evitando abusos que pudessem restringir o gozo da imunidade.
Fosse possível estabelecer os requisitos para o gozo da imunidade, por intermédio de lei
ordinária, estaríamos diante do caos. Isto porque cada ente tributante - União, Estados,
Distrito Federal e Municípios - buscaria fixar as condições para o usufruto da imunidade
constitucional. Cada uma dessas inúmeras leis (isto para não falar nos atos infralegais que
se seguiriam) estabeleceria critérios e condicionantes os mais díspares para reger a maté-
ria. Como não existe hierarquia entre as leis ordinárias dos diversos entes políticos, seria
difícil precisar qual preceito deveria ser obedecido. Instalar-se-ia, de vez, nesse campo,
total desordem no ordenamento jurídico brasileiro.”
353 Para interessante histórico sobre a elaboração do Código Tributário Nacional, ver MAR-
TINS, Ives Gandra da Silva. Introdução, in Comentários ao Código Tributário Nacional,
coord. Carlos Valder do Nascimento, Rio de Janeiro : Forense, 1997, pp. 1-9.
34 Sobre o histórico da lei complementar no ordenamento jurídico brasileiro, ver BASTOS,
Celso Ribeiro. Lei complementar: teoria e comentários, São Paulo : Celso Bastos, 1999,
pp. 34-38.
154 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

mas constitucionais nos dizeres de José Afonso da Silva, significa que a nova
Constituição, promulgada quando existentes normas infraconstitucionais que lhe
sejam anteriores por editadas à época da vigência da Constituição anterior, re-
cepciona as normas infraconstitucionais que lhe sejam anteriores e compatí-
veis.
É exatamente este fenômeno que permite a vigência do Código Tributário
Nacional, mas não sem contratempos. Como a Constituição de 1967 era omissa
em estabelecer como uma das funções da lei complementar editar normas ge-
rais em matéria tributária, quando do início de sua vigência debateu-se sobre a
extensão da recepção dos dispositivos do Código Tributário Nacional.
Como afirma Ives Gandra da Silva Martins,
“no início da vigência do CTN, grupo de especialistas em direito tributá-
rio pretendia considerá-lo apenas uma lei federal, que não obrigava Estados e
Municípios, concluindo que apenas nos conflitos de competência e na regula-
mentação das limitações constitucionais ao poder de tributar é que tinha função
de lei complementar. Segundo essa concepção, portanto, o CTN não era veicu-
lador de normas gerais para todas as entidades federativas"?
Mas efetivamente esta concepção não era pacífica, e o próprio Ives Gan-
dra o demonstra em trabalho elaborado ainda na vigência da Constituição de
1967, asseverando que
“o CTN, apesar de ter nascido como lei ordinária, ganhou eficácia de lei
complementar, após a Constituição Federal de 67 e a Emenda Constitu-
cional nº 1/69. Pelo princípio da recepção, em direito constitucional, todo
o diploma legal que tenha natureza jurídica de instrumento veiculador
inexistente à época de seu surgimento e que não conflite com a legisla-
ção posterior, que o introduza será recebido pelo novo ordenamento, ao
mesmo nível e com a mesma conformação dos diplomas posteriores. Ora,
o Código Tributário Nacional foi promulgado como alei ordinária, por
inexistir à época o instrumental estabilizador do sistema representado
pela lei complementar. Tão logo foi o mesmo introduzido, ganhou o CTN
eficácia de lei complementar, pois correspondendo aos contornos cons-
titucionais indicados. O Código Tributário Nacional, por outro lado,

355 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 6º ed., São Paulo
:
Malheiros, 2002, p. 218.
356
“A continuidade da legislação precedente constitui um aspecto da eficácia construtiva
das
normas constitucionais, visto que essa legislação recebe da nova carta política outro jato
de luz revivificador que a revaloriza para a ordem jurídica nascente. São as normas ante-
riores como que recriadas pela constituição que sucede. É esse o fenômeno que a técnica
jurídico-constitucional denomina recepção da lei anterior” (SILVA, José Afonso da. Op.
cit. 219); “A recepção é um ato jurídico com o qual um ordenamento acolhe e toma suas
as normas de outro ordenamento, onde tais normas permanecem materialmente
iguais, mas
não são mais as mesmas com respeito à forma.” (BOBBIO, Norberto. Teoria
do ordena-
mento jurídico, trad. Maria Celeste C. J. Santos, 10º ed., Brasília : UnB, 1999, p. 177)
357 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Introdução, in Comentários ao Código Tributário
Na-
cional, coord. Carlos Valder do Nascimento, Rio de Janeiro : Forense, 1997, p. 6.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 155

como um todo, é lei complementar, como é norma constitucional, a Cons-


tituição como um todo, não obstante em um outro instituto possa haver
comandos que cientificamente melhor estariam fora dos referidos diplo-
mas legais. O Código Tributário Nacional é, portanto, lei com eficácia
de complementar pelo princípio de recepção, em direito constitucional
sendo o Livro II (Normas Gerais de Direito Tributário) a parcela do
Código que preenche a primeira e mais relevante função da lei comple-
mentar, qual seja estabelecer normas gerais de Direito Tributário.
Não obstante termos demonstrado que a polêmica sobre as funções da lei
complementar subsiste mesmo após a promulgação da Constituição de 1988, não
há dúvida de que a intenção da inclusão do inciso III no artigo 146 foi derrocá-
la.
É neste ponto que se encontram o fenômeno da recepção de normas ante-
riores e a polêmica sobre as funções da lei complementar, resultando na conclu-
são de que o Código Tributário Nacional foi recepcionado pela Constituição com
status de lei complementar, tanto no que se refere à edição de normas gerais em
matéria tributária quanto no que tange à regulação das limitações constitucionais
ao poder de tributar.
Não há dúvida de que norma jurídica infraconstitucional competente para
traçar tais requisitos é a lei complementar, mais especificamente o Código Tri-
butário Nacional,” nesse aspecto perfeitamente recepcionado pela Constituição
Federal de 1988.
358 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direito empresarial - Pareceres, 2º ed., Rio de Janeiro :
Forense, 1986, pp. 53-58.
359 Nesse sentido, entre outros: Alberto Xavier (As entidades fechadas de previdência priva-
da como instituições de assistência social, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº
52, janeiro de 2000, p. 20) assevera que “o Código Tributário Nacional (“CTN”) - na sua
função de lei complementar, reguladora das limitações constitucionais ao poder de tribu-
tar -, após reiterar na alínea c do inciso IV do art. 9º a imunidade atrás referida, subme-
teu-a à observância dos requisitos fixados na Seção II do Capítulo II do mesmo Código,
mais especificamente no seu art. 14”; Roque Antonio Carrazza (op. cit., pp. 353 e ss.);
José Eduardo Soares de Melo (A imunidade das instituições de educação e de assistência
social ao imposto de renda: Lei Federal nº 9.532/97, in Imposto de renda - alterações
fundamentais, coord. Valdir de Oliveira Rocha, 2º vol., São Paulo : Dialética, 1998, p.
89) observa que “a CF-88 deferiu à lei complementar (dotada de quorum qualificado - art.
69) a competência para regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 146,
Il), que constituem matéria pertinente às imunidades (Seção II do Capítulo 1, Título VI
da Constituição), o que vem fazendo as vezes o art. 14 do CTN”; Misabel Abreu Macha-
do Derzi (A imunidade das instituições de educação ou de assistência social, in Imposto
de renda - alterações fundamentais, coord. Valdir de Oliveira Rocha, 2º vol., São Paulo :
Dialética, 1998, pp. 145-146) ensina: “Hoje, o art. 14 do Código Tributário Nacional, una-
nimemente reconhecido pela doutrina como lei complementar no sentido “material”,
supre tal função, dispondo sobre os “requisitos” exigidos pela Constituição”; Sacha Cal-
mon Navarro Coêlho (Imunidade de instituições de assistência, in Revista de Direto Tri-
butário, nº 35, janeiro-março de 1986, pp. 124 e 125): “A lei complementar pedida pela
Constituição é, na espécie, o Código Tributário Nacional (lei complementar ratione ma-
teriae embora não o seja pelo aspecto formal, visto que ao tempo de sua edição ainda não
existia, sob este aspecto, lei complementar no Direito brasileiro. Hoje, porém, a Lei 5.172,
156 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

É, portanto, a Lei 5.172/66 - Código Tributário Nacional - o diploma legal


competente para dispor sobre os requisitos a serem cumpridos pelas instituições
de educação e de assistência social,3º com o caráter não de mera norma federal,
mas sim nacional, que dispõe sobre regras gerais em matéria de legislação tri-
butária (artigo 146, III, da CF/88) e regulamenta as limitações constitucionais
ao poder de tributar (artigo 146, II, da CF/88).
E especificamente quantoa estes requisitos, o Código Tributário Nacional,
alterado pela Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, faz menção
em seus artigos 9º e 14, exaurindo a normatização infraconstitucional quanto a
este tópico, in verbis:
“Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Muni-
cípios: (...)

de 25.10.66, só pode ser revogada por outra lei complementar, o que a legitima como tal
€ atesta a sua recepção pelo ordenamento constitucional que se lhe seguiu, confirmando-
lhe a validade)”
A jurisprudência pátria é pacífica neste sentido, tendo inclusive o Supremo Tribunal Fe-
deral assentado este entendimento em julgamento unânime do Tribunal Pleno: “Imuni-
dade tributária - Entidades voltadas à assistência social. A norma inserta na alínea “c” do
inciso VI do artigo 150 da Carta de 1988 repete o que previa a pretérita - alínea “c” do
inciso III do artigo 19. Assim, foi recepcionado o preceito do artigo 14 do Código Tributá-
rio Nacional, no que cogita dos requisitos a serem atendidos para o exercício do direito à
imunidade.” (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Mandado de Injunção nº 420-0/RJ,
Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 31 de agosto de 1994) Em complemento: “Cons-
titucional. Tributário e processual civil. IPTU. Constituição de crédito. CTN, art. 145.
Imunidade das autarquias. Constituição Federal, art. 150, VI c/c o $ 2º. Reserva material
de lei complementar das limitações ao poder de tributar. Execução fiscal contra pessoa
Jurídica de direito público. CPC, art. 730. (...) III. De acordo com o art. 146, II, da Cons-
tituição da República, a disciplina das limitações ao poder de tributar está reservada à lei
complementar, sendo, pois, inócuas, as disposições de leis estaduais que extrapolem o
estatuto normativo das imunidades no CTN (arts. 14 e 9º, 8 1º)” (Tribunal Regional Fe-
deral da 1º Região, Quarta Turma, Remessa ex-offício nº 1998.01.00.03.78980-9/MG, Rel.
Juiz Hilton Queiroz, julgamento em 11/12/2000, DJ de 26/01/2001); “Entidade de assis-
tência social sem fins lucrativos. IOF. Imunidade. Artigo 150, inciso VI, *c” da Carta
Magna/88. Requisitos artigo 14 do CTN. Lei nº 9.532, de 1997. A imunidade só pode ser
concedida pela Constituição, sendo exigido, para o estabelecimento dos requisitos à sua
concessão, lei para o estabelecimento dos requisitos à sua concessão, lei complementar,
como estatuído no artigo 146 da Carta Política, pois a ela cabe regular as limitações cons-
titucionais ao poder de tributar (CF, art. 146, Il). Desta forma, os requisitos estabelecidos
para a fruição da imunidade são aqueles dispostos no Código Tributário Nacional, artigo
14, porquanto o mesmo possui força de lei complementar” (Tribunal Regional Federal da
4º Região, Segunda Turma, Apelação em mandado de segurança nº 2001.04.01.063758-1/RS,
Rel. Des. Vilson Darós, julgamento em 11/09/2001, DJ de 03/ 10/2001); “Constitucional
e tributário. Imunidade prevista na letra c do inciso VI do artigo 150 da Constituição Fe-
deral. Parágrafo 4º do artigo 150. Lei nº 9.532/97, & 1º e alínea fdo 8 2º do art. 12, arti-
gos 13, caput, e 14. Decisão de cautelar em ADIn e artigo 97 da Constituição Federal. (...)
4. Para regular as limitações ao poder de tributar, o que pretendeu o dispositivo acoima-
do de inconstitucional, o instrumento legislativo que a Constituição exige (artigo 146, II)
é a Lei Complementar.” (Tribunal Regional Federal da 4º Região, Segunda Turma, Ape-
lação em mandado de segurança nº 2000.04.01.027274-4/RS, Rel. Des. Vilson Darós,
julgamento em 10/08/2000, DJ de 08/11/2000) Ê
LeanDRO MARINS DE SOUZA 157

IV - cobrar imposto sobre: (...)


c) o patrimônio, a renda ou serviços de partidos políticos, inclusive suas
fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de
educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os re-
quisitos fixados na seção II deste capítulo.”

“Art. 14. O disposto na alínea *c” do inc. IV do art. 9º é subordinado à


observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I- não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas ren-
das, a qualquer título;
- aplicarem integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos
seus objetivos institucionais;
NI - manterem a escrituração de suas receitas e despesas em livros reves-
tidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
$ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no $ 1º do art.
9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.
8 2º Os serviços a que se refere a alínea “c” do inc. IV do art. 9º são ex-
clusivamente os diretamente relacionados com os objetivos institucionais
das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatu-
tos ou atos constitutivos.”
São estes artigos do Código Tributário Nacional, como visto, que somados
ao artigo 150, VI, “c”, da Constituição Federal de 1988, conformam exaustiva-
mente o plexo de requisitos passíveis de serem exigidos das instituições de edu-
cação e de assistência social para fins de fruição da imunidade tributária estatuí-
da.
E da análise destes dispositivos infraconstitucionais inferem-se os requisi-
tos a serem observados pelas entidades de educação e de assistência social para
o gozo da imunidade prevista na Constituição Federal, que podem ser resumi-
dos nos seguintes: a) serem instituições de educação ou assistência social; b) não
apresentarem fins lucrativos; c) não distribuírem qualquer parcela de seu patri-
mônio ou de suas rendas, a qualquer título; d) aplicarem integralmente no país
OS seus recursos; e) que os recursos sejam utilizados exclusivamente na manu-
tenção dos seus objetivos institucionais; f) manterem a escrituração de suas re-
ceitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua
exatidão.
São estes os requisitos que, invocados pela Constituição Federal e regula-
mentados pelo Código Tributário Nacional, asseguram o exercício da imunida-
de tributária pelas entidades referidas no art. 150, VI, “c” da CF/88. Como já
dissemos em oportunidade anterior,
“o que se deve ressaltar é que o disposto nos arts. 9º e 14º do Código Tri-
butário Nacional exaure o rol de exigências invocadas pela Constituição
Federal para a fruição da imunidade tributária, não sendo permitida,
mormente pela via da edição de lei ordinária, a extensão destas exigên-
158 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

cias de modo a limitar a possibilidade de albergue, pelas normas imuni-


zantes, das instituições abarcadas pela Constituição Federal e que apre-
sentem os requisitos previstos no Código Tributário Nacional”.*! 292
Resta, portanto, que sejam analisados um a um os requisitos contidos na
Constituição Federal e no Código Tributário Nacional para a fruição da imuni-
dade tributária pelas instituições de educação e de assistência social.
Diz-se requisitos previstos tanto na Constituição Federal quanto no Códi-
go Tributário Nacional porque o próprio artigo 150, VI, “c”, e seu $ 4º, prevêem
requisitos para tanto já no âmbito constitucional, como o são, por exemplo, as
exigências de as instituições serem de educação ou de assistência social e não
terem fins lucrativos.

10.1.2. Requisitos constitucionais e infraconstitucionais exigidos para a


fruição da imunidade tributária a impostos destinada às instituições de
educação e de assistência social
Ao privilegiar as instituições de educação e de assistência social com o
manto imunizante, a Constituição já inicia estabelecendo os requisitos indispen-
sáveis para o seu gozo, remetendo-se no mais aos requisitos previstos pelos ar-
tigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional, único diploma legal competente para
tanto. Passa-se, então, à análise pormenorizada de cada um dos requisitos cons-
titucionais e infraconstitucionais.

10.1.2.1. Caracterização da instituição como sendo “de educação” ou “de


assistência social” (artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal e artigo 9º,
IV, “c” do Código Tributário Nacional)
Inicia-se a análise dos requisitos previstos para a fruição da imunidade pe-
las instituições de educação e de assistência social pela análise do próprio crité-
rio conceitual de enquadramento das instituições como “de educação” ou “de
assistência social”. Isto porque a primeira exigência é exatamente a de que as
instituições desenvolvam atividades de educação ou de assistência social.
Nota-se, portanto, que em caráter preliminar mesmo à análise das caracte-
rísticas das instituições é de se avaliar sucintamente o conteúdo da própria ex-
pressão instituições e sua real extensão.

31 SOUZA, Leandro Marins de. Op. cit., p. 74.


32 “Não podem a lei ordinária, os regulamentos ou qualquer outra espécie normativa não
complementar, legal ou infralegal, da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, criar
requisitos adicionais impertinentes (v.g. pré-constituição da entidade), a embaraçar (v.g.
exigir certidões semelhantes de órgãos distintos) ou tumultuar a comprovação daqueles
previstos no CTN, dificultando, retardando e até ilegalmente impedindo o pleno exercí-
cio da imunidade tributária que não pode depender de ato administrativo constitutivo, mas,
quando muito, de mera declaração administrativa sem margem de discricionariedade, ple-
namente vinculada às normas do CTN, promanando sempre efeitos ex tunc.” (MARINS,
James. Fundações privadas e imunidade tributária, in Revista Dialética de Direito Tribu-
tário, nº 28, janeiro de 1998, p. 27) E
LeanDRO MARINS DE SOUZA 159

a) Conceito de “instituições”
Neste tópico a dificuldade encontra-se em não haver, verdadeiramente,
conceito jurídico estanque para o termo instituição.
Em trabalho de fôlego e constantemente citado, escrito ainda sob a égide
de nossa Constituição de 1946 e destinado à análise da abrangência do disposto
em seu artigo 31, V, “b” que outorgava imunidade tributária às instituições de
educação e de assistência social, Leopoldo Braga analisa com requintes o ter-
mo instituição para lhe destinar acepção técnica e restritiva, aproximando este
termo do conceito de filantropia.
Assim o faz, por exemplo, quando observa que
“o legislador constituinte brasileiro teve em mira imunizar as entidades
de fim público, desinteressadas e altruístas, inspiradas e criadas pelo de-
sígnio de colaborar com o Estado, suprindo-lhe as deficiências ou secun-
dando-lhe a ação paternalista na obra da educação e da assistência so-
cial?,36
Em outra passagem, demonstrando a relação da idéia de filantropia com o
conceito técnico e restritivo do termo instituição que propõe, o autor aponta que
“não importa a origem pública (criação estatal) ou privada (iniciativa par-
ticular) da entidade, pois o que sobreleva como elemento fundamental ca-
racterizador da verdadeira instituição é o fim público (de assistência,
beneficência, educação, cultura, etc.), para que haja sido criada e a que
se destine com o duplo sentido de generalidade e de gratuidade” *º
No entanto, entendemos que a melhor interpretação a ser dada ao termo
instituição previsto no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988 não
segue exatamente o quanto exposto por Leopoldo Braga.
Não se verifica no sistema jurídico tributário brasileiro homogeneidade
terminológica que permita considerar a adoção do termo instituição pelos moti-
vos técnicos apresentados pelo ilustre jurista.
A começar pelo próprio artigo 150 da Constituição Federal de 1988, que
ao pretender prever a abrangência da imunidade destinada às instituições de edu-
cação e de assistência social, em seu $ 4º menciona o termo entidades.

363 «A palavra “instituição” tem, pois, como se vê, na teoria geral das pessoas jurídicas, e,
sobretudo, na área do direito administrativo, uma acepção específica própria e diferen-
ciada da acepção ampla e genérica, a que inicialmente aludimos, isto é, um especial sen-
tido técnico-jurídico reservado à qualificação de uma certa e determinada categoria de pes-
soas que, por sua ingênita e indeclinável vocação a fim público, se acham situadas além
e acima das entidades não lucrativas de fins mistos (privados e públicos) e, com razão
maior, daquelas nascidas exclusiva ou principalmente das influições do interêsse parti-
cular de indivíduos ou grupos de indivíduos e apenas ou preferencialmente destinadas à
satisfação de necessidades ou ao gozo de benefícios de seus próprios fundadores, mem-
bros ou associados.” (BRAGA, Leopoldo. Instituições de educação e de assistência so-
cial, in Repertório enciclopédico do direito brasileiro, org. J. M. Carvalho Santos, XXVII,
Rio de Janeiro : Borsoi, p. 256)
34 BRAGA, Leopoldo. Op. cit., p. 250.
365 BRAGA, Leopoldo. Op. cit., p. 255.
160 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

É o que se observa também do disposto no artigo 14 do Código Tributário


Nacional, que ao regulamentar exatamente o dispositivo comentado por Leopol-
do Braga (artigo 31, V, “b” da Constituição de 1946) faz menção às entidades
de educação e de assistência social, repetindo o mesmo termo em seu $ 2º.
Não há como se advogar, diante destas considerações, a tese de que o ter-
mo instituição, incluído no dispositivo constitucional que outorgou imunidade
às instituições de educação e de assistência social, seguiu orientações de ordem
técnica.** Não foi esta a intenção do legislador constitucional.”
E se assim não o foi feito, caem por terra as características atribuídas às
pessoas albergadas pela imunidade em comento com base em conceito técnico,
como proposto por Leopoldo Braga. A interpretação a ser feita para se chegar
às características do termo instituição deve ser a sistemática, em cotejo com a
Constituição que lhe acolhe e o ordenamento jurídico vigente como um todo.
E foi assim que “a doutrina (...) e a jurisprudência não aceitaram as restri-
ções de sentido ao termo instituição”,** conforme anota Misabel Abreu Macha-
do Derzi. E a ilustre jurista continua dizendo que
“quer se trate de uma sociedade, uma associação ou uma fundação, a ins-
tituição - não importa a forma jurídica específica - deve colimar a pres-
tação de serviços educacionais ou de assistência social, sem intuito de
lucro e com o cumprimento integral dos requisitos arrolados no art. 14
do Código Tributário Nacional”.
Não é técnico o termo instituição e sua compreensão deve se vincular exa-
tamente ao sentido contextual em que é inserida, bem como à sua função.*”º “A
palavra instituição não tem a ver com tipos específicos de entes jurídicos, à luz
de considerações estritamente formais. (...) Instituição é palavra destituída de
conceito jurídico-fiscal. (...) É um functor operacional?"

366 Leopoldo Braga (op. cit., p. 257) é enfático ao elogiar a “precisão técnica” adotada pelo
legislador constitucional ao instituir a imunidade em comento: “Adotando, pois, o em-
prego do vocábulo “instituições” (seguido do complemento de relação atributiva restriti-
va “de educação e de assistência social”) ao invés do uso de outro termo mais genérico
ou de mais largo alcance, como, por exemplo, “organizações”, “entidades”, “institutos”,
“estabelecimentos”, “associações”, etc., dúvida não há de que o legislador constituinte,
abeberado naquela doutrina e atento à especialíssima razão política justificativa da ou-
torga do privilégio imunitário, escolheu com acerto e intencional precisão técnica as ex-
pressões de que se serviu para especificar a particular natureza dos seus destinatários.”
37 No mesmo sentido veja: CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Imunidade tributária das insti-
tuições de educação, in Revista de Direito Tributário, nº 3, janeiro-março de 1978, pp.
167-172.
*68 DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas à obra de BALEEIRO, Aliomar. Limitações cons-
titucionais ao poder de tributar, 7º ed., Rio de Janeiro : Forense, 1999, p. 320.
3 DERZI, Misabel Abreu Machado. Idem, p. 320.
370 “O que a caracteriza é exatamente a função e os fins que exercem e buscam, secundária a
forma jurídica de sua organização, que tanto pode ser fundação, associação etc. O desta-
que deve ser para a função, os fins.” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à
Constituição de 1988: sistema tributário, 6* ed., Rio de Janeiro : Forense, 1995, p. 359)
31 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Idem, p. 359.
LeanDrO MARINS DE SOUZA 161

Superada esta polêmica, que configura pré-requisito à fruição da imunida-


de tributária em análise, resta chegarmos a conclusões sobre a abrangência dos
termos agregados ao vocábulo instituições, ou seja, entender o conteúdo pleno
das expressões instituições de educação e instituições de assistência social.*”?
Ambos os conceitos têm norte no texto constitucional, mas nem a educa-
ção nem a assistência social são conceituadas expressamente na Constituição.

b) Conceito de “educação”
O artigo 205 do texto constitucional estabelece que “a educação, direito de
todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a cola-
boração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu prepa-
ro para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. A Consti-
tuição não vai além destas linhas para trazer elementos conceituais agregadores
para a definição de educação para fins de enquadramento na regra imunizante.
Novamente, portanto, é imprescindível que seja analisado o contexto em
que se insere a instituição da imunidade tributária destinada às instituições de
educação.
E para tanto retomamos o quanto exposto anteriormente para lembrar que
as imunidades tributárias são expressão do constitucionalismo, que visa a garantir
à sociedade em que se insere, e na época em que se insere, a garantia das liber-
dades individuais dos cidadãos com fundamento nos princípios da democracia
participativa, da justiça social, da solidariedade social, da dignidade da pessoa
humana, entre outros. Não é diferente, e fica até mais saliente esta característi-
ca, com relação à imunidade tributária destinada às instituições de educação e
de assistência social.
Neste caso especificamente, a imunidade tributária é a consagração da ad-
missão, por parte do Estado através da Constituição, do papel fundamental da
participação da iniciativa privada em questões de interesse social como o são a
educação e a assistência social.

32 Vale a ressalva de que não obstante a Constituição Federal de 1988 falar em instituições
de educação e de assistência social, o mais correto seria instituições de educação ou de
assistência social, para não permitir interpretações desviadas no sentido da conjunção dos
requisitos. Aliás, a redação de nossa Constituição de 1967 era a mais adequada: institui-
ções de educação ou de assistência social. Voltando um pouco mais, o artigo 31, V, “b”
da Constituição de 1949 também apresentava redação equivocada, tal qual o artigo 150,
VI, “c” da Constituição de 1988. Mas a Emenda Constitucional nº 18, de 6 de dezembro
de 1965, ao alterar aquele artigo, supriu esta deficiência ao substituir a conjunção “e” pela
conjunção “ou”. Tem-se, portanto, que a Constituição de 1988 retomou equívoco que em
1965 havia sido corrigido em nosso ordenamento jurídico. Leopoldo Braga (Instituições
de previdência social, in Repertório enciclopédico do direito brasileiro, org. J. M. Car-
valho Santos, XXVII, Rio de Janeiro : Borsoi, p. 284) também se manifesta neste senti-
do: “Entre os destinatários da imunidade tributária outorgada na alínea b do inciso V ao
art. 31 da Magna Carta, figuram as “instituições de educação e de assistência social”,
expressão cujo enunciado mais correto seria - instituições de educação ou de assistência
social.”
162 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

A atividade desempenhada por estas entidades é de tamanha relevância -


somando-se, é claro, à ausência de capacidade contributiva?” - que a Constitui-
ção as coloca em patamar inalcançável pela competência tributária dos entes
estatais, como forma de seu reconhecimento.
Deve-se, por certo, interpretar restritivamente os dispositivos que outorgam
imunidade: eles se destinam, com relação à presente análise, tão-somente às ins-

373 Vale aqui o ensinamento de Roberto Quiroga Mosquera (Renda e proventos de qualquer
natureza - o imposto e o conceito constitucional, São Paulo : Dialética, 1996, pp. 126-130):
“O Texto Constitucional contempla, já em seus dispositivos introdutórios, princípios fun-
damentais que assegurem ao povo brasileiro uma vida digna onde impere o bem-estar
social, a segurança, a liberdade, a democracia, o desenvolvimento, a igualdade, a justiça,
a harmonia social etc. Entre os aludidos direitos fundamentais, formadores do Estado bra-
sileiro, temos a dignidade humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Outrossim, constituem objetivos primordiais da República Federativa do Brasil construir
uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a
pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e, por fim, pro-
mover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação. (...) A Carta Magna ao assim regular, viabiliza o atingi-
mento daqueles objetivos estipulados em seus artigos introdutórios, ou seja, a erradica-
ção da pobreza, a redução das desigualdades sociais, o desenvolvimento social, a promo-
ção do bem comum ea construção de uma sociedade igualitária, justa e solidária. O Es-
tado está comprometido com esses fins, deles não podendo se afastar. A dignidade hu-
mana pretendida somente será conquistada, na medida em que o Estado coloque à dispo-
sição do ser humano, instrumentos assecuratórios eficazes. Nas dobras dos princípios fun-
damentais e basilares acima comentados é que se revela a necessidade de se dar ao cida-
dão brasileiro condições mínimas de existência, isto é, supri-lo de bens materiais que aten-
dam às suas necessidades básicas e que lhe permitam assegurar a vida, a saúde, o bem-
estar, a dignidade e a liberdade. Dar condições mínimas de existência consiste, outros-
sim, em não tributar os valores recebidos e utilizados na consecução desse objetivo. O
mínimo vital, portanto, é insuscetível de tributação. (...) Constata-se, pois, que o Texto
Magno protege o mínimo existencial em várias situações, impedindo que sobre ele recaia
ônus tributário. A Constituição Federal, portanto, apresenta regras expressas de imunidade
tributária em relação ao mínimo vital para a sobrevivência do homem, regras estas que
estabelecem a incompetência das pessoas políticas para editarem comandos instituidores
de exações tributárias. A não-tributação do mínimo existencial, no que se refere ao im-
posto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, decorre do fato desse mínimo não
representar um acréscimo de elementos patrimoniais. Usando outras palavras, os rendi-
mentos recebidos a título de mínimo vital não acarretam qualquer espécie de mutação
patrimonial que acresça um conjunto de direitos reais e pessoais pré existente. Não se
materializa qualquer espécie de fato patrimonial modificativo aumentativo, como utiliza
a linguagem contábil para se referir ao conceito de “renda e proventos de qualquer natu-
reza”. (...) Caso o Estado tributasse o mínimo existencial, isto representaria um verdadei-
ro paradoxo, pois, ao mesmo tempo em que se retiraria dinheiro do cidadão por força da
norma tributária, necessitar-se-ia repor valor equivalente, com o intuito de fazer valer os
princípios constitucionais expressos, como o direito à vida, à liberdade, à segurança etc.
(...) Portanto, o mínimo existencial ou vital não constitui sequer “renda” e “proventos de
qualquer natureza”, já que não acresce em nada o patrimônio das pessoas. Trata-se de
mutação de elementos patrimoniais que apenas possibilitam a manutenção da vida. Logo,
não há se cogitar em capacidade contributiva. O que há no caso do mínimo existencial é
o contrário, isto é, não-capacidade econômica. A imunidade tributária do imposto sobre
a renda e proventos de qualquer natureza sobre o mínimo vital, decorre da circunstância
de não ocorrer in concreto o fato da vida descrito na norma legal in abstracto.”
LEanDRO MARINS DE SOUZA 163

tituições de educação e de assistência social que observem os requisitos legal-


mente estabelecidos para tanto. O que não é instituição de educação não está
albergado pela imunidade tributária destinada às instituições de educação.
No entanto, o conceito de educação extraído de uma interpretação sistemá-
tica e teleológica da Constituição Federal deve nos remeter ao universo condi-
zente com a vertente social de nosso Texto Magno. Isto afasta a possibilidade
de se considerar a educação abarcada pela imunidade como tão-somente a edu-
cação primária, ou qualquer interpretação que o valha.
O conceito de educação é muito mais amplo e encontra guarida na própria
Constituição. É de se ver, por exemplo, que o capítulo II do Título VIH (Da
Ordem Social) da Constituição Federal é destinado à educação, à cultura e ao
desporto. O artigo 208 (inserido na Seção I destinada à educação), por sua vez,
ao estabelecer os deveres do Estado em matéria de educação, garante o desen-
volvimento da pesquisa e da criação artística (inciso V).
Da mesma forma o artigo 214, ainda na Seção I destinada à educação, faz
menção à formação para o trabalho, à promoção humanística, à promoção cien-
tífica e à promoção tecnológica.
A educação, para fins de enquadramento da instituição no conceito de imu-
ne previsto no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal, deve ser considerada
de forma ampla, em sua plena acepção.
Já nos manifestamos especificamente a este respeito:
“A educação, ressalte-se por oportuno, deve ser considerada em seu sen-
tido lato, de forma ampla e irrestrita. Não se pode pretender que a edu-
cação a que se refere o artigo que dispõe a respeito da imunidade tribu-
tária das entidades de educação e de assistência social seja considerada
somente aquela destinada ao ensino básico e fundamental. Deve, sim, ser
considerada toda e qualquer forma de educação e em qualquer grau.
O intuito do dispositivo em questão, diga-se, é o de promover o desen-
volvimento educacional não somente no tocante ao ensino básico.
Repercussão desta conclusão é o fato de que não somente as entidades
que, enquadradas nos requisitos antes descritos, promovam a educação
básica, estarão beneficiadas com a imunidade tributária. Também as ins-
tituições de ensino superior, e outras similares, que atuem na promoção
da educação, consegiientemente possibilitando o exercício da cidadania
em sua concepção plena, poderão fruir a imunidade tributária observa-
dos os requisitos para tanto. (...) Ainda faz-se importante ressaltar que o
conteúdo da educação que ora se analisa, a nosso ver, não pode ser tido
de forma restrita. Isto porque o próprio conceito de educação é bastante
genérico e abrange inúmeras manifestações humanas, dentre elas, por
exemplo, as manifestações históricas, culturais, artísticas, desportivas,
entre outras, podendo-se em verdade ramificar a educação para fazer in-
cidir especificamente a imunidade tributária em determinados setores.”

%4 SOUZA, Leandro Marins de. Op. cit., p. 131.


164 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Concluímos, na esteira do mestre Aliomar Baleeiro, propugnando pela in-


terpretação ampla do conceito de instituição de educação, que não é “apenas a
de caráter estritamente didático, mas toda aquela que aproveita à cultura em
geral, como laboratório, instituto, centro de pesquisas, o museu, o atelier de pin-
tura ou escultura, o ginásio de desportos, as academias de letras, artes e ciên-
ciastas
Como instituição de educação, portanto, deve ser considerada toda aquela
que volte suas atividades à promoção dos valores que engloba o conceito pleno
de educação, nos termos aqui expostos. Não há, em nossa Constituição, qual-
quer dispositivo limitador deste conceito; ao contrário, o espírito constitucional
propugna por uma acepção ampla de educação, a permitir o enquadramento de
inúmeras categorias de instituições no albergue imunizante.
Não por isso a imunidade tributária perde seu caráter de especialidade: o
que se deve ressaltar é que a interpretação da Constituição deve ser feita de for-
ma plena, sistemática e teleológica, buscando apreender o contexto no qual, bem
como os motivos pelos quais, cada dispositivo foi inserido, o que já foi demons-
trado com relação ao assunto em comento.
Desde as instituições particulares de ensino fundamental, ensino médio ou
ensino superior, passando pelas instituições de ensino profissional, de difusão
da cultura e do esporte, de educação ambiental, museus, teatros, entre outras,
todas podem ser abarcadas pelo instituto da imunidade tributária aos impostos
destinada às instituições de educação, previsto no artigo 150, VI, “c” da Consti-
tuição Federal.

c) Conceito de “assistência social”


Por fim, empreitada que se mostra ainda mais sombria é a tentativa de se
caracterizar um conceito de assistência social, haja vista a diversidade de inter-
pretações que têm sido dadas a tanto e o próprio texto constitucional de 1988,
como será visto.
Como dito, somente a linha mestra a se seguir para a definição da abran-
gência de assistência social é dada pela Constituição Federal de 1988, não ha-
vendo exatamente uma conceituação constitucionalmente consagrada que pos-
sa ser utilizada.
Isto tem ensejado debates acalorados tanto no campo da doutrina quanto
nas decisões de nossos tribunais. Mas o que se vê é que a vertente que tem se
sobressaído é aquela que propugna, da mesma forma, por uma interpretação
ampla.
Antes de mais nada, para a análise do conceito constitucional de assistên-
cia social devemos atentar para o já citado artigo 6º da Constituição Federal de
1988, que trata dos direitos sociais a serem prestados pelo Estado e pela socie-
dade através das suas entidades beneficentes, e estabelece que “'são direitos so-

** BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7º ed., Rio de


Janeiro : Forense, 1999, pp. 314-315.
Leandro MARINS DE SOUZA 165

ciais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social,


a proteção a maternidade e a infância, a assistência aos desamparados, na for-
ma desta Constituição”.
Assim, em consonância com a norma citada, que determina expressamen-
te o atendimento aos direitos sociais dos cidadãos na forma desta Constituição,
houve por bem o legislador constituinte apontar a atuação das atividades de as-
sistência social através do artigo 203, que enumera suas diversas formas de ex-
pressão.*7º Não há outro dispositivo que esclareça o que venha a ser efetivamente
assistência social. Há, como visto, alguns dispositivos que apontam para os ob-
jetivos das atividades de assistência social.
Com base nisto, a assistência social pode ser considerada como o atendi-
mento aos direitos sociais enumerados no artigo 6º da Carta Magna, sendo de
responsabilidade do Estado e da sociedade. Deve ser considerada de forma abran-
gente, porque este é o intuito de nossa Constituição. Como assevera Pinto Fer-
reira “a assistência social engloba a totalidade de meios indispensáveis para as-
segurar o amparo e a reeducação das pessoas que se encontrem em dificuldades
para o provimento de sua subsistência”???
Aliás, o Supremo Tribunal Federal já apontou para a necessidade de se le-
var em consideração o conceito de assistência social de forma ampla, em voto
proferido pelo Excelentíssimo Ministro Moreira Alves que, ao analisar informa-
ções prestadas pelo Presidente da República em Ação Direta de Inconstitucio-
nalidade exatamente contra dispositivos da Lei nº 9.732/98 que alteravam a Lei
nº 8.212/91 em matéria de requisitos para fruição da imunidade prevista no arti-
go 195, $ 7º da Constituição, que entendiam pela aplicação restrita”? do conceito

*6 Constituição Federal de 1988 - “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela
necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I-a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o ampa-
ro às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de tra-
balho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promo-
ção de sua integração ao mercado de trabalho; V - a garantia de um salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não pos-
suir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme
dispuser na lei.”
37 FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira, vol. 7, São Paulo : Saraiva,
1995, p. 46.
38 “As informações do Exmo. Sr. Presidente da República levantam a questão preliminar de
que, em face da atual Constituição, o disposto no artigo 195, $ 7º, só se aplica às entida-
des beneficentes de assistência social, e, portanto, às entidades beneficentes que tenham
por objetivo qualquer daqueles enumerados pelo artigo 203, que consta da Seção IV ('Da
assistência social”) do Capítulo II (“Da Seguridade Social”) do Título VIII (“Da ordem
social”), tais como “creches comunitárias, abrigos para idosos e portadores de deficiên-
cia, entidades voltadas para assistência a mães solteiras carentes, para recuperação de
adolescentes drogados, as APAES, Pestalozzis, abrigo para portadores de HIV”, não abar-
cando as entidades beneficentes de saúde e de educação, porque a saúde é tratada em outra
seção - a II - desse Capítulo em que se insere a Seção IV relativa à assistência social, e a
educação o é na Seção I de outro capítulo (o III, “Da Educação, da Cultura e do Despor-
to”) que não o referente à Seguridade Social não podendo, pois, ser consideradas como
166 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

de assistência social para abarcar as matérias previstas no artigo 203, assim se


manifestou:
“Do exame sistemático da Constituição, verifica-se que a Seção relativa
à Assistência Social não é exauriente do que se deve entender como Ás-
sistência Social, pois, além de não se referir a carentes em geral, mas
apenas a família, crianças, adolescentes, velhos e portadores de deficiên-
cia sem sequer exigir de todos estes que sejam carentes, preceitua, em
seu artigo 203, que ela se fará independentemente de contribuição à se-
guridade social, a indicar que será gratuita, o que só se compatibilizará
com o disposto no parágrafo único do artigo 149 - que permite que os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituam contribuição co-
brada de seus servidores para o custeio, em benefício destes, de sistemas
de previdência e assistência social - se se entender que, para a Consti-
tuição, o conceito de assistência social é mais amplo não só do doutri-
nário, mas também do adotado pelo artigo 203 para a disciplina especí-
fica prevista nele e no dispositivo que se lhe segue.”
E segue o voto do Ministro Moreira Alves em interessante abordagem so-
bre o conceito de assistência social extraído de nosso ordenamento jurídico,
mesmo que por linhas tortas:
“Por isso mesmo, em sua redação originária, o artigo 55 da Lei 8.212/91,
que regulamentou as exigências que deveriam ser atendidas pelas enti-
dades beneficentes de assistência social para gozarem da imunidade -
isenção prevista na Constituição imunidade é, conforme entendimento já
firmado por esta Corte - adotou conceito mais amplo de assistência so-
cial do que o decorrente do artigo 203 da Carta Magna, ao estabelecer,
em seu inciso III, que uma dessas exigências para a isenção (entenda-se
imunidade) em favor das entidades beneficentes de assistência social
seria a de ela promover “a assistência social beneficente, inclusive edu-
cacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas caren-
tes”. Note-se, ademais, que, regulamentando as exigências necessárias
para o gozo da imunidade prevista no artigo 195, $ 7º, da Constituição,
não teria sentido pretendesse essa lei, no mesmo dispositivo regulamen-
tador da imunidade, fazer distinção entre entidades beneficentes de as-
sistência social e entidades beneficentes educacionais ou de saúde, para
estabelecer, sem declará-lo expressamente, que aquelas teriam direito à
imunidade, ao passo que a estas se concedia apenas isenção. (...)

entidades de assistência social. E, assim sendo, elas não gozariam da imunidade prevista
no referido 8 7º do artigo 195 da Carta Magna, mas apenas de isenção concedida pelo
artigo 55, da Lei 8.212/91, isenção que, por ser legal, pode ser alterada como o foi pelas
modificações e acréscimos decorrentes dos dispositivos da Lei 9.732/99 (sic) ora impug-
nados.” (Trecho do voto proferido pelo Ministro Relator Moreira Alves em decisão limi-
nar proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.036 pelo Tribunal Pleno do
Supremo Tribunal Federal, em 11 de novembro de 1999)
LEANDRO MARINS DE SOUZA 167

Esse conceito mais lato de assistência social - e que é admitido pela


Constituição - é o que parece deva ser adotado para a caracterização dessa
assistência prestada por entidades beneficentes, tendo em vista o cunho
nitidamente social de nossa Constituição.”
Veja-se que mesmo incorrendo em equívoco, em nosso sentir, o Supremo
Tribunal Federal nesta oportunidade ao manifestar entendimento de que o arti-
go 55 da Lei nº 8.212/91 se presta a regulamentar a imunidade tributária instituí-
da no artigo 195, $ 7º da Constituição Federal de 1988,*” é importante manifes-
tação de nosso guardião do Texto Magno delimitando o campo de abrangência
do conteúdo de assistência social.
Seguindo o quanto exposto, sobretudo com base na manifestação do Su-
premo Tribunal Federal trazida à colação, conclui-se que o conceito de assistên-
cia social para fins de fruição da imunidade tributária deve ser considerado em
sua acepção ampla, como toda atividade voltada à consecução de atividades so-
ciais em prol dos mais necessitados.
Nem se diga, ainda, serem necessários os critérios da gratuidade e da ge-
neralidade no desenvolvimento das atividades das instituições para que sejam
consideradas de assistência social.
A exigência de gratuidade dos serviços prestados pelas entidades é condi-
ção que sequer se coaduna com o instituto da imunidade. Se estão desoneradas
da exigência de impostos as rendas das entidades, pressuposto lógico é que as
rendas existam. E para existirem, obviamente, as entidades deverão ser remune-
radas pelas atividades que desempenham, sem que isso fira a imunidade tribu-
tária que lhes é concedida.
“É inconcebível pretender restringir o alcance da imunidade em questão
às entidades que prestam de forma gratuita seus serviços, pois isso re-
presentaria o esvaziamento da referida hipótese de imunidade. Uma exe-
gese de tal ordem frustra o desiderato pretendido pelo constituinte com
a instituição da mencionada imunidade, consistente em estimular que
outras pessoas prestem serviços de assistência social visando a auxiliar
o Estado a cumprir o seu fim institucional de assistir os hipossuficien-
tese
Como se vê, e será analisado com pormenores mais adiante, a gratuidade
não pode ser tida como requisito para caracterizar as entidades albergadas pela
imunidade tributária em comento, sob pena de frustar-se, propriamente, o pre-
ceito imunitório. É requisito que só se relaciona com conceito canônico do ter-
mo instituição, que conforme demonstrado quando da análise do conceito pro-
posto por Leopoldo Braga, não é o utilizado pelo dispositivo constitucional. !

3º Sobre esta imunidade, vide capítulo 9.3.


380 CHIESA, Clélio. A competência tributária do Estado brasileiro: desonerações nacionais
e imunidades condicionadas, São Paulo : Max Limonad, 2002, pp. 246-247.
381 Sobre este assunto, ver FERREIRA, Odim B. A imunidade tributária das entidades de
previdência fechada, partes 1 a 4, in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públi-
cas, nel loi2 e 13:
168 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Da mesma forma o critério da generalidade, apontado por Leopoldo Bra-


ga como requisito à caracterização da instituição de assistência social, não é
requisito que se extraia de nosso ordenamento jurídico, portanto não sendo exi-
gível para fins de enquadramento da instituição como sendo de assistência so-
cial. Novamente só seria aplicável se adotada a teorização proposta por Leopol-
do Braga, que a nosso ver não subsiste a uma análise teleológica e sistemática
da Constituição Federal.*2 *8

10.1.2.2. O requisito de exercício das atividades pela instituição “sem fins


lucrativos” (artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988 e artigo 9º,
IV. “c” do Código Tributário Nacional)
Caracterizado o enquadramento da instituição como sendo de educação ou
de assistência social, nos termos antes expostos, o segundo requisito a ser ob-
servado para que se lhe outorgue a fruição da imunidade tributária é a caracteri-
zação da ausência de fins lucrativos no exercício de suas atividades.
Tanto o artigo 150, VI, “c” da Constituição como oartigo 9º, IV, “c” do
Código Tributário - que deixamos de transcrever novamente para evitar o enfa-
do - exigem quea instituição de educação ou de assistência social, para fins de
fruição da imunidade em questão, dirijam suas atividades sem fins lucrativos.

382 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o requisito da generalidade tem pas-
sado por profundas alterações recentemente. Não obstante inicialmente só admitir a imu-
nidade tributária às instituições abertas ao público em geral (RE nº 52.461, 02/09/1968;
RE nº 63.411, 20/06/1973), posteriormente alargou sua interpretação para abarcar as en-
tidades que se destinassem a círculo limitado de associados (RE nº 70.834, 25/10/1971;
RE nº 74.792, 15/03/1973; RE nº 89.012, 14/04/1978; RE nº 108.796, 30/06/1986; AgRgAg
nº 120.744, 17/11/1987; RE nº 115.970, 19/04/1988; RE nº 116.631, 23/09/1988; RE nº
136.332, 25/06/1993). E novamente, em precedente que afasta a imunidade tributária em
comento das entidades fechadas de previdência privada, volta a exigir, em abrupta mu-
dança de entendimento, o critério da generalidade, em acórdão assim ementado: “Recur-
so extraordinário. Constitucional. Previdência privada. Imunidade tributária. Inexistên-
cia. 1. Entidade fechada de previdência privada. Concessão de benefícios aos filiados
mediante recolhimento das contribuições pactuadas. Imunidade tributária. Inexistência,
dada a ausência das características de universalidade e generalidade da prestação, próprias
dos órgãos de assistência social. 2. As instituições de assistência social, que trazem ínsi-
to em suas finalidades a observância ao princípio da universalidade, da generalidade e
concede benefícios a toda coletividade, independentemente de contraprestação, não se
confundem e não podem ser comparadas com as entidades fechadas de previdência pri-
vada que, em decorrência da relação contratual firmada, apenas contempla uma catego-
ria específica, ficando o gozo dos benefícios previstos em seu estatuto social dependente
do recolhimento das contribuições avençadas, conditio sine qua non para a respectiva
integração no sistema. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (Supremo Tribunal
Federal, Recurso Extraordinário nº 202.700/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Cor-
rêa, julgamento em 08/11/2001, DJ de 01/03/2002) Esta última mudança de entendimento
ocorre de forma injustificada pelo Supremo Tribunal Federal, que simplesmente ignora
as decisões anteriores para passar a entender neste sentido.
383 Vide a este respeito FERREIRA, Odim B. A imunidade tributária das entidades de previ-
dência fechada, in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, nº 11, abril-ju-
nho de 1995, pp. 147-150.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 169

Na verdade, a questão atinente à conceituação de entidade sem fins lucra-


tivos conforme exigências constitucional e infraconstitucional encontra respos-
ta nos próprios requisitos enumerados nos incisos do artigo 14 do Código Tri-
butário Nacional, que impedem a distribuição do patrimônio ou das rendas das
entidades.
Ora, incogitável pretender que certas instituições (ou entidades, como quei-
ram), não obstante se enquadrarem perfeitamente nos requisitos previstos para
o gozo da imunidade tributária encontrada no artigo 150, VI, “c” da Constitui-
ção Federal, constitucionais e infraconstitucionais, não aufiram lucro ou não
apresentem superavit no decorrer de suas atividades.
Se assim o fosse, das duas uma: ou a entidade deveria prestar serviços gra-
tuitamente, ou estaria obrigada a cobrar pelos seus serviços tão-somente o pre-
ço do custo de suas atividades.
Não é este o intuito da norma e nem poderia sê-lo. Consoante nos mani-
festamos em oportunidade anterior
“a verdadeira ratio essendi deste requisito, como dito, encontra apoio nos
requisitos previstos no art. 14 do Código Tributário Nacional, ou seja, a
entidade sem fins lucrativos é aquela que apresentando lucro não o dis-
tribua bem como não o reverta em benefício de seus instituidores ou di-
rigentes”.384
Por certo, o próprio artigo 14 do Código Tributário Nacional infirma a as-
sertiva de que as entidades de educação e de assistência social devam prestar
serviços graciosamente, quando impõe como requisitos à fruição da imunidade
tributária a não-distribuição de suas rendas e a manutenção da escrituração de
suas receitas. Ora, se o ordenamento jurídico regente das imunidades tributárias
prevê a possibilidade de as entidades auferirem rendas e receitas, não é dado ao
intérprete subsumir que as mesmas não deverão cobrar por seus serviços.
Estas receitas das entidades de educação e de assistência social a que alu-
de o Código Tributário Nacional significam despesas no outro pólo da relação,
ou seja, do tomador de seus serviços. Não há receita que não implique despesa.
A não ser que se entenda que esta despesa que se relaciona à receita da ins-
tituição deva ser, necessariamente, representativa de doação em seu favor, OU seja,

384 SOUZA, Leandro Marins de. Op. cit. p. 76. Também neste sentido, veja-se: BARRETO,
Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: limitações constitucionais
ao poder de tributar, São Paulo : Dialética, 2001, p. 17. Ainda a respeito do conceito de
sem fins lucrativos, Diva Malerbi (Imunidade tributária, in Imunidades tributárias, coord.
Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo : RT, 1998, p. 73) entende que “quanto à ausên-
cia de fins lucrativos, o que se exige é a não distribuição de seu patrimônio ou de suas
rendas, bem assim o seu investimento na própria entidade, dos resultados obtidos” e Fran-
cisco de Assis Alves (Imunidade tributária, in Imunidades tributárias, coord. Ives Gan-
dra da Silva Martins, São Paulo : RT, 1998, pp. 293-294) assevera com percuciência que
“a exigência de a entidade não ter fins lucrativos para usufruir da imunidade tributária não
significa que ela, entidade, deva prestar seus serviços gratuitamente. Se assim fosse, as
instituições privadas de educação, pelo fato de cobrarem mensalidades de seus alunos, não
estariam abrangidas pela imunidade”
170 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

que se entenda que as entidades de educação e de assistência social devam ter


como única fonte de receita doações. No entanto, além de injurídico por inexis-
tir tal sorte de exigência em nosso ordenamento, a impossibilidade de esta rea-
lidade ser implementada é evidente. O aparato administrativo, técnico, de mate-
rial, para manter a estrutura necessária à prestação de serviços por determina-
das instituições de educação e de assistência social e, assim, prover a sociedade
com suas necessidades básicas, impossibilita interpretação restritiva nestes ter-
mos.
Desta forma, a interpretação do requisito da ausência de finalidade lucra-
tiva nas atividades das instituições de educação e de assistência social, para fins
de fruição da imunidade tributária que lhes é destinada, não deve ser tergiversa-
da de modo a compreendê-lo no sentido de gratuidade dos serviços prestados.
Pelo contrário, a necessidade de remuneração pelos serviços prestados é
condição inerente à própria norma imunizante, sob pena de perder o sentido sua
previsão. É o que nos dá conta, inclusive, a lição sempre precisa de Geraldo Ata-
liba e Aires Barreto:
“A norma constitucional que confere imunidade pressupõe a existência de
auferimento de receitas pelas instituições que a salvo da instituição de impos-
tos. Visto de outro prisma: a imunidade pressupõe a realização, por essas insti-
tuições, de atividades remuneradas. De fato, é de uma clareza hialina, ostensiva
mesmo, a circunstância de que a eficácia da norma constitucional imunizante
somente terá lugar se e quando existirem bens ou rendas e, tratando-se de servi-
ços, se e quando esses proporcionarem receitas; forem, enfim, serviços remune-
rados. Com efeito, é evidente o fato de que sem o pressuposto da existência de
receitas provenientes de serviços (ou, visto de outro ângulo, da realização de
serviços sob remuneração), pelas entidades nela referidas, nenhum efeito pode-
rá ser atribuído à cláusula constitucional que “veda” “à União, aos Estados e aos
Municípios” instituir “imposto sobre os serviços” dos partidos políticos e de ins-
tituições de educação e de assistência social - que, assim, será cláusula ineficaz,
vazia de conteúdo, nula de sentido e de alcance
Caso contrário, como pontificam os mestres acima citados, não haveria
sequer justificativa para a instituição da imunidade: se a regra imunizante existe
para delimitar negativamente a competência dos entes tributantes, ou seja, afas-
tar da atividade exacional as entidades de educação e assistência social, é neces-
sário em primeiro momento que exista objeto sobre o qual recaia dita imunida-
de. Ora, se a entidade não gera receitas através de suas atividades não exteriori-
za hipótese plausível de tributação, o que derroca a finalidade da norma de atri-
buição de imunidade tributária.
Lembre-se, por oportuno, a finalidade da norma imunizante, que é o que
delineia de forma cardeal a interpretação de seus requisitos: desonerar a ativi-

38 ATALIBA, Geraldo e BARRETO, Aires F. Imunidade tributária (Sesc - entidade paraes-


tatal - instituição de assistência social - rendas de espetáculos públicos - serviços remu-
nerados), in Revista de Direito Tributário, nº 44, abril-junho de 1988, pp. 53-54.
Leandro MARINS DE SOUZA ET

dade substitutiva das instituições de educação e de assistência social em áreas


de competência precípua do Estado, incentivando seu desenvolvimento em be-
nefício da própria coletividade.
Mais um motivo - suficiente, diga-se - para que se afaste a desviada inter-
pretação que exige a gratuidade dos serviços ou a ausência de superavit. Isto
porque a existência de superavit, somado ao requisito verdadeiramente presen-
te na interpretação da cláusula sem fins lucrativos, vem, de todo modo, em be-
nefício da própria sociedade. Ora, se as instituições de educação e de assistên-
cia social prestam-se a fins nobres consistentes em prover a sociedade, de for-
ma substitutiva ou complementar, das necessidades oriundas dos direitos sociais
que lhe são assegurados, quanto maior for seu superavit e o consegiiente inves-
timento em suas finalidades essenciais, mais estará a sociedade sendo servida
pelas atividades destas entidades, e em melhor qualidade. Tem-se, então, que o
requisito imunizante ora em comento não visa a coibir o lucro, ou a finalidade
lucrativa das entidades que abarca.**
Conclui-se, portanto, que o requisito da ausência de finalidade lucrativa não
significa a necessidade de gratuidade dos serviços prestados pelas instituições
de educação e de assistência social, mas tão-somente impende que a instituição,
além de observar os demais requisitos exigidos para a fruição da imunidade tri-
butária, em observância ao preceito ditado no artigo 14, Ido Código Tributário
Nacional, não distribua seu patrimônio e suas rendas.
“É instituição sem fins lucrativos toda entidade que não tenha por objeti-
vo distribuir os seus resultados, nem o de fazer retornar seu patrimônio
às pessoas quea instituíram. Para que sejam classificadas como sem fins
lucrativos”, é mister que as instituições preencham dois requisitos: a) não
distribuam lucros (mais correto seria dizer seus superavits); e b) não re-
vertam seu patrimônio às pessoas que as criaram. Preenchidos esses pres-
supostos, tem-se instituição sem fins lucrativos.”

386 «Não ter fins lucrativos não significa, de modo nenhum, ter receitas limitadas aos custos
operacionais. Elas na verdade podem e devem ter sobras financeiras, até para que possam
progredir, modernizando e ampliando suas instalações. O que não podem é distribuir lu-
cros. São obrigadas a aplicar todas as suas disponibilidades na manutenção dos seus ob-
jetivos institucionais.” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, 18º ed.,
São Paulo : Malheiros, 2000, pp. 226-227)
387 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Op. cit. 17. Também éeste o entendi-
mento de Sacha Calmon Navarro Coêlho (op. cit., p. 373): “É admissível poder a insti-
tuição cobrar pelos serviços que presta, desnecessária a “gratuidade”, desde que reaplique
no munus institucional o que arrecadou ou lucrou (animus lucrandi sem animus distribuen-
di).” Hugo de Brito Machado (Imunidade tributária, in Imunidades tributárias, coord. Ives
Gandra da Silva Martins, São Paulo : RT : CEU, 1998, pp. 88-89) assevera: “Instituição
sem fins lucrativos é aquela que não se presta como instrumento de lucro para seus insti-
tuidores ou dirigentes. A instituição pode, e deve, lucrar. Lucrar para aumentar seu patri-
mônio e assim prestar serviços cada vez a maior número de pessoas, e cada vez de me-
lhor qualidade. O que não pode é distribuir lucros. Tem de investir os que obtiver, na
execução de seus objetivos.” Regina Helena Costa (Imunidades tributárias: teoria e aná-
lise da jurisprudência do STF, São Paulo : Malheiros, 2001, p. 181) assim se manifesta:
172 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

O requisito estabelecido no texto constitucional da inexistência de fins lu-


crativos no exercício das atividades das entidades de educação e de assistência
social representa tão-somente a não-distribuição de lucros e a não-reversão dos
mesmos a seus instituidores, afastada sobremaneira a hipótese de caracterização
deste requisito como exigência de gratuidade.
É, aliás, entendimento assente na jurisprudência de nossa Corte Suprema,
que não vacila em afastar a interpretação desviada que entende o requisito da
ausência de finalidade lucrativa como sendo equivalente à prestação de serviços
gratuitos pelas entidades:
“A Lei 5.172/66 - art. 14, não exige que a instituição seja desinteressada
ou somente preste serviços gratuitos. Exige, simplesmente, que ela não
distribua qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título
de lucros ou participações no seu resultado. Assim, os seus serviços pres-
tados como remuneração, sob qualquer forma, não a fazem perder o di-
reito à imunidade fiscal, ainda que lhe proporcionem lucros e a tornem
patrimonialmente próspera. (...) Penso que, na Constituição, se concedeu
a imunidade, para promover o ensino, e não, apenas, o ensino gratuito
(...) Penso que, se pretendesse o contrário, faria menção expressa às ins-
tituições de ensino e assistência social não remuneradas de qualquer
modo em seus serviços. A lei, por igual, não faz essa restrição, mas tão-
só as especificadas nos incs. I, II e III do art. 14 do CTN.

“Não é a ausência de lucro que caracteriza uma entidade sem fins lucrativos, posto que o
lucro é relevante e mesmo necessário para que a mesma possa continuar desenvolvendo
suas atividades. O que está vedado é a utilização da entidade como instrumento de aufe-
rimento de lucro por seus dirigentes, já que esse intento é buscado por outro tipo de enti-
dade - qual seja, a empresa. A qualificação de uma entidade como sendo “sem fins lucra-
tivos” exige o atendimento de dois únicos pressupostos: a não-distribuição dos lucros
auferidos (ou superavits) e a não-reversão do patrimônio da mesma às pessoas que a cria-
ram, com a aplicação dos resultados econômicos positivos obtidos na própria entidade.
Em conseqiiência, a não-gratuidade dos serviços prestados por uma entidade e a remune-
ração de seus dirigentes e administradores, bem como de seus empregados, não afastam,
por si sós, a exigida ausência de finalidade lucrativa.”
388 Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 93.463-RJ, Segunda Turma, Rel.
Min. Cordeiro Guerra, julgamento em 16/04/1982, DJ de 14/05/1982. No mesmo senti-
do o julgamento proferido no Recurso Extraordinário nº 70.834/RS, Segunda Turma,
Rel. Min. Adalicio Nogueira, julgamento em 25/10/1971, DJ de 21/12/71. Antes mesmo
destes dois julgados, ainda sob vigência da Constituição de 1946, o Ministro Evandro Lins
e Silva relatou acórdão neste sentido: “O fato de não haver gratuidade de todos os alu-
nos, ou de grande número de alunos, nos diversos cursos do estabelecimento, não exclui
a imunidade tributária. Esse o fundamento da decisão recorrida, isto é, a finalidade lucra-
tiva estaria no fato de ser mínimo o número de alunos matriculados nos diversos grupos,
gratuitamente. Tal argumento é insustentável, em face da letra e do espírito da Constitui-
ção. (...) Outrotanto não procede o argumento de que a expressão “instituição de educa-
ção” esteja empregada no texto constitucional no sentido de prestação de serviços, sem-
pre gratuito, sem auferição de quaisquer rendas para a sua manutenção. A instituição pode
ter rendas e cobrar serviços. A condição para a imunidade tributária é que essas rendas
ou o recebimento da prestação de serviços sejam aplicadas integralmente no país, para as
respectivas finalidades. Se a lei fala em aplicação de rendas no país é porque admite a exis-
LEANDRO MARINS DE SOUZA 173

Mais recentemente, no entanto, percebe-se que os julgamentos do Supre-


mo Tribunal Federal têm andado na contracorrente, adotando entendimento no
sentido de exigir a gratuidade das instituições para fins de aplicação da imuni-
dade tributária.**º

10.1.2.3. A exigência limitadora da imunidade aos impostos que incidam


sobre o patrimônio, a renda e os serviços, “relacionados com as finalidades
essenciais das entidades” (artigo 150, 8 4º da Constituição Federal de 1988 e
artigo 14, $ 2º do Código Tributário Nacional)
Outro requisito insculpido na Constituição e no Código Tributário Nacio-
nal diz respeito à limitação da imunidade àqueles impostos que incidam sobre o
patrimônio, a renda e os serviços que se relacionem com as finalidades essen-
ciais das entidades abarcadas pelo disposto no artigo 150, VI, “c”.
Apesar de estarmos tratando este dispositivo como requisito para a fruição
da imunidade, em verdade melhor seria considerá-lo como uma limitação im-
positiva à própria aplicação da imunidade.
Soma-se a este requisito, para fins de análise de sua finalidade, o disposto
no artigo 14, $ 2º do Código Tributário Nacional, que estabelece que “os servi-
ços a que se refere a alínea c do inciso IV do art. 9º são exclusivamente os dire-
tamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata
este artigo, previsto nos respectivos estatutos ou atos constitutivos”.
Conclui-se, de sua análise conjunta, que a intenção do requisito, por assim
dizer, é que as entidades de educação e de assistência social destinem o patri-
mônio adquirido, a renda auferida e os proventos da prestação de serviços aos
seus fins institucionais exclusivamente, sob pena de não lhes ser aplicável a
imunidade tributária.
O que se extrai do dispositivo é justamente a necessidade de se relacionar
a fruição da imunidade com a destinação dada ao patrimônio, às rendas e recei-

tência destas, e, consequentemente, o ensino retribuído.” (Supremo Tribunal Federal,


Recurso Extraordinário nº 58.691, Primeira Turma, Rel. Min. Evandro Lins e Silva, jul-
gamento em 09/05/1966)
389 Vide, por todos: Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 136.321, Primei-
ra Turma, julgamento em 24/11/1992, DJ de 25/06/1993. Vale aqui a ressalva de Odim
Ferreira (op. cit., p. 154), com a qual concordamos plenamente: “Realizar um balanço
desse campo da jurisprudência do STF não constitui tarefa simples. Os acórdãos parecem
não indicar uma tendência absolutamente segura numa direção. Percebe-se - é verdade -
uma inclinação mais recente de admitir como imunes apenas as entidades que não cobrem
de seus associados nenhuma quantia. (...) Os julgados mais modernos não citam os ante-
riores, ainda que para contestá-los. Fica, assim, a impressão de uma ruptura, não explici-
tada, em relação ao período anterior. Ambos estão justapostos, mas não se articulam. Nem
sequer se chega a enunciar que os precedentes ficaram superados pelo desenvolvimento
ulterior da jurisprudência da Corte. Nem isso. De qualquer sorte, desconfia-se de que,
modernamente, a cobrança desnature o caráter assistencial da entidade”
174 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

tas advindas da prestação de serviços da entidade. O que se discute não éa ori-


gem dos recursos, mas sua destinação.*º 91-32
Extrai-se destas considerações que todas aquelas atividades que venham a
se reverter para a consecução das atividades essenciais da entidade estarão abar-
cadas pela imunidade.
É de se levar em conta, sem sombra de dúvida, a hipótese de as atividades
desenvolvidas pelas entidades de educação e de assistência social virem a se
enquadrar nos dispositivos constitucionais que regem o abuso de poder econô-
mico e a eliminação de concorrência, quais sejam os artigos 170, IV e 173, $ 4º
da Constituição Federal.”?
É o que observa Ives Gandra da Silva Martins, ao entender que
“se a entidade imune explorasse atividade pertinente apenas ao setor pri-
vado, não haveria a barreira e ela teria condições de dominar mercados
e eliminar a concorrência ou pelo menos obter lucros arbitrários, na me-
dida em que adotasse idênticos preços de concorrência, mas livre de

39º Novamente os ensinamentos de Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto são trazidos à
colação (op. cit. p. 40): “É amplo, pois, o sentido da cláusula “rendas relacionadas com
as atividades essenciais”. Desde que lícitas, pouco importa de onde provenham as rendas
das instituições. Não é a fonte emanadora das rendas que está em questão. O que o texto
constitucional exige é aplicação nos objetivos institucionais. A cláusula volta-se, destar-
te, para os fins em que aplicadas as rendas e não para suas origens.”
39! Como bem observa Luciano Amaro (Algumas questões sobre a imunidade tributária, in
Imunidades tributárias, coord. Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo : RT, 1998, p.
151), “a norma constitucional - quando se refere às “rendas relacionadas às finalidades
essenciais” da entidade - atém-se, como adiantamos, à destinação das rendas da entida-
de, e não à natureza destas. Qualquer que seja a natureza da renda auferida, se esta tiver
destino alheio à finalidade assistencial da instituição, a imunidade não opera. Do mesmo
modo, independentemente da natureza da renda, sendo esta destinada ao atendimento da
finalidade essencial da entidade, a imunidade deve ser reconhecida.”
32 Veja neste mesmo sentido: Diva Malerbi, Imunidade tributária, in Imunidades tributárias,
coord. Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo : RT, 1998, p. 76; Sacha Calmon Navar-
ro Coêlho, Imunidades tributárias, in Imunidades tributárias, coord. Ives Gandra da Sil-
va Martins, São Paulo : RT, 1998, p. 235; Celso Ribeiro Bastos, Imunidade tributária, in
Imunidades tributárias, coord. Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo : RT, 1998, p. 251;
Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho, Imunidade tributária, in Imunidades tributárias,
coord. Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo : RT, 1998, pp. 353-354; Angela Maria
da Motta Pacheco, Imunidade tributária, in Imunidades tributárias, coord. Ives Gandra
da Silva Martins, São Paulo : RT, 1998, p. 397; Moisés Akselrad, Limitações constitucio-
nais ao poder de tributar, in Imunidades tributárias, coord. Ives Gandra da Silva Martins,
São Paulo : RT, 1998, p. 426.
33 “Art. 170. A ordem econômica, fundada da valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justi-
ça social, observados os seguintes princípios: (...) IV - livre concorrência.
(o
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de ativi-
dade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da se-
gurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (...) $ 4º A
lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à elimi-
nação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”
LeanDrRO MARINS DE SOUZA 175

impostos. Ora, o Texto Constitucional atual objetivou, na minha opinião,


eliminar, definitivamente, tal possibilidade, sendo que a junção do prin-
cípio estatuído nos arts. 173, $ 4º, e 150, $ 4º, impõe a exegese de que as
atividades, mesmo que relacionadas indiretamente com aquelas essen-
ciais das entidades imunes enunciadas nos incs. b e c do art. 150, VI, se
forem idênticas ou análogas às de outras empresas privadas, não goza-
riam de proteção imunitória.**
Ratificamos, no entanto, nosso entendimento no sentido de que esta não
pode ser a melhor conclusão da análise dos dispositivos constitucionais aplicá-
veis à espécie, apesar de a mais abalizada doutrina entender neste sentido.”
Como já nos manifestamos,** o cotejo analítico entre o âmbito de aplica-
ção da imunidade tributária e a incidência dos dispositivos que regram a limita-
ção ao abuso de poder econômico e a eliminação da concorrência demonstra a
inocorrência de conflito.
Os campos materiais de aplicação dos dispositivos que regram a imunida-
de tributária e a ordem econômica não são conflitantes. A imunidade tributária
foi criada para delimitar o campo de atuação dos entes tributantes, excluindo as
entidades de educação e de assistência social da esfera de abrangência deste
poder tributário. Em outro sentido, os dispositivos que regem a limitação ao
abuso de poder econômico e à eliminação de concorrência dizem respeito ao
exercício de atividade econômica por parte destas entidades, sobretudo em rela-
ção a terceiros.
“Poderá ocorrer de a entidade imune prestar serviços (imunes) sem afron-
tar a ordem econômica, não havendo repercussão. Poderá, no entanto, a
entidade imune prestar serviços (imunes) em afronta à ordem econômi-
ca, cabendo então as sanções legais aplicáveis pelos órgãos competen-

34 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades tributárias, in Imunidades tributárias, coord.


Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo : RT, 1998, p. 45.
395 Adeptos da opinião consonante com o entendimento de Ives Gandra da Silva Martins, de
que estaria afastada a imunidade tributária relativa aos serviços das entidades de educa-
ção e de assistência social caso houvesse afronta ao princípio da livre concorrência, Adria-
na Piraíno, Aires Fernandino Barreto, Angela Maria da Motta Pacheco, Angela Teresa
Gobbi Estrella, Antônio José da Costa, Antonio Manoel Gonçalez, Aurélio Pitanga Sei-
xas Filho, Carlos Valder do Nascimento, Celso Ribeiro Bastos, Diva Malerbi, Edison
Carlos Fernandes, Fátima Fernandes Rodrigues de Souza, Fernando Facury Scaff, Fran-
cisco de Assis Alves, Helenilson Cunha Pontes, Hugo de Brito Machado, João Francisco
Bianco, José Augusto Delgado, José Eduardo Soares de Melo, Kiyoshi Harada, Luciano
Amaro, Luiz Antonio Caldeira Miretti, Marcello Martins Motta Filho, Márcia Regina
Melaré, Maria Helena Tavares de Pinho Tinoco Soares, Maria Odete Duque Bertasi, Maria
Teresa de Almeida Rosa Cárcomo Lobo, Marilene Talarico Martins Rodrigues, Marco
Aurelio Greco, Marcos da Costa, Moisés Akselrad, Natascha Machado Fracalanza, Oswal-
do Othon Pontes de Saraiva Filho, Pedro Guilherme A. Lunardelli, Plinio José Marafon,
Ricardo Lobo Torres, Ricardo Mariz de Oliveira, Roberto Nunes Pereira, Sacha Calmon
Navarro Coêlho, Valdir de Oliveira Rocha, Vinicius T. Campanile e Vittorio Cassone,
posições destes autores manifestadas na obra Imunidades tributárias (coord. Ives Gandra
da Silva Martins), já citada.
396 Sobre esta comparação, veja SOUZA, Leandro Marins de. Op. cit., pp. 83-92.
176 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

tes pela fiscalização da ordem econômica e financeira, não necessaria-


mente implicando alteração da imunidade tributária dos serviços presta-
dos (aplicação de multa à entidade, por exemplo).”*?7-38
Desta forma, não se pode pretender tolher a imunidade tributária que alber-
ga serviços prestados por entidades de educação e de assistência social sob o
argumento de que estaria esta prestação de serviços em afronta aos princípios
da ordem econômica.
A diversidade de campos materiais de aplicação dos dispositivos regentes
da imunidade tributária das entidades de educação e de assistência social e dos
que prevêem a limitação ao abuso de poder econômico e à eliminação de con-
corrência afasta qualquer hipótese de conflito. “Embora a Constituição preser-
ve o princípio da livre concorrência, o 8 4º do art. 150 da Constituição acha-se
ligado à vedação constitucional do poder fiscal, e não às atividades que ofendam
o princípio da livre concorrência, que pode, na prática, ocorrer ou não.”*º
“O contrário seria comungar com a idéia de que se o serviço prestado es-
tivesse em dissonância com os princípios da defesa do consumidor es-

37 SOUZA, Leandro Marins de. Op. cit., pp. 87-88.


*8 “Embora reconheça a importância do princípio da livre concorrência, fundamento da or-
dem econômica constitucional (art. 170, IV), que enseja a repressão ao abuso do poder
econômico nos casos previstos (8 4º do art. 173), a interpretação supra apontada como
sistemática esbarra no complexo problema da hierarquia dos princípios constitucionais.
E não se pode contestar que o princípio imunitório, com a natureza jurídica de limitação
constitucional do poder de tributar, como definido na Carta Magna, acarretando a supres-
são da competência legislativa das pessoas políticas, tem muita força por tudo que se viu
supra, importando, inclusive, desconsideração ou desvio do importante princípio da ca-
pacidade contributiva (subitens 3.4 e 3.5). E o princípio imunitório, visto no $ 4º do art.
150 apenas como exigência de que o resultado da atividade econômica seja reaplicado nos
fins institucionais, cederia lugar em importância ao princípio da livre concorrência? Pen-
so que não. O exame dos dois princípios no contexto da Constituição oferece um obstá-
culo inafastável. Enquanto a imunidade, por sua relevância material, somente pode ser
regulada por lei complementar, a regulação do princípio da livre concorrência requer mera
lei ordinária. Atente-se a que a chamada Lei de Defesa da Concorrência, que, oficialmente,
disciplina a Prevenção e Repressão às infrações contra a Ordem Econômica (inclusive o
abuso do poder econômico referido no art. 173, 3 4º, é Lei ordinária n. 8.884 de
11.06.1994). Poderia o Cade julgar e suspender imunidade sob alegação de tentativa de
dominação dos mercados, eliminação da concorrência e aumento arbitrário dos lucros?
Não vejo essa possibilidade. Não vejo, também, como instituição imune possa desenvol-
ver atividade econômica de tal vulto que possa eliminar concorrentes, obtendo lucros não
tributáveis exagerados em comparação com os de seu concorrente. Mas, sobretudo, não
posso, mercê tão-só de interpretação, excluir da imunidade atividades de entidades imu-
nes apenas porque eventuais concorrentes estejam sujeitos à imposição tributária. Há ins-
tituições imunes que exploram padarias, confeitarias e mesmo fábrica de sapatos em São
Paulo, ao que me consta, em geral empregando é dando ensino profissionalizante a me-
nores. Poderia o intérprete excluir a imunidade invocando, somente, a violação ao prin-
cípio da livre concorrência? Creio que não.” (OLIVEIRA, Yonne Dolacio de. Imunidade
tributária, in Imunidades tributárias, coord. Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo : RT,
1998, pp. 752-753) a
*º MORAES, Bernardo Ribeiro de. A imunidade tributária e seus novos aspectos, in Imuni-
dades tributárias, coord. Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo : RT, 1998, p. 142.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 177

taria afastada a imunidade tributária. Por exemplo, se entidade alberga-


da pela imunidade tributária vendesse produto que em seu rótulo não
apresentasse as especificações necessárias de acordo com as normas con-
sumeristas, resultado disso seria o afastamento da imunidade em relação
à comercialização deste produto.”
Ademais, é de se ressaltar que nem a Constituição Federal nem o Código
Tributário Nacional fazem menção, como requisitos à fruição da imunidade tri-
butária, à observância dos princípios da ordem econômica tais quais a livre con-
corrência, o abuso do poder econômico, a dominação de mercados, etc., o que
demonstra que o objetivo do constituinte não era o de limitar a fruição da imu-
nidade a estes dispositivos enumerados no art. 170 e seguintes da Constituição
Federal, motivo que impede sejam considerados como tais.”

10.1.2.4. A exigência da “não-distribuição” (artigo 14, I do Código


Tributário Nacional) e da “aplicação dos recursos” (artigo 14, II do Código
Tributário Nacional)
O requisito da não-distribuição do patrimônio e das rendas por parte das
entidades de educação e de assistência social, a qualquer título,
*? guarda estreita
relação com o requisito da inexistência de finalidade lucrativa da entidade já
analisado. Para que a entidade se caracterize como sem fins lucrativos é neces-
sário que se observe a não-distribuição pela entidade de qualquer parcela de seu
patrimônio ou de suas rendas.“
O que está a exigir este requisito é que nenhuma outra pessoa, senão a pró-
pria instituição de educação ou de assistência social, se beneficie do resultado
do desenvolvimento de suas atividades. Não se proíbe, ao contrário se estimula,
que a entidade aufira rendas e detenha patrimônio, na medida em que exige que

40º SOUZA, Leandro Marins de. Op. cit., p. 91.


40! Neste sentido Yoshiaki Ichihara (Imunidade tributária, in Imunidades tributárias, coord.
Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo : RT, 1998, p. 333) assevera com precisão: “Ine-
xiste a possibilidade de uma interpretação que venha a restringir a exclusão da imunida-
de tributária apenas aos rendimentos de atividades que poderiam implicar agressão ao
princípio da livre concorrência. Não deve, assim, o intérprete distinguir aquilo que a lei
não distingue. (...) Por final, descabe interpretação restritiva no sentido de que somente
os rendimentos das atividades que poderiam implicar em agressão ao princípio da livre
concorrência estariam imunes, já que não se deve distinguir aquilo que a lei não distin-
gue.”
“02? Redação do inciso dada pela Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001.
403 Veja-se o que ensina Guijarro Arrizabalaga (Las fundaciones benéficas ante la reforma
del Impuesto de Sociedades, XXVIII Semana de Estudios de Derecho Financiero, Madrid,
1982, apud DEL CAMPO, José Antonio. La fiscalidad de las fundaciones y el mecenazgo,
Valencia : Tirant Lo Blanch, 2000, p. 90), para quem “debe advertirse que la no existen-
cia de lucro no quiere decir no existencia de benefícios. En realidad será el destino del
beneficio el que caracterice la no finalidad lucrativa. De esta forma, si el beneficio se re-
partiera entre los asociados, existiría ánimo de lucro, mientras que si se revierte o se in-
corpora a actividades sociales que no se materializan en un activo empresarial, nos en-
contraríamos con la inexistencia de fin lucrativo.”
178 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

invista tudo no desenvolvimento de suas atividades institucionais, caracterizan-


do-se como entidade sem fins lucrativos. É a assunção da atividade substituti-
va“ exercida por essas entidades.
É o requisito da não-distribuição do patrimônio e das rendas, insculpido no
artigo 14, I do Código Tributário, que dá o tom de desinteresse da entidade, seu
caráter de sem fins lucrativos.
Além disso, o artigo 14, II do Código Tributário exige que a entidade apli-
que todos os seus recursos em seus objetivos institucionais, que deverão ser de-
senvolvidos no Brasil.
Este requisito, na verdade, pode ser explicado através da simples abstração
da função que pretende externar, qual seja a de manter a prestação dos serviços
institucionais da entidade de educação e de assistência social, sem que haja dis-
torções na aplicação dos recursos destas instituições - como antes analisado -,
e, mais do que isso, que os recursos sejam revertidos exclusivamente aos inte-
resses da nação, ou seja, sejam utilizados efetivamente como forma de suprir a
falta de condições do Estado brasileiro em prover a sociedade com todos os ser-
viços básicos de que necessita, confirmando a atividade substitutiva destas en-
tidades.

10.1.2.5. A exigência de destinação do patrimônio em caso de encerramento


das atividades, fusão, incorporação ou cisão (artigo 14, I do Código
Tributário Nacional)
Como visto, o artigo 14, I do Código Tributário Nacional proíbe a distri-
buição, a qualquer título, de patrimônio e de renda por parte da entidade de edu-
cação ou de assistência social.
Como também foi visto, consectário da inexistência de impedimento de a
entidade ser remunerada pelos serviços que presta e, portanto, de apresentar su-
peravit em sua administração, é a possibilidade de vir a dispor de patrimônio
próprio. Aliás, em algumas oportunidades o patrimônio de entidades é bastante
grande, fruto do desenvolvimento de suas atividades, sobretudo propriamente por
conta das imunidades tributárias a que fazem jus.
Daí exsurge a questão da destinação do patrimônio da entidade de educa-
ção e de assistência social que venha a cessar suas atividades ou sofrer fusão,

“4 José Antonio Del Campo (La fiscalidad de las fundaciones y el mecenazgo, Valencia :
Tirant Lo Blanch, 2000, p. 74) utiliza esta expressão: “Es bien conocido que, histórica-
mente, la exención de impuestos a determinados estamentos sociales, como la nobleza o
el clero, fueron justificados en la retribución de su actividad. Encomendada a las mesna-
das de aquella la defensa del territorio y a éste la salvación de las almas, que se juzgaban
misiones básicas del Estado, la desviacíon de impuestos hacia los pecheros tenía un cier-
to carácter resarcitorio, pues se entendía como un exigencia de justicia conmutativa. Pues
bien. Siguiendo un razonamiento de esencia semejante, las modernas corrientes doctri-
nales justifican la especialidad del régimen tributario de las fundaciones en el valor sus-
titutivo de su actividad respecto de la imposibilidad pública de atender la creciente de-
manda de servicios de interés general.” à
Leandro MARINS DE SOUZA 179

incorporação ou cisão. Ou seja, caso a entidade venha a se deparar com a ne-


cessidade de cessar suas atividades, de proceder a determinada fusão, cisão ou
incorporação, para que a finalidade da instituição da imunidade tributária a que
fazem jus as entidades de educação e de assistência social não desapareça faz-
se mister sejam adotadas algumas cautelas.
Por óbvio, a depender da forma que ocorre esta alteração de rumos nas ati-
vidades da entidade, se não for observado procedimento que resguarde o seu
patrimônio pode-se correr o risco de se estar permitindo a sua distribuição de
forma indireta, em evidente afronta aos requisitos constitucionais e infraconsti-
tucionais insculpidos para a fruição do benefício da imunidade tributária.
Tem-se, portanto, que a resposta para tanto repousa na análise do já comen-
tado artigo 14, I do Código Tributário Nacional, que proíbe a distribuição de
patrimônio da entidade sob pena de se desfigurar o instituto da imunidade.
A solução encontrada pela doutrina tem sido a destinação do patrimônio
da entidade que sofre fusão, cisão ou incorporação a outra entidade que se en-
quadre nos requisitos para a fruição da imunidade. Ou ainda, especialmente no
caso da extinção da entidade, que se destine o patrimônio ao Poder Público.“
Com este procedimento estaria a se evitar o esvaziamento da finalidade da
imunidade tributária em comento; inexistindo tal hipótese, pode-se imaginar que
uma entidade desenvolva suas atividades por muitos anos resguardada pelo man-
to imunitório, agregando patrimônio bastante valioso e, quando de sua extinção,
destine o mesmo para seus instituidores. Não seria hipótese de suspensão da
imunidade, pois entidade já não mais existiria, mas sem dúvida o intuito do pre-
ceito imunitório estaria derrocado.
Por conta disso, o procedimento que exige a destinação do patrimônio a
outra entidade com as mesmas características, ou ainda para o Estado, é medida
preventiva imprescindível para a manutenção da higidez da finalidade da imu-
nidade tributária destinada às entidades de educação e de assistência social.

“05 «Convém lembrar que no caso de fusão, incorporação, cisão ou encerramento das ativi-
dades da entidade assistencial ou educacional sem fins lucrativos, o patrimônio desta de-
verá ser destinado a outra instituição que atenda às condições de gozo da imunidade ou
ao próprio poder público. Tal dispositivo deve ser entendido como desdobramento da
previsão contida no art. 14, I, do Código Tributário Nacional, que veda a distribuição de
qualquer parcela do patrimônio ou das rendas da entidade imune. Com efeito, fosse pos-
sível, sem perda da imunidade, destinar o patrimônio a quaisquer pessoas ou entidades,
frustrado estaria o dispositivo que veda a distribuição de lucros ou do patrimônio. Assim,
o propósito da exigência de que nos Estatutos conste o patrimônio venha a ser destinado
à outra entidade congênere ou ao Poder Público - na hipótese de extinção da entidade -
está em evitar que o acúmulo de patrimônio, ao longo do tempo, fruto do não pagamento
de impostos (e, eventualmente, da contribuição para a seguridade social, no caso de enti-
dades filantrópicas), possa beneficiar seus instituidores. Isso equivaleria a distribuir o
patrimônio e seus resultados, o que é vedado pelo inciso 1 do art. 14 do CTN” (BARRETO,
Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Op. cit., pp. 78-79)
180 TriButaçÃo DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

10.1.2.6. A exigência de manutenção de escrituração das receitas e despesas


em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão
(artigo 14, II do Código Tributário Nacional)
Por fim, o requisito previsto no artigo 14, II do Código Tributário Nacio-
nal exige quea instituição mantenha sua escrituração contábil em ordem de acor-
do com as legalidades formais. É exigência manifesta de cumprimento das obri-
gações acessórias por parte das instituições, como pontifica Sacha Calmon Na-
varro Coêlho.“
Tem por função, justamente, permitir que as autoridades administrativas
fazendárias tenham condições de confirmar o cumprimento dos requisitos cons-
titucionais e complementares pelas instituições, especialmente no que tange à
destinação do superávit e a sua não-distribuição.
Por conta deste dispositivo, é de se dizer que a imunidade tributária se di-
rige às instituições para afastá-las da incidência das obrigações principais, sub-
sistindo a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações acessórias.

10.1.3. Requisitos instituídos por legislação ordinária e outras espécies que


não são lei complementar: sua inconstitucionalidade
Não obstante a evidência da necessidade de lei complementar para a regu-
lamentação dos requisitos para a fruição de imunidades tributárias - dentre elas
a prevista no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal e regulamentada pelos
artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional -, por sua natureza de limitação
constitucional ao poder de tributar, há algum tempo têm sido editadas normas
de natureza diversa da exigida com a finalidade de impor requisitos extraordi-
nários à fruição de imunidade tributária pelas entidades de educação e de assis-
tência social.
Estes requisitos, a toda evidência, não sendo compatíveis com aqueles ins-
culpidos na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional, desbordam
os limites regulamentares e desvirtuam a eficácia e a amplitude da imunidade
tributária em comento, sobretudo pela pecha de inconstitucionalidade que sobre
eles recai. E como será visto, tanto o legislador ordinário como as autoridades
administrativas foram além de suas esferas de competência nesta matéria, extra-
passando os limites constitucionais quando da tentativa de se criarem requisitos
inovadores para a fruição da imunidade tributária pelas entidades de educação e
de assistência social.
Como prescreve James Marins,
“as autoridades tributárias vêm tolhendo, por diversas formas, o exercí-
cio de garantias dos contribuintes, criando - de modo sistemático e cres-
cente - embaraços artificiais, incompatíveis com o comando e a dicção
de normas constitucionais. Um campo de especial segurança constitu-
cional que com inusitada frequência vem sofrendo turbações é o das
imunidades tributárias, mais especificamente naquele quadrante que con-

406 COÉLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. cit. p. 351.


LeanDRO MARINS DE SOUZA 181

cerne às atividades educacionais e assistenciais. Já no ano de 1998 o


Poder Executivo se postou de modo a desprezar definitivamente a imu-
nidade das entidades sem fins lucrativos de caráter educacional e assis-
tencial. Passou, através da Lei 9.532/97 a tributar o patrimônio e a renda
das entidades protegidas pelo art. 150, VI, *c” da CF”“”
Ao editar a Lei nº 9.532/97, o legislador ordinário foi além de suas incum-
bências no que se refere ao estabelecimento de requisitos para a fruição de imu-
nidade tributária, motivo que fere este diploma legal de inconstitucionalidade,
como será visto com vagar.
Além disso, ainda com o intuito de restringir a fruição de imunidade tribu-
tária por entidades de educação e de assistência social através da instituição de
requisitos que vão além daqueles gizados pela Constituição Federal e pelo Có-
digo Tributário Nacional, na esfera administrativa foi editada a Instrução Nor-
mativa nº 113/98 pela Secretaria da Receita Federal. Como será visto, indo além
de sua função de regulamentar os requisitos legitimamente exigíveis das insti-
tuições de educação e de assistência social, referida Instrução Normativa fez
mesmo instituir novos requisitos, em total afronta à Constituição.
E para que tanto se mostre, mister retomarmos topicamente os requisitos
que efetivamente devem ser considerados lídimos a serem observados pelas ins-
tituições de educação e de assistência social, por estarem previstos em diplomas
competentes para a fixação destes requisitos, quais sejam, a Constituição Fede-
ral de 1988 e o Código Tributário Nacional (na qualidade de lei complementar
regulamentadora das limitações constitucionais ao poder de tributar). São estes
os requisitos:
a) serem instituições de educação ou de assistência social (artigo 150, VI,
“c”, da Constituição Federal de 1988 e artigo 9º, IV, “c”, do Código Tri-
butário Nacional);
b) não apresentarem fins lucrativos (artigo 150, VI, “c”, da Constituição
Federal de 1988);
c) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas ren-
das a qualquer título (artigo 14, I, do Código Tributário Nacional);
d) aplicarem integralmente, no País, os seus recursos (artigo 14, II, do
Código Tributário Nacional);
e) aplicarem seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucio-
nais (artigo 14, II, do Código Tributário Nacional);
f) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revesti-
dos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão (artigo 14, II, do
Código Tributário Nacional).
Qualquer outra exigência imposta pela legislação ordinária e que não te-
nha consonância com o rol acima não tem eficácia em face dos ditames consti-

47 MARINS, James. Imunidade tributária das instituições de educação e assistência social,


in Grandes questões atuais de direito tributário, 3º vol., coord. Valdir de Oliveira Ro-
cha, São Paulo : Dialética, 1999, p. 147.
182 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

tucionais e complementares; menos ainda os requisitos oriundos de atos admi-


nistrativos.

10.1.3.1. Lei nº 9.532/97: inconstitucional instituição de requisitos até então


inexistentes
A partir de 1997 as entidades de educação e de assistência social passaram
a ser exigidas ao cumprimento de requisitos verdadeiramente absurdos para a
fruição da imunidade tributária insculpida no artigo 150, VI, “c” da Constitui-
ção Federal, vindo, de certa forma, a impossibilitar a fruição deste “benefício”.
A imposição destes requisitos e sua exigência por parte das autoridades
administrativas advêm da edição da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997,
que, em total dissonância com o artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal e
os artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional, em seu artigo 12% instituiu a
incidência do imposto de renda também sobre os rendimentos e ganhos de capi-
tal auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável pelas
entidades de educação e de assistência social, além de enumerar rol de outros
requisitos que seriam supostamente exigíveis para a fruição da imunidade tribu-
tária.
Já em primeira análise é de se ressaltar a inconstitucionalidade formal da
Lei nº 9.532/97, haja vista a sua natureza ordinária não ser suficiente para preen-
cher o disposto no artigo 146, II da Constituição Federal que, conforme ante-
riormente demonstrado, exige edição de lei complementar para a regulação das

08 “Art. 12. Para efeito do disposto no art. 150, inciso VI, alínea “c”, da Constituição, consi-
dera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste os serviços para
os quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral, em ca-
ráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos. 8 1º Não estão abrangi-
dos pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financei-
ras de renda fixa ou de renda variável. $ 2º Para o gozo da imunidade, as instituições a
que se refere este artigo, estão obrigadas a atender aos seguintes requisitos: a) não remu-
nerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados; b) aplicar integralmen-
te seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais; c) manter
escrituração completa de suas receitas e despesas em livros revestidos das formalidades
que assegurem a respectiva exatidão; d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco
anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas re-
ceitas e a efetivação de suas despesas, bem assim a realização de quaisquer outros atos
ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial; e) apresentar, anualmen-
te, Declaração de Rendimentos, em conformidade com o disposto em ato da Secretaria
da Receita Federal; f) recolher os tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos ou
creditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos empregados, bem assim
cumprir as obrigações acessórias daí decorrentes; g) assegurar a destinação de seu patri-
mônio a outra instituição que atenda às condições para gozo da imunidade, no caso de
incorporação, fusão, cisão ou de encerramento de suas atividades, ou a órgão público; h)
outros requisitos, estabelecidos em lei específica, relacionados com o funcionamento das
entidades a que se refere este artigo. $ 3º Considera-se entidade sem fins lucrativos a que
não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em detêrminado exercício,
destine referido resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos seus ob-
jetivos sociais.” (Redação dada pelo art. 10 da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998)
LeanDRO MARINS DE SOUZA 183

limitações constitucionais ao poder de tributar. E o caput do artigo 12 da Lei nº


9.532/97 é expresso em demonstrar a pretensão deste texto, ao fazer expressa
remissão ao artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal.
Utilizou-se veículo inadequado para a regulamentação da imunidade tribu-
tária das entidades de educação e de assistência social quando da edição da Lei
nº 9.532/97, que nasce maculada de inconstitucionalidade formal no que tange
aos requisitos criados para a fruição da imunidade tributária, por não se tratar
de lei complementar.
Não obstante, para uma análise de jaez material acerca das normas veicu-
ladas pela Lei nº 9.532/97, acolhemos a distinção feita por Eduardo Bottallo*”,
que subdivide as normas editadas por este diploma legal em preceitos inconsti-
tucionais, preceitos inócuos e normas operacionais. Isto porque materialmente
é dada à lei ordinária a condição de especificar a forma de aplicação dos requi-
sitos previstos pela lei complementar para a fruição da imunidade tributária, afas-
tando a inconstitucionalidade formal nestes casos. Como bem observam Aires
F. Barreto e Paulo Ayres Barreto, “a lei ordinária não pode inovar o campo con-
ferido, com exclusividade, à lei complementar. A lei ordinária pode apenas ex-
plicitar o que já está contido na lei complementar””*!º
Por conta disso, a Lei nº 9.532/97 é materialmente válida em relação a al-
guns de seus dispositivos, assim como é inócua em relação a outros e marcada-
mente inconstitucional no que tange a alguns. O limite de sua validade será a
inovação, ou seja, naquilo que inovar os requisitos para a fruição da imunidade
tributária insculpida no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal e nos arti-
gos 9º e 14 do Código Tributário Nacional será ilegal (por afronta ao Código
Tributário Nacional) e inconstitucional (por afronta aos artigos 146, Ile 150, VI,
“c” da Constituição).
As primeiras ilegalidade e inconstitucionalidade de que padece a Lei nº
9.532/97 com relação à imunidade tributária das entidades de educação ou de
assistência social está no próprio caput do artigo 12, quando pretendeu concei-
tuar as entidades que estariam aptas a se beneficiar do albergue imunizante. Para
tanto, este dispositivo entendeu que “considera-se imune a instituição de edu-
cação ou de assistência social que preste os serviços para os quais houver sido
instituída e os coloque à disposição da população em geral, em caráter comple-
mentar às atividades do Estado, sem fins lucrativos”.
Antes de irmos ao problema encontrado no dispositivo, importante frisar
que não há problema no que concerne à previsão de que a instituição deverá pres-
tar os serviços para os quais houver sido instituída, bem como no que tange à
remissão ao necessário caráter complementar às atividades do Estado e à au-
sência de finalidade lucrativa. Todas estas previsões se apresentam, utilizando
a expressão de Bottallo, inócuas em face do já disposto tanto na Constituição
409 BOTTALLO, Eduardo. Imunidade de instituições de educação e de assistência social e
lei ordinária - um intrincado confronto, in Imposto de Renda - alterações fundamentais,
2º vol., São Paulo :Dialética, 1998, pp. 53-63.
“10 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Op. cit., p. 29.
184 TRiBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Federal como no Código Tributário, sendo simples repetições, em outras pala-


vras, de dispositivos já existentes.
Com relação à primeira delas, tanto o artigo 150, $ 4º da Constituição Fe-
deral como oartigo 14, $ 2º do Código Tributário Nacional são suficientes para
determinar a limitação pretendida. Da mesma forma, a ausência de finalidade
lucrativa é requisito previsto tanto no artigo 150, VI, “c”, da Constituição Fede-
ral, quanto no artigo 9º, IV, “c”, do Código Tributário N acima Já a menção ao
caráter complementar às sed do Estado é inócua por fazer referência a
condição ínsita a todas as instituições de educação e de assistência social, por
sua só natureza.
A ilegal e inconstitucional previsão encontrada neste dispositivo se encon-
tra na exigência de que as entidades de educação e de assistência social prestem
seus serviços e os coloquem à disposição da população em geral. Éa previsão
da universalidade da prestação de serviços, inexistente na Constituição Federal
e no Código Tributário Nacional, e que impõe trava ao desempenho das ativida-
des de educação e de assistência social de modo a dificultar a fruição da imuni-
dade tributária. Consoante já demonstrado, não há previsão alguma de que os
serviços prestados por estas instituições o sejam feitos de forma universal, mo-
tivo que justifica considerar a exigência ilegal e inconstitucional por desbordar
de sua competência regulamentar no que tange ao artigo 150, VI, “c”, da Cons-
tituição Federal e aos artigos 9º e 14, do Código Tributário aotenade Se estes
diplomas não exigiram tal sorte de requisito, não é dado à Lei nº 9.532/97 exi-
gir, por não ser competente para tanto. Requisito como este só poderia ser in-
cluído em nosso ordenamento jurídico através de revisão constitucional, haja
vista inexistir previsão constitucional que abra margem sequer a lei complemen-
tar para sua instituição. Inclusão deste requisito por lei complementar seria, de
toda sorte, inconstitucional.
Da mesma forma, o $ 1º do artigo 12 da Lei nº 9.532/97 pretendeu restrin-
gir a aplicação da imunidade tributária excluindo de sua incidência os rendimen-
tos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda
variável."
É limitação que vai de encontro aos preceitos ditados tanto pela Constitui-
ção Federal quanto pelo Código Tributário Nacional, que nenhuma distinção
fazem no que se refere a seu âmbito de aplicação. A imunidade tributária pre-
vista na Constituição Federal, em seu artigo 150, VI, “c”, destina-se às entida-
des de educação e de assistência social e abarca os impostos incidentes sobre seu
patrimônio, sua renda e seus serviços. É esta a previsão constitucional. Não há
hipótese de exclusão de parcela dos rendimentos da entidade para fins de apli-
cação do instituto da imunidade tributária, sequer por lei complementar, haja
vista a completude do preceito imunitório na Constituição Federal no que tange
a este tópico. Se assim o é, não se deixou espaço de limitação possível de ser
=.

411 «8 7º Não estão abrangidos pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos
em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.”
Leandro MARINS DE SOUZA 185

preenchido pela lei ordinária, como o fez a Lei nº 9.532/97, flagrantemente in-
constitucional.
No $ 2º do artigo 12, a Lei nº 9.532/97 passa a estabelecer, por sua conta,
requisitos adicionais a serem observados pelas instituições de educação e de
assistência social para a fruição da imunidade tributária. Alguns destes requisi-
tos são inócuos, por serem simples reprise do quanto disposto na Constituição
Federal e no Código Tributário Nacional; outros inconstitucionais, por desbor-
darem sua competência regulamentar; e outros ainda válidos, por apresentarem
simples deveres instrumentais, sem afronta alguma à Constituição e ao CTN.
Assim foi editado o artigo 12, 8 2º em comento:
“8 2º Para o gozo da imunidade, as instituições a que se refere este arti-
go estão obrigadas a atender aos seguintes requisitos:
a) não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços pres-
tados;
b) aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimen-
to dos seus objetivos sociais;
c) manter escrituração completa de suas receitas e despesas em livros re-
vestidos das formalidades que assegurem a respectiva exatidão;
d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data
da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e
a efetivação de suas despesas, bem assim a realização de quaisquer ou-
tros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial;
e) apresentar, anualmente, declaração de rendimentos, em conformida-
de com o disposto em ato da Secretaria da Receita Federal;
f) recolher os tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos ou cre-
ditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos emprega-
dos, bem assim cumprir as obrigações acessórias daí decorrentes;
£g) assegurar a destinação de seu patrimônio a outra instituição que aten-
da às condições para o gozo da imunidade, no caso de incorporação, fu-
são, cisão ou de encerramento de suas atividades, ou a órgão público;
h) outros requisitos, estabelecidos em lei específica, relacionados com o
funcionamento das entidades a que se refere este artigo.”
De fácil constatação, sem exigir maiores rodeios, que as alíneas “b” e “c”
do citado dispositivo podem ser classificadas como inócuas. Isto porque são mera
repetição, quase literal, do disposto no artigo 14, I e II, do Código Tributário
Nacional.
O dispositivo previsto na alínea “g”, por sua vez, pode gerar controvérsias.
Isto porque não há previsão constitucional ou complementar expressa no senti-
do de que as instituições devem assegurar a destinação de seu patrimônio a
outra instituição que atenda às condições para o gozo da imunidade, no caso
de incorporação, fusão, cisão ou de encerramento de suas atividades, ou a ór-
gão público. No entanto, no nosso entender esta alínea institui dever instrumental
a ser observado pelas instituições, que serve como forma de dar efetividade ao
próprio desejo constitucional de instituição da imunidade tributária. Não faria
186 TaiBuTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

sentido nenhum, verdadeiramente derrocando o preceito imunitório, permitir-se


a distribuição do patrimônio das instituições, nos casos previstos na alínea “g”,
para os próprios instituidores ou outras instituições com finalidade lucrativa,
conforme expusemos anteriormente.
A alínea “d”, por sua vez, apesar de não dispor de correlato na Constitui-
ção Federal e no Código Tributário Nacional que o justifique, não passa de mera
enunciação de dever instrumental da entidade para fins de observância ao pre-
ceito disposto no artigo 14, II do Código Tributário Nacional. É similar ao exem-
plo dado por Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto ao comentarem os limites
da lei ordinária nesta matéria:
“Pode a lei ordinária, por exemplo, dizer que os livros fiscais devem ser
previamente autenticados pela repartição competente. Essa exigência não
amesquinha, nem restringe os requisitos previstos no CTN, por represen-
tar mero desdobramento das exigência do próprio CTN (art. 14, 'c”):”*2
Também deve ser considerado como dispositivo que institui a observância
de deveres instrumentais por parte das entidades de educação e de assistência
social o disposto na alínea “e” do artigo 12, 8 2º, ao estabelecer que deverão
apresentar, anualmente, ra de rendimentos, em conformidade com o
disposto em ato da Secretaria da Receita Federal. É forma de expressão do de-
ver de fiscalização adstritoà administração tributária que não extravasa o con-
teúdo da imunidade tributária, sobretudo por se adequar ao disposto no artigo 9º,
$ 1º e ao artigo 14, III, ambos do Código Tributário Nacional.
Já a alínea “f”, na parte em que exige que a entidade recolha os tributos
retidos sobre os rendimentos por elas pagos ou creditados e a contribuição para
a seguridade social relativa aos empregados, desborda da esfera de competên-
cia da legislação ordinária por estar regulamentando a imunidade tributária em
comento, por prever requisito extraordinário ao regime instituído pela Constitui-
ção Federal e pelo Código Tributário Nacional.
Concordamos com o entendimento de que as obrigações acessórias não são
alcançadas pela imunidade tributária, haja vista sua imprescindibilidade à obser-
vância do desígnio dirigido à Administração que é o dever de fiscalização.
Nesta esteira, entendemos que a legislação ordinária pode estabelecer re-
quisitos de ordem formal a serem observados pelas entidades de educação e de
assistência social, desde que não venha a obstaculizar a fruição do benefício da
imunidade tributária. É a previsão de deveres instrumentais, como já havíamos
nos manifestado.
No entanto, ao passo que a alínea “f” parece prever deveres instrumentais,
está na verdade criando requisito que limita o preceito imunizante, indo além das
esquadrias fixadas pelo Código Tributário Nacional. Estáatratar da vinculação
da observância dos requisitos para a fruição da imunidade tributária por parte das
entidades de educação e de assistência social a seu adimplemento na qualidade
de responsável tributário. .

“2 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Op. cit. p. 29.


LeanDrO MARINS DE SOUZA 187

Em análise direta do artigo 121, II do Código Tributário Nacional,*º sufi-


ciente para o presente estudo, vê-se que em relação à retenção do imposto de
renda dos valores pagos pelas entidades e à contribuição para a seguridade so-
cial a cargo dos empregados, sua condição é de sujeito passivo da obrigação
principal por aplicação do conceito de responsabilidade tributária, de acordo
com a legislação específica destes tributos.
A toda evidência não se pode dizer que as entidades de educação e de as-
sistência social seriam imunes a estes tributos, haja vista a imunidade tributária
somente se destinar à proteção do patrimônio, da renda e dos serviços da pró-
pria instituição. Não é o caso, haja vista as hipóteses de retenção em comento
fazerem incidir os tributos respectivos sobre o valor dos serviços prestados para
a instituição e sobre os rendimentos auferidos por seus empregados. É espécie
de desconto que grava a parte que se relaciona com a instituição, e não a pró-
pria instituição.
No entanto, isto não retira da instituição de educação e de assistência so-
cial a condição de sujeito passivo da obrigação principal, caracterizando-se, no
caso de não retidos os tributos a que se refere a alínea “f” do $ 2º do artigo 12
da Lei nº 9.532/97, inadimplemento por parte da instituição. Nem a Constitui-
ção Federal nem o Código Tributário Nacional exigem, em momento algum,
como requisito para a fruição da imunidade tributária prevista no artigo 150, VI,
“c” do texto constitucional, que as instituições a que se dirige o preceito este-
jam adimplentes com todos os outros tributos que incidem sobre suas ativida-
des, mesmo que na qualidade de responsáveis.
Há sanções legalmente previstas para as hipóteses ora vertidas, inclusive
na esfera criminal por se tratar de crime de apropriação indébita. Além disso, a
Administração Tributária é dotada de aparato processual e procedimental para
exigir os tributos impagos pelas instituições de educação e de assistência social
em casos que tais, mas não lhe é dado exigir a condição de adimplentes para fins
de gozo da imunidade tributária que lhes é destinada. É, portanto, inconstitucio-
nal tal requisito.
A alínea “h” do dispositivo objeto do presente tópico, por si só, não pode
ser considerada inconstitucional. Isto porque, como dito, a legislação ordinária
tem espaço para a criação de deveres instrumentais, auxiliares na fiscalização das
atividades desenvolvidas pelas instituições de educação e de assistência social,
desde que não vão além da Constituição Federal e do Código Tributário Nacio-
nal. A remissão a outros requisitos estabelecidos em lei específica não pode, iso-
ladamente, ser considerada inconstitucional ou ilegal, mas também não tem ser-
ventia alguma.

“3 “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de


tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único - O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
O)
II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra
de disposição expressa de lei.”
188 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Por fim tem-se a alínea “a” do $ 2º, que incita a entidade a “não remune-
rar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados”. Como bem
observa José Eduardo Soares de Melo,
“além desta vedação não encontrar correspondência em nenhum requi-
sito do CTN, é imperioso convir que o pagamento a diretor, ou qualquer
espécie de gerente das instituições imunes, não representa nenhuma vio-
lação aos preceitos básicos da imunidade, especialmente porque não ti-
pifica distribuição disfarçada de lucros”*!*
Para pôr pá de cal na polêmica, invocamos os ensinamentos sempre preci-
sos de Misabel Derzi, para quem:
“Incompreensível a exigência da inexistência de remuneração de dirigen-
tes e administradores das entidades imunes. Remuneração de serviços
prestados não configura distribuição de lucros ou participação nos resul-
tados ou no patrimônio. A diferenciação é elementar. Injustificável fren-
te à Constituição confundir inexistência de fins lucrativos - característi-
ca presente no art. 150, VI, “c' - com pagamento de remuneração a diri-
gentes das pessoas imunes. A fraude acaso existente não se combaterá
dessa maneira. Outros artifícios remuneratórios poderão ser criados, sob
outros títulos.”
Recaem, portanto, sobre o disposto na alínea “a”, do artigo 12, $ 2º, da Lei
nº 9.532/97, ilegalidade e inconstitucionalidade, por td em lei complemen-
tar e na Constituição Federal o requisito incluído por este dispositivo. Não exis-
tindo, está a lei ordinária inovando a ordem jurídica regente da imunidade tribu-
tária em comento, donde se extrai o quanto exposto.
Frise-se que a remuneração de dirigentes pelos serviços prestados não é e
nem poderia ser requisito para a fruição da imunidade. Não se pode esperar, so-
bretudo em tempos de profissionalização do Terceiro Setor, que dirigentes pres-
tem serviços graciosamente.
O dirigente, como o próprio preceito inconstitucional esclarece, presta ser-
viços à entidade, sendo estranho admitir a não-remuneração por esta prestação
de serviços. Volte-se ao requisito do Código Tributário Nacional, que estabele-
ce que as instituições não podem distribuir parcela de suas rendas ou de seu
patrimônio, a qualquer título.
Somente interpretação desviada concluiria pelo enquadramento da remu-
neração de dirigentes pelos serviços prestados na idéia de distribuição de lucros.
É simples contraprestação aos serviços prestados, como o fazem não só os diri-
gentes como todos os outros empregados da entidade.

“4 MELO, José Eduardo Soares de. A imunidade das instituições de educação e de assistên-
cia social ao imposto de renda: Lei federal nº 9.532/97, in Imposto de renda - alterações
fundamentais, 2º vol., coord. Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo : Dialética, 1998, p.
ga
“15 DERZI, Misabel Abreu Machado. A imunidade dasinstituições de educação ou de assis-
tência social, in Imposto de renda - alterações fundamentais, 2º vol., coord. Valdir de
Oliveira Rocha, São Paulo : Dialética, 1998, pp. 176-177.
Leandro MARINS DE SOUZA 189

Não é este o caminho adequado para se evitar as eventuais fraudes que


ocorrem nas instituições de educação e de assistência social - assim como em
todos os outros ramos de atividade. A falha no aparato administrativo estatal de
fiscalização destas atividades não pode ser imputada genericamente às próprias
instituições, através da exigência de requisitos absurdos, injustificáveis, ilegais
e inconstitucionais. Deve o Estado assumir a falha e procurar meios idôneos para
resolvê-la, o que efetivamente é salutar não só para o Estado, mas para as pró-
prias instituições sérias - a maioria delas - e para a própria sociedade.
Apesar do tom de conclusão, não param por aí as barbaridades cometidas
pela Lei nº 9.532/97. O $ 3º do mesmo artigo 12 tenta alterar o conceito de enti-
dade sem fins lucrativos previsto na Constituição Federal e no Código Tributá-
rio Nacional, dispondo: “$ 3º Considera-se entidade sem fins lucrativos a que
não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado
exercício, destine referido resultado integralmente ao incremento de seu ativo
imobilizado.”
O que interessa dizer é que o dispositivo em referência tem a intenção de
limitar as hipóteses de enquadramento de entidades no conceito de sem fins lu-
crativos. Como já foi visto, a exigência de ausência de superavit atenta flagran-
temente contra a própria razão do preceito imunitório; o superavit é condição
indispensável ao desenvolvimento das atividades prestadas pelas entidades de
educação e de assistência social, notadamente por lhes permitir o crescimento e
a melhoria nas suas condições de prestação de serviços. E o incremento de suas
atividades, que vem em benefício de toda a sociedade, não se dá somente atra-
vés do investimento no seu ativo imobilizado. Nada impede que este superavit
seja reinvestido pela entidade, no desenvolvimento de suas atividades institu-
cionais ou como forma de manutenção do seu valor monetário, desde que, é cla-
ro, o resultado disso seja reinvestido nos seus objetivos institucionais."
Como bem ensina Hugo de Brito Machado
“cumpre deixar claro que o legislador não pode definir o que quer dizer
*sem fins lucrativos”, porque se pudesse fazê-lo estaria autorizado a anu-
lar o dispositivo imunizante, o que não é razoável admitir. Aliás, fosse
propósito do constituinte dar tamanho poder ao legislador ordinário, te-

“16 José Eduardo Soares de Melo (A imunidade das instituições de educação e de assistência
social ao imposto de renda: Lei federal nº 9.532/97, in Imposto de renda - alterações fun-
damentais, 2º vol., coord. Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo : Dialética, 1998, p. 92)
comenta este dispositivo: “Estranho o conceito acima formulado, uma vez que a existên-
cia de superavit, por si só, não significa que a entidade tenha fins lucrativos, pela singela
razão de que tal situação econômica é própria de qualquer tipo de atividade, ao buscar
resultado positivo, pois não é crível admitir-se a intenção em sentido oposto (almejar re-
sultado negativo, prejuízos, situações deficitárias). Sob esse aspecto, também injurídica
a destinação do superávit (utilização no ativo imobilizado), não só porque cria obrigação
não prevista no CTN, mas também pela circunstância de que o administrador pode reali-
zar diferente tipo de aplicação, desde que esteja vinculada à manutenção dos seus objeti-
vos.”
190 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

ria deixado que o estímulo às instituições de educação e de assistência


social ficasse a critério do legislador, que lhes poderia outorgar isen-
coesa
Tanto o é assim que o $ 3º do artigo 12 da Lei 9.532/97 foi alterado pelo
artigo 10 da Lei nº 9.718/98, especialmente em sua segunda parte, para afastar
a exigência descabida de investimento do superavit exclusivamente no incremen-
to do ativo imobilizado da entidade para fins de caracterizá-la como sem fins
lucrativos, passando a vigorar nos seguintes termos: “$ 3º Considera-se entida-
de sem fins lucrativos a que não apresente superávit em suas contas ou, caso o
apresente em determinado exercício, destine referido resultado, integralmente,
à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.”
Andou bem aalteração legislativa, ao adequar a legislação ordinária, ao
menos em parte, aos preceitos da Constituição Federal e do Código Tributário
Nacional. Infelizmente não se aproveitou a oportunidade para adequar todo o
dispositivo, de modo a alterar a previsão de que as entidades sem fins lucrativos
não podem apresentar superavit. Em verdade, teria realmente andado bem a al-
teração legislativa se tivesse feito revogar este dispositivo, pois sua pretensão de
conceituar entidades sem fins lucrativos é vã. Tal sorte de conceituação, na sea-
ra das limitações constitucionais ao poder de tributar, só é dada à lei comple-
mentar, e o Código Tributário Nacional já o fez.
No artigo 13,º!º pretende a lei ordinária estabelecer critérios novos a serem
observados pelas instituições de educação e de assistência social, sob pena de
lhe ser aplicado o artigo 14 e, portanto, suspenso o gozo da imunidade. No en-
tanto, como dito o artigo 13 vai além dos artigos 9º e 14 do Código Tributário
Nacional, estabelecendo requisitos formais extravagantes para a fruição da imu-
nidade tributária prevista no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988.
Melhor sorte não tem o artigo 13, senão sua inconstitucionalidade; extra-
vasou sua competência ao prever requisitos para a fruição da imunidade e, além
disso, a sanção pelo seu eventual descumprimento.
E a reboque desta inconstitucionalidade, seguindo o mesmo destino, vem
o artigo 14 da Lei nº 9.532/97, que dispõe que “à suspensão do gozo da imuni-
dade aplica-se o disposto no art. 32 da Lei nº 9.430, de 1996”. Remetendo-se a
dispositivo inconstitucional, qual seja o artigo 13 da Lei nº 9.532/97, seu desfe-
cho é a inconstitucionalidade.

“7 MACHADO, Hugo de Brito. Imunidade tributária das instituições de educação e de as-


sistência social e a Lei 9.532/97, in Imposto de renda - alterações fundamentais, 2º vol.,
coord. Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo : Dialética, 1998, p. 69.
“18 «Art. 13. Sem prejuízo das demais penalidades previstas na lei, a Secretaria da Receita
Federal suspenderá o gozo da imunidade a que se refere o artigo anterior, relativamente
aos anos-calendário em que a pessoa jurídica houver praticado ou, por qualquer forma,
houver contribuído para a prática do ato que constitua infração a dispositivo da legisla-
ção tributária, especialmente no caso de informar ou declarar falsamente, omitir ou simular
o recebimento de doações em bens ou em dinheiro, ou de qualquer forma cooperar para
que terceiro sonegue ou pratique ilícitos fiscais.”
LeanDrO MARINS DE SOUZA 191

Como nos ilustra Eduardo Bottallo,


“são inconstitucionais as previsões da Lei 9.532/97 que pretenderam res-
tringir o alcance do instituto da imunidade tal como estabelecido pela Lei
Maior. E esta inconstitucionalidade deriva exatamente do fato de que
referidas previsões desafiaram aquele “campo de incompetência” atrás
referido, cujo acesso é vedado, em termos absolutos, ao legislador ordi-
nário.*1º
Vê-se que o legislador ordinário, na edição da Lei 9.532/97, transbordou
sua possibilidade de ação ao prever inúmeros requisitos inexistentes no Código
Tributário Nacional - norma competente para a regulamentação das imunidades
tributárias -, evidentemente eivada de inconstitucionalidade.*?
Não foi à toa que a Confederação Nacional de Saúde - Hospitais, estabele-
cimentos e serviços - CNS, em 11 de março de 1998, ajuizou Ação Direta de
Inconstitucionalidade autuada sob o nº 1.802-3 perante o Supremo Tribunal Fe-
deral, alegando a inconstitucionalidade dos artigos 12, 13 e 14 da Lei nº 9.532/97
antes citados. Esta Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta com funda-
mento exatamente nos artigos 146, IL e 150, VI, “c” da Constituição Federal,
apontados como dispositivos constitucionais violados, tem como relator o Mi-
nistro Sepúlveda Pertence, tendo havido julgamento liminar pelo Pleno do Su-
premo Tribunal Federal em 27 de agosto de 1998 acatando parcialmente o pedi-
do para suspender a vigência do $ 1º e a alínea “f” do $ 2º, ambos do art. 12,
do art. 13, caput e do art. 14 da Lei nº 9.532/97.º!
“9 BOTTALLO, Eduardo. Op. cit., p. 59.
“20 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 72. No mesmo sentido, José Eduardo Soares de
Melo (A imunidade das instituições de educação e de assistência social ao imposto de
renda: Lei federal nº 9.532/97, in Imposto de renda - alterações fundamentais, 2º vol.,
coord. Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo : Dialética, 1998, p. 89) observa que “como
decorrência lógica, falece competência a qualquer outro veículo normativo para estabe-
lecer requisitos e condições atinentes à imunidade, face o que se revela inconstitucional
a Lei federal nº 9.532/97”; Misabel Abreu Machado Derzi (A imunidade das instituições
de educação ou de assistência social, in Imposto de renda - alterações fundamentais, 2º
vol., coord. Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo : Dialética, 1998, p. 177), da mesma
forma entende: “A nosso ver, a Lei 9.532/97 padece de inconstitucionalidade formal e
material na parte em que redefine e limita o conceito de renda (para dele excluir os ga-
nhos de capital em aplicações financeiras); restringe a ampla noção de instituição de edu-
cação ou de assistência social, contemplada no art. 150, inciso VI, alínea “e”, para dele
excluir as entidades fechadas sem finalidade lucrativa; e naquela em que cria requisitos
que inviabilizam a existência daquelas entidades imunes.”
42 O deferimento parcial da liminar pleiteada tem o seguinte conteúdo: “I. Ação direta de
inconstitucionalidade: Confederação Nacional de Saúde: qualificação reconhecida, uma
vez que adaptados os seus estatutos ao molde legal das confederações sindicais; pertinên-
cia temática concorrente no caso, uma vez que a categoria econômica representada pela
autora abrange entidades de fins não lucrativos, pois sua característica não é a ausência
de atividade econômica, mas o fato de não destinarem os seus resultados positivos à dis-
tribuição de lucros. II. Imunidade tributária (CF, art. 150, VI, c e 146, ID): “instituições de
educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”: deli-
mitação dos âmbitos da matéria reservada, no ponto, à intermediação da lei complemen-
tar e da lei ordinária: análise, a partir daí, dos preceitos impugnados (L. 9.532/97, arts.
192 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Tem-se, portanto, a confirmação da inconstitucionalidade e da ilegalidade


da Lei nº 9.532/97 naquilo que vai além do disposto na Constituição Federal de
1988 e no Código Tributário Nacional.

10.1.3.2. A Medida Provisória 1.680-07, de 29 de junho de 1998 e a Instrução


Normativa nº 96, de 21 de setembro de 1998, da Secretaria da Receita Federal:
inconstitucionalidades e ilegalidades que pegam carona na Lei nº 9.532/97
Pegando carona no ilegal e inconstitucional dispositivo introduzido pelo
artigo 12, 8 1º da Lei nº 9.532/97 acima analisada, que restringe a imunidade das
instituições de educação e de assistência social para afastá-la dos rendimentos e
ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de ren-
da variável, foi editada a Medida Provisória nº 1.680-07, em 29 de junho de
1998, fazendo incidir imposto de renda na fonte sobre os rendimentos auferidos
pelas instituições de educação e de assistência social em aplicações em fundos
de investimento.“
Esta Medida Provisória foi reeditada inúmeras vezes, mantendo-se este
dispositivo, em vigor atualmente, por força da Emenda Constitucional nº 32/2001,
em sua 49º reedição, sob o número 2.189, de 23 de agosto de 2001.
Pelos mesmos argumentos lançados para determinar a inconstitucionalida-
de e a ilegalidade do artigo 12, $ 1º da Lei nº 9.532/97, o artigo 6º desta Medida

12 a 14): cautelar parcialmente deferida. 1. Conforme precedente no STF (RE 93.770,


Mufoz, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a Constituição remete à lei
ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a
constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o que
diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina infracons-
titucional, ficou reservado à lei complementar. 2. À luz desse critério distintivo, parece
ficarem incólumes à eiva da inconstitucionalidade formal argiida os arts. 12 e 88 2º (sal-
vo a alínea “f”) e 3º, assim como o parág. único do art. 13; ao contrário, é densa a plausi-
bilidade da alegação de invalidez dos arts. 12, 3 2º, 'f; 13, caput, e 14 e, finalmente, se
afigura chapada a inconstitucionalidade não só formal mas também material do 8 1º do
art. 12, da lei questionada. 3. Reserva à decisão definitiva de controvérsias acerca do con-
ceito da entidade de assistência social, para o fim da declaração da imunidade discutida -
como as relativas à exigência ou não da gratuidade dos serviços prestados ou à compre-
ensão ou não das instituições beneficentes de clientelas restritas e das organizações de
previdência privada: matérias que, embora não suscitadas pela requerente, dizem com a
validade do art. 12, caput, da L. 9.532/97 e, por isso, devem ser consideradas na decisão
definitiva, mas cuja delibação não é necessária à decisão cautelar da ação direta.” (Supre-
mo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.802-MC/DF, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 27/08/1998) O Tribunal, por una-
nimidade, deferiu, em parte, o pedido de medida cautelar, para suspender, até a decisão
final da ação, a vigência do $ 1º e a alínea “f” do $ 2º, ambos do art. 12, do art. 13, caput
e do art. 14, todos da Lei nº 9.532, de 10/12/97, e indeferindo-os com relação aos demais.
Esta decisão ainda não foi publicada e o mérito do julgamento desta ADIn está pendente
de julgamento deste então.
“Art. 6º A partir de 1º de janeiro de 1999, a incidência do imposto de renda na fonte so-
bre os rendimentos auferidos por qualquer beneficiário, inclusive-pessoa jurídica isenta e
as imunes de que trata o art. 12 da Lei nº 9.532, de 1997, nas RENT em fundos de
investimento, ocorrerá: (...).”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 193

Provisória, por pretender limitar a abrangência do preceito imunitório a que fa-


zem jus as instituições de educação e de assistência social, é inconstitucional por
afronta aos artigos 146, Il e 150, VI, “c” da Constituição Federal, e ilegal por
afronta aos artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional. Nenhum dos dois di-
plomas competentes para definir as características da imunidade tributária res-
tringiram o conceito de renda a ponto de afastar os rendimentos auferidos em
fundos de investimento. Fazendo-o, a Medida Provisória fere de morte a imuni-
dade tributária.
Assim também o faz - nem se fale! - a Instrução Normativa nº 96, de 26 de
dezembro de 1997. Ao regulamentar administrativamente a incidência do im-
posto de renda na fonte sobre rendimentos de aplicações financeiras, à primeira
vista andou bem quando, em seu artigo 4º, $ 11, “c”, dispensou da retenção os
rendimentos auferidos pelas entidades imunes a que se refere o art. 150, VI, da
Constituição.**
Mas contraditoriamente, logo depois, em seu artigo 8º, reafirma o equívo-
co do artigo 12, $ 1º da Lei nº 9.532/97, ao estabelecer:
“Art. 8º Sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte os rendi-
mentos e ganhos de capital, inclusive ganhos líquidos, auferidos, a par-
tir de 1º de janeiro de 1998, pelas instituições de educação ou de assis-
tência social a que se refere o art. 12 da Lei nº 9.532, de 1997, em apli-
cações financeiras de renda fixa ou de renda variável”
Não satisfeita com esta incongruência, em seu artigo 10, II, “b”, reafirmou
a ilegalidade e inconstitucionalidade:
“Art. 10. O disposto nesta Instrução Normativa não se aplica aos rendi-
mentos auferidos:
(E
IN - em aplicações financeiras de titularidade:
(us)
b) das entidades imunes mencionadas no art. 150 da Constituição, que
não instituições de educação ou de assistência social”
Louvável o intento da Instrução Normativa, em prestigiar a imunidade cons-
titucional reafirmando-a em seu texto. Mas foi além disso, e assim se fez incons-
titucional. Sem justificativa inteligível, a Instrução Normativa prestigiou a imu-
nidade de algumas entidades - mesmo não tendo utilidade nenhuma este prestí-
gio - e, como se pudesse, limitou a imunidade constitucional por ato adminis-
trativo, fazendo incidir imposto de renda na fonte sobre os rendimentos em apli-
cações financeiras de titularidade das instituições de educação e de assistência
social. Rematado absurdo.

423 A IN nº 96/97 foi revogada pela IN nº 79, de 1º de agosto de 2000.


“4 «8 11. Ficam dispensados da retenção do imposto, os rendimentos auferidos por: (...) c)
entidades imunes a que se refere o art. 150, inciso VI, da Constituição.”
194 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

10.1.3.3. Instrução Normativa nº 113, de 21 de setembro de 1998, da


Secretaria da Receita Federal: mais ilegalidades e inconstitucionalidades
Se fomos enfáticos em dizer, repetidamente, que a norma competente para
regulamentar a imunidade tributária destinada às instituições de educação e de
assistência social prevista no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal é a lei
complementar, e que o Código Tributário Nacional é quem faz as vezes desta
regulamentação, e que portanto qualquer outro requisito previsto em lei ordiná-
ria para a fruição desta imunidade, que vá além desta regulamentação, é incons-
titucional e ilegal, que se dirá daqueles requisitos pretensamente instituídos por
ato administrativo, pela via da Instrução Normativa.
Assim surgiu a Instrução Normativa nº 113, de 21 de setembro de 1998,
editada pela Secretaria da Receita Federal, com o intuito de, como se fosse com-
petente para tanto, dispor sobre as obrigações de natureza tributária das insti-
tuições de educação.
Como já ficaram bastante claros os motivos pelos quais se consideram ile-
gais e inconstitucionais quaisquer requisitos para a fruição da imunidade tribu-
tária em comento que vão além da Constituição Federal e do Código Tributário
Nacional, os comentários sobre este ato administrativo serão feitos de forma
genérica, sem que se vá aos detalhes. Até porque não é a pretensão do presente
trabalho exaurir a regulamentação administrativa sobre o assunto, sob pena de
infindáveis e inseguras linhas encaminharem as demais ao enfado e ao descrédito.
É importante, para que se tenha noção exata da origem teleológica da Ins-
trução Normativa nº 113/1998, que se transcreva seu preâmbulo: “O Secretário
da Receita Federal, no uso das suas atribuições e tendo em vista as disposições
dos artigos 12 a 14 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, resolve.” Por
incrível que pareça, a pretensão da Instrução Normativa é mesmo a regulamen-
tação da Lei nº 9.532/97 no âmbito administrativo, especialmente no que tange
aos “requisitos” para a fruição da imunidade tributária a serem observados pe-
las entidades de educação e de assistência social.
Não se precisa dizer muito mais para se entender o absurdo do ato admi-
nistrativo editado; o vício de origem não somente se manteve como foi criativa-
mente alargado pela Instrução Normativa nº 113/98. Mesmo que se consideras-
se hígida a Lei nº 9.532/97 para a regulamentação dos requisitos para a fruição
da imunidade tributária em comento a Instrução Normativa extrapolou sua fun-
ção. Passando ao largo do princípio da legalidade e de sua competência mera-
mente regulamentar, inovou - e muito - o ato administrativo, comentário que tam-
bém vale para a Instrução Normativa nº 96/97 antes analisada.
Basta dizer, sem maiores justificativas pois desnecessárias, que a Instrução
Normativa limitou o conceito de entidades de educação ou de assistência social,
constitucionalmente consagrado, restringindo a aplicação da imunidade previs-
ta no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal às instituições que prestem
serviços de ensino pré-escolar, fundamental, médio e superior“? Ainda na par-
“25 «Art. 1º As instituições que prestem serviços de ensino pré-escolar, fundamental, médio
e superior, atendidas condições referidas nesta Instrução Normativa, poderão usufruir da
imunidade relativa a seu patrimônio, renda e serviços, assegurada pelo art. 150, inciso VI,
alínea “c”, da Constituição, não se lhes aplicando a hipótese de isenção.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 195

te conceitual, repetiu em seu artigo 2º a ilegal e inconstitucional limitação de que


a instituição preste serviços à população em geral, em caráter complementar às
atividades do Estado e sem fins lucrativos.
Tamanho o desentendimento do ato administrativo acerca da matéria que
está a regulamentar que faz expressa menção que merece ser citada, em seu ar-
tigo 2º, parágrafo único: “A imunidade não se aplica quanto às contribuições para
o PIS/Pasep e para a seguridade social - Cofins, de que tratam, respectivamen-
te, a Medida Provisória nº 1.676, de 1998, e a Lei Complementar nº 70, de 30
de dezembro de 1991.” É óbvio que não se aplica: o artigo 150, VI, “c” da Cons-
tituição Federal de 1988, objeto de referida Instrução Normativa, institui a imu-
nidade aos impostos incidentes sobre a renda, o patrimônio e os serviços das
instituições de educação e de assistência social, não falando, em momento al-
gum, em contribuição para a seguridade social, que é objeto do artigo 195, $ 7º
da Constituição Federal.
E para não irmos longe, basta dizer que referida Instrução Normativa ain-
da afasta a imunidade sobre os rendimentos e ganhos de capital auferidos pelas
instituições em aplicações financeiras de renda fixa ou variável, impossibilita
a remuneração de dirigentes,“ estabelece normas relativas à suspensão da imu-
nidade** entre outros dispositivos marcados pela ilegalidade, alguns mantidos
da legislação que lhe rege e outros criados.
Frise-se, por sua importância, que no que tange à remuneração de dirigen-
tes a Instrução Normativa não somente a impossibilita como é clara em estabe-
lecer que não será permitido remunerar tanto pelo exercício do cargo de direção
quanto por eventuais cargos não relacionados com a função ou o cargo de dire-
ção. Vai além da própria lei ordinária, que já era por si só ilegal e inconstitucio-
nal, impedindo que o dirigente seja remunerado por qualquer serviço prestado à

426 “Art. 3º Não estão abrangidos pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital, aufe-
ridos pelas instituições de educação, em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda
variável, os quais serão tributados segundo as normas da legislação vigente.
Parágrafo único. Os rendimentos e ganhos líquidos decorrentes de aplicações financeiras
de renda fixa ou de renda variável serão tributados segundo as mesmas normas aplicáveis
às demais pessoas jurídicas.”
“27 “Art. 4º Para gozo da imunidade, as instituições imunes de que trata o art. 1º não podem
remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados.
8 1º Para efeito do disposto neste artigo, entende-se como dirigente a pessoa física que
exerça função ou cargo de direção da pessoa jurídica, com competência para adquirir di-
reitos e assumir obrigações em nome desta, interna ou externamente, ainda que em con-
junto com outra pessoa, nos atos em que a instituição seja parte.
& 2º Não se considera dirigente a pessoa física que exerça função ou cargo de gerência
ou de chefia interna na pessoa jurídica.
8 3º A instituição que atribuir remuneração, a qualquer título, a seus dirigentes, por qual-
quer espécie de serviços prestados, inclusive quando não relacionados com a função ou
o cargo de direção, infringe o disposto no caput, sujeitando-se à suspensão do gozo da
imunidade.
$ 4º Às pessoas a que se refere o 8 2º podem ser atribuídas remunerações, tanto em rela-
ção à função ou cargo de gerência, quanto a outros serviços prestados à instituição.”
“8 Artigos 14 a 16 da Instrução Normativa nº 113/98.
196 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

instituição. Clélio Chiesa bem observa que “se um dirigente ministra aulas na
instituição, não pode receber por elas, o que soa como um absurdo”.

10.1.3.4. Suspensão da imunidade tributária prevista no artigo 150 Visc”


da Constituição Federal: Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996
No exercício de sua competência regulamentar quanto às limitações cons-
titucionais ao poder de tributar, na qualidade de lei complementar por recepção
da Constituição Federal de 1988, o Código Tributário Nacional, em seu artigo
14, $ 1º, estabelece que “na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou
no $ 1º do art. 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do bene-
fício”. A lacônica redação deste dispositivo merece críticas, haja vista não asse-
gurar procedimento claro nos casos de descumprimento dos requisitos exigidos
para a fruição da imunidade tributária.
Sabe-se, tão-somente, forte no Código Tributário Nacional, que o descum-
primento das exigências implica suspensão do benefício da imunidade.
Por sua vez, a Lei nº 9.430/96, editada em 27 de dezembro, com o intuito
de definir o procedimento de suspensão da imunidade tributária na esfera fede-
ral acabou por ir além, como será demonstrado. Não sem antes, em largas pas-
sadas, demonstrarmos o funcionamento da suspensão da imunidade no âmbito
federal, conforme disposto na Lei em comento.
Quando da realização da fiscalização que lhe é incumbida, a autoridade
administrativa que verificar que a instituição esteja em desacordo com os requi-
sitos previstos no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal, e nos artigos 9º,
$ 1º e 14 do Código Tributário Nacional, deverá expedir notificação fiscal em
que constem os fatos que motivam a suspensão do benefício e a data da suposta
infração (artigo 32, 8 1º).
Sendo cientificada da notificação, a instituição terá trinta dias para se ma-
nifestar administrativamente, apresentando as alegações pelas quais entende ino-
correntes os motivos para a suspensão (artigo 32, $ 2º) que serão analisadas e
decididas pela Secretaria da Receita Federal. Em sendo admitidas as alegações,
a fruição da imunidade se normaliza; caso contrário, ou seja, negadas as alega-
ções e os documentos apresentados, a Secretaria da Receita Federal expedirá ato
declaratório de suspensão da imunidade tributária, cientificando a entidade da
decisão (artigo 32, 8 3º).
Expedido o ato declaratório de suspensão, a entidade poderá apresentar
impugnação no prazo de trinta dias, a ser julgada pela Delegacia da Receita Fe-
deral de Julgamento competente (artigo 32, 8 6º, 1), sem efeito suspensivo (arti-

“29 CHIESA, Clélio. 4 competência tributária do Estado brasileiro: desonerações nacionais


e imunidades condicionadas, São Paulo : Max Limonad, 2002, p. 194.
30 Não se manifestando em trinta dias, será expedido ato declaratório da suspensão da imu-
nidade sem qualquer manifestação da entidade. É o que dispõe-o artigo 32, $ 4º: “Será
igualmente expedido o ato suspensivo se decorrido o prazo previsto no $ 2º sem qualquer
manifestação da parte interessada.”
LeanDRO MARINS DE SOUZA 197

go 32, 8 8º), oportunidade em que a fiscalização poderá lavrar auto de infração


dos tributos federais supostamente não recolhidos (artigo 32, $ 6º, I1).º!
Por fim, e exatamente onde a Lei nº 9.430/96 falhou no que se refere ao
procedimento de suspensão“? da imunidade - e aí a entendemos inconstitucio-
nal e ilegal -, o artigo 32, 8 5º é expresso em dizer que “a suspensão da imuni-
dade terá como termo inicial a data da prática da infração”. A retroação preten-
dida pela norma entra em choque com o preceito ditado pelo Código Tributário
Nacional.
A suspensão do benefício da imunidade, evidentemente, não ocorre para
trás. Não há como se suspender algo com efeitos retroativos; a suspensão opera
efeitos para o futuro. Somente foi dado à autoridade administrativa, em verifi-
cando a inobservância aos requisitos para a fruição da imunidade, suspendê-la,
até comprovação do reenquadramento nos requisitos pela instituição.
É como entende, também, Bernardo Ribeiro de Moraes:
“O direito subjetivo do “imune” deve ser respeitado. Na falta de cumpri-
mento do atendimento dos requisitos, a lei complementar (CTN) asse-
gura ao ente tributante o poder ou a atribuição de suspender a aplicação
da imunidade (CTN, art. 14, $ 1º). A Lei Complementar assegura ao
poder tributante apenas a atribuição para suspender a imunidade, quan-
do não observados os requisitos, permanecendo a situação imunizadora,
que não foi extinta, no aguardo da comprovação fática do contribuinte.
A competência administrativa para tal é da administração fazendária, que
poderá reconhecer a imunidade, nos casos concretos, ou, da mesma for-
ma, suspendê-la, na hipótese de constatar o não atendimento aos requi-
sitos fixados por lei. Em verdade, a imunidade tributária, sendo decor-
rência da Constituição, independe de seu reconhecimento expresso, por
parte da entidade tributante, que jamais poderá retirá-la (apenas poderá
suspendê-la) por estar consagrada na Constituição.”**
Portanto, andou mal a Lei nº 9.430/96 em sua pretensão de regular o pro-
cedimento de suspensão da imunidade tributária a impostos federais, haja vista
ter extrapassado a baliza legal firmada pelo Código Tributário Nacional, motivo
que diretamente a torna ilegal e, indiretamente, inconstitucional.

s1 «gs 7º À impugnação relativa à suspensão da imunidade obedecerá às demais normas re-


guladoras do processo administrativo fiscal.”
2 Clélio Chiesa (op. cit., p. 173) vai além, entendendo que a Lei nº 9.430/96, na parte em
que regulou o procedimento de suspensão da imunidade em comento, é inconstitucional:
“A par disso, o instrumento normativo é inadequado. A Lei nº 9.430, de 27 de dezembro
de 1996, que regulou o procedimento de suspensão dos benefícios de determinada imu-
nidade no âmbito federal, é lei ordinária e, como é consabido, o art. 146, da Constituição
Federal é expresso no sentido de que “as limitações constitucionais ao poder” somente
pode ser regulamentadas por meio de lei complementar”
“33 MORAES, Bernardo Ribeiro de. A imunidade tributária e seus novos aspectos, in Imuni-
dades tributárias, coord. Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo : RT, Centro de Ex-
tensão Universitária, 1998, p. 118.
*34 “Suspender, como é consabido, significa sustar, sobrestar, impedir, não dar prosseguimen-
to. In casu, sustar o gozo dos benefícios de determinada hipótese de imunidade até que a
198 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

10.1.4. Abrangência da imunidade tributária a impostos prevista no artigo


150, VI, “c” da Constituição Federal destinada às instituições de educação e
de assistência social: “patrimônio, rendas e serviços”
Traçados os limites exigíveis para a fruição da imunidade tributária a im-
postos pelas entidades de educação e de assistência social, resta saber a abran-
gência do disposto no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal, melhor dizen-
do, a que impostos se refere a cláusula nele insculpida que desonera, ao instituir
imunidade, o patrimônio, a renda e os serviços das instituições de educação e
de assistência social.
À primeira vista este dispositivo não permitiria maiores discussões, por ser
claro ao afastar a competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios
para a instituição de impostos que incidam sobre o patrimônio, a renda e os ser-
viços das instituições de educação e de assistência social. Daí não restariam
dúvidas, haja vista a clarividência do texto constitucional.
No entanto, algumas dúvidas têm surgido quanto à abrangência do dispo-
sitivo, questionando-se sua aplicação a determinada espécie de impostos ou
ampliando-se seu espectro de abrangência para abarcar tributos não enquadra-
dos no conceito de impostos.
E para se chegar a alguma conclusão sobre o assunto, imprescindível a
análise da finalidade do dispositivo. Sobre isso, seguimos o entendimento de
Hugo de Brito Machado, ao dizer que “as instituições de educação deviam ser
imunes incondicionalmente. A importância social da atividade de educação o
Exigeo
Não é preciso nos aprofundarmos na finalidade da concessão da imunida-
de tributária a impostos destinada às entidades de educação e de assistência so-
cial, haja vista já termos examinado alhures. Para sintetizar a ratio essendi do
preceito imunitório em comento pedimos reforço para Aires F. Barreto e Paulo
Ayres Barreto:
“Assegurar a liberdade de culto e incentivar os particulares a realizar ati-
vidades de educação e assistência social são, inegavelmente, valores
constitucionais relativos a interesse público primário. O texto constitu-
cional dedica vários preceitos relativamente aos cultos religiosos e mui-
tas passagens e muitos princípios às entidades acima referidas. Além

entidade interessada demonstre estar novamente cumprindo os requisitos estabelecidos no


art. 14 do CTN, visto que os benefícios são conferidos pela Carta Magna e não podem
ser cassados por normas infraconstitucionais.” (CHIESA, Clélio. Op. cit., p. 175)
$s* MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 18º ed., São Paulo : Malhei-
ros, 2000, p. 226. E continua oilustre jurista: “Se assim fosse, certamente não estaríamos
presenciando a crise da escola, cujos administradores já não se podem ocupar das ques-
tões educacionais, pois são mais prementes as questões policiais, as ameaças de prisão e
até as prisões consumadas, em face das intermináveis querelas com os pais de alunos em
torno do valor das mensalidades escolares. Sendo a atividade educacional, como inega-
velmente é, socialmente tão importante, sua prática deveria ser estimulada, até porque isto
certamente atrairia um maior número de pessoas para o seu desempenho, aliviando a pres-
são decorrente da grande demanda e da insuficiente oferta de vagas nas escolas.”
LeanDRO MARINS DE SOUZA 199

disso, busca tornar atraente e estimulante para os particulares o desem-


penho dessas últimas atividades, tendo em vista que o Estado sozinho
jamais realizará a contento o enorme desafio da educação e da assistên-
cia social. (...)
A imunidade, conforme aguda análise de Sacha Calmon, visa a preser-
var o patrimônio, os serviços e as rendas das instituições de educação e
de assistência porque os seus fins são elevados, nobres, e suas ativida-
des secundam ou suprem as finalidades e deveres do próprio Estado: pro-
teção e assistência social, filantropia, promoção da cultura e incremento
da educação, em sentido amplo.”*$
A finalidade da inclusão da imunidade tributária do artigo 150, VI, “c” da
Constituição Federal de 1988 é de estimular o desenvolvimento das atividades
a que se dedicam as instituições de educação e de assistência social, por sua
importância social e natureza complementar à atuação estatal. A pretensão, evi-
dentemente, é de desonerar as atividades de referidas instituições para lhes pro-
porcionar maiores condições de desenvolvimento.*” A motivação para a insti-
tuição da imunidade, somada à necessária interpretação extensiva que se deve
dar a ela - conforme antes analisado -, repercutem na conclusão de que a sua
abrangência não pode ser mitigada sob pena de afronta a seus desígnios.
Além disso, é de se destacar que ao instituir a imunidade tributária em fa-
vor das instituições de educação e de assistência social a Constituição Federal o
faz de forma genérica, abarcando os impostos que recaiam sobre seu patrimô-
nio, renda ou serviços. Entender que o manto imunizante somente se estenderia
a determinada classe de impostos, observando classificação criada pela doutri-
na, por mais respeitada que seja, seria mitigá-lo em evidente inconstitucionali-
dade. Onde a Constituição não limita, não cabe ao intérprete ou ao legislador
infraconstitucional fazê-lo.
Ademais, ao abarcar o patrimônio, a renda e os serviços das instituições
de educação e de assistência social, a Constituição bem demonstra sua intenção
de completude. Pretendeu desonerar ao máximo a atividade das instituições,
prevendo para tanto todas as hipóteses de incidência de impostos.“* Ninguém
26 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Op. cit., p. 36.
47 Interessante a transcrição de trecho de voto proferido pelo Exmo. Min. Sepúlveda Per-
tence, para expressar o quanto exposto: “Não obstante, estou em que o precedente do
acórdão - conforme ao do precedente anterior ao da Constituição - é o que se afina me-
lhor à linha de jurisprudência do Tribunal nos últimos tempos, decisivamente inclinada à
interpretação teleológica das normas de imunidade tributária, de modo a maximizar-lhes
o potencial de efetividade, como garantia ou estímulo à concretização dos valores cons-
titucionais que inspiram limitações ao poder de tributar.” (Supremo Tribunal Federal,
Recurso Extraordinário nº 237.718/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, jul-
gamento em 29/03/2001, DJ de 06/09/2001)
38 Hugo de Brito Machado (Imunidade tributária das instituições de educação e de assistên-
cia social e a Lei 9.532/97, in Imposto de renda - alterações fundamentais, 2º vol., coord.
Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo : Dialética, 1998, p. 69) analisa com percuciência
esta questão, apreendendo como ninguém a aplicação da norma imunizante aos impos-
tos: “Sendo vedada a criação de impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços, está
200 TRiguTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

melhor do que Aliomar Baleeiro para dar o tom do desígnio constitucional e da


abrangência da imunidade:
“A imunidade, para alcançar os efeitos de preservação, proteção e estí-
mulo, inspiradores do constituinte, pelo fato de serem os fins das insti-
tuições beneficiadas também atribuições, interesses e deveres do Estado,
deve abranger os impostos que, por seus efeitos econômicos, segundo as
circunstâncias, desfalcariam o patrimônio, diminuiriam a eficácia dos
serviços ou a integral aplicação das rendas aos objetivos específicos da-
quelas entidades presumidamente desinteressadas, por sua própria natu-
reza:
A aplicação da imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, “c” deve
abranger todos os impostos incidentes sobre as atividades das instituições de
educação e de assistência social, desde que por sua sistemática recaia sobre seu
patrimônio, suas rendas ou seus serviços. Trataremos sucintamente, a seguir, dos
impostos cuja incidência foi afastada pela norma imunizante, em nosso enten-
der, deixando apenas para tratar dos chamados impostos indiretos em tópico
apartado. Não iremos, no entanto, nos dedicar à análise da regra-matriz de inci-
dência de cada imposto, mas tão-somente cotejar sua característica com as clá-
usulas de patrimônio, rendas e serviços, para avaliar seu enquadramento na imu-
nidade tributária.

a) Imposto sobre a Importação (II) e Imposto sobre a Exportação (IE)


Os impostos incidentes sobre a importação e a exportação de produtos são
classificados no Código Tributário Nacional como impostos sobre o comércio
exterior. Em primeira análise, portanto, não seriam espécie de impostos sobre o
patrimônio, as rendas ou os serviços. Estariam a incidir sobre a operação de
importação ou de exportação, ou, ainda, sobre os produtos importados ou expor-
tados.
No entanto, não se pode admitir que entidades de educação ou de assistên-
cia social sofram a incidência de impostos com base em mera nomenclatura; ou
seja, em virtude de os impostos sobre a importação e a exportação serem classi-
ficados como impostos sobre o comércio exterior e incidirem, teoricamente,
sobre a operação de importação ou exportação ou sobre os produtos importados
ou exportados, não estariam enquadrados no conceito de impostos incidentes
sobre o patrimônio, as rendas ou os serviços das instituições de educação ou de
assistência social.
vedada a exigência de todo e qualquer imposto, porque todo imposto incide sobre o pa-
trimônio, sobre a renda, que é expressão dinâmica deste, ou sobre serviços, cuja presta-
ção constitui o objeto essencial daquelas instituições. Dizer-se que a imunidade em ques-
tão veda apenas a criação de imposto cujo fato gerador seja o patrimônio, ou a renda, ou
a prestação de serviços, interpretando literalmente a norma imunizante, é negar a supre-
macia constitucional. Todo imposto a final pesa sobre o patrimônio, ou sobre sua expres-
são dinâmica, a renda. Por isto mesmo, a rigor, a referência a serviços chega a ser supér-
flua, funcionando apenas como explicitação da garantia constitucional de proteção da
instituição contra o poder de tributar.”
*º BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 313.
Leandro MARINS DE SOUZA 201

Não é esta a intenção da Constituição Federal ao instituir a imunidade à


criação de impostos incidentes sobre as atividades destas instituições. A inten-
ção é desonerar, realmente, as suas atividades. Por isso - ou também por isso - a
interpretação da cláusula de imunidade tem que ser feita de forma ampla.
Até porque, na esteira do entendimento do professor Hugo de Brito Ma-
chado antes transcrito, os impostos sobre a importação e a exportação atingem,
indiretamente, o patrimônio e as rendas das entidades de educação e de assis-
tência social. Ao serem obrigadas a seu recolhimento, estarão deixando de in-
vestir em suas atividades para arcar com ônus tributário que não lhe deveria re-
cair. Aliás, de fácil percepção que ao recaírem sobre produtos de sua proprieda-
de, os impostos em comento estão a incidir, indiretamente, sobre seu patrimô-
nio.Ӽ
Assim já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, fazendo incidir a imu-
nidade tributária tanto sobre o Imposto sobre a Importação quanto sobre o Im-
posto sobre Produtos Industrializados incidentes no ato de importação de pro-
dutos por entidade de assistência social:
“Imunidade tributária. Imposto sobre Produtos Industrializados e Imposto
de Importação. Entidade de assistência social. Importação de “bolsas para
coleta de sangue”. A imunidade prevista no art. 150, VI, *c”, da Consti-
tuição Federal, em favor das instituições de assistência social, abrange
o Imposto de Importação e o Imposto sobre Produtos Industrializados,
que incidem sobre bens a serem utilizados na prestação de seus serviços
específicos”!
Não deve ser diferente com o Imposto sobre a Exportação, haja vista a re-
percussão do imposto sobre as atividades das entidades de educação e de assis-
tência social ser da mesma ordem.
“o Este entendimento já foi sufragado pelo Supremo Tribunal Federal: “Imunidade tributá-
ria das instituições de assistência social (Constituição, art. 19, III, letra c). Não há razão
jurídica para dela se excluírem o imposto de importação e o imposto sobre produtos in-
dustrializados, pois a tanto não leva o significado da palavra “patrimônio”, empregada pela
norma constitucional. Segurança restabelecida. Recurso extraordinário conhecido e pro-
vido. (...) Como ensinou Mestre Baleeiro, “o patrimônio integrado com todos os bens
móveis e imóveis da instituição, sem distinções” (Dir. Trib. Bras., 9º ed., p. 92). Aliás,
outro não pode ser o sentido da palavra “patrimônio”, que a Constituição passou a utili-
zar em lugar do vocábulo “bens”. Do contrário, chegar-se-ia à extravagância de conside-
rar tributável a importação de produto estrangeiro levada a efeito, por exemplo, por um
dos Estados, para emprego em serviço eminentemente público, porque, tal como em re-
lação aos partidos políticos e às instituições de educação ou de assistência social, também
a imunidade recíproca das entidades políticas que integram a federação alcança “o patri-
mônio, a renda ou os serviços” de cada qual.” (Supremo Tribunal Federal, Recurso Ex-
traordinário nº 88.671/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, julgamen-
to em 12/06/1979, DJ de 03/07/1979) No mesmo sentido, entre outros: Supremo Tribu-
nal Federal, Recurso Extraordinário nº 89.590/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Rafael
Mayer, julgamento em 21/08/1979, DJ de 10/09/1979; Supremo Tribunal Federal, Recur-
so Extraordinário nº 92.423, Primeira Turma, Rel. Min. Soares Munoz, julgamento em
29/04/1980, DJ de 16/05/1980.
“1! Supremo Tribunal Federal, RE nº 243.807-SP, Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão,
julgamento em 15/02/2000.
202 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

b) Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), Imposto sobre a


Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), Imposto sobre a
Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), Imposto sobre a Transmissão Causa
Mortis e Doação de bens e direitos (ITCMD) e Imposto sobre a Propriedade
de Veículos Automotores (IPVA)
Estes impostos são facilmente classificados como incidentes sobre o patri-
mônio. Não há maiores dúvidas quanto à abrangência da imunidade tributária
em comento abarcá-los, pela expressa remissão ao termo patrimônio no artigo
150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988.
Nem poderia ser diferente, pois o patrimônio da entidade é justamente o
que lhe permite desenvolver suas atividades assistenciais. Gravando-se o patri-
mônio das instituições de educação e de assistência social estará se restringindo
o seu espectro de atuação pela redução de sua capacidade de investimentos.
Pela norma imunizante, nenhum destes impostos poderá gravar o patrimô-
nio de instituições de educação ou de assistência social, quando sobre elas su-
postamente recair a hipótese de incidência destes tributos.
Mesmo assim há discussão sobre a abrangência da norma em determina-
das hipóteses. É o caso, por exemplo, de imóvel de propriedade de entidade de
educação ou de assistência social que, não sendo utilizado, é alugado a terceiro.
Questiona-se, então, se haveria incidência do IPTU em virtude de o imóvel não
se destinar às finalidades essenciais da instituição.
No entanto, tal sorte de questionamento não resiste a análise minimamen-
te sistemática e teleológica. Se a Constituição institui a imunidade para incenti-
var o desenvolvimento das entidades de educação e de assistência social, deso-
nerando suas atividades para proporcionar sua continuidade, o simples fato de a
entidade locar imóvel de sua propriedade em nada altera esta condição.
O que não se pode esperar é que a entidade deixe de locar o imóvel para
que não corra o risco de inobservar supostos requisitos para a fruição da imuni-
dade.**? Isto porque a locação do imóvel, desde que as rendas daí advindas se-
jam destinadas às finalidades essenciais da entidade, é medida de manutenção
do seu patrimônio, imprescindível mesmo à continuidade das atividades. Aliás,
o Supremo Tribunal Federal já afastou este argumento, nos seguintes termos:

“2 “O patrimônio representado por capital é imune. Também não há como não sê-lo o re-
presentado por imóveis. Se estes devem ser adquiridos como antecipação a seu uso - não
devendo ficar ociosos - é óbvio que se impõe sejam explorados lucrativamente (como
estacionamentos, por exemplo). Se é a melhor forma de incrementar rendas que, afinal,
serão aplicadas, no País - em fins filantrópicos e de assistência social - qualquer visão
restritiva é incoerente, porque só neste caso exclui a imunidade. Há inegável afronta ao
desígnio constitucional caso o Município tribute o patrimônio e os serviços, assim como
se a União vier a tributar as rendas de qualquer espécie ou natureza, bastando estejam tais
rendas destinadas ao suporte das finalidades dessas entidades.” (BARRETO, Aires Fer-
nandino. Imunidades tributárias: só podem prevalecer interpretações que prestigiem os
princípios constitucionais, in Imunidades tributárias, coord. Ives Gandra da Silva Mar-
tins, São Paulo : RT : Centro de Extensão Universitária, 1998, pp. 155-182)
LeanDRO MARINS DE SOUZA 203

“Imunidade tributária. Art. 150, IV, *c”, da Constituição. Instituição de


assistência social. Exigência de Imposto Predial e Territorial Urbano
sobre imóvel de propriedade da entidade. Alegação de que o ônus pode
ser transferido ao inquilino. A norma inserta no art. 150, inciso VI, alí-
nea 'c”, da Constituição Federal prevê a imunidade fiscal das instituições
de assistência social, de modo a impedir a obrigação tributária, quando
satisfeitos os requisitos legais. Tratando-se de imunidade constitucional,
que cobre patrimônio, rendas e serviços, não importa se os imóveis de
propriedade da instituição de assistência social são de uso direto ou se
são locados. Recurso não conhecido.”

“3 Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 257.700/MG, Primeira Turma, Rel.


Min. Ilmar Galvão, julgamento em 13/06/2000. Do voto do relator se extrai o seguinte
trecho: “É peremptória a norma do art. 150, VI, *c”, da Constituição Federal, ao vedar,
sem qualquer limitação, a instituição de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços,
entre outras entidades, das instituições de assistência social, sem fins lucrativos. Assim
sendo, mostra-se de todo irrelevante o fato, considerado pela recorrente para afastar a
imunidade, de que, no caso, está-se diante de tributo que pode ser transferido aos inquili-
nos, além de não se tratar de atividade típica da instituição social, posto enquadrar-se no
campo da exploração de atividades empresariais, devendo sujeitar-se, portanto, à tributa-
ção. Ora, cuidando-se de imunidade constitucional, desde que a instituição de assistên-
cia social preencha os requisitos legais, não importa saber se os imóveis de sua proprie-
dade são locados ou não. É que a imunidade cobre patrimônio, rendas e serviços, não
havendo distinção quanto ao uso direto ou à locação de imóveis da beneficiária.” No
mesmo sentido: “Tributário. Imposto predial. Instituição de assistência social. Imóveis por
ela locados. Imunidade tributária. O Imposto predial onera o proprietário em razão do bem
imóvel que ele possui, sem relacionamento com a renda porventura dele auferida. É o que
resulta do art. 24, I, da Constituição Federal. E o disposto no art. 119, III, *c”, da Consti-
tuição dispõe, limitando o poder de tributar da União, Estados e Municípios, e que não
podem eles cobrar impostos de instituições de assistência social, observados os requisi-
tos da lei. Não importa existir cláusula contratual de locação que estipule a obrigação de
o inquilino pagar o imposto se for ele devido, pois tal transferência condicional do gra-
vame não retira a imunidade do titular do benefício.” (Supremo Tribunal Federal, Recur-
so Extraordinário nº 97.708/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho, julgamento
em 18/05/1984, DJ de 22/06/1984) Sedimentando o assunto, o Plenário do STF julgou
nos seguintes termos: “Imunidade tributária do patrimônio das instituições de assistência. -
social (CF, art. 150, VI, “c”): sua aplicabilidade de modo a preexcluir a incidência do IPTU
sobre imóvel de propriedade da entidade imune, ainda quando alugado a terceiro, sem-
pre que a renda dos aluguéis seja aplicada em suas finalidades institucionais.” (Supremo
Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 237.718/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Se-
púlveda Pertence, julgamento em 29/03/2001, DJ de 06/09/2001) Ainda: RE nº 248.320/SP;
RE nº 289.803/RJ; RE nº 210.742/MG; RE nº 241.150/SP; RE nº 235.737/SP.
44 Também em outra oportunidade, em discussão sobre a utilização de imóvel por entidade
de educação e assistência social, o Supremo Tribunal Federal confirmou a imunidade nos
seguintes termos: “Imunidade - Instituições de educação e assistência social sem fins lu-
crativos de seus membros. O fato de os imóveis estarem sendo utilizados como escritório
e residência de membros da entidade não afasta a imunidade prevista no artigo 150, inci-
so VI, alínea “c”, 8 4º da Constituição Federal.” (Supremo Tribunal Federal, Recurso Ex-
traordinário nº 22.139-5, Segunda Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em
08/02/2000)
204 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Conclui-se, portanto, que os impostos sobre o patrimônio (ITR,** IPTU,


ITBI,“ ITCMD'*” e IPVA) pela literal previsão da Constituição Federal neste
sentido, estão abarcados pelo preceito imunitório, não podendo incidir sobre as
atividades das entidades de educação e de assistência social.

c) Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e Imposto sobre a Renda e


Proventos de Qualquer Natureza (IR)
Impostos que também não gerariam dúvidas quanto à aplicação da imuni-
dade tributária destinada às instituições de educação e de assistência social se-
riam o Imposto de Renda e o Imposto sobre Operações Financeiras.
Primeiramente, é de se relembrar o quanto dito sobre a possibilidade de a
instituição efetuar aplicações financeiras, o que já está fora de discussão. Aliás,
para que dúvidas realmente não existam, vale a transcrição do trecho do voto
proferido pelo Supremo Tribunal Federal (Rel. Min. Marco Aurélio) no julga-
mento dos Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Recurso Extraor-
dinário (EDAGRE) nº 183.216, ao dizer que “o fato de a entidade proceder à

*5 Sobre o ITR, decisão do Tribunal Regional Federal da 4º Região: “Tributário. Imunida-


de. Imposto Territorial Rural. Entidade assistencial sem fins lucrativos. Imóveis. Finali-
dade. 1. As imunidades fiscais, instituídas por razões de privilégio, ou de considerações
de interesse geral, (neutralidade religiosa, econômicos, sociais ou políticos), excluem a
atuação do poder de tributar do Estado. Nas hipóteses imunes de tributação, inocorre fato
gerador da obrigação tributária. 2. De acordo com recente entendimento do STF, a impe-
trante tem direito ao reconhecimento da imunidade, ainda que não tenha comprovado a
finalidade social ou assistencial dos imóveis que possui. 3. Os imóveis (patrimônio) das
entidades sem fins lucrativos não são a própria finalidade essencial, mas infra-estrutura
indispensável para o cumprimento das finalidades de assistência. Admitir-se o contrário
implica inviabilizar o desempenho de atividades de filantropia praticados pelas institui-
ções assistenciais, em especial as realizadas pela impetrante. 4. Apelação provida.” (Tri-
bunal Regional Federal da Quarta Região, Apelação em Mandado de Segurança nº
1999.04.01.052445-5/RS, Primeira Turma, julgamento em 24/10/2000, DJ de 17/01/2001,
Rel. Juíza Eloy Bernst Justo)
“Tributário. Entidade fechada de previdência privada. Imposto de Transmissão de Imó-
veis. ITBI. Imunidade. CTN, arts. 9º e 14. Lei nº 6.435/1977 (art. 34). 1. Demonstrados a
personalidade jurídica e cumprimento das atividades assistenciais definidas estatutaria-
mente, contemplados os requisitos do art. 14, CTN, a entidade fechada de previdência
social goza de imunidade do ITBI. 2. Granítica jurisprudência favorece a pretensão da
parte recorrente. 3. Recurso provido.” (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº
1995.00.48538-9/RJ, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, julgamento em
02/09/1996, DJ de 07/10/1996)
447
Gustavo Saad Diniz (Direito das fundações privadas: teoria geral e exercício de ativi-
dades econômicas, Porto Alegre : Síntese, 2000, p. 355) apresenta discussão sobre a imu-
nidade ao ITCMD: “A discussão que este imposto gera diz respeito à sua incidência se a
fundação for instituída por testamento. Pergunta-se: incide o imposto de transmissão causa
mortis no caso de instituição por testamento ou aplica-se a regra de imunidade? A regra
imunizante do art. 150, VI, *c”, da CF/88, é imunidade classificada como subjetiva, por-
que beneficia a pessoa jurídica já constituída e que exerce as suas finalidades. Não se pode
invocar a imunidade no caso de instituição por testamento porque a fundação ainda não
foi criada (constituída). O imposto é devido, nesse caso específico, no momento do in-
ventário, com a transmissão de bens.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 205

aplicação de recursos não significa atuação fora do que previsto no ato de sua
constituição”.“8
Passada esta preliminar, não há dúvida de que os impostos acima referidos
atingem - ou, melhor dizendo, atingiriam - diretamente a renda das instituições
de educação e de assistência social, incluindo-se no conceito de impostos inci-
dentes sobre a renda de instituições de educação e de assistência social e, por-
tanto, estando afastados pelo manto imunizante.
A Lei nº 9.532/97 pretendeu, como visto, limitar a abrangência da imuni-
dade tributária para afastá-la dos rendimentos de capital auferidos em aplicações
financeiras de renda fixa ou de renda variável. No entanto, a cisão no conceito
de renda abarcada pela imunidade, pretendida pela legislação ordinária, já foi
afastada liminarmente por decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.802-3.
Também assim pretende a legislação regente do Imposto sobre Operações
Financeiras. Sabe-se que este imposto incide em várias hipóteses, a saber: a)
operações de crédito; b) operações de câmbio; c) operações de seguro; d) ope-
rações relativas a títulos e valores mobiliários; e) aquisição originária de ouro.
Especificamente quando trata da hipótese de incidência sobre as operações
relativas a títulos e valores mobiliários, o Decreto nº 4.494, de 3 de dezembro
de 2002, repetindo a redação de seu antecessor Decreto nº 2.219, de 2 de maio
de 1997, emseu artigo 25, 8 2º, inclui expressamente as instituições de educa-
ção e de assistência social, como se assim lhe fosse permitido. Assim prescreve
o diploma em comento:
“Art. 25. O fato gerador do IOF é a aquisição, cessão resgate, repactua-
ção ou pagamento para liquidação de títulos e valores mobiliários.
(es)

“8 Aliás, em diversas oportunidades o Supremo Tribunal Federal decidiu pela abrangência


da imunidade tributária em comento para abarcar o IOF: “Assim, provejo estes embargos
para consignar que a imunidade prevista na alínea *c” do inciso VI do artigo 150 da Cons-
tituição Federal, relativamente aos tributos que incidam sobre patrimônio, renda ou ser-
viços a beneficiar as instituições de educação, alcança o Imposto sobre Operações Finan-
ceiras” (Supremo Tribunal Federal, Embargos de Declaração no Agravo Regimental em
Recurso Extraordinário nº 183.216, Segunda Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento
em 16/12/1999, DJ de 02/06/2000); “Recurso extraordinário. Entidade de assistência so-
cial. IOF. Imunidade tributária. Art. 150, VI, “c”. No tocante às entidades de assistência
social, que atendam aos requisitos atendidos pela ora recorrida, esta Corte tem reconhe-
cido em favor delas a imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, “c”, sendo que, es-
pecificamente quanto ao IOF, a Segunda Turma, no AGRRE 232.080, relator o eminente
Ministro Nelson Jobim, reconheceu a aplicação dessa imunidade, citando, inclusive, a
decisão tomada nos EDAGRE 183.216, onde se salientou que *... o fato de a entidade
proceder à aplicação de recursos não significa atuação fora do que previsto no ato de sua
constituição”. Recurso extraordinário não conhecido.” (Supremo Tribunal Federal, Recur-
so Extraordinário nº 241.090/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento
em 26/02/2002, DJ de 24/04/2002)
9 (O IOF é regulamentado pelas Leis nº: 5.143, de 20 de outubro de 1966 e 8.894, de 21 de
junho de 1994.
206 TriButaçÃo DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

$ 2º Aplica-se o disposto neste artigo a qualquer operação financeira, in-


dependentemente da qualidade ou forma jurídica de constituição do be-
neficiário da operação ou do seu titular, estando abrangidos, entre outros,
os fundos de investimentos e carteiras de títulos e valores mobiliários,
fundos ou programas, ainda que sem personalidade jurídica, entidades de
direito público, beneficentes, de assistência social, de previdência privada
e de educação.”
É disposição inconstitucional, por restringir a aplicação da imunidade tri-
butária prevista no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal, que abrange a
renda, das entidades que cumpram os requisitos legais, em sua plenitude. Se a
Constituição não restringiu a aplicação da imunidade a determinado conceito
específico de renda, como o faz em outros dispositivos, não pode ato do Poder
Executivo, como o é o Decreto nº 4.494/2002, fazê-lo. Somente àquelas que não
observarem os requisitos de imunidade é aplicável o presente regime isencional.

d) Imposto sobre Serviços (ISS)


O afastamento do Imposto Sobre Serviços incidente sobre as atividades das
entidades de educação e de assistência social é expresso no preceito imunitório.
Não há dúvida de que a imunidade se aplica a este tributo de competência mu-
nicipal.
Os debates acerca da imunidade relativa a este imposto advêm, a exemplo
do quanto exposto no caso do imóvel locado para fins de IPTU e das operações
que dariam ensejo ao IOF, da interpretação desviada do artigo 150, $ 4º da Cons-
tituição Federal.
Já se disse que referido dispositivo, interpretado sistematicamente, tem o
intuito de resguardar a destinação do produto das atividades das entidades para
suas finalidades essenciais. O que se exige é que as rendas advindas dos servi-
ços prestados pelas entidades se revertam para suas finalidades assistenciais,
como já dissemos.
“É claro que uma entidade assistencial pode, eventualmente, cobrar por
serviços ou bens que forneça; por outro lado, ela deve aplicar sobras de
caixa, com vistas a aumentar suas disponibilidades; o importante é que
todo o resultado aí apurado reverta em investimento ou custeio para que
a entidade continue cumprindo seu objetivo institucional de assistência
social."
Neste sentido também já definiu o Supremo Tribunal Federal:
“Imunidade tributária. Art. 150, VI, *c”, da Constituição. Instituição de
assistência social. Exigência de Imposto Sobre Serviço calculado sobre
o preço cobrado em estacionamento de veículos no pátio interno da en-
tidade. Ilegitimidade. Eventual renda obtida pela instituição de assistên-
cia social mediante cobrança de estacionamento de veículos em área in-
*sº AMARO, Luciano. Algumas questões sobre a imunidade tributária, in Imunidades tribu-
tárias, coord. Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo : RT : Centro de Extensão Uni-
versitária, 1998, p. 150.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 207

terna da entidade, destinada ao custeio das atividades desta, está abran-


gida pela imunidade prevista no dispositivo sob destaque.”*!
Demonstrada a aplicação da imunidade tributária das entidades de educa-
ção e de assistência social ao Imposto sobre Serviços, assim como aos demais,
resta avaliarmos sua aplicação aos chamados “impostos indiretos”, ou seja, O
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e o Imposto sobre Produ-
tos Industrializados.

10.1.4.1. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e


Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI): a questão dos chamados
“impostos indiretos” e a imunidade tributária das instituições de educação e
de assistência social
Para que se finalize a análise da abrangência da imunidade tributária a im-
postos destinada às instituições de educação e de assistência social, mister se faz
avaliar se alcança os impostos chamados indiretos, mais especificamente o ICMS
eo IPI.
Começamos dizendo que a Constituição Federal, em seu artigo 150, VI,
“c”, ao destinar a imunidade tributária em comento não faz limitação alguma a
sua aplicação somente a determinado tipo de impostos, de acordo com sua clas-
sificação.
Ela afasta, sim, todos os impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda e
os serviços das instituições de educação e de assistência social. Qualquer limi-
tação que se promova às espécies de impostos abarcados implicará limitação à
própria cláusula imunitória.
Além disso, já restou afastada a interpretação restritiva que advoga a apli-
cação da imunidade tão-somente aos impostos classificados no Código Tributá-
rio Nacional como impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços. Até ago-
ra não há motivos para se pretender limitar a atuação do manto imunizante, afas-
tando de sua sombra o ICMS e o IPI. Resta saber, no entanto, se a condição atri-
buída às entidades de educação e de assistência social, qual seja a do direito
subjetivo à imunidade, em cotejo com a sistemática dos referidos impostos, im-
plica extirpá-los do direito constitucional outorgado.
Sabe-se que o ICMS e o IPI se configuram, respectivamente, como impos-
tos incidentes sobre a circulação e a produção. São, portanto, por sua natureza,
impostos que recaem sobre a mercadoria em circulação e o produto industriali-
zado, acompanhando-os até o final da cadeia de consumo ou de produção com
fundamento, entre outros, no princípio da não-cumulatividade.
Os fatos geradores de referidos impostos são, desta forma, a circulação de
mercadorias e a industrialização de produtos, e seus respectivos contribuintes são
os comerciantes das mercadorias e os estabelecimentos industriais dos produ-
tos.*2
*s! Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 144.900/SP, Primeira Turma, Rel.
Min. Ilmar Galvão, julgamento em 22 de abril de 1997, DJ de 26/09/1997.
42 Não sendo a pretensão do presente trabalho, deixaremos de aprofundar-nos sobre a regra-
matriz de incidência de cada um dos impostos ora em comento, baseando-nos tão-somente
nos dados importantes à compreensão do raciocínio necessário à conclusão sobre a abran-
208 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Daqui já se pode chegar à primeira conclusão: se uma entidade de educa-


ção ou de assistência social figurar como vendedor de um produto sobre o qual
incida ICMS ou IPI, estará na condição de contribuinte destes impostos. No
entanto, por força da imunidade tributária que lhe é destinada não está obrigada
ao recolhimento dos referidos impostos. Isto não afasta a necessidade de proce-
der à devida formalização desta condição, observando as obrigações acessórias
na qualidade de imune. No entanto, o recolhimento dos impostos está afastado
pelo instituto da imunidade. A entidade não deve repassar estes impostos ao seu
consumidor, na forma de destaque na nota fiscal, pois impostos não há a serem
repassados; assim o fazendo estará enriquecendo ilicitamente, a justificar se lhe
exija o recolhimento dos impostos incidentes.
De outro lado, questão que gera controvérsias de longa data diz respeito à
situação de a entidade imune se portar como consumidora final de produtos so-
bre os quais incida ICMS ou IPI. Neste caso, questiona-se se pela condição de
contribuinte de fato, decorrente do fenômeno da repercussão da carga destes
impostos, a condição de imune deveria ser aplicada ou não.
A nosso ver, a questão ganha em dificuldade de se encontrar posição jurí-
dica sólida em virtude de características conflitantes entre a imunidade subjeti-
va concedida às entidades de educação e de assistência social e os próprios im-
postos em comento. Não são os produtos imunes, mas sim as entidades que os
comercializam. De qualquer forma, passa-se à análise de elementos imprescin-
díveis para a compreensão do problema. Assim o são o fenômeno da repercus-
são e a evolução dos debates sobre o artigo 166 do Código Tributário Nacional.
Quando uma entidade de educação e de assistência social figura como con-
sumidora final de determinado produto sobre o qual incidam ICMS e/ou IPI -
bancos escolares, por exemplo -, não obstante não ser contribuinte destes impos-
tos relativamente à comercialização destes produtos por este encargo recair so-
bre o comerciante ou o produtor, o ônus destes impostos recai sobre si. O pro-
dutor ou comerciante lhe vende os produtos, destacando na nota fiscal de saída
os valores pagos pela entidade a título de ICMS e IPI, para depois recolher es-
tes tributos aos Fiscos estadual e federal respectivamente.
Ou seja, o contribuinte é mero intermediador do recolhimento dos impos-
tos, e quem o faz efetivamente, do ponto de vista financeiro, é o consumidor fi-
nal, in casu, a entidade. Por obrigação legal o contribuinte de direito faz cons-
tar, destacados na nota, os impostos incidentes sobre a operação, que ficam a
cargo do contribuinte de fato.
Por óbvio, se o contribuinte de fato a que se está fazendo remissão é enti-
dade de educação e de assistência social, sobre esta operação não poderiam re-
cair o ICMS e o IPI, por serem impostos que, neste momento, gravam o patri-
mônio adquirido pela entidade. A dúvida persiste, no entanto, em saber se há de
afastar a incidência destes impostos em casos que tais, haja vista alguns acha-

gência ou não da imunidade tributária das entidades de educação e de assistência social a


“impostos indiretos”.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 209

rem que juridicamente o contribuinte de fato não deve ser levado em considera-
ção. Entendem que o repasse de referidos impostos ao contribuinte de fato é
condição meramente econômica, que se limita à relação particular entre o con-
tribuinte de fato e o contribuinte de direito, não fazendo efeitos para fins de apli-
cação das normas tributárias. Seria tão-somente a ocorrência do fenômeno da
repercussão financeira, irrelevante juridicamente.
No entanto, a generalização desta afirmação, em nosso sentir, não leva em
consideração a característica de determinados impostos, como o são o ICMS e
o IPI. Dizer que em todos os casos a repercussão é simplesmente financeira é
generalizar a alegação de modo a abarcar situações distintas.
Uma coisa é o imposto vir agregado ao preço do produto como seu custo,
sem nenhuma relação com a necessidade de repasse deste tributo. É o caso, por
exemplo, do industrial que embute em seu custo de produção o IPTU incidente
sobre seu estabelecimento. Nestes casos, o que ocorre é exatamente a repercus-
são financeira do tributo, agregando-se ao preço do produto de acordo com o que
a margem de mercado permite ao comerciante ou ao produtor. E neste preço
poderão estar - e estão normalmente, pois o preço nada mais é do que o custo de
produção do produto mais a margem de lucro, mais valia da produção - todas as
despesas administrativas (empregados, energia elétrica, telefone, etc.) e custos
tributários (IPTU, IPVA, outras contribuições, etc.).
No entanto, há outras hipóteses em que os impostos repercutem no consu-
midor final não somente por força das leis de mercado e da composição do pre-
ço pelo produtor, mas pela sistemática de incidência dos próprios impostos. Há,
nestes casos, evidente repercussão jurídica a reboque da repercussão financei-
ra. A repercussão jurídica advém, nos casos do ICMS edo IPI, do próprio prin-
cípio da não-cumulatividade e pelo fato de serem tributos que seguem os bens
sobre os quais recaem.
Por força destas suas características, obrigação acessória inafastável - ao
menos deveria ser - quando da comercialização de produtos sobre os quais inci-
de ICMS e/ou IPI é a emissão, por parte do comerciante/produtor, de nota fiscal
de saída destes produtos, na qual deve constar o valor dos impostos incidentes
sobre aquela operação de forma destacada. Em casos que tais, não há que se fa-
lar em mera repercussão financeira, pois o contribuinte de fato estará arcando,
mesmo que pagando ambos para o contribuinte de direito, com duas espécies de
valores incluídos no valor total da operação: o preço do produto - que aliás virá
gravado inclusive de tributos - e os “impostos indiretos” sobre ele incidentes. Não
é mero repasse do custo tributário incidente sobre o preço do produto para O
consumidor final.
Se assim fosse, o valor de referidos impostos para o consumidor final não
poderia variar a depender do maior ou menor preço do produto; o custo tributá-
rio só é variável porque não se trata de custo formador do preço do produto, mas
efetivamente de repasse do ônus tributário ao consumidor final, na forma de
destaque dos impostos na nota fiscal de saída dos produtos.
210 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Tal sorte de argumentação é melhor verificável quando se analisa o artigo


166 do Código Tributário Nacional, e é o que passamos a fazer. Não sem antes
transcrevê-lo, para melhor compreensão:
“Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza,
transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem
prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido
a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.”
Este dispositivo atribui, como regra geral, competência ao comerciante ou
produtor, em se tratando de ICMS e IPI, para fins de restituição de valores pa-
gos indevidamente ou a maior. No entanto, o ICMS e o IPI são tributos que, por
sua própria natureza, importam em transferência do ônus tributário ao consumi-
dor final, contribuinte de fato portanto. Assim, o artigo em comento atribui, ex-
cepcionalmente, ao contribuinte de fato a possibilidade de restituição destes tri-
butos, quando prevê a necessidade de sua autorização.
E de imediato lançamos mão dos ensinamentos de Hugo de Brito Macha-
do Segundo e Paulo de Tarso Vieira Ramos, que assim se manifestam:
“Quando o art. 166 do CTN se refere a tributos que comportem, por sua
natureza, transferência do respectivo encargo financeiro, deve-se enten-
der que tais tributos sejam apenas aqueles que, por sua natureza jurídica
e não financeira, possam ser transferidos, tais como o ICMS, o IPI e o
ISS, nos casos em que o tributo vem lançado e efetivamente destacado
no documento fiscal, quando o contribuinte de direito arrecada do adqui-
rente (contribuinte de fato) e recolhe o tributo ao sujeito ativo:”*
O artigo 166 do Código Tributário Nacional é mais um motivo para se do-
tar de juridicidade a repercussão que recai sobre o contribuinte de fato, nos cha-
mados impostos indiretos. Ora, seo CTN admite a existência de tributos em que
há transferência do encargo aterceiros, e mais, exige autorização da pessoa que
assumiu o ônus tributário para fins de repetição do indébito por parte do efetivo
contribuinte do referido tributo, está deixando claro que a repercussão de que
trata, mais do que financeira, é jurídica.
Trocando em miúdos, se ocorre o recolhimento indevido ou a maior de tri-
buto** que comporte transferência do encargo financeiro para o contribuinte de

+53 “Se tem o contribuinte de fato o poder de delegar a outrem o exercício do direito à restitui-
ção, porque não poderia exercê-lo em seu próprio nome e diretamente? Afinal, quem pode
o mais, pode o menos.” (MATTOS, Aroldo Gomes de. Repetição do indébito, compensa-
ção e ação declaratória, in Repetição do indébito e compensação no direito tributário, coord.
Hugo de Brito Machado, São Paulo : Dialética, Fortaleza : ICET, 1999, p. 52)
** MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito e RAMOS, Paulo de Tarso Vieira. Repetição do
indébito tributário e compensação, in Repetição do indébito e compensação no direito
tributário, coord. Hugo de Brito Machado, São Paulo : Dialética, Fortaleza : ICET, 1999,
p. 148.
455
Código Tributário Nacional - “Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente
do prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do
seu pagamento, ressalvado o disposto no 8 4º do art. 162, nos seguintes casos: 1 - cobran-
ça ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da le-
gislação tributária aplicável.”
LeanDRO MARINS DE SOUZA 2111

fato, para fins de repetição de indébito o contribuinte de direito deverá provar


não o ter repassado ao contribuinte de fato, ou obter autorização do contribuinte
de fato para promover a repetição de indébito.
Se o Código Tributário Nacional atribui ao contribuinte de fato a possibili-
dade de autorizar a repetição de indébito em favor do contribuinte de direito, não
há justificativa para se negar a repetição de indébito proposta pelo próprio con-
tribuinte de fato. Se somente ele pode autorizar a repetição de indébito, é sinal
de que ele é o competente primário para propô-la. É o que dispõe, a nosso ver,
artigo 166 do Código Tributário Nacional.
No entanto, o disposto neste artigo tem acalentado debates incansáveis por
parte da doutrina e jurisprudência pátrias, não se chegando, verdadeiramente, a
um consenso sobre a matéria até o momento. Esta controvérsia advém de inexistir
critério jurídico razoável para se definir, com precisão, quais seriam os tributos
diretos e os tributos indiretos. Não há, mesmo, critério definido sobre o assun-
to, e a nosso ver não haverá senão através da análise de cada caso concreto;
mais uma vez a generalização pode gerar a incongruência do sistema. Aliás, esta
generalização gerou a edição da Súmula nº 71 pelo Supremo Tribunal Federal,
em 16 de dezembro de 1963, nos seguintes termos: “Embora pago indevidamen-
te, não cabe restituição de tributo indireto.”
Esta Súmula, anterior à edição do Código Tributário Nacional, não tem o
condão de afastar em definitivo a possibilidade de restituição de tributos indire-
tos indevidamente recolhidos, e nem poderia tê-lo. É o que se observa dos jul-
gados que lhe deram origem,” marcadamente voltados a impossibilita a resti-
tuição do tributo indireto pelo solvens (contribuinte de direito), exatamente em
virtude de repassar o ônus tributário ao accipiens (contribuinte de fato). Estes
acórdãos tratam justamente de afastar a legitimidade do contribuinte de direito
para a propositura de repetição de indébito.
“A regra é que é o solvens quem pode agir em repetição do indébito. Mas,
no caso, não foi possível deferir-lhe o pedido, porque ficou apurado que,
se sofreu a percussão do tributo inconstitucional obteve imediata repa-
ração, fazendo-o repercutir sobre os compradores das mercadorias.”**
456 Veja-se a observação de Aliomar Baleeiro, em voto proferido no julgamento do Recurso
Extraordinário nº 45.977/ES: “Financistas e juristas ainda não assentaram um standard
seguro para distinguir impostos diretos e indiretos, de sorte que, a transferência do ônus,
é matéria apreciável em caso concreto.”
45 q RE nº 46.450/RS, DJ de 02/06/1961; ERE nº 44.115/ES, DJ de 09/11/1961; ERE nº
45.678/SP, DJ de 24/05/1962; ERE nº 47.069/SP, DJ de 22/06/1962.
45 o Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 46.450/RS, Segunda Turma, julga-
mento em 10/01/1961, DJ de 21/08/1961, trecho do voto do Exmo. Relator Min. A. Vi-
las Boas. No voto-vista proferido no mesmo julgamento, o Exmo. Min. Victor Nunes as-
sim se pronunciou: “Trata-se, como bem explicou o Senhor Ministro relator, de repeti-
ção de imposto indireto, reclamada por contribuinte comerciante, que já incorporou o seu
valor ao preço da mercadoria vendida a terceiros. É o problema que se conhece, em ciên-
cia das finanças, como repercussão, translação ou transferência do imposto. Em tais ca-
sos, o verdadeiro contribuinte é o consumidor, que suporta efetivamente o encargo. Bem
ponderou o eminente Ministro Villas Boas que o fundamento da repetição do indébito,
22 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Melhor teria se expressado a Súmula, portanto, se dissesse que “embora


pago indevidamente, não cabe restituição de tributo indireto por parte do con-
tribuinte de direito (solvens)”, pois esta seria a expressão verdadeira do contex-
to em que foi editada. Ou ainda, deveria a Súmula ter previsto a hipótese de au-
torização do contribuinte de fato para legitimar a ação de repetição do indébito
por parte do contribuinte de direito, nos termos do Recurso Extraordinário nº
44.115/ES que lhe dá origem e assim se manifesta: “As restituições dos tributos
indiretos, pagos pelo produtor à conta do 1º consumidor, somente por este ou
mediante autorização, pode ser reclamada.”
De qualquer modo, se de ambas as formas tivesse sido editada a Súmula, a
impossibilidade de generalizar sua aplicação subsistiria, haja vista que, verda-
deiramente, não se tem conceito estanque do que seja tributo indireto, ou quais
sejam os tributos indiretos e em que ocasiões, exatamente, ocorre a sua reper-
cussão.*Sº
do mesmo modo que na ação in rem verso, é a equidade, pois não seria razoável que al-
guém locupletasse à custa do empobrecimento alheio. (...) É essencial, portanto, que o
autor, que reclama a restituição da quantia paga indevidamente, tenha sofrido prejuízo
correspondente, isto é, tenha suportado equivalente desfalque no seu patrimônio. Isto,
evidentemente, não ocorreu no caso dos autos. Perícia realizada na primeira instância
comprovou que os impostos pagos pelo recorrente, e que este pretende reaver, foram car-
regados no preço das mercadorias vendidas a terceiros. (...) Nem se diga que, havendo a
Fazenda Pública recebido o que não era devido, estava na obrigação de restituir, nos ter-
mos do art. 964 do Código Civil. Realmente, essa obrigação subsiste, mas não é credora
dela o solvens que tenha transferido o imposto - e, portanto, o prejuízo aos consumido-
res. Falta-lhe, para isso, legitimidade ad causam. Seria menos justo proporcionar-lhe um
sobre-lucro sem causa, para seu proveito pessoal, do que deixar esse valor em poder do
Estado, que presumivelmente já o terá aplicado na manutenção dos serviços públicos e
na satisfação dos encargos diversos que oneram o Tesouro em benefício da coletividade.
Se o dilema é sancionar um enriquecimento sem causa, quer em favor do Estado, com a
carência ou improcedência da ação, quer em favor do contribuinte, se for julgado proce-
dente o pedido, não há que hesitar: impõe-se a primeira alternativa, pois o Estado repre-
senta, por definição, o interesse coletivo, a cuja promoção se destina, no conjunto da re-
ceita pública, a importância reclamada pelo particular, para sua fruição pessoal. Esta so-
lução é que corresponde à equidade, fundamento básico da ação proposta.”
*º Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 44.115/ES, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Afrânio Costa, julgamento em 02/10/1961, DJ de 17/09/1962. E do voto do relator
se extrai: “Ora, antes de indagar se é ilícita ou não a retenção do dinheiro pelo Estado, há
que indagar se quem se apresenta a juízo para reclamar, é realmente credor. E é o que não
ocorre. A quantia foi paga, por conta de terceiro que embolsou o reclamante e não o au-
torizou a pedir a restituição. De sorte que esse reclamante não tem título algum para re-
clamar a restituição, porque se houve pagamento indevido, quem sofreu conseqiiência foi
o consumidor por cuja conta e crédito ele pagou, e que o embolsou no momento da com-
pra e venda, porque nela foi incluído o preço de tal taxa.”
460
Não foi à toa que Aliomar Baleeiro fez ressalva nestes termos: “Resta a controvérsia so-
bre a impossibilidade jurídica da repetição de tributos indiretos, tese que tem o amparo
da Súmula nº 71. Entendo que essa diretriz não pode ser generalizada. Há de ser aprecia-
da em cada caso concreto, porque, de começo, do ponto de vista científico, os financistas
ainda não conseguiram, depois de 200 anos de discussão, desde os Fisiocratas do século
XVIII, um critério seguro para distinguir o imposto direto ou indireto. O mesmo tributo
poderá ser direto ou indireto, conforme a técnica de incidência e até conforme as oscilantes
Leandro MARINS DE SOUZA 218

Foi com a edição do Código Tributário Nacional que se começou a definir


o âmbito de abrangência da Súmula nº 71, haja vista a inclusão de seu artigo 166
em nosso ordenamento jurídico. Este dispositivo segue a vertente de orientação
adotada por Aliomar Baleeiro, no sentido de se avaliar a aplicação da impossi-
bilidade de restituição de tributos indiretos pagos indevidamente com cautela e
em cada circunstância.
E a reboque do artigo 166 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66),
em 3 de outubro de 1969 foi editada nova Súmula pelo Supremo Tribunal Fede-
ral acerca do assunto, nos seguintes termos: “Súmula nº 546 - Cabe a restitui-
ção do tributo pago indevidamente, quando reconhecido, por decisão, que o con-
tribuinte “de jure” não recuperou do contribuinte “de facto” o 'quantum” respec-
tivo481
Consagrou-se, assim, nos âmbitos legal e jurisprudencial, o fenômeno ju-
rídico da repercussão. A jurisprudência vinha no sentido de afastar a legitimi-
dade do contribuinte de direito para o pleito de restituição de tributos repassa-
dos ao contribuinte de fato. Em algumas oportunidades, já previa a necessidade
de autorização do contribuinte de fato para legitimar o contribuinte de direito a
pleitear a restituição de tributos indiretos pagos indevidamente. E o Código Tri-
butário Nacional consolidou esta necessidade, sendo expresso neste sentido.
Paralelamente a este debate, e até como consequência dele, discute-se a
possibilidade de o contribuinte de fato, na condição de imune, desonerar-se da
incidência dos impostos indiretos, cujos melhores exemplos são o IPI e o ICMS.
Inicialmente o Supremo Tribunal Federal entendeu pela desoneração do contri-
buinte de fato imune, mas logo modificou sua posição e editou a Súmula nº 591,

e variáveis circunstâncias do mercado, ou a natureza da mercadoria ou a do ato tributa-


do. (...) A falta de um conceito legal, que seria obrigatório ainda que oposto à evidência
da realidade dos fatos, o Supremo Tribunal Federal inclina-se a conceitos econômico-fi-
nanceiros baseados no fenômeno da incidência e da repercussão dos tributos indiretos, no
pressuposto errôneo, data venia, de que, sempre, eles comportam transferência do con-
tribuinte de jure para o contribuinte de fato. (...) É o suporte pretendidamente lógico da
Súmula nº 71. (...) Na repercussão do imposto, o lesado é o consumidor. A Súmula prefe-
re que o locupletamento favoreça o Estado e não o contribuinte de jure, no pressuposto
de que aquele representa a comunidade social. Mas não se pode negar a nocividade, do
ponto de vista ético e pragmático, duma interpretação que encoraja o Estado mantenedor
do direito - a praticar, sistematicamente, inconstitucionalidades e ilegalidades na certeza
de que não será obrigado a restituir o proveito da turpitude de seus agentes e órgãos.”
(Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 45.977/ES, Rel. Min. Aliomar
Baleeiro, julgamento em 27/09/1966)
>a Deram origem a esta Súmula os seguintes julgados: RE nº 58.660/SP, DJ de 30/05/1969;
RE nº 58.290/SP, DJ de 23/11/1966; RE nº 45.977/ES, DJ de 27/09/1966.
46; 9 “Sendo o imposto de consumo eminentemente indireto, que recai, a final, sobre o com-
prador, de seu pagamento estão isentas as Caixas Econômicas, que gozam de imunidade
tributária face ao art. 2º, parágrafo único, do D. 24.427, de 16/6/34, revigorado pelo D.
8.555, de 26/12/45. Recuso ordinário provido.” (Supremo Tribunal Federal, Recurso em
Mandado de Segurança nº 17.380/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, jul-
gamento em 13/11/1967, DJ de 08/12/1967) “Imposto de consumo. Prefeitura compra-
dora de produtos destinados exclusivamente ao seu serviço. Imunidade. Repercussão fis-
214 TaiButação DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

em 15 de dezembro de 1976, nos seguintes termos: “A imunidade ou a isenção


tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do imposto so-
bre produtos industrializados.” Passou a entender o Supremo Tribunal Federal
que a repercussão dos tributos indiretos sobre o comprador - contribuinte de fato
- tem natureza meramente econômica, sendo juridicamente indiferente. 463
Mais recentemente, no entanto, o Supremo Tribunal Federal tem dado in-
dícios de alteração de entendimento, desde o julgamento do Recurso Extraordi-
nário nº 203.755/ES, em 17 de setembro de 1996:
“Constitucional. Tributário. ICMS. Imunidade tributária. Instituição de
educação sem fins lucrativos. C.F., art. 150, VI, 'c”. I - Não há invocar,
para o fim de ser restringida a aplicação da imunidade, critérios de clas-
sificação dos impostos adotados por normas infraconstitucionais, mes-
mo porque não é adequado distinguir entre bens e patrimônio, dado que
este se constitui do conjunto daqueles. O que cumpre perquirir, portan-
to, é se o bem adquirido, no mercado interno ou externo, integra o patri-
mônio da entidade abrangida pela imunidade. II - Precedentes do STF.
HI - RE não conhecido.“

cal. 1) Indevido o tributo, em razão da imunidade constitucional (CF 1946, art. 31, V, “a”).
A) Precedentes: RMS 6.669, RMS 17.380, RMS 16.627, Port. 34/66 do Pres. do STF e
Res. 8.162, de 22.6.67, do TSE.” (Supremo Tribunal Federal, Recurso em Mandado de
Segurança nº 19.000/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Victor Nunes, julgamento em 17/06/1968,
DJ de 06/09/1968) “Sendo o imposto de consumo eminentemente indireto, que recai, afi-
nal, sobre o comprador, contribuinte de fato, não passa o produtor, contribuinte de direi-
to, de mero agente arrecadador do tributo, para atender-se, tão-somente, ao mecanismo
de sua arrecadação.” (Supremo Tribunal Federal, Recurso em Mandado de Segurança nº
16.627/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, julgamento em 24/10/1967, DJ
de 01/12/1967)
> aw
Ressalte-se que alguns dos precedentes que dão origem à Súmula nº 591 não entendem
dessa forma. Aliás, sequer se manifestam a este respeito. Somente afastam a pretensão de
se atribuir imunidade ao contribuinte de direito, por extensão da imunidade do contribuinte
de fato: “1. Imunidade tributária recíproca. Não é extensível às pessoas naturais e as pes-
soas jurídico-privadas que vendam bens ou mercadorias as entidades públicas, mesmo que
o imposto seja transferido a estas últimas. 2. Orientação jurisprudencial da Corte. 3. Em-
bargos de divergência recebidos” (Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº
69.080/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Antonio Neder, julgamento em 19/02/1976, DJ de
26/03/1976); “Imposto de consumo. Mercadorias vendidas a compradores com imunida-
de ou isenção fiscal. Tributação. Devido pelo produtor e por seu recolhimento responsá-
vel, antes que a mercadoria saia do estabelecimento, dele se não liberta, ainda que imune
ou isento o comprador.” (Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 67.625/SP,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Thompson Flores, julgamento em 09/09/1970)
464
E continua: “A questão a saber é se a imunidade em apreço - idêntica, aliás, à imunidade
recíproca dos entes públicos, C.F., art. 150, VI, “a” - abrangeria todos os impostos, ou seria
restrita àqueles que, no CTN, são classificados como impostos sobre o patrimônio e a ren-
da CTN, Título III, Capítulo III - Impostos sobre o patrimônio e a renda: art. 29 - ITR,
art. 32, IPTU, art. 35, Imposto s/a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relati-
vos, art. 43, Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, e o imposto sobre
serviços: CTN, arts. 68 a 73. Como o ICMS, tal qual o IPI e o IOF, são classificados, no
CTN, como impostos sobre a produção e a circulação (CTN, Título III, Capítulo IV, arts.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 215

Agrega-se ao entendimento do Supremo Tribunal Federal a renovada juris-


prudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito da legitimidade do contri-
buinte de fato para pleitear a repetição de indébito de tributos pagos indevida-
mente.
Como se vê, a evolução jurisprudencial de duas questões bastante relevan-
tes apontam para a abrangência da imunidade tributária das entidades de educa-
ção e de assistência social ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Ser-
viços - ICMS e o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, indiretos por sua
própria natureza, tanto no que diz respeito às mercadorias por elas comerciali-
zadas quanto na qualidade de consumidora final - contribuinte de fato, ratifican-
do, portanto, nosso entendimento.
Com relação à legitimidade do contribuinte de fato para a repetição do in-
débito, em virtude do fenômeno da repercussão, vê-se que a admissão de que o
ônus por ele indevidamente suportado deve dar ensejo a sua legitimidade para a
propositura de ação de repetição do indébito é, por via transversa, a admissão
de que as instituições de educação e de assistência social estão a salvo da inci-
dência de ICMS e IPI. Ora, se a Constituição Federal atribui imunidade a im-
postos, de forma genérica, às instituições de educação e de assistência social e
a jurisprudência, além de confirmar esta característica de generalidade, acolhe
o fenômeno da repercussão como juridicamente considerável - reconhecendo que
o próprio CTN assim o faz em seu artigo 166 -, logo o recolhimento de impos-

46 e segs.), costuma-se afirmar que não estão eles abrangidos pela imunidade do art. 150,
VI, “c”, da Constituição. A objeção, entretanto, não é procedente. É que tudo reside no
perquirir se o bem adquirido, no comércio interno ou externo, é do patrimônio da entida-
de coberta pela imunidade. Se isto ocorrer, a imunidade tributária tem aplicação, às in-
teiras.” (Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 203.755/ES, Segunda Tur-
ma, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 17/09/1996, DJ de 08/11/1996) Exatamente
no mesmo sentido: RE nº 193.969/SP, DJ de 06/12/1996; RE nº 186.175/SP, DJ de 13/12/1996;
RE nº 225.671/SP, DJ de 02/06/1998; RE nº 210.251/SP, DJ de 05/02/1999; AI nº 389.118/SP,
DJ de 24/09/2002; AGRGRE nº 237.497/SP, DJ de 18/10/2002.
46. a “O tributo examinado (ICMS) é de natureza indireta. Apresenta-se com essa característi-
ca porque o contribuinte real é o consumidor da mercadoria objeto da operação (contri-
buinte de fato) e a empresa (contribuinte de direito) repassa, no preço da mercadoria, o
imposto devido, recolhendo, após, aos cofres públicos o imposto já pago pelo consumi-
dor de seus produtos. Não assume, portanto, a carga tributária resultante dessa incidên-
cia.” (Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, Ag. Reg. nº 327.245/SP, Rel. Min.
José Delgado, julgamento em 11/09/2001, DJ de 22/10/2001); “Tributário - Repercussão
- Contribuinte de fato - Restituição - Legitimidade - CTN art. 166. O contribuinte de fato
está legitimado para reclamar a devolução do tributo indevidamente recolhido pelo con-
tribuinte de direito. Assim dispõe, a contrário senso, o art. 166 do CTN.” (Superior Tri-
bunal de Justiça, Primeira Turma, REsp nº 276.469/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de
Barros, julgamento em 14/08/2001, DJ de 01/10/2001); “Tendo o encargo financeiro do
tributo sido transferido ao contribuinte de fato, só este ou quem por este esteja autoriza-
do, terá legitimidade para pleitear a restituição. Sendo o ICMS tributo indireto, há a pre-
sunção de transferência do ônus tributário ao contribuinte de fato e a prova da não trans-
ferência envolve matéria fática, insuscetível de análise na via Especial (Súmula nº 07 do
STJ).” (Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, REsp nº 218.042/SP, Rel. Min.
Garcia Vieira, julgamento em 17/08/1999, DJ de 27/09/1999)
216 TriBuTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

tos indiretos pelas instituições de educação e de assistência social as configura


como contribuintes de fato legitimadas a reaver a inconstitucional cobrança.
Ressalve-se, por oportuno, a dificuldade existente hodiernamente em se
afastar o recolhimento indevido de impostos indiretos por parte das instituições
de educação e de assistência social, ou seja, de se aplicar a imunidade tributária
preventivamente de modo aevitar o ensejo da repetição do indébito. No mais das
vezes, a única alternativa dada às instituições é realmente arcar com o ônus dos
impostos indiretos e buscar a repetição a posteriori, o que justifica a necessida-
de de revisão de nosso ordenamento jurídico neste ponto em especial.
E voltamos à carga com aportes doutrinários, para confirmar o quanto pre-
tendemos demonstrar. Abeberamo-nos nas linhas de Aroldo Gomes de Mattos,
para quem
“os tipos de tributos que juridicamente repercutem só podem ser, à evi-
dência, aqueles que são lançados e cobrados pelo vendedor do adquirente
da mercadoria ou pelo prestador do beneficiário dos serviços, no respec-
tivo documento fiscal, tal como acontece com o ICMS, o IPI e o ISS.
Recolhe, nesses casos, o sujeito passivo o tributo debitado a terceiros,
circunstância essa que caracteriza a transladação do ônus tributário.”
Esclarecedor também, sobretudo por fazer referência à intenção da juris-
prudência do Supremo Tribunal Federal ao editar as Súmulas que tratam do as-
sunto, é José Mórschbãcher:
“Não tenho dúvidas no sentido de que o contribuinte de fato, aquele que
efetivamente assumiu em definitivo o encargo financeiro do indébito tri-
butário indireto, é parte ativa legítima para pedir a restituição. A mesma
razão de se negar a restituição ao sujeito passivo, porque não foi ele, mas
outrem, que experimentou o prejuízo da tributação indireta indevida,
constitui-se na razão para deferi-la ao contribuinte de fato, exatamente
porque foi ele que experimentou referido prejuízo. Seria extremamente
irônico e de um fiscalismo inqualificável sustentar-se a coerência do ar-
tigo 166 do CTN com a ordem jurídica sem se admitir, simultaneamen-
te, a legitimidade do contribuinte de fato à restituição do tributo indire-
to. Negar-se a restituição de tributo indevido ao sujeito passivo, porque
não é ele parte legítima, significa, contrario sensu, afirmar que outrem é
a parte legítima, que é necessariamente o contribuinte de fato.
Trata-se de conclusão lógica decorrente da doutrina esposada pela Supre-
ma Corte, e pode ser conferida nas manifestações de voto de seus integrantes nos
acórdãos que fundamentaram a edição das duas Súmulas (71 e 546); particular-
mente nos RREE nº 44.115, 45.678, 46.450 e 47.069, não obstante tal questão
não estivesse em julgamento, pois que tratavam de ações intentadas por contri-
buintes de direito.

*s* MATTOS, Aroldo Gomes de. Repetição do indébito, compensação e ação declaratória,
in Repetição do indébito e compensação no direito tributário, coord. Hugo de Brito
Machado, São Paulo : Dialética, Fortaleza : ICET, 1999, p. 52.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 217

No sentido da legitimidade ad causam do contribuinte de fato já decidiu o Tri-


bunal Regional Federal da 4º Região, por sua 2º Turma (AC nº 889.04.03981-9-PR,
DJ 17/07/91, JSTF e TRF, LEX-38, pp. 505-510), em julgamento que à época
tive a honra de relatar, ao reconhecer o direito à restituição os adquirentes finais,
produtores rurais, que postularam em juízo a restituição do imposto sobre pro-
dutos industrializados recolhido indevidamente por empresa importadora sobre
colheitadeiras importadas de país signatário do GATT, por isso isentas do refe-
rido imposto:49
Por fim, Fábio Fanucchi dá indícios - não sendo expresso neste sentido -
de que admite a legitimidade do contribuinte de fato para o ajuizamento de ação
de repetição de indébito de tributos indiretos pagos indevidamente, reconhecen-
do, portanto, a juridicidade do fenômeno da repercussão:
“Imagine-se, então, diante da regra legal e do conhecimento jurispruden-
cial, que contribuintes do ICM e do IPI (impostos classificáveis como in-
diretos), verifiquem indevidos pagamentos por eles efetuados a título
daqueles impostos. Se, efetivamente, cobraram, nas notas fiscais, aque-
les impostos de seus compradores de bens, não serão parte legítima para
reivindicar, por si sós, a repetição do indébito. Tendo que recorrer aos
consumidores para deles conseguir autorização de pleitear a restituição,
deparar-se-ão com uma tarefa enorme, muitas vezes irrealizável. Por sua
vez, os adquirentes dos bens indevidamente gravados com carga mone-
tária indevida, a título de imposto, dificilmente se habilitarão pleiteando
a repetição. Acontecerá, então, que o locupletamento, condenado pelo
direito positivo e pela jurisprudência, será da Fazenda Pública. Contu-
“ do, diz-se bem mais aceitável a situação assim posta, desde que a enti-
dade pública pode ser favorecida com menor reação do que a provocada
pelo locupletamento de particulares.”*8+9º

“57 MÓRSCHBACHER, José. Repetição de indébito tributário e compensação, in Repetição


do indébito e compensação no direito tributário, coord. Hugo de Brito Machado, São
Paulo : Dialética, Fortaleza : ICET, 1999, p. 258.
46 co
FANUCCHI, Fábio. Curso de direito tributário brasileiro, vol. I, 3º ed., São Paulo : Re-
senha Tributária, 1975, p. 395. Rogério Vidal Gandra da Silva Martins (Imunidade e isen-
ção para instituições de educação, in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públi-
cas, nº 7, abril-junho de 1994, p. 48), por sua vez, é enfático: "Em suma, concluímos que
toda a tributação realizada pela via de impostos circulatórios incidente sobre entidades
de educação sem fins lucrativos é eivada de inconstitucionalidade, tendo em vista que,
qualquer que seja a modalidade de imposto circulatório exigido, estará o mesmo atingin-
do, mesmo que de forma indireta, o “patrimônio, a renda ou os serviços” das referidas
instituições.”
46 e Em sentido contrário, entre outros: CANTO, Gilberto de Ulhõa. Repetição de indébito,
in Caderno de Pesquisas Tributárias, nº 8, 1983, pp. 6/7; GRECO, Marco Aurelio. Re-
petição do indébito: contribuição ao INSS sobre pagamentos a administradores, autôno-
mos e avulsos, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 52, pp. 108-109; MACHA-
DO, Hugo de Brito. Imposto indireto, repetição do indébito e imunidade subjetiva, in
Revista Dialética de Direito Tributário, nº 2, pp. 32-35; MARTINS, Ives Gandra da Sil-
va. Repetição do indébito, in Repetição do indébito e compensação no direito tributário,
218 TriButação DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Importante frisar que a legislação do Imposto sobre Produtos Industriali-


zados não reconhece a imunidade tributária das entidades de educação e de as-
sistência social, como se observa do artigo 18 do Decreto nº 4.544, de 16 de
dezembro de 2002, e seu antecessor, o Decreto nº 2.637, de 25 de junho de 1998.
Referidos diplomas guardam tópico específico para tratar das imunidades
tributárias relativas ao IPI, legitimando tão-somente as imunidades previstas nos
artigos 150, VI, “d” (livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impres-
são), 153, 8 3º, II (produtos industrializados destinados ao exterior), 153, $ 5º
(o ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial)
e 155, $ 3º (a energia elétrica, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do
País) da Constituição Federal.
É silente a regulamentação do IPI quanto à imunidade das entidades de
educação e de assistência social, o que em verdade não prejudica em nada sua
fruição, mas demonstra a dissonância da legislação ordinária em face da Cons-
tituição Federal. Ora, se há capítulo específico na legislação regulamentar do
tributo destinado às imunidades, deveria enquadrar todas as imunidades que so-
bre ele recaem.
Ao deixar de prever a imunidade em comento, transparece a deslegitima-
ção com a qual é tratada e a necessidade de sua revisão. Deixa-se para tratar
destas entidades tão-somente em hipóteses específicas de isenção, que serão
analisadas em capítulo próprio.

10.2. Imunidade Tributária a Impostos das Entidades Sindicais de


Trabalhadores (artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988)
No mesmo dispositivo em que a Constituição afasta a competência dos
entes tributantes para a instituição de impostos sobre as atividades das institui-
ções de educação e de assistência social também se defere imunidade tributária
às entidades sindicais de trabalhadores, nos mesmos termos antes expostos. No
entanto, como não poderia ser diferente, por se tratarem de atividades diversas,
algumas peculiaridades podem ser encontradas na concessão de imunidade tri-
butária aos sindicatos, como passa-se a demonstrar.
À iniciar pelo momento de criação desta imunidade. Como visto, a imuni-
dade tributária destinada às instituições de educação e de assistência social foi
inserida em nosso ordenamento através da Constituição de 1946, em seu arti-
go 31, V, “b”. Repetiu-se no artigo 20, III, “c” da Constituição de 1967 e no ar-
tigo 19, II, “c” da Emenda Constitucional nº 01/69, e atualmente encontrada no
artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988.

coord. Hugo de Brito Machado, São Paulo : Dialética, Fortaleza : ICET, 1999, pp. 174 e
176; MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, vol. II, 3º ed., Rio
de Janeiro : Forense, 1995, pp. 487-491; SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes.
Repetição do indébito tributário e compensação, in Repetição do indébito e compensa-
ção no direito tributário, coord. Hugo de Brito Machado, São Paúlo: Dialética, Fortale-
za : ICET, 1999, p. 283; SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributá-
ria, São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 122.
Leandro MARINS DE SOUZA 219

A imunidade tributária às entidades sindicais de trabalhadores, por sua vez,


foi inserida tão-somente na redação dada ao dispositivo pela Constituição Federal
de 1988,%º e representa o reconhecimento de nossa Constituição ao desempe-
nho de atividades de interesse público por parte dos sindicatos.”
O fundamento para a inserção da imunidade a impostos conferida aos sin-
dicatos é exatamente o reflexo do direito fundamental da liberdade de associa-
ção previsto no artigo 5º, XVII e dos direitos sociais previstos nos artigos 6º e
8º da Constituição Federal, respectivamente o direito ao trabalho ea liberdade
de associação sindical.
E por se direcionar à garantia de direitos sociais, os sindicatos definitiva-
mente são considerados como entidades de cooperação do Estado que exercem
atribuições de interesse público, a justificar sua inserção no conceito de entida-
de participante do Terceiro Setor.
“Assim, o suporte profundo da representação coletiva, pelo sindicato, do
sindicato, dos interesses da categoria, é a natureza social daquela repre-
sentação. Por outras palavras: o sindicato se organiza e atua em função
de uma comunidade nascida espontaneamente, no curso natural dos fa-
tos históricos. Trata-se, pois, de representação sociologicamente neces-
sária, que se torna jurídica através da norma de direito que a legitima e
delimita. (...)
O sindicato, modernamente, é órgão de colaboração com o Estado, man-
tendo suas características tradicionais de instrumento de reivindicação e
negociação com o empregador. Mas, nesse conjunto de atribuições, nunca
será excessivo lembrar que ele desempenha, também, um papel moral,
cultural, técnico e, inclusive, político. Assim, o sindicato penetra em to-
dos os setores da vida social para colaborar com o Estado em nome do
interesse nacional ou para defender - perante ele ou perante o empresá-
rio - a solução adequada dos problemas relacionados com a respectiva
categoria”?

“0 “A letra c do inc. VI reproduz o Texto anterior, acrescentando à lista de entidades imu-


nes as fundações dos partidos e as entidades sindicais dos trabalhadores, sobre adicionar
às instituições de educação e assistência social a expressão *sem fins lucrativos”, que não
constava do art. 19, III, c, do Texto pretérito.” (MARTINS, Ives Gandra da Silva e BAS-
TOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outu-
bro de 1988, São Paulo : Saraiva, 1990, p. 181)
47
O texto da Emenda Constitucional nº 01/69 assim dispunha: “Art. 19. É vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III - instituir impostos sobre: (...)
c) o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos e de instituições de educa-
ção ou de assistência social, observados os requisitos da lei.”
“2 RUSSOMANO, Mozart Victor. Princípios gerais de direito sindical, 2º ed., Rio de Ja-
neiro : Forense, 2000, pp. 62-63. E continua o autor: “O limite de sua atuação, em última
análise, nos é dado por esses problemas. É uma limitação puramente sociológica. Quer
perante a autoridade administrativa; quer perante o Parlamento; quer perante a autorida-
de judiciária (independentemente da natureza, trabalhista ou não, das ações em que in-
tervém), o sindicato é representante legítimo da categoria profissional ou econômica. À
condição limitadora, como dissemos no ensaio anteriormente citado, está na real existência
do autêntico interesse de seus associados ou da categoria, pois esse interesse (por sua
220 TriButaçÃo DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Os sindicatos, pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, de-


sempenham atividades complementares à atividade estatal, diretamente na pro-
moção e no desenvolvimento do direito social ao trabalho previsto no artigo 6º
da Constituição Federal.
São estes os valores constitucionais que o constituinte pretende resguardar
ao estatuir a imunidade tributária a impostos em favor das entidades sindicais dos
trabalhadores através do artigo 150, VI, “c”.47
Mas algumas dúvidas persistem e merecem ser analisadas com pormeno-
res. À primeira delas diz respeito à natureza jurídica dos sindicatos e sua con-
ceituação. Manoel Gonçalves Ferreira Filho ensina-nos que, “no direito brasi-
leiro, o sindicato é uma associação profissional que, em virtude do preenchimen-
to de certos requisitos, goza da prerrogativa de representar toda a classe perante
o Estado ou perante outros sindicatos”.””* Complementa-se, no que tange a sua
natureza jurídica, com os ensinamentos de Mozart Victor Russomano:

natureza difuso) se concentra através da organização da entidade sindical e nela encontra


o único órgão que - no estágio atual de nosso desenvolvimento histórico - está apto a re-
presentá-lo e defendê-lo, sociológica, jurídica e politicamente. A representação voluntá-
ria dos associados e a representação da categoria profissional ou econômica favorecem
ou permitem a progressiva penetração do poder representativo do sindicato nas diversas
searas da vida moderna. Mas, nada disso lhe altera a natureza jurídica. As pessoas jurídi-
cas de direito privado, algumas delas ao menos, especialmente os sindicatos, não raro com
violência, se situam, no drama do século XX, ante o Estado contemporâneo, em posição
dinâmica. O sindicato, de modo todo particular e com todo vigor, sem perder sua nature-
za privada, exige o lugar de protagonista ou, pelo menos, a posição de personagem na cena
que a História nos reservou, nestes primeiros anos da era tecnológica, que coincidem com
os últimos anos do século XX.” Pinto Ferreira (Curso de direito constitucional, 5º ed., São
Paulo : Saraiva, 1991, p. 176) aponta: “A palavra sindicato deriva de dois termos gregos:
syn, ou com, e dikaios, ou justiça, significando uma associação para fins justos. Teorica-
mente o sindicato é uma associação que tem por objetivo tento a defesa como o melhora-
mento das condições econômicas gerais e do trabalho dos operários e patrões que a inte-
gram. Grande é a sua força social, não somente como foco de poder político e econômi-
co, como ainda de desenvolvimento cultural das massas trabalhadoras.”
*º Veja-se o entendimento de Maria Cristina Neubem de Faria (A interpretação das normas
de imunidade tributária - conteúdo e alcance, in Revista Tributária e de Finanças Públi-
cas, nº 36, p. 151) sobre a justificativa para a inserção da imunidade tributária em comento:
“O elemento valorativo que motivou a edição inédita da norma desonerativa em relação
aos sindicatos, com a Constituição de 1988, foi o de que, a exemplo do que ocorre com
os partidos políticos, a tributação pudesse se constituir entrave à livre associação de tra-
balhadores ou intervencionismo estatal e interferência nos sindicatos como forma de im-
pedir a defesa dos direitos individuais ou coletivos de seus filiados. Os princípios presti-
giados pela norma são os da cidadania e os que representam os valores sociais do traba-
lho e da livre iniciativa.” Discorda deste entendimento Ricardo Lobo Torres (Tratado de
direito constitucional financeiro e tributário: os direitos humanos e a tributação: imuni-
dades e isonomia, vol. III, Rio de Janeiro : Renovar, 1999, p. 250), ao entender que “é
figura estranha à temática da imunidade fiscal, por não ser forma de proteção dos direi-
tos humanos. Pode até servir de contraponto fiscal dos direitos sociais (art. 8º), mas não
dos direitos fundamentais (art. 5º). Visa a garantir os direitos relevantes da classe traba-
lhadora, inconfundíveis com os direitos do homem, que transcendem os interesses de clas-
ses ou grupos.” 3
“4 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988,
vol. 1, São Paulo : Saraiva, 1990, pp. 108-109.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 221

“a) O sindicato é pessoa de direito privado que exerce atribuições de in-


teresse público, em maior ou menor amplitude, consoante a estrutura
política do país e segundo o papel, mais ou menos saliente, que lhe seja
atribuído. Numerosas pessoas jurídicas de direito privado exercem fun-
ções de interesse público, inclusive por delegação das pessoas jurídicas
estatais, sem que percam sua verdadeira natureza. É o caso de empresas
privadas concessionárias de serviços públicos. O sindicato, sendo órgão
de colaboração com o Estado, nem por isso nele se integra ou dele de-
pende. Em maior ou menor grau, todas as associações profissionais ou
econômicas, mesmo sem natureza sindical, atuam como órgãos de cola-
boração do Estado moderno, embora sejam típicas pessoas de direito pri-
vado:*%
Mas para a fruição da imunidade tributária não basta ser sindicato, haja vista
que o preceito é específico em abarcar tão-somente as entidades sindicais de
trabalhadores. As entidades sindicais patronais não estão abarcadas pela imu-
nidade tributária. É característica do preceito imunitório que merece críticas, haja
vista não haver justificativa para tal sorte de discriminação que se extraia do
desígnio imunizante constitucional. Neste sentido também se manifestam Ives
Gandra da Silva Martins e Celso Ribeiro Bastos: “Lamenta-se apenas a reticên-
cia constitucional em relação às entidades patronais, também suscetíveis de ser
perseguidas fiscalmente, se os eventuais detentores do poder tiverem vocação
política socialista ou antiempresarial”
“75 RUSSOMANO, Mozart Victor. Op. cit., pp. 59-60.
46 MARTINS, Ives Gandra da Silva e BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constitui-
ção do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, São Paulo : Saraiva, 1988, p. 182.
Em sentido contrário, Roque Antonio Carrazza (Curso de direito constitucional tributá-
rio, 19º ed., São Paulo : Malheiros, 2003, p. 673) assevera que “andou bem a Constitui-
ção ao excluir do benefício as entidades patronais. O que a Carta Magna pretendeu, sem
dúvida, foi favorecer a sindicalização dos trabalhadores, máxime daqueles que exercem
misteres economicamente mais humildes (v.g., barbeiros, empregados no comércio vare-
jista, padeiros etc.). Se estes pequenos sindicatos tivessem, ainda por cima, que suportar
impostos, em pouco tempo ficariam inviáveis. Assim, merece aplausos o constituinte ao
estender sobre eles a proteção da imunidade aos impostos.” Também comenta o disposi-
tivo Hugo de Brito Machado (Curso de direito tributário, 18º ed., São Paulo : Malheiros,
2000, p. 226): “A letra do dispositivo constitucional refere-se apenas a entidades sindi-
cais dos trabalhadores, o que revela o seu caráter demagógico. Estariam os sindicatos
patronais sujeitos à tributação? Poderia o Estado esmagá-los com impostos? A liberdade
de associação seria assegurada apenas aos trabalhadores? Qual a abrangência da palavra
trabalhadores, no texto em questão? Parece-nos que a imunidade deve abranger as enti-
dades sindicais em geral, mas o dispositivo constitucional está aí, a desafiar a argúcia dos
hermeneutas que não pretenderem ficar com sua literalidade.” Por fim, Maria Cristina
Neubemn de Faria (op. cit., p. 152) entende que “se o princípio diz respeito aos valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa, melhor interpretação seria aquela que não res-
tringisse o vocábulo “trabalhador” a apenas “empregado”. A expressão “sindicato de tra-
balhadores” deve englobar associações sindicais compostas não só por empregados, mas
também por empreendedores e profissionais liberais, na busca da representatividade de
seus interesses. Aqui, não havendo razão para discriminar, não se estaria atendendo ao
princípio da isonomia, informativo de todo o ordenamento jurídico.”
222 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

No entanto, o dispositivo é expresso em se destinar tão-somente às entida-


des sindicais de trabalhadores, não sobrando espaço para qualquer interpreta-
ção diversa.
Com relação aos demais requisitos para a fruição da imunidade tributária
por parte das entidades sindicais de trabalhadores, por estar prevista no mesmo
dispositivo que prevê a imunidade tributária das instituições de educação e de
assistência social, seguem a mesma regra anteriormente exposta. No entanto, é
de se ressalvar que a exigência de inexistência de fins lucrativos por parte das
entidades sindicais de trabalhadores é inócua, haja vista esta característica ser
inerente aos sindicatos.
Hugo de Brito Machado é enfático neste sentido, ao asseverar que “os sin-
dicatos, por natureza não são entidades lucrativas. A exigência de que se trate
de instituição sem fins lucrativos, portanto, diz respeito apenas às instituições
de educação e de assistência social”
Afora esta ressalva, resta-nos dizer que por força do disposto no artigo
150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988, já transcrito, as entidades sindi-
cais de trabalhadores*”* são imunes aos impostos incidentes sobre o seu patri-

*” MACHADO, Hugo de Brito. Imunidade tributária das entidades de educação e de assis-


tência social e a Lei 9.532/97, in Imposto de renda - alterações fundamentais, coord.
Valdir de Oliveira Rocha, 2º vol., São Paulo : Dialética, 1998, p. 68. Assim também en-
tende Regina Helena Costa (Imunidades tributárias: teoria e análise da jurisprudência
do STF, São Paulo : Malheiros, 2001, p. 162): “Vale observar, ainda, que a ausência de
finalidade lucrativa é requisito a ser preenchido tão-somente pelas instituições de educa-
ção e de assistência social, uma vez que os partidos políticos e suas fundações bem como
as entidades sindicais de trabalhadores são entes que, por sua própria natureza, não obje-
tivam lucro.”
478
Vale transcrição da ressalva feita por Roque Antonio Carrazza (op. cit., pp. 674-675):
“Quando a Constituição, para fins de imunidade, alude às entidades sindicais dos traba-
lhadores está englobando igualmente as federações e confederações, isto é, as associa-
ções sindicais de segundo e terceiro graus. Só para registro, as federações, a teor do art.
534 da CLT, são formadas pela associação de, pelo menos, cinco sindicatos e são regio-
nais e por Estado. As confederações, de seu turno, são formadas pela associação de, pelo
menos, três federações, com sede na Capital da República, tendo âmbito nacional (art. 535
da CLT). Consignamos, ainda, gue a imunidade em tela alcança também as centrais sin-
dicais (por exemplo, a Central Única dos Trabalhadores). Explicamo-nos melhor: a cen-
tral sindical é formada pela reunião de vários sindicatos de empregados. É, pois, em últi-
ma análise, o somatório de entidades sindicais de trabalhadores. Ora, se as partes (as en-
tidades sindicais de trabalhadores) são imunes a impostos, o todo (a central sindical) ne-
cessariamente também o é. Chega-se a essa conclusão utilizando o postulado lógico pelo
qual o todo segue a sorte das partes que o formam. Poder-se-ia talvez sustentar que as
centrais sindicais - meras associações de sindicatos de empregados - não são entidades
sindicais de trabalhadores na acepção estrita do termo e, assim, não fazem jus à imunida-
de em estudo. Concordamos que elas não revestem a natureza nem de sindicatos (primei-
ro grau), nem de federações (segundo grau), nem de confederações (terceiro grau) de tra-
balhadores. Todavia, a inteligência dos textos constitucionais deve levar em conta aqui-
lo que Paulo Bonavides chama de “ideologia do poder”. E esta, no caso, prestigia ao má-
ximo os direitos dos trabalhadores. Em suma, as centrais sindicais, tanto quanto as enti-
dades sindicais de trabalhadores que as formam, não podem ser alcançadas pelos impostos.”
LeanDRO MARINS DE SOUZA 223

mônio, sua renda e seus serviços,*”? observados os requisitos já analisados an-


teriormente.*º

10.3. Imunidade Tributária a Contribuição para a Seguridade Social das


Entidades Beneficentes de Assistência Social (artigo 195, $ 7º da
Constituição Federal de 1988)
Ainda na esteira do reconhecimento constitucional da importância social
das organizações do Terceiro Setor, reiterando sua finalidade nobre e sua voca-
ção ao atendimento de questões sociais estratégicas tendo em vista o caráter
substitutivo de suas atividades em relação às atribuições estatais, o artigo 195,
$ 7º, de nosso Texto Magno atribui às entidades beneficentes de assistência so-
cial imunidade tributária a contribuição para a seguridade social,**! in verbis:
“8 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades benefi-
centes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”
Trata-se, a toda evidência, de dispositivo de ordem constitucional que cui-
da de matéria tributária atinente a entidades que fazem parte do Terceiro Setor,
a justificar sua análise. Mas para tanto é imprescindível que se faça a análise de
sua aplicação, sua extensão e dos conceitos que lhe são adstritos, a começar com
a remissão a toda justificativa para a inserção das imunidades tributárias a estas
entidades já expendidas até aqui e com o esclarecimento da celeuma criada por
equívoco de nosso Constituinte originário, ao instituir aparente isenção tributá-
ria através de dispositivo constitucional.

“9 “Portanto, as entidades sindicais de trabalhadores estão exoneradas das exigências do


Imposto Predial e Territorial Urbano sobre os imóveis que ocupam; do Imposto sobre
Serviços em relação aos serviços que prestarem aterceiros; do Imposto sobre a Renda
concernente aos rendimentos auferidos; do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis
na aquisição de bens imóveis; do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores
referente aos veículos automotores utilizados para seus fins - e assim por diante” (COSTA,
Regina Helena. Op. cit. pp. 171-172). “Um sindicato de empregados não pode ser com-
pelido a pagar IPTU (sobre o imóvel onde tem sede), IR (sobre os rendimentos que aufe-
re), ISS (sobre os serviços que presta aos seus afiliados) etc.” (CARRAZZA, Roque An-
tonio. Op. cit., p. 674)
“so Ver também CARDONE, Marly A. Da imunidade tributária sindical, in Repertório IOB
de Jurisprudência, nº 21/92, 1/5.617, 1º quinzena de novembro de 1992, pp. 384-382.
> do
Especificamente sobre o tema, entre outros, consultem-se: IBRAHIM, Fábio Zambitte.
Considerações sobre a imunidade do $ 7º do art. 195 da CF/88, referente às entidades
beneficentes de assistência social, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 53, fe-
vereiro de 2000, pp. 34-42; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidade de contribui-
ções sociais - requisitos exclusivos da lei complementar - inteligência do artigo 195, 87º,
da Constituição Federal, à luz da jurisprudência da Suprema Corte, in Revista Dialética
de Direito Tributário, nº 40, janeiro de 1999, pp. 83-103; SÁ, Rodrigo Cesar Caldas de.
Considerações a respeito da Lei nº 9.732/98 e a imunidade tributária das entidades filan-
trópicas e de assistência social, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 47, agosto
de 1999, pp. 111-118.
224 TriBuração DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

10.3.1. O equívoco cometido pelo Constituinte no artigo 195, 8 7º da


Constituição Federal de 1988: imunidade tributária ao invés de isenção
Bem se viu, anteriormente, que o instituto da imunidade tributária tem como
característica principal, que se confunde com seu próprio conceito, seu nasce-
douro constitucional como norma de definição da incompetência tributária dos
entes tributantes com relação a determinadas pessoas, bens ou fatos. É norma que
atua simultaneamente às normas constitucionais de definição da competência
tributária de cada ente, completando sua delimitação de forma exaustiva.
Sendo norma de delimitação do campo de competência tributária das pes-
soas políticas, tem necessariamente como berço a própria Constituição que é o
texto legal competente para tanto.**?
À norma imunizante atua, portanto, antes que nasça a competência tribu-
tária das pessoas políticas, pois seu desígnio é exatamente impedir que isto acon-
teça. Levando-se em consideração que o papel da Constituição Federal é atribuir
competências para a instituição de tributos, e não os instituir, em seu sentido
negativo é de se dizer que a função da Constituição é não atribuir competências
- ou atribuir incompetências - para a instituição de tributos, e não afastar tribu-
tos instituídos.
Trazendo a elucubração para a realidade debatida, o artigo 195, $ 7º, da
Constituição Federal de 1988 manifestou-se no sentido de que “são isentas de
contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência
social que atendam às exigências estabelecidas em lei”.
Como visto, a Constituição só pode, por não ser de sua competência afas-
tar tributos instituídos, atribuir incompetências. Estivesse a Constituição Fede-
ral, através de seu artigo 195, $ 7º, afastando a incidência de contribuição para a
seguridade social das atividades das entidades beneficentes de assistência social,
estaria agindo em desconformidade com sua função. Assim sendo, só se pode
interpretar a norma contida no artigo citado como sendo a atribuição de uma
incompetência deferida constitucionalmente às pessoas políticas competentes
pela instituição de contribuição à seguridade social.
A Constituição Federal de 1988, através de seu artigo 195, $ 7º, atribuiu
incompetência às pessoas políticas para a instituição de contribuição para a se-
guridade social incidente sobre as entidades beneficentes de assistência social.
Não se trata, portanto, verdadeiramente, de isenção a exoneração“ disposta
no artigo 195, $ 7º da Constituição Federal, notadamente por se tratar a isenção
de espécie de exclusão do crédito tributário (art. 175 do Código Tributário Na-
cional) e sempre decorrente de lei (art. 176 do Código Tributário Nacional), hi-
póteses que não se amoldam ao caso em discussão.

*2 “As pessoas político-constitucionais portanto, somente podem atuar, na área de tributa-


ção, dentro do âmbito da competência tributária, âmbito esse definido rígida e expressa-
mente pela Carta Constitucional” (ATALIBA, Geraldo e BARRETO, Aires. Op. cit., pp.
47-48)
* Utiliza-se o termo em seu sentido leigo.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 225

Trata-se de imunidade tributária, conforme corrobora o entendimento de


Ives Gandra da Silva Martins ao asseverar que “neste parágrafo, nada obstante
falar o constituinte em isenção, cuidou de autêntica hipótese de imunidade, na
medida em que impôs uma vedação ao Poder Público, que não configura hipó-
tese de isenção”.
Este entendimento, aliás, pode ser considerado pacificado tanto em virtu-
de da remansosa manifestação doutrinária quanto em face da precisa acolhida
do Supremo Tribunal Federal neste sentido. Ao analisar esta questão, o Exce-
lentíssimo Ministro Celso de Mello assim se manifestou:
“Mandado de Segurança. Contribuição previdenciária. Quota patronal.
Entidade de fins assistenciais, filantrópicos e educacionais. Imunidade
(CF, art. 195, $ 7º). Recurso conhecido e provido. - A Associação Pau-
lista da Igreja Adventista do Sétimo Dia, por qualificar-se como entida-
de beneficente de assistência social - e por também atender, de modo
integral, às exigências estabelecidas em lei - tem direito irrecusável ao
benefício extraordinário da imunidade subjetiva relativa às contribuições
pertinentes à seguridade social. - A cláusula inscrita no art. 195, $ 7º, da
Carta Política - não obstante referir-se impropriamente à isenção de con-
tribuição para a seguridade social -, contemplou as entidades beneficen-
tes de assistência social com o favor constitucional da imunidade tribu-
tária, desde que por elas preenchidos os requisitos fixados em lei. A ju-
risprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal já identificou,
na cláusula inscrita no artigo 195, $ 7º, da Constituição da República, a
existência de uma típica garantia de imunidade (e não de simples isen-
ção) estabelecida em favor das entidades beneficentes de assistência so-
cial. Precedente: RTJ 137/965. - Tratando-se de imunidade - que decor-
re, em função de sua natureza mesma, do próprio texto constitucional -,
revela-se evidente a absoluta impossibilidade jurídica de a autoridade
executiva, mediante deliberação de índole administrativa, restringir a

484 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Entidades sem fins lucrativos com finalidades cultu-
rais e filantrópicas - imunidade constitucional de impostos e contribuições sociais, in
Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, nº 4, julho-setembro de 1993, p. 82.
Neste mesmo sentido Rodrigo Cesar Caldas de Sá (op. cit. p. 113) assevera que “a hipó-
tese do $ 7º, do artigo 195, portanto, não é de isenção, mas de imunidade tributária. O
Legislador Constituinte definiu os papéis para a promoção da seguridade social: alguns
tomam iniciativa de promovê-la diretamente, como as entidades beneficentes e de assis-
tência social, enquanto outras entidades - elencadas no caput do art. 195 - financiam a se-
guridade. Por esse motivo, as primeira ficam imunes às contribuições dessa natureza.”
Também Paulo de Barros Carvalho (Curso de direito tributário, 12º ed., São Paulo : Sa-
raiva, 1999, p. 189) assevera: “Conquanto o legislador constitucional mencione a pala-
vra “isentas”, há imunidade à contribuição para a seguridade social por parte das entida-
des beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei,
consoante dispõe o art. 195, III (sic), $ 7º” Por fim, James Marins (Fundações privadas e
imunidade tributária, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 28, janeiro de 1998,
p. 23) aponta que “no caso, induvidosamente, dizer-se “são isentas” quer significar “estão
229
acobertadas pela imunidade tributária”.
226 TriButação DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

eficácia do preceito inscrito no art. 195, 8 7º, da Carta Política, para, em


função de exegese que claramente distorce a teleologia da prerrogativa
fundamental em referência, negar, à entidade beneficente de assistência
social que satisfaz os requisitos da lei, o benefício que lhe é assegurado
no mais elevado plano normativo.*5
Não obstante o texto constitucional utilizar expressão referente ao institu-
to da isenção tributária, é bastante claro que a norma insculpida no artigo 195,
$ 7º, da Constituição Federal institui regra de imunidade tributária, motivo pelo
qual iremos tratá-la neste tópico destinado às imunidades tributárias.

10.3.2. Regulamentação da imunidade tributária a contribuição para a


seguridade social das entidades beneficentes de assistência social (novamente
o artigo 14 do Código Tributário Nacional)
Fruto da necessidade de se destinar tratamento diferenciado às entidades
beneficentes de assistência social, especialmente por sua característica de pres-
tação de atividade substitutiva, desonerando portanto suas atividades com afi-
nalidade de proporcionar o seu desenvolvimento e, consegiientemente, a melho-
ria na qualidade da prestação de serviços assistenciais aos cidadãos, ** o artigo

*s Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 22.192-9, Primeira Turma, Rel.


Min. Celso de Mello, julgamento em 28/11/95. Do corpo do acórdão, destaca-se o seguinte
trecho, que indica precedente do STF neste sentido: “Com a superveniência da Consti-
tuição Federal de 1988, outorgou-se às entidades beneficentes de assistência social, em
norma definidora de típica hipótese de imunidade, uma expressiva garantia de índole tri-
butária, em favor dessas instituições civis. A cláusula inscrita no art. 195, 8 7º, da Carta
Política - não obstante referir-se impropriamente à isenção de contribuição para a seguri-
dade social -, contemplou as entidades beneficentes de assistência social com o favor
constitucional da imunidade tributária, desde que por elas preenchidos os requisitos fi-
xados em lei. (...) Deste modo, entendo assistir plena razão ao eminente Ministro Oscar
Corrêa, quando, em substancioso parecer - em que respondeu a consulta formulada pela
Associação Paulista da Igreja Adventista do Sétimo Dia - conclui, com inteira procedên-
cia, que: “I - O texto constitucional do art. 150, VI, ao vedar à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios a taxação das instituições de assistência social, sem fins
lucrativos, atendidos os requisitos da lei, objetivou estimular a prestação desses serviços,
que elas realizam, em nome dele Estado, e seria um contra-senso taxar atividades que se
exercem para complementar as que não têm condições de cumprir. II - Da mesma manei-
ra, ao isentar as entidades assistenciais de beneficência social das contribuições para a
seguridade social, teve o mesmo objetivo de facilitar-lhes a expansão da prestação dos
serviços, desonerando-as desses ônus que as atingiam. III - Tratando-se de normas inse-
ridas no texto constitucional, são comando para todos, a começar do legislador ordiná-
ro, que a elas deve obediência, e representam autêntica imunidade que veda sejam atin-
gidas por normas de inferior hierarquia. IV - Só os requisitos da lei são exigência válida
para o gozo do benefício, quer a vedação do art. 150, VI, quer a imunidade do art. 195,
8 7º da Constituição, e resumem-se nos termos do art. 14 do CTN (lei complementar, nessa
parte recepcionada pelo texto constitucional).”
486
Para uma noção aprofundada sobre a relação entre os incentivos tributários e o desenvol-
vimento econômico e social, sobretudo buscando uma justificativa para determinadas
posturas estatais, consulte-se Giampietro Borrás (Incentivos tributários pas el desarrollo,
Buenos Aires: Depalma, 1976).
LeanDRO MARINS DE SOUZA 227

195, 8 7º, da Constituição instituiu a imunidade tributária a contribuição para a


seguridade social em favor das entidades beneficentes de assistência social.
Tem-se, portanto, a exemplo do quanto exposto anteriormente, que a Cons-
tituição Federal expressamente afasta a possibilidade de se onerar a atividade
desenvolvida pelas entidades beneficentes de assistência social, neste tópico
especial definindo a incompetência tributária dos entes tributantes para a insti-
tuição de contribuição para a seguridade social que as afetem.
E como visto, o artigo 195, 8 7º, da Constituição remete a fruição da imu-
nidade tributária por ele instituída à observância de requisitos previstos em lei
para a incidência da regra imunizante.
Façamos remissão ao quanto já abordado para evitar a delonga: como já
expusemos, em consonância com as melhores doutrina e jurisprudência, a lei a
que se refere o citado artigo é a lei complementar.
Em se tratando de imunidade tributária, e não de isenção, somente a lei
complementar pode lançar mão da exigência de requisitos para a sua fruição. A
análise anteriormente feita do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal cabe
perfeitamente aqui, não precisando serem repisados exaustivamente os argumen-
tos neste momento.
Basta, para tanto, lembrar que lei complementar é competente para a regu-
lamentação de imunidades tributárias, e que a lei complementar aplicável para
tanto, no sistema jurídico brasileiro atual, é o Código Tributário Nacional. No
mesmo sentido da regulamentação da imunidade tributária a impostos, destina-
da às instituições de educação e de assistência social, é o artigo 14 do Código
Tributário Nacional que prevê os requisitos para a fruição de imunidade tributá-
ria a contribuição para a seguridade social deferida às entidades beneficentes de
assistência social.
É como tem entendido a mais autorizada doutrina pátria. É neste sentido,
entre outros, o entendimento de James Marins, para quem
“como, além do CTN, não existe outra lei complementar a conformar o
art. 195, 8 7º da Constituição Federal de 1988, há que se dar aplicação
aos seus arts. 9º e 14 também tanto para o regime jurídico da imunidade
dos impostos como das contribuições sociais, ou então (e não há tercei-
ra via), com relação a esta última modalidade de tributos, garantir-se a
eficácia plena do preceito imunitório Constitucional, desvencilhando-se
as entidades assistenciais do cumprimento de quaisquer requisitos senão
os constitucionais (inclusive desobrigando-as do cumprimento dos requi-
sitos do art. 14).*8
487 MARINS, James. Fundações privadas e imunidade tributária, in Revista Dialética de Di-
reito Tributário, nº 28, janeiro de 1998, p. 27. E continua o autor: “Esta última proposi-
ção lançada como argumento, não é aquela mais consentânea com nosso sistema pois há
que se dar, como visto, inteligência abrangente ao CTN até, naturalmente, o advento de
lei complementar específica para o regramento do preceito imunitório concernente às
contribuições sociais. O que não é admissível é que lei ordinária, como a Lei 8.212/91,
pretenda fazê-lo, por inconstitucionalidade formal decorrente da ausência de competên-
cia material para a espécie normativa em questão.”
228 TriButAaçÃo DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Os tribunais pátrios também têm enveredado para estes termos. O próprio


Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Injunção nº 232/RJ,
confirmou, por maioria de votos, a omissão legislativa apontada pela inexistên-
cia de regulamentação do artigo 195, $ 7º da Constituição Federal.“ Neste jul-
gamento também foram proferidos votos - que ficaram vencidos, é verdade - no
sentido de serem aplicados os requisitos do Código Tributário Nacional para a
fruição da imunidade tributária prevista no dispositivo citado.**º
Como bem afirma Regina Helena Costa, esta conclusão é
“a mais acertada, posto ser a imunidade contemplada no art. 195, $ 7º,
complementar àquela contida no art. 150, VI, *c”, no que tange às insti-
tuições de assistência social sem fins lucrativos. E se para esta norma os
requisitos são os insertos no art. 14 do Código Tributário Nacional, as
mesmas exigências são cabíveis para a imunidade em relação a contri-
buições sociais.”*º
Contraditoriamente, a posteriori o mesmo Supremo Tribunal Federal indefe-
riu unanimemente pedido idêntico formulado no Mandado de Injunção nº 616/SP,*!
entendendo de forma equivocada que, conforme trecho do voto do Ministro
Nelson Jobim, “a matéria já foi disciplinada pela Lei 8.212/91, art. 55 e rece-
beu alteração pela Lei 9.732/98”.
O equívoco, explicado por si só, é comprovado com aleitura da continui-
dade do voto do Excelentíssimo Ministro, que além da frase citada remete-se a
precedentes proferidos nos Mandados de Injunção nº 605, 608 e 609. No entanto,
todos os precedentes citados se fundamentam em motivos de ordem processual
para não conhecerem dos Mandados de Injunção propostos. Todos entenderam

**8 “Mandado de Injunção. Legitimidade ativa da requerente para impetrar mandado de in-
junção por falta de regulamentação do disposto no $ 7º do artigo 195 da Constituição
Federal. Ocorrência, no caso, em face do disposto no artigo 59 do ADCT, de mora, por
parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito constitucional. Mandado de In-
junção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em
que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as
providências legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar
decorrente do artigo 195, $ 7º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que
essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida.” (Supre-
mo Tribunal Federal, Mandado de Injunção nº 232-1/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Mo-
reira Alves, julgamento em 2 de agosto de 1991)
48: o
“Uma entidade que na realidade seja beneficente- e não há qualquer impugnação a essa
condição da impetrante, ou que não fosse ela, na verdade, entidade beneficente- e que
atenda, por exemplo, os requisitos inscritos no Código Tributário Nacional para o gozo
da imunidade relativamente aos impostos (art. 14 do Código Tributário Nacional), tem,
licitamente, a pretensão de gozar daquilo que a Constituição no art. 195 chama de “isen-
ção” e que, concedo, seja, na realidade, uma imunidade.” (Voto proferido pelo Exmo. Min.
Carlos Velloso no julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do Mandado de Injunção
nº 232-1/RJ, antes citado, acompanhado pelos Excelentíssimos Ministros Marco Aurélio
e Célio Borja)
*º COSTA, Regina Helena. Op. cit. p. 273.
*1! Supremo Tribunal Federal, Mandado de Injunção nº 616-4/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Nelson Jobim, julgamento em 17/06/2002, DJ de 25/10/2002.
LeanDrO MARINS DE SOUZA 229

que, em virtude de a fundamentação dos pedidos incluir alegação de inconstitu-


cionalidade de legislação ordinária (Lei nº 8.212/91 e Lei nº 9.732/98), os pedi-
dos não se enquadrariam na hipótese autorizadora da propositura de Mandado
de Injunção.“?
De qualquer forma, outros Tribunais têm demonstrado que o entendimen-
to jurisprudencial corrente é realmente no sentido de acolher os dispositivos do
Código Tributário Nacional como aptos ao estabelecimento dos requisitos para
a fruição da imunidade tributária a contribuição para a seguridade social desti-
nada às entidades beneficentes de assistência social.
É como já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão recente
que ratifica o entendimento:
“Constitucional e tributário. Imunidade. Arts. 146, inc. Ile 195,8 7º, da
CF Leinº 8.212/91, art. 55. Entidade de fins filantrópicos. Efeito ex tunc
da decretação de que [sic] de utilidade pública federal reconhecido.
(..)
A instituição de assistência social, para fins do alcançar do direito ofe-
recido pelo art. 195, $ 7º, da Constituição Federal, tem de observar os
pressupostos elencados no art. 14 da Norma Complementar Tributária”?

42 Veja-se a título didático a ementa do Mandado de Injunção nº 605-9/RJ: “Mandado de


Injunção. Entidade de assistência social. Imunidade das contribuições sociais. Art. 195,
$ 7º, da Constituição Federal. Lei nº 9.732/98. Não cabe mandado de injunção para tor-
nar efetivo o exercício da imunidade prevista no art. 195, 7º, da Carta Magna, com ale-
gação de falta de norma regulamentadora do dispositivo, decorrente de suposta inconsti-
tucionalidade formal da legislação ordinária que disciplinou a matéria. Impetrante care-
cedora da ação.” (Supremo Tribunal Federal, Mandado de Injunção nº 605-9/RJ, Tribu-
nal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 30/08/2001, DJ de 28/09/2001)
43 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 413.728/RS, Segunda Turma, Rel. Min.
Paulo Medina, julgamento em 08/10/2002, DJ de 02/12/2002. Também neste sentido jul-
gamentos proferidos pelo Tribunal Regional Federal da 4º Região: “Cota Patronal. Con-
tribuição previdenciária. Imunidade. Art. 195, 8 7º da CF/88. Art. 14 do CTN. 1. Embora
o parágrafo 7º do art. 195 da Constituição Federal de 1988 faça referência a isenção, em
verdade o benefício corresponde a verdadeira imunidade, o que inclusive já foi reconhe-
cido pelo STF. 2. Tendo o parágrafo 7º do art. 195 da CF/88 delegado à lei o estabeleci-
mento das exigências para a concessão do benefício, que corresponde à uma imunidade,
somente à lei complementar cabe regulá-la, pois este é o instrumento legislativo apto a
regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, nos termos do artigo 146, II, da
Carta de 1988. 3. Aplicação, na espécie, do artigo 14 do CTN, por ter força de lei com-
plementar (Tribunal Regional Federal da 4º Região, Apelação em Mandado de Seguran-
ça nº 1999.71.00.007920-0/RS, Primeira Turma, Rel. Juiz Leandro Paulsen, julgamento
em 11/12/2002, DJ de 18/06/2003); Tribunal Regional Federal da 4º Região, Embargos
Infringentes na Apelação Cível nº 2000.04.01.097540-8/PR, Primeira Seção, Rel. Juíza
Maria Lúcia Luz Leiria, julgamento em 05/05/2003, DJ de 28/05/2003; Tribunal Regio-
nal Federal da 4º Região, Apelação Cível nº 2001.71.08.0002908-8/RS, Segunda Turma,
Rel. Juiz Vilson Darós, julgamento em 01/10/2002, DJ de 27/11/2002; Tribunal Regio-
nal Federal da 4º Região, Apelação em Mandado de Segurança nº 1999.72.01.006540-6/SC,
Segunda Turma, Rel. Juiz Vilson Darós, julgamento em 08/02/2001, DJ de 02/05/2001.
Também o Tribunal Regional Federal da 5º Região entendeu neste sentido: “Tributário.
230 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Está devidamente fixado o limite balizador das exigências legitimamente


imputáveis às entidades beneficentes de assistência social para a fruição da imu-
nidade tributária a contribuição para a seguridade social que lhes é destinada pelo
artigo 195, $ 7º da Constituição Federal, quais sejam as previstas no próprio texto
constitucional e no Código Tributário Nacional. Qualquer requisito instituído
além destes parâmetros estará indo além de seus limites.
Seriam, portanto, exatamente os mesmos requisitos exigidos para a imuni-
dade a impostos destinada às entidades de educação e de assistência social, não
fosse a imunidade ora em comento se destinar às entidades beneficentes de as-
sistência social. Desta forma, em suma os requisitos a serem observados são os
seguintes: a) serem entidades beneficentes de assistência social; b) não apresen-
tarem fins lucrativos; c) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou
de suas rendas, a qualquer título; d) aplicarem integralmente no país os seus re-
cursos; e) que os recursos sejam utilizados exclusivamente na manutenção dos
seus objetivos institucionais; f) manterem a escrituração de suas receitas e des-
pesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

10.3.3. Requisitos constitucionais e infraconstitucionais exigidos para a


fruição da imunidade tributária a contribuição para a seguridade social
destinada às entidades beneficentes de assistência social
Da mesma forma que acontece na imunidade que privilegia as entidades de
educação e de assistência social, desde a Constituição Federal os requisitos para
a fruição da imunidade tributária prevista em seu artigo 195, 8 7º, começam a
ser delineados. O é, por exemplo, a aplicação exclusiva a entidades beneficen-
tes de assistência social. Em verdade, neste momento a única menção especial
a ser feita diz respeito, mesmo, à caracterização da entidade como beneficente
de assistência social, para que se avalie eventual diferenciação do conceito de
assistência social anteriormente analisado.
De resto, os requisitos para a fruição da imunidade tributária a contribui-
ção para a seguridade social são os mesmos para a fruição da imunidade tribu-
tária a impostos, motivo que nos leva a remissão ao quanto anteriormente expos-
to.

Imunidade. Entidades filantrópicas. Art. 195, parágrafo 7º da Constituição Federal. Limi-


tação ao poder de tributar. Regulamentação da imunidade por lei complementar nos ter-
mos do art. 146 da CF. Leis 8.212/91 e 9.732/98. Leis ordinárias. Impossibildade. Requi-
sitos estabelecidos no art. 14 do CTN. (...) 3 - Desta forma, inaplicáveis as Leis 8.212/91
e 9.732/98, por serem leis ordinárias e, como tais, não poderiam regular as limitações ao
poder de tributar. Neste sentido, a lei referida no parágrafo 7º, do art. 195, da CF seria o
Código Tributário Nacional, que estabelece em seu art. 14 requisitos que devem ser ob-
servados pelas entidades de assistência social para que gozem da imunidade tributária”
(Tribunal Regional Federal da 5º Região, Apelação em Mandado de Segurança nº
2000.05.00.027596-9/PE, Segunda Turma, Rel. Des. Petrúcio Ferreira, julgamento em
17/10/2000, DJ de 22/06/2001)
LeanDRO MARINS DE SOUZA 231

10.3.3.1. Caracterização da instituição como sendo “beneficente de


assistência social” (artigo 195, $ 7º da Constituição Federal)
Como dito, o único requisito a ser analisado para a fruição da imunidade a
contribuição para a seguridade social pelas entidades beneficentes de assistên-
cia social prevista no artigo 195, $ 7º, da Constituição Federal de 1988 é exata-
mente a sua condição de entidade beneficente de assistência social.
Os demais requisitos extraídos tanto da Constituição Federal quanto do
Código Tributário Nacional (faz-se relembrar os requisitos, quais sejam: não
apresentarem fins lucrativos; não distribuírem qualquer parcela de seu patrimô-
nio ou de suas rendas, a qualquer título; aplicarem integralmente no país os seus
recursos; que os recursos sejam utilizados exclusivamente na manutenção dos
seus objetivos institucionais; manterem a escrituração de suas receitas e despe-
sas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão) já
foram analisados anteriormente, afastando a necessidade de fazê-lo novamente
por serem inteiramente aplicáveis as observações anteriores.
Vê-se que ao tratar da imunidade aos impostos, em seu artigo 150, VI, “c”,
a Constituição Federal se dirige às instituições de educação ou de assistência
social, estas últimas, como nos manifestamos anteriormente, sendo aquelas que
se voltam ao desenvolvimento de atividades sociais em prol dos mais necessita-
dos.
Já quanto à imunidade a contribuição para a seguridade social, a Consti-
tuição busca beneficiar as entidades beneficentes de assistência social, sendo
imprescindível que se compreenda a diferença entre as instituições de assistên-
cia social e as entidades beneficentes de assistência social.
Em primeiro lugar, frise-se que somente o vocábulo beneficentes dá o tom
de diferença entre as redações apresentadas. Isto porque, como já dissemos, não
é possível advogar diferenciação entre os termos instituições e entidades, am-
bos utilizados pela Constituição Federal indiscriminadamente. Resta saber, por-
tanto, o que caracteriza uma entidade como sendo beneficente.
Para tanto pedimos auxílio de Aires Barreto e Paulo Ayres Barreto, que são
enfáticos em asseverar que “esse vocábulo tem por fim deixar patente quea ins-
tituição deve assistir carentes e necessitados, provendo uma ou algumas de suas
(destes) necessidades (assistência médica, odontológica, jurídica)”.***
A beneficência, portanto, se verifica quando a entidade presta serviços gra-
tuitos a carentes, que se enquadrem, para fins do gozo da imunidade tributária a
contribuição para a seguridade social, no conceito de assistência social.
Diferentemente dos requisitos para a fruição da imunidade a impostos pre-
vista no artigo 150, VI, “c” da Constituição, portanto, com relação à imunidade

494 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Op. cit. p. 108.


495 “Ter atuação que vise à proteção da família ou amparo à velhice, a crianças e a adoles-
centes carentes. Colaborar com o Estado em outros campos, seja promovendo a integra-
ção de pessoas ao mercado de trabalho, seja viabilizando a habilitação e reabilitação das
pessoas portadoras de deficiência, seja proporcionando sua integração à vida comunitá-
ria” (BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Op. cit., p. 108)
232 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

a contribuição para a seguridade social, a Constituição exige que a entidade pres-


te serviços de forma gratuita, beneficente.
“Para a imunidade de impostos, basta tratar-se de entidade sem fins lu-
crativos, mas, para ter jus à imunidade das contribuições relativas à se-
guridade social, é preciso mais. É necessário que, ademais disso, cola-
bore com o Estado no campo da assistência social, atendendo gratuita-
mente uma parcela de carentes ou de necessitados, nos campos antes
referidos. É instituição de assistência social a que dedicar-se a um ou
alguns desses misteres. E é beneficente aquela que dedicar parte dessas
atividades ao atendimento gratuito de carentes e de desvalidos.”**
Comungando com os ensinamentos acima transcritos, para a caracteriza-
ção da entidade de assistência social como sendo beneficente é de se dizer que
parte de suas atividades deve estar voltada à promoção gratuita aos carentes, não
a totalidade. É este também o entendimento demonstrado pelo Supremo Tribu-
nal Federal:
“Com efeito, a Constituição, ao conceder imunidade às entidades bene-
ficentes de assistência social, o fez para que fossem a União, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios auxiliados nesse terreno de assistên-
cia aos carentes por entidades que também dispusessem de recursos para
tal atendimento gratuito, estabelecendo que a lei determinaria as exigên-
cias necessárias para que se estabelecessem os requisitos necessários para
que as entidades pudessem ser consideradas beneficentes de assistência
social. É evidente que tais entidades, para serem beneficentes, teriam de
ser filantrópicas (por isso, o inciso II do artigo 55 da Lei 8.212/91, que
continua em vigor, exige que a entidade “seja portadora do Certificado
ou do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Con-
selho Nacional de Serviço Social, renovado a cada três anos”), mas não
exclusivamente filantrópica, até porque as que o são não o são para o
gozo de benefícios fiscais, e esse benefício concedido pelo $ 7º do arti-
go 195 não o foi para estimular a criação de entidades exclusivamente
filantrópicas, mas, sim, das que, também sendo filantrópicas sem o se-
rem integralmente, atendessem às exigências legais para que se impedisse
que qualquer entidade, desde que praticasse atos de assistência filantró-
pica a carentes, gozasse de imunidade, que é total, de contribuição para
a seguridade social, ainda que não fosse reconhecida como de utilidade

*s BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Op. cit, pp. 108-109. Regina Helena
Costa (ibidem, p. 184) também ensina neste sentido: “Interessante cotejar, no que respei-
ta às instituições de assistência social, a dicção do art. 150, VI, *c” - hospedeiro da imu-
nidade sob comento - com a do art. 195, 8 7º - continente da imunidade concernente a
contribuições para a seguridade social. No primeiro dispositivo exige-se que a institui-
ção de assistência social não detenha finalidade lucrativa; no segundo impõe-se que a
entidade seja beneficente. Entidade beneficente não possui finalidade lucrativa, mas, além
disso, é aquela que dedica suas atividades, ainda que parcialmente, ao atendimento gra-
tuito dos necessitados.”
LeanDRO MARINS DE SOUZA 233

pública, seus dirigentes tivessem remuneração ou vantagens, ou se des-


tinassem elas afins lucrativos. Aliás, são essas entidades - que, por não
serem exclusivamente filantrópicas, têm melhores condições de atendi-
mento aos carentes a quem o prestam - que devem ter sua criação esti-
mulada para o auxílio ao Estado nesse setor, máxime em época em que,
como aatual, são escassas as doações para a manutenção das que se de-
dicam exclusivamente à filantropia.”
O próprio artigo 199, 8 1º, da Constituição Federal demonstra a diferencia-
ção existente em nosso ordenamento jurídico entre as entidades filantrópicas e
as entidades sem fins lucrativos.** E sem dúvida alguma, se o Constituinte pre-
tendesse desonerar de contribuição para a seguridade social as entidades filan-
trópicas, ou seja, aquelas que prestam serviços integralmente gratuitos de assis-
tência social aos mais necessitados, assim o teria feito no artigo 195, $ 7º. Não
teria feito referência às entidades beneficentes de assistência social, que dife-
rem das entidades filantrópicas justamente por estas se dedicarem exclusivamen-
te às atividades gratuitas de assistência social.
E às entidades que se dedicam, não necessariamente à exclusividade, à pro-
moção gratuita de atividades de assistência social aos carentes que se dirige a
norma insculpida no artigo 195, $ 7º da Constituição Federal de 1988.

10.3.4. Inconstitucionalidade dos requisitos pretensamente instituídos por lei


ordinária
A exemplo do quanto exposto na análise da imunidade prevista no artigo
150, VI, “c” da Constituição Federal, no que tange à imunidade tributária a con-
tribuição para a seguridade social destinada às entidades beneficentes de assis-
tência social, foi editada legislação ordinária pretendendo, inconstitucionalmente,
criar requisitos extraordinários a sua fruição.
Como já foi explanado, não guardando consonância com - ou indo além de
- a Constituição Federal de 1988 e o Código Tributário Nacional (lei comple-
mentar competente para a regulamentação do artigo 195, $ 7º da Constituição),
estes requisitos criados por lei ordinária estão fadados à decretação de ilegali-
dade e inconstitucionalidade.
Foi o que fizeram, a nosso ver, a Lei nº 8.212/91 (mesmo em sua redação
original) e a Lei nº 9.732/98 ao alterá-la, como passa-se a demonstrar.
Mas para tanto, antes é bom que se lembre que os requisitos legitimamen-
te exigíveis para fins de fruição da imunidade tributária prevista no artigo 195,
8 7º, da Constituição Federal de 1988 são somente aqueles insculpidos neste
dispositivo e no Código Tributário Nacional, que são os diplomas competentes
para a definição dos limites de tais exigências.
*7 Supremo Tribunal Federal, Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 2.028-5 e 2.036-6,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento da liminar em 11/11/1999, DJ de
16/06/2000, referendada.
8 «8 1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema úni-
co de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio,
tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.”
234 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

10.3.4.1. A inconstitucionalidade da Lei nº 8.212/91, em sua redação original,


pela instituição de requisitos inexigíveis das entidades beneficentes de
assistência social para a fruição da imunidade
Como visto, é assente o entendimento de que a lei competente para a re-
gulamentação das imunidades tributárias, por serem limitações constitucionais
ao poder de tributar, é a lei complementar (artigo 146, II da Constituição Fede-
ral). Mais ainda, viu-se que o Código Tributário Nacional é a lei complementar
competente para a imposição dos requisitos a que fazem remissão os artigos 150,
VI, “c” e 195, $ 7º da Constituição Federal de 1988, fixando os limites das exi-
gências para tanto.
Não obstante, em 24 de julho de 1991 foi editada a Lei nº 8.212 (Lei Or-
gânica da Seguridade Social), que em seu artigo 55 estabeleceu uma série de
supostos requisitos a serem observados pelas entidades beneficentes de assistên-
cia social para a fruição da imunidade tributária prevista no artigo 195, 8 7º da
Constituição Federal, in verbis:
“Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta
lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes
requisitos cumulativamente:
I - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do
Distrito Federal ou municipal;
H - seja portadora do Certificado ou do Registro de Entidade de Fins Fi-
lantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Serviço Social, reno-
vado a cada três anos;
HI - promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou
de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes;
IV - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou
benfeitores remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qual-
quer título;
V - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manuten-
ção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais, apresentando
anualmente ao Conselho Nacional da Seguridade Social relatório circuns-
tanciado de suas atividades.
$ 1º Ressalvados os direitos adquiridos, a isenção de que trata este arti-
go será requerida ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que terá
o prazo de 30 (trinta) dias para despachar o pedido.
$ 2º A isenção de que trata este artigo não abrange empresa ou entidade
que, tendo personalidade jurídica própria, seja mantida por outra que
esteja no exercício da isenção.”
Observa-se, em primeira mão, que o artigo 55 da Lei nº 8.212/91, se con-
siderado como dispositivo editado para fins de fruição da imunidade tributária
instituída pelo artigo 195, $ 7º da Constituição Federal, incorre no mesmo erro
deste dispositivo ao manter o equivocado termo isenção em seu caput.
E nesta seara, de fácil observação que o disposto no.artigo 55 extrapassa
os limites para a fixação de requisitos para a fruição de imunidade tributária pelas
entidades beneficentes de assistência social, haja vista prever requisitos ine-
LEANDRO MARINS DE SOUZA 235

xistentes na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional e, mais do que


isso, limitadores da fruição da imunidade tributária constitucionalmente consa-
grada. Como visto, à lei ordinária não é dada a prerrogativa de inovar no que
tange à regulamentação dos requisitos para a fruição de imunidades tributárias.
Genericamente,*” o artigo 55 da Lei nº 8.212/91 vai além de suas prerro-
gativas, verdadeiramente inovando a ordem jurídica pátria competente para a
regulamentação da imunidade tributária a contribuição para a seguridade social
destinada às entidades beneficentes de assistência social.
Exige, cumulativamente, uma série de requisitos verdadeiramente não pre-
vistos na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional. Assim o é, por
exemplo, a necessidade de reconhecimento da entidade como sendo de utilida-
de pública federal e estadual ou municipal, insculpida no inciso I do artigo 55.
Este requisito não se legitima em análise comparativa desta lei ordinária com os
requisitos constitucionais e de lei complementar, notadamente quando são ob-
servados os requisitos reflexos daí advindos, ou seja, as exigências para que a
entidade seja considerada de utilidade pública, como dito anteriormente.
No mesmo sentido a exigência de que a entidade seja portadora do então
denominado Certificado ou do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, for-
necido pelo Conselho Nacional de Serviço Social, renovado a cada três anos,
prevista no inciso II do artigo 55. É, da mesma forma, requisito descabido por ir
além dos limites fixados pela Constituição Federal e pelo Código Tributário
Nacional, que sequer exigem que a entidade seja filantrópica para fruir da imu-
nidade do artigo 195, $ 7º, mas tão-só beneficente, como já visto. Também cha-
mam atenção os requisitos reflexos que advêm desta previsão, dentre os quais
está exigência de que se destine 20% da receita bruta da entidade a atividades
gratuitas, que é limitação evidentemente descabida (exigida a partir do Decreto nº
752/93, revogado pelo Decreto nº 2.536/98, que regulamentou a Lei nº 8.742/93).
Revela-se a Lei nº 8.212/91, em sua redação original, totalmente descabi-
da para a pretensão de regulamentação da imunidade tributária a contribuição
para a seguridade social prevista no artigo 195, $ 7º da Constituição Federal de
1988, motivo que nos leva a suspender prematuramente a análise dos demais
requisitos da referida lei para tratar de seu regime na condição de norma insti-
tuidora de requisitos para isenção tributária, em tópico próprio.

10.3.4.2. A inconstitucionalidade da Lei nº 9.732/98, que em sua redação


altera o artigo 55 da Lei nº 8.212/91, alargando ainda mais os requisitos para
a fruição da imunidade tributária a contribuição para a seguridade social
destinada às entidades beneficentes de assistência social
Apesar de a própria Lei nº 8.212/91, como demonstrado, já desbordar, por
si só, de sua competência ao pretender instituir requisitos inovadores para a frui-

“99 A análise da Lei nº 8.212/91, no presente capítulo, será feita de modo genérico, haja vis-
ta afastarmos sua legitimidade à regulamentação da imunidade tributária insculpida no
artigo 195, 8 7º da Constituição Federal de 1988. Faremos análise específica e pormeno-
rizada desta lei no capítulo destinado às isenções tributárias, que é a alternativa restante
para se advogar pela legitimidade da Lei nº 8.212/91 nesta seara, conforme será visto.
236 TriBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

ção da imunidade tributária a contribuição para a seguridade social pelas enti-


dades beneficentes de assistência social, em 11 de dezembro de 1998 pretendeu-
se o alargamento destes requisitos através da edição da Lei nº 9.732/98.
A Lei nº 9.732/98 alterou o inciso II do artigo 55 da Lei nº 8.212/91, além
de incluir os 88 3º, 4º e 5º, através de seu artigo 1º que dispõe in verbis:
“Art. 1º Os arts. 22 e 55 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, passam
a vigorar com as seguintes alterações:
(=)
“Art. 55.
(=)
HI - promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social
beneficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, ido-
sos e portadores de deficiência;
(=
8 3º Para os fins deste artigo, entende-se por assistência social beneficente
a prestação gratuita de benefícios e serviços a quem dela necessitar.
$ 4º O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS cancelará a isenção
se verificado o descumprimento do disposto neste artigo.
$ 5º Considera-se também de assistência social beneficente, para os fins
deste artigo, a oferta e a efetiva prestação de serviços de pelo menos ses-
senta por cento ao Sistema Único de Saúde, nos termos do regulamen-
toi:
(...)
Art. 4º As entidades sem fins lucrativos educacionais e as que atendam
ao Sistema Único de Saúde, mas não pratiquem de forma exclusiva e
gratuita atendimento a pessoas carentes, gozarão da isenção das contri-
buições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 1991, na pro-
porção do valor das vagas cedidas, integral e gratuitamente, a carentes e
do valor do atendimento à saúde de caráter assistencial, desde que satis-
façam os requisitos referidos nos incisos I, II, IV e V do art. 55 da citada
Lei, na forma do regulamento.
Art. 5º O disposto no art. 55 da Lei nº 8.212, de 1991, na sua nova reda-
ção, e no art. 4º desta Lei terá aplicação a partir da competência abril de
1999.
(...)
Art. 7º Fica cancelada, a partir de 1º de abril de 1999, toda e qualquer
isenção concedida, em caráter geral ou especial, de contribuição para a
Seguridade Social em desconformidade com o art. 55 da Lei nº 8.212,
de 1991, na sua nova redação, ou com o art. 4º desta Lei”
A inconstitucionalidade da Lei nº 9.732/98 é ainda mais gritante. Nova-
mente observa-se o equívoco terminológico,*! mantendo-se isenção no lugar de

%0 Além da inconstitucionalidade material da Lei nº 9.732/98, também se verifica inconsti-


tucionalidade formal, visto que o processo legislativo que levouà sua aprovação pelo
LEANDRO MARINS DE SOUZA 237

imunidade, o que ratifica a necessidade de tais normas serem avaliadas efetiva-


mente como normas de isenção tributária, sobretudo por serem imprestáveis à
regulamentação da imunidade.
Além de exigir a gratuidade integral e exclusiva (nova redação dada ao ar-
tigo 55, III da Lei nº 8.212/91), a Lei nº 9.732/98 se dedica a matéria evidente-
mente reservada à Constituição Federal, qual seja a conceituação do que seja
entidade beneficente de assistência social (artigo 55, 88 3º e 5º da Lei nº 8.212/91,
incluídos pela Lei nº 9.732/98), inclusive exigindo percentual mínimo de 60%
(sessenta por cento) de atendimentos ao Sistema Único de Saúde como requisi-
to para a caracterização do enquadramento da entidade de saúde como benefi-
cente de assistência social.
Também, a Lei nº 9.732/98 impôs às entidades sem fins lucrativos educa-
cionais e às que atendam ao Sistema Único de Saúde a exigência da gratuidade
integral e exclusiva como meio de obtenção da isenção - como já visto, onde se

Congresso Nacional não atendeu aos ditames do regular processo legislativo. Tendo como
origem a Medida Provisória de nº 1.729/98, convertida em lei através do Projeto de Con-
versão de nº 20/98, a proposta original da Lei nº 9.732/98 foi alterada no momento de sua
redação final, como nos dá conta James Marins (Imunidade tributária das instituições de
educação e assistência social, in Grandes questões atuais de direito tributário, coord.
Valdir de Oliveira Rocha, 3º vol., São Paulo : Dialética, 1999, pp. 158 e ss.): “Mediante
a análise da missiva encaminhada pelo Sr. Senador Jader Barbalho, Relator do Projeto de
Conversão nº 20/98, ao Ministro da Previdência e Assistência Social, Sr. Waldeck Orné-
las, datada de 25 de fevereiro de 1999. A transcrição dos debates travados pelos congres-
sistas na sessão de 09.12.98, publicado no Diário do Congresso Nacional em 10.12.98,
às fls. 15.827, evidencia a metamorfose: “O Sr. Osvaldo Biolchi (PTB/RS - Sem revisão
do orador) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Congressistas, agradeço ao Relator a compreen-
são e ao Ministro da Previdência a inclusão de artigo referente às instituições educacio-
nais sem fins lucrativos. É isso o que determina o art. 4º. Entretanto, Sr. Relator, gostaría-
mos que V. Exa. explicasse se o texto do art. 4º estabelece o que acertamos ontem. Por
exemplo, uma escola que deveria recolher 200 mil reais de contribuição à Previdência,
em contrapartida, cede 200 mil reais em filantropia aos alunos, de uma maneira integral
e gratuita. É realmente esse o texto do art. 4º, de extrema importância neste momento? O
Sr. Presidente (Antônio Carlos Magalhães- PFL/BA)- Tem a palavra o Relator para pres-
tar o esclarecimento. Imediatamente após, passaremos ao encaminhamento de votação.
O Sr. Jader Barbalho (PMDB/PA - Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, de forma
muito objetiva, concordo com a interpretação dada pelo Deputado Osvaldo Biolchi de que
este é o teor do art. 4º. Por exemplo, se a entidade educacional, em vagas gratuitas, atin-
gir o montante de 200 mil reais e tiver de pagar à Previdência Social 500 mil reais, na
verdade deverá pagar apenas 300 mil. Este foi o grande avanço no texto da medida pro-
visória, no sentido de abrigar as entidades educacionais. A interpretação de V. Exa., De-
putado Osvaldo Biolchi, é procedente. Portanto, será verificado pela Previdência Social
o valor da contribuição e abatido deste o que for prestado em serviços.” Entretanto, quando
da publicação da referida lei, em 14/12/98, o seu artigo 4º foi alterado, fazendo-se incluir
no texto original a expressão na proporção, desvirtuando integralmente o real escopo dos
legisladores.
so! Dando conta da irregularidade terminológica encontrada na Lei nº 9.732/98, Rodrigo
Cesar Caldas de Sá (op. cit. pp. 113-114) observa que “ao contrário do que preceitua a
própria Constituição e diversamente de todas as disposições normativas infraconstitucio-
nais relativas ao 8 7º, do já mencionado artigo 195, da Constituição Federal, as entidades
beneficentes e de assistência social gozam de imunidade tributária, e não de isenção”.
238 TriButaçÃo DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

lê isenção leia-se imunidade - das contribuições à seguridade social dispostas nos


artigos 22 e 23 da Lei nº 8.212/91, ao dispor em seu artigo 4º, que
“as entidades sem fins lucrativos educacionais e as que atendam ao sis-
tema único de saúde, mas não pratiquem de forma exclusiva e gratuita
atendimento a pessoas carentes, gozarão de isenção das contribuições de
que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 1991, na proporção do valor
das vagas cedidas, integral e gratuitamente, a carentes e do valor do aten-
dimento à saúde de caráter assistencial, desde que satisfaçam os requi-
sitos referidos nos incisos I, II, IV e V do art. 55 da citada lei, na forma
do regulamento”.
Comentando este dispositivo, James Marins observa que
“com esta norma, pretende-se que escolas e outras entidades assistenciais
que prestam relevantes serviços à nação estejam impedidas de cobrar por
quaisquer de seus serviços, condição impossível de ser cumprida. Con-
funde a norma, deliberadamente, gratuidade com ausência de finalidade
lucrativa, de modo a temerariamente frustrar a aplicação da Constitui-
ção”
502
É por isso que trataremos desta norma em conjunto com a norma que lhe
dá sustentação, ou seja, o artigo 55 da Lei nº 8.212/91, quando tratarmos das
isenções tributárias, pois no que se refere à imunidade tributária insculpida no
artigo 195, $ 7º da Constituição Federal de 1988, a Lei nº 9.732/98 é inútil por
inconstitucional”? e ilegal (afronta ao Código Tributário Nacional), notadamente

502
MARINS, James. Imunidade tributária das instituições de educação e assistência social,
in Grandes questões atuais de direito tributário, coord. Valdir de Oliveira Rocha, 3º vol.,
São Paulo : Dialética, 1999, p. 156.
503
À Lei nº 9.732/98 é objeto de Ações Diretas de Inconstitucionalidade em trâmite perante
o Supremo Tribunal Federal. A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.028-5, proposta
pela Confederação Nacional da Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços e tendo
como relator o Ministro Moreira Alves, pretende a declaração da inconstitucionalidade
dos artigos 1º, 4º, 5º e 7º da Lei nº 9.732/98, não havendo julgamento do mérito até o
momento. Da mesma forma e no mesmo sentido as pretensões da Ação Direta de Incons-
titucionalidade nº 2.036-6, proposta pela Confenen - Confederação Nacional dos Estabe-
lecimentos de Ensino e tendo como relator o Ministro Moreira Alves, pretendendo a in-
constitucionalidade dos artigos 1º, 4º, 5º e 7º da Lei nº 9.732/98, não havendo julgamen-
to do mérito até o momento. Nestas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra
os dispositivos da Lei nº 9.732/98, o despacho liminar exarado teve o mesmo conteúdo,
com a única diferença de que na ADIn nº 2.028-5 a liminar foi deferida, enquanto na ADIn
nº 2.036-6 o julgamento da liminar foi declarado prejudicado justamente pelo deferimento
da liminar na ADIn nº 2.028-5. A decisão proferida nas ADIn's foi a seguinte: “Imunida-
de - Entidades beneficentes - Disciplina - Vício de forma e de fundo - Mitigação do pre-
ceito constitucional regedor da matéria - Liminar deferida sob condição: referendo do Ple-
nário. (...) Assim, tenho como configurada a relevância suficiente a caminhar-se para a
concessão da liminar, no que a inicial desta Ação Direta de Inconstitucionalidade versa
sobre o vício de procedimento, o defeito de forma. A cláusula que remete à disciplina legal
- e, aí, tem-se a conjugação com o disposto no inciso II do artigo 146 da Carta da Repú-
blica, pouco importando que nela própria não se haja consignado a especificidade do ato
normativo - não é idônea a solapar o comando constitucional, sob pena de caminhar-se
LeanDRO MARINS DE SOUZA 239

por sua característica de mitigação dos preceitos constitucionais e complemen-


tares relativos ao tema.

10.3.4.3. A inconstitucionalidade do Decreto nº 3.048/99, que regulamentou a


Lei nº 9.732/98 pretendendo ampliar ainda mais os requisitos para a fruição
da imunidade tributária em comento
Quanto mais se alastra a regulamentação dos requisitos para a fruição da
imunidade tributária a contribuição para a seguridade social destinada às enti-
dades beneficentes de assistência social, maiores os absurdos perpetrados. Como
já visto, a Lei nº 8.212/91 é inconstitucional no que tange ao artigo 195, $ 7º da
Constituição Federal, assim como o é a Lei nº 9.732/98 que posteriormente a
altera. De forma crescente, a Lei nº 8.212/91 e a Lei nº 9.732/98 impõem requi-
sitos verdadeiramente inalcançáveis pelas entidades beneficentes de assistência
social para a fruição da imunidade tributária a contribuição para a seguridade
social, bastante distantes do disposto na Constituição Federal e no Código Tri-
butário Nacional.
Este motivo, mais uma vez, leva ao necessário afastamento de sua análise
para fins de cumprimento dos requisitos para a imunidade tributária em questão,
haja vista sua inconstitucionalidade e sua ilegalidade flagrantes. Estes já seriam
motivos suficientes para entendermos que referidos diplomas legais só podem
ter sido editados como norma isencional, e não como regulamentadores de imu-
nidade tributária.
Não bastassem estas leis, o Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999 (Regu-
lamento da Previdência Social), ao regulamentá-las aumenta mais ainda, quan-

no sentido de reconhecer a possibilidade de o legislador comum vir a mitigá-lo, a tempe-


rá-lo. As exigências estabelecidas em lei não podem implicar verdadeiro conflito com o
sentido, revelado pelos costumes, da expressão “entidades beneficentes de assistência
social”. Em síntese, a circunstância de a entidade, diante, até mesmo, do princípio isonô-
mico, mesclar a prestação de serviços, fazendo-o gratuitamente aos menos favorecidos e
de forma onerosa aos afortunados pela sorte, não a descaracteriza, não lhe retira a condi-
ção de beneficente. Antes, em face à escassez de doações nos dias de hoje, viabiliza a
continuidade dos serviços, devendo ser levado em conta o somatório de despesas resul-
tantes do funcionamento e que é decorrência do caráter impiedoso da vida econômica.
Portanto, também sob o prisma do vício de fundo, tem-se a relevância do pedido inicial,
notando-se, mesmo, a preocupação do Excelentíssimo Ministro de Estado da Saúde com
os ônus indiretos advindos da normatividade da Lei nº 9.732/98, no que veio a restringir,
sobremaneira, a imunidade constitucional, praticamente inviabilizando - repita-se uma vez
que não são comuns, nos dias de hoje, as grandes doações, a filantropia pelos mais aqui-
nhoados - a assistência social, a par da precária prestada pelo Estado, que o 8 7º do artigo
195 da Constituição Federal visa a estimular. Tudo recomenda, assim, sejam mantidos,
até a decisão final desta Ação Direta de Inconstitucionalidade, os parâmetros da Lei nº
8.212/91, na redação primitiva. (...) Defiro a liminar, submetendo-a desde logo ao Plená-
rio, para suspender a eficácia do art. 1º, na parte em que alterou a redação do art. 55, in-
ciso III, da Lei nº 8.212/91 e acrescentou-lhe os 88 3º, 4º e 5º, bem como dos artigos 4º,
5º e 7º da Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998.”
504 (O) Decreto nº 3.048/99 revogou o Decreto nº 3.039/99, que regulamentava especificamente
a Lei nº 9.732/98, dando-lhe nova redação.
240 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

do parecia impossível, o rol de requisitos para a fruição da imunidade tributária


prevista no artigo 195, $ 7º da Constituição Federal, alargando, por conseqgiiên-
cia, o número de inconstitucionalidades relacionadas à matéria.
É evidente que os dispositivos da Lei nº 9.732/98 e do Decreto nº 3.048/99
são absolutamente inconstitucionais e atentam contra a imunidade tributária
concedida às entidades beneficentes de assistência social.
O que se conclui das afirmações expendidas é que “a legislação ordinária
e infralegal em questão desvirtua e transgride integral e nuclearmente a imuni-
dade tributária consagrada na Carta Magna”:*% ao impor, de forma manifesta-
mente inconstitucional, condições inacessíveis para a fruição da imunidade tri-
butária, a legislação ordinária tem como consegiiência imediata a paralisação das
atividades beneficentes das entidades albergadas pela imunidade, com repercus-
são social imediata.“
Não obstante, deixaremos de nos manifestar cuidadosamente a respeito do
Decreto nº 3.048/99, a exemplo do que faremos com as Leis nº 8.212/91 e nº
9.732/98, haja vista entendermos, definitivamente, não terem sido editadas para
regulamentar a imunidade tributária a contribuição para a seguridade social pre-
vista no artigo 195, $ 7º da Constituição Federal. A análise deste Decreto, no que
couber, será feita no tópico sobre as isenções tributárias.

10.3.4.4. Decreto nº 752, de 16 de fevereiro de 1993 (revogado pelo Decreto


nº 2.536, de 6 de abril de 1998): colcha de retalhos que institui a exigência de
destinação de 20% da receita bruta da entidade em gratuidade
Não obstante a plêiade de dispositivos regulamentares da fruição da imu-
nidade tributária insculpida no artigo 195, $ 7º da Constituição Federal - ou
melhor, supostamente regulamentares, haja vista que não o são verdadeiramen-
te - já ser extensa neste momento, em 1993 foi editado mais um diploma nor-
mativo a encarecer orol de exigências. É verdade que já perdemos a mão da cro-
nologia a esta altura, mas o carnaval legislativo neste tema assim exige; é ex-

53 MARINS, James. Op. cit. p. 157.


* Dando conta das irregularidades perpetradas por estes dispositivos, novamente James
Marins (op. ult. cit., p. 165) conclui com proficiência: “j) Também a Lei nº 9.732/98 (que
modifica o teor do art. 55 da Lei 8.212/91, que disciplina a incidência de contribuições
sociais), regulamentada pelo Decreto 3.048/99, padece do vício concernente a tratar imu-
nidade como se isenção fosse, não podendo surtir efeitos as regras infracomplementares
que impõem a observância de “condições cumulativas” para o exercício da imunidade,
como reconhecimentos de utilidade pública, certificados de registro fornecidos pelo
CNAS, “cláusula de não remuneração”, prestação de serviços ao SUS, promoção gratuita
de assistência social, prestação gratuita de serviços etc. A relação “imunidade versus gra-
tuidade” é suposição que atenta contra a Constituição e a lógica da imposição fiscal. k) A
redação publicada do art. 4º da Lei 9.732/98 não guarda correspondência com o conteú-
do aprovado pelo Congresso Nacional (metamorfose agravada ainda com a publicação do
Decreto 3.039/99), devendo incidir o artigo 325, inciso III do Regiinento Consolidado do
Senado Federal para que não possa o citado dispositivo surtir efeitos jurídicos até que seja
republicada a lei com as alterações e correções necessárias.”
LeanDRO MARINS DE SOUZA 241

pressão absoluta do manicômio jurídico tributário de Becker.” A impressão que


dá, a ponto de quase nos convencermos verdadeiramente disso, é que a balbúr-
dia legislativa é propositada, de modo a fazer incompreender-se o sistema jurí-
dico. Mas não se pode deixar abalar, em uma análise que se propõe científica,
aos apelos desgostosos que clamam por coerência legislativa. É por isso que nos
debruçaremos, também, à análise do Decreto nº 752, editado em fevereiro de
1993 e revogado em 1998 pelo Decreto nº 2.536. Ressalve-se desde já: nessa
parte fazemos as considerações de forma sucinta, tanto por já termos usado al-
gumas linhas para o assunto quanto por retomarmos a questão posteriormente.
E neste ponto, o que nos cabe comentar é que o Decreto nº 752/93 tem o
intento de regulamentar especificamente a exigência prevista no artigo 55, II da
Lei nº 8.742/93, relativa à necessidade de a entidade ser portadora do Certifica-
do de Entidade de Fins Filantrópicos, renovado a cada três anos. Para tanto, inova
até à Lei nº 8.212/91, quanto mais ao Código Tributário Nacional e à Constitui-
ção Federal.
A uma, em seu artigo 2º, I, exige que a entidade, para a concessão do Cer-
tificado e suposta fruição da imunidade, esteja em regular funcionamento nos três
anos anteriores à solicitação do documento. Desta forma, considerando-se lídi-
ma esta absurda - inconstitucional e ilegal, para não fugir do rigorismo técnico -
exigência, as entidades deveriam ficar três anos sem fruir de seu direito subjeti-
vo à imunidade a contribuição para a seguridade social, constitucionalmente
consagrado, para depois solicitar o Certificado imprescindível ao seu enquadra-
mento como entidade beneficente de assistência social. É requisito que vai além
da Constituição e do Código Tributário Nacional.
Chama a atenção, também, o requisito previsto no inciso IV do artigo 2º
deste Decreto, qual seja a exigência de que a entidade aplique
“anualmente pelo menos vinte por cento da receita bruta proveniente da
venda de serviços e de bens não integrantes do ativo imobilizado, bem
como das contribuições operacionais, em gratuidade, cujo montante nun-
ca será inferior à isenção de contribuições previdenciárias usufruída”.
É, literalmente, exigência que recai em absoluta negação da imunidade tri-
butária; faz trocar seis por meia dúzia. Ao invés de obrigada a recolher as con-
tribuições, a entidade está compelida a destinar o seu valor para determinado fim,
em exigência que não vai ao encontro da Constituição e do Código Tributário.
Na mesma esteira, o $ 4º do artigo 2º exige destinação de pelo menos 60%
dos atendimentos, por entidade de saúde, dedicados ao Sistema Unico de Saú-
de.
Estes requisitos ilegais e inconstitucionais não foram execrados no orde-
namento jurídico com a revogação do Decreto nº 752/93 pelo Decreto nº 2.536/98,
tendo-se perdido a oportunidade para varrê-los do mundo jurídico. Mas, afinal,
é mais um motivo para prematuramente deixarmos de nos manifestar sobre elas

507 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 3º ed., São Paulo : Lejus,
1998.
242 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

neste momento, para tratá-las como regras de regulamentação de isenção tribu-


tária destinada a entidades beneficentes de assistência social.

10.3.4.5. Lei nº 10.260/2001 e Decreto nº 4.035/2001: nova ameaça à


imunidade tributária das entidades educacionais de assistência social
Por fim, em 12 de julho de 2001 foi editada a Lei nº 10.260, que dispõe
sobre o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior e dá outras
providências, regulamentada pelo Decreto nº 4.035/2001. Fruto da conversão da
Medida Provisória nº 2.094-28, de 13 de junho de 2001, além da instituição do
FIES - Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, que se cons-
titui de Fundo que objetiva a concessão de financiamentos a estudantes cursan-
do instituições de ensino superior não gratuitas, referida legislação afigura-se na
mais nova ameaça à fruição da imunidade tributária pelas entidades educacio-
nais de assistência social.
Não bastasse a vasta imposição de requisitos inconstitucionais para a frui-
ção desta imunidade (Lei nº 8.212/91, Lei nº 9.732/98 e Decreto nº 3.048/99),
que originaram inúmeras discussões relativas ao enquadramento das entidades
de assistência social no regime de imunidade previsto no artigo 195, $ 7º da
Constituição Federal, ao pretenderem criar - de forma inconstitucional - inúme-
ros requisitos para essa fruição, novamente se pretendeu, através da Lei nº
10.260/2001 e do Decreto nº 4.035/2001, limitar a fruição deste direito consti-
tucionalmente consagrado destinado ao incentivo à promoção da educação e da
assistência social por particulares.
Diferente das limitações ditadas pela Lei nº 9.732/98, que se consubstan-
ciam em atribuir às entidades requisitos praticamente inalcançáveis para a frui-
ção de imunidade (a gratuidade da prestação de seus serviços, por exemplo), a
Lei nº 10.260/2001 prevê, em seu art. 19, a obrigatoriedade de a instituição de
ensino isenta da cota patronal da contribuição para a seguridade social aplicar
50% dos encargos educacionais cobrados em bolsas de estudo destinadas a alu-
nos carentes. A reboque desta previsão, a legislação determina que para a distri-
buição das bolsas a instituição deverá constituir uma comissão com representan-
tes da direção, do corpo docente e do corpo discente, in verbis:
“Art. 19. A partir do primeiro semestre de 2001, sem prejuízo do cum-
primento das demais condições estabelecidas nesta Lei, as instituições
de ensino enquadradas no art. 55 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991,
ficam obrigadas a aplicar o equivalente à contribuição calculada nos ter-
mos do art. 22 da referida Lei na concessão de bolsas de estudo, no per-
centual igual ou superior a 50% dos encargos educacionais cobrados
pelas instituições de ensino, a alunos compromadanente carentes e regu-
larmente matriculados.
$ 1º A seleção dos alunos a serem beneficiados nos termos do caput será
realizada em cada instituição por uma comissão constituída paritariamen-
te por representantes da direção, do corpo docente e da entidade de re-
presentação discente.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 243

8 2º Nas instituições que não ministrem ensino superior caberão aos pais
dos alunos regularmente matriculados os assentos reservados à represen-
tação discente na comissão de que trata o parágrafo anterior.
$ 3º Nas instituições de ensino em que não houver representação estu-
dantil ou de pais organizada, caberá ao dirigente da instituição proceder
à eleição dos representantes na comissão de que trata o $ 1º.
$ 4º Após a conclusão do processo de seleção, a instituição de ensino de-
verá encaminhar ao MEC e ao INSS arelação de todos os alunos, com
endereço e dados pessoais, que receberam bolsas de estudo.
$ 5º As instituições de ensino substituirão os alunos beneficiados que não
efetivarem suas matrículas no prazo regulamentar, observados os crité-
rios de seleção dispostos neste artigo.”
No entanto, em virtude da equivocada interpretação da letra do art. 195, $ 7º
da Constituição Federal de 1988 (“são isentas de contribuição para a segurida-
de social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigên-
cias estabelecidas em lei”), que verdadeiramente trata de imunidade tributária e
não de isenção - aquela bastante mais ampla que esta -, instituições de ensino
que gozam de imunidade estão sendo compelidas a se adequar às regras estabe-
lecidas pela Lei nº 10.260 e seu Decreto regulamentador.
A inconstitucionalidade da aplicação destas normas às instituições educa-
cionais que se enquadram no regime de imunidade é flagrante. Isto porque os
requisitos para a fruição da imunidade tributária (limitação constitucional ao
poder de tributar) são somente aqueles previstos na Constituição Federal e no
Código Tributário Nacional (Lei Complementar competente para tanto), consoante
dito à exaustão.
E justamente pelo fato de as entidades de educação não estarem obrigadas
ao recolhimento da contribuição do artigo 22 da Lei nº 8.212/91 - conforme re-
missão da nova Lei nº 10.260/2001 -, em virtude de abarcar esta contribuição o
alcance da norma imunizante na qual se enquadram, a exigência prevista relati-
va à destinação da verba equivalente à contribuição, pretendendo atrelá-la es-
pecificamente à concessão de bolsas de estudo, é requisito que, em afronta aos
ditames constitucionais referentes à imunidade tributária, afigura-se inconstitu-
cional.
Não podealei ordinária pretender limitar o que a lei complementar com-
petente - sequer a própria Constituição Federal - não o faz. Esta destinação es-
pecífica prevista na lei ordinária, por não se enquadrar em qualquer dos requisi-
tos constitucionais e infraconstitucionais exaurientes da possibilidade de fruição
da imunidade tributária, extrapassa sua competência e interfere em âmbitos de
competência que não lhes são adstritos, e quando desborda de modo a afrontar
limites constitucionalmente fixados, portanto em afronta à Constituição, deve ser
tida como inconstitucional.
Diante desta inconstitucionalidade flagrante, a Confenen - Confederação
Nacional dos Estabelecimentos de Ensino propôs a Ação Direta de Inconstitu-
cionalidade nº 2.545-7 perante o Supremo Tribunal Federal pretendendo a de-
244 TriButaçÃo DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

claração de inconstitucionalidade dos artigos 12, inciso IV e 19, 88 1º, 2º,3º,4º


e 5º, todos da Lei nº 10.260/2001, obtendo decisão liminar favorável nos seguin-
tes termos:
“1. O art. 19 da Lei nº 10.260/01, quando determina que o valor econô-
mico correspondente à exoneração de contribuições seja obrigatoriamen-
te destinado a determinada finalidade está, na verdade, substituindo por
obrigação de fazer (conceder bolsas de estudo) a obrigação de dar (pa-
gar a contribuição patronal) de que as entidades beneficentes educacio-
nais está expressamente dispensadas.
2. O art. 12, caput, da Lei nº 10.260/01, ao fixar condições para o resga-
te antecipado dos certificados, teve como objetivo excluir da possibili-
dade de acesso ao crédito imediato dos valores correspondentes a tais
certificados aquelas entidades que apresentem débitos para com a previ-
dência. Tal medida, antes de agressiva ao texto constitucional, correspon-
de a atitude de necessária prudência, tendente a evitar que devedores da
previdência ganhem acesso antecipado a recursos do Tesouro Nacional.
3. O inciso IV do referido art. 12, quando condiciona o resgate anteci-
pado a que as instituições de ensino superior 'não figurem como litigan-
tes ou litisconsortes em processos judiciais em que se discutam contri-
buições sociais arrecadadas pelo INSS ou contribuições relativas ao sa-
lário-educação”, aparentemente afronta a garantia constitucional inseri-
da no art. 5º, XXXV.
4. Medida cautelar deferida.
No entanto, ao fazer referência ao artigo 55 da Lei nº 8.212/91, referida lei
não descarta a hipótese que temos ventilado até então, qual seja a de que seja
aplicável a regime de isenção tributária que existe além da imunidade tributária
em comento.

10.3.5. Abrangência da imunidade tributária a contribuição para a


seguridade social prevista no artigo 195, 8 7º da Constituição Federal
destinada às entidades beneficentes de assistência social: “contribuição para
a seguridade social”
Apreendidos os requisitos impostos pela Constituição Federal e pelo Có-
digo Tributário Nacional para a fruição da imunidade prevista no artigo 195, $ 7º
da Constituição Federal, imperativo que se defina a que se refere tal imunidade,
ou seja, o que significa a expressão de contribuição para a seguridade social.
Já de primeira passada se observa que o constituinte se utilizou de termi-
nologia abrangente para fixar a destinação da imunidade tributária em comento.
Ao isentar as entidades beneficentes de assistência social de contribuição para
a seguridade social, deixando de utilizar artigo definido na norma imunizante,
a Constituição novamente demonstra seu intuito de amplitude interpretativa.
me

“E Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.545-7/DF, Tribu-


nal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 01/02/2002.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 245

Sendo a justificativa para a inserção da imunidade tributária prevista no


artigo 195, 4 7º da Constituição Federal de 1988 a mesma daquela analisada
anteriormente para a previsão da imunidade tributária a impostos prevista no
artigo 150, VI, “c”, qual seja incentivar o desenvolvimento de atividades de in-
teresse público pela iniciativa privada através da “desoneração” de sua carga tri-
butária, resta saber a que se refere a cláusula isentas de contribuição para a se-
guridade social. Para tanto, imprescindível saber quais as formas de contribui-
ção para a seguridade social, pois são elas que estão afastadas pelo artigo 195,
$ 7º; não sem antes, por óbvio, avaliar o que vem a ser abarcado pelo conceito
de seguridade social.
A seguridade social dispõe de capítulo próprio da Constituição Federal
(Capítulo IN) incluído em seu Título VIII intitulado Da Ordem Social que inicia
no artigo 193: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como
objetivo o bem-estar e a justiça sociais” Logo em seguida, já no artigo 194, a
Constituição é expressa em definir a abrangência da seguridade social ao dispor
que “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de inicia-
tiva dos Poderes Públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos rela-
tivos à saúde, à previdência e à assistência social”. Assim, o Capítulo Da Segu-
ridade Social é dividido em quatro Seções: Seção I - Disposições Gerais; Seção
IH - Da Saúde; Seção III - Da Previdência Social; e Seção IV - Da Assistência
Social.
Ainda na Seção I da seguridade social, topologicamente antes de instituir
a imunidade tributária no 8 7º, o artigo 195 e seus incisos estabelecem as for-
mas de financiamento da seguridade social, in verbis:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de
forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenien-
tes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma
da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou credi-
tados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem
vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro;
IH - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não in-
cidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo re-
gime geral de previdência social de que trata o art. 201;
HI - sobre a receita de concursos de prognósticos”
Mas o artigo 195 não pára por aí, e abre margem à instituição de outras
fontes destinadas à seguridade social, quando em seu $ 4º estabelece que “a lei
poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da
seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, T”. Já em seu $ 8º, o artigo
195 prevê hipótese específica de contribuição para a seguridade social, nos se-
guintes termos:
246 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

“$ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pesca-


dor artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas ati-
vidades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes,
contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alí-
quota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos
benefícios nos termos da lei.”
Na Seção III da seguridade social, destinada especificamente à previdên-
cia social, o artigo 201, $ 10, prevê hipótese autorizativa de criação de fonte de
custeio a recair sobre o setor privado, in verbis: “$ 10. Lei disciplinará a cober-
tura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo re-
gime geral de previdência social e pelo setor privado.”
Estas seriam, em princípio, as hipóteses normativas incluídas no Capítulo
Da Seguridade Social que dão ensejo à criação de contribuições a serem arca-
das pela iniciativa privada para o seu custeio, e que em virtude da imunidade
insculpida no artigo 195, 8 7º da Constituição Federal não recaem sobre as ati-
vidades das entidades beneficentes de assistência social. Diz-se em princípio
porque há alguns dispositivos que estão fora do capítulo destinado à seguridade
social mas que servem de matriz constitucional para a instituição de contribui-
ções para a seguridade social ou que geram dúvida quanto à natureza jurídica da
contribuição que dá ensejo, como o são, por exemplo, os artigos 212, $ 5º e 239
da Constituição Federal e o artigo 75 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. Passemos, então, à análise de cada uma delas especificamente.”

a) Contribuição social a cargo do empregador incidente sobre a folha de


salários e demais rendimentos do trabalho (artigo 195, 1, “a” da Constituição
Federal): a chamada “cota patronal”
Esta contribuição social, que tem matriz constitucional no artigo 195, Ida
Constituição Federal e é chamada correntemente de cota patronal, está regula-
mentada pelo artigo 22 da Lei nº 8.212/91 e apresenta três hipóteses de incidên-
cia distintas, a saber:
“Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade So-
cial, além do disposto no art. 23, é de:
I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou cre-
ditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e tra-
balhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o tra-
balho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos
habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de
reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo
tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos

9 Deixaremos de analisar as contribuições sociais que têm matriz no artigo 195, inciso Il e
$ 8º, haja vista que as entidades beneficentes de assistência social não se enquadrariam
em suas hipóteses de incidência, não fazendo diferença a imunidade tributária do artigo
195, $ 7º da Constituição Federal no que tange a estas contribuições para a seguridade
social.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 247

da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de tra-


balho ou sentença normativa;
(3
HI - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas ou creditadas
a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes indi-
viduais que lhe prestem serviços;
IV - quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de pres-
tação de serviços, relativamente a serviços que lhe são prestados por
cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho.”
A Lei nº 8.212/91, por óbvio, em seu artigo 15 também estabelece o crité-
rio para a definição dos contribuintes de referidas contribuições, não deixando
a salvo de sua incidência as entidades sem fins lucrativos.*!º
E não afasta expressamente do conceito de contribuinte destas contribui-
ções - ao contrário, inclui - as sociedades sem fins lucrativos, fazendo expressa
menção também às associações. Isto não derroca, no entanto, a imunidade tri-
butária a que fazem jus as entidades beneficentes de assistência social, que abarca
as contribuições sociais incidentes sobre a folha de salários e demais rendimen-
tos do trabalho previstas no artigo 195, I da Constituição Federal e instituídas
pela Lei nº 8.212/91 (artigo 22).

b) Contribuição social a cargo do empregador incidente sobre a receita ou o


faturamento (artigo 195, I, “b” da Constituição Federal): Contribuição para
o Financiamento da Seguridade Social - Cofins
Com esteio na competência delegada pelo artigo 195, I, “b” da Constitui-
ção Federal (c/c o artigo 149 da Constituição Federal), a Lei Complementar nº
70/91 instituiu a chamada Contribuição para o Financiamento da Seguridade
Social - Cofins.*!!
É contribuição expressamente destinada ao custeio da seguridade social, e
incide à alíquota de três por cento sobre o faturamento mensal das pessoas jurí-
dicas.'!2
510 «Art. 15. Considera-se: I - empresa - a firma individual ou sociedade que assume o risco
de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos
e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional; (...) Parágrafo único.
Equipara-se a empresa, para os efeitos desta Lei, o contribuinte individual em relação a
segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de
qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira
estrangeiras.”
51 Lei Complementar nº 70/91: “Art. 1º Sem prejuízo da cobrança das contribuições para o
Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do
Servidor Público (Pasep), fica instituída contribuição social para financiamento da Segu-
ridade Social, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal, devida pelas
pessoas jurídicas inclusive as a elas equiparadas pela legislação do imposto de renda,
destinadas exclusivamente às despesas com atividades-fins das áreas de saúde, previdên-
cia e assistência social.”
“a 1»
Originalmente, de acordo com a Lei Complementar nº 70/91, a Cofins incidia à alíquota
de 2% sobre o faturamento das empresas. Foi a Lei nº 9.718/98 que elevou a alíquota da
248 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

O artigo 6º, III, da Lei Complementar nº 70/91 prevê suposta hipótese de


isenção da Cofins às entidades beneficentes de assistência social que atendam
às exigências estabelecidas em lei.*' No entanto, este dispositivo, além de im-
preciso, é inócuo, haja vista que verdadeiramente as entidades beneficentes de
assistência social gozam da imunidade tributária prevista no artigo 195, $ 7º da
Constituição Federal de 1988, observados os requisitos do artigo 14 do Código
Tributário Nacional, que sem dúvida abarca a Cofins.

c) Contribuição social a cargo do empregador incidente sobre o lucro (artigo


195, 1, “c” da Constituição Federal): Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido - CSLL
Ainda em 1988 e em observância ao disposto no artigo 195, I, “c” da Cons-
tituição Federal, foi editada a Lei nº 7.689, instituindo a contribuição sobre o
lucro das pessoas jurídicas, destinada ao financiamento da seguridade social.*!*
Originalmente, de acordo com a Lei nº 7.689/88, a CSLL incidia à alíquo-
ta de 8% sobre o valor do resultado do exercício das pessoas jurídicas, antes da
provisão para o Imposto sobre a Renda.!5
A Lei nº 7.856/89 aumentou a alíquota desta contribuição social de 8% para
10%, mas a alíquota antiga foi restabelecida para 8% a partir de 1º de janeiro de
1996 através do artigo 19 da Lei nº 9.249/95.516517
A imunidade tributária do artigo 195, 8 7º, da Constituição Federal deixa
as entidades beneficentes de assistência social a salvo desta contribuição, por se
destinar ao financiamento da seguridade social.

Cofins de 2% para 3%, e alargou sua base de cálculo para fazê-la incidir sobre as receitas
ao invés do faturamento. Tem-se discutido no Poder Judiciário a legitimidade destas al-
terações promovidas pela Lei nº 9.718/98, mas por não ser o objeto do presente trabalho
deixaremos de tratar a este respeito. Não foi considerada, neste trabalho, a análise da Lei
nº 10.833/2003, que altera substancialmente o regime de recolhimento da Cofins.
313 «Art. 6º São isentas da contribuição: (...) III - as entidades beneficentes de assistência social
que atendam às exigências estabelecidas em lei.”
51 >
Lei nº 7.689/88: “Art. 1º Fica instituída contribuição social sobre o lucro das pessoas ju-
rídicas, destinada ao financiamento da seguridade social.”
51 tw
Lei nº 7.689/88: “Art. 2º A base de cálculo da contribuição é o valor do resultado do exer-
cício, antes da provisão para o imposto de renda. Art. 3º A alíquota da contribuição é de
oito por cento. Art. 4º São contribuintes as pessoas jurídicas domiciliadas no País e as que
lhes são equiparadas pela legislação tributária”
51 EN
Lei nº 9.249/95: “Art. 19. A partir de 1º de janeiro de 1996, a alíquota da contribuição
social sobre o lucro líquido, de que trata a Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988, pas-
sa a ser de oito por cento.”
51 a
A Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, última edição da Medida Pro-
visória nº 1.807/99 e em vigor por força do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32/2001,
estabeleceu a cobrança de adicional da alíquota desta contribuição social em determina-
do período, nos seguintes termos: “Art. 6º A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido -
CSLL, instituída pela Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988, será cobrada com o adi-
cional: I - de quatro pontos percentuais, relativamente aos fatos geradores ocorridos de
1º de maio de 1999 a 31 de janeiro de 2000; II - de um ponto percentual, relativamente
aos fatos geradores ocorridos de 1º de fevereiro de 2000 a 31 de dezembro de 2002.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 249

d) Contribuição social sobre a receita de concursos de prognósticos (artigo


195, III, da Constituição Federal)
Contribuição que também se destina à seguridade social, e que portanto está
afastada da atividade das entidades beneficentes de assistência social, é a inci-
dente sobre a receita de concursos de prognósticos.
Tem como fato gerador, nos termos do artigo 26, 8 1º, da Lei nº 8.212/91
que instituiu referida contribuição, a realização de “quaisquer concursos de sor-
teios de números, loterias, apostas, inclusive as realizadas em reuniões hípicas,
nos âmbitos federal, estadual, do Distrito Federal e municipal”. E o Decreto nº
3.048/99 (Regulamento da Previdência Social), em seu artigo 212, 8 1º regula-
menta a abrangência desta contribuição social e a relaciona com eventuais con-
cursos promovidos pelas entidades beneficentes de assistência social para arre-
cadação de fundos, ao dizer que incide sobre todos os concursos “promovidos
por órgãos do Poder Público ou por sociedades comerciais ou civis”.
À contribuição sobre concursos de prognósticos, no que se refere às enti-
dades beneficentes de assistência social, incidiria sobre a receita total das apos-
tas à alíquota de 57, caso não estivessem albergadas pela imunidade tributária
prevista no artigo 195, $ 7º da Constituição Federal.*!$

e) Outras contribuições para a manutenção e expansão da seguridade social


(artigo 195, $ 4º da Constituição Federal). Lei Complementar nº 84/96
Além das contribuições para a seguridade social diretamente previstas no
artigo 195 da Constituição, seu $ 4º abre margem à instituição de outras contri-
buições para a manutenção e a expansão da seguridade social, nos seguintes ter-
mos: “S 4º A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manuten-
ção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, 1”
Ao fazer remissão ao artigo 154, I, a Constituição já delimita requisitos para
a instituição destas novas contribuições para a seguridade social:
“Art. 154. A União poderá instituir:
I- mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior,
desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de
cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição.”
Abre-se margem, portanto, à instituição de novas contribuições para a se-
guridade social, complementares àquelas especificamente previstas no artigo 195
da Constituição e em outros dispositivos que serão abordados adiante.

sI8 Decreto nº 3.048/99: “8 2º A contribuição de que trata este artigo constitui-se de: (...) II -
cinco por cento sobre o movimento global de apostas em prado de corridas; e III - cinco
por cento sobre o movimento global de sorteio de números ou de quaisquer modalidades
de símbolos. 8 3º Para o efeito do disposto no parágrafo anterior, entende-se como: (...)
II - movimento global das apostas - total das importâncias relativas às várias modalida-
des de jogos, inclusive o de acumulada, apregoadas para o público no prado de corrida,
subsede ou outra dependência da entidade; e III - movimento global de sorteio de núme-
ros - o total da receita bruta, apurada com a venda de cartelas, cartões ou quaisquer ou-
tras modalidades, para sorteio realizado em qualquer condição.”
250 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

O disposto no artigo 195, $ 4º, da Constituição Federal rendeu ensejo à


instituição da contribuição prevista na Lei Complementar nº 84, de 18 de janei-
ro de 1996, nos seguintes termos:
“Art. 1º Para a manutenção da Seguridade Social, ficam instituídas as se-
guintes contribuições sociais:
I- a cargo das empresas e pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, no
valor de quinze por cento do total das remunerações ou retribuições por
elas pagas ou creditadas no decorrer do mês, pelos serviços que lhes pres-
tem, sem vínculo empregatício, os segurados empresários, trabalhadores
autônomos, avulsos e demais pessoas físicas; e
IN - a cargo das cooperativas de trabalho, no valor de quinze por cento
do total das importâncias pagas, distribuídas ou creditadas a seus coope-
rados, a título de remuneração ou retribuição pelos serviços que prestem
a pessoas jurídicas por intermédio delas.”*!º
A Lei Complementar nº 84/96 foi revogada pela Lei nº 9.876, de 26 de
novembro de 1999, não existindo mais em nosso ordenamento jurídico. De qual-
quer forma, no período de vigência desta contribuição para a seguridade social,
as entidades beneficentes de assistência social não deveriam ser compelidas ao
seu recolhimento, haja vista estar abarcada pela imunidade tributária prevista no
artigo 195, $ 7º da Constituição Federal.

f) A Lei Complementar nº 110/2001 e o disposto no artigo 195, $ 4º da


Constituição Federal
Em 29 de junho de 2001 foram instituídas duas “novas contribuições” pela
Lei Complementar nº 110.
No artigo 1º da citada Lei Complementar, instituiu-se “contribuição social”
devida pelos empregadores em caso de despedida sem justa causa, nos seguin-
tes termos:
“Art. 1º Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em
caso de despedida sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o
montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garan-
tia do Tempo de Serviço - FGTS, durante a vigência do contrato de tra-
balho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas.”
Já no artigo 2º da mesma Lei Complementar, foi instituída outra “contri-
buição social” incidente sobre a remuneração devida aos trabalhadores, in ver-
bis:
“Art. 2º Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores, à
alíquota de cinco décimos por cento sobre a remuneração devida, no mês
anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata o artigo 15
da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990”
me

2 Esta Lei Complementar foi regulamentada pelo Decreto nº 1.826, de 29 de fevereiro de


1996, revogado pelo Decreto nº 3.048/99.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 251

A dificuldade de análise destas contribuições está exatamente em se defi-


nir sua natureza jurídica, para enquadrá-las em uma das hipóteses constitucio-
nalmente previstas para a instituição de contribuições pela União.
Em verdade, entendemos que estas contribuições não podem ser conside-
radas como contribuições de intervenção no domínio econômico, tampouco
como contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, da
mesma forma não podem ser consideradas novos impostos e, menos ainda, con-
tribuições para a seguridade social.*?º Especialmente sobre não serem contri-
buições sociais para a seguridade social, já nos manifestamos com base em dois
argumentos.
Com relação à contribuição instituída pelo artigo 2º da Lei Complementar
nº 110/2001,
“ao observar-se a previsão expressa das contribuições para a seguridade
social, verifica-se que já existe contribuição incidente sobre rendimen-
tos do trabalho pagos pelo empregador (art. 195, I, “a” da Constituição
Federal de 1988). Ora, a contribuição prevista no artigo 2º da Lei Com-
plementar nº 110/2001 recai sobre base de cálculo idêntica, ou seja, ren-
dimentos do trabalho pagos ao empregado ao empregador (conforme o
dispositivo citado, “sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada
trabalhador”). Portanto, a nova contribuição possui base de cálculo idên-
tica à de contribuição social já prevista, ferindo o 8 4º do art. 195.52!
E ainda com relação a ambas, é inequívoco que não se destinam à seguri-
dade social, não cumprindo o requisito da finalidade das contribuições“:
“Analisando-se as duas contribuições em conjunto, observa-se que as
mesmas, sendo contribuições sociais, deveriam ser destinadas ao finan-
ciamento da seguridade social. A seguridade social (art. 194 da Consti-
tuição Federal de 1988) compreende ações destinadas a assegurar direi-
tos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Ou seja, qual-
quer contribuição deve ser vinculada aos objetivos do Sistema de Segu-
ridade Social, por exigência constitucional. (...) Entretanto, a Lei Com-
plementar nº 110/2001, em seu artigo 4º, em confusa redação, por via
reflexa, vincula a receita obtida com o recolhimento das contribuições,
ao pagamento complementar de atualização monetária nas contas vincu-
ladas do FGTS, complemento este destinado a cobrir os expurgos infla-
cionários nas contas dos trabalhadores inscritos no Fundo, cometidos no
período de 1º de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989, e durante
o mês de abril de 1990. (...) Portanto, não havendo como finalidade a

520 Sobre o assunto, já escrevemos o seguinte trabalho: SOUZA, Leandro Marins de e PETRY,
Rodrigo Caramori. As teratológicas “contribuições sociais para o FGTS” criadas pela Lei
Complementar nº 110, de 19 de junho de 2001, in Revista Dialética de Direito Tributá-
rio, nº 77, fevereiro de 2002, pp. 74-86.
a [)
! SOUZA, Leandro Marins de e PETRY, Rodrigo Caramori. Op. cit., p. 83.
a 4 19
Vide GRECO, Marco Aurelio. Contribuições (uma figura “sui generis”), São Paulo :
Dialética, 2000, p. 135.
252 TriBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

obtenção de recursos para a manutenção e custeio da seguridade social,


impossível, da mesma forma, que as referidas contribuições criadas pela
Lei Complementar nº 110/2001 sejam consideradas contribuições so-
ciais.
Não se estaria, portanto, a discutir a abrangência do artigo 195, 8 7º da
Constituição Federal de 1988 para abarcar estas duas “novas contribuições” cria-
das pela Lei Complementar nº 110/2001, mas sim sua constitucionalidade.
De qualquer forma, a controvérsia ainda não foi definida, ficando também
indefinida qualquer conclusão sobre o afastamento da incidência das contribui-
ções criadas pela Lei Complementar nº 110/2001 pela imunidade tributária pre-
vista no artigo 195, 8 7º da Constituição Federal.
Veja-se, por exemplo, que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional as
considera como contribuições sociais destinadas à seguridade social, o que se
extrai do Parecer PGFN-CRJ 1983, emitido em 12 de novembro de 2001.º4 No
mesmo parecer se alega que a matriz constitucional para a instituição destas
contribuições seria o analisado artigo 195, $ 4º da Constituição Federal.'?* As-
sim se entendendo, a imunidade tributária do artigo 195, $ 7º, da Constituição
Federal afastaria a incidência das “novas contribuições” ao FGTS criadas pela
Lei Complementar nº 110/2001.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal, em sede de liminar na Ação Di-
reta de Inconstitucionalidade nº 2.556/DF, entendeu que estas contribuições não
seriam destinadas à seguridade social, sendo portanto contribuições sociais ge-
rais com base no artigo 149 da Constituição Federal. Neste caso, as contribui-

“23 SOUZA, Leandro Marins de e PETRY, Rodrigo Caramori. Op. cit. pp. 83-86.
“4 Este parecer é claro ao dispor: “Aprovo o Parecer PGFN/CRJ nº 1.983/2001, de 12 de
novembro de 2001, que, ao analisar a Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001,
conclui que as contribuições instituídas por aquela Lei Complementar (arts. 1º e 2º), são
contribuições sociais, destinadas à seguridade social, que têm, assim, natureza tributária.”
Em suas conclusões é enfático em dizer: “Ante o exposto, conclui-se no sentido da cons-
titucionalidade das contribuições sociais criadas pelos arts. 1º e 2º, da Lei Complementar
nº 110/2001, seja formal seja material, na medida em que constituem, inegavelmente, con-
tribuições sociais destinadas à seguridade social.”
525
“Ante o exposto, é lícito concluir que as contribuições instituídas pela Lei Complemen-
tar nº 110/2001, são destinadas ao financiamento da seguridade social, conforme faculta
o inciso III (sic), do $ 4º, do art. 195, da Constituição Federal, que autoriza a instituição
de outras fontes destinadas a manutenção ou expansão da seguridade social, desde que
veiculada, tal como na espécie, por Lei Complementar.” (Trecho extraído do Parecer
PGFN/CRF nº 1.983/2001, de 12 de novembro de 2001)
“Ação direta de inconstitucionalidade. Impugnação de artigos e de expressões contidas
na Lei Complementar federal nº 110, de 29 de junho de 2001. Pedido de liminar. - A na-
tureza jurídica das duas exações criadas pela lei em causa, neste exame sumário, é a de
que são elas tributárias, caracterizando-se como contribuições sociais que se enquadram
na sub-espécie “contribuições sociais gerais que se submetem à regência do artigo 149
da Constituição, e não à do artigo 195 da Carta Magna. - Não-ocorrência de plausibilida-
de jurídica quanto às alegadas ofensas aos artigos 145, $ 1º, 154, E, 157, II, e 167, IV, da
Constituição. - Também não apresentam plausibilidade jurídica suficiente para a conces-
são de medida excepcional como é a liminar as alegações de infringência ao artigo 5º, LIV,
LEANDRO MARINS DE SOUZA 253

ções da Lei Complementar nº 110/2001 não estarão abarcadas pela imunidade


do artigo 195, 8 7º.

8) Cobertura do risco de acidente do trabalho (artigo 201, $ 10, da


Constituição Federal): Contribuição ao Seguro de Acidentes do Trabalho -
SAT
Ainda no Capítulo destinado à seguridade social, passando da Seção Das
Disposições Gerais e entrando na Seção II intitulada Da Previdência Social, o
artigo 201, $ 10 da Constituição Federal de 1988 reza, in verbis: “8 10. Lei dis-
ciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorren-
temente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado.”
Em verdade, a contribuição para o Seguro de Acidentes do Trabalho foi
criada ainda no regime da Constituição de 1967 e em atenção ao seu artigo 158,
XVII, que assegurava o direito dos trabalhadores a seguro obrigatório arcado pelo
empregador contra acidentes de trabalho.”
Em razão disso foi editada a Lei nº 5.316, em 14 de setembro de 1967, criando
a contribuição para custeio das prestações por acidente do trabalho,** e já em seu
artigo 1º demonstrando sua natureza: “Art. 1º O seguro obrigatório de acidentes
do trabalho, de que trata o artigo 158, item XVII, da Constituição Federal, será
realizado na previdência social.” Esta lei veio a ser revogada posteriormente pela
Lei nº 6.367/76, que manteve a contribuição mas alterou suas alíquotas.
Com o advento da Lei nº 7.787/89, a contribuição ao seguro de acidentes de
trabalho passou aser regida por seus dispositivos, até o advento da Lei nº 8.212/91

da Carta Magna e ao artigo 10, I, de seu ADCT. - Há, porém, plausibilidade jurídica no
tocante à argiição de inconstitucionalidade do artigo 14, “caput”, quanto à expressão “pro-
duzindo efeitos”, e seus incisos I e II da Lei Complementar objeto desta ação direta, sen-
do conveniente, dada a sua relevância, a concessão da liminar nesse ponto. Liminar de-
ferida em parte, para suspender, “ex tunc” e até final julgamento, a expressão “produzin-
do efeitos” do “caput” do artigo 14, bem como seus incisos I e II, todos da Lei Comple-
mentar federal nº 110, de 29 de junho de 2001.” (Supremo Tribunal Federal, Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 2.556/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, jul-
gamento em 09/10/2002)
527 “Art. 158. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de ou-
tros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social: (...) XVII - seguro
obrigatório pelo empregador contra acidentes do trabalho.”
28 “Art. 12. O custeio das prestações por acidente do trabalho, a cargo exclusivo da empre-
sa, será atendido, conforme estabelecer o regulamento, mediante: I - uma contribuição de
0,4% (quatro décimos por cento) ou de 0,8% (oito décimos por cento) da folha de salá-
rios de contribuição, conforme a natureza da atividade da empresa; II - quando for o caso,
uma contribuição adicional incidente sobre a mesma folha e variável, conforme a nature-
za da atividade da empresa. $ 1º A contribuição adicional de que trata o item II será obje-
to de fixação individual para as empresas cuja experiência ou condições de risco assim
aconselharem. $ 2º Na hipótese do art. 10, a contribuição de que trata o item I será de 0,5%
(cinco décimos por cento) ou de 1% (um por cento). $ 3º As contribuições estabelecidas
neste artigo serão pagas juntamente com as contribuições de que tratam os itens 1 e III do
art. 69 da Lei Orgânica da Previdência Social, na redação dada pelo Decreto-lei número 66,
de 21 de novembro de 1966.”
254 TriButaçÃo DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

que através de seu artigo 22, II, regulamentou referida contribuição revogando
as disposições anteriores. Atualmente a Contribuição ao SAT rege-se pelo seguin-
te dispositivo (artigo 22, II da Lei nº 8.212/91 com as alterações posteriores que
lhe foram submetidas):
“Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade So-
cial, além do disposto no art. 23, é de:
(=2)
IH - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei
nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau
de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambien-
- tais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no
decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante
o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderan-
te esse risco seja considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderan-
te esse risco seja considerado grave.”
Não há dúvida, portanto, de sua natureza de contribuição para a segurida-
de social, seja com esteio no artigo 195, $ 4º ou no artigo 201, $ 10 da Consti-
tuição Federal. Por força disso, a imunidade tributária do artigo 195, $ 7º, da
Constituição Federal desonera as entidades beneficentes de assistência social da
incidência desta contribuição social.

h) Contribuição Provisória sobre Movimentação ou transmissão de valores e


de créditos e direitos de natureza Financeira (artigo 74 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias): a CPMF
Ao contrário do que ocorre com a legislação instituidora das outras contri-
buições, a Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, que institui a CPMF é expressa
em admitir a imunidade das entidades beneficentes de assistência social a sua
incidência, o que faz em seu artigo 3º:
“Art. 3º A contribuição não incide:
(o)
V - sobre a movimentação financeira ou transmissão de valores e de cré-
ditos e direitos de natureza financeira das entidades beneficentes de as-
sistência social, nos termos do $ 7º do artigo 195 da Constituição Fede-
ral”
Mesmo que não ofizesse, é fácil de se perceber que a CPMF não incidiria
sobre as atividades das entidades beneficentes de assistência social, haja vista
se tratar de evidente contribuição para a seguridade social. Sua criação foi au-
torizada pela Emenda Constitucional nº 12, de 15 de agosto de 1996, através da
inclusão do artigo 74 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e o
artigo 74, $ 3º, do ADCT trata da destinação do produto de sua arrecadação: “8 3º
O produto da arrecadação da contribuição de que trata este artigo será destina-
LeanDRO MARINS DE SOUZA 255

do integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e


serviços de saúde”?
Como já vimos, a saúde é espécie do gênero seguridade social, donde se
extrai que a CPMF é contribuição para a seguridade social e que a imunidade
tributária prevista no artigo 195, 8 7º, da Constituição Federal a abarca para afas-
tá-la das entidades beneficentes de assistência social.
Não obstante, ao atribuir à Secretaria da Receita Federal a expedição de
normas administrativas** relativas à sua competência de administração do tri-
buto,*! a legislação instituidora da CPMF deu ensejo a distorções que vieram a
se confirmar.
Regulamentando os procedimentos para a fruição da imunidade tributária
insculpida no artigo 195, $ 7º da Constituição Federal e reconhecida pelo artigo
3º, V da Lei nº 9.311/96, a Secretaria da Receita Federal expediu a Instrução
Normativa nº 6, em 17 de janeiro de 1997, exigindo a apresentação, pela enti-
dade beneficente de assistência social à instituição financeira responsável pela
retenção da CPMF, de declaração assinada por seu representante legal de acor-
do com modelo constante de referido ato administrativo.
No entanto, o conteúdo da declaração exigida das entidades beneficentes
de assistência social não se coaduna com os requisitos para a fruição da imuni-
dade tributária do artigo 195, $ 7º da Constituição. A entidade deve declarar, entre
outros requisitos, que é reconhecida como entidade de utilidade pública federal
e estadual (ou do Distrito Federal ou municipal); que é portadora do Certificado
de Entidade Beneficente de Assistência Social, que não remunera seus direto-
res, conselheiros, sócios instituidores ou benfeitores a qualquer título; bem como
que preenche as exigências previstas nas alíneas “c”, “d”, “e” e “g” do 8 2º do
art. 12 da Lei nº 9.532/97.5ºº

29 A Emenda Constitucional nº 21/1999 prorrogou a cobrança da CPMF ealterou parcial-


mente sua destinação, sendo parcela de sua arrecadação destinada à previdência social.
A Emenda Constitucional nº 37/2002, da mesma forma, prorrogou a cobrança da CPMF
até 31 de dezembro de 2004 e alterou sua destinação: “8 2º Do produto da arrecadação
da contribuição social de que trata este artigo será destinada a parcela correspondente à
alíquota de: I - vinte centésimos por cento ao Fundo Nacional de Saúde, para financia-
mento das ações e serviços de saúde; II - dez centésimos por cento ao custeio da previ-
dência social; III - oito centésimos por cento ao Fundo de Combate e Erradicação da Po-
breza, de que tratam os arts. 80 e 81 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitó-
rias.” No entanto, a CPMF mantém sua característica de contribuição para a seguridade
social.
53 o Lei nº 9.311/96: “Art. 19. A Secretaria da Receita Federal e o Banco Central do Brasil,
no âmbito das respectivas competências, baixarão as normas necessárias à execução des-
ta Lei.”
53
Lei nº 9.311/96: “Art. 11. Compete à Secretaria da Receita Federal a administração da
contribuição, incluídas as atividades de tributação, fiscalização e arrecadação.”
a we
Revogada tacitamente pela Instrução Normativa nº 67, de 14 de junho de 1999, atualmente
em vigor, com a mesma redação que a anterior, em conjunto com a Instrução Normativa
nº 173, de 11 de julho de 2002.
53 ta
O conteúdo da declaração prevista na IN nº 06/97 - e sua sucessora IN nº 67/99 - exige
que a entidade declare que “preenche os seguintes requisitos, cumulativamente: a) é re-
256 TriBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

O ato administrativo fundiu exigências inconstitucionais contidas no arti-


go 55 da Lei nº 8.212/91 com exigências previstas na Lei nº 9.532/97 - estas
consideradas inócuas, por se tratarem de meros deveres instrumentais -, restrin-
gindo a imunidade tributária prevista no artigo 195, 8 7º da Constituição. Como
Já dissemos, a declaração de utilidade pública e a obtenção do Certificado de
Entidade Beneficente de Assistência Social são requisitos que não se prestam à
fruição da imunidade tributária em comento, sendo equivocado exigi-los para tanto.
O que é pior: a não-observância, pela entidade, de qualquer requisito con-
tido na declaração implica suspensão da imunidade. No entanto, as entidades
beneficentes de assistência social, para serem abarcadas pela imunidade, não
precisam preencher estes requisitos, donde se extrai a inconstitucionalidade do
ato administrativo em comento e a confusão que ele gera.
E para agravar a situação, por se tratar de declaração-modelo que não pode
ser modificada pela entidade, a equivocidade de sua redação deixa as entidades
entremeadas de opções que não solucionam o problema - que em verdade não
deveria existir - criado pela própria Instrução Normativa. Ou deixam de cumprir
com este requisito administrativo e não usufruem do benefício, ou assinam a
declaração-modelo e prestam declaração falsa às autoridades fiscais, sujeitando-
se inclusive a sanções penais.
Ora, se uma entidade é imune e não detém o Certificado de Entidade Bene-
ficente de Assistência Social, por não ser juridicamente necessário para a fruição
da imunidade, ao assinar a declaração com este conteúdo estará prestando infor-
mação falsa. Inclusive, de acordo com a Medida Provisória nº 2.158-35/2001,
além das sanções penais e administrativas daí decorrentes a entidade deverá ar-
car com multa de trezentos por cento sobre o valor que supostamente deveria ter
sido retido, para que se tenha exata noção da confusão instaurada.

conhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou munici-


pal; b) é portadora do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Con-
selho Nacional de Serviço Social; c) promove assistência social beneficente, inclusive
educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes; d) não
percebem seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração
e não usufruem vantagens ou benefícios a qualquer título; e) aplica integralmente seus
recursos na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos sociais; f) apresenta, anual-
mente, ao Conselho Nacional de Seguridade Social relatório circunstanciado de suas ati-
vidades; g) adota os procedimentos previstos nas alíneas “c”, “d”, *e' e “g' do $ 2º do art.
12 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997.”
534
Também da declaração se extrai o seguinte: “II - o signatário é representante legal desta
entidade, assumindo o compromisso de informar a essa instituição, imediatamente, even-
tual desenquadramento à presente situação e está ciente de que a falsidade na prestação
destas informações, sem prejuízo do disposto no art. 32 da Lei nº 9.430, de 27 de dezem-
bro de 1996, o sujeitará, juntamente com as demais pessoas que para ela concorrerem, às
penalidades previstas na legislação criminal e tributária, relativas à falsidade ideológica
(art. 299 do Código Penal) e ao crime contra a ordem tributária (art. 1º da Lei nº 8.137,
de 27 de dezembro de 1990)”.
5 MP nº 2.185-35/2001: “Art. 47. À entidade beneficente de assistência social que prestar
informação falsa ou inexata que resulte no seu enquadramento indevido na hipótese pre-
vista no inciso V do art. 3º da Lei nº 9.311, de 1996, será aplicada multa de trezentos por
LEANDRO MARINS DE SOUZA 257

Em contrapartida, se não assinar o documento não terá reconhecida a imu-


nidade à CPMF a que faz jus, por mais absurdo - por inconstitucional e ilegal -
que isto seja.

i) Contribuição ao Programa de Integração Social (artigo 239 da


Constituição Federal): o PIS
Por fim, resta saber se a imunidade tributária a contribuição para a seguri-
dade social prevista no artigo 195, $ 7º da Constituição Federal de 1988, em fa-
vor das entidades beneficentes de assistência social, engloba a Contribuição ao
Programa de Integração Social - PIS, instituída pela Lei Complementar nº 7, de
7 de setembro de 1970.
Tal empreitada não se apresenta simples, mormente diante da camaleôni-
ca trajetória legislativa que marca a existência desta contribuição. Felizmente,
no entanto, o que nos interessa é saber se a Contribuição ao PIS tem natureza
jurídica de contribuição para a seguridade social, para que, em se obtendo res-
posta afirmativa, conclua-se pela imunidade das entidades beneficentes de assis-
tência social ao PIS. Para tanto, impende desvelar o seu nascedouro.
Sob a égide da Constituição de 1967 e sua Emenda Constitucional nº 01/69,
é editada a Lei Complementar nº 7/70, que instituiu o Programa de Integração
Social, destinado a promover a integração do empregado na vida e no desen-
volvimento das empresas, cuja execução se daria mediante Fundo de Partici-
pação, constituído por depósitos efetuados pelas empresas na Caixa Econômi-
ca Federal.**”
Afora o sem-número de alterações legislativas,*** a primeira celeuma que
se criou em torno da Contribuição ao PIS guardava com a sua natureza jurídica,
se tributária ou não. Bem descreve Roberto Quiroga Mosquera o desenrolar da
primeira fase deste debate, ao asseverar que
“a exação ao PIS, como já dissemos anteriormente, desde a sua criação,
originou uma série de considerações e estudos, no sentido de se identifi-
car a natureza jurídica respectiva, se tributária ou não. A doutrina domi-
nante até o advento da Emenda Constitucional nº 8/77 posicionou-se na
linha de que o PIS apresentava a natureza de tributo uma vez que pre-
sentes os requisitos previstos nos artigos 3º e 4º do Código Tributário
Nacional (CTN), e por apresentar destinação vinculada a um fundo es-
pecífico (art. 62, $ 2º da Constituição vigente à época). A jurisprudência
caminhou, outrossim, no mesmo sentido:

cento sobre o valor que deixou de ser retido, independentemente de outras penalidades
administrativas ou criminais.”
53
Artigo 1º da Lei Complementar nº 7/70.
53
Artigo 2º da Lei Complementar nº 7/70.
53 ao Sobre o regime da Contribuição ao PIS, inclusive apresentando evolução normativa com-
pleta sobre o tema, ver FISCHER, Octavio Campos. A contribuição ao PIS, São Paulo :
Dialética, 1999, pp. 80-127.
53 o MOSQUERA, Roberto Quiroga. PIS - Emenda Constitucional nº 10/96 - regime aplicá-
vel às instituições financeiras, in PIS - problemas jurídicos relevantes, coord. Valdir de
Oliveira Rocha, São Paulo : Dialética, 1996, p. 232.
258 TriBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

A Emenda Constitucional nº 8/77 à Constituição de 1967 propiciou novo


ensejo a discussão no que tange à natureza jurídica da Contribuição ao PIS, con-
cluindo-se, por julgamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal, que refe-
rida contribuição não possuía mais natureza tributária. A simples ementa do re-
ferido julgamento já é esclarecedora:
“Programa de Integração Social - PIS. Imposto único sobre combustíveis
e lubrificantes. A regra da exclusividade do imposto único sobre combus-
tíveis e lubrificantes não constitui obstáculo a incidência e a exigibilidade
de contribuição como a do PIS, que não tem natureza tributária:”**º
Por fim, a terceira e última fase de discussão sobre a natureza jurídica da
Contribuição ao PIS se instaurou quando da promulgação da Constituição de
1988, haja vista sua inclusão expressa no artigo 239. A reboque deste debate vem
outro, que é o que nos interessa, no sentido de se definir a condição de contri-
buição para a seguridade social da Contribuição ao PIS. E para tanto, impres-
cindível a análise da destinação dos recursos auferidos com a cobrança da con-
tribuição, elemento indissociável de sua própria regra-matriz de incidência.”

*o Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 100.790-SP, Tribunal Pleno, Rel.


Min. Francisco Rezek, julgamento em 15/08/1984, DJ de 13/08/1987. Quanto a esta se-
gunda fase, Roberto Quiroga Mosquera comenta nos seguintes termos: “A partir da Emen-
da Constitucional nº 8/77, o PIS passou a ter uma identidade constitucional particular
como contribuição social, para custear alguns encargos previstos nos artigos 165, 166, 175
e 178 do Texto Constitucional pretérito. As discussões tomaram fôlego perante doutrina-
dores, agentes do governo e contribuintes, culminando com o julgamento da questão pelo
Plenário do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 100.790-SP, onde
foi Relator o Exmo. Ministro Francisco Rezek e no qual cristalizou-se o entendimento de
que a contribuição ao PIS não possuía natureza tributária.” (MOSQUERA, Roberto Qui-
roga. Op. cit., p. 232)
541
Misabel Abreu Machado Derzi (O PIS, as medidas provisórias e o princípio da não sur-
presa, in PIS - problemas jurídicos relevantes, coord. Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo :
Dialética, 1996, p. 205) ensina com maestria: “A Constituição de 1988 não denomina os
tributos, finalisticamente afetados, de impostos mas de contribuições ou de empréstimos
compulsórios, dando à destinação que lhe é própria relevância não apenas do ponto de
vista do Direito Financeiro ou Administrativo, mas igualmente do Direito Tributário (ou
Constitucional). Somente a União tem competência para criar contribuições ou emprés-
timos compulsórios, conforme estabelecem os artigos 148 e 149. Mas enquanto o Texto
Magno proíbe que o legislador vincule a arrecadação de impostos a órgão, fundo ou des-
pesa (art. 167, IV), a afetação do produto a certas despesas ou serviços é requisito neces-
sário para o exercício da competência federal, no que tange às contribuições e aos em-
préstimos compulsórios. Tais despesas estão pré-definidas na Constituição Federal e
são, para as contribuições: o custeio da Seguridade Social, habitação, educação ou outra
meta, prevista na Ordem Social ou nos direitos sociais, a serem atingidos pelo Estado
Democrático de Direito; (...) A destinação passou a fundar o exercício da competência da
União. Sem afetar o tributo às despesas expressamente previstas na Constituição, falece
competência à União para criar contribuições. (...) Assim, a destinação assume relevân-
cia não só tributária como constitucional e legitimadora do exercício da competência fe-
deral.” Com a mesma maestria, Roberto Ferraz (Da hipótese ao pressuposto de incidên-
cia - em busca do tributo justo, in Direito tributário - homenagêm a Alcides Jorge Costa,
vol. I, coord. Luís Eduardo Schoueri, São Paulo : Quartier Latin, 2003, pp. 220-221) afir-
ma que “o exame da destinação do produto da arrecadação é da maior relevância, e faz
LeanDRO MARINS DE SOUZA 259

Façamo-lo através da citação do artigo 239 da Constituição Federal, que consti-


tucionalizou a Contribuição ao PIS em nosso atual ordenamento jurídico:
“Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa
de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setem-
bro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor
Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970,
passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos ter-
mos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de
que trata o $ 3º deste artigo.”
As destinações da Contribuição ao PIS, de acordo com o dispositivo que
lhe dá fundamento constitucional, são o seguro-desemprego e o abono anual re-
muneratório, ambos, na lição da melhor doutrina e da jurisprudência do Supre-
mo Tribunal Federal, objetos integrantes da previdência social e que, portanto,
fazem parte da seguridade social.
E o que nos ensina João Dácio Rolim, quando conclui pela natureza de
seguridade social da Contribuição ao PIS:
“As prestações do abono anual e do seguro-desemprego são objeto da pre-
vidência social, área que em conjunto com as tarefas de assistência so-
cial e de saúde compõem a Seguridade Social. Com relação ao seguro-
desemprego não há qualquer dúvida sobre a natureza previdenciária, pois
o art. 201, inciso IV, estabelece expressamente ser um dos planos de be-
nefício da previdência social a proteção ao trabalhador em situação de
desemprego involuntário. Entretanto, relativamente ao abono anual, não
há explicitamente na Constituição uma norma jurídica que o caracterize
como uma prestação da Seguridade Social. Como ajuda à manutenção
dos dependentes dos segurados de baixa renda (art. 201, inciso II, da CF/88)
poderia eventualmente ser enquadrado o abono anual, uma vez que se
destina a trabalhadores que ganham apenas dois salários mínimos men-
sais, embora não exclusivamente aos seus dependentes, mas também a
eles como um possível complemento ao salário-família previsto no art.
8º, inciso XII, da CF/88 como um dos direitos sociais previstos na Cons-
tituição.**?

parte da própria natureza dos tributos, e, ao menos dos tributos com destinação específi-
ca constitucionalmente estabelecida, isto é, dos Empréstimos Compulsórios e Contribui-
ções Especiais. (...) A exigência de que a destinação da arrecadação seja a legitimamente
indicada pela Constituição não é apenas uma exigência formal, mas material, autorizan-
do até mesmo a eventual resistência civil à exigência desvirtuada de tributos.”
542 ROLIM, João Dácio. A natureza jurídica da contribuição ao PIS perante a CF/88 e alte-
rações da sua base de cálculo e destinação, in PIS - problemas jurídicos relevantes, coord.
Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo: Dialética, 1996, p. 131. No mesmo sentido Misa-
bel Abreu Machado Derzi (op. cit., p. 206): “A contribuição para o PIS foi recepcionada
expressamente no art. 239 da Constituição de 1988, o qual afetou a sua arrecadação ao
custeio do programa do seguro-desemprego e do abono pago anualmente a trabalhadores
de baixa renda (até dois salários mínimos). O programa do seguro-desemprego é atribui-
ção própria da Previdência Social, consignada no art. 201, IV da mesma Carta, embora o
260 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como dito, também já re-


conheceu a natureza jurídica da Contribuição ao PIS como sendo de contribui-
ção para a seguridade social:
“As contribuições sociais, falamos, desdobram-se em a.1. contribuições
de seguridade social: estão disciplinadas no artigo 195, I, II e III, da
Constituição. São as contribuições previdenciárias, as contribuições do
Finsocial, as da Lei 7.689, o PIS e o Pasep (C.F,, art. 239)
Mais especificamente na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1, o
Supremo Tribunal Federal ratificou este entendimento para espancar quaisquer
dúvidas ainda existentes, como se vê de trecho do voto do Excelentíssimo Re-
lator Ministro Moreira Alves:
“Não estando, portanto, a Cofins sujeita às proibições do inciso I do ar-
tigo 154 pela remissão que a ele faz o $ 4º do artigo 195, ambos da Cons-
tituição Federal, não há que se pretender que seja ela inconstitucional por
ter base de cálculo própria de impostos discriminados na Carta Magna
ou igual à do PIS/Pasep (que, por força da destinação previdenciária que
lhe deu o artigo 239 da Constituição, lhe atribuiu a natureza de contri-
buição social), nem por não atender ela eventualmente à técnica da não-
cumulatividade. Ademais, no tocante ao PIS/Pasep, é a própria Consti-
tuição Federal que admite que o faturamento do empregador seja base de
cálculo para essa contribuição social e outra, como, no caso, é a Cofins.
De feito, se o PIS/Pasep, que foi caracterizado, pelo artigo 239 da Cons-
tituição, com contribuição social por lhe haver dado esse dispositivo

abono anual seja uma atribuição social genérica e inespecífica. Com isso lhe foi conferi-
da, pela Constituição, a natureza de contribuição social, (pelo menos) prevalentemente
para o custeio da Seguridade Social, ao lado da contribuição social sobre o lucro e para o
Finsocial.” Também Fernando Dantas Casillo Gonçalves (A imunidade das entidades
beneficentes de assistência social à contribuição para o PIS - exigências legais no art. 14
do CTN, in Repertório IOB de Jurisprudência, nº 11/2002, 1/17244, 1º quinzena de ju-
nho de 2002, pp. 396-392) conclui assim: “Por isto, não pode ser negada a sua condição
de ser uma “contribuição para a seguridade social" como tributo atingido pela imunidade
tributária prevista no art. 195, $ 7º, da Lei Maior.”
8 Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 138.284/CE, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Carlos Velloso, julgamento em 01/07/1992, DJ de 28/08/1992. Dentre outras opor-
tunidades: “PIS e Cofins. Empresas prestadoras de serviços de telecomunicações. Incidên-
cia. Arts. 155, $ 3º, e 195, caput, da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal
(sessão do dia 1º.07.99), concluindo o julgamento dos Recursos Extraordinários nºs
205.355 (Ag. Rg.); 227.832; 230.337, e 233.807, Rel. Min. Carlos Velloso, abrangendo
as contribuições representadas pela Cofins, pelo PIS e pelo Finsocial sobre as operações
relativas a energia elétrica, a serviços de telecomunicações, e a derivados de petróleo,
combustíveis e minerais, entendeu que, sendo elas contribuições sociais sobre o fatura-
mento das empresas, destinadas ao financiamento da seguridade social, nos termos do art.
195, caput, da Constituição Federal, não lhes é aplicável a imunidade prevista no art. 155,
$ 3º, da Lei Maior. Recurso conhecido e provido.” (Supremo Fribunal Federal, Recurso
Extraordinário nº 259.541/AL, Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em
21/03/2000, DJ de 28/04/2000)
Leandro MARINS DE SOUZA 261

constitucional permanente destinação previdenciária, houvesse exaurido


a possibilidade de instituição, por lei, de outra contribuição social inci-
dente sobre o faturamento dos empregadores, essa base de cálculo, por
já ter sido utilizada, não estaria referida no inciso I do artigo 195 que é o
dispositivo da Constituição que disciplina, genericamente, as contribui-
ções sociais, e que permite que, nos termos da lei (e, portanto, de lei or-
dinária), seja a seguridade social financiada por contribuição social in-
cidente sobre o faturamento dos empregadores.**
Por sua destinação para a seguridade social, a Contribuição ao PIS deve ser
considerada como contribuição para a seguridade social, incidindo sobre ela os
efeitos da cláusula imunizante insculpida no artigo 195, $ 7º da Constituição
Federal em favor das entidades beneficentes de assistência social.**

J) Contribuição social ao salário-educação (artigo 212, 8 5º da Constituição


Federal)
Como já se viu, o conceito de seguridade social abarca a saúde, a previ-
dência social e a assistência social. Viu-se, também, que o conceito de assistên-
cia social deve ser considerado de forma ampla, inclusive o Supremo Tribunal
Federal entendendo que o mesmo abarcaria as atividades de educação.
Sem maiores abstrações de jaez histórico, no que tange ao regime atual a
contribuição ao salário-educação foi instituída pelo artigo 15 da Lei nº 9.424/96,
incidindo à alíquota de 2,5% sobre a folha de salários do empregador.*** Sua
destinação está prevista na própria Constituição Federal, sendo o financiamen-
to do ensino fundamental público.
Poderia se dizer, portanto, que a contribuição ao salário-educação tem na-
tureza de contribuição para a seguridade social, haja vista se destinar ao finan-
ciamento de atividade englobada no conceito de assistência social, que é o ensi-
no fundamental público.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que
a contribuição ao salário-educação tem matriz constitucional no artigo 149 da
Constituição Federal, constituindo-se em contribuição social geral, quando jul-

*4 Supremo Tribunal Federal, Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1/DF, Tribunal


Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 01/12/1993, DJ de 16/06/1995.
s4s Também é a conclusão de Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Talarico Martins
Rodrigues (Imunidade tributária das instituições de assistência social, à luz da Constitui-
ção Federal, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 38, novembro de 1998, p. 120):
“Em conclusão, as contribuições sociais (Cofins e PIS), por serem contribuições também
de custeio para a seguridade social e em razão da natureza tributária de tais contribuições,
estão abrangidas pela imunidade do art. 195 8 7º da CF”
54) a “Art. 15. O Salário-educação, previsto no artigo 212, $ 5º, da Constituição Federal e de-
vido pelas empresas, na forma em que vier a ser disposto em regulamento, é calculado
com base na alíquota de 2,57% (dois e meio por cento) sobre o total de remunerações pa-
gas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, assim definidos no arti-
go 12, inciso 1, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1992.”
262 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

gou a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 03, em 1º de dezembro de


199981
Desta forma, em virtude de o Supremo Tribunal Federal ter entendido não
se tratar a contribuição ao salário-educação como contribuição para a seguri-
dade social, não está abarcada pela imunidade prevista no artigo 195, $ 7º da
Constituição Federal.

*? Supremo Tribunal Federal, Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 3, Tribunal


Ple-
no, Rel. Min. Nelson Jobim, julgamento em 01/12/1999, DJ de 09/05/2003.
263

Capítulo 11 - Algumas Isenções Tributárias


Destinadas a Entidades Pertencentes ao
Terceiro Setor e suas Atividades

Diferente das imunidades tributárias, que atuam, por injunção constitucio-


nal, no âmbito da delimitação das competências tributárias (fixação de compe-
tência negativa), as isenções tributárias são espécie normativa que age em mo-
mento lógico posterior, já na definição da regra-matriz de incidência de cada tri-
buto. Não pretendemos, aqui, criar qualquer vinculação entre o estudo das imu-
nidades e das isenções tributárias; não se quer aparentar eventual intenção de
demonstrar que ambas andam juntas, pois acolhemos as ressalvas de Paulo de
Barros Carvalho,*** Clélio Chiesa” e Gabriel Lacerda Troianelli,*º no sentido
de que são espécies necessariamente distintas.
Uma - a imunidade - nasce em berço constitucional e se faz aplicar antes
mesmo da definição da regra matriz de incidência dos tributos, ainda no pródro-
mo da atribuição de competências aos entes tributantes; outra - a isenção -, ao
contrário, ocorre em segunda aproximação temporal, quando da execução, atra-
vés da instituição legislativa de tributos pelas pessoas políticas, das normas de
competência tributária fixadas pela Constituição, afetando - ou alterando a con-
formação - sua regra matriz de incidência por vontade de seu instituidor.!

sas «Ff da tradição dos escritos da dogmática jurídico-tributária brasileira estudar os institu-
tos da imunidade e da isenção conjuntamente, em disposições de um mesmo capítulo,
ressaltando os autores pontos aproximativos entre as duas realidades normativas. Traçam,
dessa maneira, linhas paralelas por onde correm os temas, mantendo as suas peculiarida-
des, mas, ao mesmo tempo, mostrando caracteres de similitude. Anunciam que, no final
das contas, seja no caso de imunidade ou na hipótese de isenção, inexiste o dever presta-
cional tributário, aspecto que justifica o paralelismo entre as instituições. Visão dessa
ordem não se coaduna com a devida compreensão do papel sistemático que a norma de
imunidade e a de isenção desempenham na fenomenologia jurídico-tributária em nosso
país. O paralelo não se justifica. São proposições normativas de tal modo diferentes na
composição do ordenamento positivo que pouquíssimas são as regiões de contato. Pode-
ríamos sublinhar tão-somente três sinais comuns: a circunstância de serem normas jurí-
dicas válidas no sistema; integrarem a classe das regras de estrutura; e tratarem de maté-
ria tributária. Quanto ao mais, uma distância abissal separa as duas espécies de unidades
normativas.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 12? ed., São
Paulo : Saraiva, 1999, pp. 180-181)
s9 CHIESA, Clélio. Op. cit., pp. 101-103.
550 “Imunidade e isenção, portanto, ocupam planos diferentes - o constitucional e o legal -,
não guardando - a não ser pelo fato de resultarem em alívio ao bolso dos contribuintes e
de começarem ambas pela letra “i" - qualquer traço em comum.” (TROIANELLI, Gabriel
Lacerda. A imunidade das entidades beneficentes de assistência social prevista no artigo
195, 8 7º da Constituição Federal e a Lei Complementar nº 84/96, in Contribuições pre-
videnciárias - questões atuais, coord. Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo : Dialética,
1996, p. 77)
55 É elucidativa a lição de Paulo de Barros Carvalho (op. cit., p. 181): “O preceito de imu-
nidade exerce a função de colaborar, de uma forma especial, no desenho das competên-
264 TriButAçÃoO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

A isenção tributária é dada por norma de estrutura que se manifesta no


âmbito do exercício das competências tributárias outorgadas constitucionalmen-
te; cada pessoa política competente para a instituição de tributos terá, salvo as
chamadas isenções heterônomas,**? competência para reconfigurar a regra-ma-
triz de incidência destes mesmos tributos de modo a estabelecer hipóteses que
não a completam, inocorrendo, via de consegiiência, a incidência tributária. É
regra que se extrai do artigo 151, II da Constituição Federal, que proíbe a insti-
tuição de isenções, pela União, relativas a tributos de competência dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, e dos próprios princípios federativo, da
autonomia municipal e da autonomia distrital, como bem nos ensina Roque
Carrazza.***
Por vontade política da pessoa a que se atribui constitucionalmente com-
petência tributária, motivada por questões de ordem econômica, social, etc., ins-
ta-se a vontade legislativa a conformar a incidência de seus tributos de modo a
fazê-los não incidir em determinados casos, através da atribuição de isenção. O
que a regra isentiva faz, nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho, “é subtrair
parcela do campo de abrangência do critério do antecedente ou do consegiien-
te”*5 da regra-matriz de incidência do tributo.
Mas antes de concluir nestes termos, Paulo de Barros Carvalho demonstra
a evolução doutrinária das discussões quanto à fenomenologia das isenções tri-
butárias, que merece algumas linhas.
Entendeu-se inicialmente, tendo em Rubens Gomes de Sousa um de seus
entusiastas, que a isenção tributária consistiria em um favor legal dispensado pelo
cias impositivas. São normas constitucionais. Não cuidam da problemática da incidência,
atuando em instante que antecede, na lógica do sistema, ao momento da percussão tribu-
tária. Já a isenção se dá no plano da legislação ordinária. Sua dinâmica pressupõe um
encontro normativo, em que ela, regra de isenção, opera como expediente redutor do cam-
po de abrangência dos critérios da hipótese ou da consegiiência da regra-matriz do tribu-
to.”
* “As isenções tributárias também podem ser concedidas por meio de lei complementar, nos
termos do art. 155, $ 2º, XII, “e”, e do art. 156, $ 3º, II, ambos da CF. Estes são os únicos
casos em que nosso ordenamento jurídico admite isenções heterônomas, isto é, isenções
concedidas por pessoa diversa daquela que tem competência constitucional para instituir
o tributo.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, 19 ed.,
São Paulo : Malheiros, 2003, p. 771)
553
“Só a pessoa que validamente criou (ou pode criar), por meio de lei, o tributo é que pode
criar a isenção, desde que o faça, também, por meio de lei. Assim, sóa lei federal pode
conceder isenções de tributos federais; só a lei estadual, de tributos estaduais; só
a lei
municipal, de tributos municipais; só a lei distrital, de tributos distritais. Ássim, em prin-
cípio, as isenções tributárias são autonômicas, vale dizer, promanam da mesma pessoa
política titular da competência para criar o tributo. São, em angusta síntese, isenções de
tributos de competência própria (em contraposição às isenções heterônomas, isto é isen-
ções de tributos de competência alheia)” (CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit., p. 767)
554
“Ainda que inexistisse dispositivo deste teor [artigo 151, III], os princípios federativo, da
autonomia municipal e da autonomia distrital impediriam que a União, por meio de lei
ordinária federal, concedesse isenções de tributos de competêntia dos Estados, dos Mu-
nicípios ou do Distrito Federal.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit., p. 767)
5 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit, p. 448.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 265

legislador ao sujeito passivo da obrigação, desonerando-o dela por injunções de


ordem econômica, social, política, etc. Seria, portanto, uma dispensa do débito
tributário, ocorrida em momento posterior à existência do vínculo obrigacional.
Nas palavras de Rubens Gomes de Sousa,
“isenção é o favor fiscal concedido por lei, que consiste em dispensar o
pagamento de um tributo devido. (...) na isenção, o tributo é devido, por-
que existe a obrigação, mas a lei dispensa o seu pagamento; por conse-
guinte, a isenção pressupõe a incidência, porque é claro que só se pode
dispensar o pagamento de um tributo que seja efetivamente devido”.555
Alfredo Augusto Becker, por sua vez, discordando expressamente do po-
sicionamento de Rubens Gomes de Sousa que, conforme o autor gaúcho, era
seguido pela totalidade da doutrina, concluiu que a consideração de que a nor-
ma isentiva seria dispensa do débito tributário oriundo de vínculo obrigacional
preexistente só se presta ao momento legislativo, ou seja, quando da criação da
norma isentiva no plano pré-jurídico. Nos dizeres de Becker, “a lógica desta
definição estará certa apenas no plano pré-jurídico da Política Fiscal quando o
legislador raciocina para criar a regra jurídica de isenção” 5” Após a criação
da norma jurídica isencional, aponta, ela se agrega à hipótese de incidência do
tributo para a qual foi criada e impede que a regra jurídica de tributação incida,
por falta de um dos elementos da hipótese de incidência afastado pela isenção.
Esta teoria foi aprofundada por José Souto Maior Borges, que concluiu serem
as isenções tributárias hipóteses de não-incidência legalmente qualificadas.**?
Na análise desta evolução, Paulo de Barros Carvalho também aponta a teo-
ria científica que considera a isenção como norma instituidora de impedimen-
tos ao impacto da norma tributária, nos termos expostos por Alberto Xavier: “a
isenção se configura como um fato impeditivo quanto à constituição da obriga-
ção tributária”.
“Os esclarecimentos a respeito da fenomenologia das isenções tributá-
rias não se esgotam nas três teorias que, resumidamente, salientamos.

556 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária, edição póstuma, coord.
IBET, São Paulo : Resenha Tributária, 1975, p. 97.
57 BECKER, Alfredo Augusto. Op. cit. pp. 305-306.
558 «A regra jurídica de isenção incide para que a de tributação não possa incidir.” (BECKER,
Alfredo Augusto. Op. cit., p. 306)
59 BORGES, José Souto Maior. Isenções tributárias, 2º ed., São Paulo : Sugestões Literá-
rias, 1980, p. 130. Mais adiante (ibidem, p. 136), assevera o festejado autor: “Ora, a dou-
trina entende que, nas hipóteses de isenção, ocorre o fato gerador do tributo e, portanto,
existe a obrigação tributária principal, embora excluído o crédito dela decorrente. Tem-
se como assentado, pois, que a lei de isenção apenas delibera dispensar o pagamento de
tributo devido; que ela exclui o crédito fiscal, não obstando, entretanto, o surgimento da
respectiva obrigação. Causa espécie constatar que a melhor doutrina brasileira não se
advertiu, ordinariamente, da petição de princípio em que incorreu ao dar como assentado
exatamente aquilo que era necessário demonstrar e não o fora: a ocorrência do fato gera-
dor da obrigação tributária principal na hipótese de isenção tributária.”
50 XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo
tributário, 2º ed., Rio de Janeiro : Forense, 2001, p. 102.
266 TriButaçÃo DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Outras há elaboradas para o mesmo fim: isenção como delimitação ne-


gativa da hipótese de incidência tributária; como tutela jurídica do inte-
resse do contribuinte; como limitação ao poder de tributar; como renún-
cia ao exercício da competência tributária etc 5%!
O que se vê é que também o instituto da isenção tributária, como não po-
deria deixar de ser, é objeto de muitas discussões doutrinárias. Foi analisando
estas teorias que Paulo de Barros Carvalho concluiu que, “guardando a sua au-
tonomia normativa, a regra de isenção investe contra um ou mais dos critérios
da norma-padrão de incidência, mutilando-os, parcialmente” 5º
É assim que, em determinadas situações, o legislador ordinário outorga a
entidades participantes do Terceiro Setor isenções tributárias, de modo a, con-
segientemente, conformar a regra-matriz de incidência destes tributos e subtrair
de seu conteúdo parcela de seu critério pessoal, mais especificamente seu sujei-
to passivo, como iremos demonstrar mais adiante. São, a exemplo das imunida-
des tributárias, expressão do reconhecimento da importância das atividades de-
senvolvidas pelo Terceiro Setor, por sua característica complementar às ativida-
des estatais.
Não sem antes dizer o óbvio: a instituição de isenções tributárias tem fun-
damento constitucional.º* Constituição que, ao estabelecer os princípios veto-
res da tributação, e sobretudo ao delimitar as competências tributárias, também
prevê hipóteses em que as pessoas políticas podem optar - dentro das balizas
traçadas pela Constituição - por não fazer incidir determinado tributo sobre cer-
tas pessoas ou atividades, através do sistema de isenções. Aliás, ressalve-se que
as isenções tributárias estão jungidas aos mesmos princípios regentes do exer-
cício da competência de tributar, cujos limites são definidos pela Constituição.
Novamente Souto Maior Borges, em texto escrito na vigência da Constituição
de 1967/69, ilumina-nos com seus ensinamentos:
“No poder de tributar se contém o poder de eximir, como o verso e re-
verso de uma medalha. Ao atribuir a competência para tributar, a Cons-
tituição Federal não apenas permite, mas às vezes programa, ela própria
(p. ex., arts. 19,8 2º e 23, $ 6º), a abstenção do exercício dessa compe-
tência pela via da isenção, em determinadas circunstância excepcionais.
Além disso, a Constituição estabelece princípios expressos, como o de
legalidade tributária (arts. 19, item I, e 153, 8 29) e implícitos, como o
de isonomia fiscal ou de igualdade perante o fisco (art. 153, 8 1º), que
vinculam alegislação ordinária e complementar (art. 19, $ 2º) na insti-

*! CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit. pp. 443-444.


52 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 448. Ver também COÉLHO, Sacha Calmon
Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária, São Paulo : RT, 1982, pp.
129-132.
563
“Em virtude do princípio da supremacia da Constituição, a teoria jurídica da isenção tri-
butária há de apoiar-se, como se viu, em normas constitucionais que autorizam e delimi-
tam o exercício da competência tributária pelo legislador ordinário. Radica na própria
Constituição Federal o poder de isentar.” (BORGES, José Souto Maior. Op. cit., p. 22)
Leandro MARINS DE SOUZA 267

tuição de isenções. Consegiientemente, estão sujeitas as isenções, pelo


ordenamento constitucional tributário, a condicionamentos idênticos aos
que são estabelecidos para a instituição de tributos. Torna-se manifesta,
assim, a interligação entre o regime jurídico do tributo e o das isenções.
O poder de isentar é o próprio poder de tributar visto ao inverso."5%
Têm, portanto, as isenções tributárias matriz constitucional que lhes dá o
perímetro a ser respeitado; indo além deste perímetro, a isenção tributária con-
cedida pela pessoa política competente será inconstitucional. A começar com o
disposto no artigo 150, $ 6º da Constituição Federal, que prevê expressamente a
aplicação do princípio da legalidade para a instituição de isenções tributárias.
Este dispositivo não só exige a edição de lei federal, estadual ou munici-
pal para a instituição de isenções, como também, ao fazer remessa ao artigo 155,
8 2º, XII, “g” da Constituição Federal, ressalva a exigência específica de edição
de lei complementar para regular a concessão e a revogação de isenções em
matéria de ICMS.**$
Outra limitação constitucional ao poder de isentar se encontra no artigo 151,1,
e destina-se à União.*” Segundo esta norma, a União não poderá instituir tribu-
to que não seja uniforme em todo o território nacional, permitindo-lhe, no en-
tanto, a concessão de incentivos fiscais com o intuito de promover o equilíbrio
do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País. É dis-
positivo vinculado ao princípio da uniformidade geográfica da tributação, ** que
proíbe a instituição de isenções tributárias em favor de determinada região e que
não tenham o intuito de promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconô-
mico desta região.
Estes dispositivos, entre outros, formam o sistema constitucional aplicável
à análise da instituição de isenções tributárias, conformando a competência e os
limites à sua instituição. Não se esqueça, também, do Código Tributário Nacio-
5 BORGES, José Souto Maior. Op. cit. p. 21.
565 “8 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito pre-
sumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser
concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusiva-
mente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem
prejuízo do disposto no art. 155, $ 2º, XII, g.” (redação dada ao parágrafo pela Emenda
Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993)
566 “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II -
operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de trans-
porte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as pres-
tações se iniciem no exterior; (...) 8 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(...) XII - cabe à lei complementar: (...) g) regular a forma como, mediante deliberação
dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão conce-
didos ou revogados.”
57 “Art. 151. É vedado à União: I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o territó-
rio nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito
Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fis-
cais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as
diferentes regiões do País.”
568 Vide CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit., p. 768.
268 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

nal, que é a lei complementar recepcionada pela Constituição Federal de 1988


no que tange a normas gerais em matéria tributária.
E o Código Tributário Nacional entende as isenções tributárias, ao lado das
anistias, como hipóteses de exclusão do crédito tributário, como dispõeo arti-
go 175: “Art. 175. Excluem o crédito tributário: I - a isenção”; não se excluem,
no entanto, as obrigações acessórias.
Os artigos 176 e 178 do Código Tributário Nacional, este cumulado com o
artigo 104, são de fundamental importância para o regime das isenções tributá-
rias. Os artigos 176 e 178 reforçam o princípio da legalidade em matéria de isen-
ções, consoante previsto no artigo 150, $ 6º da Constituição Federal. O artigo
104, por sua vez, cumulado com oartigo 178, consolida o princípio da anterio-
ridade em matéria de modificação ou revogação de isenções tributárias.
Antes de se passar à análise de isenções tributárias concedidas a ativida-
des vinculadas ao Terceiro Setor, mister que se relembre, através das palavras
de Paulo de Barros Carvalho, as possíveis justificativas para a concessão de isen-
ções pelas pessoas políticas:
“O mecanismo das isenções é um forte instrumento de extrafiscalidade.
Dosando equilibradamente a carga tributária, a autoridade legislativa
enfrenta as situações mais agudas, onde vicissitudes da natureza ou pro-
blemas econômicos e sociais fizeram quase que desaparecer a capacida-
de contributiva de certo segmento geográfico ou social. A par disso, fo-
menta as grandes iniciativas de interesse público e incrementa a produ-
ção, o comércio e o consumo, manejando de modo adequado o recurso
jurídico das isenções: “9º
Passemos, então, à análise de algumas isenções tributárias deferidas a en-
tidades pertencentes ao Terceiro Setor e às suas atividades, ressalvando que em
virtude das próprias características das isenções tributárias, de competência de
cada ente tributante, certamente não se conseguirá apresentar todas aquelas que
se relacionam com o Terceiro Setor, mas sim aquelas de maior relevância.

11.1. Isenção Tributária a Contribuições para a Seguridade Social


Destinada às Entidades Beneficentes de Assistência Social (artigo 55 da
Lei nº 8.212/91): Cota Patronal, Cofins, CSLL e Contribuição ao SAT
A Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, bastante conhecida notadamente
por ser espécie de Lei Geral da Seguridade Social, estabelecendo desde os con-
ceitos e princípios constitucionais aplicáveis à Seguridade Social até normas
procedimentais específicas, em seus artigos 22 e 23,7 no Título VI que especi-

56º CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 455.


99 “Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além
do dis-
posto no art. 23, é de: I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas
ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados
e trabalhado-
res avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer
que seja
a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os
adian-
tamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados,
quer
LeanDRO MARINS DE SOUZA 269

ficamente trata “Do Financiamento da Seguridade Social”, institui como fontes


de receita da Seguridade Social espécies de contribuição social denominadas
“Contribuição da Empresa” (Capítulo IV da Lei), não menos conhecidas que a
sua lei instituidora.
São elas, em largas passadas por terem sido, em grande parte, analisadas
pormenorizadamente quando dos comentários acerca do regime de imunidade
tributária insculpido no artigo 195, 8 7º da Constituição Federal, a cota patronal
(e suas variantes quanto às associações desportivas e à agroindústria, por exem-
plo), a Contribuição ao SAT, a Contribuição para o Financiamento da Segurida-
de Social - Cofins e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL.
Mais adiante, já em seu artigo 55, a Lei nº 8.212/91, fazendo remissão es-
pecífica aos seus artigos 22 e 23, estabelece regime de isenção tributária às en-
tidades beneficentes de assistência social que cumpram determinados requisitos,
estando seu caput nos seguintes termos: “Art. 55. Fica isenta das contribuições
de que tratam os artigos 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência
social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente.”
Por opção política da União Federal, no exercício de sua competência para
a instituição (isenção) de contribuições outorgada constitucionalmente e assu-
mindo a condição de cooperação das atividades desenvolvidas pelas entidades
beneficentes de assistência social, fez incluir na regra-matriz de incidência das
contribuições para a seguridade social antes referidas norma de supressão par-

pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do


contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.
II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de
julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade
laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações
pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avul-
sos: a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de
acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em
cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio; c) 3% (três por cento) para
as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave. III - vin-
te por cento sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no de-
correr do mês, aos segurados contribuintes individuais que lhe prestem serviços; IV -
quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, re-
lativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de coopera-
tivas de trabalho. (...) Art. 23. As contribuições a cargo da empresa provenientes do fatu-
ramento e do lucro, destinadas à Seguridade Social, além do disposto no art. 22, são cal-
culadas mediante a aplicação das seguintes alíquotas: I - 2% (dois por cento) sobre sua
receita bruta, estabelecida segundo o disposto no $ 1º do art. 1º do Decreto-lei nº 1.940,
de 25 de maio de 1982, com a redação dada pelo art. 22, do Decreto-lei nº 2.397, de 21
de dezembro de 1987, e alterações posteriores; II - 10% (dez por cento) sobre o lucro lí-
quido do período-base, antes da provisão para o Imposto de Renda, ajustado na forma do
art. 2º da Lei nº 8.034, de 12 de abril de 1990. $ 1º No caso das instituições citadas no 8
1º do art. 22 desta Lei, a alíquota da contribuição prevista no inciso II é de 15% (quinze
por cento).” (Foram suprimidos da transcrição os dispositivos relativos ao regime espe-
cífico outorgado às associações desportivas, à agroindústria, entre outros, por não inte-
ressarem à presente análise)
270 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

cial de seu sujeito passivo, excluindo as entidades beneficentes de assistência


social que cumpram os requisitos previstos na Lei nº 8.212/91.
É mais um motivo, dentre os outros já explanados quando avaliado o regi-
me de imunidade tributária a que fazem jus as entidades beneficentes de assis-
tência social, para que se compreenda o artigo 55 da Lei nº 8.212/91 como ver-
dadeira norma de isenção tributária, não a confundindo com a instituição de re-
quisitos para a fruição da imunidade tributária do artigo 195, $ 7º da Constitui-
ção Federal.
Isto porque o artigo 55 afasta tão-somente algumas contribuições para a
seguridade social das atividades das entidades beneficentes de assistência social
a que faz referência. Afasta, tão-só, por opção política traduzida pela via legis-
lativa, a cota patronal, a Contribuição ao SAT, a Cofins e a CSLL, restando si-
lente quanto às outras contribuições para a seguridade social.
Como se sabe, a imunidade tributária do artigo 195, 8 7º afasta das entida-
des beneficentes de assistência social qualquer contribuição para a seguridade
social. O artigo 55 da Lei nº 8.212/91, ao se referir exclusivamente a determina-
das contribuições, dá mostras, novamente, de se tratar de norma jurídica tribu-
tária isencional, e assim deve ser tratada.
Desta forma, o que se observa é que além de as entidades de assistência
social fazerem jus ao regime de imunidade tributária insculpido na Constituição
Federal em seu artigo 195, $ 7º antes analisado, também gozam de regime de
isenção tributária instituído pelo artigo 55 da Lei nº 8.212/91. Passemos, então,
à avaliação dos requisitos exigidos paraa fruição do benefício da isenção tribu-
tária ora em referência.

11.1.1. Requisitos para a fruição do regime de isenção tributária previsto no


artigo 55 da Lei nº 8.212/91
Para a fruição da isenção tributária à cota patronal, à Cofins, à CSLL e à
Contribuição ao SAT, estabelecida pelo artigo 55 da Lei nº 8.212/91 em favor
das entidades beneficentes de assistência social, faz-se mister a análise dos re-
quisitos cumulativos exigidos pela lei ordinária, que são trazidos pelos incisos
que seguem o caput do artigo 55, in verbis:
“Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta
Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguin-
tes requisitos cumulativamente:
I- seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do
Distrito Federal ou municipal;
II - seja portadora do Registro e do Certificado de Entidade Beneficente
de Assistência Social, fornecidos pelo Conselho Nacional de Assistên-
cia Social, renovado a cada três anos; (Redação dada pela Medida Pro-
visória nº 2.187-13, de 24/08/2001) -
HI - promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social
beneficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, ido-
Leandro MARINS DE SOUZA oia

sos e portadores de deficiência; (Redação dada pela Lei nº 9.732, de


11/12/1998)”
IV - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou
benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qual-
quer título;
V - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manuten-
ção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais apresentando,
anualmente ao órgão do INSS competente, relatório circunstanciado de
suas atividades. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10/12/1997)
8 1? Ressalvados os direitos adquiridos, a isenção de que trata este arti-
go será requerida ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, que terá
o prazo de 30 (trinta) dias para despachar o pedido.
$ 2º A isenção de que trata este artigo não abrange empresa ou entidade
que, tendo personalidade jurídica própria, seja mantida por outra que
esteja no exercício da isenção.
8 3º Para os fins deste artigo, entende-se por assistência social beneficente
a prestação gratuita de benefícios e serviços a quem dela necessitar. (Pa-
rágrafo incluído pela Lei nº 9.732/98, de 11/12/1998)
$ 4º O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS cancelará a isenção
se verificado o descumprimento do disposto neste artigo. (Parágrafo in-
cluído pela Lei nº 9.732/98, de 11/12/1998)
$ 5º Considera-se também de assistência social beneficente, para os fins
deste artigo, a oferta e a efetiva prestação de serviços de pelo menos ses-
senta por cento ao Sistema Único de Saúde, nos termos do regulamento.
(Parágrafo incluído pela Lei nº 9.732/98, de 11/12/1998)”
8 6ºA inexistência de débitos em relação às contribuições sociais é con-
dição necessária ao deferimento e à manutenção da isenção de que trata
este artigo, em observância ao disposto no $ 3º do art. 195 da Constituição.
(Parágrafo incluído pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 24/08/2001)”

571 O dispositivo anterior tinha a seguinte redação: “III - promova a assistência social bene-
ficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas
carentes”. No entanto, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a vigência da alteração
promovida pela Lei nº 9.732/98 a este dispositivo, no julgamento liminar da Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 2.028-5, de 20/11/1998 (decisão já transcrita anteriormente).
Por estarmos considerando o artigo 55 da Lei nº 8.212/91 como regime de isenção tribu-
tária, desconsideraremos o julgamento do STF por ter julgado o dispositivo inconstitucio-
nal com base na limitação imposta ao regime de imunidade tributária previsto no artigo
195, 8 7º da Constituição Federal de 1988.
533 Os 88 3º, 4º e 5º da Lei nº 8.212/91 foram incluídos pela Lei nº 9.732/98 e julgados in-
constitucionais, liminarmente, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 2.028-5, de 20 de novembro de 1998 (decisão já trans-
crita anteriormente). Por estarmos considerando o artigo 55 da Lei nº 8.212/91 como re-
gime de isenção tributária, desconsideraremos o julgamento do STF por ter julgado o dis-
positivo inconstitucional com base na limitação imposta ao regime de imunidade tribu-
tária previsto no artigo 195, 8 7º da Constituição Federal de 1988.
272 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Com base nestes dispositivos são extraídos os requisitos exigidos das enti-
dades beneficentes de assistência social para a fruição da isenção tributária que
pelo artigo 55 da Lei nº 8.212/91 lhes é destinada, e que são os seguintes:

a) Reconhecimento da utilidade pública federal e estadual ou do Distrito


Federal ou municipal da entidade
O inciso I do artigo 55, portanto o primeiro requisito para o gozo da isen-
ção instituída pela lei ordinária, determina que a entidade seja reconhecida como
de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal. É
bastante claro o intuito deste inciso, que é o de comprovar o caráter de assisten-
cialidade e beneficência da entidade para fins de fruição do benefício da isen-
ção fiscal.
Também imprescindível à presente etapa do trabalho a verificação dos re-
quisitos exigidos das entidades para que seja reconhecida como de utilidade
pública federal.
A concessão deste título, como já visto, está prevista pela Lei nº 91, de 28
de agosto de 1935, que por sua vez é regulamentada pelo Decreto nº 50.517, de
2 de maio de 1961. Na lei estão previstas as regras pelas quais são as socieda-
des declaradas de utilidade pública, quais sejam, em síntese e em sua redação
atual, a aquisição de personalidade jurídica, estarem em efetivo funcionamento
e servirem desinteressadamente à coletividade e não remunerarem os cargos de
sua diretoria.
Por sua vez, o Decreto nº 50.517, de 2 de maio de 1961, que regulamenta
a Lei nº 91, de 28 de agosto de 1935, que dispõe sobre a declaração de utilida-
de pública, enumera os seguintes requisitos, que são repetidos por oportuno:
“Art. 2º O pedido de declaração de utilidade pública será dirigido ao Pre-
sidente da República, por intermédio do Ministério da Justiça e Negó-
cios Interiores, provados pelo requerente os seguintes requisitos:
a) que se constituiu no país;
b) que tem personalidade jurídica;
Cc) que esteve em efetivo e contínuo funcionamento, nos três [anos] ime-
diatamente anteriores, com a exata observância dos estatutos;
d) que não são remunerados, por qualquer forma, os cargos de diretoria
e que não distribui lucros, bonificados ou vantagens a dirigentes, man-
tenedores ou associados, sob nenhuma forma ou pretextos;
e) que, comprovadamente, mediante a apresentação de relatórios circuns-
tanciados dos três anos de exercício anteriores à formulação do pedido,
promove a educação ou exerce atividades de pesquisas científicas, de
cultura, inclusive artísticas, ou filantrópicas, estas de caráter geral ou
indiscriminado, predominantemente;
f) que seus diretores possuem folha corrida e moralidade comprovada;
£) que se obriga a publicar, semestralmente, a demonstração da receita
obtida e da despesa realizada no período anterior”
LeanDRO MARINS DE SOUZA 273

Para obtenção do título de utilidade pública federal, portanto, a entidade


beneficente de assistência social deverá comprovar todos estes requisitos e, as-
sim, somados aos outros requisitos que serão avaliados adiante, gozar do regi-
me de isenção tributária previsto no artigo 55 da Lei nº 8.212/91. Imediatamen-
te, diga-se, a entidade ainda deverá obter título de utilidade pública estadual,
municipal ou do Distrito Federal.”

b) Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social fornecido pelo


Conselho Nacional da Assistência Social
Em seguida, o inciso II exige que a entidade seja portadora do Registro e
do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, fornecidos pelo
Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos. Resta sa-
ber quais são os requisitos para a obtenção do Certificado de Entidade Benefi-
cente de Assistência Social do CNAS.” Esta incumbência ficou a cargo, inicial-
mente, do Decreto nº 752, de 17 de fevereiro de 1993, revogado posteriormente
pelo Decreto nº 2.536, de 6 de abril de 1998, que regulamenta a Lei nº 8.742, de
7 de dezembro de 1993, a chamada Lei Orgânica da Assistência Social.
Em sua redação atual, que contém alterações do Decreto nº 3.504, de 13
de junho de 2000, e do Decreto nº 4.499, de 4 de dezembro de 2002, o artigo 3º
do Decreto nº 2.536/1998 estabelece como requisitos para a expedição do Cer-
tificado de Entidade Beneficente de Assistência Social,*º cumulativamente:
“[ - estar legalmente constituída no País e em efetivo funcionamento nos
três anos anteriores à solicitação do Certificado;
II- estar previamente inscrita no Conselho Municipal de Assistência So-
cial do município de sua sede se houver, ou no Conselho Estadual de
Assistência Social, ou Conselho de Assistência Social do Distrito Fede-
ral;
III- estar previamente registrada no CNAS;
IV - aplicar suas rendas, seus recursos e eventual resultado operacional
integralmente no território nacional e manutenção e no desenvolvimen-
to de seus objetivos institucionais;
V - aplicar as subvenções e doações recebidas nas finalidades a que es-
tejam vinculadas;
VI - aplicar anualmente, em gratuidade, pelo menos vinte por cento da
receita bruta proveniente da venda de serviços, acrescida da receita de-

s3 Deixaremos de analisar estas normas por já o termos feito em capítulo próprio.


pormeno-
s% Apesar de já termos nos manifestado sobre o assunto, imprescindível a análise
rizada neste capítulo.
artigo 3º, 88 2º
57: a
O CEBAS tem validade de três anos e sua renovação é permitida, conforme
de três anos, a
e 3º: “8 2º O Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos terá validade
deferimento de
contar da data da publicação no Diário Oficial da União da resolução de
quando can-
sua concessão, permitida sua renovação, sempre por igual período, exceto
8 3º Des-
celado em virtude de transgressão de norma que regulamenta a sua concessão.
amente requerida a renovação, à validade do Certificad o contará da data
de que tempestiv
do termo final do Certificado anterior.”
274 TriBuTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

corrente de aplicações financeira, de locação de bens, de venda de bens


não integrantes do ativo imobilizado e de doações particulares, cujo
montante nunca será inferior à isenção de contribuições sociais usufruí-
da;
VIH - não distribuir resultados, dividendos, bonificações, participações ou
parcelas do seu patrimônio, sob nenhuma forma ou pretexto;
VIII - não perceberem seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores,
benfeitores ou equivalente remuneração, vantagens ou benefícios, direta
ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competên-
cias, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos
atos constitutivos;
IX - destinar, em seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou ex-
tinção, o eventual patrimônio remanescente a entidades congêneres re-
gistradas no CNAS ou a entidade pública;
X - não constituir patrimônio de indivíduo ou de sociedade sem caráter
beneficente de assistência social;
XI - seja declarada de utilidade pública federal”.
Como se observa, o preenchimento dos requisitos para a expedição do Cer-
tificado de Entidade Beneficente de Assistência Social é tarefa tortuosa para as
entidades beneficentes. É neste locus - desde a edição do Decreto nº 752/1993 -
que se exige a famosa destinação de pelo menos 20% da receita total da entida-
de em gratuidade. Esta gratuidade, além do mais, deve ser permanente e sem
discriminação da clientela, nos termos do $ 1º do artigo 3º do referido Decre-
to.º76 É exigência que, como já dissemos anteriormente, não tem a menor condi-
ção de prosperar em cotejo com o regime de imunidade tributária insculpido no
artigo 195, $ 7º da Constituição Federal. Pode, somente, ser exigido no bojo da
concessão de isenção às entidades beneficentes de assistência social.
Mas não são somente estes os requisitos para a expedição do Certificado,
com vistas ao enquadramento no regime de isenção tributária previsto no artigo
55 da Lei nº 8.212/91. Aliás, a instituição de saúde não deverá alcançar os 20%
da receita bruta em gratuidade, mas sim deverá ofertar percentual mínimo de 60%
de seus atendimentos ao Sistema Único de Saúde,” entre outros requisitos”? que

*8 “8 1º O Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos somente será fornecido a entidade


cuja prestação de serviços gratuitos seja permanente e sem qualquer discriminação de
clientela, de acordo com o plano de trabalho de assistência social apresentado e aprova-
do pelo CNAS.”
7 Lei nº 8.212/91, artigo 55 (redação dada pela Lei nº 9.732/98 e afastada pela ADIn nº
2.028-5): “8 5º Considera-se também de assistência social beneficente, para os fins deste
artigo, a oferta e a efetiva prestação de serviços de pelo menos sessenta por cento ao Sis-
tema Único de Saúde, nos termos do regulamento.”
58 Decreto nº 2.536/98, art. 3º: “(..) 84º A instituição de saúde deverá, em substituição ao
requisito do inciso VI, ofertar a prestação de todos os seus serviços ao SUS no percentual
mínimo de sessenta por cento, e comprovar, anualmente, o mesmo percentual em inter-
nações realizadas, medida por paciente-dia, ou ser definido pelo Ministério da Saúde como
hospital estratégico, a partir de critérios estabelecidos na forma de decreto específico.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 275

se afastam definitivamente do regime de imunidade tributária. De qualquer for-


ma, é sempre bom recordar que estamos a tratar de isenção tributária, e que por-
tanto a pessoa política competente pode não somente alterar os requisitos para
a concessão do benefício mas propriamente revogá-lo, se assim entender.
Além destes requisitos insculpidos no artigo 3º, o artigo 4º do Decreto prevê
a necessidade de a entidade apresentar ao CNAS inúmeros documentos contá-
beis, como visto em capítulo anterior. E como já dissemos em trabalho anterior,

8 5º O atendimento no percentual mínimo de que trata o $ 4º pode ser individualizado por


estabelecimento ou pelo conjunto de estabelecimentos de saúde da instituição.
8 6º A declaração de hospital estratégico não é extensiva aos demais estabelecimentos da
instituição.
8 7º A instituição de saúde deverá informar, obrigatoriamente, ao Ministério da Saúde,
por meio de Comunicação de Internação Hospitalar - CIH, a totalidade das internações
realizadas para os pacientes não usuários do SUS.
$ 8º A instituição de saúde que presta serviços exclusivamente na área ambulatorial, de-
verá, em substituição ao requisito do inciso VI, comprovar anualmente a prestação des-
tes serviços ao SUS no percentual mínimo de sessenta por cento.
$ 9º Quando a disponibilidade de cobertura assistencial da população pela rede pública
de uma determinada área for insuficiente, os gestores do SUS deverão observar, para a
contratação de serviços privados, a preferência de participação das entidades beneficen-
tes de assistência social e as sem fins lucrativos.
$ 10. Havendo impossibilidade, declarada pelo gestor local do SUS, na contratação dos
serviços de saúde da instituição no percentual mínimo estabelecido nos termos do $ 4º
ou do 3 8º, deverá ela comprovar atendimento ao requisito de que trata o inciso VI, da
seguinte forma:
I - integralmente, se o percentual de atendimento ao SUS for inferior a trinta por cento;
II - com cinqiienta por cento de redução no percentual de aplicação em gratuidade, se o
percentual de atendimento ao SUS for igual ou superior a trinta por cento; ou
HI - com setenta e cinco por cento de redução no percentual de aplicação em gratuidade,
se o percentual de atendimento ao SUS for igual ou superior a cingienta por cento ou se
completar o quantitativo das internações hospitalares, medido por paciente-dia, com aten-
dimentos gratuitos devidamente informados por meio de CIH, não financiados pelo SUS
ou por qualquer outra fonte.
$ 11. Tratando-se de instituição que atue, simultaneamente, nas áreas de saúde e de as-
sistência social ou educacional, deverá ela atender ao disposto no inciso VI, ou ao per-
centual mínimo de serviços prestados ao SUS pela área de saúde e ao percentual daquele
em relação às demais.
$ 12. Na hipótese do $ 11, não serão consideradas, para efeito de apuração do percentual
da receita bruta aplicada em gratuidade, as receitas provenientes dos serviços de saúde.
$ 13. O valor aplicado em gratuidade na área de saúde, quando não comprovado por meio
de registro contábil específico, será obtido mediante a valoração dos procedimentos rea-
lizados com base nas tabelas de pagamentos do SUS.
$ 14. Em hipótese alguma será admitida como aplicação em gratuidade a eventual dife-
rença entre os valores pagos pelo SUS e os preços praticados pela entidade ou pelo mer-
cado.
$ 15. Revogado pelo Decreto nº 4.499, de 04 de dezembro de 2002.
& 16. Não serão considerados os valores relativos a bolsas custeadas pelo Fundo de Fi-
nanciamento ao Estudante do Ensino Superior - FIES ou resultantes de acordo ou con-
venção coletiva de trabalho, para os fins de cálculo da gratuidade, de que trata o inciso
VI deste artigo.”
276 TriButaçÃo DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

“o requisito da demonstração de obtenção do Certificado do CNAS vai


bastante além da mera intenção de comprovação da condição de entida-
de de assistência social. Implicitamente, por se tratarem de requisitos para
a obtenção do Certificado, estão a imposição de que a entidade não te-
nha fins lucrativos, não distribua seus rendimentos (superavit) a qualquer
título, aplique seus rendimentos exclusivamente no país e em seus obje-
tivos assistenciais, e destine seu patrimônio a entidade assistencial em
caso de extinção. >”
Este é, atualmente, o regime jurídico para a obtenção do Certificado de
Entidade Beneficente de Assistência Social expedido pelo Conselho Nacional de
Assistência Social, completando a exigência do artigo 55, II, da Lei nº 8.212/91
para a fruição do regime de isenção tributária nele previsto.

c) Promoção gratuita da assistência social


Outro requisito previsto expressamente para a fruição da isenção tributária
à cota patronal, à Cofins, à CSLL e à Contribuição ao SAT está insculpido no
artigo 55, III. Já era parcialmente exigida pela necessidade de obtenção do Cer-
tificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, e agora passa a ser inte-
gralmente exigida a gratuidade dos serviços prestados pela entidade. O disposi-
tivo exige que a entidade “promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a as-
sistência social beneficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adoles-
centes, idosos e portadores de deficiência”. Do disposto neste inciso deriva de-
finição insculpida no $ 3º do artigo 55, ao estabelecer que “entende-se por as-
sistência social beneficente a prestação gratuita de benefícios e serviços a quem
dela necessitar”.
O que importa, além de mostrar o requisito paraa fruição do regime de isen-
ção ora em comento, é dizer que a entidade que observe este requisito será, sem
dúvida alguma, por todo o já exposto neste trabalho e pelo que dispõe o próprio
dispositivo, entidade beneficente de assistência social, e a posteriori explicare-
mos o porquê desta ressalva.

d) Inexistência de remuneração ou recebimento de benefícios por parte dos


dirigentes
O inciso IV do artigo 55 proíbe a remuneração ou quaisquer tipos de van-
tagens ou benefícios dados aos dirigentes das entidades para que sejam consi-
deradas isentas. É restrição que, como já comentado quando da análise do arti-
go 195, 8 7º, da Constituição Federal, não existe para a fruição da imunidade
tributária lá prevista; é, desta forma, mais ampla que a exigência para o gozo da
imunidade. O dirigente deve estar prestando serviços pelo simples prazer de aju-

*” SOUZA, Leandro Marins de. Tributação das entidades beneficentes de assistência social:
todas as entidades isentas são imunes? in Tributação e sigilo bancário & tributação e
Terceiro Setor, coleção Tributação em debate, livro 4, coord. James Marins, Curitiba :
Juruá, 2002, p. 57.
LeanDRO MARINS DE SOUZA 277

dar, não estando a exigência adstrita à questão da não-distribuição de lucros, mas


abarcando toda e qualquer remuneração, inclusive pelo seu cargo de dirigente.

e) Aplicação do superavit em prol de seus objetivos institucionais, prestando


contas ao INSS
Por fim, o inciso V do artigo 55 da Lei nº 8.212/91, a exemplo do artigo
14, II do Código Tributário Nacional, prevê a obrigatoriedade de que todo o su-
peravit alcançado pela entidade seja revertido para seus objetivos institucionais,
quer dizer, que todos os valores recebidos pela entidade sejam revertidos para a
finalidade a que se presta, uma vez que, impossibilitada de prestar serviços one-
rosos, a única forma de alcançar receita é mesmo a doação.
Podem ser considerados, portanto, requisitos para a fruição da isenção tri-
butária instituída pelo artigo 55 da Lei nº 8.212/91, além da necessidade de re-
querimento da isenção para o INSS*º: a) reconhecimento da utilidade pública
da entidade; b) a obtenção do Certificado de Entidade Beneficente de Assistên-
cia Social fornecido pelo Conselho Nacional da Assistência Social; c) a promo-
ção gratuita da assistência social; d) a inexistência de remuneração ou recebi-
mento de benefícios por parte de seus dirigentes; e) a aplicação do superavit em
prol de seus objetivos institucionais, prestando contas ao INSS. Isto sem falar
nos novos requisitos criados pelo Decreto nº 3.048/99, especialmente em seus
artigos 206 a 210, que por sua extensão e inutilidade frente ao que será exposto
deixaremos de analisar propositadamente.
Através da instituição destes requisitos, o artigo 55 da Lei nº 8.212/91 pre-
tendeu instituir regime de isenção tributária às entidades beneficentes de assis-
tência social, em relação à cota patronal devida ao INSS, à Cofins, à CSLL e à
Contribuição ao SAT.
Todas estas contribuições, como já visto, são contribuições para a seguri-
dade social, donde se observa que o regime de isenção previsto na Lei nº 8.212/91
só teria justificativa para aquelas entidades beneficentes de assistência social que
não se enquadrassem nos requisitos exigidos para a fruição da imunidade tribu-
tária a contribuição para a seguridade social insculpida no artigo 195, 8 7º da
Constituição Federal de 1988.
Já enumeramos os requisitos para a fruição da imunidade tributária inscul-
pida no artigo 195, $ 7º da Constituição Federal, em consonância com oartigo
14 do Código Tributário Nacional, quais sejam: a) serem instituições beneficen-
tes de assistência social; b) não apresentarem fins lucrativos; c) não distribuírem
qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; d) apli-
carem integralmente no país os seus recursos; e) que os recursos sejam utiliza-
dos exclusivamente na manutenção dos seus objetivos institucionais; f) mante-
rem a escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formali-
dades capazes de assegurar sua exatidão.
so Tej nº 8.212/91, artigo 55: “8 1º Ressalvados os direitos adquiridos, a isenção de que tra-
ta este artigo será requerida ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, que terá o prazo
de 30 (trinta) dias para despachar o pedido.”
278 TriButaçÃo DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Desta forma, só há lógica de se estabelecer regime de isenção tributária para


as entidades beneficentes de assistência social que não se enquadrem nos requi-
sitos acima enumerados. Para quem não se enquadrasse nos requisitos para a
fruição da imunidade tributária do artigo 195, $ 7º da Constituição, que é ampla
e abrange todas as contribuições para a seguridade social, a legislação ordinária
preveria regime de isenção tributária. Foi o que fez, instituindo, através do arti-
go 55 da Lei nº 8.212/91, a isenção à cota patronal, à Cofins, à CSLL e à Con-
tribuição ao SAT.
No entanto, ao enumerar os requisitos para a fruição do regime de isenção
tributária previsto no artigo 55 da Lei nº 8.212/91, sua regulamentação foi além
dos próprios requisitos exigidos para fruição da imunidade tributária. Sendo mais
amplos os requisitos da isenção do que aqueles previstos para a imunidade, a
única conclusão a que se chega é a de que a isenção tributária prevista no artigo
55 da Lei nº 8.212/91 é inócua, inútil.
Toda entidade beneficente de assistência social que observe os requisitos
para a fruição desta isenção já será, por força da aplicação do artigo 195, $ 7º da
Constituição Federal de 1988 e do artigo 14 do Código Tributário Nacional,
imune a contribuição para a seguridade social.
Conclui-se, ao se observar o regime de isenção tributária estabelecido pelo
artigo 55 da Lei nº 8.212/91, que o mesmo não apresenta finalidade prática al-
guma, sendo esvaziado em virtude de exigir requisitos extravagantes àqueles
requisitos constitucionais e infraconstitucionais regentes do regime da imunidade
tributária prevista no artigo 195, $ 7º da Constituição Federal de 1988.

*1 Já havíamos chegado a esta conclusão em oportunidade anterior (SOUZA, Leandro Ma-


rins de. Tributação das entidades beneficentes de assistência social: todas as entidades
isentas são imunes? in Tributação e sigilo bancário & tributação e Terceiro Setor, cole-
ção Tributação em debate, livro 4, coord. James Marins, Curitiba : Juruá, 2002, pp. 64/66):
“Desta forma, verdadeiramente os requisitos para a isenção tributária prevista no artigo
55 da Lei nº 8.212/91, em virtude de suprirem, por si só, os requisitos para a imunidade
tributária prevista no artigo 195, $ 7º da Constituição Federal, acabam por prescindir de
finalidade prática. Ora, se a entidade, cumprindo os requisitos para a isenção, cumpre os
requisitos para a imunidade, automaticamente estará gozando do regime da imunidade
tributária - que, lembre-se, é mais do que a isenção - e, por via de conseqiiência, estarão
afastados os requisitos da isenção tributária que extravasem aqueles da imunidade. Ou seja,
chega-se a uma conclusão bastante lógica, que é o fato de que a entidade somente neces-
sitará cumprir os requisitos da imunidade para gozar da imunidade. No entanto, desta
conclusão decorre outra que, não obstante também nos parecer bastante lógica, acaba por
derrocar o regime de isenção tributária insculpido no artigo 55 da Lei nº 8.212/91, ao se
perceber que a entidade que cumpra com seus requisitos, em verdade, estará apta a gozar
do regime de imunidade tributária. (...) No entanto, apesar da distinção dos regimes o que
se demonstra através do presente ensaio é que os requisitos para a fruição da isenção tri-
butária são mais amplos que os requisitos para o gozo da imunidade tributária por parte
das entidades beneficentes de assistência social. Desta forma, o que se demonstra é que
qualquer entidade que se enquadre no regime de isenção tributária insculpido no artigo
55 da Lei nº 8.212/91 estará cumprindo com os requisitos para a fruição da imunidade
tributária insculpida no artigo 195, $ 7º da Constituição Federal, logo será imune.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 279

11.2. Isenção Tributária ao Imposto de Renda e à Contribuição Social


sobre o Lucro Líquido das Instituições de Caráter Filantrópico,
Recreativo, Cultural e Científico e Associações Civis (artigo 15 da Lei nº
9.532/97)
Outra isenção tributária relacionada com atividades desenvolvidas por en-
tidades que podem ser consideradas do Terceiro Setor está prevista no artigo 15
da Lei nº 9.532/97, a mesma lei que estabeleceu, em seu artigo 12, requisitos
inconstitucionais para a fruição da imunidade tributária a impostos das institui-
ções de educação e de assistência social.
Referido diploma legal institui isenção tributária relativa ao imposto de
renda e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido em favor de instituições
de caráter filantrópico, cultural e científico, bem como de associações civis,
estabelecendo requisitos a serem por elas observados, nos seguintes termos:
“Art. 15. Consideram-se isentas as instituições de caráter filantrópico, re-
creativo, cultural e científico e as associações civis que prestem os ser-
viços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposi-
ção do grupo de pessoas a que se destinam, sem fins lucrativos.”
Ao conformar a regra-matriz de incidência do imposto de renda e da Con-
tribuição Social sobre o Lucro Líquido, suprimindo parcela do conteúdo refe-
rente aos seus sujeitos passivos, a Lei nº 9.532/97 isenta as instituições a que se
refere seu artigo 15, observados determinados requisitos. Mas, primeiramente,
vale ressaltar que a destinação da isenção ora em comento aproxima-se em muito
da destinação das imunidades tributárias previstas nos artigos 150, VI, “c” e 195,
$ 7º da Constituição Federal de 1988, em determinadas hipóteses, sem dúvida,
identificando-se com estas.
O que se quer dizer é o seguinte: a isenção tributária prevista no artigo 15
visa a afastar, por assim dizer, a incidência de imposto de renda e contribuição
social sobre o lucro líquido das atividades de instituições de caráter filantrópi-
co, recreativo, cultural, científico e associações civis, ao passo que a imunidade
tributária do artigo 150, VI, “c”” da Constituição Federal de 1988 impede a insti-
tuição de imposto de renda que incida sobre as instituições de educação e de
assistência social e a imunidade tributária do artigo 195, 8 7º da Constituição
Federal de 1988 impede a instituição de contribuição social sobre o lucro líqui-
do das entidades beneficentes de assistência social. Em determinadas hipóteses,
portanto, pode acontecer de referidas imunidades abarcarem atividades de ins-
tituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico e associações ci-
vis, caso se configurem como instituições de educação ou de assistência social
e preencham os requisitos dos artigos 150, VI, “c” e 195, 7º da Constituição
Federal e do artigo 14 do Código Tributário Nacional.

582 Lei nº 9.532/97, artigo 15: “8 1º A isenção a que se refere este artigo aplica-se, exclusi-
vamente, em relação ao imposto de renda da pessoa jurídica e à contribuição social sobre
o lucro líquido, observado o disposto no parágrafo subsequente.”
58 Discordamos da afirmação de Eduardo Szazi (Terceiro setor: regulação no Brasil, 3º ed.,
São Paulo : Peirópolis, 2003, p. 54), no sentido de que “de acordo com o artigo 15 da Lei
280 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

De qualquer forma, não sendo o caso, a isenção em comento tem plena


aplicação à sua destinação. E para isso deverão ser, primeiramente, instituições
de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico ou associação civil. Depois,
deverão prestar os serviços para os quais foram instituídas para o grupo de pes-
soas a que se destinam. E, ainda, não poderão ter fins lucrativos. Para a caracte-
rização do preenchimento destes requisitos, o artigo 15, $ 3º da Lei nº 9.532/97
faz remissão ao já conhecido artigo 12, exigindo para a fruição da isenção tri-
butária o seguinte:
“$ 2º Para o gozo da imunidade, as instituições a que se refere este arti-
go, estão obrigadas a atender aos seguintes requisitos: a) não remunerar,
por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados; b) aplicar
integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus
objetivos sociais; c) manter escrituração completa de suas receitas e des-
pesas em livros revestidos das formalidades que assegurem a respectiva
exatidão; d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado
da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas
receitas e a efetivação de suas despesas, bem assima realização de quais-
quer outros atos ou operações que venham a modificar sua situação pa-
trimonial; e) apresentar, anualmente, Declaração de Rendimentos, em
conformidade com o disposto em ato da Secretaria da Receita Federal. (...)
8 3º Considera-se entidade sem fins lucrativos a que não apresente su-
perávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício,
destine referido resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvol-
vimento dos seus objetivos sociais.
Art. 13. Sem prejuízo das demais penalidades previstas na lei, a Secre-
taria da Receita Federal suspenderá o gozo da imunidade a que se refere
o artigo anterior, relativamente aos anos-calendário em quea pessoa ju-
rídica houver praticado ou, por qualquer forma, houver contribuído para
a prática do ato que constitua infração a dispositivo da legislação tribu-
tária, especialmente no caso de informar ou declarar falsamente, omitir
ou simular o recebimento de doações em bens ou em dinheiro, ou de

9.532/97, os requisitos para o gozo da isenção são rigorosamente os mesmos previstos para
as entidades imunes”, haja vista que a isenção tributária em comento requer a observân-
cia, à toda evidência, de diversos requisitos instituídos pela Lei nº 9.532/97, inclusive no
seu artigo 12, já afastado em momento anterior do presente trabalho como lei competen-
te para a instituição de requisitos para a fruição da imunidade tributária. Portanto, os re-
quisitos para a isenção tributária são mais extensos que os requisitos para a imunidade
tributária, estes estando previstos na Constituição Federal e no Código Tributário Nacio-
nal. Concordamos, no entanto, com a conclusão do mesmo autor (op. cit., p. 54), ao di-
zer que a proximidade (que para ele significa identidade) de regimes jurídicos “tem con-
tribuído para gerar confusão no setor quanto à origem do direito de não pagar imposto de
renda.”
584
Lei nº 9.532/97, artigo 15: “8 3º Às instituições isentas aplicam-se as disposições do art.
12, 8 2º, alíneas a" a *e' e $3º e dos arts. 13 e 14.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 281

qualquer forma cooperar para que terceiro sonegue ou pratique ilícitos


fiscais.
Art. 14. À suspensão do gozo da imunidade aplica-se o disposto no art.
32 da Lei nº 9.430, de 1996.”
Remetemo-nos ao capítulo destinado à análise da Lei nº 9.532/97 no con-
texto das imunidades tributárias para fins de se compreender o quanto exigido
nestes dispositivos, com a ressalva de que neste contexto - o da isenção tributá-
ria - não há inconstitucionalidade a ser profligada.
Outra opção política do ente tributante quando da instituição desta isenção
tributária foi com relação a sua abrangência, sendo expresso em excluir da isen-
ção os rendimentos e ganhos de capital oriundos de aplicações financeiras: “$ 2º
Não estão abrangidos pela isenção do imposto de renda os rendimentos e gan-
hos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda
variável?”
À instituição da isenção tributária prevista no artigo 15 da Lei nº 9.532/97
fez revogar expressamente, em seu artigo 18, isenção ao imposto de renda ante-
riormente concedida pelo artigo 30 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de
1964, às sociedades e fundações de caráter beneficente, filantrópico, caritati-
vo, religioso, educativo, cultural, instrutivo, científico, artístico, literário, recre-
ativo e esportivo e às associações e sindicatos que tenham por objeto cuidar dos
interesses de seus associados.*8º
No entanto, a revogação abrangeu tão-somente algumas destas entidades,
a saber, as educacionais, as de assistência à saúde, as de administração de pla-
nos de saúde, as de prática desportiva de caráter profissional e as de administra-
ção do desporto,
*” sem prejuízo da própria isenção instituída no artigo 15 da Lei
89.532/97.

*8s Lei nº 4.506/64: “Art. 30. As sociedades, associações e fundações referidas nas letras a e
b do art. 28 do Decreto-lei nº 5.844, de 23 de setembro de 1943, gozarão de isenção do
imposto de renda, desde que: I - Não remunerem os seus dirigentes e não distribuam lu-
cros, a qualquer título; II - Apliquem integralmente os seus recursos na manutenção e
desenvolvimento, dos objetivos sociais; II - Mantenham escrituração das suas receitas e
despesas em livros revestidos das formalidades que assegurem a respectiva exatidão;
IV - Prestem à administração do imposto as informações determinadas pela lei e recolham
os tributos arrecadados sobre os rendimentos por elas pagos.”
586 Decreto-lei nº 5.844/43: “Art. 28 Estão isentas do imposto de renda: a) as sociedades e
fundações de caráter beneficente, filantrópico, caritativo, religioso, educativo, cultural,
instrutivo, científico, artístico, literário, recreativo e esportivo; b) as associações e sindi-
catos que tenham por objeto cuidar dos interesses, de seus associados.”
587 Lei nº 9.532/97: “Art. 18. Fica revogada a isenção concedida em virtude do art. 30 da Lei
nº 4.506, de 1964, e alterações posteriores, às entidades que se dediquem às seguintes
atividades: I - educacionais; II - de assistência à saúde; III - de administração de planos
de saúde; IV - de prática desportiva, de caráter profissional; V - de administração do des-
porto. Parágrafo único. O disposto neste artigo não elide a fruição, conforme o caso, de
imunidade ou isenção por entidade que se enquadrar nas condições do art. 12 ou do
art. 15%»
282 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Conclui-se, portanto, que para certas entidades não abarcadas pela isenção
prevista no artigo 15 da Lei nº 9.532/97, há hipótese de enquadramento na ain-
da vigente isenção prevista na Lei nº 4.506/64, que passa a ser analisada.

11.3. Isenção Tributária ao Imposto de Renda das Sociedades e


Fundações de Caráter Beneficente, Filantrópico, Caritativo, Religioso,
Educativo, Cultural, Instrutivo, Científico, Artístico, Literário,
Recreativo e Esportivo e das Associações e Sindicatos que tenham por
Objeto cuidar dos Interesses de seus Associados, salvo Entidades
Educacionais, de Assistência à Saúde, de Administração de Planos de
Saúde, de Prática Desportiva de Caráter Profissional e de Administração
do Desporto (artigo 30 da Lei nº 4.506/64, artigo 28 do Decreto-lei nº
5.844/43 e artigo 18 da Lei nº 9.532/97)
Consoante visto no tópico anterior, não obstante o artigo 18 da Lei nº 9.532/97
ter revogado a isenção tributária insculpida no artigo 30 da Lei nº 4.506/64, fê-
lo apenas parcialmente.
Assim, continua vigente a isenção tributária ao Imposto de Renda destina-
da às sociedades e fundações de caráter beneficente, filantrópico, caritativo,
religioso, cultural, instrutivo, científico, artístico, literário, recreativo e espor-
tivo e das associações e sindicatos que tenham por objeto cuidar dos interesses
de seus associados, desde que não sejam educacionais, de assistência à saúde,
de administração de planos de saúde, de prática desportiva de caráter profissio-
nal e de administração do desporto, que foi o objeto específico da revogação.
Estas entidades cujas isenções foram objeto da revogação, no entanto, po-
derão fruir da isenção prevista no artigo 15 da Lei nº 9.532/97, observando os
requisitos nele previstos.
Já as entidades albergadas pela isenção tributária instituída pelo artigo 30
da Lei nº 4.506/64, por sua vez, deverão obedecer aos seguintes requisitos para
se enquadrarem no regime de isenção:
“I - Não remunerem os seus dirigentes e não distribuam lucros, a qual-
quer título;
II - Apliquem integralmente os seus recursos na manutenção e desenvol-
vimento, dos objetivos sociais;
HI - Mantenham escrituração das suas receitas e despesas em livros re-
vestidos das formalidades que assegurem a respectiva exatidão;
IV - Prestem à administração do imposto as informações determinadas
pela lei e recolham os tributos arrecadados sobre os rendimentos por elas
pagos”
São requisitos bastante próximos daqueles estatuídos para a fruição da
imunidade tributária a impostos prevista no artigo 150, VI, “c”, como antes ana-
lisado, mas pode acontecer de, em virtude de seu objeto, uma entidade não se
enquadrar nos conceitos exigidos para a imunidade mas fazer jus ao regime de
isenção. Pode ser o caso, por exemplo, de fundações de cunho recreativo, artís-
tico ou esportivo, que podem não figurar como instituições de educação ou de
LEANDRO MARINS DE SOUZA 283

assistência social, mas que estão albergadas pela isenção tributária em comen-
to.
Vale a ressalva de que as pessoas jurídicas enquadradas na hipótese de isen-
ção em referência a perderão se infringirem o disposto nos incisos I e II acima
referidos,** bem como terão a isenção suspensa por no máximo dois anos se
infringirem a legislação do Imposto de Renda ou colaborarem com qualquer ato
de sonegação de impostos em virtude de suas atividades.” Sendo reincidente,
a pessoa jurídica poderá perder a isenção por prazo indeterminado.
E mais uma hipótese, portanto, de isenção tributária relativa ao imposto de
renda destinada a entidades que se voltem à consecução de objetivos sociais sem
finalidade lucrativa, pertencendo ao Terceiro Setor.

11.4. Isenção Tributária à Contribuição ao Salário-educação das Escolas


Comunitárias, Confessionais ou Filantrópicas, das Organizações de Fins
Culturais e das Organizações Hospitalares e de Assistência Social (artigo 1º
da Lei nº 9.766/98 e artigo 3º do Decreto nº 3.142/99)
Como já foi visto no tópico específico destinado à análise da imunidade
tributária a contribuição para a seguridade social destinada às entidades benefi-
centes de assistência social, por não se caracterizar como contribuição para a
seguridade social, a contribuição ao salário-educação não está abarcada pela imu-
nidade do artigo 195, 8 7º da Constituição Federal de 1988.
O Supremo Tribunal Federal já se definiu quanto à sua natureza jurídica,
entendendo-a como uma contribuição social geral, no julgamento da Ação De-
claratória de Constitucionalidade nº 03, em 1º de dezembro de 1999, já mencio-
nada.
Também foi visto que a contribuição ao salário-educação foi instituída pela
Lei nº 9.424/96 e incide à alíquota de 2,5% sobre a folha de salários do empre-
gador, e por não se tratar de contribuição para a seguridade social não está afas-
tada das atividades das entidades beneficentes de assistência social pela imuni-
dade tributária.
No entanto, em 18 de dezembro de 1998, foi editada a Lei nº 9.766, que
altera a legislação que rege a contribuição ao salário-educação, e dentre outros
dispositivos estabelece hipóteses de isenção de referida contribuição social.”

*88 Lei nº 4.506/1964, artigo 30: “$ 1º As pessoas jurídicas referidas neste artigo que deixarem
de satisfazer às condições constantes dos itens I e II, perderão, de pleno direito, a isenção.”
> Lei nº 4.506/1964, artigo 30: “$ 3º Sem prejuízo das demais penalidades previstas na lei,
a administração do imposto suspenderá, por prazo não superior a dois anos, a isenção de
pessoa jurídica prevista neste artigo que for co-autora de infração a dispositivo da legis-
lação sobre imposto de renda, especialmente no caso de informar ou declarar recebimen-
to de contribuição em montante falso, ou de outra forma cooperar para que terceiro sone-
gue impostos.”
»oº Lei nº 4.506/1964, artigo 30: “$ 4º Nos casos do parágrafo anterior, se a pessoa jurídica
reincidir na infração a autoridade fiscal suspenderá sua isenção por prazo indeterminado.”
91 A Lei nº 9.766/1998 é conversão da Medida Provisória nº 1.607-24, de 19 de novembro
de 1998, que desde sua redação original, na Medida Provisória nº 1.565, de 9 de janeiro
de 1997, previa as hipóteses de isenção tributária ora analisadas.
284 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Estas hipóteses estão previstas no artigo 1º, 8 1º de referida lei, e dentre elas vale
destacar as isenções concedidas às escolas comunitárias, confessionais ou filan-
trópicas, às organizações de fins culturais e às organizações hospitalares e de
assistência social.
Cada uma destas hipóteses recebe tratamento diferenciado pela Lei nº
9.766/98 e seu Decreto regulamentar, de nº 3.142, de 16 de agosto de 1999, que
estabeleceu os requisitos para a fruição da isenção tributária à contribuição ao
salário-educação, motivo pelo qual estudaremos cada uma separadamente.

a) Isenção às escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas


Objeto de previsão conjunta no artigo 1º, 8 1º, IN da Lei nº 9.766/98, a
concessão de isenção destinada às escolas comunitárias, confessionais ou filan-
trópicas está condicionada, além do registro da escola no órgão de educação
competente, ao atendimento do requisito previsto no já analisado artigo 55, II
da Lei nº 8.212/91, qual seja, ser portadora do Registro e do Certificado de En-
tidade Beneficente de Assistência Social, fornecidos pelo Conselho Nacional de
Assistência Social, renovado a cada três anos.*?
E para fazer jus à expedição do Certificado de Entidade Beneficente de
Assistência Social, novo nome dado ao Certificado de Entidade de Fins Filan-
trópicos, referidas escolas deverão comprovar, cumulativamente, todos os requi-
sitos previstos no Decreto nº 2.536/98 para tanto, consoante já analisado.
Além dos requisitos exigidos pelo artigo 3º deste Decreto (vale recordá-los,
em breve síntese: 1) estar legalmente constituída no País; ii) estar em efetivo fun-
cionamento há três anos; iii) estar previamente inscrita no Conselho Municipal,
Estadual ou do Distrito Federal, de Assistência Social; iv) aplicar todos seus
rendimentos e superavit no território nacional e na manutenção de seus objeti-
vos institucionais; v) aplicar as subvenções e doações nas suas finalidades; vi)
aplicar ao menos 20% da receita bruta anual em gratuidade; vii) não efetuar dis-
tribuições a qualquer título; viii) não remunerar seus dirigentes a qualquer títu-
lo; ix) destinar seu patrimônio a entidades congêneres ou a entidade pública em
caso de dissolução ou extinção; x) não constituir patrimônio sem caráter bene-
ficente de assistência social; xi) ser declarada de utilidade pública federal), as

*2 Lei nº 9.766/98: “S 1º Estão isentas do recolhimento da contribuição social do Salário-


educação: (...) III - as escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, devidamente
registradas e reconhecidas pelo competente órgão de educação, e que atendam ao disposto
no inciso II do art. 55 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991; IV - as organizações de
fins culturais que, para este fim, vierem a ser definidas em regulamento; V - as organiza-
ções hospitalares e de assistência social, desde que atendam, cumulativamente, aos requi-
sitos estabelecidos nos incisos Ia V do art. 55 da Lei nº 8.212, de 1991.”
593 É, aliás, como expressamente define o artigo 3º, III, do Decreto nº 3.142/99, que regula-
menta o dispositivo em comento: “Art. 3º Estão isentas do recolhimento da contribuição
social do salário-educação: (...) III - as escolas comunitárias, confessionais ou filantrópi-
cas, devidamente registradas e reconhecidas pelo competente órgão de educação, que
sejam portadoras do Certificado e do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, forne-
cidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 285

escolas deverão se enquadrar nos demais requisitos previstos pelo Decreto nº


2.536/98 e pelo Decreto nº 3.048/99 para a obtenção do Certificado de Entidade
Beneficente de Assistência Social, e portanto gozar da isenção tributária à con-
tribuição ao salário-educação ora em comento.

b) Isenção às organizações de fins culturais


A mesma isenção tributária à contribuição ao salário-educação repousa
sobre as organizações de fins culturais, conforme expressa o artigo 1º, $ 1º, IV
da Lei nº 9.766/98, que remete sua definição ao regulamento. Este - Decreto nº
3.142/99 -, por sua vez, em seu artigo 3º, IV, isenta da contribuição social ao
salário-educação “as organizações de fins culturais, que tenham sido reconheci-
das nos termos dos Decretos nº 76.923, de 26 de dezembro de 1975, e nº 87.043,
de 22 de março de 1982”.
Trata-se, em verdade, da perpetuação do regime de isenção destinado às
organizações de fins culturais assim consideradas por decreto presidencial (ar-
tigo 10, HI, do Decreto nº 76.923/75)** ou por Portaria do Ministro da Educa-
ção e Cultura (artigo 8º, V, do Decreto nº 87.043/82),º% por força dos Decretos
referidos e já revogados em nosso ordenamento jurídico.
É isenção que afeta, tão-somente, às entidades que já tenham sido declara-
das como organização de fins culturais pelos meios acima descritos, e não àaque-
las que não disponham deste título concedido em regime jurídico anterior ao
instaurado pelo artigo 212, 5º da Constituição Federal de 1988, pela Lei nº 9.424/96
e pela Lei nº 9.766/98 e seu respectivo regulamento, o Decreto nº 3.142/99.

c) Isenção às organizações hospitalares e de assistência social


Por fim, as últimas entidades que podem se beneficiar da isenção à contri-
buição ao salário-educação, conforme oartigo 1º, 8 1º, V da Lei nº 9.766/98 são
as organizações hospitalares e de assistência social, complementando o dispo-
sitivo legal que, para tanto, deverão atender, “cumulativamente, aos requisitos
estabelecidos nos incisos I a V do artigo 55 da Lei nº 8.212, de 1991”.
Mais uma vez a isenção à contribuição ao salário-educação remete-se à
observância de requisitos previstos no conturbado dispositivo referido. Mas desta
vez a exigência é ainda mais completa e complexa que aquela dirigida às esco-
las comunitárias, confessionais ou filantrópicas. Estas, como visto, deveriam
tão-somente obter o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social,
de acordo com o artigo 55, II da Lei nº 8.212/91 e seus Decretos regulamenta-
res, de nº 2.536/98 e nº 3.048/99.
4 “Art. 10. São isentas do recolhimento do Salário-educação: (...) II - As organizações de
fins culturais que, por iniciativa do Ministério da Educação e Cultura, em consonância
com a política nacional de cultura, venham a ser reconhecidas, por decreto presidencial,
como de significação relevante para o desenvolvimento cultural do País.”
25 “Art. 8º Estão, respectivamente, excluídas ou isentas do recolhimento da contribuição ao
Salário-educação: (...) V - As organizações de fins culturais que, através de Portaria do
Ministro da Educação e Cultura, venham a ser reconhecidas como de significação rele-
vante para o desenvolvimento cultural do País.”
286 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

No caso das organizações hospitalares e de assistência social, no entanto,


além de obterem o Certificado em referência - cumprindo, portanto, os requisi-
tos para tanto -, deverão cumprir ainda com o disposto nos inciso I, II, IV e V
do artigo 55 da Lei nº 8.212/91, novamente transcritos para fins didáticos:
“I - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do
Distrito Federal ou municipal;
(sa)
HI - promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social
beneficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, ido-
sos e portadores de deficiência;
IV - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou
benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qual-
quer título;
V - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manuten-
ção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais apresentando,
anualmente ao órgão do INSS competente, relatório circunstanciado de
suas atividades”.
Aliás, esta é a exigência expressa do artigo 3º, V do Decreto nº 3.142/99,
que faz questão de enumerar explicitamente os requisitos do artigo 55 a que faz
menção sua lei regente.”
São estas as hipóteses e os respectivos requisitos para a fruição, por enti-
dades pertencentes ao Terceiro Setor, de isenção tributária à contribuição ao sa-
lário-educação.

11.5. Isenção Tributária ao Imposto de Importação e ao Imposto sobre


Produtos Industrializados Destinada às Instituições de Educação e de
Assistência Social (artigo 2º, I, “b” da Lei nº 8.032/90, artigo 1º, IV da Lei
nº 8.402/92 e artigos 135, I, “b” e 245 do Decreto nº 4.543/2002)
Mantendo o descompasso entre a legislação ordinária e a Constituição Fe-
deral em matéria de imunidades tributárias, que tem se mostrado marcadamen-
te no decorrer do presente trabalho, a legislação regente do imposto de importa-
ção estabelece hipótese de isenção destinada às importações realizadas pelas

*s Decreto nº 3.142/99: “Art. 3º Estão isentas do recolhimento da contribuição social do


salário-educação: (...) V - as organizações hospitalares e de assistência social, desde que
atendam, cumulativamente, aos seguintes requisitos: a) sejam reconhecidas como de uti-
lidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal; b) sejam portado-
ras do Certificado e do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecidos pelo Con-
selho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos; c) promovam, gratuita-
mente e em caráter exclusivo, assistência social beneficente a pessoas carentes, em espe-
cial a crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência; d) não percebam seus di-
retores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração e não usufruam
vantagens ou benefícios a qualquer título; e) apliquem integralmente o eventual resulta-
do operacional na manutenção e no desenvolvimento de seus Objetivos institucionais,
apresentando, anualmente, ao órgão do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS com-
petente, relatório circunstanciado de suas atividades.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 287

instituições de educação ou de assistência social.*”” Ademais, estende esta isen-


ção ao imposto sobre produtos industrializados que supostamente incidiria so-
bre a importação.
Não deveria tê-lo feito, haja vista a imunidade tributária prevista no artigo
150, VI, “c” da Constituição ser suficiente para afastar a incidência destes tri-
butos da atividade destas instituições. Seria louvável, apesar de inútil, se a le-
gislação ordinária tivesse se limitado apenas a repetir o comando constitucional,
manifestando que a imunidade tributária em comento abarca os impostos inci-
dentes sobre as importações realizadas por instituições de educação ou de assis-
tência social.
Mas não foi o caso; como sói acontecer, a legislação ordinária foi além de
seus limites, criando requisitos que só seriam lídimos se se tratasse, efetivamente,
de isenção também legítima. No entanto, assim como acontece em outros casos,
o rol de exigências previstas para a fruição da suposta isenção tributária vai além
dos requisitos exigidos para a fruição da imunidade tributária.
Se, ainda, a legislação ordinária pretendesse beneficiar instituições de edu-
cação ou de assistência social, estabelecendo critérios menos exigentes para a
fruição da isenção do que aqueles previstos para a imunidade, para beneficiar as
entidades que não alcançassem o grau de imune, sua legitimidade seria incon-
peste
Mas ao estabelecer os requisitos para a fruição da isenção, através do arti-
go 139 do Decreto nº 4.543, de 26 de dezembro de 2002 (Regulamento Adua-
neiro em vigor), desvirtuou-se o regime de imunidade tributária disposto no ar-
tigo 150, VI, “c” da Constituição Federal, regulamentado pelos artigos 9º e 14
do Código Tributário Nacional, exigindo-se, por exemplo, que as entidades não

7 Lei nº 8.032/90: “Art. 2º As isenções e reduções do Imposto de Importação ficam limita-


das, exclusivamente: I - às importações realizadas: (...) b) pelos partidos políticos e pelas
instituições de educação ou de assistência.”
Lei nº 8.402/92: “Art. 1º São restabelecidos os seguintes incentivos fiscais: (...) IV - isen-
ção e redução do Imposto sobre a Importação e Imposto sobre Produtos Industrializados,
a que se refere o artigo 2º, incisos I e II, alíneas a a f, he j, e o artigo 3º da Lei nº 8.032,
de 12 de abril de 1990.”
8 Artigo 3º da Lei nº 8.032/90; artigo 1º, IV da Lei nº 8.402/92 e artigo 245 do Decreto nº
4.543/2002.
*2 Pode se dizer que o vício da legislação ordinária advém do fato de se tratar, a isenção ora
em comento, de repetição de isenção já existente anteriormente. O antigo Regulamento
Aduaneiro (Decreto nº 91.030, de 5 de março de 1985), em seu artigo 149, III, com base
no Decreto-lei nº 37/66, artigo 15, III, e no Decreto-lei nº 1.726/79, artigo 2º, IV, “1”,
estabelecia hipótese de isenção do impostos de importação às instituições científicas,
educacionais e de assistência social, e previa basicamente os mesmos requisitos atual-
mente exigidos para tanto (que serão analisados adiante). No entanto, resguardada a con-
dição das instituições científicas, veja-se que no regime anterior esta isenção também não
poderia subsistir, haja vista a imunidade tributária a impostos destinada às instituições de
educação e de assistência social existir em nosso ordenamento constitucional, definitiva-
mente, desde a Constituição de 1946. Ademais, no regime anterior não havia exigência
de que as entidades não remunerassem seus dirigentes, tampouco relativa ao recolhimen-
to dos tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos.
288 TriBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

remunerem seus dirigentes pelos serviços prestados, efetuem o recolhimento de


tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos e que em seus estatutos es-
tejam previstas as finalidades para as quais os bens foram importados.“
Prevendo, portanto, requisitos para a fruição da isenção que vão além da-
queles previstos para a imunidade tributária a impostos, a legislação que rege o
imposto de importação criou hipótese de isenção sem finalidade alguma. Se a
instituição se enquadra nas exigências da isenção tributária já deverá ser consi-
derada imune.

11.6. Isenção Tributária ao Imposto de Importação, Imposto sobre


Produtos Industrializados e ao Adicional ao Frete para Renovação da
Marinha Mercante, Destinada às Instituições Científicas e Tecnológicas
(artigo 2º, I, “b” da Lei nº 8.032/90, artigo 1º, IV da Lei nº 8.402/92 e
artigos 135, I, “b” e 245 do Decreto nº 4.543/2002)
Já se falou, quando da aproximação jurídica para um conceito de Terceiro
Setor, que assim o consideramos as entidades sem fins lucrativos que se dedi-
quem à ciência e tecnologia, temas incluídos na Constituição Federal no capí-
tulo da Ordem Social.
Incentivando o desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas,
através da desoneração dos produtos importados para este fim por instituições
destinadas a tanto, a Lei nº 8.010, de 29 de março de 1990, criou isenção tribu-
tária que abarca o Imposto de Importação, o Imposto sobre Produtos Industria-
lizados e o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante.'?!

9 Decreto nº 4.543/02: “Art. 139. A isenção às importações realizadas pelos partidos polí-
ticos e pelas instituições educacionais e de assistência social será aplicada somente a en-
tidades que atendam às seguintes condições: I - não-distribuição de qualquer parcela do
seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II - não-remuneração, por qualquer
forma, de seus dirigentes pelos serviços prestados; III - emprego dos seus recursos inte-
gralmente no País, na manutenção dos seus objetivos institucionais; IV - manutenção da
escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de
assegurar sua exatidão; V - compatibilidade da natureza, da qualidade e da quantidade dos
bens às finalidades essenciais do importador; VI - conservação em boa ordem, pelo pra-
zo de cinco anos, contado da data da emissão, dos documentos que comprovem a origem
de suas receitas e a efetivação de suas despesas, bem assimarealização de quaisquer ou-
tros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial; VII - apresenta-
ção da declaração de rendimentos, em conformidade com o disposto em ato da Secreta-
ria da Receita Federal; VIII - recolhimento dos tributos retidos sobre os rendimentos por
elas pagos ou creditados e da contribuição para a seguridade social relativa aos emprega-
dos, bem assim o cumprimento das obrigações acessórias daí decorrentes; e IX - garantia
de destinação de seu patrimônio a outra instituição que atenda às condições para gozo do
benefício, no caso de incorporação, fusão, cisão ou de encerramento de suas atividades,
ou a órgão público. $ 1º Na hipótese do inciso V, do caput, as finalidades para as quais
os bens foram importados deverão estar previstas nos objetivos institucionais da entida-
de, constantes dos respectivos estatutos ou atos constitutivos.”
60
Lei nº 8.010/90: “Art. 1º São isentas dos impostos de importação e sobre produtos indus-
trializados e do adicional ao frete para renovação da marinha mercante as importações de
máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos, bem como suas partes e peças de re-
LEanDRO MARINS DE SOUZA 289

E referida lei tratou de estabelecer requisitos para a fruição desta isenção.


O primeiro deles é que a importação seja efetuada por entidade sem fins lucrati-
vos credenciada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-
nológico (CNPq) como sendo de pesquisa científica ou tecnológica.
Além disso, a isenção está sujeita a limite global anual fixado pelo Minis-
tério da Fazenda, nos termos do artigo 2º da lei em comento. O Conselho Nacio-
nal de Ciência e Tecnologia é o órgão competente para a distribuição e controle
desta quota global de importações.
Este limite não inclui importações referentes à doação de equipamentos por
entidades estrangeiras para brasileiras, tampouco aquelas referentes a equipa-
mentos importados através de empréstimos externos ou acordos governamen-
fais.

11.7. Isenção Tributária ao Imposto de Importação dos Objetos de Arte


Recebidos em Doação por Museus (artigo 1º da Lei nº 8.961/94 e artigos
135, II, “p” e 178 do Decreto nº 4.543/2002)
Os museus foram agraciados, através do artigo 1º da Lei nº 8.961, de 23
de dezembro de 1994, com isenção tributária referente ao Imposto de Importa-
ção que incidiria sobre os objetos de arte recebidos em doação. Assim se mani-
festou referido diploma legal:
“Art. 1º É concedida isenção do imposto de importação incidente sobre
objetos de arte, constantes das posições 9701, 9702, 9703 e 9706 do
Capítulo 97 da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias (NBM/SH), e
recebidos, em doação, por museus instituídos e mantidos pelo poder pú-
blico e outras entidades culturais, reconhecidas como de utilidade públi-
ca”
Não obstante entendermos, e já termos assim nos manifestado na linha do
professor Aliomar Baleeiro, que os museus, ao lado dos teatros e outras mani-
festações culturais, devem ser enquadrados na categoria de instituições de edu-
cação e, portanto, estariam abarcados pela imunidade tributária do artigo 150,
VI, “c” da Constituição, reconhecemos que esta interpretação é controversa. Por
este motivo, passa-se à análise do regime de isenção instituído para esta catego-
ria, não precisando maiores justificativas no que tange a sua relação com o con-
ceito de Terceiro Setor.

posição, acessórios, matérias-primas e produtos intermediários, destinados à pesquisa cien-


tífica e tecnológica.”
8 Lei nº 8.010/90: “$ 2º O disposto neste artigo aplica-se somente às importações realiza-
das pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e por
entidades sem fins lucrativos ativas no fomento, na coordenação ou na execução de pro-
gramas de pesquisa científica e tecnológica ou de ensino, devidamente credenciadas pelo
CNPq.”
60: a
A Lei nº 8.032/90, em seu artigo 2º, I, “e” e o Decreto nº 4.543/2002, em seus artigos 135,
I, “e”, 145 e 146, ratificam o regime de isenção ao imposto de importação destinado às
instituições científicas e tecnológicas.
290 TriBuTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Vê-se, primeiramente, que nem todos objetos de arte recebidos pelos mu-
seus estão abarcados pela isenção da Lei nº 8.961/94, mas tão-só alguns quadros,
pinturas e desenhos feitos inteiramente à mão (com algumas exceções), bem
como gravuras, estampas e litografias originais, produções originais de arte
estatuária ou de escultura, de quaisquer matérias e antigiiidades com mais de
cem anos. Ficaram de fora, por exemplo, selos postais e coleções de arqueolo-
gia, zoologia, entre outros.
Outro requisito da isenção tributária é que o objeto de arte tenha sido rece-
bido em doação. Obras adquiridas pelos museus não estariam abrangidas nesta
hipótese.
Por fim, e aqui não param os requisitos para o enquadramento da entidade
- museu - para a fruição da isenção em comento, a doação deve ser recebida por
museus instituídos e mantidos pelo poder público e outras entidades culturais,
reconhecidas como de utilidade pública. Aí está o motivo para dizermos que os
requisitos não estavam esgotados.
Para que a isenção se complete, há necessidade de a entidade ser reconhe-
cida como de utilidade pública, preenchendo para tanto todos aqueles requisi-
tos já analisados em oportunidade anterior.
Assim o fazendo, lhe estará garantida a isenção ao imposto de importação
que incidiria sobre os objetos que lhe são doados.

11.8. Isenção Tributária ao Imposto sobre Produtos Industrializados das


Instituições de Educação ou de Assistência Social (artigo 7º, Il e IV da Lei
nº 4.502/64 e artigo 51, I do Decreto nº 4.543/2002)
Não obstante, como dito, entendermos que a imunidade tributária prevista
no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal abrange o Imposto sobre Produ-
tos Industrializados das entidades de educação e de assistência social, tanto na
qualidade de contribuinte de direito quanto na condição de contribuinte de fato,
Já observamos quea legislação deste tributo não reconhece expressamente esta
posição.
Primeiramente, quando dispõe de capítulo específico para tratar das imu-
nidades e queda silente quanto àquela prevista em favor das entidades de edu-
cação e de assistência social. Em segundo momento, quando vê necessidade de
instituir regime de isenção tributária em favor destas entidades, como o faz o
artigo 7º, Ile IV da Lei nº 4.502/64, regulamentado pelo artigo 51, I do Decreto
nº 4.543/2002. Este, que é o atual Regulamento do Imposto sobre Produtos In-
dustrializados, acolhendo os dispositivos citados da Lei nº 4.502/64,% averba o
seguinte:

* “Art. 7º São também isentos: (...) II - produtos industrializados pelas entidades a que se
refere a artigo 31, inciso V, letra b da Constituição Federal, quando exclusivamente para
uso próprio ou para distribuição gratuita a seus assistidos tendo em vista suas finalida-
des, e desde que obtida declaração de isenção exigida no artigo 2º da Lei nº 3.193, de 4
de julho de 1957; (...) IV - os produtos industrializados pelos estabelecimentos particula-
res de ensino, quando para fornecimento gratuito aos alunos.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 291

“Art. 51. São isentos do imposto:


I- os produtos industrializados por instituições de educação ou de assis-
tência social, quando se destinem, exclusivamente, a uso próprio ou a dis-
tribuição gratuita a seus educandos ou assistidos, no cumprimento de suas
finalidades.”
Este dispositivo tem assento, como dito, na Lei nº 4.502/64, que por sua
vez faz remissão expressa ao artigo 31, V, “b” da Constituição vigente à época
(Constituição de 1946), a saber:
“Art. 31. À União, aos Estados, ao Distrito Federal a aos Municípios é
vedado:
(x)
V - lançar impôsto sobre:
Ka)
b) templos de qualquer culto, bens e serviços de partidos políticos, ins-
tituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas
sejam aplicadas integralmente no país para os respectivos fins.”
A legislação ordinária, portanto, para conceder a isenção em comento fun-
damenta-se na imunidade a impostos destinada às instituições de educação e de
assistência social. É como se a imunidade fosse fracionada, afastando-se o Im-
posto sobre Produtos Industrializados que seria objeto exclusivo de regime de
isenção tributária.
Teria vindo, então, a Lei nº 4.502/64 como suposto benefício extra às enti-
dades de educação e de assistência social, afastando o IPI exclusivamente no que
se refere aos produtos por elas industrializados e destinados a uso próprio ou
distribuição gratuita a seus educandos ou assistidos, no cumprimento de suas
finalidades.
No entanto, a nosso ver esta isenção está englobada pelo alcance da nor-
ma imunizatória do atual artigo 150, VI, “c”” da Constituição Federal de 1988,
nos mesmos termos do então artigo 31, V, “b” da Constituição de 1946.

11.9. Isenção Tributária ao Imposto de Importação para as Entidades


Beneficentes que recebam Produtos Estrangeiros em Doação (artigo 34 da
Lei nº 8.218/91 e artigo 62 do Decreto nº 4.543/2002)
Hipótese específica de isenção também prevista no Regulamento do IPI,
não obstante tratar de Imposto de Importação, protege as entidades beneficen-
tes reconhecidas como de utilidade pública relativamente às mercadorias rece-
bidas em doação de representações diplomáticas estrangeiras sediadas no País
para venda em feiras, bazares e outros eventos, desde que o produto líquido da
venda destes produtos destine-se ao desenvolvimento das atividades beneficen-
tes da entidade no País. É o que diz o artigo 34 da Lei nº 8.218, de 29 de agosto
de 1991 (ratificado pelo artigo 62 do Decreto nº 4.543/2002), in verbis:
“Art. 34. As entidades beneficentes reconhecidas como de utilidade pú-
blica ficam autorizadas a vender em feiras, bazares e eventos semelhan-
292 TriBuTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

tes, com isenção dos tributos incidentes sobre a importação, mercadorias


estrangeiras recebidas em doação de representações diplomáticas estran-
geiras sediadas no País, nos termos e condições estabelecidos pelo Mi-
nistro da Economia, Fazenda e Planejamento.
Parágrafo único. O produto líquido da venda a que se refere este artigo
terá como destinação exclusiva o desenvolvimento de atividades benefi-
centes no País.”
Os requisitos para esta isenção estão explícitos na norma que a concede, e
podem ser apontados os seguintes: a) seja entidade beneficente; b) seja reconhe-
cida como de utilidade pública; c) receba os bens descritos em doação; d) desti-
nem os produtos à venda; e) destinem o produto da venda ao desenvolvimento
de atividades beneficentes no País.
Vale novamente a ressalva de que esta isenção só pode ser considerada le-
gítima às entidades que não se enquadrem nos requisitos do artigo 150, VI, “c”
da Constituição Federal e dos artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional, caso
contrário estarão albergadas pela imunidade e, portanto, não incidirá o imposto
de importação. 7

11.10. Regime Especial de Incidência da Contribuição ao PIS àAlíquota


de 1% sobre a Folha de Salários das Instituições de Educação e de
Assistência Social, de Caráter Filantrópico, Recreativo, Cultural,
Científico, de Associações, Sindicatos, F ederações, Confederações e
Fundações de Direito Privado, entre Outros (artigo 13 da Medida
Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001)
Já vimos que o artigo 195, $ 7º da Constituição Federal institui imunidade
tributária a contribuição para a seguridade social em favor das entidades benefi-
centes de assistência social, e que esta imunidade abarca a Contribuição ao Pro-
grama de Integração Social. Assim, alcançando a entidade todos os requisitos
exigidos para a fruição desta imunidade já analisados, enquadrando-se como
beneficente de assistência social nos termos da Constituição Federal e do Códi-
go Tributário Nacional, estará imune à incidência do PIS.
De outra sorte, se não se configurar como entidade beneficente de assis-
tência social mas, ainda assim, figurar no rol das entidades pertencentes ao Ter-
ceiro Setor, pode fazer jus a regime especial de incidência da Contribuição ao
PIS, à alíquota de 1% sobre a folha de salários da entidade, de acordo com à
vigente Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001.
Desde sua instituição, ainda sob a égide da Constituição de 1967/69, atra-
vés da Lei Complementar nº 7/70 já se fazia expressa menção à incidência da
Contribuição ao PIS sobre as atividades das entidades sem fins lucrativos nos
mesmos moldes das outras empresas. É como se manifesta o artigo 3º, 8 4º des-
ta Lei Complementar: “$ 4º As entidades de fins não luerativos, que tenham
empregados assim definidos pela legislação trabalhista, contribuirão para o Fun-
do na forma da lei.”
LEanDRO MARINS DE SOUZA 293

Também o Decreto-lei nº 2.052/83, que veio a promover alterações no re-


gime da Contribuição ao PIS, deixava clara a abrangência de sua incidência, a
abarcar as entidades sem fins lucrativos:
“Art. 15. São participantes contribuintes do PIS as pessoas jurídicas de
direito privado, bem como as que lhes são equiparadas pela legislação do
imposto sobre a renda e as definidas como empregadoras pela legislação
trabalhista, inclusive entidades de fins não lucrativos e condomínios em
edificações, não compreendidas em quaisquer dos itens do art. 14 ante-
rior”
Até aí não havia problema nenhum, haja vista que a imunidade tributária a
contribuição para a seguridade social foi incluída em nosso ordenamento jurídi-
co somente quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 195, $ 7º, diferente da imunidade tributária a impostos prevista no artigo
150, VI, “c” do mesmo texto constitucional, que se consagrou definitivamente
em nosso ordenamento na Constituição de 1946. Portanto, a incidência de Con-
tribuição ao PIS sobre entidades sem fins lucrativos antes da Constituição de
1988 não é relevante para a presente análise.“
No entanto, após a edição da Constituição de 1988 foi instituída a já co-
nhecida imunidade tributária a contribuição para a seguridade social - como o é
a Contribuição ao PIS -, em benefício das entidades beneficentes de assistência
social. A partir de então, estas entidades não podem ser exigidas a título de Con-
tribuição ao PIS, sob pena de inconstitucionalidade.
Em 28 de novembro de 1995, a pretexto de dispor sobre a Contribuição ao
PIS, foi editada a Medida Provisória nº 1.212 que, em seus artigos 2º e 8º defi-
niram que o tributo incidiria à alíquota de 1% sobre a folha de salários das enti-
dades sem fins lucrativos, inclusive fundações.“
Este dispositivo se manteve nas trinta e oito reedições da Medida Provisó-
ria que, quando já recebia o nº 1.676-38, de 26 de outubro de 1998, foi converti-
da na Lei nº 9.715, de 25 de novembro de 1998 (nos mesmos artigos 2º, II e 8º),
consagrando este regime jurídico de incidência da Contribuição ao PIS sobre a
folha de salários das entidades sem fins lucrativos.

5 Esta ressalva é de fundamental importância, haja vista que a incidência de PIS sobre as
atividades de entidades sem fins lucrativos deveria ser regulamentada, necessariamente,
por lei (art. 3º, $ 4º da Lei Complementar nº 07/70). No entanto, tal dispositivo só foi re-
gulamentado de forma legítima pela Medida Provisória nº 1.212/95 (anteriormente havia
pretensa regulamentação pela Resolução nº 174/71, do CMN), o que implica dizer que
todos os valores cobrados a título de PIS das entidades sem fins lucrativos anteriormente
à edição da Medida Provisória nº 1.212/95 o foram indevidamente.
%6 MP nº 1.212/95: “Art. 2º A contribuição para o PIS/Pasep será apurada mensalmente: (...)
II - pelas entidades sem fins lucrativos definidas como empregadoras pela legislação tra-
balhista, inclusive as fundações, com base na folha de salários. (...) Art. 8º A contribui-
ção será calculada mediante a aplicação, conforme o caso, das seguintes alíquotas: (...) II -
um por cento sobre a folha de salários.”
294 TriBuTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Não é de todo criticável este regime jurídico, em cotejo com o regime de


imunidade insculpido no artigo 195, $ 7º da Constituição, haja vista que a pos-
sibilidade de existirem entidades sem fins lucrativos, mesmo fundações, que não
sejam beneficentes de assistência social, não pode ser descartada.
Portanto, o certo é que sob o pálio desta legislação estavam sujeitas à Con-
tribuição ao PIS as entidades sem fins lucrativos, inclusive fundações, desde que
não se enquadrassem no conceito de entidades beneficentes de assistência so-
cial, estas estando abarcadas pela imunidade tributária.
Em 29 de junho de 1999 foi editada nova Medida Provisória, esta de nº
1.858-6, que em seu artigo 23 revogou expressamente o artigo 2º, II da Lei nº
9.715/98: “Art. 23. Ficam revogados: I - a partir de 28 de setembro de 1999, o
inciso II do art. 2º da Lei nº 9.715, de 25 de novembro de 1998”
Ao fazê-lo, ainda, a Medida Provisória nº 1.858-6, atualmente em vigor sob
onº2.158-35, de 24 de agosto de 2001, nos mesmos termos, criou novo regime
de incidência da Contribuição ao PIS, ou melhor, especificou as entidades que
estariam sujeitas à contribuição à alíquota de 1% sobre a folha de salários, in
verbis:
“Art. 13. A contribuição para o PIS/Pasep será determinada com base na
folha de salários, à alíquota de um por cento, pelas seguintes entidades:
(=)
HI - instituições de educação e de assistência social a que se refere o art.
12 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997;
IV - instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico e
as associações, a que se refere o art. 15 da Lei nº 9.532, de 1997;
V - sindicatos, federações e confederações;
(Es)
VIII - fundações de direito privado.”
Observa-se através deste dispositivo que se criou regra-matriz de incidên-
cia da Contribuição ao PIS diferenciada para determinadas categorias de sujei-
tos passivos. Alterou-se a base de cálculo da contribuição, não mais incidindo
sobre o faturamento, nos termos originais, mas sobre a folha de salários. Da
mesma forma, alterou-se a alíquota da contribuição, passando dos 0,65% ante-
riores para 19%.
A Medida Provisória comentada permite, assim, que entidades que não se
enquadrem no conceito de assistencial beneficente e, em contrapartida, configu-
rem-se como instituições de educação ou de assistência social, de caráter filan-
trópico, recreativo, cultural, científico, associações, sindicatos, federações, con-
federações e fundações de direito privado, possam se beneficiar de regime me-
nos oneroso de recolhimento da contribuição.
E para a fruição deste benefício, a Medida Provisória estabelece requisitos
específicos a serem atendidos pelas entidades em referência, como se observa
dos artigos já transcritos.
Às instituições de educação e de assistência social deyerão, para tanto,
cumprir com os requisitos do artigo 12 da Lei nº 9.532/97 já analisados:
Leandro Marins DE Souza 295

“a) não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços
prestados;
b) aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimen-
to dos seus objetivos sociais;
c) manter escrituração completa de suas receitas e despesas em livros re-
vestidos das formalidades que assegurem a respectiva exatidão;
d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data
da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e
a efetivação de suas despesas, bem assim a realização de quaisquer ou-
tros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial;
e) apresentar, anualmente, Declaração de Rendimentos, em conformidade
com o disposto em ato da Secretaria da Receita Federal”.
Por seu turno, as instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural,
científico e as associações deverão seguir os preceitos ditados pelo também ana-
lisado artigo 15 da Lei nº 9.532/97.
O artigo 17 da Medida Provisória, na tentativa de ampliar o rol de requisi-
tos exigidos para a fruição desta isenção, acabou por incorrer em equívoco que
o deslegitima por completo, como se vê: “Art. 17. Aplicam-se às entidades fi-
lantrópicas e beneficentes de assistência social, para efeito de pagamento da
contribuição para o PIS/Pasep na forma do art. 13 e de gozo da isenção da Co-
fins, o disposto no art. 55 da Lei nº 8.212, de 1991”
Ao pretender estabelecer requisitos para as entidades de assistência social,
estendeu a aplicação do dispositivo às entidades beneficentes de assistência so-
cial. Já vimos em oportunidade anterior a diferença entre estes conceitos, que
concerne a parcela de gratuidade na atividade destas últimas.
Ocorre que as entidades beneficentes de assistência social gozam de imu-
nidade tributária que abrange a Contribuição ao PIS, o que não ocorre com as
entidades de assistência social, sendo flagrante o equívoco legislativo neste pon-
to. Afora isto, agregam-se às exigências dos artigos 12 e 13 da Lei nº 9.532/97,
em cada caso, para fins de fruição do regime de tributação diferenciada previsto
na Medida Provisória, os requisitos do artigo 55 da Lei nº 8.212/91.

11.11. Isenção Tributária à Contribuição para o Financiamento da


Seguridade Social - Cofins das Instituições de Educação e de Assistência
Social, de Caráter Filantrópico, Recreativo, Cultural, Científico, de
Associações, Sindicatos, Federações, Confederações e Fundações de
Direito Privado, entre Outros (artigo 14 da Medida Provisória
nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001)
A reboque do regime diferenciado de incidência da Contribuição ao PIS
instituído pela Medida Provisória nº 2.158-35/2001 e analisado no tópico pre-
cedente, o mesmo diploma legal houve por bem instituir, já em suas edições
anteriores, hipótese de isenção tributária à Contribuição para o Financiamento
da Seguridade Social - Cofins a estas mesmas instituições.
296 TriBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Foi assim que, a partir de 1º de fevereiro de 1999, as instituições de educa-


ção ou de assistência social, de caráter filantrópico, recreativo, cultural, cientí-
fico, associações, sindicatos, federações, confederações e fundações de direito
privado, que não se enquadram no conceito de entidade beneficente de assistên-
cia social nos termos do artigo 195, $ 7º da Constituição Federal e dispositivos
regulamentares do Código Tributário Nacional, passaram a fazer jus à isenção
da Cofins relativa a suas atividades próprias.”
Por falta de regulamentação deste regime de isenção, o conceito de ativi-
dades próprias das instituições tem gerado controvérsias, especialmente na es-
fera administrativa. A Secretaria da Receita Federal tem entendido reiteradamen-
te que as atividades próprias são aquelas relativas às receitas típicas das insti-
tuições abrangidas pela isenção, ou seja, doações, contribuições, mensalidades
pagas por filiados, que não tenham caráter contraprestacional direto, decorren-
tes de prestação de serviços ou venda de mercadorias, por exemplo.“
No entanto, atentos ao mandamento do Código Tributário Nacional que
exige interpretação literal à norma que outorga isenção, entendemos não seja esta
a melhor interpretação para referido dispositivo. O fato de as receitas advirem
de atividade desempenhada mediante contraprestação não retira a característica
de enquadramento do fato à hipótese isencional.
Não é a condição contraprestacional que define se a receita é oriunda de
atividade própria da entidade ou não. O conceito a ser aqui utilizado é o mesmo
trabalhado quando da interpretação da cláusula do artigo 150, 8 4º da Constitui-
ção Federal, que se remete às finalidades essenciais das entidades. Ora, é pró-
priaa atividade da instituição quando se volta a seus objetivos institucionais, a
suas finalidades essenciais. Estando fora desta característica, a atividade não será
própria de entidades sem fins lucrativos, afastando-se a isenção em comento.
Por fim, os requisitos para a fruição da isenção à Cofins são os mesmos
exigidos para a fruição do regime diferenciado de pagamento do PIS, analisado
no tópico anterior.

7 MP nº 2.158-36/2001: “Art. 14. Em relação aos fatos geradores ocorridos


a partir de 1º
de fevereiro de 1999, são isentas da Cofins as receitas: (...) X - relativas
às atividades pró-
prias das entidades a que se refere o art. 13.”
“8 “Ementa: Isenção. Entidades sem fins lucrativos. São isentas da Cofins,
a partir de 01/02/1999,
as receitas relativas às atividades próprias das entidades sem fins lucrativos,
assim enten-
didas suas receitas típicas, como as doações, contribuições, mensalida
des e anuidades
recebidas de profissionais inscritos, de associados, de mantenedores
e de colaboradores,
destinadas ao custeio e manutenção daquelas entidades e execução de
seus objetivos es-
tatutários, mas que não tenham caráter contraprestacional direto. A isenção
não se aplica
às receitas de aplicações financeiras e as decorrentes de atividades que desempen
hem, co-
muns aos agentes econômicos, como a prestação de serviços e a venda
de mercadorias,
mesmo que exclusivamente para associados e efetuadas sem a finalidade
de obtenção de
lucro.” (Secretaria da Receita Federal, Superintendência Regional da
Receita Federal/10º
Região Fiscal, Solução de Consulta nº 19, de 13 de fevereiro de 2003, Vera
Lúcia Ribei-
ro Conde - Chefe da Divisão de Tributação)
LEANDRO MARINS DE SOUZA 297

11.12. Alíquota Zero de Imposto sobre Operações de Crédito (IOF) em


que sejam Tomadores Entidades Sindicais de Trabalhadores e
Instituições de Educação e de Assistência Social sem Fins Lucrativos
(artigo 8º, XV do Decreto nº 4.484, de 3 de dezembro de 2002)
Apesar de já termos demonstrado que a imunidade tributária instituída pelo
artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988 engloba o IOF, o Decreto
nº 4.484, de 3 de dezembro de 2002, que regulamenta este imposto, tratou de
estabelecer regime de alíquota zero em benefício das entidades sindicais de tra-
balhadores e das instituições de educação e de assistência social para as opera-
ções de crédito em que estas entidades sejam as tomadoras do crédito.
Nem se diga que o dispositivo trata de reconhecer a imunidade a que fa-
zem jus as entidades em comento, porque assim o fosse teria se referido à imu-
nidade; não o fez, falando mesmo em redução de alíquota a zero.
Mas para que tenha legitimidade tal sorte de interferência, há um pressu-
posto lógico inafastável que inocorre no presente caso, que é a incidência do tri-
buto.
Só se pode atribuir alíquota zero atributo cuja incidência efetivamente ocor-
ra; caso contrário, a modificação do critério quantitativo da regra-matriz de in-
cidência não tem condições lógicas de se operar.
Quando a Constituição deferiu imunidade tributária a impostos em favor
das entidades sindicais de trabalhadores e das instituições de educação e de as-
sistência social afastou a competência do legislador ordinário para a instituição
de imposto sobre estas entidades.
Não havendo competência para a instituição de impostos, incidência não
deverá haver, afastando-se a hipótese autorizativa da redução da alíquota a zero.
Portanto, salvo para sindicatos e instituições de educação e de assistência social
que não preencham os requisitos do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal
e dos artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional, o regime de alíquota zero
estabelecido é inócuo e inconstitucional, por desconsideração do regime de imu-
nidade tributária.

11.13. Alíquota Zero de Imposto sobre Operações Relativas a Títulos ou


Valores Mobiliários (IOF) de Titularidade de Entidades Sindicais de
Trabalhadores (artigo 33, $ 2º, V do Decreto nº 4.484, de 3 de dezembro
de 2002)
Nos exatos termos do tópico anterior, em outro dispositivo o mesmo De-
creto nº 4.484/2002 pretende regulamentar regime de alíquota zero às operações

9 “Art. 8º A alíquota é reduzida a zero na operação de crédito: (...) XV - em que o tomador


do crédito seja órgão da Administração Pública Federal, Estadual, do Distrito Federal ou
Municipal, direta, autárquica, ou fundacional, partido político, inclusive suas fundações,
entidade sindical de trabalhadores, instituição de educação e de assistência social, sem fins
lucrativos, atendidos os requisitos da lei.”
298 TriBuTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

relativas a títulos ou valores mobiliários de titularidade das entidades sindicais


de trabalhadores. É o que dispõe o artigo 33, $ 2º, V do diploma em referência:
“Art. 33. O IOF será cobrado à alíquota de um por cento ao dia sobre o
valor do resgate, cessão ou repactuação, limitado ao rendimento da ope-
ração, em função do prazo, conforme tabela constante do Anexo.
(x)
$ 2º Ficam sujeitas à alíquota zero as operações:
(15)
V- de titularidade de órgãos da Administração Pública Federal, Estadual,
do Distrito Federal ou Municipal, direta, autárquica ou fundacional, de
partido político, inclusive suas fundações, e de entidade sindical de tra-
balhadores.”
É preceito inócuo e inconstitucional, reafirma-se, por desconsiderar o re-
gime de imunidade tributária a impostos destinado a estas entidades pelo artigo
150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988.

11.14. Isenção de ICMS na Saída de Mercadorias de Produção Própria


das Instituições de Educação e de Assistência Social, sem Finalidade
Lucrativa, cujas Vendas Líquidas sejam integralmente Aplicadas na
Manutenção de suas Finalidades Assistenciais ou Educacionais no País,
sem Distribuição de Qualquer Parcela a Título de Lucro ou Participação
e cujas Vendas no Ano Anterior não tenham Ultrapassado o Limite
Fixado em Legislação Estadual (Convênio ICMS nº 32/82)
Sabe-se que a instituição de isenções tributárias em matéria de ICMS é ta-
refa destinada aos Convênios, pelo somatório do disposto no artigo 155, 8 2º, XII,
“g” da Constituição Federal e na Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de
1975.
Nestes termos, o Convênio ICMS nº 38/82, confirmado pelo Convênio
ICMS nº 52/90 por força do disposto no artigo 41, 8 3º do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, concede aos Estados a faculdade de conceder isen-
ção de ICMS nas saídas de mercadorias de produção própria promovidas por
instituições de educação e de assistência social, nos seguintes termos:
“Cláusula primeira - Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados
a conceder isenção do ICMS nas saídas de mercadorias de produção pró-
pria, promovidas por instituições de assistência social e educação, sem
finalidade lucrativa, cujas vendas líquidas sejam integralmente aplicadas
na manutenção de suas finalidades assistenciais ou educacionais no país,
sem distribuição de qualquer parcela a título de lucro ou participação e
cujas vendas no ano anterior não tenham ultrapassado o limite fixado em
legislação estadual”
Dando efetividade a este dispositivo, a legislação do Estado do Paraná, no
item 55 do Anexo I, do Decreto nº 5.141, de 12 de dezembro de 2001, isenta de
Leandro MARINS DE SOUZA 299

ICMS as saídas de mercadorias de produção própria das instituições de educa-


ção e de assistência social.
No entanto, como já dito, entendemos que a imunidade tributária do artigo
150, VI, “c” da Constituição Federal já dá a prerrogativa da não-incidência do
ICMS nas saídas de mercadorias das instituições de educação e de assistência
social, ao atuar em momento lógico anterior que afasta a possibilidade, mesmo,
de instituição de imposto sobre as rendas, o patrimônio e os serviços destas en-
tidades.
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301

Capítulo 12 - Outros Benefícios Fiscais Existentes


no Ordenamento Jurídico Brasileiro, Relacionados
com Atividades Desenvolvidas pelo Terceiro Setor

Além das imunidades tributárias, expressão máxima do reconhecimento da


importância das atividades desenvolvidas pelo Terceiro Setor - representadas na
Constituição de 1988 pelo albergue às instituições de educação e de assistência
social, às entidades sindicais de trabalhadores e às entidades beneficentes de
assistência social - passando pelas isenções tributárias, que consolidam o Ter-
ceiro Setor como merecedor de especial atenção por parte do legislador tributá-
rio - por sua importância social - e cooperam na justificativa para seu estudo
como espécie jurídica autônoma, o ordenamento jurídico brasileiro prevê ainda
outras hipóteses de benefícios fiscais relacionados com atividades desenvolvi-
das pelo Terceiro Setor.
São previsões legais que não atuam no momento de definição da compe-
tência tributária - como o fazem as imunidades -, tampouco se dirigem a con-
formar diretamente a regra-matriz de incidência dos tributos sobre os quais in-
cidem - como as isenções -, mesmo que sobre ela venham a repercutir.
Configuram-se em dispositivos legais que, no intuito de incentivar o desen-
volvimento das atividades relacionadas com o Terceiro Setor, como o são a edu-
cação, a cultura, a saúde, o esporte, etc., criam benefícios específicos em favor
de pessoas físicas ou jurídicas que resolvam investir nestas atividades, median-
te a observância de determinados requisitos.
Não só no âmbito federal, como também nas esferas estadual e municipal,
as leis de incentivo cumprem importante papel de fomento às atividades substi-
tutivas desempenhadas pelo Terceiro Setor.º!º
A repercussão tributária da análise destes casos, em verdade, no mais das
vezes não recai sobre as próprias entidades do Terceiro Setor, senão àqueles que
com elas se relacionam por ocasião de investimento em suas atividades, como
passa-se a demonstrar.

12.1. Legislação no Âmbito Federal Instituidora de Benefícios Tributários


Relacionados com as Atividades Desenvolvidas pelo Terceiro Setor
No âmbito federal, podem-se destacar basicamente seis hipóteses possíveis
de serem enquadradas como fomentadoras de atividades do Terceiro Setor me-
diante a instituição de benefícios fiscais de incentivo que merecem destaque, a
saber: a) dedução, do imposto de renda, de doações efetuadas por pessoas jurí-
dicas a instituições de ensino e pesquisa; b) dedução, do imposto de renda, de

“o Em virtude da variedade de leis estaduais e municipais de incentivo a atividades relacio-


nadas com o Terceiro Setor, optamos por tratar tão-somente dos benefícios fiscais deferi-
dos no âmbito federal, como forma de concentrar a pesquisa.
302 TriButação DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

doações efetuadas por pessoas jurídicas a entidades civis sem fins lucrativos e
de utilidade pública; c) Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet); d) Lei de in-
centivo às atividades audiovisuais (Lei do Audiovisual); e) Fundo de Financia-
mento da Indústria Cinematográfica - Funcine; e f) Fundos de Direitos das Crian-
ças e dos Adolescentes.
São, atualmente, as hipóteses existentes e autorizadas a figurarem como
passíveis de criar direito à dedução, do imposto de renda, das contribuições efe-
tuadas pelas pessoas físicas ou jurídicas às atividades abarcadas por cada legis-
lação de regência, relacionadas com o Terceiro Setor.º!!
Antigamente, as hipóteses de dedutibilidade de doações do imposto de ren-
da devido, previstas na própria legislação do imposto de renda, eram muito mais
amplas, beneficiando organizações desportivas, recreativas, culturais, instituições
filantrópicas, de educação, pesquisas científicas e tecnológicas, desenvolvimento
cultural e artístico. Era o que dispunha a Lei nº 4.506/64.º!2
A partir de 1996, no entanto, a Lei nº 9.249 (editada ainda em 1995) redu-
ziu a três estas hipóteses de dedução de doações, quais sejam as destinadas ao
Programa Nacional de Cultura - Pronac (no âmbito da Lei Rouanet), as efetua-
das às instituições de ensino e pesquisa cuja criação tenha sido autorizada por
lei federal e que preencham os requisitos dos incisos Ie II do artigo 213 da Cons-
tituição Federal e a entidades civis legalmente constituídas no Brasil e sem fins
lucrativos, que prestem serviços gratuitos em benefício de empregados da pes-
soa jurídica doadora, e respectivos dependentes, ou em benefício da comunida-
de onde atuem.º!

“1 Para estudo do regime de doações na Espanha, ver PINILA, Federico Sanchez. Las do-
naciones a las fundaciones. Beneficios fiscales, in Las fundaciones: su fiscalidad e incen-
tivos al mecenazgo, Madrid : Dykinson, 1998, pp. 85-107. Também para o estudo do re-
gime de doações, mas em outros países, ver OLIVEIRA, Anna Cynthia. Filantropia e in-
centivos fiscais às doações, in Mudança social e reforma legal: estudos para uma nova
legislação do Terceiro Setor, org. Joaquim Falcão e Carlos Cuenca, Carlos, Brasília :
Conselho da Comunidade Solidária : Unesco, 1999, pp. 121-135.
a 14
Lei nº 4.506/64: “Art. 55. Serão admitidas como despesas operacionais as contribuições
e doações efetivamente pagas: I - As organizações desportivas, recreativas e culturais,
constituídas para os empregados da empresa; II - A pessoa jurídica de direito público; III
- Às instituições filantrópicas, para educação, pesquisas científicas e tecnológicas, desen-
volvimento cultural ou artístico; IV - Sob a forma de bolsas de estudo é prêmios de estí-
mulo a produção intelectual.”
61 w
Lei nº 9.249/95: “Art. 13. Para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da
contribuição social sobre o lucro líquido, são vedadas as seguintes deduções, independen-
temente do disposto no artigo 47 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964: (..) VI-
das doações, exceto as referidas no $ 2º; (...) 8 2º. Poderão ser deduzidas as seguintes
doações: I - as de que trata a Lei nº 8.313 de 23 de dezembro de 1991: II - as efetuadas às
instituições de ensino e pesquisa cuja criação tenha sido autorizada por lei federal e que
preencham os requisitos dos incisos Ie II do artigo 213 da Constituição Federal, até o li-
mite de um e meio por cento do lucro operacional, antes de computada sua dedução e a
de que trata o inciso seguinte; III - as doações, até o limite de dois por cento do lucro
operacional da pessoa jurídica, antes de computada a sua dedução, efetuadas a entidades
civis, legalmente constituídas no Brasil sem fins lucrativos, que prestem serviços gratui-
LEANDRO MARINS DE SOUZA 303

Afora estas hipóteses de benefício de dedução direta das doações efetua-


das pelas pessoas jurídicas, as outras situações em que se instituem benefícios
fiscais estão relacionadas com programas de incentivos a determinadas ativida-
des ou finalidades, criados por leis destinadas a tanto como o são a Lei do Au-
diovisual, o Funcine e os Fundos de Direitos das Crianças e dos Adolescentes.
As pessoas físicas, por sua vez, podem se beneficiar de deduções quando
participam dos incentivos criados pela Lei Rouanet, pela Lei do Audiovisual e
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

12.1.1. Doações efetuadas por pessoas jurídicas às instituições de ensino e


pesquisa (artigo 13, $ 2º, II da Lei nº 9.249/95)
Ensino e pesquisa são conceitos estritamente ligados com noções afetas ao
desempenho de atividades por entidades do Terceiro Setor, como o são a educa-
ção, a ciência e a tecnologia, por exemplo. Ao se proporcionar facilidades de
natureza tributária ao desenvolvimento destas atividades está-se a reconhecer à
importância das entidades que as desenvolvem, criando-se contrapartida a tan-
to.
E o que fez a Lei nº 9.249/95, portanto, apesar de limitar bastante as situa-
ções de doação passíveis de dedução do imposto de renda pelas pessoas jurídi-
cas, foi reconhecer a imprescindibilidade das instituições de ensino e pesquisa,
prevendo hipótese de dedução das doações feitas a estas entidades por pessoas
jurídicas do imposto de renda devido:
Para tanto, a instituição de ensino ou pesquisa recebedora da doação deve
cumprir os requisitos previstos no artigo 213, I e II da Constituição Federal, a
saber:
“I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes fi-
nanceiros em educação;
H - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitá-
ria, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encer-
ramento de suas atividades”.
É previsão que institui, inconteste, benefício tributário em favor de ativi-
dades desenvolvidas pelo Terceiro Setor, como o são as instituições de ensino é
pesquisa sem fins lucrativos.

tos em benefício de empregados da pessoa jurídica doadora, e respectivos dependentes,


ou em benefício da comunidade onde atuem, observadas as seguintes regras: a) as doa-
ções, quando em dinheiro, serão feitas mediante crédito em conta corrente bancária dire-
tamente em nome da entidade beneficiária; b) a pessoa jurídica doadora manterá em ar-
quivo, à disposição da fiscalização, declaração segundo modelo aprovado pela Secreta-
ria da Receita Federal, fornecida pela entidade beneficiária, em que esta se compromete
a aplicar integralmente os recursos recebidos na realização de seus objetivos sociais, com
identificação da pessoa física responsável pelo seu cumprimento, e a não distribuir lucros,
bonificações ou vantagens a dirigentes, mantenedores ou associados, sob nenhuma for-
ma ou pretexto; c) a entidade civil beneficiária deverá ser reconhecida de utilidade pú-
blica por ato formal de órgão competente da União.”
304 TriButação DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Comprovando-se que a instituição recebedora da doação cumpre com os


requisitos acima arrolados, a pessoa jurídica doadora está apta a deduzir o valor
das doações como despesa operacional, no limite de 1,5% de seu lucro opera-
cional.

12.1.2. Doações efetuadas a entidades civis sem fins lucrativos (artigo 13,
$ 2º, II da Lei nº 9.249/95)
Outro dispositivo previsto no artigo 13, $ 2º da Lei nº 9.249/95, desta feita
em seu inciso III, diz respeito à possibilidade de dedução, como despesa opera-
cional, das doações efetuadas por pessoas jurídicas a “entidades civis, legalmente
constituídas no Brasil sem fins lucrativos”.
Para tanto, exige a lei que as entidades beneficiadas com a doação, para
legitimar a dedução pela pessoa jurídica doadora, se constitua em uma de duas
formas possíveis: a) preste serviços gratuitos em benefícios de empregados da
pessoa jurídica doadora e seus dependentes; e b) preste serviços gratuitos em
benefício da comunidade onde atue.
Tanto pode a entidade civil beneficiária prestar serviços gratuitos aos em-
pregados da própria doadora como pode prestar serviços gratuitos em benefício
da comunidade; em ambos os casos está legitimada a receber doações de pes-
soas jurídicas, gratificadas pela possibilidade de doação.
Mas em qualquer caso as doações devem observar requisitos formais cria-
dos pelo próprio dispositivo instituidor do benefício.
O primeiro deles é que as doações, quando feitas em dinheiro, o sejam
mediante crédito em conta corrente bancária em nome da beneficiária.
O segundo requisito exige que a pessoa jurídica doadora mantenha arqui-
vada à disposição da Secretaria da Receita Federal declaração firmada pela be-
neficiária, comprometendo-se a aplicar todos os seus recursos em seus objeti-
vos sociais e a não distribuir lucros, bonificações ou vantagens a dirigentes,
mantenedores ou associados, a qualquer título, responsabilizando-se, ainda, a
pessoa física signatária e identificada.
Por fim, a beneficiária deverá ser reconhecida de utilidade pública, cum-
prindo todos os requisitos legalmente exigidos para tanto e já analisados em
oportunidade anterior.
Aperfeiçoados todos estes requisitos, está apta a pessoa jurídica doadora a
deduzir o valor da doação como despesa operacional para fins de apuração do
imposto de renda, até o limite de 2% do imposto devido.
É espécie de benefício tributário que, a par de ser indireto, atua diretamen-
te em favor das entidades do Terceiro Setor.

12.1.3. Lei Sarney (Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986) e Lei Rouanet


(Lei nº 8.313, de 23 de fevereiro de 1991) de incentivo a atividades culturais
No âmbito federal, a consolidação do regime de instituição de mecanismos
de fomento a atividades culturais através de benefícios fiscais é recente. Já vi-
mos que algumas leis estabelecem regimes de isenção tributária a determinadas
LeanDRO MARINS DE SOUZA 305

atividades, mas se constituem em diplomas legais isolados e voltados especifi-


camente à entidade que desenvolve as atividades que consideram isentas.
O incentivo voltado ao outro lado da moeda, ou seja, às pessoas físicas ou
jurídicas interessadas em fomentar as atividades culturais desenvolvidas por
outras entidades, consolidou-se com a edição da chamada Lei Sarney, de 2 de
julho de 1986, que recebeu o nº 7.505 e foi revogada tacitamente pela Lei nº
8.034, de 12 de abril de 1990. Mas sua importância foi reconhecida em 1991,
quando da edição da Lei nº 8.313 no dia 23 de fevereiro (Lei Rouanet), que res-
tabeleceu princípios da Lei Sarney e vigora até hoje.

12.1.3.1. Benefícios fiscais e fundamentos instituídos pela Lei Sarney


(Lei nº 7.505/86)
A denominada Lei Sarney, que deixaremos de analisar com maiores deta-
lhamentos por ter sido revogada tacitamente pela Lei nº 8.034/90, dispunha “so-
bre benefícios fiscais na área do Imposto sobre a Renda concedidos a operações
de caráter cultural ou artístico”.
Instituía em seu artigo 1º a possibilidade de os contribuintes do Imposto
sobre a Renda abaterem da renda bruta ou deduzirem como despesa operacio-
nal contribuições destinadas a atividades de natureza cultural,*!* considerando
três formas de contribuição albergadas para fins de incidência do benefício fis-
cal, a saber: a doação, o patrocínio e o investimento. O artigo 1º é expresso em
prever a possibilidade de contribuição para atividades de natureza cultural de-
senvolvidas por pessoas jurídicas sem fins lucrativos.
Assim, sendo pessoa jurídica de natureza cultural sem fins lucrativos, a
entidade beneficiária destas contribuições está enquadrada no conceito de Ter-
ceiro Setor anteriormente analisado, a justificar a relação dos benefícios da Lei
Sarney com o tema do presente trabalho.
Para efeitos de doação e patrocínio, são diversas as atividades incentivadas
pela Lei Sarney, arroladas em seu artigo 2º, todas elas voltadas ao desenvolvi-
mento da cultura através das artes, da música, dos filmes, da dança, da conser-
vação de monumentos históricos, dos museus e bibliotecas, entre outros. Den-
tre as atividades fomentadas, destacam-se as seguintes, intimamente ligadas a
atividades de entidades do Terceiro Setor, sem exclusão das outras:
“TI - doar bens móveis ou imóveis, obras de arte ou de valor cultural a
museus, bibliotecas, arquivos, e outras entidades de acesso público, de
caráter cultural, cadastradas no Ministério da Cultura;
IV - doar em espécies às mesmas entidades; (...)
XI - construir, organizar, equipar, manter ou formar museus, arquivos ou
bibliotecas de acesso público;

14 Lei nº 7.505/86 - “Art. 1º O contribuinte do Imposto sobre a Renda poderá abater da ren-
da bruta, ou deduzir como despesa operacional, o valor das doações, patrocínios e inves-
timentos, inclusive despesas e contribuições necessárias à sua efetivação, realizada atra-
vés ou a favor de pessoa jurídica de natureza cultural, com ou sem fins lucrativos, cadas-
trada no Ministério da Cultura, na forma desta Lei.”
306 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

XII - construir, restaurar, reparar ou equipar salas e outros ambientes des-


tinados a atividades artísticas e culturais em geral, desde que de pro-
priedade de entidade sem fins lucrativos;
XIII - fornecer recursos para o Fundo de Promoção Cultural do Ministé-
rio da Cultura, para fundações culturais, ou para instalação e manuten-
ção de cursos de caráter cultural ou artístico, destinados ao aperfeiçoa-
mento, especialização ou formação de pessoal em estabelecimentos de
ensino sem fins lucrativos; (...)
XV - preservar o folclore e as tradições populares nacionais bem como
patrocinar os espetáculos folclóricos sem fins lucrativos”.
A doação consistia, por disposição expressa do artigo 3º da lei, na “trans-
ferência definitiva de bens ou numerário, sem proveito pecuniário para o doa-
dor”, e deveria ser registrada junto ao Registro de Títulos é Documentos, com
cláusula de irreversibilidade, para dar azo à fruição dos benefícios fiscais da lei.º!s
Assim o fazendo, o doador pessoa física poderia abater da renda bruta, para fins
de apuração do Imposto de Renda, até 100% do valor da doação, até o limite
máximo de 10% da renda bruta. O doador pessoa jurídica, por sua vez, poderia
deduzir do imposto devido o valor equivalente à aplicação da alíquota do imposto
de renda, considerando como base de cálculo 100% do valor da doação, até o
limite máximo de 2% do valor do imposto devido.
Patrocínio, por sua vez, era considerado pelo artigo 5º como “a promoção
de atividades culturais, sem proveito pecuniário ou patrimonial direto para o
patrocinado”. Nestes casos, as regras para abatimento e dedução do imposto de
renda eram as mesmas que aquelas previstas para a doação, mas incidentes ape-
nas sobre 80% do valor patrocinado.
Também era prevista a contribuição na forma de investimento, que permi-
tia o abatimento ou a dedução de 50% do valor investido.“
A Lei Samey foi regulamentada originalmente pelo Decreto nº 93.335, de
3 de outubro de 1986 e revogada tacitamente pela Lei nº 8.034, de 12 de abril

SS Lei nº 7.505/86 - “Art. 3º Para fins desta Lei considera-se doação a transferência definiti-
va de bens ou numerário, sem proveito pecuniário para o doador. 8 1º O doador terá di-
reito aos favores fiscais previstos nesta Lei se expressamente declarar, no instrumento de
doação a ser inscrito no Registro de Títulos e Documentos, que a mesma se faz sob as
condições'de irreversibilidade do ato e inalienabilidade e impenhorabilidade do objeto
doado.”
616
Lei nº 7.505/86 - “Art. 4º Para os efeitos desta lei, consideram-se investimentos a aplica-
ção de bens ou numerários com proveito pecuniário ou patrimonial direto para o investi-
dor, abrangendo as seguintes atividades: I - compra ou subscrições de ações nominativas
preferenciais sem direito a voto, ou quotas de sociedades limitadas de empresas livreiras,
ou editoriais que publiquem, pelo menos, 30% (trinta por cento) dos seus títulos de auto-
res nacionais, devidamente cadastrados no Ministério da Cultura; II - participação em tí-
tulos patrimoniais de associações, ou em ações nominativas preferenciais sem direito a
voto, quotas do capital social ou de participantes de sociedades que tenham por finalida-
de: produções cinematográficas, musicais, de artes cênicas, comercialização de produtos
culturais e outras atividades empresariais de interesse cultural”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 307

de 1990, quando esta suspendeu os incentivos naquela previstos, tornando inviá-


vel sua aplicação. No entanto, a importância da Lei Sarney se faz presente no
regime de concessão de benefícios fiscais ao fomento das atividades culturais,
haja vista ter sido pioneira neste sentido, vindo a inspirar a aprovação da Lei
Rouanet, que de forma expressa restabelece princípios da Lei nº 7.505, de 2 de
julho de 1986 (Lei Sarney).

12.1.3.2. Lei Rouanet (Lei nº 8.313/91): revigoramento dos benefícios fiscais


à cultura
A Lei Rouanet, de nº 8.313/91, “restabelece princípios da Lei nº 7.505, de
2 de julho de 1986, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura - Pronac e
dá outras providências”.
Dotada de cunho social bastante intenso, referendado pelo inegável intui-
to de promover o desenvolvimento cultural nas áreas em que especifica, de for-
ma a popularizar o acesso à cultura e possibilitar a equiparação social do aces-
so às fontes de cultura e do pleno exercício dos direitos culturais, a Lei Rouanet
instituí as formas pelas quais, para a implementação do Programa Nacional de
Apoio à Cultura, estes objetivos serão alcançados.
É aí que cria, como mecanismos de implementação do Pronac, o Fundo
Nacional da Cultura - FNC, os Fundos de Investimento Cultural e Artístico -
Ficart e os incentivos a projetos culturais, todos eles voltados a “projetos cultu-
rais que visem à exibição, utilização e circulação públicas dos bens culturais
deles resultantes, vedada a concessão de incentivo a obras, produtos, eventos ou
outros decorrentes, destinados ou circunscritos a circuitos privados ou a coleções
particulares”.
Mais ainda, os projetos a serem beneficiados por estes três mecanismos
deverão atender a pelo menos um dos seguintes objetivos, consoante artigo 3º
da lei, que especifica as hipóteses enquadradas em cada objetivo: I - incentivo à
formação artística e cultural; II - fomento à produção cultural e artística; IH -
preservação e difusão do patrimônio artístico, cultural e histórico; IV - estímulo

617 Lei nº 8.313/91 - “Art. 1º Fica instituído o Programa Nacional de Apoio à Cultura - Pro-
nac, com a finalidade de captar e canalizar recursos para o setor de modo a: I - contribuir
para facilitar, a todos, os meios para o livre acesso às fontes de cultura e o pleno exercí-
cio dos direitos culturais; II - promover e estimular a regionalização da produção cultural
e artística brasileira, com valorização de recursos humanos e conteúdos locais; III - apoiar,
valorizar e difundir o conjunto das manifestações culturais e seus respectivos criadores;
IV - proteger as expressões culturais dos grupos formadores da sociedade brasileira e res-
ponsáveis pelo pluralismo da cultura nacional; V - salvaguardar a sobrevivência e o flo-
rescimento dos modos de criar, fazer e viver da sociedade brasileira; VI - preservar os
bens materiais e imateriais do patrimônio cultural e histórico brasileiro; VII - desenvol-
ver a consciência internacional e o respeito aos valores culturais de outros povos ou na-
ções; VIII - estimular a produção e difusão de bens culturais de valor universal, forma-
dores e informadores de conhecimento, cultura e memória; IX - priorizar o produto cul-
tural originário do País.”
“18 Artigo 2º, parágrafo único da Lei nº 8.313/91.
308 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

ao conhecimento dos bens e valores culturais; e V - apoio a outras atividades


culturais e artísticas.
Destes três mecanismos, o que nos interessa analisar é aquele que diz res-
peito aos incentivos a projetos culturais, haja vista que estes incentivos a que se
refere a lei são de natureza tributária, mais especificamente sob a forma de de-
duções, dos valores objeto do incentivo a projetos culturais, do Imposto de Renda
devido.“º É o que prevê o artigo 18 deste diploma legal:
“Art. 18. Com o objetivo de incentivar as atividades culturais, a União
facultará às pessoas físicas ou jurídicas a opção pela aplicação de parce-
las do Imposto sobre a Renda, a título de doações ou patrocínios, tanto
no apoio direto a projetos culturais apresentados por pessoas físicas ou
por pessoas jurídicas de natureza cultural, como através de contribuições
ao FNC, nos termos do art. 5º, inciso II, desta Lei, desde que os projetos
atendam aos critérios estabelecidos no art. 1º desta Lei”
E para que as pessoas físicas ou jurídicas façam jus à dedução referida, há
duas formas legais previstas na Lei Rouanet de contribuição às atividades nela
enumeradas e que repercutem em incentivo fiscal, quais sejam, a doação e o
patrocínio.
A doação, para os fins desta lei, está conceituada nos artigos 91 e 477 do
Decreto nº 3.000/99 (Regulamento do Imposto de Renda), e vem a ser a “trans-
ferência gratuita, em caráter definitivo, à pessoa física ou jurídica de natureza
cultural, sem fins lucrativos de numerário, bens ou serviços para a realização de
projetos culturais, vedado o uso de publicidade para divulgação deste ato”. Mas
o Decreto nº 3.000/99 não fundamenta a adoção deste conceito em nenhum dis-
positivo legal, o que leva a concluir que advém da conceituação trazida pelo
Decreto nº 1.494, de 17 de maio de 1995, que ao regulamentar a Lei nº 8.313/91
conceituou a doação, para efeito da execução do Pronac, exatamente nestes ter-
mos em seu artigo 3º.
Vale, aqui, a ressalva de Rodrigo Gonzalez, que ao analisar este conceito
concluiu “pela ilegalidade da restrição imposta pelo Dec. 1.494/95 à figura da
doação contemplada pela Lei 8.313/91, quando a limita “à pessoa física ou jurí-
dica de natureza cultural, sem fins lucrativos””.S1
E realmente, ao instituir o regime de dedução do Imposto de Renda para
os valores doados a projetos de natureza cultural, a Lei nº 8.313/91 não limita à

“º Será analisada a redação atualmente em vigor da Lei Rouanet, ou seja, com as


alterações
promovidas pela Lei nº 9.874, de 23 de novembro de 1999, que inclusive criou
espécies
de projetos especiais, como será visto.
2º Lei nº 8.313/91, artigo 18 - “8 1º Os contribuintes poderão deduzir do
imposto de renda
devido as quantias efetivamente despendidas nos projetos elencados no $
3º, previamen-
te aprovados pelo Ministério da Cultura, nos limites e nas condições estabelecid
os na le-
gislação do imposto de renda vigente, na forma de: a) doações; e b) patrocínios.

2! GONZALEZ, Rodrigo. Benefícios fiscais da Lei Rouanet: aspectos relevantes
e as limi-
tações impostas pela definição de doação do Dec. 1.494, de 17/05/ 1995, in Revista
Tri-
butária e de Finanças Públicas, nº 39, julho-agosto de 2001, p. 122.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 309

doação a pessoas jurídicas sem finalidade lucrativa. O conceito legal não é ex-
presso, mas quando se refere a doações o faz de forma ampla, por inexistir a li-
mitação apontada; esta só veio a aparecer no decreto que regulamentou a Lei
Rouanet, e que ao fazê-lo foi além de suas prerrogativas, de modo a ser fulmi-
nado pela ilegalidade.”
De qualquer forma, não há dúvidas de que as doações feitas a pessoas ju-
rídicas sem fins lucrativos estão abarcadas pelo benefício fiscal instituído pela
Lei Rouanet, e é o que nos importa, por aí estar a relação deste diploma legal
com as atividades desenvolvidas pelo Terceiro Setor.
Já o patrocínio está definido no artigo 23, II da Lei nº 8.313/91, nos seguin-
tes termos:
“II - patrocínio: transferência de numerário, com finalidade promocional
ou a cobertura, pelo contribuinte do Imposto sobre a Renda e Proventos
de Qualquer Natureza, de gastos, ou a utilização de bem móvel ou imó-
vel do seu patrimônio, sem a transferência do domínio, para a realização,
por outra pessoa física ou jurídica de atividade cultural ou sem finalida-
de lucrativa prevista no artigo 3º desta Lei”.
Estas são as duas formas de contribuição a atividades de natureza cultural
incentivadas pela Lei Rouanet, que podem ser desenvolvidas inclusive por enti-
dades do Terceiro Setor. Passa-se, então, a demonstrar as formas de benefício
instituídas por referido diploma legal.
Com a redação dada pela Lei nº 9.874/99, já referida, a Lei Rouanet pas-
sou a prever duas categorias distintas de projetos. Isto porque, segundo Rodrigo
Gonzalez, “a Lei 9.874/99 veio alterar a Lei 8.313/91 estabelecendo uma cate-
goria especial de investimentos em cultura, privilegiando certas formas de ex-
pressão cultural que considera de maior importância e valor para a sociedade”.
Dividiu em duas espécies de incentivos, a ponto de o próprio Regulamen-
to do Imposto de Renda criar artigo específico, o de nº 476, para tratar dos pro-
Jetos especiais instituídos pela Lei nº 9.874/99 mediante alteração da Lei Roua-
net. Os projetos especiais estão localizados no artigo 18 da Lei nº 8.313/91, en-
quanto os projetos usuais encontram terreno no artigo 25 da mesma lei. A dife-
renciação básica adotada para os projetos especiais diz respeito, além da natu-

2 A Lei Rouanet, em seu artigo 24, expande o conceito de doação: “Art. 24. Para os fins
deste Capítulo, equiparam-se a doações, nos termos do regulamento: I - distribuições gra-
tuitas de ingressos para eventos de caráter artístico-cultural por pessoas jurídicas a seus
empregados e dependentes legais; II - despesas efetuadas por pessoas físicas ou jurídicas
com o objetivo de conservar, preservar ou restaurar bens de sua propriedade ou sob sua
posse legítima, tombados pelo Governo Federal, desde que atendidas as seguintes dispo-
sições: a) preliminar definição, pelo Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural - IBPC,
das normas ecritérios técnicos que deverão reger os projetos e orçamentos de que trata
este inciso; b) aprovação prévia, pelo IBPC, dos projetos e respectivos orçamentos de
execução das obras; c) posterior certificação, pelo referido órgão, das despesas efetiva-
mente realizadas e das circunstâncias de terem sido as obras executadas de acordo com
os projetos aprovados.”
23 GONZALEZ, Rodrigo. Op. cit. p. 121.
310 TriButAçÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

reza dos projetos a serem incentivados, à forma de apuração do imposto de ren-


da da pessoa jurídica incentivadora e seus benefícios reflexos, como passa-se a
demonstrar.

a) Projetos usuais incentivados: artigo 25 da Lei nº 8.313/91


Usualmente, desde sua redação original o artigo 25 da Lei Rouanet“? pre-
vê os segmentos dentro dos quais devem se adequar os projetos que podem ser
objeto de doação ou patrocínio para fins de incentivo, quais sejam:
“I - teatro, dança, circo, ópera, mímica e congêneres;
H - produção cinematográfica, videográfica, fotográfica, discográfica e
congêneres;
HI - literatura, inclusive obras de referência;
IV - música;
V -artes plásticas, artes gráficas, gravuras, cartazes, filatelia e outras con-
gêneres;
VI - folclore e artesanato;
VII - patrimônio cultural, inclusive histórico, arquitetônico, arqueológi-
co, bibliotecas, museus, arquivos e demais acervos;
VII - humanidades; e
IX - rádio e televisão, educativas e culturais, de caráter não-comercial.
Parágrafo único. Os projetos culturais relacionados com os segmentos do
inciso II deste artigo deverão beneficiar exclusivamente as produções in-
dependentes, bem como as produções culturais-educativas de caráter não
comercial, realizadas por empresas de rádio e televisão. (Redação dada
ao parágrafo pela Lei nº 9.874, de 23.11.1999)”
Estes, entre outros - conforme redação do artigo 25 -, são os segmentos cu-
jos projetos fazem parte do regime geral de incentivos instituído pela Lei Rouanet.
Estando o projeto incentivado enquadrado em um destes segmentos, ou outros
segmentos considerados culturais que não aqueles previstos no regime especial
instituído pelo artigo 18 da mesma lei, poderá ser aplicado ao incentivador o re-
gime geral de benefícios fiscais, seja doação seja patrocínio.
O benefício fiscal estabelecido em favor do doador ou patrocinador destes
projetos usuais previstos na Lei Rouanet é a possibilidade de dedução dos valo-
res efetivamente doados ou patrocinados na apuração do Imposto de Renda de-
vido.
As doações efetuadas por pessoas físicas poderão ser deduzidas em até 80%
do seu valor; já as pessoas jurídicas poderão deduzir 40% do valor da doação.

Se “Art. 25. Os projetos a serem apresentados por pessoas físicas ou pessoas Jurídicas, de
natureza cultural para fins de incentivo, objetivarão desenvolver as formas de expressão,
os modos de criar e fazer, os processos de preservação e proteção do patrimônio cultural
brasileiro, e os estudos e métodos de interpretação da realidade cultural, bem como con-
tribuir para propiciar meios, à população em geral, que permitam o conhecimento dos bens
e valores artísticos e culturais, compreendendo, entre outros, os seguintes segmentos.”
LeanDRO MARINS DE SOUZA 311

Os valores repassados sob a forma de patrocínio, por sua vez, poderão ser
objeto de dedução pelas pessoas físicas em até 60% de seu valor, e para as pes-
soas jurídicas o limite é de 30%. Ressalve-se que somente as pessoas físicas e
as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real poderão usufruir destes benefícios
instituídos pela Lei Rouanet.
O artigo 26, $ 1º da lei prevê ainda mais um benefício para as pessoas jurí-
dicas tributadas com base no lucro real, que é a possibilidade de abater a totali-
dade dos valores relativos a doações e patrocínios como despesa operacional.
À Lei nº 9.532/97, com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.189-49,
de 23 de agosto de 2001, fixa o limite máximo para as deduções previstas no
artigo 26 da Lei nº 8.313/91, em 4% do imposto de renda devido, desconside-
rando-se para este cálculo o valor do adicional do imposto de renda, que não pode
sofrer deduções a teor do disposto no artigo 3º, $ 4º da Lei nº 9.249/95. Já para
as pessoas físicas, o limite máximo para as deduções é de 6%, nos termos do
artigo 22 da Lei nº 9.532/97, haja vista que esta lei fez desconsiderar, para as
pessoas físicas, os limites específicos de cada espécie de doação para fazer va-
lor global.º26
Também merece menção o disposto no artigo 26, $ 3º da Lei Rouanet: “8 3º
Os benefícios de que trata este artigo não excluem ou reduzem outros benefícios,
abatimentos e deduções em vigor, em especial as doações a entidades de utili-
dade pública efetuadas por pessoas físicas ou jurídicas.”
Estes são, grosso modo, os benefícios fiscais deferidos para os incentiva-
dores de projetos incluídos na categoria de projetos usuais do artigo 25 da Lei
nº 8.313/91.

b) Projetos especiais incentivados: artigo 18 da Lei nº 8.313/91 coma


redação dada pelo artigo 1º da Lei nº 9.874/99
Visto o regime destinado aos projetos que denominamos usuais no bojo da
Lei Rouanet, resta analisarmos as diferenças no que se referem aos projetos es-
peciais, chamados por Fábio de Sá Cesnik de segmentos artísticos com abati-

2 “Art. 6º Observados os limites específicos de cada incentivo e o disposto no $ 4º do arti-


go 3º da Lei nº 9.249, de 1995, o total das deduções de que tratam: (...) II - o art. 26 da
Lei nº 8.313, de 1991, e o art. 1º da Lei nº 8.685, de 20 de julho de 1993, não poderá ex-
ceder quatro por cento do imposto de renda devido.”
26 Lei nº 9.532/97: “Art. 22. A soma das deduções a que se referem os incisos I a III do arti-
go 12 da Lei nº 9.250, de 1995, fica limitada a seis por cento do valor do imposto devi-
do, não sendo aplicáveis limites específicos a quaisquer dessas deduções.”
Lei nº 9.250/95: “Art. 12. Do imposto apurado na forma do artigo anterior, poderão ser
deduzidos: I - as contribuições feitas aos fundos controlados pelos Conselhos Municipais,
Estaduais e Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; II - as contribuições efe-
tivamente realizadas em favor de projetos culturais, aprovados na forma da regulamenta-
ção do Programa Nacional de Apoio à Cultura - Pronac, instituído pelo artigo 1º da Lei
nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991; III - os investimentos feitos a título de incentivo às
atividades audiovisuais, na forma e condições previstas nos artigos 1º e 4º da Lei nº 8.685,
de 20 de julho de 1993.”
312 TriBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

mento especial,” criados pela Lei nº 9.874/99 em alteração promovida ao arti-


go 18 da Lei Rouanet, que inclui em seu $ 3º os seguintes segmentos especiais:
“a) artes cênicas;
b) livros de valor artístico, literário ou humanístico;
c) música erudita ou instrumental:
d) exposições de artes visuais;
e) doações de acervos para bibliotecas públicas, museus, arquivos públi-
cos e cinematecas, bem como treinamento de pessoal e aquisição de equi-
pamentos para a manutenção desses acervos;
f) produção de obras cinematográficas e videofonográficas de curta e mé-
dia metragem e preservação e difusão do acervo audiovisual; e
£) preservação do patrimônio cultural material e imaterial. (Redação dada
ao parágrafo pela Medida Provisória nº 2.228-1, de 06.09.2001)”
Especialmente para estes casos, ao contrário da limitação da dedução dos
valores doados ou gastos no patrocínio prevista para os projetos usuais regrados
pelo artigo 25, a dedução pode ser integral.“ As pessoas físicas e jurídicas tri-
butadas com base no lucro real poderão deduzir do imposto de renda 100% das
quantias despendidas atítulo de doação ou patrocínio a projetos especiais, pre-
vistos no artigo 18 da Lei Rouanet. Esta é a primeira diferença - significativa,
diga-se por oportuno - entre os projetos usuais e os projetos especiais.
A segunda diferença, trazida pelo 8 2º do mesmo artigo 18, é que as pes-
soas jurídicas não poderão, nestes casos, deduzir o valor da doação ou do patro-
cínio como despesa operacional,” ao contrário do regime do artigo 25.
Por fim, nos mesmos termos do regime geral do artigo 25 da Lei Rouanet,
as deduções dos projetos especiais estão limitadas a 4% do valor do imposto
devido para o caso das pessoas jurídicas e 6% para o caso das pessoas físicas.

c) Disposição comum aos dois regimes: impossibilidade de doação ou pa-


trocínio a pessoa ou instituição vinculada ao agente (artigo 27 da Lei nº 8.313/91)
Dispositivo comum a ambos os regimes previstos na Lei nº 8.313/91 diz
respeito à proibição de doação ou patrocínio, por pessoa física ou jurídica, a
entidade que lhe seja vinculada, assim consideradas:
“a) à pessoa jurídica da qual o doador ou patrocinador seja titular, admi-
nistrador, gerente, acionista ou sócio, na data da operação, ou nos doze
meses anteriores;
b) o cônjuge, os parentes até o terceiro grau, inclusive os afins, e os de-
pendentes do doador ou patrocinador ou dos titulares, administradores,

2” CESNIK, Fábio de Sá. Guia do incentivo à cultura, Barueri : Manole, 2002, p. 28.
“8 “8 1º Os contribuintes poderão deduzir do imposto de renda devido as quantias efetiva-
mente despendidas nos projetos elencados no $ 3º, previamente aprovados pelo Ministé-
rio da Cultura, nos limites e nas condições estabelecidos na legislação do imposto de renda
vigente, na forma de: a) doações; e b) patrocínios.”
$2 «8 2º As pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real não podêrão deduzir o valor
da doação ou do patrocínio referido no parágrafo anterior como despesa operacional.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 313

acionistas ou sócios de pessoa jurídica vinculada ao doador ou patroci-


nador, nos termos da alínea anterior;
c) outra pessoa jurídica da qual o doador ou patrocinador seja sócio”.
Mas o interesse nesta disposição apresenta-se mesmo na definição do que
não é entidade vinculada, quando a lei abre margem para o desenvolvimento de
atividades do Terceiro Setor mediante doações ou patrocínio do próprio institui-
dor de entidades com esta característica.
Isto porque as instituições culturais sem fins lucrativos criadas pelo doa-
dor ou patrocinador não são consideradas vinculadas a ele: “8 2º Não se consi-
deram vinculadas as instituições culturais sem fins lucrativos, criadas pelo doa-
dor ou patrocinador, desde que devidamente constituídas e em funcionamento,
na forma da legislação em vigor”
Este dispositivo afirma, por exemplo, que empresas que criem instituições
de cultura sem fins lucrativos podem doar e patrocinar suas atividades, deduzin-
do, nas hipóteses antes analisadas, até 100% destes valores na apuração do Im-
posto de Renda devido.

12.1.4. Lei do Audiovisual (Lei nº 8.685, de 20 de julho de 1993) de incentivo


às obras audiovisuais brasileiras
Outro instrumento efetivo que institui benefícios fiscais que podem se re-
verter para o desenvolvimento das atividades a que se dedicam as entidades per-
tencentes do Terceiro Setor é a chamada Lei do Audiovisual (Lei nº 8.685/1993),
que expressamente em seu preâmbulo dá o seu tom ao estabelecer que vem para
criar “mecanismos de fomento à atividade audiovisual”.
A relação deste diploma legal com o Terceiro Setor será direta quando a
entidade sem fins lucrativos se dedicar à comunicação social, capítulo específi-
co constante do Título VIII de nossa Constituição (Da ordem social) e abarcado
pelo conceito anteriormente traçado de Terceiro Setor. Ao desenvolver projeto
que se enquadre na Lei do Audiovisual, de obra audiovisual cinematográfica
brasileira de produção independente - relacionado portanto diretamente com sua
atividade - poderá se valer dos dispositivos da Lei do Audiovisual para capta-
ção de recursos.
Na outra ponta, havendo investimento no projeto desenvolvido pela enti-
dade será deflagrado o benefício fiscal instituído pela lei em referência. É a aná-
lise deste benefício que nos interessa, haja vista demonstrada a sua percussão
sobre as atividades do Terceiro Setor.
O benefício, na forma de dedução, foi instituído pelo artigo 1º da Lei nº
8.685/93, e tem prazo de validade que está se escoando. O exercício de 2003,
não fosse a prorrogação da Medida Provisória nº 2.228-1/2001 até o exercício
de 2006, seria o último a ser permitida a fruição do benefício fiscal em referên-
cia, consistente na dedução, do imposto de renda devido, dos valores referentes
a investimento feito em obras cinematográficas brasileiras de produção indepen-
314 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

dente,” cujo conceito está regulamentado, atualmente, pela Medida Provisória


nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, que revogou a Lei nº 8.401/92.
A forma pela qual se formaliza o investimento por parte do contribuinte é
a aquisição de direitos de comercialização das obras cujo projeto de produção
tenha sido aprovado pelo Ministério da Cultura, o que se dá através da emissão
de certificados de investimento, sob fiscalização da Comissão de Valores
Mobiliários.
O valor integral deste investimento poderá ser deduzido do lucro líquido
para fins de apuração do imposto de renda devido pelo investidor, pessoa física
ou jurídica.”
Não obstante a lei fixar limite para estas deduções a 3% para as pessoas
físicas e 1% para as pessoas jurídicas, as limitações para as deduções são, na
verdade, de 6% para as pessoas físicas e de 3% para as pessoas jurídicas, a teor,
respectivamente, do artigo 22 da Lei nº 9.532/97 e do artigo 1º da Lei nº
9.328/96.
Por fim, mesmo sendo deduzido integralmente o valor do investimento, a
pessoa jurídica tributada com base no lucro real ainda poderá abatê-lo como
despesa operacional, aumentando ainda mais a recuperação do valor do investi-
mento que, em determinadas situações, chega a ser em patamar acima de 100%
do valor investido.
Através desta previsão de dedução dos investimentos realizados em obras
audiovisuais por parte do contribuinte do imposto sobre a renda, pela aquisição
de certificados de investimento e, portanto, tornando-se sócio do projeto no qual
investiu, pretende a Lei do Audiovisual fomentar a indústria cinematográfica na-
cional de produção independente, mostrando-se, como também a Lei Rouanet,
com objetivos de elevado teor social e cultural.

12.1.5. Fundo de Financiamento da Indústria Cinematográfica - Funcine


(Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001)
Regulamentando conceitualmente a Lei do Audiovisual por expressa revo-
gação da Lei nº 8.401/92, bem como em substituição ao regime de benefícios

&o Lei nº 8.685/93 - “Art. 1º Até o exercício fiscal de 2003, inclusive, os contribuintes po-
derão deduzir do imposto de renda devido as quantias referentes a investimentos feitos
na produção de obras audiovisuais cinematográficas brasileiras de produção independente,
conforme definido no artigo 2º, incisos Ile III, e no artigo 3º, incisos Ie II, da Lei nº 8.401,
de 8 de janeiro de 1992, mediante a aquisição de quotas representativas de direitos de
comercialização sobre as referidas obras, desde que estes investimentos sejam realizados
no mercado de capitais, em ativos previstos em lei e autorizados pela Comissão de Valo-
res Mobiliários, e os projetos de produção tenham sido previamente aprovados pelo Mi-
nistério da Cultura.”
$1 Conforme artigo 1º do Decreto nº 974, de 8 de novembro de 1993, que regulamenta a Lei
do Audiovisual.
632 “8 3º Os valores aplicados nos investimentos de que trata o artigo anterior serão: a) de-
duzidos do imposto devido no mês a que se referirem os investimêntos, para as pessoas
jurídicas que apuram o lucro mensal; b) deduzidos do imposto devido na declaração de
LEANDRO MARINS DE SOUZA 315

fiscais instituído por aquela lei, a Medida Provisória nº 2.228-1/2001 é editada


com ares de uma nova política para a indústria cinematográfica nacional.
Especificamente no que tange aos benefícios fiscais, que recebem a mes-
ma justificativa de correlação com o Terceiro Setor feita no tópico anterior, além
de prorrogar até 2006 a possibilidade de dedução do valor de investimento feito
sob o regime da Lei do Audiovisual cria novo sistema fundamentado em Fun-
dos de Financiamento da Indústria Cinematográfica - Funcine.
Em largas passadas, os Funcines se formalizam como condomínio fecha-
do administrados por instituições financeiras, e cujo patrimônio é representado
por quotas a serem alienadas aos interessados em investir nestes papéis, cujos
recursos se destinam a: I - obras cinematográficas brasileiras de produção inde-
pendente; II - construção, reforma e recuperação das salas de exibição; III - aqui-
sição de ações de empresas nacionais de capital aberto constituídas para a pro-
dução, comercialização, distribuição ou exibição de obras cinematográficas bra-
sileiras de produção independente; IV - obra cinematográfica ou videofonográ-
fica seriada produzida com no mínimo três e no máximo vinte e seis capítulos e
telefilmes brasileiros de produção independente.
As pessoas jurídicas sujeitas à tributação com base no lucro real podem
deduzir do lucro líquido, regressivamente, parcela do valor dos investimentos,
da seguinte forma:
“I - cem por cento, nos anos-calendário de 2002 a 2005;
II - cingiienta por cento, nos anos-calendário de 2006 a 2008;
HI - vinte e cinco por cento, nos anos-calendário de 2009 e 2010”.
Ainda, parcela do valor das quotas adquiridas pode ser deduzida do valor
do imposto de renda devido, até o período de apuração do exercício de 2010, e
pode ser feita alternativamente à dedução da Lei do Audiovisual até o ano-ca-
lendário de 2006, ano em que esta se extinguirá.*
A parcela a ser deduzida corresponderá à soma das alíquotas de imposto
de renda, contribuição social sobre o lucro líquido e adicionais, que se fará inci-
dir sobre o valor das quotas para a dedução, limitada a 3% do valor do imposto
devido.

12.1.6. Fundos federais, estaduais e municipais dos Direitos das Crianças e


dos Adolescentes (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança
e do Adolescente)
Em 13 de julho de 1990 foi editada a Lei nº 8.069, o Estatuto da Criança e
do Adolescente, dispondo sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

ajuste para: 1. as pessoa jurídicas que, tendo optado pelo recolhimento do imposto por
estimativa, apuram o lucro real anual; 2. as pessoas físicas.”
63 E Artigo 45, 8 3º da Medida Provisória nº 2.228-1/2001.
63 +» “Art. 44. Até o período de apuração relativo ao ano-calendário de 2010, inclusive, as pes-
soas jurídicas sujeitas à tributação com base no lucro real poderão deduzir do imposto de
renda devido parcela do valor correspondente às quantias aplicadas na aquisição de quo-
tas dos Funcines. Parágrafo único. A dedução referida neste artigo poderá ser utilizada
alternativamente à de que trata o art. 1º da Lei nº 8.685, de 20 de julho de 1993, até o ano-
calendário de 2006, quando se extinguirá este benefício.”
316 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

É cartilha que eleva a condição das crianças e adolescentes, justificadamen-


te, a patamar superior de preocupação, pela falta de oportunidades e de facilida-
des para o seu pleno desenvolvimento, como faz menção o texto legal.
E assim o fazendo, trata de lhe outorgar também especial sistema de direi-
tos e garantias, a começar pela reafirmação dos direitos fundamentais que lhe são
inerentes e, em seu artigo 4º, pela outorga acometida solidariamente à família, à
comunidade, à sociedade em geral e ao Poder Público a asseguração de seu di-
reito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profis-
sionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência fa-
miliar e comunitária, e mais, prioritariamente.
Para dar efetividade a estas garantias, o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente dá ensejo à criação de estrutura especificamente voltada ao atendimento
dos direitos da criança e do adolescente, verdadeira política de atendimento.
Define ainda, em seu artigo 86, que esta política de atendimento se dá através
de “um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
É neste contexto que se dá a participação do Terceiro Setor, engajado nas
ações conjuntas com os entes estatais para dar efetividade à política de atendi-
mento dos direitos da criança e do adolescente, com expressa menção no texto
legal à sua participação coordenada.“
A coordenação da atuação das entidades estatais e não estatais ficou a car-
go, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, de conselhos nos âmbitos
municipal, estadual e federal, tendo como uma de suas fontes de recursos fun-
dos por eles administrados, como prescreve o artigo 88:
“Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:
e)
II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da
criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações
em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio

&s “Art. 90. As entidades de atendimentos são responsáveis pela manutenção das próprias
unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e sócio-
educativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de: I - orientação e apoio só-
cio-familiar; II - apoio sócio-educativo em meio aberto; III - colocação familiar; IV - abri-
go; V - liberdade assistida; VI - semiliberdade; VII - internação. Parágrafo único. As en-
tidades governamentais e não-governamentais deverão proceder a inscrição de seus pro-
gramas, especificando os regimes de atendimento, na forma definida neste artigo, junto
ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual manterá regis-
tro das inscrições e de suas alterações, do que fará comunicação ao Conselho Tutelar e à
autoridade judiciária. Art. 91. As entidades não-governamentais somente poderão funcio-
nar depois de registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adoles-
cente, o qual comunicará o registro ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária da res-
pectiva localidade. Parágrafo único. Será negado o registro à entidade que: a) não ofere-
ça instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e
segurança; b) não apresente plano de trabalho compatível com os princípios desta lei; c)
esteja irregularmente constituída; d) tenha em seus quadros pessoas inidôneas.”
LEANDRO MARINS DE SOUZA 317

de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e muni-


cipais;
(=)
IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados
aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente.”
E o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a possibilidade de
deduções por parte dos contribuintes que efetuarem doações para estes fundos.
Em verdade, “os contribuintes poderão deduzir do imposto devido, na declara-
ção do imposto sobre a renda, o total das doações feitas aos fundos dos Direitos
da Criança e do Adolescente”, nos termos do artigo 260 do ECA.
Poderá o contribuinte pessoa jurídica, portanto, deduzir integralmente os
valores doados aos fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, limitada a
dedução ao valor máximo representativo de 1% do valor do imposto devido. O
contribuinte pessoa física, por sua vez, deduzirá integralmente as doações no li-
mite de 6% do imposto devido.
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319

Conclusões

Diante das proposições a que nos dedicamos no presente trabalho, inicial-


mente é de ressaltar que algumas premissas não podem ser ignoradas; mais ain-
da, não podem quiçá ser infirmadas pela robusteza de sua consolidação. Seja por
sua expressão fática seja pela retaguarda jurídica que lhe dá guarida, determi-
nados fenômenos merecem não somente consideração, mas sobretudo atenção
especial hodiernamente.
O Terceiro Setor, por si só, é um destes elementos. É fenômeno que nos
rodeia diuturnamente e para o qual fechamos os olhos como que de forma cons-
ciente, lançando-o à sombra da noite. Mas ele não se vai; continua persistente
seguindo seu rumo como fato adstrito à natureza dos acontecimentos, como o
que surge e se desenvolve sem esforço extraordinário.
Isto porque, assim o é o Terceiro Setor. Tem fundamento de existência em
princípios ínsitos à qualidade humana, como o são a solidariedade, a filantropia,
a benemerência, o auxílio-mútuo, a caridade, o amparo aos desvalidos, e tantos
outros que não se apagam num simples fechar de olhos.
É metáfora que serve bem para ilustrar a situação do Terceiro Setor no Bra-
sil. Não obstante sua existência histórica, a merecer abordagem particularizada
por sua nova roupagem e pela intensificação dos debates que o norteiam, o Ter-
ceiro Setor vem recebendo cada vez mais olhos fechados por parte de nosso
Estado.
Por força de histórico legislativo conturbado, mal elaborado e mal resolvi-
do, o Terceiro Setor costuma ser tratado pelo Estado brasileiro como a própria
expressão cunhada para lhes dar alcunha: pilantropia. A corruptela que se sagrou
na generalização do trato ao Terceiro Setor bem demonstra a falta de reconheci-
mento da importância que assume no desenvolvimento de suas atividades sociais.
Não é inteligível que o Terceiro Setor seja relegado ao descaso, como o é
no Brasil, quando se traça o cenário de sua atuação e o papel por ele desempe-
nhado. Basta dizer o papel desempenhado pelo Terceiro Setor em matéria de
educação no nosso país. São inúmeras as entidades que se dedicam a educar a
nossa população, dando-lhe condições de discernimento, elevando sua auto-es-
tima, aumentando sua capacidade de trabalho, enfim, alimentando sua alma e lhe
proporcionando dignidade. É suficiente para elevar a condição do Terceiro Se-
tor a patamar superior ao que atualmente lhe é destinado.
Quando uma ação, sem intuito lucrativo, praticada por pessoa física ou ju-
rídica de natureza privada, que tenha por finalidade a promoção de um direito
social ou seus princípios é praticada, ao Estado cumpriria tirar o chapéu e es-
tender tapete vermelho.

36 “E] Estado no le hace “un favor” a las personas dejándoles que jueguen a producir “algo
de bien común”, y concediéndoles como 'yapa” (regalo), algún “incentivo”. Tan sólo re-
conoce y garantiza el ejercicio de esos derechos a la libertad de iniciativa, lo que, para
muchos, comporta además el cumplimiento de un deber.” (LEVENE, Julio. La exención
320 TriBuTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Pode parecer exagero ou afirmação de cunho meramente demagógico, mas


a ela agregamos outra para amenizar sua repercussão: as ferramentas de fiscali-
zação das atividades desenvolvidas pelo Terceiro Setor, a serem criadas pelo
Estado brasileiro, devem vir a reboque de seu salutar crescimento.
Deve, sim, o Estado incentivar e festejar o desenvolvimento de tais entida-
des, mas não sem se munir de aparato condizente com a demanda derivada des-
se fenômeno, sobretudo como forma de manter a fiscalização sobre a prestação
de seus serviços que são de responsabilidade do Estado.
O Terceiro Setor desempenha papel de fundamental importância em qual-
quer lugar do mundo, desde que se lhe sejam dispensados, como conseqiiência
do reconhecimento de sua importância vital, instrumentos jurídicos adequados.
Instrumentos que devem servir não somente para que a entidade tenha condições
de prosperar e representar efetiva contrapartida à oportunidade que lhe é dada,
mas também para que o Estado disponha de aparatos suficientes para fazê-la
desempenhar seu papel com transparência e eficiência.
E não somos só nós que entendemos que o Terceiro Setor tem fundamen-
tal importância. A fortalecer esta assertiva, o jurista português Vital Moreira afir-
ma que
“as fundações e o chamado “sector não lucrativo” (non profit), em geral,
têm um papel cada vez mais relevante na sociedade e na economia dos
países mais desenvolvidos, quer em termos dos serviços por elas presta-
dos nas mais diversas áreas, quer pelo volume de emprego por que são
responsáveis. Devem ser obviamente encorajadas e apoiadas. Mas não
devem servir de capa a iniciativas empresariais apócrifas nem de fuga às
responsabilidades públicas.”
A ressalva do autor é imprescindível, e por isso dissemos da importância
de o Estado se munir de instrumentos de fiscalização e, sobretudo, instrumen-
tos jurídicos, que possibilitem que o Terceiro Setor alcance seus verdadeiros
objetivos e não descambe para a pilantropia.
Já é tempo, portanto, desta infra-estrutura social invisível, ** nas palavras
de Salamon, ser reconhecida e estudada de forma autônoma, até para que se
descubra se efetivamente há condições de se implantar a proposta que ora se
apresenta.
Proposta sim, entendemos, de alternativa ao Estado Social que substituiu
o Estado Liberal que substituiu o Estado Medieval...:; proposta que como outras
tantas dá ensejo a críticas das mais variadas. Aliás, proposta que como todas as
outras pode dar certo ou não.

de las entidades sin fines de lucro en el impuesto a las ganancias, in II Coloquio Interna-
cional de Derecho Tributario, Buenos Aires : La Ley, São Paulo : IOB, 2001, p. 227)
$7 MOREIRA, Vital. A regulação das fundações, in MOREIRA, Vital e MARQUES, Maria
Manuel Leitão. A mão visível: mercado e regulação, Coimbra : Almedina, 2003, p. 243.
68 SALAMON, Lester M. The resilient sector: the State of nonprofit America, in The State
ofnonprofit America, coord. Lester M. Salamon, Washington, D.C. : Brooking Institution
Press, 2003, p. 3.
LEANDRO MARINS DE SOUZA 327

E é por isso que este reconhecimento da importância e da autonomia do


Terceiro Setor é o primeiro passo para que se encontre a melhor formatação a
ser adotada por ele - se se chegar, é claro, à conclusão da possibilidade de sua
implementação.“
O fato é que, uma vez reconhecido o Terceiro Setor de modo autônomo, em
decorrência de sua função substitutiva às atividades estatais, o desabrochar de
discussões sobre o tema resultará em se conhecer melhor o fenômeno e adaptá-
lo à realidade brasileira. *º
Não podemos ser injustos e dizer que isto não está acontecendo. Já há al-
gum tempo os debates se iniciaram e as conclusões estão sendo apresentadas.
Muito mais nas ciências não jurídicas, é verdade, mas também juridicamente o
Terceiro Setor tem sido objeto de atenção e estudos que começam asurtir efei-
tos.
A edição das Leis nº 9.637/98 e nº 9.790/99 já é exemplo disso: a institui-
ção de debates fez serem editadas duas leis destinadas a alterar o paradigma vi-
gente para o Terceiro Setor. Ousamos dizer: ainda não é suficiente. Aliás, sobre-
tudo em face da necessidade de alterações legislativas a serem implementadas a
partir do reconhecimento da importância do Terceiro Setor, a aproximação jurí-
dica para o seu debate deve ocorrer de forma ainda mais ampla.
Não obstante todo o discurso demonstrar a necessidade de se destinar es-
pecial atenção às atividades desenvolvidas pelas organizações componentes do

$3º Citando artigo da Harvard Law Review de 1992, James J. Fischman e Stephen Schwarz
(Nonprofit organizations, 2º ed., New York : Foundation Press, 2000, p. vii) apontam o
amadurecimento do Terceiro Setor nos Estados Unidos: “Por muitos anos, somente tri-
butaristas e outros poucos apreciavam os temas relacionados às organizações sem fins
lucrativos. Só recentemente o resto da academia tem reconhecido que as organizações sem
fins lucrativos constituem uma disciplina legal separada. Um número de grupos de tra-
balho profissionais se dedicam agora em vários aspectos da legislação das organizações
sem fins lucrativos; por exemplo, a American Bar Association recentemente elaborou um
modelo de estatuto de organização sem fins lucrativos. A literatura acadêmica na área tem
se avolumado e cursos de Direito têm começado a integrar o tópico em seus currículos.”
No original: “For many years, only tax specialists and a few cognoscenti appreciated the
unique legal issues related to nonprofit corporations. Only recently has the rest of the bar
come to recognize that representing nonprofit corporations constitutes a separate legal
discipline. A number of professional working groups now focus on various aspects of
nonprofit corporation law; for example, the American Bar Association recently promul-
gated a model nonprofit corporation statute. The academic literature in the field has
mushroomed, and law schools have begun to integrate the field into their curricula.” (tra-
dução livre nossa)
4º Reconhecimento que nos Estados Unidos é expresso, ao menos nas linhas de Lester Sa-
lamon (op. cit., p. 3), que ao se dedicar a discorrer sobre o Terceiro Setor o aponta como
“a variedade de organizações e instituições que compõe o que é crescentemente reconhe-
cido como um distinto, se não completamente entendido, setor de nossa vida nacional
conhecido diversamente como o setor sem fins lucrativos, o filantrópico ou da sociedade
civil”. No original: “The vast assortment of organizations and institutions that compose
what is increasingly recognized as a distinct, if not wholly undestood, sector of our natio-
nal life known variously as the nonprofit, the charitable, or the civil society sector.” (tra-
dução livre nossa)
322 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Terceiro Setor, como já dissemos, a impressão que dá é o total descaso legisla-


tivo com estas entidades. A legislação regente do título de utilidade pública fe-
deral e do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social não acom-
panha a evolução social das entidades e não serve mais ao fim a que se destina-
va; pelo contrário, a cada dia se torna mais retrógrada diante das alterações le-
gislativas que se impõem, especialmente sobre o Certificado de Entidade Bene-
ficente de Assistência Social.
Talvez como justificativa à tentativa de se moralizar o setor, que carrega o
fardo pesado de ser generalizadamente considerado corrupto, instalou-se verdadei-
ra barbárie legislativa, um manicômio jurídico nas já citadas palavras de Becker.“*!
Ressalvadas as louváveis tentativas recentes de modernização da legisla-
ção do Terceiro Setor, que deve ter continuidade, de resto a legislação tem co-
metido absurdos tremendos que têm dificultado cada vez mais o desenvolvimento
das atividades do setor.
É mais grave ainda a situação da legislação tributária aplicável a estas ati-
vidades. O desconcerto é total e o regime de insegurança jurídica instaurado para
as entidades é flagrante.**
Apesar de se saber que “a falta de incentivos fiscais constitui uma das prin-
cipais queixas das entidades do Terceiro Setor”,º a legislação tributária brasi-

“ BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 3º ed., São Paulo :Lejus,
1998.
“2 A Argentina, ao que parece, também sofre deste problema, como se observa da constata-
ção de Fernanda Mabel Fernández (La exención de las entidades sin fines de lucro en el
impuesto a las ganancias, in II Coloquio Internacional de Derecho Tributario, Buenos
Aires : La Ley, São Paulo : IOB, 2001, p. 140): “Se aprecia una total falta de visión con
respecto al papel que las entidades sin fines de lucro pueden tener en la vida económico-
social del país. Incluso, aunque solo lo hemos mencionado, insistimos en el tema previ-
sional, dado que muchas personas aportan sus esfuerzos para que estos emprendimientos
continúen adelante y a través de la actual regulación lo único que se consigue es dificul-
tar aún más el accionar de estas entidades. Una vez más, la inseguridad jurídica que ge-
nera la utilización indiscriminada de presunciones es, a nuestro juício un elemento
pri-
mordial a considerar en un replanteo de los temas tributarios de este tipo de entidades
que
sin ninguna duda merecen un tratamiento legislativo ordenado, global y particular dadas
sus características.” Também na Espanha, que detém legislação bastante avançada sobre
o assunto, há reclamações quanto a isso: “En el ámbito del Derecho Tributario
se produ-
cen con demasiada frecuencia cambios legislativos, a través de normas contenidas
en los
más diversos textos legales, que finalmente dificultan el conocimiento exacto del
régimen
aplicable en cada momento. Y ello, por lo que ahora nos ocupa, se advierte para
consta-
tar que el estudio de la fiscalidad del mecenazgo ya no puede hacer considerando
única-
mente la sistemática Ley 30/1994, pues desde la aprobación de ésta se han aprobado
otras
disposiciones que, de forma directa o indirecta, han incidido en el régimen legal
de los
incentivos fiscales resefiados.” (FABO, Diego Marín-Barnuevo. Fiscalidad
del mecenazgo,
in Las fundaciones: su fiscalidad e incentivos al mecenazgo, Madrid : Dykinson,
1998,
p. 112)
“3 FALCÃO, Joaquim e CUENCA, Carlos. Introdução, in Mudança social e reforma
legal:
estudos para uma nova legislação do Terceiro Setor, coord. Joaquim Falcão
e Carlos
Cuenca, Brasília, DF : Conselho da Comunidade Solidária : Unesco, 1999,
p. 12. José
Pedreira Menéndez (La tributación de las entidades sin fines lucrativos en
Espafia, in 1]
LEANDRO MARINS DE SOUZA 323

leira é cada dia mais contrária ao fomento do Terceiro Setor. O parco instrumento
Jurídico legislativo de que dispõe o Terceiro Setor brasileiro lhe é diariamente
surrupiado das formas mais atrozes possíveis.
“Argumentos contra a isenção de impostos para entidades do Terceiro Se-
tor só podem causar estranheza no Brasil, se até a indústria de refrigerantes goza
de incentivos”.
Por tudo isso, são atrozes sim, por exemplo, as Leis nº 9.532/97 e 8.212/91.
A pretexto de regulamentarem os regimes de imunidade tributária previstos nos
artigos 150, VI, “c” e 195, 8 7º da Constituição Federal, criam as maiores inju-
ridicidades possíveis em total afronta a preceitos constitucionais e infracons-
titucionais competentes para regulamentar a matéria.
Ão invés de serem prestigiadas as imunidades tributárias, por sua impor-
tância expressada por seu matiz constitucional, o que se vê é uma proliferação
legislativa impressionante que dificulta inclusive a compreensão do regime tri-
butário aplicável às entidades do Terceiro Setor.
Para darmos um exemplo, é de sabença que o artigo 195, $ 7º da Consti-
tuição Federal institui imunidade tributária a contribuição para a seguridade so-
cial em prol das entidades beneficentes de assistência social. Sabe-se também
que onde deveria dizer imunes o artigo em comento disse isentas. Mas não dei-
xa de ser imunidade, e portanto regulamentada pelo Código Tributário Nacio-
nal (lei complementar). Não obstante, o artigo 55 da Lei nº 8.212/91 (lei ordi-
nária, portanto incompetente para tal) pretendeu regulamentar o artigo constitu-
cional e, mantendo o erro, estabeleceu uma série de requisitos, complementa-
dos por aqueles previstos no Decreto nº 3.048/99. Dentre estes requisitos, há
exigência de a entidade ser portadora do Certificado de Entidade Beneficente de
Assistência Social, instituído pela Lei nº 8.742/93 e regulamentado pelo Decre-
to nº 2.536/98. Também, por decorrência, deve a entidade ser declarada de utili-
dade pública federal, instituída pela Lei nº 91/35 e regulamentada pelo Decreto
nº 50.517/61. Somem-se as leis para a análise de todos estes requisitos exigidos,
supostamente, para a fruição da imunidade tributária prevista no artigo 195, $ 7º
da Constituição. No entanto, como já foi visto estes requisitos não se prestam a
regulamentar o regime de imunidade, por inconstitucionalidades que deles ad-
vêm. Este é somente um exemplo.
Desprestigiam-se os regimes de imunidade tributária, perpetrando-se as
mais flagrantes inconstitucionalidades, a ponto de o título de utilidade pública
federal e o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, não obs-

Coloqguio Internacional de Derecho Tributario, Buenos Aires : La Ley, São Paulo : IOB,
2001, p. 285) emenda que “estas entidades son merecedoras de beneficios fiscales ya que
com su labor están cubriendo de manera directa necesidades sociales, generando con ello
un ahorro o disminución del gasto público”.
$4 OLIVEIRA, Anna Cynthia. Filantropia e incentivos fiscais às doações, in Mudança so-
cial e reforma legal: estudos para uma nova legislação do Terceiro Setor, org. Joaquim
Falcão e Carlos Cuenca, Brasília : Conselho da Comunidade Solidária : Unesco, 1999, p.
124.
324 TriButAaçÃo DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

tante correntemente exigidos pelos órgãos administrativos tributários, não se


prestarem a preencher qualquer requisito para a fruição destes regimes. Servem,
tão-somente, para algumas isenções, não para as imunidades tributárias.“
Falando em isenções, o descompasso da legislação regente do regime tri-
butário aplicável ao Terceiro Setor é tamanho que poucos são os regimes de isen-
ção instituídos que se legitimam quando em confronto com os regimes de imu-
nidade tributária. No mais das vezes, as isenções são criadas inutilmente pelos
legisladores, ao pretenderem ignorar as imunidades tributárias que acobertam os
tributos pretensamente afastados pelas isenções.
Exemplo típico disto é a isenção a algumas contribuições para a segurida-
de social - dentre elas a chamada cota patronal - instituída pelo citado artigo 55
da Lei nº 8.212/91; é isenção que não existe. Como dito, não se presta a regula-
mentar a imunidade tributária, por não ser competente para tanto e extravasar os
limite da lei complementar competente (o Código Tributário Nacional). Subsis-
tira, somente, como regime de isenção. Mas ao fazê-lo, vai além das exigências
para o enquadramento da entidade no regime de imunidade tributária do artigo
195, 8 7º da Constituição Federal, tornando-se inútil a partir daí. Este não é o
único caso neste sentido, como vimos.
Mais uma constatação que demonstra a vertente brasileira de diminuir os
benefícios tributários em favor das atividades do Terceiro Setor advém da análi-
se dos regimes de dedução dos valores de doações do imposto de renda devido
por pessoas físicas e jurídicas. Em 1995, através das Leis nº 9.249 e nº 9.250, as
hipóteses de destinação das doações passíveis de serem deduzidas do imposto .
de renda foram reduzidas drasticamente.
É instrumento eficaz de implemento do orçamento das entidades do Ter-
ceiro Setor, ao permitir que as doações sejam deduzidas do imposto de renda
devido e, portanto, repercutindo no pagamento de menos impostos.
Não obstante, as hipóteses foram radicalmente diminuídas e, portanto, res-
tringidas as possibilidades de obtenção de recursos pelas organizações do Ter-
ceiro Setor.
Como se observa, afora a Lei das Organizações Sociais e a Lei das Orga-
nizações da Sociedade Civil de Interesse Público, a produção legislativa brasi-

“ “Entendemos que o direito a imunidade de contribuições para a seguridade social


tam-
bém está garantido para as entidades beneficentes de assistência social que não
possuam
a declaração de utilidade pública e o Registro e do Certificado de Entidade Beneficente
de Assistência Social fornecidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social.”
(GON-
ÇALVES, Fernando Dantas Casillo. A imunidade das entidades beneficente
s de assistên-
cia social à contribuição para o PIS - exigências legais no art. 14 do CTN, in Repertório
JOB de Jurisprudência, nº 11/2002, 1/17.244, 1º quinzena de junho de 2002, p.
392)
Guillermo Canova (Relato General por Argentina, in II Coloquio Internacion
al de Dere-
cho Tributario, Buenos Aires : La Ley, São Paulo: IOB, 2001, p. 19) enfatiza
a necessi-
dade de incentivo ao regime de deduções das doações, também previsto na ley de impuesto
a las ganancias argentina: “Sin embargo, es necesario promover uma reforma
legal que
aumente los incentivos para que la población realice más donaciones a las ISFL.
(...) Es
necesario fomentar donaciones por parte de Iso individuos: de “persona a persona”
.”
LEanDRO MARINS DE SOUZA 325

leiras está na contracorrente do necessário fomento às atividades desenvolvidas


pelo Terceiro Setor.
Especialmente no campo tributário, a criatividade legislativa espanta tanto
quanto o número de leis produzidas para regular o tema. E esta plêiade de leis
tem vindo, sempre, no sentido de limitar a fruição de benefícios por parte das
entidades do Terceiro Setor.
Infelizmente, no nosso país o paradigma do Terceiro Setor está invertido;
antes de se pensar em incentivá-lo, por suas atividades de profundo interesse
social, pensa-se em limitar suas atividades, sob o pretexto generalizante de que
o setor como um todo é desonesto.
Há, sim, desonestidade no Terceiro Setor, como há em qualquer outro se-
tor econômico, político ou social no Brasil. Nem por isso deve-se partir do pres-
suposto de que o remédio para resolver este problema é o desmando legislativo
e o desprestígio aos preceitos constitucionais.
Deve-se, sim, iniciar - ou dar sequência, melhor dizendo - uma série de
debates entre todos os interessados, a saber, representantes das casas legislati-
vas, órgãos estatais de controle das atividades do Terceiro Setor, Ministério Pú-
blico, representantes das entidades, população, etc., para que se promova verda-
deira reforma da legislação regente da matéria” pondo-se em pauta de discus-
são as propostas já feitas pelo Conselho da Comunidade Solidária no âmbito da
chamada Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor, bem como novas propos-
tas que surjam no intuito de dar efetividade e real importância às atividades de-
senvolvidas pela iniciativa privada na consecução de direitos sociais.

47 “Este sector está adquiriendo cada vez más relevância para el bien de la humanidad. (...)
Por este motivo, en casi todos los países se analizan continuamente posibles mejoras al
marco legal y tributario de este sector.” (CANOVA, Guillermo. Op. cit., p. 7)
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Índice Sistemático

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Título 1 - Primeiro Corte Metodológico: Noções Principiológicas para


emDelimitação-do Objeto de Estudo: «cs soisiiiniceaseneiorsto Soniidevasbooimab aerea 21
Capítulo 1 - O Poliedro do Terceiro Setor: Breve Incursão nos Debates
RE oncos sobre Lema a ens e aia dar sl ea 21
21
1.2. O terceiro setor como “estratégia neoliberal de reestruturação do
capital”; segundo-Cárlos MontafiO .12. sa; issecestirinieesieeseetemeninetimteretasê 28
1.3. As críticas de Pedro Demo ao Terceiro Setor, fundamentadas na
análise dos efeitos da solidariedade. ::..i.. ip esecesmteiroscesiuiimememennedendos 34
1.4. A análise de Robert Kurz sobre o “novo paradigma de reprodução
Social! chamado de Tercéiro Setor. sucos asso cuadçã 40
1.5. “Inovação social na resolução dos problemas coletivos”: o públi-
co não estatal na visão de Bresser Pereira ............eeeeeeemeneos 42
1.6. “Privado porém público”: o Terceiro Setor na obra de Rubem Cé-
Sor Fernandes a E ea ÁSIA ao 45

Capítulo 2 - Contexto Socioeconômico-político de Desenvolvimento do


EDER CLS EAD o duDA cv do SER De PE CD SA dad 51
21. Reforçánido amessalva inicial gta inte sdgalo ao sdoue sai isa 51
2.2. Alterações no papel do estado: campo fértil para o desenvolvimen-
to da terceiro eta ias E io a be dA ade 53

Capítulo 3 - Origem e Conceito Corrente do Terceiro Setor ................. 65

Título 2 - Conceito Jurídico de Terceiro Setor ......... temente n


Capítulo 4 - Aproximação Jurídica para o Conceito de Terceiro Setor... 71

Capítulo 5 - Matriz Constitucional do Terceiro Setor: Percurso Evoluti-


vo e Consolidação de seu Desenvolvimento através da Constituição Fe-
DOU RU RE a no ai e aca nd SON a ep aóctontaçã o 75
5.1. Constituição política do império do Brasil, de 25 de março de 1824 os
5.2. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24
RE MA Designs ie ana ce ARTUR 2 clans Va
328 TriBuTAçÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

5.3. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16


de julho de: 1954... ssseaseeossc quai R pra ae O 78
5.4. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de
82
5.5. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de
1946 açiaiiresesics sono ade Safe a RR e 84
5.6. Constituição do Brasil, de 24 de janeiro de 1967 e Emenda Cons-
titucional nê 1 de 17 deoutubro de TOC. es 85
5.7. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro
te LOGS aa rica Jato in 87

Capítulo 6 - Conceito de Terceiro Setor no Brasil, juridicamente Consi-


AEradO a dxamasisersaosarttancamvocaesasii
adidas aoPS OST 95
6.1. Abrangência da atuação do terceiro setor a partir de seu conceito
Jurídico: definição de direitos SOCIAIS «sassmssanias
rare or Da 98
6.2. Atividade substitutiva e função complementar do terceiro setor . 100

Capítulo 77 - “Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor” ................... 103

Capítulo 8 - Formas Jurídicas que podem assumir as Organizações do


TerceiroSetór ue asd srerss ogpastEs sSGA IS Ts bd Soc usD Sp me 107
8.1. Fundações privadas sm ssesntas irao AEE o A 107
8-2, Associações chuis (e sindicatos) es signs mem do le DER cha 116
8.3. Cooperativas SOCIAIS ses AS e DR A 118

Capítulo 9 - Títulos e Qualificações Relacionados com as Entidades do


Terceo SELOE assar 8 pira enc NR 121
9.1. Título de utilidade pública federal (Lei nº 91, de 28 de agosto de
DOI Eai cegas ap E ob ÇA ei ERR 122
9.2. Certificado de entidade beneficente de assistência social (Lei nº
8.142, de7 de dezembro de 1993 ea steam a 125
9.3. Qualificação da entidade como Organização Social - OS (Lei nº
SO ade Side mato de 1908)5 e rs ra 128
9.4. Qualificação da entidade como Organização da Sociedade Civil
de Interesse Público - OSCIP (Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999) 132

cocoecccarananc concerto cansuana cas 137


138
10.1. Imunidade tributária a impostos das instituições de educação e
de assistência social (artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de
TOGO a cia da e do 147
10.1.1. Regulamentação da imunidade tributária à impostos das
instituições de educação e de assistência social (artigos 9º e 14 do
Código Tributário Nacional) Orc re nene ce canona con nana cenas nero nana renas 149
LEANDRO MARINS DE SOUZA 329

10.1.2. Requisitos constitucionais e infraconstitucionais exigidos


para a fruição da imunidade tributária a impostos destinada às ins-
tituições de educação e de assistência social... 158
10.1.2.1. Caracterização da instituição como sendo “de educação”
ou “de assistência social” (artigo 150, VI, “c” da Constituição
Federal e artigo 9º, IV, “c” do Código Tributário Nacional) ....... 158
a) Conceito de CinStMIÇÕES”: cusaassizs sei DAElse
adid oi o
D) Conceito de CAncaÇÃOE oracairia sp 161
c) Conceito de “assistência:social”: ss pune sneiai ris. 164
10.1.2.2. O requisito de exercício das atividades pela instituição
“sem fins lucrativos” (artigo 150, VI, “c” da Constituição Fede-
ral de 1988 e artigo 9º, IV, “c” do Código Tributário Nacional) . 168
10.1.2.3. A exigência limitadora da imunidade aos impostos que
incidam sobre o patrimônio, a renda e os serviços, “relacionados
com as finalidades essenciais das entidades” (artigo 150, 8 4º da
Constituição Federal de 1988 e artigo 14, $ 2º do Código Tribu-
Co Coal once cargo dao petá oia Mud O nado a RO 173
10.1.2.4. A exigência da “não-distribuição” (artigo 14, I do Códi-
go Tributário Nacional) e da “aplicação dos recursos” (artigo 14,
Ido Códico Inbutário Nacional) .....ceramre Eaedanroraaeoia
rsrine SRe 177
10.1.2.5. A exigência de destinação do patrimônio em caso de en-
cerramento das atividades, fusão, incorporação ou cisão (artigo 14, I
do Código Inbutário Nacional) se sesesemmeesacrorererees gana
iraidos 178
10.1.2.6. A exigência de manutenção de escrituração das receitas
e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de asse-
gurar sua exatidão (artigo 14, III do Código Tributário Nacional) 180
10.1.3. Requisitos instituídos por legislação ordinária e outras
espécies que não são lei complementar: sua inconstitucionalidade 180
10.1.3.1. Lei nº 9.532/97: inconstitucional instituição de requisi-
(OS MLSENÇÃO PNSIISLEIHOS corar emita mer afro rt recta rireeirana 182
10.1.3.2. A Medida Provisória 1.680-07, de 29 de junho de 1998
e a Instrução Normativa nº 96, de 21 de setembro de 1998, da
Secretaria da Receita Federal: inconstitucionalidades e ilegalida-
des que pegam carona na Lei nº 9.532/97 .............emesemssessrems 192
10.1.3.3. Instrução Normativa nº 113, de 21 de setembro de 1998,
da Secretaria da Receita Federal: mais ilegalidades e inconstitu-
CIONANISDESR erra As ru pia MR a ca RS 194
10.1.3.4. Suspensão da imunidade tributária prevista no artigo 150,
VI, “c” da Constituição Federal: Lei nº 9.430, de 27 de dezembro
did qdo Peas E aà DR A AR 196
10.1.4. Abrangência da imunidade tributária a impostos prevista
no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal destinada às insti-
tuições de educação e de assistência social: “patrimônio, rendas
E SOPAS DOME ra Ma ssa Tasca instar intao end een edintadrsaãa 198
330 TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

a) Imposto sobre a Importação (II) e Imposto sobre a Expor-


tação (IB) casser ias SARA cacaTA, DO SDRAM OAMar bdoeaen ha ado 200
b) Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), Impos-
to sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU),
Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (TTBI), Imposto
sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Bens e Direi-
tos (ITCMD) e Imposto sobre a Propriedade de Veículos Au-
tomotores (TIEVA)25.025=. 22. arastsçad oo Etna MeEMALa Dea A Se br DS 202
c) Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e Imposto so-
bre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR) ............ 204
d) Enpostosobre Serviços (ISS) SAM essascanas 206
10.1.4.1. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI): a ques-
tão dos chamados “impostos indiretos” e a imunidade tributária
das instituições de educação e de assistência social ................... 207
10.2. Imunidade tributária a impostos das entidades sindicais de tra-
balhadores (artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988)..... 218
10.3. Imunidade tributária a contribuição para a seguridade social das
entidades beneficentes de assistência social (artigo 195, 8 7º da Cons-
EuAÇao RECEaS TONE| unas rn aros cresce ao
an qdo e AE OR 223
10.3.1. O equívoco cometido pelo Constituinte no artigo 195, 8 7º
da Constituição Federal de 1988: imunidade tributária ao invés de
ISCRIÇÃO cicridos cogsa aa cápio= roi io ego ea Ea a pa PR 224
10.3.2. Regulamentação da imunidade tributária a contribuição
para a seguridade social das entidades beneficentes de assistência
social (novamente o artigo 14 do Código Tributário Nacional) .. 226
10.3.3. Requisitos constitucionais e infraconstitucionais exigidos
para a fruição da imunidade tributária a contribuição para a segu-
ridade social destinada às entidades beneficentes de assistência
E 1 ERAS OS E a o 230
10.3.3.1. Caracterização da instituição como sendo “beneficente
de assistência social” (artigo 195, $ 7º da Constituição Federal) 231
10.3.4. Inconstitucionalidade dos requisitos pretensamente insti-
iuídos porilei ordinária fu ico cevada ça 233
10.3.4.1. A inconstitucionalidade da Lei nº 8.212/91, em sua re-
dação original, pela instituição de requisitos inexigíveis das enti-
dades beneficentes de assistência social para a fruição da imuni-
Cade ces foco do St ua O a Po 234
10.3.4.2. A inconstitucionalidade da Lei nº 9.732/98, que em sua
redação altera o artigo 55 da Lei nº 8.212/91, alargando ainda mais
os requisitos para a fruição da imunidade tributária a contribuição
para a seguridade social destinada às entidades beneficentes de
assistência social CeCenna ne orar enace ca nre eee ccaneca na ana sacas esa seres crase nao nana 235
LEANDRO MARINS DE SOUZA 331

10.3.4.3. A inconstitucionalidade do Decreto nº 3.048/99, que re-


gulamentou a Lei nº 9.732/98 pretendendo ampliar ainda mais os
requisitos para a fruição da imunidade tributária em comento .... 239
10.3.4.4. Decreto nº 752, de 16 de fevereiro de 1993 (revogado
pelo Decreto nº 2.536, de 6 de abril de 1998): colcha de retalhos
que institui a exigência de destinação de 20% da receita bruta da
entidade-em sratóidade LIT A O mia SÁ 240
10.3.4.5. Lei nº 10.260/2001 e Decreto nº 4.035/2001: nova amea-
ça à imunidade tributária das entidades educacionais de assistên-
CLRRSOCIATEN AA amada aa Rd qm 242
10.3.5. Abrangência da imunidade tributária a contribuição para
a seguridade social prevista no artigo 195, $ 7º da Constituição
Federal destinada às entidades beneficentes de assistência social:
“contribuição para a seguridade social”... 244
a) Contribuição social a cargo do empregador incidente sobre
a folha de salários e demais rendimentos do trabalho (artigo
195, I, “a” da Constituição Federal): a chamada “cota patro-
DAR Ls pro armas ES IL Sa Ma RR a NÃ 246
b) Contribuição social a cargo do empregador incidente sobre
a receita ou o faturamento (artigo 195, I, “b” da Constituição
Federal): Contribuição para o Financiamento da Seguridade
SOCIAIS Gaea a RE SR at A O NPR 247
c) Contribuição social a cargo do empregador incidente sobre
o lucro (artigo 195, 1, “c” da Constituição Federal): Contribui-
ção Social sobre o Lucro Líquido - CSLL................. 248
d) Contribuição social sobre a receita de concursos de prog-
nósticos (artigo 195, III, da Constituição Federal)................ 249
e) Outras contribuições para a manutenção e expansão da se-
guridade social (artigo 195, $ 4º da Constituição Federal). Lei
Complementarn SAO6 ca a rsir disse paierenc REVERad NO escada 249
f) A Lei Complementar nº 110/2001 e o disposto no artigo 195,
Sida Consntucão Federal. ssiaciraocdqeeracoavgonaiiiadi cadoerrcaos
a 250
£) Cobertura do risco de acidente do trabalho (artigo 201, $ 10,
da Constituição Federal): Contribuição ao Seguro de Aciden-
tendo Erabalho oS AD quer ac tocador faia 253
h) Contribuição Provisória sobre Movimentação ou transmis-
são de valores e de créditos e direitos de natureza Financeira
(artigo 74 do Ato das Disposições Constitucionais Transitó-
RODA E nO O AR SU AR ER VOO la ÉS na 254
1) Contribuição ao Programa de Integração Social (artigo 239
da Constituição Federal o PIS “sacar quernsiidaites eder dopenoá
e 2s7
)) Contribuição social ao salário-educação (artigo 212, 8 5º da
ECO Pe dera ccesra ra dare ga exe 261
332 TriButação DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Capítulo 11 - Algumas Isenções Tributárias Destinadas a Entidades Per-


tencentes ao:Tereeiro Setor e suas Atividades 545 Said pras pat ade 263
11.1. Isenção tributária a contribuições para a seguridade social desti-
nada às entidades beneficentes de assistência social (artigo 55 da Lei
nº 8.212/91): cota patronal, Cofins, CSLL e contribuição ao SAT..... 268
11.1.1. Requisitos para a fruição do regime de isenção tributária
previsto no artigo 55 da Lei nº 8212/91 esa dsa eco cpvadaea 270
a) Reconhecimento da utilidade pública federal e estadual ou
do Distrito Federal ou municipal da entidade ....................... 272
b) Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social
fornecido pelo Conselho Nacional da Assistência Social ..... 273
c) Promoção gratuita da assistência social........................... 276
d) Inexistência de remuneração ou recebimento de benefícios
por parte:dos dirigêntes;a e Cisgciao do piocer qr Ni 276
e) Aplicação do superavit em prol de seus objetivos institu-
cionais, prestando contas ao INSS .................eeememerses Zn
11.2. Isenção tributária ao imposto de renda e à contribuição social
sobre o lucro líquido das instituições de caráter filantrópico, recrea-
tivo, cultural e científico e associações civis (artigo 15 da Lei nº
DDS O) ci a AR E dr dna qu go E RO 279
11.3. Isenção tributária ao imposto de renda das sociedades e funda-
ções de caráter beneficente, filantrópico, caritativo, religioso, educa-
tivo, cultural, instrutivo, científico, artístico, literário, recreativo e es-
portivo e das associações e sindicatos que tenham por objeto cuidar dos
interesses de seus associados, salvo entidades educacionais, de assis-
tência à saúde, de administração de planos de saúde, de prática des-
portiva de caráter profissional e de administração do desporto (artigo
30 da Lei nº 4.506/64, artigo 28 do Decreto-lei nº 5.844/43 e artigo 18
da Len OO oa rea ari EN Una DS RE o o RAR 282
11.4. Isenção tributária à contribuição ao salário-educação das esco-
las comunitárias, confessionais ou filantrópicas, das organizações de
fins culturais e das organizações hospitalares e de assistência social
(artigo 1º da Lei nº 9.766/98 e artigo 3º do Decreto nº 3.142/99) ...... 283
a) Isenção às escolas comunitárias, confessionais ou filantró-
DICAS co cronanaae ares engego sea gene pe en obesa DR TE 284
b) Isenção às organizações de fins culturais .................. 285
c) Isenção às organizações hospitalares e de assistência social 285
11.5. Isenção tributária ao imposto de importação e ao imposto sobre
produtos industrializados destinada às instituições de educação e de as-
sistência social (artigo 2º, I, “b” da Lei nº 8.032/90, artigo 1º, IV da
Lei nº 8.402/92 e artigos 135, I, “b” e 245 do Decreto nº 4.543/2002) 286
11.6. Isenção tributária ao imposto de importação, imposto sobre pro-
dutos industrializados e ao adicional ao frete para renovação da mari-
nha mercante, destinada às instituições científicas e tecnológicas (ar-
LeanDRO MARINS DE SOUZA 333

tigo 2º, I, “b” da Lei nº 8.032/90, artigo 1º, IV da Lei nº 8.402/92 e


artigos 135, 1, “he 245 do Decreto nº 4.543/2002):. sesauapsasai cnciscaas 288
11.7. Isenção tributária ao imposto de importação dos objetos de arte
recebidos em doação por museus (artigo 1º da Lei nº 8.961/94 e arti-
sos 1354 pre DES do Decreto 4543/2002) estes srasboemsereseol 289
11.8. Isenção tributária ao imposto sobre produtos industrializados das
instituições de educação ou de assistência social (artigo 7º, Ile IV da
Lei nº 4.502/64 e artigo 51, I do Decreto nº 4.543/2002)................... 290
11.9. Isenção tributária ao imposto de importação para as entidades be-
neficentes que recebam produtos estrangeiros em doação (artigo 34 da
Lei nº 8.218/91 e artigo 62 do Decreto nº 4.543/2002) ...................... 291
11.10. Regime especial de incidência da contribuição ao pis à alíquo-
ta de 1% sobre a folha de salários das instituições de educação e de as-
sistência social, de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico,
de associações, sindicatos, federações, confederações e fundações de
direito privado, entre outros (artigo 13 da Medida Provisória nº 2.158-35,
dev dideacoso de 200) e e NR a 292
11.11. Isenção tributária à contribuição para o financiamento da segu-
ridade social - Cofins das instituições de educação e de assistência
social, de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico, de asso-
ciações, sindicatos, federações, confederações e fundações de direito
privado, entre outros (artigo 14 da Medida Provisória nº 2.158-35, de
Diideagostotde/ 200]) mesas so ua (uti na cagt auedei a copiada EUA ao vero e nado 295
11.12. Alíquota zero de imposto sobre operações de crédito (IOF) em
que sejam tomadores entidades sindicais de trabalhadores e instituições
de educação e de assistência social sem fins lucrativos (artigo 8º, XV
do Decreto nº 4.484, de 3 de dezembro de 2002) ........sesscecsmssssecemeso 297
11.13. Alíquota zero de imposto sobre operações relativas a títulos ou
valores mobiliários (IOF) de titularidade de entidades sindicais de tra-
balhadores (artigo 33, $ 2º, V do Decreto nº 4.484, de 3 de dezembro
Ea ÀDAGD oca pa DorARA 2 PURE SRS PSA RAD SD o RD UR 297
11.14. Isenção de ICMS na saída de mercadorias de produção própria
das instituições de educação e de assistência social, sem finalidade lu-
crativa, cujas vendas líquidas sejam integralmente aplicadas na manu-
tenção de suas finalidades assistenciais ou educacionais no país, sem
distribuição de qualquer parcela a título de lucro ou participação e cujas
vendas no ano anterior não tenham ultrapassado o limite fixado em
legislação estadual (Convênio ICMS nº 32/82) .................ssses. 298

Capítulo 12 - Outros Benefícios Fiscais Existentes no Ordenamento Ju-


ONCE RS LIGARAPRE SS iara a eo Dea Esaf esa sbc non ont sssava ueds nad imeaddéátas 301
12.1. Legislação no âmbito federal instituidora de benefícios tributários
relacionados com as atividades desenvolvidas pelo terceiro setor ..... 301
334 TriBuTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

12.1.1. Doações efetuadas por pessoas jurídicas às instituições de


ensino e pesquisa (artigo 13, $ 2º, H da Lei nº 9.249/95)............ 303
12.1.2. Doações efetuadas a entidades civis sem fins lucrativos
(artigo 13; 92º; TlEda Lein? NAD/OS) entar td 304
12.1.3. Lei Samey (Lei nº 7.505, de 02 de julho de 1986) e Lei
Rouanet (Lei nº 8.313, de 23 de fevereiro de 1991) de incentivo a
atividades cultugalsa: Cestas aii se pa gn 304
12.1.3.1. Benefícios fiscais e fundamentos instituídos pela Lei
Sarney (bein?7:505/86) esa e ne Da e 305
12.1.3.2. Lei Rouanet (Lei nº 8.313/91): revigoramento dos bene-
fícios fiscais à cultura ças ds. Smam ir Re pad 307
a) Projetos usuais incentivados: artigo 25 da Lei nº 8.313/91 310
b) Projetos especiais incentivados: artigo 18 da Lei nº 8.313/91
com a redação dada pelo artigo 1º da Lei nº 9.874/99 .......... Su
c) Disposição comum aos dois regimes: impossibilidade de
doação ou patrocínio a pessoa ou instituição vinculada ao
agente (arhigo 27 da Lern? 8.313/91).0. + csria ss 312
12.1.4. Lei do Audiovisual (Lei nº 8.685, de 20 de julho de 1993)
de incentivo às obras audiovisuais brasileiras ...............s 313
12.1.5. Fundo de Financiamento da Indústria Cinematográfica -
Funcine (Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001) 314
12.1.6. Fundos federais, estaduais e municipais dos Direitos das
Crianças e dos Adolescentes (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990
- Estatuto da Criança e do Adolescente) ............... SS

Conchisdest Rs ce ease ec As da io EO RR US e 319

Referências Bibliográficas sr
eo a A 335
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= Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tri-
butário, 2º ed., Rio de Janeiro : Forense, 2001.
as ras”
Impresso nas oficinas da
Gráfica Palas Athena
Sumário

1 - Noções Principiológicas para a


Delimitação do Objeto de Estudo
1- O Poliedro do Terceiro Setor:
Breve Incursão nos Debates Teóricos
sobre o Tema
2 - Contexto Socioeconômico-político
de Desenvolvimento do Terceiro Setor
3 - Origem e Conceito Corrente do
Terceiro Setor

2 - Conceito Jurídico de Terceiro Setor


4 - Aproximação Jurídica para o
Conceito de Terceiro Setor
5 - Matriz Constitucional do Terceiro
Setor: Percurso Evolutivo e
Consolidação de seu Desenvolvimento
através da Constituição Federal de
1988
6 - Conceito de Terceiro Setor no
Brasil, juridicamente Considerado
7 - “Reforma do Marco Legal do
Terceiro Setor”
8 - Formas Jurídicas que podem
assumir as Organizações do Terceiro
Setor
9 - Títulos e Qualificações
Relacionados com as Entidades do
Terceiro Setor

3 - Tributação do Terceiro Setor no Brasil


10 - Imunidades Tributárias Destinadas
ao Terceiro Setor
11 - Algumas Isenções Tributárias
Destinadas a Entidades Pertencentes ao
Terceiro Setor e suas Atividades
12 - Outros Benefícios Fiscais
Existentes no Ordenamento Jurídico
Brasileiro, Relacionados com
Atividades Desenvolvidas pelo
Terceiro Setor
Depois de tratar de aspectos histórico-constitucionais
do Terceiro Setor, o autor cuida de diversos assuntos
jurídicos relativos ao tema, inclusive as formas que
podem ser adotadas pelas entidades a ele pertencentes,
desenvolvendo especialmente o seu regime tributário.

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