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FUNDAMENTOS DA NEUROPSICOLOGIA
CLÍNICA SÓCIO HISTÓRICA
A compreensão do desenvolvimento cognitivo e sócio
emocional do humano

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IPAF LEV VYGOTSKY www.ipaf.com.br

SIMONE MARANGONI VANDA CIANGA RAMIRO


Organizadoras

FUNDAMENTOS DA NEUROPSICOLOGIA
CLÍNICA SÓCIO HISTÓRICA
A compreensão do desenvolvimento cognitivo e sócio
emocional do humano

Organizadores Autores
Simone Marangoni Aline Ugliano
Vanda Cianga Ramiro Beatriz Cianga Ramiro
Carla Anauate
Claudia Azevedo
Mariangela Rossi
Prefácio Simone Marangoni
Joaquim Maria Quintino Aires Vanda Dias Ferraz Nunes
Vanda Cianga Ramiro

1a Edição

EDITORA IPAF

SÃO PAULO

2012

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Todos os direitos autorais são reservados a Editora IPAF.

Publicado por IPAF – Instituto de Psicologia Aplicada e Formação

Rua Galeno de Almeida, 166 – Pinheiros – 05410-030 – São Paulo/SP

Tel.: (11) 50817905

www.ipaf.com.br – ipaf@ipaf.com.br

2012 de Marangoni & Ramiro et al

Título: Fundamentos da Neuropsicologia Sócio Histórica

A compreensão do desenvolvimento cognitivo e sócio emocional do humano

ISBN 978-85-98199-08-5

Supervisão Editorial

Simone Marangoni

Revisão da língua portuguesa

BK IDIOMAS

Capa

Luiza Cianga Ramiro

FICHA CATALOGRÁFICA

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO

Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida, copiada, transcrita ou mesmo
transmitidas por meios eletrônicos ou gravações, assim como traduzida sem
permissão por escrito da Editora IPAF. Os infratores serão punidos pela
Lei no 9.610/08.

Impresso no Brasil Printed in Brazil

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Agradecemos aos nossos mestres, à


nossa família, aos nossos colegas de
trabalho, aos nossos alunos e clientes,
que de modo dialético possibilitaram o
desenvolvimento cognitivo e sócio
emocional dos autores ao longo desses
dez anos de trabalho.

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SUMÁRIO

PREFÁCIO

INTRODUÇÃO

PARTE I

1. A gênese das funções nervosas superiores no cérebro humano e o

desenvolvimento da personalidade:

1.1 O conceito de desenvolvimento das funções nervosas

superiores histórico cultural e social;

1.2 A organização sistêmica e dinâmica do cérebro humano;

1.3 As principais unidades funcionais e as respectivas

responsabilidades.

2. As crises psicológicas e o desenvolvimento da personalidade:

2.1 Crise pós-natal;

2.2 Crise do primeiro ano;

2.3 Crise dos três anos;

2.4 Cries dos sete anos;

2.5 Crise dos treze anos;

2.6 Crise dos dezessete anos;

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PARTE II

3. A constituição da atenção;

4. A constituição da percepção;

5. A constituição da memória;

6. A constituição da orientação – pessoal, temporal e espacial;

7. A constituição das funções motoras;

8. A constituição do pensamento;

9. A constituição da linguagem;

10. A constituição dos processos executivos (emoção, vontade, imaginação);

11. Considerações finais

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PREFÁCIO

É um privilégio estar escrevendo o prefácio de FUNDAMENTOS DA


NEUROPSICOLOGIA CLÍNICA SÓCIO HISTÓRICA - A compreensão do
desenvolvimento cognitivo e sócio emocional do humano. Cada contributo à
psicologia pós-nãoclássica, ou Sócio Histórica, ou histórico-cultural, ou apenas,
vygotskyana, quer para pesquisadores na grande área das ciências humanas,
quer para profissionais que atuam na clínica, é, assim o entendo, um contributo
para a melhoria das condições de vida de cada humano como pessoa, para o
desenvolvimento das sociedades pela promoção da cidadania, e um contributo
como instrumento de aperfeiçoamento para todos aqueles profissionais que
pretendem melhorar a cada dia os cuidados que oferecem aos que os
procuram e que esperam encontrar uma resposta na melhoria de alguma sua
condição.

Acredito que qualquer sociedade no século XXI precisa integrar cada vez mais
as tecnologias de informação e os estudos das ciências humanas,
particularmente da Psicologia. E penso que a perspectiva que Vygotsky nos
legou é fundamental a essa aproximação da Psicologia à sociedade em geral.
Por isso, cada livro, cada artigo, cada seminário, cada curso, poderá ser mais
um degrau na edificação da sociedade que todos desejamos e procuramos.

Conheço bem as autoras deste livro. Trabalhei com várias delas desde 1999,
em São Paulo, Lisboa e Moscou. E desde esse tempo que admiro o seu
interesse para que, a cada dia, possam estar fazendo melhor o seu trabalho
com os seus pacientes, o seu envolvimento na teoria Sócio Histórica, e o seu
questionamento ativo, quer em relação à teoria, quer em relação à passagem
da teoria à prática e da prática à teoria. Num envolvimento que vai além dos
seus trabalhos clínicos individuais, e que se estende à docência e treinamento
de seus alunos. Por isso FUNDAMENTOS DA NEUROPSICOLOGIA CLÍNICA
SÓCIO HISTÓRICA - A compreensão do desenvolvimento cognitivo e sócio
emocional do humano é um texto que já todos aguardávamos com grande
expectativa.

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Parabéns pela excelente obra. Os meus votos de que este vosso contributo,
seja replicador do legado de Vygotsky para muitos dos que se preocupam com
o desenvolvimento da Pessoa Humana e da Sociedade que todos partilhamos.

Joaquim Maria Quintino Aires

Professor Emérito Honorífico da Universidade de Moscou


Diretor do Instituto Vygotsky de Lisboa, Portugal
Coordenador da Linha “Psicologia Vegotskyana”
de Doutorado na Universidade Fernando Pessoa

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INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos dez anos, o IPAF- Lev Vygotsky vem desenvolvendo, no
Brasil, cursos de especialização em neuropsicologia clínica assim como
avaliação, habilitação e ou reabilitação neuropsicológica para crianças jovens e
adultos, utilizando como fundamentação teórica a Psicologia Sócio Histórica de
Lev Vygotsky, Alexandre R. Luria e Alexis Leontiev e o método de trabalho
clínico de Maria Rita Mendes Leal.

O Instituto tem como missão o aprimoramento profissional em Psicologia


Clínica Sócio Histórica e os esforços dos profissionais que compõem a equipe
são para marcar a Teoria Sócio Histórica associada a uma prática Clínica.
Proporcionar aos atendidos o diagnóstico e o desenvolvimento das funções
nervosas superiores através da habilitação, reabilitação neuropsicológica e na
psicoterapia, assim como o aprimoramento profissional dos alunos em relação
à compreensão teórica e prática da Neuropsicologia Clínica Sócio Histórica.

Cabe ressaltar que todo esse trabalho teve como idealizador e precursor, o
português-brasileiro Professor Doutor Joaquim Maria Quintino Aires, que após
longos anos de estudo, pesquisa e prática clínica teve o reconhecimento da
importância do seu trabalho na titulação de Professor Emérito da Lomonosov
Moscow State University por ter fundamentado a Psicologia Clínica Sócio
Histórica.

Nessa trajetória os profissionais que trabalham no IPAF Lev Vygotsky sentiram


a necessidade histórica, social, cognitiva e emocional de compilar os conceitos
teóricos dos autores acima citados ao método de trabalho clínico, tendo como
objetivo explicitar a compreensão do desenvolvimento humano, além de
materializar, nesse livro, o modo como compreendemos o desenvolvimento
psicológico dos humanos ao longo do seu percurso social emocional e
histórico.

Nesse sentido o livro Fundamentos da Neuropsicologia Clínica – a


compreensão do desenvolvimento cognitivo e sócio emocional do humano tem
como objetivo demonstrar como a Psicologia Clínica Sócio Histórica
compreende o desenvolvimento psicológico dos humanos e as disfunções que
podem surgir nesse processo, caso as vivências e relações sociais
estabelecidas com esses sujeitos não propiciem o desenvolvimento adequado
das funções nervosas superiores.

Na parte I, são apresentados os conceitos de como as funções nervosas


superiores se constituem no cérebro humano de acordo com as
instrumentalidades sociais e culturais nas quais esses humanos estão
inseridos, como também descreve o desenvolvimento psicológico constituído
ao longo da filogênese e ontogênese.

O desenvolvimento psicológico adequado dos humanos é descrito com o


parâmetro da filogênese ao longo da evolução da espécie, que possibilitou a
constituição das funções nervosas superiores e como essas funções se
constroem no cérebro humano. Para isso utilizamos o conceito das crises
psicológicas que Vygotsky desenvolveu de 1932 a 1934, com o objetivo de

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descrever como os processos de constituição da personalidade dos sujeitos


psicológicos se desenvolveram na filogênese.

Além disso, é explicitado como as disfunções podem ocorrer na ontogênese e


como os neuropsicólogos podem trabalhar, através da prática clínica, para a
transformação e constituição das funções nervosas superiores.

Na parte II, os oito capítulos que a compõem descrevem como o


desenvolvimento da atenção, percepção, memória, orientação pessoal, no
tempo e espaço, as funções motoras, o pensamento, a linguagem assim como
os processos executivos, incluindo a emoção, a vontade e a imaginação se
constituem no cérebro humano de acordo com o desenvolvimento da
personalidade e como podem ocorrer as disfunções no curso do
desenvolvimento psicológico dos humanos, bem como após lesões cerebrais
focais e difusas alteram o funcionamento de cada uma dessas funções
nervosas superiores no cérebro do humano.

Esse livro tem a intenção é materializar o trabalho, tanto do idealizador como


dos profissionais que se dedicam a prática clínica e a fundamentação da
Psicologia Clínica Sócio Histórica como ciência e profissão.

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PARTE I

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1. A GÊNESE DAS FUNÇÕES NERVOSAS SUPERIORES NO CÉREBRO E O


DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE

Simone Marangoni
Mariangela Rossi
Carla Anauate

Esse capítulo está dividido em três grandes tópicos, cuja função é a


apresentação dos conceitos teóricos e a análise do desenvolvimento
neuropsicológico do sujeito.

No primeiro tópico é descrito o conceito de desenvolvimento humano histórico


cultural e social destacando como as funções nervosas elementares se
constituem em funções nervosas superiores. No segundo tópico do capítulo é
apresentado o desenvolvimento das funções nervosas superiores no cérebro
humano numa organização sistêmica e dinâmica juntamente com a
apresentação das principais unidades funcionais e suas respectivas
responsabilidades. No terceiro tópico, apresentamos a concepção de
desenvolvimento de personalidade relacionando como Vygotsky compreende o
desenvolvimento psicológico dos humanos de acordo com as crises
psicológicas que propiciam as transformações e a construção do EU como
sujeito psicológico, do OUTRO e da REALIDADE.

1.1 O conceito de desenvolvimento das funções nervosas superiores


histórico cultural e social

Para Vygotsky e Luria (1996) o conceito de desenvolvimento humano


contempla o desenvolvimento das formas superiores de conduta e de
comportamento dos humanos historicamente constituídos nas relações sociais
e de trabalho com outros humanos.

“Vygotsky e Luria estavam interessados no desenvolvimento não só no


curso normal de uma vida (ontogênese), mas no curso de todo o
desenvolvimento humano (filogênese)”. (Vygotsky e Luria, 1996, p12)

Para os autores só é possível compreender como os humanos constituíram as


funções nervosas superiores se levar em conta o desenvolvimento histórico e
cultural da espécie humana, assim como construíram os seus instrumentos os
signos psicológicos e como transformaram a natureza através do trabalho e de
modo dialético se transformaram em sujeitos psicológicos.

O conceito de trabalho aqui referido tem como influência as concepções de


Marx e o materialismo histórico e dialético em que considera o homem como
um ser ativo, social e histórico que, através do seu trabalho, produz a sua vida
material, as representações da realidade e a própria realidade material,
constituindo-se, assim, como homem cultural. Os signos psicológicos são as
representações mentais dos sujeitos, ou seja, o modo como os sujeitos
internalizaram os instrumentos externos através das suas experiências
externas.

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Na concepção materialista, Vygotsky refere que a realidade material objetiva


preexiste independente de um sujeito único e particular, no entanto de modo
dialético essa realidade constitui e é constituída na subjetividade dos homens
ao longo da história. Os homens constituem a sua subjetividade baseada na
realidade objetiva, que passa a ser dialeticamente realidade subjetiva.

A concepção histórica é analisada pelo autor através das leis que regem as
sociedades e os homens, considerando-as como produtos da própria ação do
homem através do trabalho. Nesse sentido que o homem transforma a
natureza, pela sua atividade no meio externo e, assim, transforma-se a si
próprio.

A dialética permeia tanto a concepção materialista quanto a histórica, uma vez


que, para o autor, o fenômeno psicológico é universal e singular, social e
individual ao mesmo tempo, sendo fundamental para as transformações da
realidade social e dos próprios homens.

Os signos psicológicos ou representações mentais da realidade externa e as


funções nervosas superiores, nesse sentido, são compreendidas como
produtos do próprio desenvolvimento do homem, num processo dialético, e
constitui os modos de pensar, agir e ser do homem em cada momento
histórico.

Bock (2002) ressalta que os signos psicológicos são

“construções no nível individual do mundo simbólico que é social. O


fenômeno psicológico deve ser visto como subjetividade concebida
como algo que se constitui na relação com o mundo material e social,
mundo este que só existe pela atividade humana. Subjetividade e
objetividade se constituem uma à outra sem se confundir”. (p. 23)

Na compreensão da filogênese, a transformação que o homem provocou no


meio externo propiciou a sua constituição interna, num processo dialético, ou
seja, o homem ao construir as suas ferramentas de trabalho se constituiu como
um ser social, desenvolvendo as funções nervosas superiores, tipicamente
humana.

Na concepção da ontogênese, Vygotsky refere que o desenvolvimento das


funções nervosas superiores (FNS) não é um processo puramente quantitativo,
evolutivo e maturacional, mas sim é considerado um processo complexo,
dialético, histórico, que ocorre no cérebro humano de modo sistêmico e
dinâmico a partir do nascimento do bebê humano através dos instintos ou das
funções nervosas elementares.

Para os autores acima referidos, o desenvolvimento na ontogênese é definido


por três etapas marcantes, sendo a primeira etapa do desenvolvimento
constituída pelos instintos inatos herdados pela espécie, que se denomina
como reflexos inatos ou funções nervosas elementares. A segunda etapa pode
ser qualificada como reflexo condicionado ou hábitos, que são reações
aprendidas, condicionadas por adestramento, e a terceira etapa se constitui
pelo intelecto ou reações intelectuais que realizam a função de adaptação a
novas condições humanas para a solução de novas tarefas.

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Os instintos ou reflexos inatos

“servem principalmente para satisfazer as necessidades básicas de um


organismo... O principal traço distintivo das reações instintivas é que
elas atuam sem terem sido apreendidas e são estruturalmente inerentes
ao organismo. Imediatamente após o nascimento, uma criança move as
mãos e pernas, chora, suga o seio e engole o leite”. (Vygotsky e Luria,
1996, p.56)

Os reflexos condicionados “diferem da anterior por não ser hereditária, mas


provir da experiência específica, treinamento específico e experiência
acumulada individualmente”. (Vygotsky e Luria, 1996, p.56)

Constituem mecanismos de adaptação flexível, sutil e refinado e permitem que


as reações instintivas ou hereditárias se adaptem a condições individuais, ou
seja, o reflexo condicionado só aparece com a aprendizagem de uma reação
instintiva. Por exemplo, a criança pode aprender com experiência, com outros
humanos a utilizar uma fralda de pano para explicar a um adulto que está com
sono, ou seja, nesse caso os reflexos condicionados são adaptações externas
a uma reação instintiva.

A terceira etapa do desenvolvimento humano se constitui pelo intelecto ou


reações intelectuais que promovem a criação de signos psicológicos que
possibilitam a capacidade de resolver desde uma tarefa simples a uma mais
complexa. Quando uma criança consegue utilizar um instrumento que não está
ao alcance da sua percepção visual, por exemplo - uma cadeira em outro
cômodo para alcançar um brinquedo que caiu fora do seu alcance - já está a
utilizar o intelecto.

Cabe ressaltar que a terceira etapa do desenvolvimento da conduta se apoia


na segunda etapa do desenvolvimento condicionado e aprendido e na primeira
etapa dos instintos - e nesse sentido as funções nervosas superiores se
apoiam nas funções nervosas elementares. As funções nervosas superiores
seguem funcionando unidas às funções elementares, e a etapa anterior não
desaparece quando surge uma nova função, mas sim, de modo dialético, ela é
negada e traduzida por ela e existe nela, ou seja,

“o instinto tão pouco se destrói, se supera nos reflexos condicionados


como função do cérebro antigo e nas funções do novo. Assim também o
reflexo condicionado se supera na ação intelectual existindo e não
existindo simultaneamente sem ela”. (Vygotsky, 1995, p.145)

Essas etapas se constituem uma na outra e se negam entre si, à medida que,
para Vygotsky, a lei geral do desenvolvimento de uma função ocorre pelo
menos duas vezes para o mesmo sujeito, uma vez no social ou externo,
denominado como interpsicológico e outra vez no interno ou intrapsicológico.

“Toda função aparece em cena duas vezes, em dois planos; primeiro no


plano social e depois no psicológico, ao princípio entre os homens como
categoria interpsíquica e logo no interior da criança como categoria
intrapsíquica. O que disse se refere por igual à atenção voluntária, a
memória lógica, a formação de conceitos e ao desenvolvimento da
vontade.” (Vygotsky, 1995, p. 150)

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O nível interpsicológico é externo ao sujeito pertencente às relações sociais e,


o intrapsicológico é interno constituído pelo sujeito a partir das relações sociais
que estabelece com o meio externo e estão diretamente relacionados com os
signos psicológicos ou representações mentais, subjetivas da realidade
objetiva, como já referido anteriormente.

Uma criança começa a aplicar para si as mesmas formas de comportamento


que a princípio os outros aplicam ao seu respeito. “A própria criança assimila
as formas sociais de conduta e as transfere a si mesmo... esta lei se manifesta
como certa sobre todo o emprego dos signos”. (Vygotsky, 1995, p. 146)

Nesse sentido, para Vygotsky, todas as funções nervosas superiores não são
produtos da biologia, nem da história da filogênese pura, mas são produtos dos
processos das relações interiorizadas da ordem social e são fundamentadas na
estrutura social da personalidade e se constituem a partir das funções nervosas
elementares. As funções nervosas elementares se baseiam primeiramente nas
reações inatas ou reflexos hereditários e, posteriormente e de modo dialético,
vão se transformando e se constituindo em reflexos condicionados para se
constituir em intelecto ou funções nervosas superiores.

Como refere Luria (1981), é através da relação interpessoal e da palavra que a


função interpsicológica partilhada por duas pessoas se transforma num
processo intrapsicológico de organização da atividade humana e o
comportamento externo passa a ser determinado por uma rede semântica
interna, que reflete na situação externa, reformula os motivos e interesses e dá
um caráter consciente à atividade humana.

A criança, em contato com o mundo das relações, vai internalizando os


instrumentos, as ações e as relações que são apresentadas a ela pelos outros
e, através desse processo de internalização, a criança passa a desenvolver as
funções nervosas superiores e vai se desenvolvendo como ser social e ativo.
Tais instrumentos, ações e relações sociais são apresentados à criança
primeiramente no nível interpsicológico, social, para se constituírem no nível
intrapsicológico, interno, subjetivo, através do processo de internalização.

Robbins (2005) descreve que

“a internalização é um processo dinâmico e assimétrico de


incorporação dos componentes sociais e mesclando-os com a
alquimia espiritual e o mistério do signo da mediação cultural
consciente”. (p.17)

Para Vygotsky (1995) as relações iniciais dos homens com o meio externo são
diretas, a criança precisa manipular os objetos, vivenciar as situações e se
relacionar com as pessoas do seu círculo social para poder se apropriar,
internalizar, representar mentalmente os objetos, eventos e relações. Esse
processo de experiência relacional da criança é a mola propulsora para o
desenvolvimento psíquico das funções nervosas superiores.

A criança, à medida que se relaciona com os outros humanos do seu vínculo


social e com a cultura em que está inserida, vai se apropriando das coisas, das
situações do meio externo e vai sendo capaz de construir os signos

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psicológicos, ou seja, de representar mentalmente os objetos, os eventos e as


relações. Essa construção mental artificial dos objetos, dos eventos e das
relações, denominada como signos, passa a ser mediadora das ações da
criança. Os instrumentos externos ou ferramentas externas, quando
internalizados, passam a ser denominados como signos que vão mediar as
ações dos homens no meio social.

Vygotsky (1995) refere que as ferramentas externas (instrumentos) e o signo


psicológico podem estar incluídos numa mesma categoria. Os instrumentos
são os objetos, os eventos do meio externo, e os signos são as representações
internas, mentais, que a criança constrói do meio externo. Através do processo
de internalização, os instrumentos externos passam a ser signos psicológicos.

A relação da criança com o mundo passa a ser mediada através da


representação mental que tem dos instrumentos do meio externo, das pessoas
que a cercam e da própria concepção de mundo que constrói. O acesso dos
homens aos objetos/eventos/pessoas é sempre mediado pelo mundo
simbólico, pelas representações mentais de que dispõem. A linguagem, através
da palavra, como função nervosa superior, é mediadora que traz em si os
conceitos generalizados e os significados construídos pela cultura humana.

Vygotsky (1995) descreve que o uso de instrumentos e os signos psicológicos


propiciam a atividade mediadora do homem e o desenvolvimento das funções
nervosas superiores, assim como as funções nervosas superiores propiciam a
ação mediada do homem.

“O signo não modifica nada no objeto da operação psicológica: é um


meio de que se vale o homem para influenciar psicologicamente, em
sua própria conduta, na dos demais; é um meio para sua atividade
interior, dirigida a dominar o próprio ser humano”. (Vygotsky, 1995, p.
94)

O uso de instrumentos externos anula o sistema de atividade organicamente


condicionado (função nervosa elementar), assim como o primeiro emprego de
signos indica que a criança já saiu dos limites do sistema orgânico de atividade
para a função nervosa superior. O uso dos signos se inclui na atividade
mediadora, devido ao fato de a criança influir na sua conduta através deles. A
função mais biológica, direta, da criança deixa de estar no primeiro plano para
ser assumida pela função mediada, com o uso dos signos psicológicos
artificiais. A ação da criança no meio externo e a construção dos signos
psicológicos propiciam a construção interna e subjetiva do mundo social e
cultural.

A criança em relação com outros humanos e com os instrumentos externos


passa a construir os seus sistemas simbólicos, os signos e significados
psicológicos que vão mediar a sua ação no meio externo.

“A aplicação de meios auxiliares e o passo da atividade mediadora


reconstrói a raiz de toda operação psíquica, é semelhante a como a
ferramenta modifica a atividade natural dos órgãos e amplia
infinitamente o sistema de atividade das funções psíquicas superiores.
Na estrutura superior, o signo e o modo de seu emprego é o

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determinante funcional e o foco de todo o processo de


desenvolvimento”. (Vygotsky, 1995, p. 123)

Nesse sentido, as representações mentais são produtos da internalização e


estão intrinsecamente relacionadas à subjetividade1 do homem, por
representarem mentalmente aquilo que faz sentido2 para eles, ou seja, o que
está intrinsecamente ligado às suas emoções.

A criança necessita construir as representações internas do mundo externo,


social e, construindo as representações do mundo, desenvolvem as funções
nervosas superiores, nesse sentido, a relação da criança com o meio externo é
sempre mediada pela cultura.

O mundo externo da criança está em constante relação dialética com o seu


mundo interno, devido ao processo de internalização que ocorre à medida que
a criança representa mentalmente os objetos, eventos e relações do meio em
que está inserida. A criança é um ser ativo no processo de desenvolvimento à
medida que se interessa, se relaciona e constrói com as coisas eventos e
relações do meio externo.

Cabe ressaltar, nesse momento, que esse processo de internalização, como


qualquer processo de desenvolvimento cerebral, não ocorre de modo direto e
de uma hora para outra no cérebro da criança, como já citado anteriormente. O
sujeito necessita participar ativamente e com iniciativa na transformação no
meio externo para, de maneira dialética, constituir o processo das
representações mentais.

Para esclarecer melhor esse processo, Vygotsky denominou o conceito de


Zona do Desenvolvimento Proximal, ou Zona do Próximo Desenvolvimento 3,
como o processo intermediário e diferente do desenvolvimento interpsicológico
e intrapsicológico, ou seja, até a representação mental das experiências
externas estarem constituídas no cérebro do sujeito, necessita de um processo
intermediário4, em que o sujeito ainda necessita da ajuda do outro para realizar

1
Segundo JUNQUEIRA, W (2006). A subjetividade humana é a instância que contempla, constitui,
organiza e dá organicidade ao sentido que os homens produzem ao longo da vida e tem uma
singularidade e que se diferencia da realidade social. A subjetividade é a articulação dos sentidos
construídos nas relações socais do homem com o meio externo. (Contribuição realizada no exame de
qualificação)
2
JUNQUEIRA, W (2006). Sentido é a construção interna, particular e individual da realidade externa,
social. É através do processo de internalização dos objetos, eventos e relações que os sujeitos
constroem o seu mundo interno, a sua subjetividade. (Contribuição realizada no exame de qualificação)
3
A denominação Zona do Próximo Desenvolvimento é utilizada pelo grupo do IPAF Lev Vygotsky em
função de melhor traduzir para o Português e explicar o processo diferente e intermediário em que
consiste a Zona do Desenvolvimento Proximal.
4
A palavra intermediária utilizada no texto faz referência a Zona do Próximo Desenvolvimento como um
processo diferente do nível interpsicológico (externo ao sujeito) e do nível intrapsicológico (interno ao
sujeito) em que o sujeito já tem a representação mental da experiência externa, no entanto de modo
dialético contém, constitui e se diferencia desses processos. O conceito de Zona do Próximo
Desenvolvimento contempla, constitui, organiza o que ainda está externo ao sujeito, mas de modo
dialético, não é apenas o nível interpsicológico, assim como contempla, constitui, organiza o que vai ser
representado pelo sujeito, mas não é apenas o nível intrapsicológico e, sim, é um processo diferente dos
dois níveis de desenvolvimento.

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a atividade, mas, à medida que a representação mental se constitui no cérebro,


o sujeito já consegue realizá-la de modo autônomo.

O conceito de Zona do Próximo Desenvolvimento é um processo


imprescindível de se perceber no desenvolvimento de qualquer humano para
que o outro mais experiente da relação possa atuar de modo direcionado e
intencional a promover transformações nas funções nervosas do sujeito.

Para exemplificarmos todos esses conceitos acima referidos, vamos recorrer


ao exemplo que Vygotsky (1995) referencia na estrutura da linguagem infantil,
o autor afirma ser um bom exemplo para demonstrar claramente o que
distingue as funções nervosas elementares das superiores e todo o processo
de desenvolvimento.

“Quando uma criança pronuncia pela primeira vez a sílaba ‘ma’, essa
palavra não pode ser traduzida, no vocabulário dos adultos, como uma
só palavra ‘mamãe’, mas deve ser compreendida por toda uma oração:
mamãe me senta na cadeira, principalmente se a palavra for
acompanhada do movimento da criança perto da cadeira e a mãe, que
observa sua conduta, a coloca sentada na cadeira”. (Vygotsky, 1995, p.
127)

O autor ressalta que não podemos tomar o vocábulo “ma” de modo isolado
devido à forma primária e inicial de linguagem infantil ser uma estrutura afetiva
complexa e não diferenciada dos movimentos corporais. A situação, para ser
entendida, deve ser analisada como um todo, incluindo movimento corporal e
vocábulos.

Leal (2001) enfatiza que desses movimentos na relação da criança com o outro
emergem cadências regulares que geram um intercâmbio em que se torna
explícito que há um interlocutor que pode completar os atos da criança, ou
seja, a criança pode compreender os seus próprios atos no intercâmbio
relacional com o outro.

Vygotsky (1995) salienta que quando a criança já inicia as frases mais


complexas, ou seja, quando já consegue falar as palavras “mamãe, me senta
na cadeira” (p. 128) a estrutura desenvolvida pela linguagem não representa
diretamente a ação orientada para a situação e perde a relação direta com a
ação de atuar sobre os objetos. A palavra transforma a ação da criança numa
relação mediada pela palavra, que, no exemplo acima relatado, está dividida
entre duas pessoas – a criança e a mãe. A palavra passa a ser agrupada numa
estrutura complexa de ações que os adultos podem aplicar na sua relação com
a criança. A palavra age como mediadora na relação entre as pessoas.

Esse exemplo nos mostra como a função da palavra passa a ser um


representante dos significados internalizados pela criança, bem como ressalta
que esse processo só ocorre na relação da criança com o outro e com o meio
social.

Estamos num momento importante desse capítulo, devido ao fato de já termos


estabelecido que o desenvolvimento da criança ocorre através do processo de
internalização dos objetos, eventos e relações que estabelece com o meio

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social e explanar como ocorre a mediação e a construção e o uso da palavra


como desenvolvimento da função nervosa superior. Nesse sentido podemos
destacar que o processo de internalização promove a constituição das funções
nervosas superiores, bem como pode ser considerado o construtor das
representações mentais subjetiva do sujeito de um mundo objetivo. Através do
processo de internalização que a criança deixa de ter ações diretas para ter
ações mediadas.

As ações que a criança realiza no meio social podem ocorrer tanto através da
mediação da palavra como também do brincar, ou seja, a palavra e o brincar
da criança podem ser considerados propiciadores do desenvolvimento das
funções nervosas superiores, à medida que a criança se relaciona com os
objetos externos, como mediadores, na presença de um outro humano que
pode o auxiliar na construção de significados e de sentidos dos objetos,
eventos e relações.

Leal (2001) enfatiza que, para uma atividade ser considerada brincar, deve-se
levar em conta “que o controle, a motivação e a realidade sejam, de algum
modo, estabelecidos pelo próprio sujeito que brinca” (p. 14), para possibilitar
que a criança seja um ser ativo no meio externo. Ressalta que o verdadeiro
brincar ocorre quando a criança, na interação com um outro, tem a condição de
escolher o que e como vai fazer no seguimento da própria imaginação.

O brincar propicia também a construção da autonomia e da consciência de que


se pode construir algo ou alguma ação de acordo com a sua necessidade e
motivo5. A criança, em contato com os objetos, internaliza os significados
destes e, em contato com o outro da relação, tem a possibilidade de
internalizar os significados da própria relação, pois é nela que um exerce sobre
o outro uma influência que gera uma construção mútua e propicia um contínuo
movimento de desafio, transformação e desenvolvimento.

O brincar da criança possibilita a construção dos signos psicológicos, a


apropriação do mundo externo e a representação interna do meio externo. Num
processo dialético, são as representações internas que fazem a criança brincar
e, brincando, esta constitui mais e mais a construção de sentido do mundo. O
brincar da criança propicia a construção subjetiva dos signos e dos significados
das coisas, eventos e relações humanas à medida que internaliza e se apropria
do significado dos objetos, coisas, eventos e relações e constrói sentido
destas. A ação do brincar constrói a atividade mediada da criança e é uma
atividade no meio social que representa os objetos, eventos e relações
construídas e transformadas num mundo externo internalizado.

5
Leontiev (2004)destaca as categorias necessidade e motivo como a mola propulsora o
desenvolvimento psicológico do sujeito. A categoria necessidade pode ser descrita como uma
mobilização interna que pode não direcionar inicialmente o sujeito para uma ação específica, mas que
auxilia na construção de significado dessa ação como algo que pode satisfazer a sua necessidade, se
configurando num motivo. O autor destaca que para compreender o processo do desenvolvimento
psíquico humano é necessário perceber qual a sua necessidade interna, o que o está mobilizando para
uma atividade no meio social e como o sujeito está construindo significado capaz de satisfazê-lo.
Portanto a ação do brincar da criança pode se configurar em atividade ligada a sua necessidade e
motivo.

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Leal (2001) destaca que nessa atividade do brincar da criança podemos


observar no “brincar com olhares, sorrisos, sons, gestos, com o corpo e com as
coisas de que o corpo se serve”. (p.6) A criança, em relação com os outros
humanos, com o seu próprio corpo e com os objetos se apropria do mundo e
se constitui como sujeito ativo no meio social.

O brincar, assim como a palavra, assume uma função mediadora do


desenvolvimento da criança e ambos podem ser considerados construtores do
desenvolvimento psíquico humano, pois é através deles que a criança constrói
os signos, significados e sentidos do mundo social e cultural, num processo
dialético.

Vygotsky (1995) refere que durante o brincar a criança substitui os signos dos
objetos por outros signos e esses se convertem em outros objetos. Para o
autor, o importante no brincar é utilizar funcionalmente os objetos com a
possibilidade de realizar a atividade com a ajuda do gesto representativo.

No brincar, a criança pode realizar tarefas para as quais na realidade não tem
habilidade física e psíquica, como, por exemplo, dirigir um carro. Um objeto
circular pode se transformar na direção do carro e a criança pode dirigi-lo e
representar mentalmente a ação de dirigir, a atitude do motorista e o próprio
objeto, o carro. Um pedaço de pano ou de madeira pode se converter em um
bebê e a criança faz, no brincar, os mesmos gestos que representam o cuidado
e a nutrição dos outros com os bebês.

“É o próprio movimento da criança, seu próprio gesto, os que atribuem a


função de signo ao objeto correspondente, o que lhe confere sentido.
Toda a atividade simbólica representacional está cheia desses gestos
indicadores”. (Vygotsky, 1995, p. 188)

Vygotsky (1995) descreve “que é só nele (brincar) que radica a chave da


explicação de toda a função simbólica” das brincadeiras infantis e pode ser
entendido como um sistema de linguagem muito complexo que, mediante
gestos, informa e assinala o significado dos diversos brinquedos”. (p. 187-188)

O autor enfatiza que com a atividade do brincar o “objeto se emancipa de sua


qualidade do signo e do gesto” (p. 188) e passa a ser significado pela ação,
pela linguagem que lhe é atribuída e representa determinadas relações
convencionais, deixando para segundo plano a necessidade do gesto. O
importante é a semelhança que o objeto tem com a representação simbólica.

A linguagem verbal que designa o objeto passa a servir para que as crianças
se ponham em comum acordo na brincadeira e denominem qual será a
utilização do objeto, como, por exemplo, o livro representará a casa, e a caixa
de fósforos, o sofá. Como o livro substitui a casa, caso esse livro seja
derrubado no chão, mesmo que a brincadeira tenha terminado, a criança pode
dizer que a casa caiu. Nesse caso, o objeto por si só cumpre uma função
substitutiva, para a criança e para o outro, e a linguagem é usada para
organizar a brincadeira.

Pode-se perceber que a linguagem ocupa um papel importante no brincar, uma


vez que as crianças vão substituindo as ações, os gestos com os objetos e vão

20
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utilizando a fala para planejar e organizar a ação. A linguagem passa a ser


mediadora no planejamento da ação quando a criança passa a nomear os
objetos que vão ser necessários para a brincadeira, e a própria linguagem
passa a estruturar o planejamento da ação e o pensamento da criança.

Vygotsky (2002) refere que o brincar da criança é uma atividade que envolve a
imaginação. A criança brinca de ser alguém ou de fazer algo, no momento que
está construindo significado e sentido do objeto, da ação e da relação e, ao
brincar, constrói cada vez mais esses significados e sentidos.

Para Vygotsky (1995), inicialmente a criança brinca com os objetos atenta às


ações e aos gestos; posteriormente, a criança se atém aos significados
atribuídos aos objetos e passa a falar antes de iniciar a brincadeira,
organizando a brincadeira, o pensamento e a ação.

“A experiência tem demonstrado que com as crianças diminuem


paulatinamente a porcentagem de ações, puramente lúdicas e começa
a predominar a linguagem”. (Vygotsky, 1995, p. 191)

Leal (2001) enfatiza que, no brincar da criança, “os elementos dispersos da


experiência encontrarão lugar e contexto para se poderem diferenciar,
organizar e receber rótulos simbólicos que serão fonte de linguagem”. (p.1) A
criança em relação com um outro é capaz de significar, organizar e construir o
mundo simbólico e, no brincar com o outro, a criança se apropria dessas
relações.

O brincar possibilita a construção das mais variadas formas e possibilidades do


humano, à medida que o reconhecimento do seu semelhante possibilita o
próprio reconhecimento de si, pois o outro indica, delimita, atribui significado à
realidade.

Vygotsky (2002) salienta que, à medida que a criança desenvolve as funções


nervosas superiores, pode-se observar um movimento para a realização de um
propósito, para um objetivo e, assim, a criança vai construindo as regras dos
jogos e se interessando pelos jogos de regras.

O autor descreve que

“no final do desenvolvimento surgem às regras e, quanto mais rígidas


elas são, maior a exigência de atenção da criança, maior a regulação da
atividade, mais tenso e mais agudo torna-se o brincar.” (Vygotsky, 1996,
p. 136).

A ação do brincar e da palavra como mediadores do desenvolvimento humano


pode se estabelecer tanto nas relações familiares e sociais, uma vez que a
criança está cada vez mais exposta ao círculo social que a rodeia, bem como
na psicoterapia, que pode ser também um espaço de construção de novos
significados e sentidos do mundo social, na habilitação e/ou reabilitação
neuropsicológica.

Cabe ressaltar que todas as funções nervosas superiores se constituem de


modo dialético, de início de modo direto, depois de modo mediado por

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instrumentos sociais e pelas próprias representações mentais e, quando


internalizadas, se tornam funções sociais e individuais. Essas funções se
apresentam no cérebro humano com uma organização sistêmica e dinâmica, e
a análise deve ser do processo neuropsicológico e não do produto externo, ou
seja, apenas do comportamento.

No próximo tópico do capítulo, os conceitos de desenvolvimento organização


sistêmica e localização dinâmica serão explorados para a compreensão de
como ocorre o desenvolvimento das funções nervosas superiores e da
personalidade no cérebro humano.

1.2 A organização sistêmica e dinâmica do cérebro humano

Para compreender os pressupostos da organização sistêmica e localização


dinâmica, desenvolvido por Luria (1981), temos que nos focar na comparação
que o autor faz a respeito de outros sistemas funcionais do corpo humano, tais
como o sistema da digestão que deve ser analisada em concerto observando
todos os processadores que compõe o sistema, ou seja, desde a boca até os
intestinos. Nesse sentido destacar o exemplo referido pelo autor facilita para
exemplificar posteriormente os sistemas cerebrais.

“O ato de digestão requer o transporte de comida ao estomago, o


processamento dos alimentos sob influência do suco gástrico, a
participação das secreções do fígado e do pâncreas nesse
processamento, o ato de contração das paredes do estômago e do
intestino, a propulsão do material a ser assimilado ao longo do trato
digestivo e, finalmente, a absorção dos componentes processados dos
alimentos pelas paredes do intestino”. (Luria, 1981, p.12)

Esse conceito de sistema funcional para as funções neuropsicológicas,


proposto por Luria, traz em si a necessidade de analisar, de modo qualitativo,
os processadores que compõe cada função nervosa superior e, destacar que
uma função pode ser desempenhada por diversos processadores e resultar
numa tarefa constante, explícita no comportamento.

O autor ressalta que os aspectos básicos que caracterizam a operação de


qualquer sistema funcional são

“a presença de uma tarefa constante (invariável), desempenhada por


mecanismos diversos (variável), que levam o processo de um resultado
constante (invariável)”. (Luria, 1981, p.12)

Para facilitar a compreensão da citação acima destacada, podemos levar em


consideração a tarefa de aritmética de somar alguns números naturais
(invariável) pode ser executada através de diversas formas, com uso de
calculadora, com os dedos, apenas com o pensamento, nesse sentido se utiliza
processadores cerebrais diferentes para cada uma das formas (variável), no
entanto resulta numa tarefa de aritmética de somar os números naturais e dar
um resultado (invariável).

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Como refere Luria (1981), quando se trata de funções mentais, as coisas ficam
muito mais complexas e são delineadas durante a ontogênese. Nesse sentido
as funções nervosas superiores obedecem ao mesmo funcionamento, ou seja,
inicialmente são funções elementares, ligadas ao biológico e se apresenta de
modo direto no comportamento humano, posteriormente necessitam ser
mediadas por instrumentos externos para, através do processo de
internalização, se tornar uma função mental, intrapsíquica.

De acordo com esse raciocínio, a localização dos processos mentais também


não são estáticos ou constantes e se deslocam durante o desenvolvimento da
própria função. Luria (1981) refere

“Nos estágios iniciais, por exemplo, o ato de escrever depende da


memorização da forma gráfica de cada uma das letras. Ele ocorre por
uma cadeia de impulsos motores isolados, cada um dos quais é
responsável pela realização de apenas um elemento da estrutura
gráfica que unida com a prática, esta estrutura do processo é
radicalmente alterada no ato de escrever convertido em uma ‘melodia
cinética’ única, não mais requerendo a memorização da forma visual de
cada letra isolada ou de impulsos motores individuais para a feitura de
cada traço. A mesma situação se aplica ao processo no decurso do qual
o ato de escrever está em uma engrenagem altamente automatizado
(como a assinatura, por exemplo) deixa de depender da análise do
complexo acústico da palavra ou da forma visual de suas letras
individuais e passa a ser desempenhada como uma ‘melodia cinética’.”
(Luria, 1981, p. 17)

Cabe ressaltar que o desenvolvimento das funções não ocorre apenas na


estrutura funcional do processo, mas também altera toda a sua organização
cerebral e, se isso acontece, a localização das funções também se altera
devido necessitar de outros processadores para desenvolver determinadas
funções mentais. A localização das funções se desloca importantemente
durante os processos de desenvolvimento psicológico do sujeito.

Esse ponto é importante para a Neuropsicologia Sócio Histórica principalmente


com o uso na clínica para compreender as mudanças no todo psíquico e na
organização mental dos sujeitos durante os processos de psicoterapia e de
reabilitação neuropsicológica.

“A criança pequena pensa em termos de formas visuais de percepção e


memória, ou em outras palavras, ela pensa por meio da recordação. Em
estágios ulteriores de adolescência ou na vida adulta, o pensamento
abstrato com ajuda das funções de abstração e generalização é tão
altamente desenvolvido que mesmo processos relativamente simples
como percepção e memória são convertidos em formas complexas de
análise e síntese lógicas, e a pessoa na verdade começa a perceber ou
recordar por meio da reflexão”. (Luria, 1981, p. 18)

Essa concepção da organização sistêmica e localização dinâmica serve para


darmos importância, como neuropsicólogos, em determinar, através de uma
análise qualitativa e cuidadosa, quais as zonas cerebrais que estão operando
em concerto são responsáveis pela efetivação de uma atividade mental
complexa, bem como analisar como cada uma dessas zonas funcionais se

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modifica nos vários estados do desenvolvimento do sujeito, além de analisar


como esses processos de mudança ocorrem durante um trabalho clínico.

A tarefa principal da neuropsicologia é identificar a dinamica psicológica que


está por trás do sintoma apresentado analisando o foco primário do distúrbio,
devido compreender que

“a atividade mental humana é um sistema funcional complexo efetuado


por meio de uma combinação de estruturas cerebrais funcionando em
concerto, cada uma das quais dá a sua contribuição peculiar para o
sistema funcional como um todo”. (Luria,1981, p. 21)

Nesse sentido a parte mais importante da análise neuropsicológica é elucidar a


estrutura do distúrbio e as causas imediatas do “colapso funcional” (p. 26), ou
seja, o colapso de personalidade. Essa tarefa fundamental define a
organização do trabalho do neuropsicólogo e a ciência dos processos mentais
superiores dos humanos.

1.3 As principais unidades funcionais e as respectivas responsabilidades

Luria (1981) refere que a organização cerebral sistêmica tem como destaque
três principais unidades funcionais cuja participação se torna necessária para
qualquer atividade mental e resulta das instrumentalidades culturais criadas ao
longo da filogênese, sendo constituída em cada sujeito durante a ontogênese
se esse estiver inserido em relações significativas com outros humanos.

Essas unidades funcionais são descritas respectivamente em três blocos


funcionais cujas funções são:

 1o bloco funcional responsável pela regulação do tono cortical e vigília;


 2o bloco funcional recebe, processa e armazena as informações que
chegam do meio interno e externo; e
 3o bloco funcional é responsável para programar, regular e verificar a
atividade mental.

Cada uma das unidades acima descritas tem o seu papel fundamental e
fornece a contribuição para o desenvolvimento das funções nervosas
superiores e para o desempenho das atividades mentais.

O autor ressalta que cada uma dessas unidades apresenta uma estrutura
hierarquizada que se destaca em áreas primárias (projeção), cuja função é
receber e enviar os impulsos; as áreas secundárias (projeção – associação),
que recebem e processam as informações e preparam os programas mentais,
e as áreas terciárias (zonas de superposição), que são responsáveis pelas
atividades mentais mais complexas, que requerem a participação em concerto
de muitas áreas corticais.

Bella Kotic-Friedgut (2001) em suas pesquisas a respeito da organização


extracortical, ressalta que tanto durante o processo de desenvolvimento do
sujeito como de novas aquisições mentais ocorre alteração na anatomia e na

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fisiologia cerebral e, nesse sentido, reforça a importância do conceito de


plasticidade cerebral, imprescindível na reabilitação neuropsicológica e no
tratamento clínico.

A figura abaixo ilustra a organização de cada bloco cerebral proposto por Luria
e o texto posterior irá relacionar as responsabilidades respectivas de cada
bloco funcional.

Ilustração da localização das três unidades ou blocos funcionais apresentados por Luria. (reproduzido
com autorização do laboratório de Neuropsicologia da Universidade de Moscou)

O 1o bloco funcional (A) se localiza no tronco cerebral, nos núcleos não


especificados do tálamo e nos núcleos da base e tem como responsabilidade
ativar e regular o tono cortical na vigília para atividades mentais organizadas e
dirigidas a metas.

A ativação cerebral é produzida por três mecanismos diferentes, associados


em primeiro lugar pelo sistema reticular ascendente (SARA) na regulação dos
processos vitais como respiração, circulação sanguínea, etc. O segundo
mecanismo de ativação tem origem no reflexo de orientação como forma de
defender o organismo de ruídos, estímulos luminosos do ambiente mobilizando
a atenção por reflexo de orientação, denominando a atenção primitiva e
emocional. O terceiro mecanismo é o sistema reticular descendente (SARD)
que tem origem no frontal anterior e motor e integra as informações internas e
externas direcionadas a atividade motora ou resolução mental de um problema.

Cabe ressaltar que o terceiro mecanismo de ativação cerebral também


apresenta uma função inibitória das respostas do reflexo de orientação, do
segundo mecanismo, permitindo o desenvolvimento da atenção voluntária
focada tanto na relação do sujeito com o exterior quanto no processamento

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cortical da informação do segundo bloco funcional e como qualquer função


nervosa superior tem sua origem nas relações sociais dos humanos.

O segundo bloco funcional (Б) se localiza posterior ao sulco central até a


porção occipital e tem como responsabilidade receber, analisar e armazenar as
informações.

A organização do segundo bloco se subdivide em três sub-blocos em que as


informações visuais se processam na porção occipital, as informações
auditivas na porção temporal e as informações táteis-cinestésicas no parietal.
Esses sub-blocos recebem as informações das áreas primárias dos respectivos
órgãos sensoriais (visão, audição, tato) e transmitem as informações para as
áreas secundárias processarem, analisarem e sintetizarem as informações e
as repassam para as áreas terciárias, no cruzamento das regiões têmporo-
parieto-occipital (TPO), que realizam a mais complexa integração das
informações.

O sistema de integração das áreas terciárias do segundo bloco (TPO), acima


referido, permite o significado das relações lógico-gramaticais e o
processamento de um grande número de arranjo de informações. Os neurônios
distribuídos nessas áreas não estão presentes em mais nenhuma outra
espécie animal e só pertence aos humanos.

O terceiro bloco funcional (B) se localiza no frontal, sendo que a parte posterior
corresponde a áreas motoras e pré-motoras e a região anterior corresponde ao
pré-frontal e é responsável por preparar o programa de atividade ideativa ou
motora e colocá-la em prática. A tarefa principal do terceiro bloco funcional é a
organização da atividade consciente, responsável pela programação, regulação
e verificação do comportamento.

Quintino Aires (2010) destaca que os sistemas funcionais da região frontal


posterior preparam o programa motor que necessita ser executado, ou seja,
dessa região resulta a harmonização e orquestração dos movimentos
realizados pelos mais diferentes grupos musculares, como ocorre no controle
cortical do aparelho oro-fonador, produtor da fala. (p. 117)

A região frontal anterior realiza o controle das atividades cerebrais, através dos
planos e intenções estáveis capazes de controlar o comportamento. O sistema
funcional dessa região verifica e adequa o comportamento que o cérebro
acabou de preparar para ser executado impedindo que uma atividade
intencional inicial seja erradamente substituída por outra.

Por essa compreensão sistêmica e dinâmica dos sistemas funcionais é que


devemos enaltecer o sujeito como um ser ativo no meio externo que ao
construir os seus instrumentos de trabalho, transformou a natureza e de modo
dialético se transformou num sujeito psicológico e social, que recebe as
informações do meio externo de modo ativo, as representa mentalmente, mas,
acima de tudo, cria intenções, forma planos, programas para as suas ações,
inspeciona as realizações e verifica se a sua atividade é condicente com as
suas intenções.

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É importante salientarmos, através dessa compreensão do cérebro, que para


cada atividade mental ocorrer no cérebro do sujeito os sistemas cerebrais
acima descritos necessitam funcionar, através dos seus processadores, de
modo sistêmico e orquestrado, ou seja, para cada atividade cerebral ocorrer no
cérebro do humano é necessário que o sujeito esteja vígil e ativo (1º bloco),
articule e processe as informações advindas do mundo externo e interno (2º
bloco) e planeje as suas intenções, coloque-as em prática e regule o seu
funcionamento cerebral (3º bloco funcional).

Vamos retomar o exemplo da expressão da linguagem primitiva infantil, referida


no tópico anterior, para exemplificar de forma generalista, como os sistemas
cerebrais funcionam orquestrados e a suas respectivas funções.

Quando a criança verbaliza pela primeira vez a sílaba ‘ma’, o 1º bloco funcional
(ativação e regulação da vigília) está em funcionamento à medida que esta
criança está com um nível de ativação cortical adequada para a atividade
cerebral, bem como a atenção elementar e emocional (tronco cerebral, núcleos
da base) a está fazendo se voltar para o outro. O 2º bloco funcional (visão,
audição, sensibilidades cinestésicas) está funcionando nos sistemas visual,
temporal e parietal, por estar focada visualmente na mãe e pronunciar a sílaba
assim como estar representando mentalmente a junção da vocalização da
sílaba com o movimento de se sentar. A parte posterior do 3º bloco funcional
está funcionando à medida que os sistemas motores necessitam ser ativados
para a criança realizar, juntamente com a vocalização, os movimentos dos
braços e do corpo para demonstrar que quer se sentar.

Dessas experiências da criança com o outro é que emergem as cadências


regulares (agora Tu agora EU)6 e torna explícito que há um interlocutor que
pode completar os atos da criança, ou seja, a criança pode compreender os
seus próprios atos no intercâmbio relacional com o outro. (p. 8)

Nesse sentido, não podemos compreender a fala da criança como o resultado


de um processo interno, isolado que se processa numa área específica
localizada no cérebro humano, mas, sim, como uma estrutura afetiva,
complexa, organizada no cérebro de modo sistêmico e não diferenciada dos
movimentos corporais.

Esse exemplo tem como objetivo clarificar o processo de internalização e de


desenvolvimento psicológico do sujeito ao longo das suas experiências sociais,
assim como destacar a organização de três blocos funcionais, cada um dando
uma contribuição específica a cada atividade nervosa superior e demonstrar
como essas atividades resultam do funcionamento orquestrado e integrado
desses três blocos.

6
Processos regulares e relacionais que devem ser promovidos pelo outro através da mediação da
palavra para a criança para que a mesma possa desenvolver a iniciativa de agir no meio externo. Esses
processos serão mais bem detalhados no tópico a seguir.

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2. AS CRISES PSICOLÓGICAS E O DESENVOLVIMENTO DA


PERSONALIDADE

Nesse tópico do capítulo, temos como objetivo destacar a construção do sujeito


psicológico na ontogênese, utilizando os conceitos do desenvolvimento das
funções nervosas superiores no cérebro do humano e os modos de construção
e de transformação da personalidade. Vygotsky refere que o desenvolvimento
da personalidade do sujeito ocorre em períodos de crises psicológicas7, cujas
competências já desenvolvidas necessitam se transformar por conta das novas
exigências externas. Nesse sentido as crises psicológicas propiciam o
desenvolvimento do EU como sujeito psicológico, a concepção do OUTRO e a
construção mental da REALIDADE.

Leal (2010) enfatiza que desde os primeiros dias de vida do bebê humano a
comunicação “expressiva, implícita” (p.27) se processa no cérebro pelas
estruturas pré-corticais em que a formação reticular do tronco cerebral ocupa
um lugar de destaque. Essas estruturas asseguram a organização central
homeostática, mas também propiciam o reflexo de orientação do bebê.

O reflexo de orientação, primeiro bloco funcional, implica não só numa


experiência de alerta, mas também propicia a organização das posturas, dos
padrões do bebê e tem um caráter globalizante e emocional, na presença de
alterações no reflexo galvânico da pele, no ritmo respiratório, no batimento
cardíaco, no reflexo pupilar à medida que o bebê está na presença da fala de
um adulto (outro) presente. (Condon, 1994 apud Leal, 2010, p. 28)

A autora enfatiza que essa ressonância


biológica não apresenta qualquer
consciência perceptiva por parte do
bebê, mas é a mola propulsora para a
“competência ‘pré-reflexiva’ do
‘próprius’ ” (p. 30) ao orientar-se para a
fala de um outro humano
correspondente. Nesse sentido que
para Vygotsky a relação mediada pela
palavra, como referido anteriormente,
propicia o processo de desenvolvimento
humano inserido nas relações sociais
com outros humanos. A tarefa básica
do recém-nascido, como refere Leal, Ilustração retirada do livro Passos da Construção do
Eu, de Maria Rita Mendes Leal, 2000.
consiste em construir significados e

7
As crises psicológicas referidas por Vygotsky são os períodos críticos de transformações biológicas e
psicológicas que de modo dialético propiciam o desenvolvimento das funções nervosas superiores. No
entanto, cabe ressaltar que o autor não enfatiza a idade cronológica como fator primordial para o
desenvolvimento e sim as relações sociais que são estabelecidas com a criança de acordo com a cultura
e que podem ou não proporcionar o desenvolvimento psicológico. As idades referidas pelo autor foram
norteadas pelo processo de mielinização e pela hierarquização das funções no cérebro humano,
conforme descrito no tópico anterior.

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sentidos de si próprio nas experiências sensório-motoras que experimenta,


buscando na relação com o outro mais experiente, a solidez da confirmação
dessas impressões e expressões.

O evidente dessa relação inicial é que em função de um funcionamento


cerebral elementar, primeiro bloco funcional, o bebê necessita do outro para
construir significado da sua própria existência como sujeito psicológico.

Hobson (2002) cita que bebês com menos de dois dias de idade conseguem
imitar as expressões dos adultos que o olham, demonstrando assim “formatos
primários do estado de relação” (apud Leal 2010, p.33 e 270) e, ressalta que o
bebê ao olhar a face do adulto vai obtendo a oportunidade e a experiência
social e individual de construir a representação mental de si através do outro.

“A principal tarefa do recém-nascido reside em fazer sentido global para


si mesmo de todas as informações do seu corpo e de tudo quanto
apreende e vai arquivando, para esse fim, buscando sempre a
confirmação da consistência das suas impressões e expressões através
de um objeto de relação fiável”. (Leal, 2010, p. 37)

A autora ressalta que o desenvolvimento psicológico é um processo de


transformação cerebral em função da construção de significados e sentidos do
próprio sujeito, mas que, de modo dialético, requer a participação ativa do
Outro para propiciar a experiência do EU.

“São experiências inefáveis, em que ativo e passivo são


intercambiados como instâncias de vida, a enquadrar na linguagem
implícita das múltiplas associações pré-verbais do estar no mundo”. (p.
26)

À medida que a criança vai representando mentalmente, as experiências


vivenciadas - na relação com os outros mais experientes, o processamento das
informações, no segundo bloco funcional - vão se constituindo no cérebro
humano e possibilita a constituição da percepção de si e dos outros de modo
dialético.

As crises psicológicas citadas por Vygotsky (1996b) são descritas como os


momentos que propiciam a construção do EU como sujeito psicológico e são
definidas como processos de transformação que, de modo dialético, são
internas e externas, individuais e sociais, distintos e sequenciais ao mesmo
tempo e, como qualquer transformação, são acompanhadas de conflitos
íntimos, profundos e significativos no âmbito social, individual, emocional,
cognitivo e cerebral.

Vygotsky (1996) define 6 (seis) períodos de crises de desenvolvimento


humano: a crise pós-natal, a crise do primeiro ano, a crise dos três anos, a
crise dos sete anos, a crise dos treze anos e a crise dos dezessete.

Na crise pós-natal, o autor a define como a transformação e separação do


período embrionário ao primeiro ano de desenvolvimento de vida. A crise do
primeiro ano delimita o primeiro ano de vida do bebê humano ao início da
infância. A crise dos três anos refere o início da infância até a idade pré-

29
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escolar. A crise dos sete anos delimita a idade pré-escolar da escolar. A crise
dos treze anos refere a idade escolar a puberdade, e a crise dos dezessete
anos delimita a puberdade da maturidade psicológica.

Para o autor, essa periodização no desenvolvimento psicológico, refere as


mudanças internas e externas no próprio desenvolvimento e se caracteriza,
pela construção da personalidade do sujeito e por ser um processo contínuo,
dialético em constante movimento de estruturação superação e transformação.
No entanto essas transformações podem ou não ocorrer de modo adequado
para todos os sujeitos em função das relações sociais que são estabelecidas e,
quando isso não ocorre nos períodos propostos, surgem as disfunções
psicológicas.

Essas disfunções serão explicitadas após a apresentação de cada crise, mas


devem ser compreendidas como a não aquisição de novas capacidades
cognitivas e emocionais e podem ser superadas à medida que o sujeito esteja
ativo e presente em uma relação confiável e estável na presença de um outro
atento as suas reais necessidades, para o desenvolvimento psicológico. As
relações aqui referidas são estabelecidas no processo de habilitação
neuropsicológica através da psicoterapia Sócio Histórica.

Para a passagem de uma crise para outra, faz-se necessário levar em


consideração a organização cerebral existente, devido sempre aparecer algo
novo que não existia em estados anteriores, mas que, de modo dialético são
superadas do estado anterior para a construção de uma nova crise, implicando
em processos interpsicológicos, no processo de Zona do Próximo
Desenvolvimento e em processos intrapsíquicos.

As crianças passam por longos períodos sem apresentar uma mudança muito
brusca demonstrando que o desenvolvimento se constitui num curso lento de
construção, no entanto há alguns momentos em que o desenvolvimento dá
saltos, em processos particulares, que são pontos agudos de transformação
denotando a periodizações das crises acima citadas.

Nesses períodos em que aparentemente não estão acontecendo mudanças


significativas nos comportamentos das crianças, estão ocorrendo os períodos
de internalização em que a criança está constituindo as representações
mentais das experiências, relações e vivências com o mundo exterior. E os
saltos que aparecem no desenvolvimento indicam as representações mentais
já internalizadas e denotam as transformações na dinâmica cerebral geral
incluindo a atenção, memória, pensamento, percepção e todas as demais
funções nervosas superiores.

Percebemos, portanto, que o conceito de personalidade para os autores


implicam a organização dos sistemas cerebrais cognitivos e emocionais que
funcionam em concerto numa organização dinâmica e que, de modo dialético,
ocorrem em processos estáveis e críticos de transformação.

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2.1 Crise pós-natal

Vygotsky (1996) pontua que o desenvolvimento psicológico da criança começa


com o nascimento e a idade crítica se inicia logo depois do parto, em que o
bebê se separa física, mas não biologicamente da mãe. O ponto de viragem
biológico-psicológica se encontra entre o segundo e terceiro mês de vida do
bebê, em que ocorrem muitas mudanças biológicas e nas interações sociais. O
sono começa a contar com menos horas e a ingestão de alimentos se torna
mais ávida. É nesta fase que novas formas de condutas aparecem e os bebês
iniciam os balbucios e as atividades iniciais dos órgãos sensoriais passam a
atuar simultaneamente. No desenvolvimento cerebral, prevalece a conduta do
bebê na forma instintiva de atividade e, determinados impulsos elementares
são inerentes ao bebê humano.

As primeiras reações sociais se manifestam nos balbucios e por gestos


expressivos de prazer e surpresa e o bebê começa a experimentar o mundo de
maneira mais lúdica e se atém fixamente ao olhar do outro.

O desenvolvimento do sistema nervoso durante esse período é muito intenso,


desencadeado pelo aumento significativo do peso cerebral, denotando em
diversas e importantes mudanças qualitativas. As imitações das expressões
dos rostos humanos mostram que as funções nervosas estão agindo no
cérebro humano de modo elementar à medida que o bebê se volta para a fala
do outro e altera os registros psicogalvânicos da pele, como já referido
anteriormente.

O sorriso é uma reação social e o bebê com dois meses sorri ao ouvir a voz
humana e se move em direção ao sujeito que fala com ele, assim como presta
atenção a sua voz e fica contrariado quando se afasta dele. Aos três meses,
emite diversos sons quando se aproxima do outro, sorri para ele e se manifesta
disponível à comunicação.

“No desenvolvimento normal do bebê, as suas vocalizações, além de


encherem o seu universo, provocam ecos no ambiente, resultando na
repetição dos sons por parte dos pais. O bebê parece reconhecer
gradualmente, que o som que ocorre em outro lugar é o mesmo da sua
lalação. Isto resulta num aumento de experiência: o bebê torna-se
cônscio do tom o produto da sua atividade que lhe absorve o interesse”.
(Leal, 2010, p. 47)

A relação de solidez que permeia o “sistema EU-OUTRO”, bebês e cuidadores,


ocorre nas experiências sensoriais relacionais e torna possível a estruturação
de processos de associação das informações que vão além da pura
ressonância sensorial. Nesse sentido que Vygotsky enfatiza que a criança fica
imersa em aprendizagem, desenvolvimento e pode experimentar e construir o
significado do seu próprio existir. O cuidador, nesse sentido, desempenha um
papel fundamental e vital para a modulação dos estados afetivos do bebê.

Leal (2010) refere que na relação de convívio entre o adulto (outro da relação)
e o bebê pode começar a vislumbrar-se numa sucessão de interações com

31
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ritmos espontâneos. A autora utiliza o exemplo de o bebê virar o rosto


intermitentemente, descritos no reflexo de orientação, que abre espaço para
novos contatos com o adulto resultando num “intercâmbio de ida e volta” (p.39),
em que o bebê fixa o olhar no outro (normalmente a mãe), olha para o lado e
olha de novo, como que tomando a sua vez na relação.

Essa relação inicial do bebê com o mundo social emocional possibilita ao bebê,
através da relação com o outro, representar as relações de causalidades entre
os seus atos e as respostas do ambiente. É neste período que Vygotsky refere
a constituição dos reflexos condicionados.

“Após o nascimento até os quatro meses de idade, a de fazer sentido


das informações sensório-motoras e social-emocionais, em que a
criança é induzida a procurar continuamente a comprovação das suas
impressões e expressões, junto de um objeto confiável”. (Leal, 2010,
p.40)

Vygotsky (1996) menciona que, por volta dos cinco meses, o bebê já consegue
dominar o seu próprio corpo, a postura e movimentos, levando-o a buscar mais
contatos com outros humanos. No segundo semestre, sente necessidade
especifica de se comunicar, e o interesse pelo ser humano se deve ao fato de
reconhecer que todas as suas necessidades podem ser satisfeitas pelo outro
adulto. O desejo ativo de se comunicar se manifesta na busca do olhar do
outro, com o sorriso, com o balbucio, com os movimentos dos membros
(braços e pernas) e com o choro quando fica perto do outro da relação.

Leal (2010) refere que quando o bebê começa a repetir os vocábulos “má-má”,
“dá-dá”, os sons articulados de uma “difusa consciência da vocalização cede
lugar à consciência” de que ele provoca no outro uma reação a sua lalação.

O uso dos vocábulos, então, permite ao bebê as associações cinestésicas e


casuais que faz com as coisas e com os outros, ou seja, quando o bebê inicia
um vocábulo é possível fazer a associação com o cheiro da mãe, com a voz
dela, com o olhar, com a mamadeira, com o líquido que entra pela sua boca ou
com qualquer outra coisa, que para ele tem o sentido de sua presença. Quando
o bebê profere o som invoca uma concepção por ele construída.

Nesse sentido que a autora enfatiza que os gestos, os vocábulos, os sons


(choros, balbucios), as ações representam um conteúdo emocional expressivo
e são estruturados na primeira e segunda unidade funcionais e assumem a
estabilidade perceptiva da criança, passam a ser utilizados como instrumentos
verbais que estão ao seu dispor e ao seu redor e são partilhados na relação
com o cuidador, dando a possibilidade da construção de signos e significados.

“A criança tenta obter um objeto colocado para lá de seu alcance, e as


suas mãos esticadas em direção aquele objeto permanecem paradas
no ar. Os seus dedos fazem movimentos que lembram o agarrar.(...)
Quando a mãe, então, se move ao encontro dela e nota que seu
movimento indica alguma coisa, a situação muda radicalmente: a
tentativa mal sucedida da criança engendra uma reação não do objeto
que ela procura, mas de uma outra pessoa. (...) Nesse movimento,
ocorre uma mudança na função do movimento: de um movimento

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orientado para o objeto, este transforma-se num movimento dirigido


para outra pessoa, um meio de estabelecer relações. O movimento de
agarrar transforma-se no ato de apontar”. (Leal, 2010, p. 25)

Vygotsky (1996) enfatiza que esse momento se caracteriza por uma atividade
intelectual da criança e faz parte dos seus primeiros inventos e movimentos
racionais. Leal (2010) ressalta que esse período é essencial para o início da
construção do EU como sujeito psicológico, denominada como processo de
Intuição do EU, em que o bebê ainda não tem a certeza e a definição clara de
que é ele que propicia os movimentos e respostas do OUTRO as suas próprias
iniciativas.

2.1.2 Esquema figurativo da crise pós-natal

EU

INTUIÇÃO DO EU

2.1.3 Disfunções psicológicas da crise pós-natal - TIPO CONFUSIONAL

Leal (2010) refere que dificuldades vivenciadas nas relações humanas com os
cuidadores, nesse período de desenvolvimento psicológico, propiciam as
disfunções do tipo confusional de comportamento, revelados nas perturbações
da comunicação com o mundo exterior e com a vida de modo geral e
desencadeiam comportamentos estranhos, esteriotipados, repetitivos
conduzidos pela dificuldade na construção do EU psicológico.

A criança ou o adulto que apresentaram dificuldades nas representações


mentais constituídas nessa Crise Pós-Natal apresentam comprometimentos na
sua constituição como sujeito psicológico e demonstram dificuldades em se
posicionar como sujeito ativo na vida cotidiana e nas relações sociais.

As disfunções do tipo confusional estão denominadas no DSMIV-TR (2002)


como Transtornos Autistas (em crianças)8 (p. 99) e Esquizofrenia e outros
Transtornos Psicóticos (em adultos)9 (p.304). Podem ser compreendidos, pela
Sócio Histórica, como dificuldades e incongruências no pensamento, na
comunicação do sujeito com o mundo exterior e desarmonia entre as ligações
associativas das funções nervosas superiores, na construção do EU como
sujeito psicológico, na sua ação com os outros, no espaço e no tempo.

8
Parêntese acrescido para essa citação.
9
Parêntese acrescido para essa citação

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Essas disfunções podem ser superadas em novas crises à medida que esse
sujeito esteja em relação com o outro (psicoterapeuta) atento às suas
iniciativas, que a nomeia, a expresse novamente, a ponha em evidência e
assim possibilite a transformação das representações mentais já desenvolvidas
e, promova a construção da noção do EU como sujeito psicológico ativo que
tenha a capacidade de perceber que as suas iniciativas desencadeiam o
movimento e a resposta do outro da relação confiável.

2.2 A crise do primeiro ano

Vygotsky (1996) refere que a crise do primeiro ano delimita o primeiro ano de
vida do bebê humano ao início da infância e ressalta que esse momento se
constitui quando a criança começa a andar a falar e a ter iniciativa e vontade no
meio externo. Leal (2010) destaca essa crise como a “construção da relação
dual (entre a criança e o cuidador reconhecido por ela)”. (p. 56)

A autora enfatiza que a criança, nessa crise, se sente ligada emocionalmente e


mentalmente ao cuidador que se posiciona como interlocutor da relação do
“agora eu agora tu” (p. 56) e mantém o diálogo recíproco e alternante não só
com os outros, mas também com os objetos e com os eventos.

Esse diálogo propicia à criança a significação de ser o iniciador das ações com
intenções e vontades, solidificando, a cada experiência, o sentimento de
identidade10. A movimentação no mundo externo possibilita a construção da
noção do EU e a relação dual com os OUTROS, com os objetos e com os
eventos.

Nesse sentido que Vygotsky enfatiza o início do andar como a marca do início
dessa crise, porque o andar propicia à criança o intenso interesse de manipular
e se apropriar de todos os objetos possíveis de pegar e jogar fora. O diálogo
com os outros pode ser projetado e expandido para as coisas, sobre os
objetos, desencadeando uma relação de atenção circular, por parte da criança,
às alternâncias na sua movimentação com os outros e com os objetos e
eventos.

“São coisas que podem ser agarradas e manipuladas e deitadas fora, 11


de modo repetitivo, numa atividade carregada de impulso, em que todos
os bebês encontram prazer na repetição do próprio gesto.” (Leal, 2010,
p.57)

Essa crise então irá ser realçada inicialmente pelo jogo do tira-põe, junta-
separa, aparece-desaparece em que gera um modelo repetitivo de relação
cadenciada pelos movimentos de vai e vem. O pensamento da criança se
processa em manipular e processar as imagens, na atenção circular,

10
Identidade compreendida como construção de sentido do EU como sujeito psicológico do OUTRO
como os outros da relação diferentes do EU, com desejos e vontades próprias e sentido da REALIDADE
como instâncias diferentes do EU e OUTRO e que ambos podem transformá-la através do TRABALHO.
11
“Deitar fora”: expressão utilizada em Portugal, que significa “jogar fora” no Brasil.

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intercaladas com pausas curtas para reflexão como forma de internalizar e


ordenar as experiências no cérebro.

A criança, portanto, necessita de um cuidador presente, sensível e atento aos


seus movimentos e intenções para criar um relacionamento seguro, consistente
para nomear, num “apontar mútuo de significados partilhados” (p.61) e
provocar as conexões cerebrais de associação (2o bloco funcional) para as
aprendizagens e desenvolvimento.

O foco central dessa relação dual propicia a regulação, a classificação, a


categorização das vivências, reparando a ordenação conceitual que regulará,
classificará e categorizará as novas experiências da criança. A criança, que
ainda não fala, vai utilizar os instrumentos verbais comuns dessa relação para
abarcar os significados partilhados nos eventos.

A atenção da criança no olhar, escutar, pegar e engatinhar ou andar para o


cuidador se torna mais evidente, denotando a idealização em que esse
cuidador estará sempre presente na relação, respondendo às suas iniciativas.
O comportamento da criança também reforça as respostas do cuidador à
criança, em função do investimento que a criança faz em relação a ele,
aprofundando o vínculo afetivo entre o EU e o OUTRO.

O brincar surge na relação com o outro e com a possibilidade de manipular os


objetos e nomear os eventos transformando os instrumentos da realidade
vivida em imaginação, inventando acontecimentos, narrativas, misturando o
real e a fantasia a seu bel-prazer. Quanto mais a criança brinca, mais se
apropria dos instrumentos externos, da relação com os outros e dos eventos da
realidade e, se apropria de tudo isso brincando com mais desenvoltura,
necessitando se comunicar com mais intensidade com o mundo externo.

O apontar mútuo, inserido nos acontecimentos correntes em que o EU e


OUTRO participam, constitui-se como estrutura triangular: duas pessoas na
presença de um objeto vivem um encontro fundamental, comportando a fruição
de uma significação em comum.

O reconhecimento mútuo de um objeto partilhado, manipulado ou apontado,


abre a oportunidade para o nascimento de uma nova experiência participada
de dar um nome a uma coisa externa, por exemplo: ʺa bolaʺ. (Leal, 2010, pg.
77 e 78) Assinalado como tal, o nome está a ser reconhecido como uma nova
realidade consensual e neste contexto, estamos certamente perante o início do
que se designa de linguagem.

Nesse sentido que Vygotsky (1996) elege a palavra também como ponto de
partida para se aprofundar a crise do primeiro ano, devido estar diretamente
ligada à aparição da consciência infantil e ao modo de internalização do EU
como sujeito da ação nas relações sociais.

A própria situação social de desenvolvimento suscita a necessidade da


comunicação com um adulto e assim a criança começa a utilizar gestos e
vocábulos, sílabas e frases para se comunicar com os outros de seu entorno.

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Aos poucos, por meio do contato com o outro, a criança passa a se apropriar
da chamada linguagem autônoma infantil12.

Na linguagem autônoma infantil, o significado das palavras não é constante e


sim situacional, ou seja, uma mesma palavra pode significar agora uma coisa e
em uma situação distinta outra coisa.

Vygotsky (1996) refere que essa linguagem e seus significados se elaboram


com a participação ativa da criança. O principio e o fim da aquisição da
linguagem autônoma infantil demarca o início e o fim deste primeiro ano de
vida integrando, segundo Leal (2010), a construção da noção do EU como
sujeito psicológico e a idealização do OUTRO como aquele que estará sempre
presente para responder as suas iniciativas.

A etapa seguinte, ou seja, ao final desta crise do primeiro ano e início da


infância, as palavras têm significados mais estáveis e constantes. Vygotsky
(1996) refere a esta nova linguagem como autêntica e afirma que o que foi
alcançado na idade crítica anterior não desaparece, pelo contrário, se
transforma em formações mais complexas.

O autor afirma que, após a crise do primeiro ano, no início da infância, a


criança tem a sua percepção seguida por uma ação, ou seja, a ação, as
sensações e a percepção formam uma unidade indissolúvel. A unidade entre
as funções sensoriais, perceptivas e motoras propiciam a construção da
consciência da criança e, nesse sentido, deseja tocar e manipular tudo o que
vê.

A memória se manifesta à medida que a percepção está ativa, por meio do


reconhecimento, e pensar não significa recordar e sim reconhecer. O
pensamento e os afetos da criança se manifestam em situações que a
percepção visual está presente e a memória se realiza na percepção ativa por
meio do reconhecimento, denotando a integração da primeira unidade funcional
com a segunda unidade funcional nos sistemas temporal, parietal e visual.

A percepção é uma função predominantemente constituidora da consciência


que de modo dialético constitui a percepção e a compreensão dos significados
partilhados na relação com os outros. Portanto a nova formação essencial
deste início da infância é justamente o surgimento da consciência.

A consciência nasce com a linguagem, pois a palavra possibilita a estruturação


do pensamento.

ʺNa criança em desenvolvimento, as primeiras relações sociais, e as


primeiras exposições a um sistema linguístico determinam as formas de
atividade mental. Todos esses fatores ambientais são decisivos para o
desenvolvimento Sócio Histórico da consciênciaʺ (Luria, 1981, p. 23).

Nesse sentido que Vygotsky (1996) afirma que é nesse início da infância que
surge a estrutura semântica e sistêmica da consciência. É quando surge a
consciência histórica do ser humano que existe para os outros da sociedade e

12
Linguagem autônoma ou linguagem egocêntrica.

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para si mesmo. Desperta, portanto, neste momento as peculiaridades


fundamentais da consciência humana, sendo esta considerada uma das novas
formações dessa idade.

2.2.1 Esquema figurativo da crise do primeiro ano

EU OUTRO

NOÇÃO DO EU IDEALIZAÇÃO DO OUTRO

2.2.2 Disfunções psicológicas da crise do primeiro ano - TIPO AFETIVO

Leal (2010) refere que dificuldades vivenciadas nas relações com os


cuidadores, nesse período de desenvolvimento psicológico, propiciam os
distúrbios do tipo afetivo, revelados nas perturbações da compreensão da força
da sua iniciativa no meio externo para propiciar uma resposta assertiva do
outro.

Essas disfunções persistem em função do sujeito não compreender o outro


com as suas reais capacidades e dificuldades e o idealiza, compreendendo
apenas que todas as suas iniciativas vão ser entendidas e respondidas de
acordo com a sua vontade e interesse pelo outro. No entanto quando isso não
ocorre, ou é instável nas primeiras relações, o sujeito psicológico se entristece
por não se sentir capaz de ser assertivo na sua relação com os outros, com os
objetos e com os eventos.

As crianças e/ou os adultos, que permanecem nessa crise, muitas vezes não
entendem que a sua iniciativa desencadeia uma reação no outro em função
das reais capacidades e dificuldades do outro e, por idealizá-lo, compreende
que a sua iniciativa então não estava correta ou não deveria ser colocada
naquele momento, desencadeando tristeza, sentimento de inadequação e não
pertença, e se torna inseguro, incapaz e inapto a tomar decisões por si mesmo.
Esses sujeitos se sentem inseguros nas relações afetivas com os outros da sua
relação e se tornam, cada vez mais, dependentes da presença física e afetiva
do outro.

A reação circular de atenção surge na relação do Eu como sujeito psicológico e


com o OUTRO idealizado dificultando a compreensão das respostas do outro e
se sentindo triste, inadequado e inseguro com as suas próprias iniciativas no
meio externo.

As disfunções do tipo afetivo estão denominadas no DSMIV-TR (2002) como


Transtornos do Humor (p. 346) e podem ser descritas, pela Sócio Histórica

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como dificuldades nas relações interpessoais em função da não construção do


sentimento seguro de pertença nas relações sociais desencadeando
insegurança, falta de motivação para o intercâmbio social, inadequação de si
próprio nas relações sociais. O sentimento de pertença à coletividade humana
e partilha dos seus conhecimentos se torna incipiente gerando alterações
bruscas nos estados afetivos de humor gerando ora segurança, ora
insegurança, ora hiperatividade e desatenção, ora apatia ora hipermotivação
ora desmotivação e sentimentos de pertença e estranhamento em relação aos
outros e aos eventos do meio externo. A criança ou o adulto que apresentam
essas disfunções demonstram falhas nas capacidades de pertença,
incorporação e partilha dos seus conhecimentos.

A superação dessas disfunções, em novas crises, pode ocorrer pela habilitação


neuropsicológica na psicoterapia Sócio Histórica, à medida que a relação
terapêutica enfatize as iniciativas do EU como sujeito psicológico partilhando os
conceitos sociais envolvidos nessa relação, para que palavras tenham
significados mais estáveis e constantes, e o sujeito se sinta pertencente e
adequado às relações sociais de modo geral e, assim, se posicione de modo
mais assertivo, autônomo e menos dependente dos outros da sua relação.

2.3 A crise dos três anos

Vygotsky (1996) afirma que esta crise pode ser enfatizada pelo negativismo e
oposição que aparece de novo no comportamento da criança e a ternura da
crise anterior que se perde. Considera a crise dos três anos a zona do próximo
desenvolvimento para as próximas idades.

O que surge de novo nessa crise é a construção da autonomia e dos sistemas


de valores próprios do EU como sujeito psicológico e o surgimento da oposição
e do negativismo diante do outro que lhe foi confiável até esse momento. A
separação emocional é marcada pela oposição ao outro da sua relação
independente do que lhe foi exigido.

O autor refere o negativismo na conduta da criança de se opor a tudo o que o


adulto propõe, ou seja, o ambiente social impõe os limites e regras que acabam
promovendo e exacerbando a crise da criança que se encontra com a
necessidade interna e externa de ser opositor. A oposição ocorre de modo
marcado à medida que por mais que a criança queira realizar algo, não o faz
simplesmente porque foi o adulto que propôs.

A criança não obedece somente porque lhe foi demandado e assim busca
firmar a sua autonomia e o negativismo faz a criança se comportar contra o seu
próprio desejo afetivo, pois o ato de negar é dirigido ao outro da relação e não
ao conteúdo da solicitação.

Vygotsky (1996) refere que a reação negativa ocorre desde o momento em que
a criança não se interessa em cumprir o que lhe é pedido. O motivo da
negativa não se deve ao conteúdo da própria atividade, mas à relação com o
sujeito que solicita. A reação negativa se manifesta por deixar de cumprir algo

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que alguém específico pediu e isso ocorre preferencialmente com os


cuidadores mais próximos, os pais.

Leal (2004) enfatiza que as conquistas desse período são determinante na


construção de sentido de si próprio, de autoestima e narcisismo, alimentados
pelo gosto e poder no uso das próprias competências e autonomia. (p. 103)

Vygotsky (1996) enfatiza a teimosia, a insistência e a obstinação e refere que


quando a criança exige algo não significa que realmente deseja, mas insiste
porque simplesmente ela quer e adota uma atitude teimosa porque foi ela que
disse. O desafio e o desrespeito surgem em função da construção da
autonomia às normas educativas estabelecidas pelo meio social e pelos outros
da relação e pode gerar descontentamento expressos por meio de gestos e
palavras depreciativas.

A criança se torna rebelde e sempre descontente protesta tudo, faz réplicas


insolentes, apresenta-se insubordinável, pois aspira ser independente
querendo fazer tudo sozinha e protesta de maneira agressiva mostrando a sua
rebeldia. Está em guerra com os sujeitos a sua volta e em constante conflito.
Desvaloriza os pais e os xinga, e, quando é filho único pode tornar-se déspota
em relação aos outros. Quando tem irmãos, o ciúme impera mostrando uma
tendência ao domínio e ao poder.

Nessa crise a criança busca a autonomia e se relaciona com os outros de


modo opositor em função da construção da imagem do outro que está
disponível para servi-la e nesse sentido pode usar e abusar desse outro pois
acredita que irá perdê-lo. Nesse sentido a crise dos três anos se constitui como
um motim contra uma suposta educação e a autoridade.

Exige independência por já ter construído a noção do EU como sujeito


psicológico e protesta contra o outro se tornando mais difícil educá-la. Os
conflitos no seio familiar tornam-se intensos, pois a imagem da criança muda e
todas as ações giram em torno de si própria. A criança busca emancipação e
está imersa a uma série de conflitos internos e externos de modo dialético, que
podem produzir reações tais com enurese, temores noturnos, sono agitado,
gagueira, dificuldade de expressão, etc.

A criança faz o contrário do que lhe é solicitado e manifesta a sua


independência diante do outro que solicitou. A atitude antissocial da criança
frente aos sujeitos com quem convive, produz a crise da personalidade e, de
modo dialético, a crise produz comportamentos que negligenciam as
exigências sociais, sendo produtor e produto da reestruturação das relações
sociais recíprocas, alternantes e dialéticas entre a personalidade da criança e a
dos outros do seu entorno.

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2.3.1 Esquema figurativo da crise dos três anos

EU OUTRO
EU PSICOLÓGICO NOÇÃO DO OUTRO FÍSICO

2.3.2 Disfunções da crise dos três anos– TIPO ANTISSOCIAL

Leal (2010) refere que as ambiguidades vivenciadas nesse período, denotando


em dificuldades de estabelecer regras e limites externos claros na relação com
a criança, propiciam os distúrbios do tipo antissocial, revelados nas dificuldades
em respeitar regras, falta de empatia com os outros humanos, aliado a
dificuldade extrema em manter vínculos significativos com os outros da sua
relação social.

Essas disfunções persistem em função do Eu psicológico não compreender os


desejos e as vontades dos outros, principalmente em relação ao limite da sua
atitude opositora. O Eu psicológico para desenvolver a autonomia necessita
constituir cada vez mais a noção de si próprio, de acordo com as suas
vontades e motivos, no entanto, para superar essa crise, a criança necessita
que o outro da relação estabeleça os limites externos da ação da criança, para
que o mesmo consiga compreender que os outros também têm vontades e
interesses diferentes dos seus, assim como também perceber que as suas
iniciativas e ações nem sempre são compatíveis com a necessidade dos outros
e com as regras sociais.

No entanto, quando as relações de limites não ocorrem ou são instáveis, o


sujeito psicológico se engrandece e se torna egocêntrico nas relações com os
outros com os objetos e com os eventos. As crianças e/ou os adultos que
permanecem nessa crise, não compreendem as suas limitações no meio
externo e, quando elas ocorrem, muitas vezes se sentem injustiçados,
desencadeando comportamentos de desadequação e nervosismo.

As disfunções do tipo antissocial estão denominadas no DSMIV-TR (2002)


como Transtornos de Personalidade (p.641) e podem ser descritas, pela Sócio
Histórica como dificuldades nas relações interpessoais em função do excessivo
autocentramento e narcisismo que dificulta o convívio com os outros da relação
social. As relações sociais são instáveis e constantemente são agredidas pela
criança e/ou o adulto que permanece nessa crise em função da exigência da
submissão dos outros às suas vontades e interesses. As regras e exigências
sociais normalmente estão sendo burladas como forma de atender as suas
próprias expectativas dificultando a sua adaptação ao meio social.

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A superação dessas disfunções, em novas crises, pode ocorrer pela habilitação


neuropsicológica na psicoterapia Sócio Histórica, à medida que a relação
terapêutica enfatize através da palavra os limites sociais, emocionais e
cognitivos que a criança ou o adulto tem e devem se submeter, pontuando os
significados sociais envolvidos nas relações interpessoais, para que o sujeito
psicológico constitua na sua fala, no pensamento e na ação os seus limites
internos e possa verificar os próprios comportamentos, desenvolvendo as
funções dos sistemas do terceiro bloco funcional – frontal constituindo a base
para as funções de autoregulação futuras.

2.4 A crise dos sete anos

Vygotsky (1996) refere que aos sete anos começa uma nova de crise, por
representar a passagem da idade pré-escolar para a idade escolar. A entrada
da criança no período escolar promove um mergulho no mundo externo e
amplia as relações com os pares.

Leal (2010) refere que o percurso escolar tem uma influencia benéfica para
fortalecer a construção da autonomia e de modo dialético o sentimento de
pertença ao grupo de pares e a construção de significados da realidade.
(p.128)

Esta crise, portanto, é caracterizada pela perda da espontaneidade infantil à


medida que a criança já construiu a noção de que os outros são sujeitos
psicológicos e tem desejos e vontades diferentes das dela e, pode perder a
atenção deles caso aja espontaneamente, narcisicamente de acordo com a sua
necessidade e motivo. O início dessa crise pode gerar na criança muita
insegurança em relação ao seu posicionamento com os outros,
desencadeando ansiedade, insegurança e medo ao estabelecer relações com
os pares.

As transformações psicológicas também são acompanhadas de


transformações físicas pois a criança cresce rapidamente, começa a queda dos
dentes e o estirão e, nesse sentido podem agir de maneira estranha, de um
modo artificial, inseguro e ansioso.

A perda da espontaneidade também surge em função da criança incorporar na


relação com os outros e com a realidade um fator intelectual e, a cada vivência,
as funções nervosas superiores são constituídas no cérebro da criança,
promovendo mais especificamente as funções associativas terciárias do
segundo bloco (TPO) e as tarefas de regulação da atividade mental do terceiro
bloco funcional (Frontal).

A criança na crise dos sete anos passa a ter uma orientação consciente de
suas próprias vivências e começa a nomear as suas experiências e
sentimentos e dar significados a elas, expressando se está alegre, triste, brava
e considera-se boa ou má, denotando a consciência do seu processamento
interno e emocional. As vivências adquirem sentido e surgem conexões
totalmente novas como resultado destas experiências. Nessa crise a criança

41
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generaliza as vivências e os afetos, e surge a constituição da lógica dos


sentimentos.

Ilustração do livro Passos da Construção do EU, de Maria Rita Mendes Leal, 2000.

Quando no meio externo ocorre constantemente a valorização dos seus


comportamentos, sentimentos e ações, a criança julga a sua própria posição no
meio social com êxito e acaba agindo de modo mais afetado e teatralizado
como forma de se apropriar cada vez mais do sentido do EU psicológico
autônomo, dos Outros psicológicos e da construção de significados da
realidade externa.

As palhaçadas e a teatralização nos comportamentos e nas relações


interpessoais se tornam constantes, como forma de abarcar a ansiedade e o
medo de perder a atenção dos pares, promovendo e constituindo, de modo
dialético, o amor próprio, a autoestima e sua consciência emocional, como
também um modo de se adaptar e de significar cada vez mais a realidade
externa.

Leal (2010) enfatiza que dessa crise poderá ou não se constituir novo sentido
de pai, mãe, irmãos, avós, tios amigos, além do novo sentido de família e de
pertença ampliada na construção de significados da realidade. (p. 106)

Essa crise produz e é produto da reestruturação das relações com os pares em


que a identidade da criança acaba sendo fortalecida nas relações interpessoais
e a produção intelectual se torna mais consistente e age como a mola
propulsora da consciência do EU-OUTRO-REALIDADE de modo racional e
abstrato melhor desenvolvido na crise dos treze anos.

42
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2.4.1 Esquema figurativo da crise dos sete anos

EU OUTRO
EU PSICOLÓGICO OUTRO PSICOLÓGICO

REALIDADE
SIGNIFICADO DA REALIDADE

2.4.2 Disfunções psicológicas da crise dos sete anos – TIPO NEURÓTICO


ANSIOSO E HISTRIÔNICO

Leal (2010) refere que ambiguidades vivenciadas nas relações com os pares
implicando em dificuldades em estabelecer vínculos significativos com o grupo
de amigos e relacionamentos que dificultam a partilha de significados
consistentes, constituem na criança os distúrbios do tipo neurótico que pode ter
reações fóbicas e “histeriformes” ou histriônicos (p. 130), revelados nas
dificuldades nos relacionamentos interpessoais e na abstração do seu
comportamento na realidade externa.

Essas disfunções persistem quando as relações sociais nos grupos de pares


não são constantes e assertivas para o desenvolvimento da autonomia, amor
próprio e consciência emocional, limitando a ação dos sujeitos e ou
promovendo atitudes afetadas e teatralizadas como forma de abarcar a sua
insegurança no mundo externo das relações.

As disfunções do tipo neurótico, acima descritas, estão denominadas no


DSMIV-TR (2002) como Transtornos de Ansiedade (p.419) e Somatoformes
(p.469) e podem ser descritas, pela Sócio Histórica como dificuldades nas
relações interpessoais em função da insegurança sentida no convívio com os
outros da relação social. As relações sociais são geradores de conflitos para a
criança e o adulto que permanecem nessa crise em função da insegurança em
se posicionar no meio social, bem como em se tornar afetado e artificial nas
relações sociais.

A superação dessas disfunções, em novas crises, pode ocorrer pela habilitação


neuropsicológica na psicoterapia Sócio Histórica, à medida que a relação
terapêutica enfatize através da palavra os significados partilhados na realidade
externa, desenvolvendo a autonomia e a abstração intelectual, emocional e
relacional, constituindo as funções nervosas superiores dos sistemas

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associativos da segunda unidade funcional (TPO) e as funções de regulação


da atividade mental (Frontal).

2.5 A crise dos treze anos

Leal (2010) refere que neste período de vida o adolescente demonstra a


continuação do seu desenvolvimento social “em busca de si mesmo” se
comparando com os outros, assumindo papéis e características sociais e
individuais, incluindo o significado da realidade e o sentido da vida. (p.136)

Reconhece a figura de autoridade como quem oferece as orientações morais e


assume algumas responsabilidades e se posiciona de modo crítico às doutrinas
e crenças ditas até o momento como sagradas, possibilitando a criação de
sentido de si do outro e significado da realidade.

“O adolescentre esforça-se por apreender os requisitos do “si-mesmo”


entre seus pares, e admitir as imposições “da realidade”, consistente,
independentemente do que lhe é oferecido na visão dos mais velhos,
das tradições e da autoridade, seja da família, da escola, do trabalho ou
da comunidade”. (Leal, 2010, p. 137)

A necessidade do sujeito pertencer a um grupo torna-se fundamental por ser


no grupo que ocorre o fortalecimento da personalidade e a construção de
sentido de si, do outro baseado nos valores da família, da escola, da
comunidade e da sociedade de modo geral, implicando em significados da
realidade.

“Grupos comunitários e associativos, grupos desportivos, “escuteiros”,


têm uma vasta experiência neste tipo de ação, em que a liderança e as
iniciativas surgem e novas identificações são formadas – sempre
ligadas a um forte sentimento de pertença!” (Leal, 2000, p. 139)

O intercâmbio com os pares fortalece o contato e o sentimento de pertença a


uma unidade social e possibilita a construção e a reformulação dos próprios
pontos de vista que serão utilizadas na idade adulta, possibilitando a
constituição das normas internas, baseadas nas normas externas do próprio
grupo.

As mudanças no comportamento dos sujeitos são de modo dialético,


constituídas e constituintes das transformações à forma superior de atividade
intelectual, denotando em alterações na capacidade de compreensão, dedução
e pensamento abstrato, necessitando cada vez menos do recurso visual para
apreender os objetos, eventos e relações do meio externo e, nesse sentido, a
racionalização passa ser um instrumento mental importante no pensamento e
na ação. As funções terciárias do segundo bloco funcional e as funções do
terceiro bloco se reestruturam e estruturam o pensamento do sujeito
psicológico.

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2.5.1 Esquema figurativo da crise dos treze anos

EU OUTRO
EU PSICOLÓGICO OUTRO PSICOLÓGICO

REALIDADE
SIGNIFICADO DA REALIDADE

2.5.2 Disfunções psicológicas da crise dos treze anos – TIPO NEURÓTICO


OBSESSIVO COMPULSIVO

Leal (2010) refere que as dificuldades vivenciadas na crise dos treze anos
desencadeiam as disfunções do tipo neurótico obsessivo compulsivo em
função da intelectualização irracional que o sujeito faz de si do outro e da
realidade.

No DSMIV-TR (2002) essas disfunções são denominadas como Transtorno


Obsessivo Compulsivo (p.433) e pode ser descrita, pela Sócio Histórica como
dificuldades em estabelecer relações interpessoais com os pares por conta da
irracionalidade que surge dos valores morais e sociais e que podem aprisionar
o sujeito em atos obsessivos e compulsões.

A superação dessas disfunções, em desenvolvimento psicológico, pode ocorrer


pela habilitação neuropsicológica na psicoterapia Sócio Histórica, à medida que
a relação terapêutica enfatize através da palavra os significados partilhados e
os sentidos construídos de si do outro e da realidade, reformulando os
conceitos, valores morais próprios e sociais, proporcionando a abstração
intelectual e a resignificação dos atos obsessivos e compulsivos em
desenvolvimento cognitivo emocional e relacional, constituindo as funções
nervosas superiores dos sistemas associativos da segunda unidade funcional
(TPO) e aprimoramento das funções de regulação da atividade mental (Frontal)
já relacionadas aos valores morais, sociais e pessoais.

2.6 A crise dos dezessete anos – ADOLESCÊNCIA À MATURIDADE

Vygotsky (1996) nomeia essa crise da adolescência como um caminho rumo à


maturidade psicológica e a descreve como um período de transição com
características como queda de interesses infantis, descontentamento interior,

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inquietude, tendência à solidão, isolamento e negativismo em função da


complexidade nos sistemas funcionais que operam nessa fase.

O adolescente, muitas vezes, se afasta do seu meio social e adota uma atitude
negativa diante de tudo que o rodeia como forma de conseguir se posicionar de
modo mais autônomo e intelectualizado no meio social. O sujeito psicológico
adolescente já pode refrear suas ideias, pensamentos e comportamentos como
forma de verificar as suas ações e se posicionar no meio externo,
possibilitando a constituição de uma atitude mais madura nas relações sociais.

Leal (2010) enfatiza que para conseguir se posicionar como um ser adulto o
adolescente necessita do lúdico e o experimentar se torna imprescindível para
essa preparação, no entanto ressalta que o brincar nessa crise se torna uma
atividade séria e ocupa um lugar intermediário entre o brincar como quando era
criança e a atividade séria do adulto. Nesse sentido que o adolescente
necessita experimentar novas relações sociais, principalmente as amorosas e
eróticas.

As relações sociais são vitais neste período para experimentar as amizades e


inimizades, os matizes de afeto e a criação de alianças e os círculos sociais. A
sociedade como um todo faz parte deste brincar sério e da autêntica relação
séria entre sujeitos maduros. As formas iniciais de relações amorosas e
eróticas entre os adolescentes denotam um brincar de amor e nesse sentido
Vygotsky (1996) pontua que, esse brincar sério corresponde a uma auto-
educação e a conversão da atração em interesse amoroso e torna o ponto-
chave deste período do desenvolvimento das funções nervosas superiores.

O autor refere que não só o desenvolvimento afetivo-emocional se aprofunda


nessa crise mas também o intelectual se distingue pelo seu crescimento e
profundidade. Os indícios do crescente desenvolvimento mental são
observados nos novos interesses e demandas bem como no aprofundamento e
ampliação dos velhos interesses implicando em maior iniciativa e motivação
para as tarefas intelectuais e, nesse sentido, é que ocorre um avanço
significativo do desenvolvimento intelectual, constituindo o pensamento adulto.

O pensamento passa a ser por conceitos, o intelecto passa a ter um novo


modus operandi e a relação entre conteúdo e forma de pensamento se torna
indissolúvel. Luria (1981) refere que enquanto a criança lembra através das
recordações, “o adolescente lembra através do pensamento” (p. 26) e esse
pensamento é que forma a personalidade e a concepção de sentido de si do
outro e da realidade.

Leal (2010) enfatiza essa crise como uma fase de transição e aperfeiçoamento
emocional, afetivo e intelectual para se constituir como ser adulto maduro e
descreve que

“Ser adulto é poder aventurar-se a partir, para fora de si mesmo em


busca de maneiras novas para atender às necessidades básicas e
preencher lacunas – com objetivo de atingir fins públicos e / ou
significados íntimos, defendendo a própria esfera de senhorio sem pedir
licença para circular com flexibilidade dentro das realidades do próprio
trabalho e da própria vida de todos os dias”. (Leal, 2010, p.143)

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Durante o desenvolvimento psíquico na adolescência, todas as funções


nervosas superiores constituem um complexo sistema hierárquico cuja função
central é o desenvolvimento do pensamento na função formadora de conceitos.
Todas as funções restantes se unem a esta nova formação e se integram numa
síntese complexa, intelectualizam˗se, reorganizam˗se sobre a base do
pensamento em conceitos. Com a formação de conceitos, reorganiza-se a
percepção, a memória, a atenção e a atividade prática e se reestrutura sobre
esta base nova elevando o nível da função.

Quintino Aires (2010) menciona que as funções nervosas superiores se


integram em um sistema funcional complexo que opera de forma orquestrada.
Vygotsky (1996) afirma que estas funções nervosas superiores são produto das
formas sociais coletivas de comportamento e são estruturadas no cérebro
humano em um processo relacional com o outro.

ʺO desenvolvimento das funções psíquicas superiores processa˗se pela


internalização dos sistemas de signos produzidos socialmente, o que
nos leva a concluir que as mudanças individuais têm origem na
sociedade, na cultura, mediadas pela linguagemʺ. (Ozella org, 2003, pg.
102).

É o período das sínteses superiores produzidas pela constituição das


formações nervosas do pensamento e conduta, que são o fundamento de toda
existência consciente do sujeito psicológico. O desenvolvimento na
adolescência, assim como por toda a vida do sujeito, não segue uma linha reta,
mas sim uma curva complexa e tortuosa. Na estrutura de personalidade do
sujeito psicológico não há nada que seja estável, definitivo e imóvel, tudo flui e
se modifica tanto em sua estrutura como na sua dinâmica, sendo esta sólida e
estável do ponto de vista emocional, afetivo e intelectual.

A maturidade “se manifesta pela possibilidade de alternância entre ser


um cuidador de outrem e ser um recipiente de cuidados que possam ser
oferecidos – sem que isto desencadeie automatismos de inferioridade e
superioridade.” (Leal, 2010, p.143)

Para Leal (2010) ser adulto é aceitar os objetivos e os ideias próprios mesmo
que esses sejam diferentes das expectativas comuns, possibilitando a
discussão pacífica entre as convicções, se permitindo pensar em profundidade,
através do estudo da ação, incluindo a busca constante de sentido da vida. É o
momento propício para estabelecer relação estável e íntima com um parceiro,
em que a sensação de pertença é modelada pelas diferentes formas de
interação que instituem a dinâmica das mútuas contribuições de cada um.

As mudanças psicológicas tanto de estrutura como na dinâmica de


personalidade se alteram ao longo da vida do sujeito à medida que este esteja
em relação de transformação com os outros e com o meio social no qual está
inserido e, caso essa maturidade não seja alcançada na adolescência, terá a
vida inteira para constituí-la no cérebro através do funcionamento em concerto
das funções nervosas superiores.

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2.6.1 Esquema figurativo da crise dos desessete anos

EU OUTRO
SENTIDO DO EU SENTIDO DO OUTRO

REALIDADE
SENTIDO DA REALIDADE

O desenvolvimento da personalidade acima descrito nas crises psicológicas


não ocorre de forma linear e sim de modo dialético, de acordo com as
instrumentalidades disponíveis na cultura e nas relações sociais nas quais o
sujeito está inserido.

Essas crises podem ser analisadas como períodos norteadores do


desenvolvimento adequado das funções nervosas superiores no cérebro dos
humanos, ao longo da evolução da espécie humana. No entanto ocorrem com
mais ou menos frequência nos sujeitos da nossa sociedade em função dos
valores sociais, éticos, morais, educacionais e econômicos na
macrossociedade como também dos valores morais, éticos, educacionais e
econômicos das famílias na microssociedade.

Atualmente cresce o número de sujeitos que não desenvolveram plenamente


as funções nervosas superiores acima descritas, por estarem inseridos num
contexto social, familiar e educacional que não tem permitido as
instrumentalidades e relações propiciadoras de desenvolvimento psicológico e
que de modo dialético dificultam o uso de ferramentas sociais que propiciem o
funcionamento pleno das atividades nervosas superiores.

Cabe ressaltar, portanto, que a análise dos sujeitos na sociedade atual requer
a análise do desenvolvimento psicológico máximo que os humanos
constituíram ao longo da sua história, utilizando-os como referência do que é
adequado e do é frequente na nossa sociedade, pois nem tudo que é frequente
nos humanos atualmente é adequado e norteador de desenvolvimento
psicológico e denota a evolução e involução, de modo dialético, dos sujeitos da
nossa sociedade.

Nesse sentido, cabe a Psicologia Clínica Sócio Histórica o papel de analisar e


propiciar os questionamentos a respeito das normas e relações sociais e o
efeito que estas constituem ou não no desenvolvimento psicológico dos

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humanos para com isso possibilitar o desenvolvimento pleno das funções


nervosas superiores no cérebro dos sujeitos psicológicos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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rev. Porto Alegre: Artmed, 2002.

JUNQUEIRA, W. Contribuição pessoal realizada na Banca de Qualificação da


Dissertação A mediação da palavra e do bricar na psicoterapia com crianças.
São Paulo, 2006.

KOTIC-FRIEDGUT. B. A systemic-dynamic lurian approach to aphasia in


bilingual speaker. Communication Disorders Quarterly. 2001.

LEAL, M.R.M. O fenomeno humano da relação diagógica: A emergência de


significados e o brincar. Lisboa, 2001.

__________ Introdução ao Estudo dos Processos de Socialização Precoce da


Criança. São Paulo: IPAF Editora, 2004.

__________ Passos da Construção do Eu.Step by Step Constructing a Self.


Edição Bilingue. Fim de Século, Lisboa, 2010.

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LURIA, A.R. Fundamentos de Neuropsicologia. São Paulo: Editora USP, 1981.

OZELLA, S. Adolescencias Construídas: A visão da psicologia Sócio Histórica.


São Paulo,: Cortez, 2003.

QUINTINO AIRES, J.M. Neurogênese da linguagem: uma contribuição marxista


a filosofia da psicologia – São Paulo: IPAF Editora, 2010.

ROBBINS, D. Entendiendo la Metafísica de Vygotsky. Revista Ecleta Vol III


número 9 y 10, julio – diciembre. Espanha: San Luis Potosi, 2005.

VYGOTSKY, L.S. Obras Escogidas, Vol. III. Madrid: Visor, 1996.

VYGOTSKY,L.S.& LURIA, A.R. Estudos sobre a história do comportamento:


símios, homem primitivo e criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

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PARTE II

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3. A CONSTITUIÇÃO DAS FUNÇÕES NERVOSAS SUPERIORES

Nesta segunda parte, o objetivo é apresentar ao leitor, o estudo das funções


nervosas superiores: atenção, percepção, memória, orientação, funções
motoras, linguagem, pensamento e processos executivos que integram a
emoção, a vontade e a imaginação, quanto sua constituição, desenvolvimento
e alterações.

Compreende-se por constituição de cada uma das funções mentais a


passagem de seu estado biológico até adquirir o status de função nervosa
superior, que participará do concerto cerebral como um todo e da
personalidade.

As funções nervosas elementares se constituem em funções nervosas


superiores, ou funções psicológicas a partir das relações interpessoais
construtivas, como referido na Parte I, ou seja, processo de transformação do
aparato biológico em processos superiores que regem toda a atividade mental,
relacional e produtiva dos sujeitos psicológicos desenvolvidos.
Após a apresentação de cada um das funções mentais acima referidas, os
capítulos seguem com as disfunções e alterações provenientes de lesões
cerebrais.

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CAPÍTULO 3 – ATENÇÃO

Vanda Dias Ferraz Nunes

Neste capítulo trataremos inicialmente a teoria do desenvolvimento para


Vygotsky, que parte da concepção de que todo organismo vivo é ativo e
estabelece contínua interação entre as condições sociais, que são mutáveis, e
a base biológica do comportamento.

Nesse sentido Vygotsky definiu que as funções nervosas elementares são de


origem biológica, estão presentes no humano e caracterizam-se pelas ações
involuntárias (ou reflexas); pelas relações diretas (ou automáticas) e sofrem
controle do ambiente externo. Em contrapartida, as funções nervosas
superiores são de origem social, estão presentes somente no homem e
caracterizam-se pela intencionalidade das ações que são mediadas.

Abordaremos o fenômeno da atenção voluntária nos humanos, que representa


uma função nervosa superior, construída na relação dialética entre substratos
biológicos elementares e dinâmicos socioculturais.

3.1 A atenção como função nervosa elementar e a sua constituição como


função nervosa superior

Vygotsky (1984) aponta para o aspecto flexível da dinâmica cerebral,


considerando um “sistema aberto, de grande plasticidade, cujas suas estruturas e
modos de funcionamento são constituídos ao longo da história da espécie e do
desenvolvimento individual”. (Vygotsky, 1984 apud Oliveira, 1998, p.24)

O autor referido demonstrou especial interesse pela gênese, função e estrutura


dos processos psíquicos, distinguindo os mecanismos mais elementares
daqueles mais sofisticados, tipicamente humanos. Parte da concepção de que
todo o organismo é ativo e estabelece contínua interação entre as condições
sociais, que são mutáveis, e a base biológica do comportamento. Observou
que o ponto de partida são as estruturas orgânicas elementares, determinadas
pela maturação biológica e a partir delas, formam-se novas e cada vez mais
complexas funções mentais, dependendo da natureza das experiências sociais
da criança.

Nesta perspectiva, o processo de desenvolvimento segue duas linhas


diferentes: um processo elementar de base biológica e um processo superior
de origem social, como referido na parte I. Nesse sentido, é lícito dizer que as
funções nervosas elementares são de origem biológica, estão presentes na
criança e nos animais, caracterizam-se pelas ações involuntárias (ou reflexas),
pelas relações diretas (ou automáticas) e sofrem controle do ambiente externo.
Em contrapartida, as funções nervosas superiores são de origem social, estão
presentes no homem, caracterizam-se pela intencionalidade das ações que são
mediadas. Elas resultam da interação entre os fatores biológicos (funções
nervosas elementares) e os culturais, que evoluíram no decorrer da história
humana.

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No que refere à atenção, Luria (1981) destaca que a capacidade atentiva


interfere na realização prática de toda e qualquer tarefa, possibilitando que a
criança reconstrua continuamente sua percepção e se liberte da estrutura
perceptiva mais imediata, desenvolvendo habilidades cada vez mais
complexas. Nesse sentido a atenção desempenha a função mais importante na
vida do organismo, pois trata da organização do comportamento, com a criação
de um determinado contexto, que prepara o homem para a percepção ou
atividade.

Se não fosse função de um contexto, o homem não seria capaz de perceber,


em ordem alguma, os estímulos provindos do meio ambiente ou de distinguir
os mais importantes entre eles e, não seria capaz de organizar suas reações
num sistema correspondente, discernindo e ordenando as ações mais
importantes.

O fenômeno da atenção pode ser observado desde a mais tenra infância. A


atenção elementar é observada nas primeiras semanas de vida da criança e é
provocada por alguns estímulos internos e externos suficientemente fortes. Por
exemplo, um estímulo externo forte como luz brilhante, organiza de maneira
correspondente todo o comportamento da criança que volta à cabeça para a
fonte do estímulo, surgindo uma expressão especial da atenção, bem como
ocorre com os estímulos internos e instintivos, como por exemplo o estado de
fome que provoca reações específicas na busca da fonte de alimento, e
tornando preponderante no comportamento da criança. Essa é a mais simples
forma elementar da atenção que é geralmente chamada de atenção instintivo-
reflexiva.

Esse tipo de atenção caracteriza-se por seu caráter não-intencional, não-


volitivo em que qualquer estímulo forte e repentino atrai imediatamente a
atenção da criança e reconstrói seu comportamento. Por outro lado, assim que
o estímulo se enfraquece, o papel organizador da atenção desaparece e o
comportamento organizado abre caminho novamente para o comportamento
caótico e indiferenciado.

Deste modo fica claro que, com esse tipo de atenção, não pode surgir
nenhuma forma estável, de longo prazo, de comportamento organizado. Cada
novo estímulo se sobrepõe ao estímulo anterior e, acarreta novas
reconstruções do comportamento. A medida que a criança na relação com o
cuidador sofre novas exigências sociais, a atenção elementar deixa de ser
suficiente, e passam a ser necessárias formas de atenção mais complexas e
estáveis.

Fica bem evidente que a ulterior evolução da atenção não pode seguir o curso
pela qual se desenvolvem a atenção involuntária, para ser capaz de resolver
uma dada tarefa, o sujeito tem que pôr em prática uma maneira de
comportamento que é exatamente oposta à maneira predominante anterior.
Nos estágios iniciais de desenvolvimento, cada estímulo forte podia organizar o
comportamento introduzindo determinado contexto, enquanto nos estágios
posteriores essa capacidade tem que ser estendida também aos estímulos
mais fracos que podem ser biológica ou socialmente importantes e que
requerem uma cadeia de longo prazo de reações ordenadas.

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As formas da atenção elementar não conseguem satisfazer a essa condição


mais complexa e é evidente que é preciso desenvolver alguns outros
mecanismos, que seriam agora adquiridos artificialmente, em resposta ao
requisito acima exposto. É preciso que surja a atenção artificial, voluntária,
“cultural”, que é a condição necessária para qualquer trabalho.

De início, a criança absorve de maneira mais difusa a imagem do ambiente


circundante; contudo, basta que o cuidador aponte algum objeto e o nomeie
para que o objeto se destaque do ambiente exatamente do modo como o
assinalou, para que a criança preste atenção especialmente nele. Pela primeira
vez, o processo da atenção começa a funcionar como uma operação cultural
mediada pela palavra do outro. Contudo, a atenção torna-se uma função real
somente quando a própria criança domina os recursos de criar os estímulos
adicionais que centrem sua atenção em cada um dos componentes de uma
situação e que eliminem tudo mais que se encontra em segundo plano. Depois
de manipular externamente o ambiente, em determinado momento a criança
começa a organizar seus processos psicológicos com ajuda dessas
manipulações.

Luria (1981) afirma que as necessidades e interesses que caracterizam o ser


humano “não têm, em sua grande maioria, caráter de instintos e inclinações
biológicas, mas de caráter de fatores motivacionais complexos que se formam
no processo da história social” (p.4-5). Assim a cada nova experiência
atencional o sujeito pode aprender novos elementos, ampliando seu repertório
pessoal. Ao exercer a função atentiva, o sujeito tem a possibilidade de
perceber aspectos inéditos, reformulando, ampliando e criando categorias
psicológicas:

“Esse caráter generalizado da percepção evolui com a idade e o


desenvolvimento mental, tornando-se cada vez mais nítido e refletindo o
objeto e as conexões e relações em que entra”. (Luria, 1981, p. 42)

Para o autor a atenção é “o fator responsável por extrair elementos essenciais


para a atividade mental, ou o processo que mantém uma estreita vigilância
sobre o curso preciso e organizado da atividade mental”. (Luria, 1981, p. 254)

A atenção representa um caráter eminentemente seletivo, dirigindo-se,


geralmente, para estímulos que são particularmente intensos ou que
representam informações relacionais aos interesses, intenções ou tarefas
imediatas. O autor enfatiza que a reação involuntária a certos estímulos está
presente desde o início da vida,

“o bebê humano nasce com o mecanismo de atenção involuntária:


estímulos muito intensos como ruídos fortes, mudanças bruscas no
ambiente, objetos em movimento, são elementos que, invariavelmente
chamam a atenção das crianças” (Oliveira, 1998, p.75).

No entanto, ainda que certa atenção involuntária perdure ao longo da vida, o


processo de desenvolvimento do ser humano habilita-o a direcionar sua
atenção, também para signos culturalmente determinados, como, por exemplo,
a linguagem verbal:

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“A possibilidade de regular os processos de ativação por meio da


instrução verbal, constitui um dos fatos mais importantes da
psicofisiologia do homem. Ela constitui a base fisiológica das formas
específicas superiores da atenção humana, sendo o registro da
influência verbal sobre a ocorrência dos sintomas objetivos de reflexo
orientado um dos mais importantes métodos psicofisiológicos de estudo
da atenção do homem”. (Luria, 1981, p. 22)

Luria & Vygotsky (1996) constataram que, “com o auxílio da função nominativa
das palavras, a criança começa a dominar a sua atenção, criando centros
estruturais novos dentro de situações percebidas”. (p.47).

Como foi mencionado logo acima, o bebê apresenta nos primeiros meses de
vida, uma atenção involuntária que se manifesta como “um simples reflexo
orientado de estímulos fortes ou novos, de acompanhamento destes estímulos
com o olhar”. (Luria, 1981, p.30)

Na crise do primeiro ano de vida, surge, porém, uma incipiente atividade


intencional de busca e pesquisa. A criança já manifesta alguma reação às
solicitações verbais do adulto, como, por exemplo, “pegue a boneca”, mas vale
lembrar que a “fala do adulto nomeia o objeto” e apenas atrai a atenção da
criança naquele momento em que “a nomeação do objeto coincide com a
percepção imediata da criança”. (Luria, 1981, p.30) Nesse sentido a atenção
está ligada diretamente à percepção visual e é mediada pela palavra do outro.

O cuidador que emite iniciativas e também espera contingências por parte da


criança e, este relacionamento mutuamente contingente possibilita organização
de sensações internas e propicia o desenvolvimento das funções nervosas
superiores (segundo bloco funcional).

Quando por alguma variável não há trocas recíprocas, podem propiciar


alterações na manutenção da atenção e concentração.

No final do primeiro ano de vida e no início do segundo, a ordem verbal, passa


a ter uma influência orientadora e reguladora na atenção, “a criança dirige o
olhar para o objeto nomeado, distingue-o entre outros ou o procura caso o
objeto não esteja aos seus olhos”. (Luria, 1981, p.30) Porém, a criança reage
de forma instável aos comandos do adulto, podendo por exemplo, abandonar a
solicitação e dirigir-se a outros objetos que lhe pareçam mais interessantes.

É apenas na metade do segundo ano de vida que a “instrução do adulto


adquire a capacidade bastante sólida de organizar a atenção da criança,
embora nesta ela também perca facilmente o seu significado regulador”. (Luria,
1981, p. 31)

Ao longo do segundo e terceiro anos de vida, por volta da crise dos tres anos,
ocorre uma mudança qualitativa

“[...] a instrução do adulto, completada posteriormente pela participação


da própria linguagem da criança converte-se em fator que orienta
solidamente a atenção. Mas essa influência sólida da instrução verbal,
que orienta a atenção da criança, se forma com a íntima participação da

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atividade da criança e, por isto, para organizar a sua atenção estável, a


criança não só deve dar ouvido à instrução verbal do adulto como ela
mesma deve distinguir as ordens necessárias, reforçando-as em sua
prática”. (Luria, 1981 a, p.32)

A intervenção verbal do adulto desempenha, portanto, importante papel no


desenvolvimento, organização, direcionalidade e constituição do processo
atencional.

Ao longo do desenvolvimento da criança, diversos sistemas se integram, dando


origem a combinações mais complexas: “As atividade mais complexas são
fruto de um processo de desenvolvimento que envolve a interação do
organismo individual com o meio físico e social em que vive”. (Oliveira, 1998,
p.26)

A linguagem verbal exerce, nesse processo, uma função ímpar. “Para


entendermos o discurso do outro, nunca é necessário entender apenas as
palavras, precisamos entender seu pensamento”. (Vygotsky, 2001, p.481)

No desenvolvimento da linguagem a participação do outro mais experiente com


sua visão de mundo, estimula a função atencional da criança, contribuindo para
que esta exerça a capacidade de focar e selecionar, de forma cada vez mais
criteriosa, as informações.

Um processo relacional, interpsicológico é transformado num processo


intrapessoal que se aplica para a atenção voluntária, para a memória lógica e
para a formação de conceitos, nesse sentido todas as funções nervosas
superiores originam-se das relações reais entre sujeitos humanos.

Nesse sentido é que Luria (1981) fundamenta o caráter social da função


nervosa superior da atenção.

“Nos estágios iniciais do desenvolvimento a função psicológica


complexa era compartilhada por 2 pessoas: o adulto deflagrava o
processo psicológico ao nomear ou apontar o objetos, a criança
respondia a este sinal e reconhecia o objeto mencionado, seja fixando-o
com o olhar, seja segurando com a mão. Nos estágios subseqüentes de
desenvolvimento esse processo socialmente organizado se torna
reorganizado. A própria criança aprende a falar, agora ela mesma pode
nomear o objeto e, ao fazê-lo, ela mesma o distingue do resto do
ambiente e, assim dirige a sua atenção para ela. A função que até então
era compartilhada por duas pessoas se torna agora um método de
organização interior do processo psicológico. A partir da atenção
exterior socialmente organizada, desenvolve-se a atenção voluntária da
criança, que nesse estágio é um processo interior, autorregulador.”
(Luria, 1981, p. 229)

O autor refere que o desenvolvimento da atenção como função nervosa


superior tem uma história longa no desenvolvimento infantil e que a criança só
adquire uma atenção eficiente, estável por volta dos 4 aos 6 anos de idade, na
crise dos três aos sete anos em que já tem noção do Eu e do Outro da relação.

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Antes desse processo, a criança não consegue subordinar a sua atenção a fala
do adulto muito menos a sua própria fala interior. A partir da idade acima
referida, a criança consegue estabelecer uma forma estável de comportamento
seletivo subordinado tanto a fala do adulto como a si própria. Nesse sentido
que a fala da própria criança torna mais seletiva e estável a sua atenção.

No desenvolvimento cerebral observa-se que a primeira unidade ou primeiro


bloco cerebral tem um papel primordial para a manutenção da atenção
involuntária. Localiza-se no tronco cerebral, nos núcleos não específicos do
tálamo e nos núcleos da base, a sua principal contribuição é promover um nível
ótimo de tônus cortical. Abaixo desse nível de ativação, o córtex fica incapaz de
um bom processamento da informação e, acima desse nível, ele torna-se
disfuncional.

Como referido no capítulo anterior esta ativação é promovida por três


estruturas e mecanismos diferentes. O primeiro está associado à regulação de
processos vitais homeostáticos, como o controle da respiração, temperatura do
corpo, circulação sanguínea, etc. Como os neurônios que realizam o controle
desses mecanismos estão localizados na formação reticular do bulbo e
mesencéfalo, têm divergências axonais, quando a informação passa nesses
neurônios eles excitam também neurônios que estão envolvidos com esta
unidade de ativação. Como o controle destes mecanismos homeostáticos é
permanente, é também permanente a ativação no nível do córtex.

Luria (1981) refere que o segundo mecanismo tem origem nos reflexos de
orientação, estudados pelos fisiologistas russos no início do século XX, em
particular Pavlov. O sistema nervoso central está preparado para reagir a
excitantes externos de modo a que o organismo possa se defender dos perigos
que surgem nas alterações do ambiente. Assim, qualquer alteração no
ambiente, assinalada por um ruído, estímulo luminoso ou tátil, etc., pode ser
detectada no núcleo caudado e por núcleos não específicos do tálamo,
mobilizando a atenção por reflexo de orientação, para esta fonte. Esta
organização cerebral, fundamental para a sobrevivência do organismo, está
permanentemente estimulada, como confirmam os trabalhos do norte-
americano Hebb nos anos 40. Como estes neurônios também fazem
divergências axonais com os neurônios do primeiro bloco cerebral, resulta uma
segunda fonte de ativação do córtex.

O terceiro mecanismo é o sistema ativador reticular descendente (SARD), com


origem na região frontal, um conjunto de fibras projeta nas regiões mediais do
cérebro informações que permite aumentar a atividade do córtex. Como
acontecia com o segundo mecanismo acima descrito, o SARD permite integrar
informações externas e internas do organismo. É ativado pelas divergências
axonais dos neurônios frontais anteriores e motores, responsáveis por
elaboração de programas motores ou resolução mental de problemas, esta
terceira fonte aumenta a atividade cortical, possibilitando manutenção da
atenção voluntária.

Este terceiro mecanismo tem origem social, estrutura-se na relação que se


estabelece entre os humano e, a sua entrada em funcionamento, além da
atividade excitatória, permite também a inibição das respostas de reflexo de

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orientação (segundo mecanismo), permitindo aos humanos focar a atenção,


melhorando a relação com o exterior e o processamento cortical das
informações. Cabe ressaltar que qualquer função nervosa superior, assim
como a atenção, depende do bom funcionamento do terceiro bloco funcional e,
qualquer alteração psicológica ou decorrente de lesão cerebral, nesta região
imediatamente o perturba.

A atenção é o fator responsável pela escolha dos elementos essenciais para a


atividade mental ou processo que mantém uma severa vigilância sobre o curso
preciso e organizado da atividade mental.

“Toda a atividade mental organizada possui alto grau de direção e de


seletividade. Entre os muitos estímulos que nos atingem, só
respondemos aqueles poucos que são especialmente fortes ou que
parecem particularmente importantes e correspondem aos nossos
interesses, intenções ou tarefas imediatas.” (Luria, 1981, p. 223)

O autor também aponta que entre o grande número de traços ou conexões


armazenadas em nossa memória, só escolhemos aqueles poucos que
correspondem à nossa tarefa imediata e nos capacitam a executar algumas
operações intelectuais necessárias. Alguns deles essenciais ou necessários
começam a dominar, enquanto outros não-essenciais ou desnecessários são
inibidos.

Qualquer forma complexa da atenção voluntária necessita do reconhecimento


seletivo e a inibição de respostas a estímulos irrelevantes e essa contribuição
para a organização da atenção ocorre nos sistemas funcionais nas estruturas
do córtex límbico, núcleo caudado e na região frontal.

Khomskaya (2003) refere a atenção como fator que favorece a seletividade do


funcionamento de quaisquer processos psíquicos, tanto cognitivos como
afetivo-volitivos e enfatiza diversos tipos de atenção:

a) A atenção sensorial (visual, auditiva, tátil e outras);


b) A atenção motora, que se manifesta nos processos motores, na
consciência e regulação do ato motor;
c) A atenção emocional, atraída por estímulos emocionalmente
significativos; convém chamar a atenção para as leis específicas de
funcionamento desta forma de atenção, para sua estreita ligação com a
memória e com o processo de fixação da informação;
d) A atenção intelectual que se manifesta na atividade cognitiva que
promove a reflexão, que possibilita as operações intelectuais e o próprio
pensamento.

3.2 Comprometimentos da atenção

Khomskaya (2003) destaca comprometimento da atenção modalmente não


específica, atenção elementar e modalmente específica, atenção voluntária. O
primeiro tipo de comprometimento da atenção, designado como modalmente
não-específico, o sujeito não consegue concentrar-se nos estímulos visuais,
auditivos ou táteis e as perturbações da atenção manifestar-se-ão em qualquer

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uma das atividades psíquicas (p.193). Este tipo de perturbação é típico de


sujeitos com lesões nas estruturas cerebrais médias não-específicas, as
perturbações modalmente não-específicas da atenção acusam determinadas
diferenças de acordo com a localização das lesões nos diferentes níveis do
sistema cerebral não-específico:

a. lesões dos setores inferiores das estruturas não-específicas (bulbo


raquidiano do cérebro médio): brusca diminuição no volume da atenção
e a sua capacidade de concentração (sensomotora, gnóstica ou
intelectual);

b. lesão da estruturas não-específicas (setores diencefálicos do cérebro e


do sistema límbico): as perturbações da atenção se manifestam, regra
geral, em formas muito mais graves. Os sujeitos não conseguem se
concentrar de todo em qualquer atividade ou caso consigam, a sua
atenção é extremamente instável. Essas dificuldades são também
sentidas na execução de atos motores, na resolução de problemas
aritméticos e na execução de tarefas verbais;

c. lesão nos setores ínfero-mediais dos lobos frontais e temporais: sujeitos


com lesões maciças nos lobos cerebrais frontais ficam comprometidas
as formas arbitrárias da atenção nos mais variados tipos de atividade
psíquica. Por outro lado eles veem patologicamente reforçados às
formas não-específicas da atenção. Ficam extremamente reativos a
todos os estímulos, como que notam tudo o que passa a sua volta,
virando-se ao menor som, se intrometendo nas conversas de outras
pessoas, etc, mas esta é uma atividade incontrolável que reflete a
desinibição das formas elementares da atividade atencional.

Cabe ressaltar que na base de todas as disfunções atencionais oberva-se o


não desenvolvimento das funções reguladas pelo hipocampo e núcleo caudado
que são fontes de colapso da seletividade no comportamento, constituindo um
distúrbio da atenção primária.

Nos casos de não-habilitação, disfunções ou lesões nessas áreas os sintomas


consistem em aumento de distração, instabilidade de respostas seletivas,
estado de sonolência, a perda da capacidade de distinguir o presente e o
passado, confabulação e perturbação na consciência. Nesse caso o sujeito não
consegue se concentrar nos estímulos visuais, auditivos e táteis.

Esses sinais de um distúrbio primário da atenção podem ser compensados


pela instrução verbal como incorporação de níveis estruturais superiores
intactos do processo no sistema, mesmo de modo temporário e rápido, no
entanto esse diferencial é importante para diagnosticar os distúrbios primários
da atenção (formas elementares).

Khomskaya (2003) refere que os comprometimentos da atenção modalmente


específicas manifestam-se só numa esfera, ou seja, têm a ver com os
estímulos de uma única modalidade, por exemplo, na esfera visual, auditiva,
tátil ou na esfera dos movimentos e, são descritas pelos clínicos como
fenômenos da negligência de uns ou outros estímulos. As perturbações

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modalmente específicas da atenção não têm nada em comum com as


perturbações das funções gnósticas, isto é, com as perturbações da
percepção.

a. Inatenção visual: caracteriza o sintoma de negligência visual, que reflete


muitas vezes um estágio inicial ou moderado de comprometimento das
estruturas analisadoras visuais e, à medida que a doença vai se
desenvolvendo, pode passar a transtornos gnósticos ou a perturbação
unilateral dos campos de visão (hemianopsia) e geralmente os sujeitos
não têm consciência do defeito (anosognosia);

b. Inatenção auditiva: caracteriza a disfunção perceptiva de estimulos


auditivos, sons ou palavras, apresentados simultaneamente aos dois
ouvidos;

c. Inatenção tátil: caracteriza a disfunção perceptiva de estimulos


sensitivos ou táteis, apresentados simultaneamente nas duas mãos.
Diferentemente se as mãos forem tocadas separadamente o sintoma de
inatenção tátil não será observado;

d. Inatenção motora: caracteriza a disfunção na execução de movimentos


das mãos de modo simultâneo, dificultando a realização e a conclusão
dos movimentos que se mantém em apenas uma das mãos.

O papel dos lobos frontais é na inibição de distratores e na preservação de


comportamentos dirigidos a metas e programas. Em lesões nos lobos frontais,
as instruções verbais não são eficazes, deixando o sujeito com a incapacidade
de concentração em uma instrução verbal e com dificuldade em inibir e
abandonar os estímulos irrelevantes.

Pesquisas clínicas, da autora, em sujeitos com lesões do lobo frontal fornecem


informações sobre os distúrbios de comportamento seletivo e, sobretudo, das
formas superiores da atenção. Contrastando com o que se verifica em
pacientes portadores de lesões da parte superior do tronco cerebral e região
límbica, em pacientes com lesões maciças do lobo frontal, as formas
elementares da atenção involuntária ou de reações de orientação impulsiva a
estímulos irrelevantes podem não estar preservadas, como também
apresentarem-se patologicamente aumentadas.

Os lobos frontais desempenham um papel importante no aumento do nível de


vigilância do sujeito quando estiver realizando uma tarefa, e assim participam
decisivamente nas formas superiores da atenção. Este fato é de grande
importância para o estudo dos mecanismos cerebrais de formas complexas de
atenção e foi estudado minuciosamente por Khomskaya (2003) e seus
colaboradores.

Sujeitos com lesões das porções laterais dos lobos frontais exibiam um quadro
bastante adverso. A ativação ocasionada pela influência direta de estímulos era
suficientemente bem pronunciada nesses sujeitos e se extinguia com rapidez,
entretanto, essas características de ativação podiam ser fortalecidas e
estabilizadas por instrução verbal somente quando esta fosse repetida com

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frequência, e nesses casos a ativação era muito instável e desaparecia


rapidamente, tornando necessária nova repetição freqüente da instrução para
seu reaparecimento. Estas observações mostraram que o mecanismo das
formas superiores da ativação ou são completamente perturbadas em sujeitos
com lesões do lobo frontal ou então perdem o seu caráter estável e
generalizado, e que os lobos frontais e especialmente as suas zonas mediais,
que são conectadas particularmente com os tratos descendentes da formação
reticular e com a região límbica, desempenham um papel decisivo neste
processo de aumentar o nível geral da atividade de fundo de acordo com Luria
(1981)

Desse modo, a análise psicofisiológica das pertubações da Atenção em


sujeitos com lesões cerebrais locais aponta para a existência de vários
mecanismos fisiológicos das formas arbitrárias e não-arbitrárias da Atenção e
para a participação de diferentes estruturas nesses mecanismos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KHOMSKAYA, E.D. Neuropsicologia: Bases Teóricas e Importância Prática. 3ª


edição. Moscou: ZAO Editora Piter, 2003.

LURIA, A.R. Fundamentos de Neuropsicologia. São Paulo: Editora USP, 1981.

OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento – Um processo


Sócio Histórica. São Paulo, Editora Scipione, 1998.

VYGOTSKY, L.S. Development of the Mental Functions, Izd. Akad. Pedagog.


Nauk RSFSR, Moscou: 1960.

VYGOTSKY, L.S., LURIA, A.R. Estudos sobre a história do Comportamento :


Símios, Homem Primitivo e Criança. Trad. Lódio Lourenço de Oliveira – Porto
Alegra: Artes Médicas, 1996.

VYGOTSKY, L. S. Construção do Pensamento e da Linguagem, São Paulo:


Martins Fontes, 2001.

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CAPÍTULO 4 – PERCEPÇÃO

Claudia Azevedo

Neste capítulo vamos abordar de início a percepção como função nervosa


elementar e o desenvolvimento desta na criança a partir do substrato biológico,
bem como esta se desenvolve para função nervosa superior e quais os
comprometimentos em termos de disfunção podem ocorrer.

A percepção é uma atividade psicológica que envolve informações advindas


das várias modalidades sensoriais e possibilita a construção de concepções
sobre cenas, eventos e situações que se desenvolvem no tempo e no espaço.

Todas essas informações advindas por meio de percepções mais simples às


mais complexas são armazenadas na memória e podem ser utilizadas pelo
sujeito em situações posteriores. É importante enfatizar que qualquer forma de
atividade psicológica é um sistema que envolve a operação simultânea das três
unidades funcionais do cérebro.

A percepção visual envolve o nível adequado de atividade do organismo (1º


bloco funcional); a análise e a síntese da informação recebida pelo sistema
visual (2º bloco funcional) e a intenção do sujeito em olhar para determinado
objeto, com certa finalidade e a correspondente mobilização do corpo (posição
da cabeça, movimento dos olhos) para que a percepção plena aconteça (3º
bloco funcional).

Observamos uma dinâmica hierárquica, sistêmica e orquestrada de cada


unidade funcional para que os estímulos aferentes e eferentes, em ação,
possibilitem o funcionamento adequado da ordem recebida.

Necessitamos de uma constância perceptiva para que esta nos possibilite uma
apropriação adequada do ambiente ao redor. Temos a capacidade de perceber
os objetos com seus atributos básicos, independentes da variedade sensorial
que se apresente. Em relação à percepção, convém salientar a constância de
tamanho, de forma e de cor:

Tamanho → descreve o fato do tamanho percebido de um objeto ser o


mesmo, esteja ele próximo ou afastado. Um dos fatores que possuem um
notável papel de resistência à mudança perceptual de tamanho é a
familiaridade que temos com os objetos.

Forma → refere-se ao fato de percebermos a forma do objeto,


independentemente do ângulo que o vemos.

Cor → o sujeito tende a ignorar o nível de iluminação que incide sobre o


objeto conhecido, mantendo o conhecimento cromático já internalizado.

O adulto está ligado ao meio ambiente por milhares de elos, estímulos internos
e externos sendo produto e produtor, de modo dialético e sua natureza se
encontra na essencia das condições ambientais. Tudo que no adulto serve de

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ponte entre ele e o ambiente, isto é, sua visão, audição e os demais órgãos de
percepção é quase não-funcional num recém-nascido. Ele ainda não
desenvolveu suas redes neuronais bem como, não ensaiou seu intercâmbio
para que este se torne mutuamente contingente e se perceba como agente de
suas ações, como referido na parte I.

4.1 A percepção como função nervosa elementar e a sua constituição


como função nervosa superior

No bebê humano, embora o mundo esteja cheio de ruídos e borrões, os órgãos


de percepção ainda não funcionam. A criança não tem percepções isoladas,
não reconhece objetos e não destaca nada nesse caos generalizado. Para ela
ainda não existe um mundo de coisas habitualmente percebidas e vive como
um ermitão. A criança começa a perceber e a destacar as sensações de prazer
e desprazer advindas do próprio corpo, especialmente no contato com o
ambiente através da boca.

As sensações de fome e do seio de sua mãe, que lhe alivia a fome, talvez
sejam os primeiros fenômenos psicológicos, de natureza elementar, que se
observam na criança. O elo com o meio ambiente inicia na boca e é aí que
aparecem as sensações iniciais, isto é, as funções nervosas elementares.

Para o bebê, o papel dominante é desempenhado por sensações biológicas


restritas ao corpo, isto é, impulsos primitivos, estimulações provindas da
membrana da mucosa da boca, grunhidos, etc.

A fase inicial da percepção ocorre aproximadamente por volta de um mês e


meio de idade quando se observa movimentos coordenados dos olhos, que
possibilitam à criança mover seu olhar de um objeto para outro e de uma parte
do objeto para outra; e, como sabemos, são esses movimentos coordenados
dos olhos condição necessária para a criança começar a ver.

Contudo, a criança de um mês e meio ainda tem um acesso mínimo ao mundo


percebido visualmente, a acomodação do globo ocular e a adaptação a
estímulos externos ocorre por volta dos dois meses. Entre dois meses e meio e
tres meses observa-se o reconhecimento correto de rostos e, podemos
considerar que somente aos quatro ou cinco meses o “mundo visível” se torna
acessível ao bebê. Esse desenvolvimento produz uma revolução total na vida
da criança que passa de ser primitivo, com sensações biológicas apenas para
um ser, que pela primeira vez começa a interagir com o ambiente reagindo
ativamente aos estímulos visuais que dele provêm e, de modo dialético o
estimulam a ter necessidade de gradativamente adaptar-se a ele.

O princípio “biológico” de existência começa a ser substituído pelo princípio


“psicológico” e social. A criança começa a ver o mundo exterior não só com
seus olhos como um aparelho de percepção e de orientação e sim percebe
agregando toda a sua experiência anterior e ao fazê-lo, altera em certa medida
os objetos percebidos. Surge um tipo específico de percepção, o mundo
indiferenciado das percepções puramente fisiológicas, eidéticas é substituído

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pelo mundo das imagens visuais. Nessas imagens, as impressões externas


misturam-se com as imagens preservadas a partir da experiência anterior e são
por estas corrigidas. O que a criança antes percebera como um grande número
de fragmentos acidentais e isolados começa agora a ser percebido como uma
série de quadros completos. Pelo fato de as imagens visuais eidéticas
permanecerem na mente da criança, a experiência anterior funde-se com os
estímulos atuais e o mundo adquire um caráter integral.

A percepção é de natureza complexa e se inicia pela análise da estrutura do


objeto que ao ser recebido pelo cérebro é codificado e sintetizado em uma
série de componentes ou pistas. O processo de seleção e síntese é de
natureza ativa e ocorre quando o sujeito se defronta com a influência direta da
tarefa. Esses componentes do objeto que são codificados tem um caráter
categórico diretamente ligado à fala.

De acordo com Luria (1981)

“É essencial notar-se que a percepção humana é um complexo


processo de codificação do material percebido que se realiza com
a estreita participação da fala, e que a atividade perceptiva
humana, portanto, nunca acontece sem a participação direta da
linguagem”. (p.200).

A percepção se inicia com a excitação proveniente da retina e atinge o córtex


visual primário (área primária do occipital), esses impulsos são projetados para
os pontos correspondentes do córtex e divididos em um grande número de
componentes.

De acordo com Hubel e Wiesel (1962,1963), esse processo de análise visual


pode-se realizar porque o córtex visual contém um número grande de
neurônios altamente diferenciados, em que cada um dos quais responde a tão
somente um aspecto particular do objeto percebido. (Hubel e Wiesel
(1962,1963 apud Luria, 1981)

No adulto a percepção, como função nervosa superior, depende da influência


social, cultural e repreesenta o modo de interpretação das suas vivências,
assim como está diretamente relacionada com a fala.

4.2 Comprometimentos da percepção

As lesões da zona primária do córtex visual se manifestam como hemianopsia


homônima, hemianopsia de quadrante ou escotomas. No entanto todos esses
defeitos elementares podem ser compensados tanto por adaptações funcionais
da retina como por movimentos dos olhos por meio de mudança de sua
fixação.

A compensação só não ocorre em casos em que o sujeito não tem consciência


do seu defeito, anosognosia, ou quando o defeito passa despercebido não
sendo compensado, assumindo o caráter de hemianopsia fixa ou agnosia
espacial unilateral.

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As zonas secundárias do córtex visual constituem o sistema responsável pela


formação de sínteses simultâneas dos estímulos percebidos, sob a influência
reguladora e moduladora de outras zonas não visuais do córtex, como também
estabilizar a imagem obtida como resultado do procedimento óptico. Consistem
de neurônios das camadas corticais superiores, com axônios curtos e
adaptados a viabilizar sinapses entre as conexões do córtex, ocorrendo desta
forma a integração, análise e síntese das informações recebidas, resultando na
organização da percepção visual.

A função das zonas secundárias é converter a projeção somatotópica da


excitação visual que chega a sua organização funcional. As lesão das zonas
secundárias do córtex visual acarretam no sujeito dificuldade nas sínteses
simultâneas denominada de agnosia óptica, denotando incapacidade de
reconhecer objetos completos, isto é, sintetizar os elementos em um todo
único. O sujeito não é cego, pode ver características individuais e por vezes
partes individuais de um objeto. O seu defeito está em não poder combinar
essas características individuais em formas completas, como já mencionado,
ele identifica cada sinal, mas não compreende o significado do todo, por
exemplo: um círculo, outro círculo uma haste e não consegue referir que é um
óculos. Lesões nas zonas visuais secundárias perturbam a operação de
sínteses visuais, porém deixam intacta a estrutura inteira da percepção ativa.

A organização espacial não é uma função própria do córtex visual e a


participação das zonas parietais inferiores ou parieto-occipitais é imprescindível
para a percepção espacial.

Lesões nas regiões parietais inferiores ou parieto-occipitais deixam intactas as


sínteses visuais em si, mas interferem na organização espacial da percepção
denominada como agnosia simultânea. Na agnosia simultânea, o sujeito tem
dificuldade ou é incapaz de fixar a informação visual, no centro e nas regiões
da periferia da retina e não apresenta movimentos oculares coordenados que
constituem o primeiro passo para a percepção simultânea de uma situação
visual completa.

Lesões nas zonas parieto-occipital esquerda resultam distúrbios da percepção


de letra, palavra e símbolos da linguagem escrita (sinais de pontuação,
números), mesmo não apresentando agnosia de objetos.

As zonas parieto-occipitais do hemisfério direito desempenham papel


importante na forma direta de percepção em que a fala tem um papel mínimo.
Lesões nesta região acarretam um distúrbio do reconhecimento de rostos ou
prosopagnosia.

Como já referido, a fala é imprescindível na formação de formas mais


complexas de percepção, e por meio dela, como todos os processos mentais, a
fala desempenha uma parte ativa, na codificação da percepção de cores,
forma, objetos e categorias complexas.

Lesões no córtex temporal e temporo-occiptal causam distúrbios de percepção


e afasia, acarretando dificuldade para perceber categorias de cores, de tal
forma que estas não são integradas corretamente.

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Lesões das zonas temporo-occipital resulta em distúrbio da emergência de


ideias visuais, tendo o sujeito a capacidade de compreender o significado de
uma palavra, mas não consegue evocar uma imagem visual nítida, denotando
dificuldade em desenhar o objeto após a instrução verbal e facilidade em copiar
o objeto apresentado.

O papel dos lobos frontais na organização da percepção demonstra que a


percepção é um processo ativo e quanto mais complexo for o objeto percebido
e menos familiar este for, mais detalhada será a atividade perceptiva. É este
caráter ativo do processo que é desempenhado pelos lobos frontais na
percepção.

Sujeitos com lesões maciças dos lobos frontais não apresentam distúrbios de
percepção visual direta. Reconhecem figuras simples, leem palavras simples
ou frases elementares, no entanto a situação muda, quando o objeto
apresentado necessita de um esforço ativo para inibir a primeira impressão e
surge a dificuldade, por exemplo, de perceber figuras estilizadas, objetos em
figura e fundo ou figuras em posição inusitada.

Cabe ressaltar que o processo de percepção visual é um sistema funcional


complexo baseado no trabalho coordenado de todo um grupo de zonas
corticais, e cada uma dessas zonas dá sua contribuição para a estrutura da
percepção ativa.

Os transtornos da percepção visual resultam de lesões das estruturas corticais


das zonas posteriores dos hemisférios mantendo relativamente preservadas as
funções visuais elementares (da acuidade visual, do campo de visão, da
sensação cromática), isto é, os sujeitos veem relativamente bem, tem uma
percepção cromática normal e muitas vezes intacto seu campo visual
atendendo todos os requisitos básicos para a captação correta dos objetos. No
entanto tem uma perturbação no nível gnóstico do funcionamento visual.

Khomskaya (2003) ressalta que todos os estudos pertinentes às agnosias


visuais se focaram na descrição das disfunções e distorções perceptivas.
Partindo deste princípio, foram destacadas seis principais formas de
perturbações visuais:

1) O sujeito avalia corretamente os diferentes elementos do objeto ou da


sua imagem, mas não consegue compreender o sentido do seu todo →
isto se chama agnosia para objetos13;

2) Quando o sujeito não distingue rostos humanos ou retratos fotográficos,


estamos diante da prosopagnosia;

3) O sujeito se orienta mal nos indícios espaciais da imagem, estamos


diante da agnosia óptico-espacial;

4) O sujeito copia corretamente as letras, mas não consegue ler, temos


neste caso agnosia para letras ou alexia primária;

13
Agnosia objetal, segundo a terminologia da autora

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5) O sujeito consegue distinguir as cores, mas não sabe a cor que pertence
ao objeto que está pintado, isto é, não consegue lembrar as cores dos
objetos conhecidos, estamos diante da agnosia cromática;

6) O sujeito só consegue captar fragmentos isolados da imagem e as


dificuldades são de integração dos campos de visão, temos a agnosia
simultânea.

A Agnosia para objetos é uma das formas mais comentadas dos transtornos da
percepção visual. As lesões ocorrem nas zonas parieto-occipital do cérebro,
tendo sua forma mais grave em casos de lesão bilateral das zonas parieto-
occipital, áreas 18 e 19 do lobo occipital.

O sujeito demonstra dificuldade na capacidade de reconhecer ou identificar um


objeto, de indicar sua utilização, visualmente não reconhece, mas consegue
muitas vezes reconhecê-lo através do tato ou orientar-se pelo som.

Na Agnosia óptico-espacial, a sua forma mais grave, está relacionada com


lesão bilateral das zonas parieto-occipital do cérebro. No entanto, até mesmo
em caso de lesão unilateral essa perturbação é bastante acentuada.

Há uma incapacidade de se orientar no espaço, de avaliar corretamente a


localização de objetos e a distância deles e entre eles. O sujeito pode se
chocar com obstáculos que ele percebe mal no ambiente. Apresenta
dificuldade de avaliar profundidade; em cima /embaixo; maior/menor, indicando
uma incapacidade para desenhar devido à dificuldade de percepção da forma
dos objetos, no entanto a cópia mantém-se intacta. O sujeito tem dificuldade de
seguir um itinerário ou de descrevê-lo.

Uma série de casos foi detectada com focos no hemisfério direito, ocorrendo
agnosia óptico-espacial unilateral. Ao copiar um desenho o sujeito negligencia
o lado esquerdo do desenho. Esta perturbação visuoespacial traz dificuldades
na vida diária do sujeito como em práticas rotineiras do dia-a-dia, que
necessitam de atos motores. O sujeito executa mal movimentos que exijam
orientação visuoespacial elementar, por exemplo, não consegue estender o
cobertor na cama; vestir o casaco ou as calças, e assim por diante. Essa
perturbação recebeu o nome de apraxia do vestir.

A autora refere que a combinação dos transtornos visuoespacial e motor-


espacial deu-se o nome de apractognosia14.

As perturbações óptico-espacial, por vezes, influenciam na habilidade da


leitura. Revela-se uma dificuldade na leitura de letras que tem atributos
esquerda / direita. O sujeito não consegue distinguir a escrita correta ou
incorreta da letra, por exemplo, R, Я, р, ԛ e outras. Esta inabilidade de
reconhecimento de letras com atributos espaciais especularmente 15 invertidos
são normalmente, sinal de defeito geral na orientação espacial dos objetos.

14
Distorção das letras: apractoagnosia
15
Relativo a espelho

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Uma forma particular dos transtornos visuais gnósticos é a agnosia para as


letras. O sujeito ao copiar corretamente as letras não consegue ler, ele perde a
capacidade da leitura, denominado de alexia primária. Esta forma de agnosia
ocorre em caso de lesão da parte inferior do hemisfério esquerdo.

A agnosia cromática é ao contrário das perturbações da distinção cromática


(cegueira cromática ou defeitos na sensação das cores) caracterizando um
transtorno das funções visuais superiores. A cegueira cromática e a
perturbação da sensação das cores podem ter origem tanto periférica como
central, isto é, podem estar relacionadas com lesão tanto na retina como dos
elos subcorticais e cortical do sistema visual.

A sensação cromática surge diante da ação de três tipos diferentes de


detectores da retina (cones), que são sensíveis as diferentes cores: azul-verde,
vermelho-verde e amarelo. Esta capacidade dos cones de reagirem só a
determinados estímulos cromáticos é à base de sensação cromática. O defeito
desta capacidade pode ser provocado por diferentes tipos de lesão da retina,
como degeneração, derrames sanguíneos e glaucoma.

A distinção cromática está relacionada com lesão do CGE16 e do córtex


occipital área 17 de Brodman, que aponta para a existência de um canal
específico no sistema visual destinado a condução da informação com a cor do
objeto.

Na agnosia cromática, o sujeito distingue as cores corretamente e sabe o nome


delas, porém tem dificuldade de relacionar determinada cor com determinado
objeto, por exemplo o sujeito não consegue lembrar a cor da laranja, da
cenoura, do pinheiro, etc. Ao visualizar um objeto que tem uma cor definida não
consegue nomeá-lo. A dificuldade encontrada é na categorização da cor e não
na sua distinção.

Luria (1981) refere que a agnosia simultânea durante muito tempo foi
conhecida como síndrome de Balint, essa perturbação da gnose visual
manifesta-se devido o fato do sujeito não conseguir captar simultaneamente
duas imagens ficando o volume de sua percepção visual reduzido. Ocorre uma
incapacidade de reconhecer um objeto ou imagem como um todo, embora
todas suas partes possam ser reconhecidas isoladamente, mas o sujeito não
consegue ligar um aspecto ao outro.

Na prosopagnosia, o sujeito perde a capacidade de reconhecer rostos reais ou


suas representações em fotografias, retratos desenhados, etc. Em sua forma
mais grave os portadores dessa perturbação não consegue distinguir rostos
masculinos e femininos, rostos de crianças e adultos, não reconhecem os
rostos de seus familiares e amigos próximos, no entanto reconhecem as
pessoas através da voz. Este transtorno está relacionado com lesão nas zonas
parieto-occipital posterior do hemisfério direito.

“Os dados Neuropsicológicos confirmam a concepção geral


segundo a qual o sistema visual está organizado como um

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Corpo geniculado externo

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aparelho multicanal que processa simultaneamente as diferentes


informações visuais e cujos diferentes blocos (canais) podem ser
lesados isoladamente, ante a integridade do trabalho de outros
blocos (canais). De acordo com isto torna-se então possível
surgirem perturbações da percepção só de objetos, ou de rostos,
ou de cores, ou de letras, ou de itens espacialmente orientados”
(Khomyskaya, 2003, p.113).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KHOMSKAYA, E.D. Neuropsicologia: Bases Teóricas e Importância Prática. 3ª


edição. Moscou: ZAO Editora Piter, 2003.

LURIA, A.R. Fundamentos da Neuropsicologia. São Paulo: Editora da USP,


1981.

VYGOTSKY, L. S. &; LURIA, A.R. Estudos sobre a História do Comportamento:


símios, o homem primitivo e a criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

VYGOTSKY, L. S. O Desenvolvimento Psicológico na Infância. São Paulo:


Martins Fontes, 2003.

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CAPÍTULO 5: MEMÓRIA

Claudia Azevedo

Este capítulo tem como objetivo entender o que é a memória humana, vamos
abordar de início a memória como função nervosa elementar e o
desenvolvimento desta na criança a partir do substrato biológico e, como se
desenvolve em função nervosa superior e quais os comprometimentos
decorrentes de disfunção ou lesão.

Este passo de procurar entender o que é memória, como ela funciona, quais
características são comuns quando ela falha, e que tipos de comportamentos
são esperados de alguém que tenha uma lesão ou processo degenerativo na
memória, constitui o passo inicial para compreender as possibilidades ou as
dificuldades que o neuropsicólogo encontrará em seu trabalho tanto no
momento da avaliação quanto na reabilitação da memória.

5.1 A memória como função nervosa elementar e a sua constituição como


função nervosa superior

O desenvolvimento das funções nervosas superiores ocorre ao longo do


desenvolvimento humano. Luria (1981) refere que essas funções ocorrem de
maneira hierárquica e sistêmica e um sujeito não desenvolve um pensamento
se não tiver a memória.

Ao construír seus instrumentos de trabalho, o homem primitivo fez com que os


órgãos sensoriais como: paladar, visão, olfato, audição... , ficassem mais
aguçados com o que esse instrumento poderia lhe proporcionar. Transformou
outros objetos, como varas, em instrumentos melhores e essa informação nova
pode ser detectada no núcleo caudado e por núcleos não específicos do
tálamo, mobilizando o reflexo de orientação, para essa fonte.

Os órgãos sensoriais do organismo focaram a análise desse novo estimulo


ligado ao ambiente com intenção. Esta organização cerebral, foi fundamental
para a sobrevivência do organismo e, é permanentemente estimulada, como
refererido anteriormente.

No início de sua história ontogenética, o homem é um candidato à


humanização, ou seja, torna-se humano ao apropriar-se da produção dos
homens, através da relação. Para humanizar-se, o homem deve desenvolver
suas funções nervosas superiores e assim tornar-se cada vez mais livre, cada
vez mais independente de suas necessidades naturais, elementares. As
funções nervosas superiores são desenvolvidas a partir das formas mais
simples, ou seja, funções nervosas elementares, que são involuntárias e com
uma relação imediata (direta) com o ambiente, como já mencionado.

A memória como função nervosa elementar está presente desde o nascimento.


A criança através de ações reflexas como gemidos, grunhidos, espasmos,

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inicia o seu contato com o mundo circundante de maneira direta e involuntária,


não havendo nenhuma intenção neste momento de comunicação. Quando
ocorre através do meio externo, uma rotina, uma repetição, do que é mostrado
a criança, inicia-se a percepção de algo constante e, a memória que vai se
construindo e se desenvolvendo como função nervosa superior.

Pelo descrito acima, vemos que a memória elementar é de curtíssimo tempo,


fragmentada e não integrada, necessita de uma constância dentro do campo
visual da criança para existir, para que ocorra uma representação mental do
que está sendo visto.

Já em tenra idade, a criança começa a se comunicar com o mundo por meio de


sinais, instrumentos e suas relações já não são exclusivamente diretas e
imediatas como em seus primeiros meses de vida. Com o passar do tempo, por
seu desenvolvimento, a criança em sua interação com o meio, vai
intencionalmente usando instrumentos mediadores e a linguagem como forma
de possibilitar sua ação sobre o meio externo.

Nas relações que a criança estabelece com o mundo, aliada ao seu sistema
nervoso, aparato biológico e 1º bloco funcional e, a apropriação dos
conhecimentos humanos, a criança internaliza as estruturas que eram
anteriormente externas, criando um sentido próprio e propiciando o
desenvolvimento das funções nervosas superiores, nos sistemas associativos
do 2º bloco funcional.

Para Vygotsky, Luria, Leontiev (1931) é o processo de apropriação dos


conhecimentos e experiências historicamente acumuladas que permite ao
sujeito o desenvolvimento das funções nervosas superiores. “A civilização é
uma conquista demasiado recente da humanidade para que possa ser
transmitida por herança.” (Vygotski, 1931, apud Luria, 1981, p. 55)

É importante ressaltar que o desenvolvimento das funções nervosas superiores


não extingue as funções nervosas elementares, assim como as funções
nervosas superiores internalizadas não anulam as mediadas por estímulos
externos, visto que Vygotsky, fundamentado no materialismo histórico e
dialético, não fazia a dissociação entre natural e social, entre os processos
elementares e os superiores. O que ocorre é um domínio das formas
superiores sobre as inferiores devido às diferenças qualitativas entre suas
estruturas, nesse sentido há superação por incorporação.

Assim, “(...) as formas inferiores não se aniquilam, mas se incluem na superior


e continuam existindo nela como instância submetida”. (Vygotski, 1931, apud
Luria, 1981, p.129)

As funções psicológicas internalizadas ficam cada vez mais interligadas, há


uma mudança na relação existente entre as funções superiores, modificando a
estrutura funcional da consciência e formando um novo sistema psicológico
caracterizado pela intrínseca interconexão e inter-relação das funções. É esse
sistema que dá ao sujeito a percepção de totalidade do psiquismo.

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No caso específico da memória, ou seja, capacidade de conservação e


reprodução de informações, Luria (1981) aponta que a memória elementar
caracteriza-se por ser involuntária e ter base biológica, tendo assim, uma
relação direta e imediata com os estímulos externos. As informações
armazenadas são muito próximas às detectadas pelos órgãos dos sentidos. (1º
bloco funcional)

O autor ressalta que com o desenvolvimento o sujeito começa a utilizar


instrumentos para a realização de suas atividades e essas ferramentas
medeiam a relação do homem com o mundo material, permitindo a estes uma
maior liberdade, pois podem ir além do que lhes é permitido pelo aparato
biológico.

Com o auxílio dos instrumentos, o homem pôde dominar voluntariamente a


memória

“O desenvolvimento histórico da memória começa a partir do momento


em que o homem, pela primeira vez, deixa de utilizar a memória como
força natural e passa a dominá-la.” (Vygotsky 1930, apud Luria, 1981, p.
114).

O homem começa a utilizar o próprio corpo, madeiras, pedras e cordas como


meios auxiliares em sua organização da vida cotidiana. Exemplos dessa
utilização é o uso de pequenas pedras para contar os animais do rebanho ou o
comportamento de contar nos dedos uma soma qualquer.

Como já referido, há a internalização e pelas funções nervosas superiores, o


indivíduo começa a sistematizar seu conhecimento, desenvolvendo ainda mais
a memória mediada que, assim como seu pensamento, está sendo organizado
por conceitos. A memória torna-se cada vez mais lógica, isto é, a memória
intencional baseia-se no pensamento abstrato e se organiza em conceitos.

Vygotsky (1996) refere que a mudança ocorre na estrutura da memória, que


passa de mneme (elementar) para mnemotécnica (superior), ou seja, de uma
estrutura imediata para uma mediada, com um elo entre o estímulo e a ação,
sendo que, como já explicitado, a forma superior supera por incorporação a
inferior.

A procura de solução para o problema da base material da memória tomou


novos rumos com o resultado dos trabalhos de Hydén (1960; 1962; 1964 apud
Luria, 1981), que mostrou que a retenção de um traço de uma excitação
anterior se associa a numa mudança duradoura no conteúdo de RNA / DNA de
núcleos expostos a uma excitação intensa.

Todo esse trabalho de pesquisa de Hydén ganhou novos adeptos, que levaram
a hipótese atualmente aceita, de que moléculas de RNA / DNA são os
portadores da memória e desempenham o papel decisivo tanto na transmissão
de traços herdados como na retenção de traços de experiências anteriores que
tenham ocorrido, durante a vida do sujeito.

De acordo com Luria (1981) a memorização é um processo complexo que


consiste em uma série de estágios sucessivos que diferem em sua estrutura

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psicológica, no volume de traços passível de fixação e na duração de seu


armazenamento, e que se estendem por certo período de tempo. O autor refere
que o processo de memorização começa com a fixação de pistas sensoriais
(se for o caso de traços verbais, as pistas em questão seriam os aspectos
fonéticos de uma palavra ouvida). Estas pistas são de caráter múltiplo e a
fixação, naturalmente, escolhe só algumas delas fazendo uma seleção
apropriada, que ocorre neste estágio. Este processo de fixação é muito estreito
em seu escopo e muito curto na duração dos traços fixados, sendo
referenciado como memória ultracurta, ou seja, memória de curto prazo ou
imediata ou de trabalho. Quando se trata de estímulos visuais, a percepção ou
captação ocorre de maneira diferenciada, ou seja, mais intensa.

O estágio seguinte do processo mnêmico se caracteriza como sendo o da


transferência de estímulos sensoriais para o de memória de imagens, os
estímulos percebidos são convertidos em imagens visuais. Contudo, esta
transformação não é nunca uma simples mudança de um estímulo sensorial
monovalente em uma imagem visual, mas pressupõe-se a seleção de uma
imagem apropriada entre muitas possíveis, e pode ser interpretada como
característica do processamento ou codificação dos estímulos recebidos.
Verifica-se o processo de transição da função nervosa elementar, mnêmica, em
que o sujeito, ao captar o estímulo, o internaliza, criando um sentido próprio e
simultaneamente cumpre o processamento das informações que chegam as
áreas secundárias e terciárias do lobo temporo-parieto-occiptal realizando a
síntese simultânea, ou seja, a complexa codificação de traços ou de sua
inclusão em um sistema de categorias.

Toda esta análise cuidadosa se espreita por esta rede de categorias dando
continuidade ao processo por estruturas hierarquizadas, chegando ao terceiro
bloco funcional pela área primária deste e, por conseguinte a secundária e
terciária que sobrepostamente irão dar sequência as informações recebidas,
formando matrizes multidimensionais a partir das quais o sujeito deverá
escolher, de cada vez, o sistema que, naquele momento particular, irá formar a
base para a codificação. Neste momento estamos falando das funções
desempenhadas pelo terceiro bloco funcional, que tem como objetivo planejar,
regular e verificar a atividade cerebral.

De acordo com o autor a região frontal verifica cada produção, de modo a


averiguar a adequação do comportamento que o cérebro acabou de preparar
para ser executado, à intenção original, impedindo assim, por exemplo, que
uma sequência de palavras seja erradamente substituída por outra.

Esta abordagem dos processos de memória mostra, que longe de ser simples
e passivo, o processo de recordação é de natureza complexa e ativa. Um
sujeito que deseja lembrar-se de certo item de informação exibe uma
determinada estratégia de lembrança, escolhendo os meios necessários,
distinguindo os sinais importantes e inibindo os não importantes, selecionando,
na dependência do objetivo da tarefa, os componentes sensoriais ou lógicos do
material fixado e os encaixando em sistemas apropriados (Kintsch, 1970a;
1970b; Shiffrin,1970; Posner, 1963;1969; Reitman, 1970, apud Luria, 1981).

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O processo de lembrança se aproxima de uma atividade investigadora


complexa e ativa que permite ao sujeito usar as atividades de linguagem,
constituindo o elo essencial na transição da memória de curta duração para a
de longa duração (Miller, 1969, apud Luria, 1981).

No sujeito, portanto, este processo altamente organizado de recordação se


baseia em um sistema completo de sistemas funcionando em concerto no
córtex e em estruturas subcorticais e, cada um desses sistemas dá a sua
própria contribuição específica para a organização dos processos mnêmicos. É
razoável esperar-se, portanto, que a destruição ou mesmo um estado
patológico de qualquer um desses sistemas deva levar a um distúrbio no curso
dos processos mnemônicos e o caráter desse distúrbio varie de acordo com o
sistema cerebral afetado.

Os processos de memória dividem-se em três categorias:

1. Memória Instantânea, que se caracteriza pela impressão de curta


duração dos vestígios ou sinais, com alguns segundos de duração.

2. Memória de curta Duração, os processos de fixação duram alguns


minutos.

3. Memória de Longa Duração, que caracteriza-se pelo armazenamento


prolongado dos vestígios, imagens e informações, que podem durar até
mesmo uma vida inteira.

Os processos mnésicos podem decorrer em diferentes sistemas analisadores,


em conformidade se distinguem várias formas modalmente específicas de
memória: visual, auditiva, tátil, do movimento ou motor e, oufativa.

Para Khomskaya (2003), existe igualmente a memória afetiva ou memória para


os acontecimentos emocionalmente importantes. As diferentes formas de
memória vão caracterizando o trabalho dos diferentes sistemas funcionais e, se
ligam a diferentes modalidades ou atributos do estímulo. O grau de comando
ou regulação dos processos mnésicos, assim como, todas as outras funções
nervosas superiores, caracteriza-se por níveis arbitrários (voluntários) e não-
arbitrários (involuntários). Do ponto de vista de sua organização semântica
divide-se em mecânica (involuntária) e semanticamente organizada
(semântica). É precisamente na sua forma arbitrária que a memória surge
como atividade mnésica distinta, isto é, possui uma determinada estrutura que
inclui: 1) a etapa do motivo ou da intenção; 2) a etapa da programação da
atividade mnésica; 3) etapa da utilização dos diferentes modos de
memorização do material e 4) etapa de controle dos resultados da atividade
mnésica e da sua correção, caso os resultados não sejam satisfatórios do
ponto de vista do objetivo pretendido.

A autora refere ainda, que a memorização não arbitrária caracteriza-se por leis
próprias, isto é, existe uma série de fatores dos quais dependerá uma melhor
ou pior memorização do material.

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De acordo com Zintchenko (1961,apud Khomskaya, 2003), memoriza-se


melhor aquilo que temos como objetivo ou que provoca dificuldade para a
realização do mesmo. A memória não arbitrária ou involuntária, varia de acordo
com os diferentes períodos de vida do sujeito, ela é melhor na infância e vai
piorando gradualmente a medida que envelhecemos. No entanto, os
mecanismos de fixação não arbitrários da informação, estão ativos ao longo de
toda nossa vida. Toda informação que o cérebro humano capta vai sendo
fixada em diferentes graus, isto é, as mais importantes num determinado
momento da vida do sujeito se sobrepõem aquelas menos requisitadas.

O armazenamento dos vestígios fixados pela memória não arbitrária e arbitrária


não é um processo passivo. Ele ocorre com a ajuda de leis próprias e
específicas de cada processo, como por exemplo, a lei da semântica ou da
codificação da informação.

A reprodução dos vestígios memorizados de modo não arbitrário, ocorre ora


em forma de reconhecimento passivo dos objetos, ora em forma de evocação
ativa do vestígio.

Destacam-se algumas leis específicas que caracterizam a atividade mnésica.

a. Os modos de fixação dos estímulos variam de sujeito para sujeito.


Alguns apresentam facilidade para memorizar informações visuais,
outros têm propensão a uma melhor fixação das informações
somatossensoriais ou sonoras (verbal ou não verbal). Estas
habilidades pessoais, também se fazem presentes nas capacidades
mnésicas.

b. A atividade mnésica depende também do caráter da organização


semântica do material tanto verbal, como não verbal ou figurativo.

c. As várias etapas da atividade mnésica têm diferentes graus de


subordinação ao funcionamento arbitrário. As mais reguláveis são as
etapas de fixação, que podem ocorrer com ajuda de técnicas
especiais e a etapa da reprodução do material fixado. A etapa de
armazenamento do material fixado é menos dependente do controle
arbitrário.

Estas particularidades em relação a organização da atividade mnésica


arbitrária, é intrínseca nos casos de perturbações de lesões cerebrais locais.

Khomskaya (2003) destaca que a memória não possui um único lócus e


diferentes estruturas cerebrais, estão envolvidas na aquisição, armazenamento
e evocação das diversas informações adquiridas por aprendizagem.

5.2 Comprometimentos da memória

Khomskaya (2003) refere que o esquecimento é um processo natural, não uma


falha, sendo um mecanismo de limpeza, que tenta evitar uma sobrecarga de
retenção de dados e que vez ou outra nos deixa na mão deletando informações

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importantes, mas claro que pode haver defeitos no sistema de esquecimento


por falta, amnésia ou alterações por excesso de armazenamento que provoca
confusão nas informações, hiperminésia.

A hipoamnésia ou enfraquecimento da memória pode estar relacionado com


alteração da idade ou surgir como consequência de doença cerebral qualquer,
como esclerose vascular cerebral.

As paramnésias caracterizam-se por estados específicos em que o sujeito tem


a sensação de “reconhecer” objetos nunca vistos antes. Estes enganos de
memória são resultados das alterações do estado da consciência descritas
como estados de déjà vu.

A hipermnésia é a exacerbação da memória, ou seja, o aumento abrupto do


volume e solidez do material de memorização em comparação com os
indicadores médios normais. Existem casos de hipermnésia cognitiva, descritos
por Luria (1981) como na sua publicação “Pequena Brochura sobre a Grande
Memória” (1968), em que narra a história de um homem com uma memória
mecânica excepcional em estreita interação com os diferentes tipos de
sensações (cinestesias). As hipermnésias também são possíveis de ocorrer em
caso de lesões locais do cérebro, como por exemplo, caso de focos hipofisários
que interagem nas estruturas médias do cérebro.

Outro grupo específico de anomalias da memória são as amnésias, que se


caracterizam por significativa diminuição ou inexistência de memória. Entre os
diferentes tipos de amnésia um grupo à parte é o das amnésias que surgem
em caso de lesões cerebrais locais.

O resultado das investigações neuropsicológicas das perturbações da memória


realizadas por Luria e seus colaboradores (1981) mostram que a organização
cerebral dos processos mnésicos se subjuga àquelas mesmas leis que as
outras formas de atividade psíquica cognitiva e que as diferentes formas e elos
desta atividade têm, respectivamente, diferentes mecanismos cerebrais.

O autor destacou dois tipos principais de perturbações da memória, amnésia


anterógrada e retrógrada, assim como um tipo especial que pode ser
designado por perturbação da atividade mnésica ou pseudoamnésia.

Na pseudoamnésica remete-se as perturbações modalmente não-específicas


da memória, ou seja, que não são exclusivas da memória. Temos aqui todo um
grupo de fenômenos patológicos heterogêneos por sua especificidade e que
possuem em comum a má fixação da informação de qualquer modalidade.

Surgem em caso de lesões de vários níveis das estruturas médias não-


específicas do cérebro (Primeiro Bloco Funcional). Dependendo no nível de
lesão nessas estruturas, as perturbações não-específicas da memória terão
características diferentes.

Em caso de lesão ao nível do bulbo raquidiano do tronco cerebral, as


perturbações se manifestam na forma da síndrome das perturbações da
consciência; da atenção e do ciclo sono vigília. Essas perturbações da

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memória são típicas de lesões traumáticas do cérebro no primeiro bloco


cerebral como já referenciado e, são descritas como amnésia anterógrada ou
retrógrada que acompanham o trauma.

A amnésia anterógrada tem como maior sintoma a diminuição da capacidade


de consolidar novos conhecimentos, apesar do sujeito ainda ser capaz de se
lembrar de fatos ocorridos no passado anterior ao trauma. O sujeito perde a
noção de familiaridade, por não conseguir relacionar o presente com o passado
déjà vu. Dependendo da gravidade do caso, um portador de amnésia
anterógrada ainda será capaz de absorver conhecimentos através de
processos repetitivos e mecânicos, processos estes que envolvem a memória
implícita. Porém existem casos extremos nos quais a memória presente do
sujeito com comprometimento dura poucos segundos.

A amnésia retrógrada tem sintoma oposto ao da amnésia anterógrada. O


portador perde a memória do seu passado, porém é capaz de aprender
normalmente após o trauma que provocou a amnésia. A perda de memória
pode ter diversos níveis de gravidade, dependendo das regiões cerebrais que
foram atingidas. Como a memória de longa duração está espalhada ao longo
de todo o cérebro, a perda costuma ser parcial.

Normalmente a perda de memória se dá para fatos mais recentes, pois quanto


mais tempo se passa, mais consolidada fica uma informação no cérebro.

A amnésia global transitória é uma combinação dos dois tipos já descritos, e


normalmente acompanha os seguintes passos:

- Primeiramente, há um surto de amnésia anterógrada, que dura de alguns


minutos a alguns dias;

- Após o surto, segue-se uma amnésia retrógrada para eventos recentes


anteriores ao trauma.

Esse tipo de amnésia é difícil de ser identificado, devido à falta de causas


consistentes. Normalmente é disparada por enxaquecas, isquemias
transitórias, uso de drogas ou fármacos. Há relatos de sujeitos que adquiriram
amnésia global transitória devido a stress, banhos frios ou relações sexuais, já
que todas essas podem diminuir o fluxo sanguíneo no encéfalo. Porém os
prognósticos de recuperação são bastante favoráveis.

A amnésia dissociativa ou psicogênica, que ainda é chamada de psicológica,


provém de síndromes emocionais ou traumas, sendo normalmente de caráter
temporário. Sua característica essencial é a incapacidade de recordação de
fatos pessoais importantes, constituindo lacunas na história pessoal do sujeito.

Pode acontecer de parte da memória ser perdida, principalmente no que se


refere ao trauma, isso é muito comum acontecer em sujeitos que se
automutilaram, que sofreram ataques violentos ou que tentaram se suicidar. A
amnésia funciona como uma proteção que o sujeito constrói para diminur o
sofrimento.

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Lesões ocorridas no diencéfalo, mais precisamente na hipófise, ou seja,


doenças hipofisárias ocasionam perturbações distintas da memória com uma
série de especificidades, mas acima de tudo está comprometida a memória de
curto prazo. O prejuízo que ocorre na memória de curta duração provém do
mau armazenamento dos registros, devido a mecanismos de interferência que
age sobre os mesmos.

Estes mecanismos de interferência ou distratores provocam uma elevada


inibição dos vestígios que seriam armazenados pela memória de curta
duração. Estudos realizados por Scoville, Milner e Penfield (Scoville 1954;
Scoville e Milner; Penfield e Milner, 1958; Milner, 1958; 1962; 1966; 1968;
1969; 1970 apud Khomskaya, 2003) mostraram que lesões bilaterais do
hipocampo não interferem com processos gnósticos superiores, mas perturbam
substancialmente a capacidade geral do sujeito para fixar traços de
experiências atuais e levam a distúrbios de memória semelhantes os da
clássica Síndrome de Korsakov, ou seja, a perda de memórias de curto prazo,
devido a lesões provocadas no tálamo medial, nos corpos mamilares do
hipotálamo causando uma atrofia cerebral generalizada.

Trata-se de uma desintegração grave da memória aos acontecimentos atuais,


por outro lado, a memória de longa duração mantém-se preservada, isto é, a
memória a acontecimentos que tiveram lugar num passado longínquo. Os
sujeitos portadores desta perturbação também mantêm preservados os
conhecimentos profissionais, por exemplo recordar do que lhes aconteceu
durante a guerra, onde estudaram etc. Na sua forma expandida, esta síndrome
surge quando há lesão das estruturas hipocampais de ambos os hemisférios.
No entanto, a lesão unilateral da região do hipocampo já é suficiente para que
surja um quadro patológico de perturbações acentuadas da memória de curta
duração. Uma forma singular da Síndrome de Korsakov são as perturbações
da memória, combinadas com perturbações da consciência (alucinações)
realidade com a qual nos deparamos frequentemente nas doenças psíquicas.

Um fato interessante é que tanto na Síndrome de Korsakov como na lesão


diencefálica do cérebro, a fixação e a reprodução imediata do material
registrado, não é tão má como se supunha inicialmente (Luria, 1974, 1976
apud Khomskaya, 2003). Os sujeitos conseguiam às vezes reproduzir
corretamente 4 ou 5 elementos de uma série de 10 palavras, imediatamente
após sua primeira apresentação, no entanto, bastava uma pausa “vazia” ou a
interferência de algum distrator, para os vestígios se “apagarem”. Outra
particularidade está relacionada com os processos de compensação do defeito.

Nos casos de lesões diencefálicas, a memorização do material melhora, se o


sujeito estiver particularmente motivado com o resultado do seu desempenho
ou se o material a ser apresentado estiver estruturado semanticamente. Com
estas condições, foi observado nestes sujeitos uma reserva de compensação
do defeito. Já na Síndrome de Korsakov, mesmo que haja as conduções
favoráveis descritas acima, não há “reserva” para a compensação do defeito.
Convém assinalar que se observa muitas vezes nestes sujeitos, confabulações,
ou seja, leves sintomas de perturbação da consciência, o que faz com que as
perturbações da memória desencadeiem neles uma forma singular da
Síndrome de Korsakov, como já citado anteriormente.

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As áreas inferiores dos lobos frontais do cérebro lesam-se com relativa


frequência por tumores de diferentes etiologias. Muitas vezes, verificam-se
focos mistos ínfero-mediais da lesão. No geral esses sujeitos desenvolvem
perturbações da memória também modalmente não específicas, principalmente
da memória de curta duração que sofre a influência dos mecanismos de
interferência ou distratores, provocando uma elevada inibição dos registros.

A estas perturbações, muitas vezes, se associam transtornos da memória


semântica ou da memória para noções logicamente coesas que podem
desencadear o aparecimento de perturbações da consciência na forma de
confabulações, sinalizando um estado agudo da doença.

Os transtornos da memória semântica manifestam-se de forma significativa no


momento da seleção e reprodução dos vestígios, observa-se parafasia
semântica ou fonológica, por exemplo e, dificuldade do sujeito para reproduzir
de forma sequencial e lógica uma história, fábula, ou qualquer outro texto, com
coesão lógica do que acaba de ser lido.

A instabilidade das ligações semânticas nestes sujeitos manifesta-se não só


nos exercícios de memorização de material logicamente coeso, como citado
acima, mas também na resolução de diferentes tipos de exercícios intelectuais
que envolvam analogias, definição de acontecimentos (noções), etc. A
perturbação ocorre, pois o sujeito não consegue realizar a integração das
informações que chegam das áreas mais complexas para que estas possam
ser executadas de forma adequada.

Nesta categoria, os sujeitos, demonstram que também estão comprometidos os


“processos de mediação” do material memorizado, o que surge também como
uma especificidade das perturbações da memória em caso de lesões ínfero-
mediais dos Lobos Cerebrais Frontais.

As perturbações modalmente específicas da memória remetem-se as


perturbações da memória visual, áudio verbal, musical, tátil, motora e outras.
Surgem em consequência de lesão nos diferentes sistemas analisadores, isto
é, do segundo e do terceiro bloco funcional do cérebro e concomitantemente a
estas, poderão surgir defeitos gnósticos, ao contrário dos transtornos mnésicos
modalmente não específicos, que ocorrem diante de lesão no primeiro bloco
funcional. Observa-se então, a importância do 1º bloco para que toda esta
estrutura dinâmica possa evoluir de forma sistêmica, ou seja, a ativação do
tônus e a atenção involuntária, que tem papel fundamental para o
desenvolvimento harmônico dos diferentes analisadores.

No entanto, não são raras às vezes em que estas perturbações do


funcionamento dos sistemas analisadores se estendem só aos processos
mnésicos, mantendo as funções gnósticas preservadas.

A forma mais estudada são as perturbações da memória audio verbal que se


apresentam através da afasia acústico-mnésica. As lesões que ocasionam esta
perturbação ocorrem na parte posterior-inferior do Lobo Temporal. Sujeitos
com esta afasia tem dificuldades para reter palavras em série, embora
consigam reter palavras isoladas e repeti-las minutos depois, esses sujeitos

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não conseguem reter uma série curta de palavras faladas, sendo capazes de
reter apenas a primeira ou a última, na maior parte dos casos. O defeito da
memória áudio verbal surge de forma isolada. Na fase aguda, após o
surgimento da condição afásica, o sujeito pode apresentar dificuldade de
compreender a fala de outras pessoas, mas em geral, esse sintoma
desaparece rapidamente. Neste caso a audição está preservada, as parafasias
estão ausentes e a escrita também é mantida. O que aponta para a
possibilidade de lesão só do nível mnésico do sistema audio verbal.

Na forma óptico mnésica de afasia, a memória visual fica de certa maneira


comprometida e os sujeitos não conseguem dizer os nomes dos objetos que
lhes são apresentados (anomia), embora compreendam perfeitamente o seu
objetivo funcional e tentem descrevê-los através de gestos, interjeições, etc.
Nestes casos está comprometido o nível mnésico do funcionamento visual ou
visuo verbal.

As perturbações da memória áudio verbal e visuo verbal são típicas de lesões


do hemisfério esquerdo. As lesões do hemisfério direito são inerentes a outras
formas de transtornos modalmente específicos da memória. Nestes casos as
perturbações da memória auditiva estendem-se principalmente à memória não
verbal, musical e surgem as amusias, nas quais se unem defeitos gnósticos e
mnésicos.

As perturbações da memória visual surgem em relação a objetos concretos não


verbalizáveis, como por exemplo, a capacidade de reconhecer rostos,
prosopagnosia, unindo defeitos gnósticos e mnésicos.

Existem formas especiais de perturbações da memória decorrentes de lesões


nos lobos parieto-ocipital do hemisfério direito, chamadas de perturbações da
memória espacial e cromática, que decorrerão de um background de gnose
espacial e cromática preservada (experiências e conhecimentos passados).

A agnosia espacial é uma agnosia visual em que há a incapacidade de se


orientar no espaço, de avaliar corretamente a localização de objetos, a
distância deles e entre eles e dos seus relevos.

Agnosia cromática é a dificuldade de reconhecer as cores ou associá-las ao


seu nome. A agnosia da cor é um tipo de agnosia visual. Há uma incapacidade
de nomear e designar cores que não está vinculada a cegueira da cor ou
daltonismo. A agnosia da cor é devida a uma lesão nas áreas visuais
associativas do cérebro, principalmente no giro lingual e fusiforme dos dois
hemisférios cerebrais, sendo o giro fusiforme, a região crítica para este
transtorno.

Outra forma de perturbação mnêmica que se destaca, principalmente nos


estudos da neuropsicologia, é a pseudo-amnésia. A pseudo-amnésia é uma
perturbação da memória decorrente de lesões frontais do cérebro, do Lobo
Frontal esquerdo ou de ambos os lobos frontais. Os sujeitos com este
comprometimento tem um grave prejuízo em suas funções executivas diárias,
logo em sua estrutura psíquica consciente.

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Khomskaya (2003) destaca experiências realizadas que mostraram a memória


não arbitrária ou elementar destes sujeitos preservadas, não havendo
comprometimento nas funções primárias do cérebro (1º bloco funcional), mas
nas funções mais complexas (2º e 3º bloco funcional), na organização geral de
qualquer atividade psíquica arbitrária ou superior.

Sujeitos com lesão frontal, principalmente em casos de lesão bilateral dos


lobos frontais, não apresentam apenas pseudo-amnésias, mas também outros
pseudos defeitos como a pseudo-agnosia visual, auditiva, tátil, etc., isto é,
todos relacionados com a desintegração de qualquer atividade cognitiva
arbitrária (superior).

Os transtornos mnésicos comprometem de forma substancial a qualidade de


vida do sujeito. Podem ser decorrentes de vários comprometimentos ou lesões
como já referido neste capítulo, alcançando seu nível mais severo, nos quadros
demenciais.

De acordo com a definição do DSM IV- TR (2003), demência significa a


presença de déficits cognitivos múltiplos, adquiridos e persistentes que incluam
o déficit de memória e o comprometimento de pelo menos outro domínio
cognitivo (afasia, apraxia, agnosia ou disfunção executiva). Estas alterações
devem ser suficientes para causar comprometimento nas atividades de vida
diária do sujeito.

A maioria dos quadros de demências, leva a um comprometimento patológico


tanto de estruturas corticais quanto subcorticais. É possível relacionar alguns
tipos de demência quanto o predomínio de características relacionadas a
alterações nas funções de estruturas corticais ou subcorticais.

As demências subcorticais caracterizam-se por declínio cognitivo de


intensidade leve a moderada e a presença de sintomas relacionados à
lentificação psicomotora e comprometimento da memória frontal, além de
sintomas como apatia e depressão. É comum a presença de alterações
motoras como disartria e sintomas extrapiramidais. As alterações patológicas
são encontradas no estriado e tálamo. Alguns exemplos são a paralisia
supranuclear progressiva e a demência relacionada à Doença de Parkinson.

As demências corticais caracterizam-se por declínio cognitivo com predomínio


de alterações cognitivas como afasia, apraxia, agnosia, associados a
alterações de memória de reconhecimento, de evocação e memória semântica,
no entanto, não é comum a presença de sintomas depressivos e alterações
motoras, como o que ocorre nas demências subcorticais. As alterações são
predominantes nas áreas de associação, do segundo e terceiro blocos
funcionais, destacando-se a Doença de Alzheimer, a Demência Fronto-
Temporal e a Demência por Corpúsculo de Lewy.

Este capítulo não tem como objetivo explorar os quadros de demências em sua
amplitude, mas nortear através do exposto acima, como estes se caracterizam
e se diferenciam.

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A constituição da memória, assim como das demais funções psicológicas na


sua complexidade, depende, fundamentalmente, da interação com as pessoas
e da orientação que a criança recebe. Vygotsky e Luria (1996) deixam claro
que a simples manipulação dos objetos nem sempre leva às associações que
se fazem necessárias. É preciso intervir, no sentido de mostrar à criança as
relações nas quais a memória do adulto se apoia, bem como todas as funções
superiores, para que estas possam se desenvolver de forma harmônica e
orquestrada.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

DSM-IV-TR - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4


ed.rev. Porto Alegre. Artmed, 2003.

KHOMSKAYA, E.D. Neuropsicologi, Moscou: Editora Zao Piter, 2003.

LURIA, A. R. Fundamentos da Neuropsicologia. São Paulo: Editora da


Universidade de São Paulo, 1981.

MIOTTO, E. C., DE LUCIA, C. S., SCAFF, M., organizadores. Neuropsicologia


e as Interfaces com as Neurociências. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.

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CAPÍTULO 6 –ORIENTAÇÃO

Beatriz Cianga Ramiro

Para compreendermos o processo de constituição da orientação do homem,


veremos que não depende apenas do desenvolvimento biológico, e sim,
também por intermédio da constituição do social, pela relação que estabelece
com meio que são elementos importantes no processo de desenvolvimento da
orientação pessoal, espacial e temporal e permitirão a construção do sujeito.

Este capítulo apresentará o desenvolvimento da função nervosa elementar da


orientação, de acordo com os blocos funcionais do modelo proposto por Luria,
para compreender como se dará o processo de desenvolvimento e constituição
desta função nervosa superior e, ainda como se organiza nestes sistemas e
blocos funcionais, para ao final destacarmos as principais disfunções e lesões
relacionadas à orientação.

A orientação está diretamente relacionada à capacidade do sujeito situar-se


quanto a si mesmo e no ambiente no qual está inserido, sendo uma das
funções principais da atividade mental consciente do sujeito, que necessita da
integração da atenção, percepção e memória.

6.1. A orientação como função nervosa elementar e a sua constituição


como função nervosa superior

Para entendermos o desenvolvimento da orientação quanto função nervosa


elementar que se constitui em superior, precisamos compreender a própria
evolução do homem, tanto biológica quanto histórica e cultural, e ainda, o
desenvolvimento individual que construirá a personalidade a partir da influencia
de diversos fatores, deste modo, a orientação desde a infância até a vida
adulta terá características e peculiaridades distintas em cada fase do
desenvolvimento segundo Vygotsky e Luria (1996).

A criança apresenta mudanças constitucionais que são singulares a cada etapa


do seu desenvolvimento, como, por exemplo, as alterações entre sono e vigília.
O bebê ainda está em fase de constituição de sensores que o conectarão ao
meio externo, como os órgãos de percepção sensorial que ainda não estão
desenvolvidos plenamente. As percepções de tempo e de espaço ainda são
rudimentares e indiferenciadas, pois este tipo de percepção se desenvolverá
apenas tardiamente.

Vygotsky e Luria (1996) descrevem que no início o bebê apresenta apenas


aparato de reações a sensações de frio e calor, tensão e calma, de dor e
tranquilidade, emitindo respostas através das sensações captadas, utilizando a
primeira unidade funcional. Os autores destacam que a criança pequena,
desprovida da percepção do espaço, pode esticar os braços para tentar
alcançar um pássaro no céu, ou encolher-se quando escuta uma turbina de
avião temendo que o barulho a atinja, pois até os quatro anos de idade, ainda
não foram desenvolvidas as noções de profundidade, perspectiva e distância.

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Portanto, nesta etapa, o meio é ainda mais facilmente percebido através das
mãos, do próprio toque de objetos a materiais concretos, até que possa
desenvolver estruturas mais complexas que permitam a criação de
representações internas destes.

Vygotsky e Luria (1996) distinguem três fases do desenvolvimento da


percepção espacial, primeiro relacionada às funções de alimentação (boca),
segundo pelas funções táteis (mãos) e posteriormente pelas funções visuais do
espaço (visão). O desenvolvimento da percepção ocorre tardiamente, bem
como, os estados de constância de tamanho, independente da distância que se
apresente o objeto não modifica suas dimensões, mas na percepção infantil o
mundo ainda é instável e variável, assim como a preservação da imagem no
campo visual da criança, mesmo que a imagem tenha sido retirada, esta ainda
consegue visualizar o objeto em sua frente, misturando a realidade com a
fantasia.

Então juntamente com o desenvolvimento da percepção do espaço ocorre o


desenvolvimento da orientação espacial, em que as percepções externas se
misturarão com as imagens preservadas de experiências anteriores, deixando
de lado a invariabilidade, a instabilidade.

Os autores ressaltam que para a criança não está bem definida a distinção
entre o que é realidade e o que é fantasia, pois ainda são funções muito
elementares. Até o desenvolvimento da orientação pessoal, a criança ainda
está dissociada do mundo, concentrada apenas em si, necessitando que outro
mais experiente lhe mostre a realidade externa, como referenciado nas crises
psicológicas.

Ajuriaguerra (1972) descreveu que a evolução da criança é sinônimo de


conscientização e conhecimento de seu próprio corpo, pois é através dele que
a criança elabora suas experiências vitais e organiza sua personalidade. A
noção de corpo envolve componentes visuais, táteis, sinestésicos, auditivos e
linguísticos, uma composição única de memórias e experiências distribuídas
pelo corpo, que de acordo com Luria corresponde as funções associativas da
segunda unidade funcional.

A estruturação espaço temporal emerge juntamente com a motricidade, nos


primeiros ensaios de locomoção (situado em regiões posteriores de terceiro
bloco), na exploração do ambiente (a partir da relação com os objetos)
localizados no espaço e, da posição relativa que ocupa o próprio corpo (peso e
consistência). Inicialmente estas relações de posições e direções espaciais são
ainda egocêntricas necessitando de relações e direções espaciais concretas,
como descreve Fonseca (1995).

A orientação trata do próprio conhecimento e da inserção do sujeito no meio


espacial e temporal, para isto depende de uma adequada atenção, percepção,
memória e capacidade de integração das informações e estímulos percebidos.
Distingui-las, portanto em orientação pessoal, espacial e temporal, permite
verificar diferentes participações de aspectos neuropsicológicos que interferem
nestas atividades mentais superiores.

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A orientação está diretamente relacionada à capacidade de percepção visual


(córtex occipital), deste modo, componentes receptores são tão essenciais
quanto componentes efetores motores, pois dependem da análise, codificação
e verificação da atividade perceptiva, que segundo Luria (1981), a criança
realiza o reconhecimento de objetos novos e ainda não familiares, somente
após a nomeação do outro que permitirá a identificação destes.

A palavra transforma a ação do apontar e nomear do adulto e, por conseguinte,


o reconhecimento e internalização da criança, numa relação que é mediada
pela linguagem, agrupada em uma estrutura complexa que são aplicadas nesta
relação, Vygotsky (1995).

O desenvolvimento da criança ocorrerá através do processo de internalização


dos objetos, experiências vividas e relações que estabelece, através da
mediação e a construção do significado e atribuição do sentido da palavra,
permitindo o desenvolvimento de funções mais complexas.

Portanto, o desenvolvimento da orientação depende de uma complexa


integração de atividades perceptivas primárias e secundárias de análise visual,
que permitem a combinação e conexões que realizam sínteses a partir das
pistas visuais, constituindo o reconhecimento de objetos e do espaço no qual
está inserido e, de modo dialético, permitem a organização espacial, mesmo
que de forma elementar e, constroem as coordenadas espaciais de um
ambiente já conhecido, reproduzido internamente. Necessitam também da
participação de zonas parietais inferiores (parieto-occipitais) do segundo bloco
funcional de Luria, de ambos hemisférios, que conferem à orientação espacial
habilidades tridimensionais, importantes para a formação de perspectiva e
profundidade, estabelecimento de relações complexas que proporciona o
sujeito localizar-se no espaço e estabelecer direções.

Como descreve o referido autor, a estrutura da percepção visual de um


estímulo óptico complexo é formada pelo exame do objeto, distinção de suas
características essenciais, estabelecimento de relações entre estas
características e por fim integração destas informações. Quando um destes
processos é alterado, a percepção do ambiente e espaço também se altera.

Verifica-se que a estruturação da orientação está na segunda unidade


funcional do modelo de organização cerebral de Luria, principalmente nas
áreas secundárias e terciárias do lobo parietal, que estabelecem a integração
cortical de dados captados pela percepção, de sistemas visuais e sistemas
auditivos (Fonseca, 1992). Esta estruturação envolve a motricidade, pois
depende da relação com os objetos vistos no espaço, da posição que ocupam
em relação ao próprio corpo e, está implicada nos processos afetivos e
construção da realidade.

A orientação pessoal resulta de informações obtidas de dados visuais, motores,


táteis, sinestésicos bem como de informações proprioceptivas recebidas pela
primeira unidade funcional, que ascendem ao córtex. A partir da recepção,
análise e armazenamento das informações que o corpo recebe estrutura a
consciência de si no espaço, baseada nas experiências vividas pela mediação
social. Portanto, esta noção primeiramente é intuitiva, na elaboração da

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construção da auto-imagem sensorial interior para posteriormente uma noção


elaborada de si. Conforme Luria (1981) constrói se primeiramente a noção do
próprio eu, até a constituição da própria identidade.

A orientação pessoal resulta das projeções especificas de áreas primárias, em


áreas gnósticas corporais (somatognósticas) que são elaboradas e
armazenada nas áreas secundárias do parietal.

Deste modo, para Luria (1981) os conceitos e noções de orientação e


representação, dependem de abstrações e generalizações, que permitirão
contextualizar o que é percebido e o que é real, transformando a perspectiva
de lugar, noção de pertencimento, identificação no espaço e relação com este,
permitindo que a criança compreenda a sua família, escola, comunidade,
cultura, cidade e sociedade.

Desenvolver noções de espaço e tempo auxilia a compreender o meio em que


vive e o grupo com o qual se relaciona, distinguindo o que é real e o que é
artificial, por exemplo, o espaço vivido pode ser então entendido como forma
de representação gráfica, a criança pode desenhar uma paisagem sem
precisar necessariamente estar nela, mas só conseguirá fazê-lo com
competência se já tiver vivido ou visto por outra pessoa. Somente mais tarde a
criança desenvolverá noções de alto, baixo, perto, longe, dentro, fora, ontem e
hoje e diferenciação da duração de tempo, entre dias, meses e anos,
reformulando as ideias que possui e se reorganizando nas tarefas do dia a dia,
mesmo que sejam através das brincadeiras lúdicas e prazerosas, como
ressalta Rego (2003).

Dependemos da orientação espacial para nos situarmos no meio em que


vivemos, podendo estabelecer relações, comparações, distinções, sem perder
ou distorcer o modo como recebemos estas informações. Deste modo verifica-
se que a representação do espaço depende da noção da representação
pessoal, pois a criança se usará inicialmente como ponto de referência, através
da exploração motora de manuseio e locomoção, apreende o espaço na qual
está inserida, para fazer distinções entre situações, tamanho, posição, formas,
superfícies, quantidades, volumes, entre outras características, até passar a
escolher outros pontos de referência que não ela mesma, podendo então,
prever, antecipar e transpor sobre outros objetos, desenvolvendo
conjuntamente a noção de orientação temporal, como ressalta Fonseca (1995).

No entanto, a orientação pessoal segue uma hierarquia estrutural de


referências sensoriais interiorizadas e adaptativas, por meio da relação com
seus cuidadores, integrando ainda aspectos afetivos, singulares, subjetivos e
de identificação.

Como descreve Fonseca (1995), trata-se de um sistema funcional complexo,


que resulta de interações simples às mais elaboradas, bem como,
transformações corticais e de representações, que por ele o sujeito passa a
reconhecer-se, atribuir um sentido e um significado, constituindo a
personalidade. Esta integração está na base da constituição das funções
nervosas superiores e, portando, a orientação pessoal permitirá a comunicação

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do corpo com o ambiente, pois dela emerge uma representação mental que em
si é um marco de referência no estabelecimento de relações com o externo.

Esta noção si dependerá de informações adquiridas como tamanho, peso,


envolvimento com objetos e com os outros, noção de gravidade e lateralização,
para adequada elaboração e programação de atividades, sendo fundamental a
identificação e localização tátil do corpo para organização da orientação.

O autor ressalta ainda

“A noção do corpo por conseguinte, compreende uma representação


mais ou menos consciente do nosso corpo, dinâmica e postural,
posicional e espacial, que encerra o revestimento cutâneo que nos põe
em contato com o mundo exterior. Encerra a formação de um processo
psicológico cujo substrato neurológico advém dos dados sensoriais, que
da superfície e da periferia viajem até o cérebro e ai se organizam num
modelo plástico integrado no córtex parietal” (Fonseca, 1995, p. 185)

As funções de estruturação da orientação espacial e temporal estão integradas


nas funções associativas da segunda unidade funcional do modelo proposto
por Luria, envolvendo regiões posteriores do córtex, análise, processamento e
armazenamento da informação, integrando informações captadas pelo córtex
occipital e temporal.

A estruturação advém da relação que se estabelece entre o corpo com os


objetos do espaço, a posição deste em relação ao ambiente e a integração de
funções de equilíbrio, lateralização e orientação pessoal de acordo com a
hierarquização dos sistemas funcionais.

“Partindo da dimensão intra-espacial, a criança vai ontogeneticamente


elaborando uma dimensão extra e interespacial, apropriando-se
obviamente de sistemas mais complexos e distanciados da sua própria
localização”. (Fonseca, 1995, p. 203)

A orientação espacial depende da noção de espaço, resultante da integração


das informações sensoriais e motoras, bem como da aquisição de dimensões
espaciais, como perspectiva (noções de distância, posição e profundidade),
acomodação (estabelecimento do foco), convergência (coordenação óculo-
motora), tamanho, deslocamento (velocidade aparente e extensão do objeto no
campo visual), textura e postura (sistema vestibular). Uma estruturação
espacial adequada permitirá estabelecer a relação a partir do próprio corpo,
com a locomoção e percepção, até a representação do espaço que cada um
ocupa. Pela movimentação é que se pode estimar a distância de deslocamento
no espaço, a partir da interpretação de informações vestibulares, táteis
sinestésicas, proprioceptivas e exterioceptivas, que permitem a comparação
entre a o objeto estável (o próprio corpo) com relação ao que se locomove.
Ressalta-se ainda que as percepções visuais levam informações mais rápidas
do que as percebidas pela motricidade e pelo tato, na estimação do espaço,
permitindo a estruturação, organização e dimensionamento deste.

Verifica-se a participação de ambos hemisférios, a partir da mielinização do


corpo caloso, realizando a transferência funcional inter-hemisférica das

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relações espaciais concretas às relações simbólico-verbais segundo Fonseca


(1995).

Portanto, quanto à orientação, nesta etapa devem-se às complexas relações


entre direção e estabelecimento de coordenadas (em cima, embaixo, direita e
esquerda) que dependem da percepção visual simultânea de análise e síntese
vestibulares e estímulos sinestésicos, que permitam a construção da imagem
visual e representação simbólica, por isso verificam-se participações de zonas
temporais e até mesmo habilidades frontais, que possibilitam explorar a síntese
espacial e temporal desde a atividade construtiva à realização de operações
intelectuais no espaço. (Luria, 1981)

A orientação temporal está relacionada à estruturação rítmica relacionada à


memória de curto prazo e reprodução motora, que permite a sequencialização
e sincronização de acontecimentos, nas quais o sujeito começa a estabelecer
sua localização no tempo e preservação das relações entre eles,
estabelecendo a consciência de intervalos de tempos curtos e longos e, a
mudança implicada de si entre eles, por exemplo, verifica o crescimento a partir
da passagem de tempo, de um ponto de vista gnóstico (reconhecimento) e
práxico (realização), de acordo com Fonseca (1992).

Deste modo, a orientação temporal constitui elementos que fornecerão bases


para o pensamento relacional, capacidade de organização e ordenação,
sequencialização, representação e estruturação espaço-temporal,
quantificação e categorização, capacidade de retenção do passado, integração
do presente e antecipação de eventos futuros (Fonseca, 1992). A orientação
temporal fornece além de dados da localização dos eventos no tempo, como a
preservação da relação entre eles.

Nesse sentido a orientação pessoal, temporal e espacial é fundamental aos


processos de aprendizagem e de comunicação verbal e não-verbal, sendo
estas condições necessárias para o funcionamento mental superior.

6.2. Comprometimentos da orietanção pessoal, temporal e espacial

Conforme já descrito no primeiro capítulo deste livro, quando as relações


interpessoais são instáveis ou insuficientes o sujeito não conseguirá
desenvolver-se adequadamente, permanecendo com o seu funcionamento
elementar baseado nas crises psicológicas iniciais.

Com a permanência na crise pós natal a criança vivencia a sensação de


desconforto e abandono que pode permanecer até a fase adulta, propiciando
os distúrbios do tipo confusional do comportamento, de acordo com Leal
(2010). Esse distúrbio ocorre devido às perturbações na comunicação dos
cuidadores para com a criança, pois é somente a partir da sucessiva repetição
e nomeação que ela poderá se reconhecer e entender que quando a chamam,
ou quando os outros falam, é com ela que estão se comunicando, o que
permitirá a construção da própria imagem, sendo este o princípio da orientação

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pessoal, que possibilita a criança se perceber e se posicionar no ambiente


como sujeito ativo.

A criança que apresenta dificuldades na comunicação, criam barreiras de


possíveis ligações associativas focando em um contexto mais particular não
partilhado. Não consegue se perceber e se colocar no ambiente, sentindo
dificuldade na noção corporal por não ter uma consciência bem definida de
onde está e onde se inicia e se encerra a realidade. Esse padrão de
comportamento denota em ações esteriotipadas que lhe sirvam de referência
para diminuir a sensação de desconforto, no entanto sentirá dificuldade em
abandoná-los quando colocado em uma relação contingente. Essas são as
características comuns em quadros de funcionamentos autísticos. Cabe
reesaltar que, se não ocorrer intervenções adequadas, esse padrão de
funcionamento permanecerá até a vida adulta.

Devido à variedade de componentes neuropsicológicos envolvidos na


orientação, nos casos de lesão cerebral, verifica-se alterações na funções da
primeira unidade funcional, desencadeando distúrbios de atenção e estado de
consciência e, as alterações das funções da segunda unidade funcional levam
as alterações de memória.

Em lesões corticais difusas, focais unilaterais e bilaterais, síndromes mnésicas,


demências ou estados confusionais, a orientação pessoal é mais estável do
que a de espaço e de tempo, pois pode ser representada a partir de evocação
de dados pessoais como, nome, idade e data de nascimento.

Segundo Peña-Casanova (1991) as orientações espacial e temporal estão


relacionadas à memória imediata, que dependem da habilidade de recordar
diferentes lugares e espaços pelos quais já percorreu. A orientação espacial
depende de uma adequada continuidade dos processos mentais superiores, de
percepção, análise e reconhecimento do entorno, assim como continuidade da
orientação temporal, já que os deslocamentos espaciais são realizados em um
determinado tempo. A orientação temporal é mais afetada em contextos de
demência, mas, em graus iniciais, a orientação temporal é mantida.

Já o estado de confusão da orientação está relacionado com anomalias nas


áreas frontais médias em proximidade do subcórtex, devido a distúrbios
metabólicos ou tóxicos, também muito comuns logo após traumas cerebrais
que podem acarretar em alterações na noção de tempo, datas, estações, ano,
local, identidade, acontecimentos diários dentre outros.

Lesões em qualquer zona que participam da atividade perceptiva espacial vão


ocasionar um distúrbio no complexo sistema de percepção, tanto de córtex
occipital (visual) até mesmo na participação das zonas parietais inferiores
(parieto-occipitais). Lesões em regiões parietais inferiores e parieto-occipitais
mantêm intactas as sínteses visuais, auditivas e de sensibilidade, mas
desenvolvem desordens na recepção, análise e integração das informações, o
sujeito não consegue compreender a própria posição no espaço e, ao tentar
compreender, ocorre informações desconexas e fragmentadas na orientação,
que acarretam em distúrbios na organização espacial da percepção, impedindo
o reconhecimento e construção de elementos e coordenadas espaciais,

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dificuldades na orientação de direita e esquerda e se orientar no espaço


circundante.

Distúrbio da excitação advinda das esferas visual, vestibular, sinestésica e


dominância lateral em zonas corticais terciárias, podem desencadear
dificuldades para se locomover e seguir a orientação de volta, posicionar
corretamente a roupa no corpo e até mesmo arrumar a cama, denominados
segundo Luria(1981), como distúrbios das sínteses quase espaciais.

Na análise de conduta em avaliação de orientação espacial, a partir da teoria


proposta pelo autor, verifica-se que sujeitos que não conseguem distinguir
elementos de uma figura quando esta imagem está espelhada, analisando de
forma incorreta a direção das linhas que a compõem, assim como cometer
erros ao retratar os ponteiros de um relógio, são indicativos de lesão das áreas
inferoparietais ou parieto-occipitais (terciárias). Quando não conseguem
identificar posições em um mapa, confundem pontos cardeais, como leste e
oeste, e suas posições relativas, mesmo de regiões familiares e conhecidas,
confundindo direções de direita e esquerda ao traçar um itinerário, são
indicativas de dificuldades na organização espacial, que podem estar
relacionadas à lesão das junções parieto-occipitais (terciárias). Os sujeitos
podem cometer erros e confusões nos planos horizontal, frontal e sagital,
sentindo dificuldade de reproduzir a posição das próprias mãos ou construir
uma figura de encaixe em uma posição precisa no espaço. Em tarefas que são
solicitados que o sujeito inverta mentalmente a relação espacial percebida da
figura, de modo que tenha a mesma relação para si, podem surgir a partir de
lesões tanto do hemisfério esquerdo quanto em hemisfério direito.

Os pacientes que comentem erro ao copiar ou estabelecer relações entre


imagens refletidas e ainda continuam cometendo erros impulsivos indicam a
possibilidade de lesões também de lobos frontais, de acordo com Peña-
Casanova (1991).

A noção de corpo ou a orientação temporal está associada à somatognosia,


que para Luria (1981) trata-se da noção que envolve a dimensão singular e
plural, na apropriação de aspectos inerentes da cultura e um instrumento
simbólico por excelência resultado da linguagem, pela diferenciação afetiva e
emocional, que permite a identificação do sujeito e seu instrumento de
aprendizagem. Para Peña Casanova (1991) essas disfunções são denominada
assomatognosias descritas como a perda ou alteração na capacidade para
identificar estímulos táteis, sinestésicos ou proprioceptivos, enviados a áreas
secundárias, onde ocorrem as análises, sínteses, retenções e integrações da
informações advindas das áreas primárias, prejudicam os processos
simultâneos, sequenciais, verbais e não-verbais, encaminhadas até áreas
terciárias, que realizam a associação multissensorial, que tem na sua origem a
aprendizagem experiencial e interação com o meio, com a cultura e com a
própria história, na qual o sujeito desenvolve, atribuindo sentido e significado a
sua existência podem ocorrer. Segundo Hécaen e Ajuriaguerra (1997 apud
Fonseca, 1995) além da assomatognosia poderá ocorrer a despersonalização.

“As perturbações da somatognosia traduzem um fraco conhecimento do


corpo, a que se juntam ambiguidades sensoriais, desintegração dos

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componentes proprioceptivos, alterações de representação óptica da


própria imagem do corpo, desorientação na localização das sensações
táteis, sensações de mudança, de dimensão e de peso dos membros do
corpo, sensações de rejeição e de negligencia, modificações
vestibulares e tônicas, sensações de desaparecimento dos membros do
corpo, sensações de imobilização, etc.” (Fonseca, 1995, p. 184).

Habitualmente, a orientação no tempo é a primeira a ser afetada, seguindo a


orientação no espaço e só casos mais graves verifica-se a desorientação
pessoal.

A orientação temporal exige um desenvolvimento mais complexo, pois depende


da integração de estímulos ambientais de forma mais elaborada, o que a torna
também mais fácil e rapidamente de ser prejudicada por transtornos mentais e
transtornos de consciência.

Os transtornos de orientação são frequentes em casos de lesões cerebrais, a


desorientação temporo-espacial é características de quadros psicorgânicos
com lesões corticais difusas e amplas, como por exemplo, Alzheimer, em
lesões cerebrais bilaterais, em lesões do sistema límbico, por exemplo,
síndrome de Korsakoff e, em patologias que afetam o sistema reticular
ascendente e tronco cerebral, comprometendo o nível de ativação cerebral
bem como a consciência.

Perturbações na orientação espacial comprometem o sentido, a orientação


topográfica e geográfica, avaliação de direção e distâncias, tanto para
estímulos visuais e táteis e estão mais relacionadas a estruturas corticais do
hemisfério direito. A localização de pontos no espaço está relacionada as
perturbações parietoccipitais. Lesões no córtex occipital associativo, ocasionam
déficits em captar elementos importantes de estímulos visuais e identificá-los
de acordo com Delgalarrondo (2000).

Alterações na orientação temporal comprometem a identificação da adequada


passagem do tempo, discriminação temporal e, ainda a capacidade de
apreender a dimensão de passado e futuro, são identificadas lesões em
circuitos hipocampais-límbicos e córtex frontal.

Na literatura de psicopatologia e semiologia de transtornos mentais,


Delgalarrondo (2000) identifica várias características de desorientação, como

a) desorientação por redução do nível de consciência ou desorientação


torporosa, na qual a consciência é alterada por turvação, que provoca,
alterações na atenção, concentração e capacidade de integração de estímulos
ambientais, deixando o sujeito desorientado quando a ordem e cronologia dos
fatos;

b) desorientação por déficit de memória de fixação, ou desorientação


amnésica, o sujeito não consegue reter na memória informações básicas como
o passar do tempo, deslocar-se no espaço, comum na síndrome de Korsakoff;

c) desorientação demencial ocorre a perda de memória, por falha no


reconhecimento do ambiente e desorganização de funções cognitivas;

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d) desorientação por apatia e/ou desinteresse profundo (desorientação apática


ou abúlica) devido a alterações de humor e volição, em indivíduos deprimidos,
que não investem energia ou atenção aos estímulos externos, portanto se
desorienta;

e) desorientação delirante com ideias e convicções intensas frutos do delírio,


também são comuns quadros de orientação dupla, na qual a orientação
imaginada coexiste com a real;

f) desorientação oligofrênica são comuns em quadros de graves déficits


intelectuais, por incapacidade ou dificuldade em compreender, reconhecer e
interpretar as regras sociais que orientam o indivíduo no mundo (calendário,
horários, etc.);

g) desorientação histérica são comuns em quadros de histriônicos grave,


associadas a perturbações na identidade pessoal;

h) desorientação por desagregação são comuns em pacientes psicóticos,


geralmente esquizofrênicos, em estado avançado, por falta de integração do
pensamento e atividade mental, interferindo na orientação de si e do ambiente;

i) desorientação quanto à própria idade que confere discrepância na idade real


a que é relatada, geralmente acima de cinco anos, observada como indicativo
clínico de déficit cognitivo em pacientes esquizofrênicos crônicos.

Portanto a orientação do homem trata-se de sistemas complexos e elaborados


que dependem de um concerto entre as zonas cerebrais que trabalham
coordenadamente, por esta razão lesões de qualquer uma das zonas
prejudicam a organização e funcionamento do sistema como um todo e
refletem em perturbações e defeitos nos sistemas de orientação pessoal,
espacial e temporal do sujeito.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CAPÍTULO 7- FUNÇÕES MOTORAS

Beatriz Cianga Ramiro

Neste capítulo será abordado a constituição das funções motoras a partir do


aparato biológico elementar, até a passagem para o funcionamento nervoso
superior, responsável pela execução dos movimentos e ações, denominadas
praxias, de acordo com os pressupostos da organização sistêmica e dinâmica
do sistema nervoso de Luria (1981).

Cabe ressaltar, que para o autor, as funções práxicas, estão diretamente


relacionadas à capacidade de explorar e apropriar-se do ambiente e são
responsáveis diretas pela relação que o homem estabelece com o meio
circundante, pois é através do ato motor, que o sujeito comunica-se, relaciona-
se, expressa suas intenções, vontade e executa seus planos.

Ao final serão descritas as disfunções das praxias, decorrentes do não


desenvolvimento adequado destas funções, bem como de lesões, destacando-
se as características mais marcantes destes comprometimentos observados no
comportamento dos sujeitos, pelos autores que serão referendados.

7.1. As funções motoras como função elementar e a sua constituição


como função nervosa superior

De acordo com Luria (1981), a organização do movimento e ação é resultado


da integração de inervações motoras e sua conversão em melodias cinéticas
flexíveis, o que envolve quase todos os componentes do sistema nervoso
central, desde as áreas basais, reponsáveis pelo tono e força muscular; as
áreas pós-centrais, que liberam os impulsos aferentes; as divisões occipito-
parietais, responsáveis pela coordenação visuo espacial; as áreas pré-motoras
que desempenham a função de organização dinâmica e os sistemas frontais,
que orientam a discriminação, planificação e controle dos movimentos, o que
denomina como praxias.

Até assumirem a forma de funções nervosas superiores que coordenam os


movimentos, as praxias, seguem um longo percurso no desenvolvimento de
cada sujeito, que segundo Vygotsky (1996) é resultante da relação dialética
que este estabelece com seu ambiente social e cultural e no dizer de Fonseca
(2010)

“A infinita variedade de comportamentos motores intencionais que o ser


humano conquistou ao longo da evolução é governada pelas ações
integradas dos vários sistemas motores do cérebro, desde os circuitos
medulares simples dos reflexos até os circuitos corticais
supercomplexos das praxias.” (p.171)

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Portanto, para Fonseca (1995) o comportamento motor intencional do humano,


é desenvolvido na relação com os outros humanos, a partir dos processos
elementares de origem biológica, que possibilitam a interação social e esta,
promove o aprendizado das habilidades e comportamentos comuns à cultura
na qual o sujeito está inserido, bem como as características da motricidade
humana

“Precisão do movimento, em paralelo com uma exata recepção e


localização sensorial. Cada animal tem a motricidade que sua
organização cerebral e sensorial lhe faculta. No ser humano a
motricidade decorre da adaptação arborial dos hominídeos ancestrais
de onde emergem as seguintes características antropomórficas:
desenvolvimento dos membros anteriores como órgãos de exploração e
de manipulação; desenvolvimento dos sistemas herbívoro e carnívoro
de digestão e consequentemente estrutura craniodental, redução do
sentido olfativo, desenvolvimento da atividade visual; mudanças no
esqueleto pós-craniano; desenvolvimento do cérebro pela
aprendizagem, linguagem e fabricação de instrumentos.” (p. 25)

De acordo com Fonseca (1995), o aparato biológico para o desenvolvimento


das praxias, desenvolve-se durante o período pré-natal e o primeiro ano de
vida do bebê. Observa-se, durante a quinta semana de gestação, a formação
da ponte, gânglios e nervos espinais; na sexta semana, a constituição do
hipotálamo e diferenciação dos hemisférios e arco-reflexo; na sétima semana,
a formação do tálamo, hipocampo, gânglios da base e reflexos espinais; na
décima semana a diferenciação do neocórtex e formação da medula espinal
sinalizando os primeiros movimentos fetais e na décima quarta semana as vias
sensoriais de áreas cerebelares. Dessa forma, as áreas motoras primárias, já
estão funcionais ao nascimento, o que possibilita os movimentos de sucção e
deglutição.

Após o nascimento, observa-se no primeiro mês, que o bebê demonstra


movimentos coordenados dos olhos em direção aos objetos e, posteriormente
passa a reconhecê-los e relacionar-se com o meio, mesmo que ainda de modo
primitivo.

Aos quatro meses, há a formação do arquicerebelo e os tubérculos


quadrigêmeos, assim como as primeiras camadas neocorticais, com
demarcação da fissura central, diferenciando os lobos frontais dos parietais.
Aos cinco meses é observado o processo de mielinização de vias espinais
dorsais, simultaneamente com a via piramidal. Aos seis meses ocorre a
mielinização de nervos cranianos e comissuras hemisféricas e aos sete meses
a mielinização espinocerebelosa, mesencefalicotâlamica e formação do
cerebelo, o que possibilita maior quantidade de movimentos, como por
exemplo o movimento de pinça, de oposição do polegar e indicador, porém só
próximo aos dois anos de idade a criança apresentará este movimento de
modo intencional, demonstrando o desenvolvimento das praxias finas, como a
habilidade de sustentar um lápis e utilizá-lo.

Aos três anos a criança já é capaz de fazer cópias de traços, empilhar objetos
e desenvolver o equilíbrio. A partir desta idade poderá coordenar movimentos

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de atirar objetos e chutar e, ampliam-se as habilidades visuomotoras, o que


possibilita apontar com precisão.

Fonseca (1995) observa ainda, que só apartir dos cinco ou seis anos é que a
criança irá apresentar dominância lateral de olhos, mãos e pés, pelo
desenvolvimento de novas conexões cerebrais, de regulação e ativação
cortical, o que possibilita a demonstração da capacidade de equilíbrio estático e
dinâmico, a verificação da necessidade ou não de utilização de apoios ao ficar
parado e ao locomover-se, subir escadas, manipular objetos e andar nas
pontas dos pés, conseguindo ficar apoiado em um único pé e realizar
movimentos dissociados de saltos, corridas e ultrapassar obstáculos.

Deste modo dos três aos seis anos, acontece o desenvolvimento dos atos
motores, associado ao desenvolvimento da fala e da linguagem, da escrita e da
leitura, pela maturação do aparato biológico, associado aos estímulos
ambientais e culturais e, dos sete aos oito anos, observa-se maior
desenvolvimento das regiões pré-frontais, lobos têmporo-occipito-parietais e
área somestésica-motora, bem como das regiões límbicas do córtex, o que
possibilitará a constituição da capacidade gnósico-práxica, possibilitando a
realização de atos motores simples mediados por sistemas aferentes auditivos,
como a reprodução de batidas, gestos simbólicos e sequências de postura,
tarefas que dependem de flexibilidade mental e controle dos impulsos pelo
córtex frontal, bem como a coordenação acústico-motora, que possibilita a
execução de atos motores, mediados por sistemas aferentes auditivos. Assim,
entre os sete e oito anos, já se verifica as zonas de intercomunicação entre
áreas auditivas-visuais-motoras, envolvendo a integração têmporo-occipito-
parietal e frontal, que se desenvolverão até a fase adulta.

Peña-Casanova (1991), classifica os atos motores com finalidade, para


realização de tarefas específicas, em: atos motores que tem finalidade
comunicativa (gestos simbólicos de fazer tchau, movimentos de ameaça e
etc.); atos motores com finalidade de uso (reprodução da mímica, de uso de
objetos reais) e atos motores com finalidade de construção (chegar ao todo a
partir de elementos distintos).

Para a análise dos sistemas funcionais motores, verifica-se a complexidade de


movimentos voluntários que exigem determinado tono muscular e condições
básicas para que aconteçam, como impulsos cinestésicos aferentes que
dirigem o impulso motor para o controle do movimento. De acordo com
Fonseca (1992), para a execução do ato motor, também é necessário
adequado sistema aferente óptico espacial, que permite a construção de
coordenadas do espaço externo (frente, atrás, cima, baixo, direita, esquerda,
longe e perto), regulados pela linguagem.

O autor ainda ressalta a praxia fina, pertencente a terceira unidade funcional,


que permite a manipulação de maior perícia, associada à coordenação dos
movimentos oculares, assim como, funções de programação, regulação,
velocidade, verificação, preensão e precisão, sendo a integração entre a praxia
fina e a percepção visual, fatores importantes no desenvolvimento psicomotor e
na aprendizagem (Fonseca, 1992).

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Esta automatização dos movimentos complexos e capacidade para novas


ações, depende da integração da função de regulação do tônus cortical,
promovida pela funções da primeira unidade funcional, da sincronização dos
sistemas que regulam a intensidade e energia dos movimentos, a
coordenação, o equilíbrio, a lateralização, a noção corporal, a orientação e
percepção espaço-temporal desempenhadas pela funções associativas da
segunda unidade funcional, funções estas regidas pela participação das
funções executivas da terceira unidade funcional, quanto a seleção,
planejamento da ação, programação e auto-regulação das informações
sensoriais, táteis cinestésicas, vestibulares e visuais.

As áreas basais permitem a regulação e o tono muscular, as áreas pós-centrais


regulam os impulsos aferentes cinestésicos e as áreas occipito-parietais fazem
a coordenação óptico-espacial. As áreas pré-motoras atuam na organização
dinâmica do movimento, enquanto áreas pré frontais exercem a discriminação
e o controle, que integram a terceira unidade funcional de Luria (1981),
envolvendo a organização, programação, regulação e verificação da atividade,
com objetivo de realização e automatização dos movimentos complexos.

Outro aspecto a ser considerado quanto ao desenvolvimento das funções


nervosas superiores motoras, refere-se à sua participação na constituição da
consciência, pois a medida que age voluntariamente, o sujeito interage com o
ambiente no qual convive e pela relação dialética que estabelece, passa a
desenvolver, cada vez mais, a noção de seu papel ativo social, portanto,
conclui-se que o ato voluntário está na base na construção da consciência,
como descreve Fonseca, citando Leontiev (1973).

Deste modo a motricidade possibilitará o desenvolvimento da consciência na


criança, através das sensações, percepções e vivências, na exploração do
ambiente e nas de atividades lúdicas. Ao mesmo tempo que se desenvolve, vai
recebendo informações, armazenando estes registros, que futuramente lhe
permitirão reconhecer e compreender a realidade por si mesma. Como
descreve Luria (1981), na criança, de modo progressivo, se organizará as
sensações, percepções, as interações e as próprias ações, o que irá, de modo
dialético, promover a própria maturação e a organização neuronal do cérebro.

Sem a motricidade é impossível a criança adaptar-se ao ambiente, pois


necessitará desta para satisfazer as próprias necessidades e possibilitará as
relações concretas entre o sujeito e o meio, constituindo-a como ser ativo, não
somente com os outros mas também com os objetos. A criança dá ação e vida
no ato do brincar, interage com este e desenvolve sua capacidade de refletir e
pensar, em uma atividade consciente e orientada para um fim. Por isto
entende-se a motricidade na criança, detentora de um contexto e conteúdo que
lhe atribuirá o sentido das ações humanas na expressão e materialização, no
ato de brincar e explorar, isto é, a consciência socializada. (Fonseca,2008)

Portanto a origem da consciência é a origem da psicomotricidade, na qual


estão inseridos elementos da própria imagem, da imagem do outro e da
atuação do próprio corpo no mundo. Primeiro pela intervenção das outras
pessoas e depois pelos próprios sucessos e insucessos da sua ação, a criança

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vai adquirindo experiências que virão a ser determinantes no seu


desenvolvimento como sujeito psicológico.

E este processo, só se torna possível pelo desenvolvimento da fala, veículo


material da comunicação entre a criança e o ambiente no qual convive, e que
possibilita a relação com os outros, adultos e pares. De acordo com Fonseca
(2008), o adulto socializado na relação com a criança, através da palavra, dá
significado e sentido para todas as vivências, mesmo as mais primitivas e
sensoriais, atraindo o foco de atenção da criança. Esta, então, apreende estas
informações e posteriormente passará a usar as mesmas palavras e gestos
que irão auto-regular suas ações, o que ampliará sua interação com o
ambiente, bem como, de modo dialético, a ampliação da linguagem. A
linguagem permitirá a organização, controle e previsão de comportamentos e
assim que a criança começa a usar conceitos, as instruções e as orientações
dos outros, passarão a ser linguagem interior, constituindo o pensamento, que
então passará a regular o ato motor e as ações passam a ser mais
estruturadas e controladas. A criança passa a dominar os conhecimentos
obtidos e consegue colocá-los em prática no meio, tornando-se, então, agente
e ator da realização e do próprio desenvolvimento social, conforme descreve o
autor citando Leontiev (1973).

A atividade psicomotora é resultante das explorações e criações que a criança


faz, satisfazendo suas necessidades e, ao mesmo tempo, desenvolvendo a
aprendizagem social para participar no meio em tarefas escolares, sociais,
laborais, dentre outras, que vão permitir a regulação na prática dos próprios
comportamentos. Este processo de interiorização perceptiva e cognitiva, de
acordo com a teoria luriana, permite o desenvolvimento de funções de controle
(terceira unidade funcional) e que as ações sejam conscientes, fazendo a
análise se seus resultados e gerando novas redes funcionais, de acordo com
Fonseca (2008).

E conforme ressalta Vygotsky (2003), o processo de socialização, que permite


o enriquecimento do conhecimento, também possibilita maior aquisição motora,
o que precipita as mudanças dos processos psicológicos, dos mais simples
para os mais complexos e elaborados. Ressalta assim a importância
psicológica da motricidade e a organização da consciência que inicialmente se
dará através do ato da imitação, da brincadeira, do jogo, da aprendizagem e
posteriormente através das ações produtivas no trabalho.

Assim, o trabalho poderá ser considerado uma atividade motora que traduz um
trabalho mental superior, exclusivo do humano, por depender de funções
mentais internas muito complexas, como a atenção seletiva, a integração,
interação e a transformação da informação sensorial, o desenvolvimento de
estruturas de representação, as operações sequencializadas, o processamento
a partir da captação das imagens advindos dos instrumentos e o seu contexto
espaço-temporal, a memória voluntária e avaliação de estratégias na tomada
de decisões. (Leontiev, 1973)

A vida historicamente estruturada teve a psicomotricidade formada e adaptada


pelo trabalho social, pelo uso de instrumentos, o que Vygotsky (1996) chama

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de ferramentas, que foram ao longo do desenvolvimento histórico


aperfeiçoadas, construindo e reconstruindo o desenvolvimento motor humano.

O desenvolvimento individual só é possível dentro de um contexto social, e na


criança é neste período que esta apreende o uso de instrumentos e da fala,
importantes na estruturação do desenvolvimento psicomotor humano. Ao longo
dos anos o homem precisou inventar, fabricar e produzir seus instrumentos de
trabalho e por conseguinte redes funcionais superiores de atenção, memória e
planejamento motor. Os atos intencionais dependem da ativação de zonas
primárias, responsáveis pelos grupos musculares, zonas secundárias do centro
somestésico que permitem a percepção do corpo e informações posturais e
zonas terciárias que garantem a programação pré-frontal do centro motor,
permitindo o planejamento e a sucessão de movimentos, conforme descreve
Fonseca (2008).

Khomskaya (2003) destaca que os processos complexos em sua organização


funcional atuam em diferentes níveis e pode-se compreender que exista uma
inter-relação entre os hemisférios, não apresentando papéis fixos de
funcionamento, podendo se modificar diante da tarefa para a qual está
direcionada a atividade psíquica, alterando até as estruturas de sua
organização. Nos estudos realizados pela autora, lhe permitiram compreender
que ao longo do desenvolvimento da criança, as especializações funcionais
nos hemisférios vão se alterando, assim como os mecanismos responsáveis
por sua interação e, deste modo, o trabalho em conjunto dos hemisférios
constitui-se a partir do aparato biológico, estimulado e modificado pelas
interferências sociais.

Neste pressuposto, Glozman (2010) refere em seus estudos, à importância no


desenvolvimento infantil da integração da esfera motora com as esferas
cognitiva e afetiva, pois uma serve de alicerce para o desenvolvimento da
outra. A criança reproduzirá em seu desenvolvimento motor, os passos do
desenvolvimento filogenético da espécie, o qual se estrutura em etapas, como
o rastejar, engatinhar e o andar e, simultaneamente, vai estruturando-se a
linguagem, o pensamento e a consciência de quem é no meio, constituindo a
assim a personalidade do sujeito psicológico.

Cabe salientar, que desta forma, o conceito de personalidade abarca o sujeito


psicológico em suas instâncias biológicas, integradas nas instâncias nervosas
superiores, tanto afetivo relacional, como cognitivo e motor, organizados pela
linguagem e pensamento, expressos através da fala, portanto as funções
motoras, constituem-se em veículo fundamental para acesso ao sujeito
psicológico, bem como constitui-se como ferramenta para possibilitar esta
construção.

7.2. Comprometimentos das funções motoras

Serão apresentados inicialmente os comprometimentos das praxias descritos


como disfunções, por serem decorrentes do não desenvolvimento adequado
das funções motoras superiores.

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Na clínica neuropsicológica observa-se, empiricamente, um número


significativo de crianças com atrasos motores ou distúrbios, decorrentes de
falhas no desenvolvimento nas fases iniciais, em número significativo, em
relação aos distúrbios decorrentes de alterações genéticas, congênitas ou
adquiridas que comprometem, o aparato biológico de modo significativo,
comprometendo assim o curso da aquisição das competências motoras.

Dentre estes casos, verifica-se número expressivo de crianças que apresentam


comprometimentos quanto a integração inter-hemisférica, de acordo com
Glozman (2010), o que pode ser observado no comportamento motor, que
reflete os atrasos ou perturbações nas competências cognitivas propriamente
ditas, no desenvolvimento afetivo e relacional, bem como nas habilidades
executivas.

Como referido anteriormente, as funções motoras interferem diretamente nas


habilidades de aprendizagem como a leitura e escrita, pois a lateralização, a
melodia cinética, a sequencialização, a coordenação visomotora, a velocidade
de processamento, dentre outras funções, são fundamentais na fase de
escolarização, constituindo-se como requisitos para a
aprendizagem/desenvolvimento.

Leal (2010) verifica em sua obra que as falhas no desenvolvimento relacional


não promovem a adequada estimulação neuropsicológica e de funções afetivas
e, consequentemente motoras e cognitivas, na criança. O ato motor está
amplamente relacionado ao ato volitivo, pois sem a intenção ou a vontade não
há planejamento ou execução de ação. Quando o sujeito não consegue
identificar a própria vontade, não tem iniciativa formada, portanto dependerá da
ação do outro, que lhe diga e aponte o que deve fazer.

Observando-se neste sentido que a ação motora de busca e exploração, não é


acionada como deveria, mantendo os comportamentos mais primitivos,
repetitivos e estereotipados, sem funções específicas, funcionam apenas como
descargas motoras impulsivas, na forma de agitação intensa. De acordo com
Leal (2010) e como apresentado na Parte I, observa-se então, os
comportamentos típicos de organizações muito primitivas que expressam-se de
modo confuso, ou comportamentos estereotipados do tipo autistico, os quais
não demonstram qualquer forma de atividade exploratória ou prazerosa.

Assim, de acordo com Luria (1981), esta forma de funcionamento, será


mantida, caso não ocorra estimulação para promover o desenvolvimento que
até então não aconteceu, bem como reforçar as áreas já desenvolvidas, para
que aconteça a compensação das dificuldades e a expansão sistêmica, para as
funções verificadas com alteração, pois se uma área do cérebro apresenta-se
disfuncional, pela imaturidade do desenvolvimento de algum aspecto da
personalidade, os outros processos de aprendizagem serão comprometidos,
devido ao funcionamento e organização sistêmica cerebral.

Estas dificuldades observadas no nível das praxias, denominadas dispraxias,


caracterizam como perturbações da motricidade voluntária, sem alterações da
inteligência e, ocorrem por não habilitação das funções práxicas,
desencadendo alterações na elaboração do plano motor de ação, na

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manutenção do repertório sequencial do ato motor ou na execução motora


propriamente dita de modo geral ou associada a competências específicas
(Fonseca, 1992).

A criança que apresenta dispraxia, exterioriza uma disfunção psicomotora, ou


seja, não aconteceu a integração da função motora elementar, aos processos
superiores, então, irá manifestar dificuldades na expressão das competências
psicomotoras quanto sua forma, intensidade, ritmo, organização e execução
propriamente dita, observando-se falta de organização no movimento, lentidão,
imprecisão e desintegração no ato motor o que identifica a criança como
descoordenada ou estabanada.

De acordo com Fonseca (1976) a aprendizagem é observada pela mudança no


comportamento motor da criança, que parte primeiramente de movimentos
exagerados (dismetria) para movimentos cada vez mais ajustados (praxia),
para as quais contribuem as funções cerebelares, responsáveis pela regulação
e estabilização dos movimentos e, quando este ajustamento não ocorre,
verificam-se os distúrbios práxicos.

Luria (1981) verifica o surgimento de perturbações devido à lesões nas áreas


corticais do córtex motor e sistemas aferentes do hemisfério contralateral,
mecanismo subcortical que regula o estado do córtex cerebral (tono cortical),
que envolve tronco cerebral, sistema reticular e hipotálamo e permite a
reprodução de movimentos coordenados e em sucessão (exemplo: mostrar a
língua, os dentes, colocar a língua do lado direito e esquerdo, etc). Este
mecanismo também intervém na melodia cinética e movimentos voluntários,
incluindo a participação dos lobos frontais, por exemplo em provas orais sob
comando verbal ou pela regulação verbal do ato motor, de imitar mastigação,
assobiar, imitar sons, etc.

Peña-Casanova (1991) refere que os modelos da neuropsicologia de ato


gestual dependem da organização de sistemas motores com integração de
níveis superiores como: recepção auditiva e compreensão de ordens verbais;
compreensão verbo semântica gestuais; representação mental do ato motor;
componentes ativos ou executivos de ação com objetivo; seleção e
combinação de constituições motoras; integração de coordenadas espaciais e
esquema corporal; realização motora do ato; controle e realização do ato motor
devido a retroalimentação postural, visual e auditiva e verificação de resultados
da execução.

Em tarefas de imitação predomina o componente visual e evocação gestual,


devendo explorar a lateralidade de modo alternado e simultâneo a partir de
ordens e por imitação. Quanto as patologias fundamentais observa-se através
de transtornos de natureza motora e transtornos práxicos (ideomotores e
ideatórios tradicionais).

Quando há distúrbios nas praxias, verifica-se perturbações na execução de


movimentos aprendidos devido a um estímulo que normalmente dispara o
movimento, sendo necessários sistemas aferentes e eferentes intactos e sem
distúrbios atencionais, como descreve o referido autor. O sujeito terá
capacidade de execução do movimento, mas falhará ao tentar chegar a um

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objeto específico, descartando prejuízos motores (paralisia, ataxia,


coeroaetose), defeitos de percepção, déficit de compreensão, de sensibilidade
ou de feixes musculares, o que não descarta distúrbios práxicos, mas não
justificam os casos de apraxias.

De acordo com Penã-Casanova (1991) incluem-se como decorrentes de


lesões, as manifestações semiológicas de tarefas de comunicação gestual
simbólica, mímica de gestos, reprodução de ordens, imitação de posturas e
gestualidade sequencial e pode-se ressaltar as seguintes alterações:

a) inabilidade ou erros motores (pseudo ataxias, movimentos bruscos);

b) necessidade de verbalização (tentativa de contextualização);

c) verbalização sem realização de gestos;

d) necessidade da presença do objeto concreto para realizar o ato motor (só


consegue pentear os cabelos se tiver um pente nas mãos, por exemplo);

e) incapacidade de utilizar a mão no lugar da representação do objeto;

f) perseverações (o mesmo ato motor é contaminado na realização do próximo,


tanto na ordem como na imitação de posturas);

g) aproximação do modelo observado;

h) orientação espacial incorreta (tanto na ordem como na imitação);

i) parapraxia na ordem (no lugar de executar o gesto de continência do


soldado, realiza outro), que se dividem em parapraxia gestemática (substituição
de um gesto por outro com base semântica ou formal, ex.: ao invés de
saudação militar realiza saudação fascista); e parapraxia cinemática (pode
afetar um componente executivo parcial, ex.: ao fazer a saudação militar
mistura com componentes de gestos de indicativo de loucura);

j) parapraxia de imitação;

k) omissão de sequências (simplificação dos atos complexos por eliminação de


uma ou mais fases);

l) repetição (de componentes de um ato de base perseverativa ou não);

m) alterações sequenciais (erros na ordem dos atos parciais que se conduzem


a uma finalidade);

n) reconhecimento de pantomima com incapacidade de imitação;

o) falha específica na imitação (perturbação da imitação de gestos e de


pseudo-gestos, uma falha na realização seguindo ordens que melhoram com a
imitação – típica da praxia ideomotora);

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p) fator de complexidade (perturbações são mais evidentes conforme aumenta


a complexidade do ato);

q) realização em espelho (paciente efetua corretamente porém de forma


espelhada, comum em situações de imitação de gestos);

r) falta de automatização dos atos, verbalizações e estereotipias;

s) sincinesias homolaterais (manifesta por um movimento reflexo em um


membro causando movimento idêntico em outro; por limitação de movimento
pelo membro contralateral ou concentração hipertônica no membro oposto);

t) fragmentações dos atos.

As apraxias de acordo com Peña-Casanova (1991) consistem na incapacidade


de plena realização de atos motores, por ordem ou imitação, geralmente
caracterizadas por lesões parietais, mas estão preservadas as capacidades
motoras de base e sem prejuízos cognitivos. De modo geral as apraxias
gestuais (ideomotora e ideatória) são bilaterais e, em casos de hemiplegia, a
avaliação é realizada apenas nas áreas afetadas. Portanto deve-se diferenciar
os pacientes incapazes de realizar gestos simbólicos, por falhas na evocação
gestual ou sequencia lógica do ato (apraxia ideatória) ou por falha na
realização por imitação (apraxia ideomotora).

Defeitos na imitação de posturas, por estarem distanciadas de elementos


semânticos, sugerem maior deterioração e quando não podem ser executadas,
pode aparecer manifestação contralateral, dificuldade na reprodução do gesto,
redução ou atraso do número de movimentos durante a execução e predomínio
de defeitos nas mãos.

A apraxia ideomotora trata da inabilidade de realizar atos motores sob


comando verbal, embora esses atos sejam realizados de modo espontâneo
(lesões do fascículo arqueado e da porção anterior do corpo caloso podem
estar em causa). O automatismo, a espontaneidade e a emoção são muito
importantes para a realização do ato, portanto, quanto mais descontextualizada
é a ordem, mais fácil de identificar estas alterações. Ocorre nestas situações a
dissociação automática-voluntária da linguagem oral, contudo, não se verificam
alterações significativas no cotidiano, pois a compreensão verbal está afetada,
depende da imitação e o sujeito, geralmente, consegue verbalizar a ação,
consegue utilizar partes do corpo para representar o objeto, ou utilizar um
objeto substituto, mas pode acontecer de um gesto interferir em outro
(parapraxia). Portanto para avaliação, não existem casos mais graves, mas
apenas a incapacidade de execução sob ordens e melhora através da imitação.
Há três formas distintas de apraxias ideomotoras: por lesões hemisféricas
esquerdas anteriores, por lesões hemisféricas esquerdas posteriores e por
lesões de corpo caloso (apraxia unilateral), como descreve Kertz (apud Peña-
Casanova, 1991).

Apraxia Ideatória trata da incapacidade de realizar certos movimentos


sequenciais com harmonia na realização de um ato, mas os movimentos
podem ser realizados separadamente, caracterizando alterações no nível

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semântico e lógico da organização gestual. O sujeito suprime alguns


movimentos da série, altera a sequência, faz a utilização inadequada de um
objeto no lugar de outro (parapraxias de base semântica). Delgalarrondo (2000)
acrescenta a incapacidade de utilizar objetos comuns de forma adequada. A
apraxia ideatória geralmente se manifesta em casos de lesões hemisféricas
bilaterais (infartos, tumores, ou Alzheimer), tumores unilaterais ou acidentes
vasculares.

Verifica-se em alguns casos a incapacidade de vestir-se (apraxia de


vestimenta) independente de apraxia ideomotora e apraxia ideatória, que deve-
se a incapacidade de realizar os atos mais complexos (como dar nó na
gravata), que as vezes se apresentam quando a roupa está posicionada de
forma invertida e o paciente não consegue desvirá-la, ou não identifica que a
manga da camisa deve estar no braço e a utiliza na perna, como uma calça,
mas com as capacidades motoras simples e a cognição global mantidas de
acordo com Delgalarrondo (2000). Estão relacionadas à lesões focais, parietais
unilaterais esquerdas, lesões parietais bilaterais ou lesão parietais direitas.
(Botez, 1987; Benton 1979 apud Peña-Casanova, 1991)

Com base em Luria (1981), a avaliação do lado direito e esquerdo é importante


nas manifestações clínicas, pois tendem a ser unilaterais e contralaterais a
lesão. Portanto cabe ressaltar que o sujeito destro terá dificuldades na
realização de atividades com a mão esquerda e vice-versa, devendo ser
anotadas as dificuldades muito acentuadas que superem as dificuldades pela
não dominância da mão. As tarefas de coordenação recíproca representam a
possibilidade de verificação da adequada execução de séries motoras.

Apraxia melocinética trata da incapacidade de realizar atividades motoras


sequenciadas, relacionada à lesões pré-motoras e no córtex cerebral Peña-
Casanova (1991). Na realização de series posturais, pode se aplicar os
mesmos princípios semiológicos que se observa na imitação de postura como
manifestação contralateral, redução do número de movimentos e atraso
principalmente no movimento das mãos. Segundo Luria (1981) a diferença dos
defeitos e imitação de posturas para tarefas de sequencia de posturas, seria
pela participação do córtex pré-motor no segundo, enquanto o primeiro
dependeria mais do córtex parietal e, em casos de demências, também se
verificam estas alterações. A coordenação recíproca intervém nos
componentes neuropsicológicos das sequências de posturas e, deste modo,
lesão nos sistemas inter-hemisféricos, que permitem coordenar os movimentos,
indicam outros fatores patológicos de coordenação recíproca.

Praxia construtiva se refere à habilidade de planejar e executar atos motores


que permitem realizar em conjunto, mediante a articulação e montagem de
diversos elementos distintos. No ato de desenhar de modo espontâneo, ou a
partir de cópia, ou construir com outros objetos (ex.: palitos), modelos
observados, estas tarefas estão bastante associadas à escolarização como
descreve Peña-Casanova (1991), pois dependem de distintos componentes
neuropsicológicos, como: percepção adequada dos estímulos verbais;
adequada representação mental e realização da ordem; planejamento de
tarefas solicitadas; domínio das coordenadas e relações espaciais; fase de
execução e verificação da tarefa.

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Quanto à incapacidade de reproduzir ou copiar um modelo visual apresentado,


na ausência de distúrbios visuais, perceptivos ou motores (lesões parietais
localizadas à direita, geralmente associadas à negligência dos elementos
contralaterais; a esquerda identifica afasia do tipo fluente) trata-se de apraxia
construtiva.

Verifica-se que as principais características semiológicas nas apraxias


construtivas pelo referido autor são:

a) problemas perceptivos ou espaciais;

b) problemas próximos da realização motora (não apráxicos);

c) problemas relativos ao planejamento da tarefa;

d) problemas no controle da execução da tarefa;

e) redução grave das capacidades grafomotoras (garatujas, grafoestereotipias,


etc.), verificam-se produções muito rudimentares, comuns em casos de afasia
global, pacientes com desorganização da atividade mental e rebaixamento
cognitivo global;

f) reflexo de perturbações motoras de base na realização (tremores,


movimentos coreicos, etc.);

g) alterações do tamanho da execução (macrografia – disgrafia hipercinéticas,


geralmente em lesões de hemisfério direito e micrografia – disgrafias
hipocinéticas, comum em Parkinson e paralisia supranuclear progressiva);

h) simplificação e distorção dos traços constitutivos da figura (redução, má


articulação e repetição de traços);

i) aproximação ao modelo ou superposição, que podem ser evidentes em


modelos mais complexos;

j) perseverações (intra item – por exemplo repetições de traços, item a item –


repetição de um item na realização de outra figura e perseveração da tarefa –
paciente continua realizando a tarefa anterior);

k) rotações ou reversões total ou parcial das formas;

l) negligência lateral;

m) negligência direita (aparece em certos afásicos Wernicke, com lesões de


lobo parietal esquerdo);

n) negligência esquerda (tanto em cópias como em ordens verbais, frequentes


em síndromes de negligencia unilateral esquerda);

o) outros tipos de negligência: negligência inferior, de quadrantes ou central;

p) adições (com influência contextual e sem influência contextual);

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q) realização por partes, cheias de detalhes para chegar ao todo;

r) perdas perceptivas (incapacidade em planejar a tarefa ou incapacidade a


manipulação de conceitos espaciais);

s) desestruturação e dispersão espacial (os elementos ficam distribuídos no


papel sem conexão entre eles, comum em Síndrome de Balint);

t) lentificação (global dos processos mentais – bradipsiquia, ou na realização


práxica e forma específica – bradicinesia geral), também é comum em
pacientes mais meticulosos e perfeccionistas;

u) fator de graduação da dificuldade, como desenhos bem abstratos ou


tridimensionais.

Quanto as patologias fundamentais de apraxia construtiva (transtorno


visuoconstrutivo), trata-se de uma incapacidade de planejar e executar os atos
motores elementares que permitem realizar um conjunto mediante a articulação
e montagem de elementos de natureza distintas, incluindo as incapacidades
devido à alterações motoras elementares e defeitos de tipo intelectual global ou
confusional.

Em lesões focais esquerdas, de acordo com Gianotti (1985 apud Peña-


Casanova, 1991), observa-se relações com as atividades simbólicas, devido
alterações da compreensão verbal, o que compromete a realização de
desenhos a partir de ordens, com tendência do sujeito desenhar lentamente,
fazendo linhas perpendiculares ou excesso de ângulos, simplificando
consideravelmente o desenho. Observa-se que em casos de sujeitos afásicos
de tipo Broca, com hemiplegia direita, apresentam dificuldade de construir com
a mão esquerda, independente da dominância lateral. Em sujeitos afásicos de
tipo Wernick e lesões de lobo parietal, verificam-se as apraxias construtivas.
Em lesões direitas, observam-se que as alterações estão fundamentalmente
relacionadas aos defeitos espaciais esquerdos e, estes defeitos não
apresentam melhoras significativas diante de tarefas de cópias, mas melhoram
em pacientes com lesões de hemisfério esquerdo, de acordo com Hécaen y
Assal (1970 apud Peña-Casanova, 1991). Quanto as lesões frontais,
geralmente o rendimento depende da complexidade da tarefa no fenômeno
perseverativo, com exceção de tarefas que exigem maior planejamento e
menos automatismo. Em lesões frontais bilaterias, observa-se importante
desestruturação gráfica.

Já nas lesões difusas verificam-se diferentes características na apraxia


construtiva, sendo as mais estudadas nos casos de demência do tipo
Alzheimer de acordo com Gil, 1990 (apud Peña-Casanova, 1991), em
significativas dissociações entre atividades de ordem e cópias, melhorando
apenas com atribuição de perguntas como pistas, para ativação prévia da
execução. O autor descreve que a produção demonstra aproximação e
superposição ao modelo, com alterações de pressão e aderência.

Os mecanismos aferentes de movimentos arbitrários são os atos motores


autônomos, de movimentos da musculatura estriada das mãos, do rosto, das

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pernas e de todo o tronco, nesta concepção todos os movimentos são


complexos de vários níveis, com diferentes estruturas anatômicas, sendo estes
níveis compostos por movimentos não-arbitrários e arbitrários. O primeiro nível
rubro-espinal e o segundo nível das sinergias, regula os movimentos não
arbitrários (movimentos da musculatura lisa, o tremor, o tônus, a sinergia, os
automatismos e outros), os terceiros, quarto e quinto nível; nível de campo
espacial, nível das ações, nível cortical “simbólico” regulam os atos motores
arbitrários (movimentos de caminhar, correr, escrever, habilidades manuais,
mímicas, falar e outros), isto é, regulados por diferentes níveis do sistema
nervoso regidos por diferentes tipos de impulsos aferentes.

Lesões em qualquer um destes níveis resultarão em perturbações dos


movimentos e, Luria (1981) descreveu a constituição de áreas corticais
participantes na organização cerebral dos atos motores arbitrários, assim como
áreas sensoriais e associativas que participam da “organização do ato motor”.
O lobo parietal na análise da aferentação somatossensorial até os movimentos,
as áreas parieto-occipitais que regulam e realizam a organização espacial dos
movimentos, o lobo temporal esquerdo que realiza a aferentação acústica da
motricidade da fala e áreas pré-frontais que participam da programação e
organização dos movimentos no controle e tempo de execução.

Perturbações das funções motoras resultantes das varias lesões cerebrais são
divididas em elementares (lesão de mecanismos executantes, eferentes dos
movimentos), decorrentes de lesões em elos subcorticais do sistema piramidal,
e verificam-se transtornos na forma de paresia ou paralisia de mão ou braço,
perna ou tronco (contralateral a lesão), paralisia branda e até mesmo paralisia
espasmódica (desintegração dos correspondentes movimentos), paresias com
transtornos sensitivos (lesões dos setores corticais pós-centrais). Khomskaya
(2003) ressalta que lesão nas vias piramidais e nas regiões subcorticais do
cérebro, acarretam desintegração total dos movimentos, como paralisia
contralateral, desintegração unilateral dos movimentos da mão ou braço e do
pé ou perna, hemiplegias de diminuição parcial das funções motoras de um dos
lados (hemiparesias). Lesão dos lobos corticais e subcorticais do sistema
extrapiramidal levam ao aparecimento de transtornos motores diferentes,
dinâmicos ou estáticos. Em lesões do nível cortical do sistema extra-piramidal
(córtex pré-motor), ocasionam perturbações motoras espasmódicas contra-
laterais.

As alterações da psicomotricidade muitas vezes também aparecem


decorrentes de alterações da volição, dentre elas a agitação psicomotora, que
implica em aceleração e exaltação de toda atividade motora do indivíduo,
comuns em quadros paranóides em sujeitos com deficiencia mental e em
síndromes demenciais, segundo Delgalarrondo (2000).

A lentificação psicomotora reflete uma diminuição de toda a atividade psíquica


(bradipsiquismo), na qual a movimentação voluntaria torna-se lenta e difícil,
aumentando o período de latência entre uma solicitação e a execução motora
e, nos casos de acentuada lentificação, observa-se inibição psicomotora,
quando verifica-se ausência de respostas motoras adequadas, sem quadros de
paralisias ou déficit motor primário, ou em casos de estupor, na qual se reflete
a perda de toda atividade espontânea.

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Distingue-se quanto o tônus muscular presente no quadro estuporoso, os


subtipos hipertônico, com rigidez muscular, o hipotônico que é a flacidez
muscular. A catalepsia, que refere-se ao acentuado exagero do tônus postural,
com redução da mobilidade passiva e com hipertonia muscular global do tipo
plástica, enquanto a cataplexia, caracteriza-se por perda abrupta do tônus
muscular, de acordo com o referido autor.

Estereotipias motoras são repetições automáticas e uniformes de determinado


ato motor complexo, indicando perda de controle voluntario do sistema motor,
observado em situações de estereotipias motoras na esquizofrenia e formas
crônicas de catatonia e deficiências mentais.

Delgalarrondo (2000), descreve que o maneirismo é caracterizado por


movimentos repetitivos e alterados (mímicas, gestos, linguagem), movimentos
muitas vezes exagerados e estranhos. Do ponto de vista motor, os tiques são
atos coordenados, repetitivos, resultando em contrações súbitas, breves e
intermitentes, que acentuam-se muito com a ansiedade, associados a
estímulos emocionais ou físicos, que se mantém de forma estereotipada como
um movimento involuntário, tiques múltiplos motores ou vocais são
identificados por síndrome de Giles de la Tourette.

Conversão motora trata-se de surgimento abrupto de sintomas físicos que


podem aparecer por conflitos intrapsíquicos ou interpessoais significativos para
o sujeito.

A apraxia da marcha é a incapacidade de iniciar o movimento


espontaneamente e organizar a gestualidade da marcha, como passos curtos,
resultado de lesões dos lobos frontais, subcorticais e alterações relacionadas a
hidrocefalia de pressão normal. A marcha do paciente histriônico pode ser
observada como irregular, mutável, bizarra, podendo ser elemento de ataxia,
espasticidade e outras alterações, mesmo com tonicidade, coordenação
motora e reflexos. Em casos de hemiplegia, tende a arrastar o pé paralisado.

Alguns sujeitos apresentam a camptocormia, que é o caminhar com tronco


fletido para frente. O termo astasia-abasia, utilizado para designar uma
alteração típica da postura e da marcha refere incapacidade de se levantar e
andar apesar de não apresentar qualquer paralisia ou ataxia.

Verifica-se a marcha de alguns pacientes deprimidos lentificada e difícil. Dentro


das alterações neurológicas pode-se verificar nos padrões motores, por
exemplo a hiperventilação psicogênica, comuns em quadros de síndrome de
pânico, no qual provoca uma respiração acelerada. Nos quadros de
apragmatismo ou hipogramatismo referem a dificuldade ou incapacidade de
realizar condutas volitivas e psicomotoras pouco complexas, por exemplo,
cuidados da higiene, nestes casos são alteradas as esferas afetivas e volitivas,
diferentemente da apraxia (perda da atividade gestual complexa por lesão
neuronal).

Alguns movimentos involuntários decorrentes de doenças neurológicas são


descritos por tremores, série de movimentos involuntários, rítmicos, regulares e
sem finalidade, comuns em síndromes parkinsonianas, o tremor cinético é

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resultado de doenças cerebelares e espinocerebelares; mioclonias, que não


contrações breves, rápidas, abruptas, não rimadas e involuntárias de grupos
musculares; mioquimias movimentos espontâneos, transitórios ou persistentes
que afetam poucos feixes musculares; fascilações e fibrilações são contrações
finas e rápidas em um feixe muscular, geralmente resultantes de afecções dos
neurônios do corno anterior da medula espinal; coréia são movimentos sem
finalidades, irregulares, breves, bruscos e arrítmicos, de grande extensão e
explosivos; atetose são movimentos lentos, serpentinais, arritimicos e
irregulares nas extremidades, pescoço, face e língua; balismo e hemibalismo
são movimentos de grande amplitude, rimados, rápidos e abruptos próximo de
membros; distonia são contrações musculares mais lentas e intensas, podendo
ocorrer torções no tronco, pescoço e cabeça; espasmos trata-se de contratura
muscular intensa, involuntária em determinada região corporal (Delgalarrondo,
2000).

Portanto a dispraxia descreve a impossibilidade ou dificuldade de realizar atos


intencionais, voluntários, complexos sem diagnóstico de paralisia, paresias ou
ataxias, sem alterações na ordem ou decisão em fazê-lo, sendo que a apraxia
decorre de lesões neuronais, geralmente corticais. E estas interferem
diretamente no modo de atuação do sujeito e interação no meio necessitando,
portanto, que suas dificuldades sejam verificadas para possibilidades
interventivas ou adaptativas a nova condição.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CAPÍTULO 8- PENSAMENTO

Vanda Dias Ferraz Nunes

Neste capítulo trataremos do estudo do pensamento e de início abordaremos


como se dá o desenvolvimento do pensamento na criança, traçando um
paralelo com o pensamento no adulto, o conceito de desenvolvimento do
pensamento como função nervosa elementar de acordo com os blocos
funcionais do modelo proposto por Luria, para compreendermos como se dá o
processo de desenvolvimento e constituição do pensamento como função
nervosa superior.

E posteriormente destacaremos a disfunção do pensamento, com os


comprometimentos relacionados a lesões, que sob o ponto de vista da teoria
da localização dinâmica e sistêmica das funções nervosas superiores elucidam
que os comprometimentos do pensamento não estão determinados a
localização do foco da lesão, mas caracterizam, sim, a doença do cérebro no
seu todo “sintomas não específicos”.

8.1 O pensamento como função nervosa elementar e a sua constituição


como função nervosa superior

Os primeiros anos de vida da criança são anos de uma existência isolada,


primitiva e do estabelecimento das mais elementares ligações com o mundo.
Já vimos que a criança, nos primeiros meses de sua existência, é um ser não-
social, unicamente orgânico, desligado do mundo exterior e inteiramente
restrito a suas funções fisiológicas.

Para um bebê, todo o mundo se restringe, antes de mais nada, ao seu próprio
corpo e a tudo quanto lhe possa proporcionar conforto. A percepção que tem
do mundo é, sob muitos aspectos, passiva. A criança ainda confunde a
atividade primitiva de sua imaginação e os rudimentos de experiência anterior
com a realidade. Tudo isso só pode influenciar o pensamento da criança de
modo muito claro, e temos que afirmar resolutamente que o pensamento da
criança de três a quatro anos nada tem em comum com as formas de
pensamento do adulto, que foram criadas pela cultura e por longa evolução
cultural.

Um dos grandes saltos evolutivos do homem foi a aquisição da linguagem e é


por meio das palavras que o ser humano pensa. Para Vygotsky (1996) o
pensamento deixa de ser biológico como o dos primatas, para se tornar
histórico social, diferenciando o homem dos outros animais. Sua principal
marca é a construção de significados das palavras. Ele surge por volta dos 2
anos de idade, quando a criança passa a dominar a fala e construir seus
conceitos sobre os objetos.

É por meio das palavras que o ser humano pensa, como já referido. A
generalização e a abstração só se dão pela linguagem e com base nelas
melhor compreendemos e organizamos o mundo à nossa volta.

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O autor reconhecia a independência dos elementos, mas afirmava que o


caminho era compreender como um se comporta em relação ao outro, como
eles interagem em suas fases iniciais.

Para compreender essas relações, Vygotsky (1996) buscou analisar o


desenvolvimento da criança. De acordo com ele, mesmo antes de dominar a
linguagem, ela demonstra a capacidade de resolver problemas práticos, de
utilizar instrumentos e meios para atingir objetivos. É o que o pesquisador
chamou de fase pré-verbal do pensamento. Ela é capaz, por exemplo, de dar a
volta no sofá para pegar um brinquedo que caiu atrás dele e que não está à
vista. Esse reconhecimento prático independe da linguagem e é considerada
uma inteligência primária também é encontrada em primatas como o macaco-
prego, que usa varetas para cutucar árvores à procura de mel e larvas de
insetos.

Embora não domine a linguagem como sistema simbólico, as crianças também


utilizam manifestações verbais. O choro e o riso têm a função de alívio
emocional, mas também servem como meio de contato social e de
comunicação. É o que Vygotsky chamou de fase pré-intelectual da linguagem.
É a fase na qual a criança depende de sentidos como a visão para atuar no
mundo e se manifesta exclusivamente por meio de sons e gestos, ligados à
inteligência prática.

O autor dedicou anos de estudo para compreender as relações entre o


pensamento e a linguagem e essa foi uma grande contribuição. Até então, os
estudos sobre o tema buscavam dissecar os dois conceitos isoladamente.
Vygotsky reconhecia a independência dos elementos, mas afirmava que o
caminho era compreender como um se comportava em relação ao outro, como
eles interagem em suas fases iniciais.

Certamente isto não significa que os pensamentos das crianças não tenham
suas leis próprias. Ao contrário, há leis bastante claras do pensamento infantil
que diferem das leis do pensamento dos adultos. Uma criança de 3 ou 4 anos
de idade possui sua própria lógica primitiva, possui seus próprios modos
primitivos de pensamento, todos eles determinados pelo fato de que esse
pensamento manifesta-se sobre uma base primitiva de comportamento, que
ainda não teve confrontos suficientemente sérios com a realidade.

Ao estudarmos as funções do pensamento do adulto, logo descobriremos que


ele organiza nossa adaptação ao mundo em situações particularmente difíceis.
Regula nossa atitude diante da realidade em condições particularmente
complexas em que o simples instinto, ou hábito, é insuficiente. Cada passo de
nosso pensamento deve ser verificado pela prática e ser aprovada neste teste.
De fato o pensamento de um adulto normal atende a todos esses requisitos e
somente nos que possuem algum comprometimento mental ou neurológico é
que o pensamento adquire formas diferentes que não estão ligadas à vida e à
realidade e que não organizam uma adaptação eficiente no mundo. Quadro
completamente diverso é o que se pode observar nos estágios iniciais do
desenvolvimento da criança. Frequentemente, não importa à criança o quão
preciso ou eficiente seja seu pensamento em seu primeiro teste, isto é, em seu
primeiro confronto com a realidade, com frequência, esse pensamento não visa

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regular e organizar uma adaptação eficiente ao mundo exterior. Quando,


algumas vezes, seu pensamento funciona deste modo, ainda o faz de maneira
muito primitiva, com ferramentas imperfeitas de que dispõe a criança e que
requerem um desenvolvimento prolongado para se tornarem eficientes.

O comportamento da criança pequena caracteriza-se pela dissociação do


mundo e concentração sobre o próprio eu, concentração em seus próprios
interesses e prazeres. Quando observamos a criança de dois a quatro anos
brincando sozinha, ela não presta atenção em ninguém mais, está
completamente imersa em si mesma, arruma alguma coisa diante de si, fala
consigo mesma e ela mesma responde. É muito difícil distrair a criança desse
brinquedo; se alguém se dirige a ela, a mesma não se desligará imediatamente
daquilo de que se ocupa. Uma criança dessa idade pode brincar perfeitamente
bem, completamente preocupada consigo mesma.

A fala egocêntrica apresenta funções psicológicas absolutamente definidas e


entre essas funções, antes de mais nada, o planejamento de determinadas
ações de iniciativa própria. Nesses casos a fala começa a desempenhar papel
absolutamente específico como dito anteriormente, suas relações com outros
atos comportamentais adquirem caráter funcionalmente especial. A atividade
verbal da criança não é somente a manifestação da fala egocêntrica, mas
apresenta funções de planejamento evidentes.

O egocentrismo primitivo da criança não se manifesta só nas formas da fala.


Traços de egocentrismo são ainda mais observáveis no conteúdo do
pensamento da criança em suas fantasias e, na personalidade.

Cada um de nós, adultos, vemo-nos diante do mundo exterior quando, no


encalço de alguma necessidade, nos damos conta de que ela ainda não foi
satisfeita. Neste caso, o adulto organiza sua atividade de tal modo que,
mediante uma série de passos consecutivos, a meta possa ser atingida e a
necessidade satisfeita, ou, conformando-se com o inevitável, desiste de
satisfazer sua necessidade.

É completamente diferente o que se dá com a criança pequena. Incapaz de


realizar ações sequenciais, a criança segue determinado caminho de
resistência mínima, se o mundo exterior mostra-se incapaz de proporcionar à
criança algo real, ela compensa essa carência com sua fantasia. Incapaz de
reagir adequadamente a alguma obstrução para atingir seu objetivo, a criança
reage inadequadamente criando, para si, um mundo ilusório em que todos os
desejos são realizados, ou seja o pensamento egocêntrico ilusório.

O pensamento primitivo, pré-cultural infantil constrói-se de modo mais


simples,é um reflexo imediato do mundo ingenuamente percebido e, para a
criança, um só detalhe, uma só observação incompleta pode ser suficiente para
uma inferência correspondente (ainda que completamente inadequada). O
pensamento nos adultos processa-se segundo leis de associação complexa,
que implicam a acumulação de experiência e inferências a partir da
generalização. Ele não se desenvolve nem do geral para o específico, nem do
específico para o geral; simplesmente infere de um episódio para outro,
orientado, a cada vez, por novos atributos que prendem a atenção infantil. A

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criança encontra imediatamente uma explicação correspondente para cada


fenômeno e faz diretamente, sem quaisquer passos lógicos intermediários, sem
quaisquer generalizações.

A criança tira uma conclusão de um episódio e, a seguir, de outro e, se suas


inferências são contraditórias, isso não a incomoda. Isso porque a criança não
possui as leis da lógica que se alicerçam na experiência objetiva no confronto
com a realidade e se baseiam na validação de suposições presumidas, ou seja,
nas leis do pensamento lógico desenvolvido pela cultura. Por isso é mais difícil
tirar uma criança de sua trilha, fazendo-a dar-se conta do caráter contraditório
de suas inferências. Ela não conhece barreira alguma com base na qual possa
estabelecer dependência causal, ou seja, barreiras que existem na realidade e
que, de algum modo natural, tornam-se claras para o adulto cultural somente
depois de um longo período de familiarização com o mundo exterior. Na
compreensão de uma criança, uma coisa pode influir sobre outra
independentemente de distância, tempo ou qualquer tipo de ligação entre elas.

A comunicação expressiva, implícita, verifica-se nas crianças humanas desde


os primeiros anos de vida. No nível neurofisiológico é servida por estruturas
cerebrais pré-corticais (1º bloco funcional), como explicados por Leal (1975,
apud Quintino Aires, 2010), sendo depois integrados em estruturas nervosas
de circuito cortical. Estas regiões cerebrais, nas quais a formação reticular do
tronco cerebral ocupa um lugar de destaque, estão já desenvolvidas ao fim de
nove meses de gravidez e permitem, não só uma direcionalidade para
alterações de estímulo no espaço circundante, mas também um subsistema de
apreciação que pode ser encarado como organização central homeostática.

À medida que o bebê humano dispõe de recursos limitados no nível das


funções nervosas superiores é na relação com a palavra do outro mais
experiente, quando há ressonância da experiência imediata que hoje
conhecemos como jogo de “agora-tu-agora-eu-agora-tu”, que o comportamento
do bebê passa a ser um processo de padrão relacionado experimentado, e não
do rastreio de traços na memória. (Leal, 2006 apud Quintino Aires, 2010) fala
de procura, “uma necessidade do outro que esteja ali para responder”. (p.108)

Esta ressonância é análoga, embora algo diferente do processo de consciência


do adulto. Necessita apenas de uma ligação das experiências de contingência
concebidas como oscilações ou emoções ocorridas em instâncias cerebrais
pré-corticais. O fenômeno de alerta expectante, experimentado pelo bebê
durante os dois ou cinco segundos de pausa provocado pelo Sistema Ativador
Reticular Ascendente do tronco cerebral, configurando um momento de
“questionamento” com a surpresa do encontro, é o lócus que configura a matriz
relacional. (Leal 1975; 1997; 2005 apud Quintino Aires, 2010)

É absolutamente notável que, numa situação natural, o único estímulo


compensador que permite ao bebê o aparecimento da contigência à sua
resposta (performance) espontânea (em períodos de dois a cinco segundos e
no máximo nove), ocorra em condições nas quais o adulto “atentivo” está em
contato face a face com o bebê, talvez atendendo às suas necessidades
corporais. Comprometido emocionalmente, o adulto imita espontaneamente

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qualquer gesto ou movimento do bebê. Também o adulto vai realizar pausas e


observar o que se segue.

A importância da descoberta deste fenômeno relacional resulta na


possibilidade de entendermos o mecanismo biológico que permite aos
humanos iniciar a construção psíquica, entendida como um funcionamento
cerebral que já não se rege por leis biológicas, mas por novas leis resultantes
da transformação no cérebro por ação da cultura historicamente produzida,
como é o caso do pensamento. (A.N.Leontiev, 1981 apud Quintino, 2010, p. 64,
65,66)

A disfunção surge como resultado do não estabelecimento do diálogo primário


e abandono da relação, no qual a matriz relacional não é construída, a criança
permane com o seu funcionamento psicológico na crise pós natal. Não
havendo um relacionamento mutuamente contingente, não possibilita
organização das sensações internas o que não propicia um adequado
desenvolvimento das funções nervosas superiores (2º e 3ª unidades
funcionais). O que pode gerar perturbações do contato, desconforto nas
relações interpessoais, da comunicação, isolamento, alterações no
pensamento – fantasias e alucinações.

Vygotsky (1996) demonstrou pela primeira vez que o processo de análise e


generalização, que constitui a base do ato intelectual, depende da estrutura
lógica da fala e, que o significado das palavras, a base das ideias, se
desenvolve na infância como já discutido anteriormente. Enquanto que
inicialmente tal processo se baseia na unificação sincrética de impressões que
a criança recebe do mundo externo, posteriormente ele é convertido na
unificação de pistas concretas de toda a situação prática; por fim ele começa a
se aplicar a categorias abstratas inteiras. (Vygotsky, 1960) Esta análise dos
estágios fundamentais do desenvolvimento de idéias, tornou possível
descrever toda a complexidade da estrutura lógica das palavras, os
instrumentos básicos para a formação das ideias e representar, com suficiente
clareza, a vasta gama de alternativas fornecidas pelas matrizes lógicas sobre
as quais se baseiam em estágios individuais do desenvolvimento. Tal análise
também tornou possível estudar como esses sistemas concretos de matrizes,
que refletem o caráter “situacional” do pensamento, são gradualmente
substituídos por matrizes abstratas, que incorporam toda uma hierarquia de
“relações de comunidade” que constituem o aparelho fundamental do
pensamento categórico que indicam o pensamento como função nervosa
superior.

A descrição desse aparelho fundamental do pensamento, que foi


subsequentemente desenvolvida por Luria (1981), possibilitou que se fizesse
um progresso decisivo na análise do pensamento como um ato dinâmico
integral.

A compreensão de que o significado das palavras é o instrumento fundamental


do pensamento foi crucial para a abordagem do problema básico, a descrição
da estrutura psicológica do pensamento como um todo.

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A investigação desse problema ocupou toda uma geração de psicólogos, e


como

“resultado dessa série de investigações temos uma ideia suficiente clara


a respeito do pensamento como uma atividade mental concreta.
Podemos distinguir os componentes da referida atividade que são
exibidos tanto no pensamento concreto-ativo como no pensamento
verbal-lógico e discursivo, e que permitem que os neuropsicólogos
abandonem a tentativa de procurar um substrato do pensamento em
geral, e, em vez disso, procurem um sistema de mecanismos cerebrais
responsáveis pelos componentes e por seus estágios”. (Luria, 1981, p.
287)

Para o autor o pensamento surge apenas quando o sujeito tem um motivo


apropriado que torna a tarefa urgente e a solução é essencial. O estágio
seguinte do pensamento é o refreamento de respostas impulsivas, a
investigação e análise de seus componentes nos quais há participação,
primordial, das funções reguladoras da atividade mental da terceira unidade
funcional.

Esse trabalho de investigação preliminar das condições do problema é um


passo vital e essencial em qualquer processo concreto do pensamento, sem o
qual nenhum ato intelectual poderia ocorrer.

O terceiro estágio no processo do pensamento é a seleção de uma entre


inúmeras alternativas possíveis e a criação de um plano (esquema) geral para
a execução da tarefa, decidindo-se que alternativas têm maior probabilidade de
ter sucesso e ao mesmo tempo rejeitando-se todas as alternativas
inadequadas. Essa última fase é descrita como a estratégia geral do
pensamento, a criação de um plano, como o componente mais essencial da
referida atividade.

Como mostrou o trabalho de Vygotsky (1960), seguido pelas investigações de


Galperin e seus colaboradores, o processo do pensamento passa por vários
estágios. Ele começa com uma série expandida de ações externas sucessivas
(tentativas e erros), progride para uma fala interna expandida, na qual fazem as
necessárias buscas, e termina com a contração e condensação dessas buscas
externas e com a transição para um processo interno específico. Neste, o
indivíduo é capaz de obter auxílio a partir de sistemas já prontos de códigos
(lingüísticos e lógicos, no pensamento verbal discursivo; numéricos, na solução
de problemas aritméticos) que ele aprendeu. A existência desses códigos
internos bem assimilados, que formam a base operante do “ato mental”, forma
também, assim, a base para a execução de operações intelectuais requeridas
e, no sujeito adulto, que já dominou o uso desses algoritmos, ela começa a
fornecer um alicerce sólido para o estágio operante do pensamento. O uso
desses algoritmos leva o sujeito à fase seguinte do ato intelectual para a
solução real do problema.

Foi somente na década de 70 que aprendemos que a descoberta dessa


solução não inclui o ato intelectual, mas é meramente o prelúdio do estágio
final. O fato de que o processo do pensamento não termina com a descoberta
da resposta foi mostrado pelo trabalho de muitos investigadores

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(Anokhin,1955;1963;1968; Miller;Pribran e Galanter,1960 apud Luria, 1981).


Este estágio deve ser seguido por outro de comparação de resultados obtidos
com as condições originais da tarefa, pelo estágio do receptor de ações. Se os
resultados estiverem de acordo com as condições originais do problema, o ato
intelectual está completo, mas, por outro lado, eles não correspondem às
condições originais, a busca de estratégia necessária deve principiar
novamente e o processo de pensamento deve continuar até que seja
encontrada uma solução adequada, que esteja de acordo com as condições.

Para a Psicologia Sócio Histórica, o pensamento é tido como um salto


qualitativo no continuum das funções cognitivas, como um processo com
caráter mediado e gênese cultural social e histórica.

De acordo com Luria (1981) o pensamento como forma autônoma de atividade


cognitiva se forma gradualmente, sendo uma das formações psicológicas mais
tardias. Tanto as operações ou ações intelectuais isoladas, como também o
pensamento como atividade, são determinados através dos fatores histórico-
culturais. (L.S. Vygotsky; 1960; A.N. Leont’iev, 1972, 1977; A.R. Luria, 1971,
1973, 1975 b, e outros, apud Luria, 1981). A atividade mental é em grande
parte mediada pelos símbolos da fala e na sua forma desenvolvida é uma
atividade integrativa complexa mental que as três unidades funcionais realizam
de forma integrada, que resulta também das instrumentalidades culturais
criadas ao longo da história, sendo disponibilizadas a cada humano durante a
ontogênese, adentro de relações significativas com outros humanos, como
proposto por Vygotsky. Durante esse processo, ocorre uma alteração no nível
da anatomia e fisiologia cerebral, como demonstrado por Bella Kotik-Friedgut
(apud Quintino Aires, 2010) nas suas investigações sobre a organização
extracortical das funções nervosas superiores. Esta alteração permite o
aparecimento das funções mentais como a conhecemos nos adultos de cada
cultura e de cada tempo histórico.

Os autores referem que as funções nervosas superiores se constituem de


modo sistêmico, dinâmico e são regidos por leis hierárquicas. Nas funções
associativas do segundo bloco funcional as redes neuronais organizam-se
dando origem a três leis gerais:

- A primeira lei se refere à estrutura hierárquica das áreas de cada sub-bloco.


De acordo com Luria (1981), o funcionamento das áreas primárias fica sob
controle das secundárias assim que estas se estruturam, o mesmo
acontecendo mais tarde entre as secundárias e as terciárias.

- A segunda é a lei de especificidade decrescente. Das áreas primárias para as


terciárias o compromisso com uma modalidade sensorial é cada vez menor.
Quer dizer, nas áreas primárias as projeções são apenas de uma modalidade
sensorial (visual, auditiva ou tátil-sinestésica), mas nas áreas terciárias é feito
um processamento que é independente da modalidade sensorial de entrada de
informação.

- A terceira é a lei da lateralização progressiva. Da periferia para o centro do


segundo bloco cerebral, acentuam-se as diferenças da organização neuronal e,
em consequência, o tipo complexo de processamento realizado nas regiões

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TPO (temporo-parieto-occipital) esquerda e direita que apresentam um máximo


de lateralização. Quer dizer, os modos de processamento são diferentes, o que
justifica a possibilidade de um tratamento holístico-simultâneo no hemisfério
direito e de um tratamento analítico-sequencial no hemisfério esquerdo.

As funções de regulação da atividade mental correspondem ao terceiro bloco


cerebral, ou seja, ao lobo frontal, com uma região posterior correspondente às
áreas motora e pré-motora e uma região anterior denominada pré-frontal. A
região frontal anterior realiza o controle do estado do córtex cerebral e o curso
das formas fundamentais de atividade cerebral. Luria (1981) a denomina como
a unidade para planejar, regular e verificar a atividade cerebral. A região frontal
verifica cada produção de modo a averiguar a adequação do comportamento
que o cérebro acabou de preparar para ser executado à intenção original.

No entanto, cabe ressaltar a importancia do “princípio cronogênico da


localização das funções”, para compreender as mudanças nas funções do
pensamento na criança e no adulto e, as possíveis alterações após lesão
cerebral. Quintino Aires, 2010 refere que a localização cerebral para as tarefas
de resolução de problemas em crianças se encontram na região occipital e
lesões nessas áreas dificultam a execução desta tarefa. Enquanto que nos
adultos as dificuldades na resolução de problemas nunca estão associadas a
lesões no occipital, mas em lesões do lobo frontal. Essas mudanças na
localização da atividade reguladora ocorre no desenvolvimento do sujeito
psicológico, ativo no meio externo.

A análise cuidadosa das diferentes formas de distúrbios do pensamento, com


um estudo das suas causas fisiológicas diretas de suas vinculações com a
localização do foco patológico, pode assim fornecer um meio, difícil, mas o
único e digno de confiança, para resolver o problema da organização cerebral
do pensamento segundo Luria.

8.2 Comprometimentos do pensamento

Os comprometimentos do pensamento não estão determinados pela


localização do foco da lesão, mas caracterizam alterações do cérebro, ou seja,
“sintomas não-específicos”, de acordo com Luria, 1981.

Todos os processos mentais (percepção, memória, gnose e práxis, linguagem


e pensamento, escrita, leitura e aritmética) devem ser entendidos como
sistemas funcionais complexos, organizados em zonas que trabalham em
concerto e não podem ser considerados como “faculdades isoladas”. (Luria,
1981).

Do ponto de vista da teoria da localização dinâmica e sistêmica das funções


nervosas superiores, os sintomas neuropsicológicos do pensamento têm a
mesma interdependência local que os outros processos cognitivos.

O autor destaca alguns tipos de comprometimentos dos processos do


pensamento:

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 Lesão da área temporal esquerda (afasia sensorial e afasia acústico-


mnésica), os sujeitos são capazes de executar corretamente: relações
espaciais dos elementos, operações aritméticas (forma escrita),
sequência correta de uma história através da apresentação de uma série
de quadros temáticos e, o aspecto semântico permanece preservado.
Ficam comprometidas as operações que exijam a participação mediada
das ligações da fala.
 Operações não-verbais que exijam a retenção na memória de material
verbal (operações do cálculo em voz alta).
 Operações verbais discursivas e sequenciais (memória audioverbal).
Este quadro é assim explicado, em caso de lesão da área temporal em
que não há destruição total da fala, o comprometimento é na estrutura
sonora, desintegração ou enfraquecimento do fator auditivo da fala. O
aspecto semântico da fala é em grande parte preservado.
 Lesão dos setores parieto-occipitais do hemisfério esquerdo, quando fica
comprometida a síntese dos vários elementos em grupos, a atividade
intelectual vê-se lesada de modo diferente: desintegração (ou
enfraquecimento) do fator óptico-espacial das operações cuja resolução
exige que o sujeito isole indícios visuais e suas relações espaciais,
perturbações nos exercícios “intelecto-construtivo” (montagem do cubo
de Link ou de Kohs).
Luria (1981) propunha a seguinte tarefa, transformar os elementos de
impressão em elementos de construção e verificava que os sujeitos com
lesões dos setores parieto-ocipitais esquerdo tinham preservada a
intenção de executar uma ou outra tarefa, eles conseguiam elaborar um
plano geral para a atividade que se antevê iminente, mas devido às
dificuldades de resolução das operações espaciais, não conseguiam
executar o exercício propriamente dito. Apresentavam também
dificuldades na resolução de tarefas aritméticas (acalculia primária),
dificuldades de compreensão de determinadas construções lógico-
gramaticais que reflitiam nas relações espaciais e quase-espaciais que
exigiam compreensão linguísticas semelhantes (A.R. Luria, L.S.
Tsvetkova, 1966; L.S. Tsvetkova; 1975 e outros apu Luria, 1981).
Esses distúrbios interferem no pensamento prático e de execução de
atividade construtiva denominada de distúrbio das sínteses espaciais,
denotando em dificuldade de formar uma imagem mental. O princípio e a
intenção permanecem intactos, as dificuldades podem ser compensadas
pelo uso de auxílios externos.
 Lesão temporo-parieto-ocipital do hemisfério esquerdo: surgem
comprometimentos das formas pictórico-figurativas do pensamento
(execução de operações de análise e síntese espaciais), compreensão
da semântica das relações quase espaciais, que constituem a essência
da afasia semântica (incapacidade de agrupar as palavras em
sequências apropriadas).
 Lesão dos setores pré-motores do hemisfério esquerdo provocam
comprometimentos diferentes na atividade intelectual, denominada
“síndrome pré-motora” (A.R. Luria, 1962, 1963, 1973, 1982c, T.V.
Akhutina, 1975; L.S. Tsvetkova, 1995 e outros apud Luria, 1981)
característicos de dificuldades da organização temporal de todos os
processos psíquicos, incluindo os intelectuais; desintegração dos

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movimentos (dificuldades de transmissão de um ato motor para outro);


perturbações da dinâmica do processo do pensamento (síndrome de
afasia dinâmica); compreensão das histórias, das fábulas, exercícios
aritméticos, etc., frases compridas com inversões semânticas ou
contextuais (perturbação da fala interna); afasia dinâmica (dificuldade na
compreensão do sentido do texto); perturbação da dinâmica lógico-
verbal; perturbação das operações intelectuais automatizadas
(aritméticas, verbais, pictórico-figurativas).
O comprometimento central da atividade intelectual é a perturbação da
dinâmica do pensamento, são as dificuldades nas “ações intelectuais” e
a inércia patológica dos atos intelectuais. São preservadas as operações
espaciais e a compreensão das construções lógico-gramaticais que
transmitem relações espaciais.
 Lesão nos setores pré-frontais do lobo frontal: surgem graves
perturbações dos processos intelectuais ou casos quase sem sintomas
na fenomenologia clínica, desintegração da estrutura da atividade
psíquica intelectual (perturbação do pensamento), os sujeitos não
comparam os elementos da tarefa, não formulam hipótese tanto verbais
como lógico-verbais na resolução de tarefas construtivas (cubos Kohs),
os sujeitos apresentam ações impulsivas que não levam ao resultado
esperado, não realizam a orientação prévia do material, classificação e
escolha de ações necessárias, quando recebem ajuda conseguem
realizá-las como uma lista com instruções necessárias para executar
sequencialmente as tarefas construtivas. (Luria, L.S. Tsvetkova, 1966,
1965 apud Luria, 1981).
Também desencadeiam dificuldades na execução de tarefas lógico-
verbais, no uso de metáforas, provérbios, análise de um texto literário,
assim como em dificuldades na reprodução de histórias curtas ou
fábulas. Em lesões maciças dos lobos frontais os sujeitos só conseguem
repetir elementos isolados do texto ou acrescentam raciocínios alheios e
não conseguem dizer qual a moral da história. Apresentam dificuldade
em reproduzir verbalmente um texto após a leitura de um segundo texto,
percebidos como interferência, nesse caso o sujeito mistura os dois
textos. Apresentam capacidade de integrar relações lógico-gramaticais
relativamente simples, mas surge perturbação das operações com
noções e com relações lógicas complexas. Apresentam dificuldades em
tarefas de classificação de objetos, como por exemplo, o sujeito não
consegue reter o princípio lógico de classificação e o substitui pelo
situacional (Luria, 1981).
Na resolução de problemas aritméticos, o sujeito apresenta ações
impulsivas e fragmentadas (manipulações causais de números), neste
caso não consegue se corrigir e somente o faz diante de um rígido
programa de ações ou através listas de instruções que podem melhorar
sua produção. Nas dificuldades de operações aritméticas em série
(soma ou subtração), dependem da retenção na memória dos resultados
intermediários e da instrução que possibilita o controle e regulação da
atividade intelectual.

A análise neuropsicológica revela que enquanto as zonas posteriores dos


hemisférios (segundo bloco funcional) são responsáveis pelas condições

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operantes para a atividade intelectual, os lobos frontais (terceiro bloco


funcional) são o aparelho essencial para a organização da atividade intelectual
como um todo incluindo a programação do ato intelectual e a verificação de sua
execução.

“... a análise da organização cerebral da atividade intelectual está


apenas em seus primórdios... muitos estudos ainda devem ser feitos
antes que tenhamos uma compreensão clara dos mecanismos
cerebrais do pensamento. Entretanto, o método de análise sistêmica...
fornecerá um caminho digno de confiança para a solução desse
complexo problema.” (Luria,1981)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

KHOMSKAYA, E.D. Neuropsicologia: Bases Teóricas e Importância Prática. 3ª


edição. Moscou: ZAO Piter,-2003.

QUINTINO AIRES, J.M. Neurogênese da linguagem: uma contribuição marxista


a filosofia da psicologia – São Paulo: IPAF Editora, 2010.

LURIA, A.R. Fundamentos de Neuropsicologia. São Paulo: Editora USP, 1981.

VYGOTSKY, L.S., LURIA, A.R. – Estudos sobre a História do Comportamento:


Simios, Homem Primitivo e Criança. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira – Porto
Alegre: Artes Médicas, 1996.

VYGOTSKY, L. S. Desenvolvimento das funções psíquicas superiores – M.:


Pedagóguika, 1960.

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CAPÍTULO 9- LINGUAGEM

Aline Ugliano

A linguagem é uma função psíquica especificadamente humana e a de maior


peculiaridade constituída ao longo do desenvolvimento histórico cultural do
homem.

O objetivo deste capítulo é apresentar o processo de aquisição da linguagem


sob uma perspectiva Sócio Histórica de modo a compreender e distinguir suas
funções elementares e superiores, bem como descrever as disfunções e
alterações decorrentes de lesões cerebrais que afetam diferentes processos
desta função tão complexa e tão bem estruturada e que está na base do
desenvolvimento de todas as funções nervosas superiores dos humanos.

8.1 A linguagem como função nervosa elementar e a sua constituição


como função nervosa superior

De acordo com Khomskaya (2003) a linguagem pode ser definida como “o


processo de comunicação através da língua” (p.157) e pode se distinguir em
quatro formas de atividade: duas que referem-se à fala expressiva, a fala verbal
e a fala escrita e outras duas que referem-se à fala impressiva, a compreensão
da fala oral e a compreensão da fala escrita, que explanaremos adiante.

A linguagem é uma função superior altamente complexa, decorrente de


diversas áreas cerebrais, envolvidas em um sistema funcional único, com
diversas características, incluindo muitos elos aferentes e eferentes e a
participação de analisadores auditivos, visuais, somatossensoriais, motores,
etc.

Para que o processo de linguagem aconteça, é necessário o funcionamento


integrado e orquestrado, como refere Luria (1981), de estruturas cerebrais que
se integram ao longo do desenvolvimento ontogenético de cada humano
através da relação social com outro humano.

Vamos imaginar um bebê recém-nascido. Logo nas primeiras semanas de vida,


já produz elementos sonoros que são próprios de comportamentos instintivos
como o choro, o grito e o balbucio que são reações vocais elementares, de
cunho biológico, adquirido no processo filogenético da espécie humana.

Essas reações vocais não são observadas isoladamente e estão atreladas a


uma série de outros movimentos e outras reações dentro de todo um contexto
ambiental, relacional, emocional que lhe é apresentado.

Ao longo dos dias, o recém-nascido, em contato relacional com o cuidador e


outras pessoas de seu convívio, modifica essas reações vocais de base
anteriormente biológicas por outros comportamentos que, através da palavra
do outro, lhe oferecem novos estímulos sensoriais de áreas visuais, auditivas,
táteis, sinestésicas, motoras, etc, que estimulam zonas primárias de sistema

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cerebral formando redes neurais que juntas possibilitarão o desenvolvimento


das funções superiores da fala, alterando o funcionamento cerebral.

De acordo com Vygotsky (2000), é através do surgimento de reações vocais


que se inicia o contato social. No primeiro momento, as reações vocais se
dirigem a qualquer pessoa que se apresenta no campo visual do bebê e, mais
tarde, este passa a diferenciá-las daquele que é seu cuidador utilizando-se de
reações vocais específicas diante deste.

Os gestos passam a receber caráter triangular entre bebê, objeto e cuidador,


quase como um convite a comunicação aparecem os sinais de intencionalidade
mútua no processo de “dar nome às coisas” e assim começa o reconhecimento
da realidade e o início da linguagem, como referido nas crises psicológicas.
Dessa forma, a relação com o outro está associada a diferentes estímulos no
qual, a cada objeto novo que lhe é apresentado está atrelado à nomeação por
uma palavra, e, mais do que isso, atrelado ao início da construção dos signos e
significados para esta palavra-objeto.

Vygotsky (2009) descreve que a criança assimila a estrutura externa, ou seja, a


palavra-objeto que lhe é apresentada através da fala do adulto para
posteriormente se tornar uma estrutura simbólica. Devido a isso, a fala, além
de caracterizar uma forma de comunicação social, é um instrumento essencial
para a regulação e organização da atividade intelectual dos processos mentais
humanos.

De acordo com Quintino-Aires (2010):

“A fala (...) começa com uma necessidade processada nas estruturas


subcorticais ou numa intenção processada na região pré-frontal. Os
sons organizados em fonemas são processados no lobo temporal
anterior, com o contributo de uma pré-articulação trabalhada no lobo
frontal posterior inferior e do feedback dessa pré-articulação projectada
no aparelho oro-fonador (boca, língua, etc) analisado no lobo parietal
inferior anterior. As regiões de síntese, no cruzamento dos lobos
parietal, temporal e occipital, integram dados com origem noutras
modalidades sensoriais (visão e tacto) recolhidos agora no ambiente ou
em traços já anteriormente registrados, e permitem ajustar a articulação
com base no significado e na grafia, quando se conhece, registrada no
occipital anterior. Todo este trabalho cerebral vai sendo coordenado
pela região pré-frontal...” (p.129)

Para Vygotsky (2000), a princípio a linguagem se desenvolve independente do


do pensamento e, em certo momento, o pensamento e a linguagem se cruzam
e a linguagem se intelectualiza e o pensamento se verbaliza e, nesse processo,
a criança descobre que cada objeto tem um nome correspondente a uma
palavra e, esta passa a ter significado.

Vygotsky (2009) retrata que

“A palavra desprovida de significado não é palavra, é um som vazio.


Logo, o significado é um traço constitutivo indispensável da palavra. (...)
O significado da palavra só é um fenômeno de pensamento na medida
em que o pensamento está relacionado à palavra e nela materializado,

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e vice-versa: é um fenômeno de discurso apenas na medida em que o


discurso está vinculado ao pensamento e focalizado por sua luz. É um
fenômeno do pensamento discursivo ou da palavra consciente, é a
unidade da palavra com o pensamento.” (p.398)

Assim, os significados são apresentados à criança pelo universo social e


cultural que a rodeia e pouco a pouco, a criança toma consciência e transforma
a fala do outro em signos psicológicos, na relação que é estabelecida entre a
palavra dada e o objeto apresentado.

Vygotsky (2009) denomina “fala interna” o processo de internalização da


linguagem. Na criança inicia-se no momento em que se utiliza da fala consigo
mesma para solucionar um problema, ou seja, “fala sozinha” (fala egocêntrica),
como modo de transformar o pensamento em fala para então realizar a ação. O
declínio da vocalização egocêntrica demonstra o progresso da criança em
abstrair o som, adquirindo capacidade de “pensar as palavras”, e possibilitar o
discurso interior, e, no adulto, a fala interna já não necessita de vocalização,
mas mantém o auxílio no processo de solucionar problemas. Dessa forma, a
linguagem se torna um instrumento do pensamento auxiliando-o em diversos
processos psicológicos.

O início da linguagem se dá nos processos de socialização com a função de


interação e comunicação social e, em seguida, seu desenvolvimento como
processo psicológico possibilita alterações no pensamento e permite a
construção da generalização e abstração através da internalização da
linguagem que então organiza o pensamento como um instrumento
intrapsíquico.

De acordo com Leal (2010):

“A palavra (ou “signo”) poderá agora ser usada como


coisa/circunstância real, independente e autônoma, fornecendo formas
inovadoras de adjetivação das relações do ‘Eu’ com a realidade,
designando as coisas no contexto dos acontecimentos quotidianos e
fantasiados, inventando novas palavras para coisas e eventos, usando-
as para brincar com elas, ao interagir com outras pessoas,
companheiros ou adultos, isto contribuindo para a vivência gostosa do
controle” e, (...) a linguagem contribui para “fortalecer a organização do
“Eu”, ou seja, do sentido de ser alguém a conquistar um seu lugar no
mundo mais ou menos consistente, e conseguindo satisfazer
minimamente as suas necessidades de autonomia e de apoio de um
outro fiável.” (p.82)

Portanto, a linguagem quando convertida em fala interior, organiza o


pensamento da criança e torna-se uma função nervosa superior.

Falaremos adiante sobre as estruturas cerebrais do processo da linguagem e


iniciaremos pela estrutura psicológica dos processos da fala e em seguida os
componentes fisiológicos que se estruturam de acordo com os estudos de Luria
(1981).

A palavra, sendo o item essencial da linguagem, é a unidade básica do aspecto


executivo (operante) da fala, ou seja, este autor a concebe como uma matriz

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multidimensional complexa de diferentes conexões (acústicas, morfológicas,


léxicas e semânticas) em que, de acordo com determinado estado, se
predomina uma delas. E, além de ser um meio de comunicação, é ao mesmo
tempo “um mecanismo de atividade intelectual – um método a ser usado em
operações de abstração e de generalização e uma base para o pensamento
categórico.” (Luria, 1981, p.270)

Portanto, a atividade de comunicação social é apenas um dos aspectos da fala,


o outro é ser um instrumento mediador essencial para o desenvolvimento de
outras funções superiores, por isso os autores referidos a denomina como um
mecanismo de atividade intelectual.

Para descrever a organização dos mecanismos e estruturas da atividade de


fala, de acordo com Luria (1981), é necessário compreender seu aspecto
executivo (ou operante).

O primeiro componente da organização operante é o processo acústico (ou


fásico). Para que aconteça, é necessária a análise acústica do fluxo da fala
convertidos em unidades de sons chamadas de fonemas com propósito de
discriminar os significados distintos de sons.

O segundo componente é a organização léxico-semântica do ato de falar que


exige o domínio do código léxico-morfológico da linguagem para então ser
convertida em imagens ou conceitos em seus equivalentes verbais de forma
que componha a simbolização radical da fala cuja função é a significação
morfológica ou semântica.

Outro componente é a frase ou expressão que pode ser considerado como um


processo de transição do pensamento para a fala, baseado em códigos
sintáticos objetivos de linguagem e que, incorporado pela fala interna, é o elo
essencial de qualquer expressão narrativa.

A fala, como um meio de comunicação que a linguagem utiliza para a


transmissão de informações de forma complexa e especificadamente
organizada de atividade consciente, necessita da participação de dois
mecanismos distintos de atividade: a fala expressiva e a fala impressiva (ou
receptiva).

A) A Linguagem expressiva começa com um motivo ou ideia, é codificada


em um esquema de fala e posta em operação, com o auxílio da fala interna,
finalizando-se em fala narrativa ou discurso através de uma forma de
linguagem verbal ou escrita Inclui uma série de componentes operantes, dentre
eles, seu tipo mais elementar é a fala repetitiva.

A repetição de um som, sílaba ou palavra requer a percepção auditiva acurada


realizada através de sistemas do córtex temporal (auditivo); a participação de
um sistema preciso de articulações que dependem de zonas inferiores de
córtex pós-central (cinestésico) do hemisfério esquerdo17; e a capacidade de

17
O hemisfério esquerdo está associado à grande parte dos componentes responsáveis pelos processos da linguagem, contudo,
outros componentes linguísticos também são processados no hemisfério direito como a prosódia e semântica, ou ainda, quando o
hemisfério esquerdo não está disponível, o hemisfério direito pode substituí-lo. (Quintino-Aires, 2010, p.59-60)

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passar de um articulema para outro através da habilidade de estruturas do


córtex pré-motor do hemisfério esquerdo e de suas zonas inferiores.

Outro tipo de organização de fala expressiva é a nomeação de objetos,


utilizando processos ainda mais complexos, já que neste caso não há um
modelo acústico da palavra a ser repetida, mas terá de encontrá-lo por si
mesmo diante de um estímulo visual do objeto percebido, ou imaginado, para
então codificar a imagem por meio de uma palavra adequada à linguagem oral.
Para a realização desta tarefa serão necessárias as seguintes condições: nível
adequado de percepção visual; integridade da estrutura acústica precisa da
fala vinculada ao sistema de audição de fala da região temporal esquerda já
familiar; a correta nomeação de objetos, ou seja, descobrir o significado
apropriado, selecioná-lo, inibir as alternativas irrelevantes e isolar o significado
requerido; e capacidade de mobilidade dos processos nervosos garantindo que
um objeto ao ser nomeado não impeça a nomeação de um próximo objeto.

B) A linguagem impressiva ou receptiva inicia-se pela percepção de uma


expressão falada que é decodificada para a identificação dos elementos
significativos e redução desses elementos a um determinado esquema de fala
que é convertido, também pela fala interna, em ideia geral que traz o motivo da
expressão decodificada.

De acordo com Luria (1981), seu mecanismo elementar é o processo de


decodificação da fala recebida por meio do isolamento de sons falados que são
desempenhados pelas zonas secundárias do córtex temporal (auditivo) do
hemisfério esquerdo atrelado ao sistema de conexões com a zona pós-central
(cinestésica) e com a zona inferior do córtex pré-motor e as zonas posterio-
superiores da região temporal esquerda cumprem com o papel de isolamento e
identificação das características fonêmicas fundamentais para a análise
acústica altamente especializada da estrutura dos processos de fala.

Outro processo importante na fala impressiva é a compreensão do significado


de uma frase18 inteira ou de toda uma expressão de fala conexa. É de se
esperar que a organização cerebral deste processo seja muito mais complexa
que a anterior e envolvem três mecanismos principais, de acordo com Luria
(1981):

1. Retenção de todos os elementos da expressão na memória para a fala;

2. A síntese simultânea de seus elementos;

3. A análise ativa de seus elementos mais significativos.

Vamos ilustrar os mecanismos da linguagem através do exemplo abaixo:

Ao vocalizar um som (que chamaremos de A), o bebê aleatoriamente chama a


atenção daquele outro que está a sua frente e, quando este lhe é atento, o

Entendemos como frase a unidade básica da expressão narrativa, um método de análise e generalização de
18

informações recebidas, formular decisões e tirar conclusões.

132
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responde com outro som (que denominaremos A’). Diante do som A’, o bebê
recebe estímulos auditivos aliados com estímulos visuais, táteis, sinestésicos e
motores que auxiliam na formação de novas conexões nervosas e no processo
de iniciar uma nova resposta, seja ela qual for.

O bebê emitirá um segundo som B e o cuidador rebaterá mais uma vez com o
som B’. Nessa relação elementar entre o bebê e o cuidador, dá-se início ao
que Leal (2010) chama de diálogo primário e Vygotsky (1996) relata como a
crise do período pós-natal, como já referido anteriormente.

Ao estabelecer o diálogo primário, o bebê ativa as áreas subcorticais, recebe


estímulos ambientais e afetivos, constrói redes neurais e conexões nervosas
mais complexas como o de construir significados para os objetos
apresentados, nomear estes objetos, construir conceitos, generalizar, abstrair,
etc., iniciados na crise do primeiro ano, como já mencionado anteriormente.

A criança avança cada vez mais em formatos complexos de linguagem pela


construção de pseudofrases, em que a palavra “água”, por exemplo, vem
acompanhada do gesto “lá em cima” reproduzindo toda uma significação de
que “eu quero a água que está lá em cima e não posso pegar sozinha”.

Entre os 18 e 24 meses, o vocabulário da criança se alarga nitidamente e suas


estruturas cerebrais adquirem base para a formação de novas redes que
possibilitam a fala verbal.

Assim, a fala indica que o sujeito é ativo em sua construção de personalidade.

1. Comprometimentos da linguagem

As alterações que podem ser observadas na função psicológica da linguagem


são amplas devido a toda sua complexidade em termos de estrutura cerebral.

Na linguagem expressiva, por exemplo, função que temos acesso direto no


contato inicial com o sujeito, nos é possível o levantamento dos primeiros
dados clínicos, como por exemplo se apresenta alteração do tipo afásica? Se
as orações são claras e condizentes com o contexto? Se conhece, seleciona e
combina as unidades linguísticas (morfemas, fonemas, palavras, orações)? Se
compreende adequadamente nossas perguntas e colocações diante a ele? Se
mostra ritmo e melodia adequados (prosódia)? Se demonstra capacidade de
orientação pessoal, espacial e temporal?

Essas observações iniciais são ricas informações para uma boa investigação
do estado neuropsicológico, contudo as dificuldades na função de linguagem
são amplas e contemplam outras estruturas além da fala.

De acordo com Peña Casa-nova (1991):

“Todo individuo normal ha de ser capaz de producir un lenguaje


narrativo y de conversación com um contenido adecuado y uma
conversación linguística normal. (...) A lo sumo es posible

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observar ciertos usos particulares de vocabulário, cierta pobreza


léxica y simplificación narrativa em indivíduos con escolaridad
muy baja o nula”. (p. 71-72)

Na investigação das funções da linguagem, deve-se levar em consideração o


conjunto de anormalidades nas funções sensoriais, motoras e do
comportamento em geral. São investigadas, ao mesmo tempo, as duas
categorias de funções da fala - a fala impressiva (receptiva) e a fala expressiva
(motora) - que trabalham em estreita relação, por isso uma perturbação da
audição fonêmica produz, inevitavelmente, uma perturbação secundária da
articulação e da fala expressiva; e uma perturbação do processo articulatório e
da fala interna pode afetar também o processo impressivo.

As diferentes formas de fala expressiva (exclamações afetivas, denominações,


pronúncia de uma frase ou fala espontânea) e as diversas formas de fala
impressiva (captação do tom emocional, compreensão de palavras bem
formuladas ou de aspectos nominativos) incluem sistemas de associações
organizados em diferentes níveis de desenvolvimento e que também devem
ser levados em conta.

Devido aos distintos níveis de organização neuropsicológica da linguagem, faz-


se necessário diferenciá-los didaticamente:

1. Os transtornos da fala (ou linguagem motora): são alterações de nível


periférico na voz, articulação e ritmo da fala, que trazem consequências
para a linguagem. As alterações são:

Disartria: é uma lesão neurológica, caracterizada pela incapacidade de articular


as palavras de maneira correta, resultando alterações da força e do movimento
dos músculos orais, linguais ou faríngeos e, entre as principais causas, estão
as lesões nos nervos centrais e doenças neuromusculares por lesões no
sistema nervoso central ou periférico;

Dislalia: má pronúncia das palavras, seja omitindo ou acrescentando fonemas,


trocando um fonema por outro ou ainda distorcendo-os, podem ser resultantes
de malformações ou de alterações de inervação da língua, da abóbada palatina
e de qualquer outro órgão da fonação (tais como o lábio leporino ou como
consequência de traumatismos dos órgãos fonadores) ou são devidas a
enfermidades do sistema nervoso central;

Disfemia: também conhecida como gagueira ou gaguez, consiste em uma


desordem de fluência da fala, são a repetição de sílabas, os prolongamentos
de sons e os bloqueios dos movimentos da fala, sobretudo na primeira sílaba,
no momento em que o fluxo suave de movimentos da fala precisa ser iniciado
afetando a coordenação fono-respiratória e tono muscular junto a respostas
emocionais e neurovegetativas;

Disfonia: representa qualquer dificuldade na emissão vocal que impeça a


produção natural da voz que se manifesta por meio de uma série de alterações:

a. Alterações orfológicas dos órgãos da laringe (disfonia orânica);

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b. Alterações hipercinéticas e hipocinéticas (disfonia funcional);

c. Alterações endocrinológicas (disfonia endocrinológica);

d. Lesões no sistema nervoso central e/ou tronco cerebral (disfonia


central);

Anomia: incapacidade de nomear determinado estímulo em consequência da


não comunicação inter-hemisférica;

Alalia: incapacidade em todas as formas de atividade lingüística;

Mutismo: é a ausência de linguagem oral, voluntária ou não, de origem e


mecanismos dos mais variados. Nas doenças mentais, pode ser observado nos
estados de confusão mental, da melancolia e da catatonia; nos estados
demenciais avançados, na paralisia geral e na demência senil. Na
esquizofrenia pode decorrer de interceptação do pensamento, de perda de
contato com a realidade, de alucinações imperativas ou de ideias delirantes de
culpabilidade.

2.Os transtornos da linguagem: Afasias

A afasia é um distúrbio na percepção e expressão da linguagem decorrente da


lesão cerebral caracterizada pela perda parcial ou total da faculdade de
exprimir os pensamentos, compreensão e emissão da fala e da linguagem,
desencadeando dificuldades específicas de acordo com a área lesionada que
acarretará alterações em diferentes aspectos, os quais citaremos abaixo.

De acordo com Khomskaya (2003), a classificação de Luria quanto às afasias


se diferem em duas classes: as perturbações da fala relacionadas com a
desintegração dos elos aferentes do sistema funcional (afasias: sensorial,
acústico-mnésicas, óptico-mnésica, sinestésica e semântica) e as afasias
decorrentes de lesões em seus elos eferentes (afasias: dinâmica e motora
eferente) que serão descritas brevemente abaixo:

Afasia Sensorial ou receptiva (Afasia de Wernicke): está associada a lesões


nas partes superiores do lobo temporal, sendo os principais indícios as
perturbações da audição fonêmica, a perda do significado das palavras, a
dificuldade de nomear objetos, a presença de parafasias literal e verbal, além
de comprometimento na escrita sob ditado e na leitura por não ter o controle
exato de seu discurso. A audição à fala humana é o principal elo aferente do
sistema linguístico19 e uma perturbação na audição fonêmica leva a um colapso
das atividades linguísticas, desorganizando todo o sistema da fala que requer
as discriminações de sons que incluem o entendimento da linguagem, a
nomeação de objetos e a lembrança de palavras necessárias, fazendo então a
substituição por fonemas e palavras incorretas (erros parafásicos) e, em
consequência, são incapazes de monitorar sua própria fala, portanto, não têm
consciência dos seus erros.

19
Segundo Khomskaya (2003), “o Homem, para além da audição não-verbal, possui uma audição especializada para captar os sons
da fala”. (p.159)

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Afasia Acústico-Mnésica: lesões na parte posterior-inferior do lobo temporal e


nos setores corticais médios da área temporal esquerda (situados fora da área
nuclear do analisador auditivo) provocam uma perturbação na memória
audioverbal a qual não memoriza o material linguístico, mesmo curto,
ocasionando dificuldades para reter palavras em série e compreender a fala de
outras pessoas ou quando se lê uma frase comprida devido à incapacidade da
comunicação verbal em nível mnésico. Assim, este tipo de afasia afeta todas
as formas de atividade da fala: fala verbal ativa, repetição de palavras, escrita
sob ditado, etc.

Afasia óptico-mnésica: afeta o elo do sistema aferente visual devido a lesões


dos setores póstero-inferiores da região temporal e envolve a debilidade das
representações visuais da palavra, apesar de não apresentar dificuldades de
orientação no espaço visual, mas em retratar os objetos ocorrendo
perturbações na denominação do objeto. Em casos de lesão nos setores
inferiores do córtex das áreas occipitais (ou occipito-parietais) do hemisfério
esquerdo, afetando a leitura (alexia óptico primária) em que ocorre o não-
reconhecimento de letras isoladas (alexia óptico literal) ou de palavras inteiras
(alexia óptico verbal).

Afasia motora aferente: envolve a desintegração do elo sinestésico aferente do


sistema da fala em caso de lesões dos setores inferiores da região parietal do
cérebro (área pós-central do hemisfério esquerdo) ou na região opercular
posterior do córtex (ou área de Wernicke) surgindo dificuldades na
pronunciação das palavras devido à incapacidade do paciente para determinar
com presteza as posições dos componentes do mecanismo da fala (por
exemplo, lábios e língua) necessários para articular os sons requeridos e a não
diferenciação dos articulemas por não distinção de sons da fala ocorrendo a
troca com articulações parecidas já que a captam de modo errôneo,
envolvendo uma perturbação apráxica dos órgãos da fala. O déficit de escrita e
leitura também está presente, bem como dispraxia ideomotora da musculatura
faríngea, lingual e oral.

Afasia Semântica: é causada por lesões nas áreas terciárias da região


temporo-parieto-occipital (TPO) do córtex, representando uma perturbação das
construções gramaticais que refletem na análise e síntese simultâneas, ou
seja, caracterizada por uma incapacidade de sintetizar eventos isolados
simultâneos em uma unidade significativa sofrendo uma perda interna da
estrutura semântica das palavras e, como consequência, ocorre a incapacidade
de processar ou decodificar informações de acordo com as regras lógico-
gramaticais da linguagem. Assim, embora haja a capacidade de entender
palavras isoladas mostram dificuldades de diferenciar: relações espaciais com
a ajuda de preposições; relações comparativas entre dois ou mais objetos
numa mesma frase; relações de tempo e espaço entre dois acontecimentos
simultâneos; orações com inversões lógicas não são compreendidas; e
definições mais complexas e com verbos transitórios dentro de uma mesma
frase.

O grupo de afasias acima mostrou perturbações de diferentes sistemas de


aferentação (auditivo, visual, sinestésico, espacial e simultâneos), agora vamos

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descrever abaixo as afasias relacionadas com perturbações nos elos eferentes


do sistema da fala.

Afasia Motora Eferente (ou Afasia de Broca): ocorre em caso de lesão das
porções inferiores do córtex da área pré-motora, também conhecida como área
de Broca, crianças com essa afasia apresentam dificuldades em pronunciar as
palavras sem conseguir traduzir os pensamentos em linguagem pronunciando
sons não articulados, embora compreendam o discurso que lhes é dirigido. Nas
lesões menos graves, mantém-se preservada a análise dos sons e articulação
de algumas palavras, no entanto está comprometida a organização motora (ou
cinética) do ato da fala perturbando sua “melodia cinética” conforme menciona
Luria (1991) devido à dificuldade em mudar de uma posição articulatória para
outra e executar atos motores em série, surgindo as perseverações verbais e
acarreta disfunções secundarias da escrita, leitura e até mesmo compreensão
da fala. Portanto, a área de Broca tem relações bilaterais com as estruturas
temporais do cérebro funcionando em conjunto com um sistema único
refletindo em todo o seu modo de funcionamento cerebral.

Afasia Dinâmica: lesão geralmente na parte inferior do lobo frontal esquerdo,


imediatamente anterior à área de Broca nos setores frontal médio e pós-frontal
(pré-motores) que leva à adinamia da fala. Caracteriza-se pela perda da
suavidade da fala, agramatismo, comprometimento da compreensão e da
entonação, apresenta uma pronúncia vagarosa de sons isolados e de palavras,
com longas pausas na transição de uma palavra para outra, acarretando um
discurso empobrecido devido às perturbações da organização sucessiva do
discurso verbal ocorre a privação da fala espontânea, apesar da capacidade de
pronunciar palavras (repetição) e distinguir sons falados, dão respostas
monossilábicas a quaisquer perguntas. Cada palavra é pronunciada com
grande esforço por representar principalmente uma perturbação da fala interna.
A linguagem oral e escrita se caracteriza por curtos fragmentos de frases, com
a compreensão também comprometida, a hemiplegia e hemiparesia são
comuns nesse tipo de afasia.

Contudo, a literatura nos traz outras áreas e comprometimentos da Afasia20:

Afasia Total: é o comprometimento de todas as modalidades de linguagem,


desde a recepção quanto à emissão. A comunicação é inexistente. É a forma
mais grave, geralmente acompanhada de outros comprometimentos
neurológicos e motores;

Afasia em surdos: os transtornos da linguagem dos signos em pessoas com


deficiência auditiva se observam em caso de lesões do hemisfério cerebral
esquerdo igualmente em indivíduos normais com transtornos afásicos.

Para o diagnóstico da Afasia, é importante que aconteça sem que haja alguma
patologia dos aparelhos sensoriais, paralisias capazes de impedir a elocução
da palavra oral ou sua expressão escrita. A Afasia sempre diz respeito à perda

20
Essa classificação é didática e a afasia poderá apresentar-se em vários níveis de comprometimento.

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dos conhecimentos de linguagem adquiridos, o que normalmente se


acompanha de algum prejuízo das funções intelectuais.

3. Transtornos dos Conteúdos Ideativos: Podem situar-se no contexto das


afasias ou não, e a sua distinção é importante para o delineamento do
tratamento específico de acordo com o conteúdo informativo
inadequado.

Verificamos alterações nos conteúdos ideativos da linguagem em diferentes


patologias, e aqui citaremos algumas características que podem ser
apresentadas:

a) Defeitos relacionados com transtornos da percepção, apesar de


produzir uma linguagem formal normal, apresentam erros lexicais
condicionados por paragnosias;

b) Conteúdo fabulatório com associações mentais grandes e anômalas


ou confusões mentais;

c) Conteúdo informativo condicionado por manifestações


anosognósicas com a negação das dificuldades apresentadas;

d) Alterações na organização lógica do discurso acarretando falta de


coesão de níveis gramatical (anaforização, coordenação, subordinação
e estruturas paralelas e inversas) ou lexical (repetição, sinonímia,
derivação);

e) Dificuldade de inibição de vocabulários de baixo calão, emitidos fora


do contexto.

4. Leitura e Escrita: O processo da leitura e da escrita requer a participação


de uma série de componentes presentes na compreensão e na
produção da linguagem, mas diferindo-se essencialmente da linguagem
falada em sua origem, na estrutura e em suas propriedades funcionais.

Na investigação da escrita e da leitura, é importante mencionar que a escrita


tem como sentido do pensamento para a palavra, enquanto que a leitura segue
o curso contrário, da palavra ao pensamento. Devido à complexa composição
da leitura e da escrita, a exploração das alterações deve ser precedida de uma
investigação anterior sobre a análise e a síntese dos sons e processos visuais.

De acordo com Peña-Casa Nova (1991), para que ocorra o processo de leitura,
são necessários:

a) um sistema de análise visual como via de entrada da informação


visográfica;

b) um sistema de reconhecimento visual lexical;

c) um sistema fonológico de conversão grafema-fonema.

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Na leitura lexical (ou direta) ocorre o reconhecimento de uma palavra visual de


uma memória específica para então estabelecer a conexão com os
significados.

Na leitura fonológica (ou indireta) estabelece uma relação entre a leitura com a
linguagem, em que a palavra escrita é codificada à palavra falada e o
significado acontece da mesma forma da linguagem oral.

Seguem abaixo algumas alterações no processo da leitura:

a. Transtornos ártricos: dificuldades articulatórias na expressão da


leitura;

b. Perseverações: repetição de elementos anteriormente lidos;

c. Paralexia: caracterizada pela troca de letras ou de palavras de um


texto;

d. Neologismo: verbalização de palavras inexistentes, sem relação


com nenhuma palavra estímulo;

e. Alexias: lesão no giro angular esquerdo pode ocasionar


alterações tanto na verbalização quanto na compreensão da
linguagem escrita apesar da compreensão da fala;

f. Dislexia: distúrbio de origem neurológica caracterizada por


dificuldades na decodificação de processamento fonológico
ocasionando prejuízos na leitura, escrita, nomeação rápida,
memória de trabalho, processamento de informações (visuais e
auditivas) e velocidade de trabalho. Caracteriza-se por uma
velocidade ou compreensão de leitura inferior ao esperado à
idade cronológica, à inteligência e à escolaridade do indivíduo,
com a leitura marcada por distorções, substituições ou omissões.

O processo de escrita, ainda de acordo com Penã Casa-nova (1991), aparece


mais tarde no desenvolvimento da linguagem e se fundamenta em um amplo
sistema funcional com a organização dos movimentos das mãos para a escrita
em níveis de conceito semântico, psicolinguístico de seleção e combinação
léxical-gráfica.

O processo da escrita também apresenta os sistemas lexical (utiliza-se da


evocação da imagem visual da palavra que estabelece a sequência de letras a
serem expressas através da escrita) e fonológico (vale-se da conversão som-
letra ou fonema-grafema).

Seus transtornos podem estar associados ao grafismo e/ou ao automatismo da


escrita.

Abaixo seguem alguns deles:

a. Agrafia: alterações da escrita associadas a lesões na parte


posterior do giro frontal médio, nos sistemas motores centrais ou

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periféricos que estão fora da organização psicolinguística, ocasiona a


incapacidade para traduzir ideias por escrito apesar de não apresentar
nenhum comprometimento psicomotor da fala ou da compreensão;

b. Disgrafia: alteração da escrita ligada a problemas perceptivo-


motores ou integração visual-motora, que dificulta a transmissão de
informações visuais ao sistema motor manifestando traços pouco
precisos ou incontrolados, escrita desorganizada, realização incorreta
dos movimentos de base;

c. Paragrafia: troca de uma palavra por outra;

d. Anomia: falta de vocabulário;

e. Agramatismo: é uma evolução frequente da afasia de origem


cerebral caracterizada pela impossibilidade de expressar as ideias com a
devida correção gramatical e reflete uma importante redução da
linguagem sem flexibilidade e sem possibilidades de abstração;

f. Disortografia: conjunto de erros da escrita que afetam a palavra,


mas não o seu traçado ou grafia, por incapacidade de estruturar
gramaticalmente a linguagem, desconhecimento ou negligência das
regras gramaticais, confusão nos artículos e pequenas palavras, formas
mais banais na troca de plurais, falta de acentos ou erros de ortografia
em palavras correntes ou na correspondência incorreta entre o som e o
símbolo escrito, (omissões, adições, substituições etc.);

g. Dispraxia: Dificuldade para planejar e executar um ato motor novo


ou séries de ações motoras devido à lesão cerebral, acarretando falhas
no processamento sensorial e planejamento motor diferenciando do
transtorno da coordenação motora ou execução motora pela dificuldade
em conceituar ou formular um plano de ação.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

JAKUBOVICZ, R.; CUPELLO, R. Introdução à afasia - Elementos para


diagnóstico e terapia (6ª ed). Rio de Janeiro: Revinter, 1996.

KHOMSKAYA, E.D. Neuropsicologia: Bases Teóricas e Importância Prática. 3ª


edição. Moscou: ZAO Piter, 2003.

LEAL, M.R. Passos na construção do Eu. Lisboa: Fim de Século, 2010.

LURIA, A.R. Fundamentos de Neuropsicologia. São Paulo: Editora USP, 1981.

PEŇA CASANOVA, J. Normalidad, semiología y patología neuropsicológicas.


Programa Integrado de Exploración Neuropsicológica. Test Barcelona.
Barcelona: Masson S.A., 1991.

QUINTINO AIRES, J.M. Neurogênese da linguagem: uma contribuição marxista


a filosofia da psicologia – São Paulo: IPAF Editora, 2010.

VYGOTSKI, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,


2000.

______________ Obras Escogidas. Madri: Visor, 2009. Volume II e III.

_____________. A Construção do Pensamento e da Linguagem. São Paulo:


Martins Fontes, 2009.

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CAPÍTULO 10- FUNÇÕES EXECUTIVAS

Vanda Cianga Ramiro

Aline Ugliano

O comportamento humano é resultado da ação das funções nervosas


superiores que compreendem as funções cognitivas, vistas nos capítulos
anteriores, em conjunto com funções específicas, responsáveis pelo
comportamento intencional, pela reação emocional e ação produtiva.
O objetivo deste capítulo é demonstrar como estas funções específicas,
denominadas Funções de Regulação da Atividade Mental, para Luria (1981) e
Funções Executivas, para Lezak (1997), desempenham o papel de coordenar o
funcionamento ativo cerebral, articulando-o às funções cognitivas e ao
comportamento emocional, no “concerto cerebral”.

Como foi apresentado no capítulo I, o modelo sistêmico e dinâmico do


funcionamento cerebral de acordo com Luria (1981), compreende o cérebro
funcionando como um todo, resultado da interação das três unidades
funcionais, sendo a 1ª Unidade Funcional, responsável pela ativação do tono
cortical através de conexões ascendentes e descendentes entre a formação
reticular ativadora e o córtex cerebral, o que possibilita o funcionamento da
segunda e terceira unidades funcionais; a 2ª Unidade Funcional, estrutura
receptora, que mantém o contato com o mundo exterior pelos diversos canais
sensoriais e que através de conexões associativas terciárias possibilita o
processo de identificação, reconhecimento e armazenamento dos estímulos do
ambiente possibilitando o pensamento e a linguagem, funções específicas do
homem e a 3ª Unidade Funcional, efetora, que através de conexões aferentes
e eferentes é responsável pela programação, regulação e verificação da
atividade mental.
O “concerto cerebral”, como Luria (1981) denominou esta integração entre as
estruturas cerebrais, não exclui o funcionamento autônomo de cada uma das
unidades, como demonstrado em seus estudos de casos de lesões cerebrais
que comprometem as funções da segunda unidade funcional, resultando em
perdas, como da capacidade de fala, reconhecimento de estímulos visuais,
entre outras, mas que pela preservação das estruturas da primeira e terceira
unidades funcionais, possibilitou, através da estimulação, a construção de
outras redes de conexões e estas, a reabilitação de diversas funções perdidas.
Cabe ressaltar, que tal restabelecimento de funções, só foi possível porque as
estruturas e funções da terceira unidade funcional, haviam sido desenvolvidas
de forma efetiva, o que garantiu seu trabalho de “regência do concerto
cerebral”, estimulando as novas conexões.
A observação desta independência funcional das unidades possibilitou a Luria
afirmar que o funcionamento cerebral, além de sistêmico, resultante da
integração das diversas funções que se complementam, também é dinâmico, à
medida que a localização dos processos mentais se deslocam durante o

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desenvolvimento das funções nervosas superiores, bem como observa-se


autonomia das unidades funcionais, especialmente da terceira unidade,
demonstrando que sua ação é determinada não apenas pela experiência
pregressa mas por planos e prospecções futuras, resultantes das demandas do
ambiente, que tem base na iniciativa humana para a interação social, através
da comunicação, principalmente pela fala, atributo exclusivo do homem e estas
demandas estimulam novas organizações funcionais.
Portanto, a regência do trabalho mental desempenhado pela 3ª Unidade
Funcional cerebral, pela atuação das funções específicas de Regulação da
Atividade Mental, responsáveis pela organização das atividades conscientes,
individuais e independentes, decorrentes da decisão do sujeito, expressas
através de seu comportamento intencional, será tema deste capítulo.

10.1 As funções de regulação da atividade mental e a sua constituição


como nervosa superior

De acordo com Luria (1981), as funções nervosas superiores que regulam o


estado de atividade, segundo intenções e planos dos mais simples aos mais
complexos do homem, formulados com o auxílio da fala, resultam do trabalho
de integração da atividade cortical e límbica, executada especialmente pela
área pré-frontal, bem estruturada e desenvolvida.
Constitui-se como as últimas partes dos hemisférios cerebrais a serem
formadas na espécie humana, sendo pouco significativas nos animais
inferiores, com maior extensão nos primatas superiores e atingindo um quarto
da massa cortical no homem adulto. No desenvolvimento ontogenético,
observa-se que não atinge o mínimo de maturidade funcional até a idade de 7
anos, funcionalidade que só será completa ao final da adolescência, salvo
diferenças pessoais, que dependem da qualidade das relações interpessoais
de cuidado, que cada sujeito vivenciou desde o seu nascimento, como foi
apresentado no capítulo 1, ou seja, aqueles sujeitos que tiveram cuidadores
que através do uso da palavra e dos demais instrumentos disponíveis
apresentaram a realidade à criança, possibilitaram-lhe a construção dos
significados sociais, que constituem-se na base para o desenvolvimento das
funções de regulação da atividade mental.

Anatomicamente, a área pré-frontal localiza-se na porção anterior do giro pré-


central e morfologicamente é formada por células associativas que fazem
conexões complexas através de fibras aferentes e eferentes com todo o
encéfalo: com as demais áreas corticais, especialmente com o córtex motor,
que regula as ações dirigidas à metas; com as formações da segunda unidade
funcional, responsáveis pela recepção, análise e armazenamento das
informações advindas do ambiente através dos órgãos sensoriais; com a
primeira unidade funcional, através do sistema reticular responsável pela
ativação do tono cortical; com estruturas sub corticais, como o sistema límbico,
responsável especialmente, pelo controle dos processos emocionais e
motivacionais, fundamentais no controle da memória e da aprendizagem; com
o hipotálamo e sistemas neurotransmissores, envolvidos em todo controle do
meio interno.

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Observa-se então, que a área pré-frontal está integrada tanto ao meio interno
como ao meio externo, integrando as funções cognitivas com as funções
afetivas e emocionais, no “concerto cerebral” e a produção final, será o
comportamento humano, mais ou menos independente, criativo, flexível,
autônomo, prático, objetivo ou subjetivo, estável ou não, em diferentes
aspectos, de acordo com o desenvolvimento e integridade de cada uma das
estruturas e funções integrantes do “concerto”.
De acordo com Vygotsky (1997), o comportamento humano é a expressão do
conjunto das funções nervosas superiores as quais desenvolvem-se desde o
nascimento do sujeito, a partir do seu substrato biológico, que na interação
mediada pelos instrumentos utilizados por seus cuidadores, especialmente a
linguagem, lhes possibilitou a construção dos significados do seu momento
histórico, o que por sua vez, possibilita a construção dos sentidos pessoais.
E o comportamento regulado e dirigido a metas, depende fundamentalmente
da emoção, da vontade e da imaginação, que se transformam no
desenvolvimento social em funções altamente complexas que possibilitam: a
capacidade de iniciativa para a ação, quer seja prática ou mental; o
levantamento de hipóteses para a consecução da ação através da análise das
possibilidades de resolução dos problemas que são apresentados, possibilitado
pela flexibilidade do pensamento e utilização de recursos cognitivos e criativos;
a tomada de decisão, pela mobilização da autonomia e auto regulação para
proceder o julgamento sobre a melhor estratégia a ser utilizada; a manutenção
do interesse inicial, da motivação e do foco no objetivo a ser conquistado, o
que garante a ação produtiva, através da capacidade de auto controle e
inibição da atenção involuntária aos estímulos distratores, bem como de outros
interesses irrelevantes ao objetivo inicial e a capacidade de perceber o
feedback do ambiente, processos fundamentais e necessários para a ação
contextualmente apropriada.
É o comportamento produtivo que possibilita a realização das tarefas diárias, a
atividade criativa e o convívio social harmônico a medida que possibilitam ao
sujeito atender as demandas internas e externas, com maior ou menor
desgaste de energia.
Através de inúmeros experimentos eletrofisiológicos, Luria (1981) observou o
aumento ou diminuição da atividade nas áreas frontais, quando são
apresentados problemas intelectualmente complexos para serem resolvidos
pelo sujeito, com as estruturas íntegras, em comparação às performances de
sujeitos acometidos por lesões.
Observou ainda em casos de lesão dos lobos frontais, perturbação apenas das
formas superiores de atenção voluntária, enquanto as formas elementares do
reflexo de orientação, denominada atenção involuntária, provocada por
estímulos irrelevantes do ambiente, permanecem intactas e até aumentadas
em alguns casos.
Dessa forma, afirmou que os lobos frontais, particularmente suas zonas
mediais, regulam os processos de ativação, que estão na base da atenção
voluntária, fundamental para todo trabalho mental produtivo, bem como para a
atividade consciente, que de acordo com Vygotsky (1997), refere-se à noção

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do sujeito de ser o agente de sua ação, o que constitui-se na base de toda


atividade intencional e regulada.
Conclui-se então, que as funções de controle da atividade mental, são
resultantes da integração entre as atividades corticais superiores da vontade e
imaginação, que orientam todo pensamento criativo e produtivo, com as
funções sub corticais que o estimulam, através do processamento pelas
estruturas límbicas dos estímulos afetivos e emocionais, aos quais o homem
está constantemente submetido em sua vida diária.

Passaremos agora a apresentação de como as funções reguladoras da


atividade mental integram e são constituídas pela emoção, vontade e
imaginação.
10.2. Emoção

Vygotsky (2004), inspirado no “Tratado das paixões”, de Spinoza, quebrou o


antagonismo da psicologia clássica entre a vida intelectual e a vida afetiva do
homem, posto que os afetos são fundamentais para o desenvolvimento da
personalidade humana, constituindo a força de propulsão da vida intelectual e o
que dá o colorido pessoal às construções intelectuais, valorizando-as e
elevando-as à mecanismos superiores e não apenas modificações reflexas e
periféricas do sistema muscular, comum a outras espécies animais.
Estas concepções sobre a emoção a relegavam a condição inferior à razão,
sendo apenas toleradas nas criações artísticas, pois era considerada como
prejudicial ao pensamento e a evolução da espécie humana, como afirma Lane
(2003), o que levou à dicotomia entre razão e emoção, sendo o pensamento
valorizado como meio para o progresso tecnológico e gerador de regras que
mantivessem a organização das sociedades, enquanto as emoções eram
associadas aos aspectos mais primitivos do humano e que precisavam ser
reprimidos.

Cabe ressaltar que emoção e afeto, denominações usados por alguns autores
como sinônimos, de acordo com Reich (1998, apud Lane, 2004), coerente à
visão de que os aspectos fisiológicos e os psicológicos do sujeito não se
dissociam, concluiu que as emoções são sensações herdadas da espécie, que
só ganham sentido, quando as identificamos em nossa história de vida, através
da rememoração, de fatos ou experiências registradas, o que as torna
conscientes e são expressas através do riso ou do choro, enquanto os afetos
seriam as emoções nomeadas pela linguagem e portanto já conscientes para o
sujeito, visto que anteriormente já foram vivenciadas e significadas.
“As emoções de origem filogenética, no ser humano, ao se
confrontarem com a capacidade adquirida, ontogeneticamente, de uma
linguagem articulada, apta a ultrapassar o aqui e agora, ou seja, ampliar
as dimensões de espaço e tempo do pensamento, foram nomeadas e
identificadas como afetos, tais como o medo, a raiva, a alegria, etc.”
(Lane, 2004, p.111)

Quintino Aires (2010), afirma que os afetos intensificam a ação humana, seja
aumentando-as, gerando alegria, ou diminuindo-as, produzindo tristeza, bem
como, quando não foram desenvolvidas as funções que possibilitam a

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modulação da reação afetiva, o que depende do nível do desenvolvimento


psicológico de cada sujeito, podem intensificar tanto o comportamento humano,
resultando em reações muito intensas e até desmedidas ou até muito
inadequadas, e completa “...devemos esperar do nosso semelhante o pior, quando
ele é governado pelas paixões... ou ser verdadeiramente útil, na medida em que ele
vive sob o comando da razão” 21

Portanto, o desenvolvimento psicológico do sujeito, que possibilita a passagem


das funções nervosas elementares em funções nervosas superiores, quanto às
emoções e afetos, embora não os transforme, visto que continuam em sua
base de natureza psicofisiológica, típica da espécie, possibilita a construção
dos mecanismos de modulação da resposta afetiva diante da estimulação das
emoções, tanto as mais básicas e primárias, adequando a resposta à
expectativa do ambiente, bem como as mais socializadas e sutis.
No entanto, esta compreensão não significa que as emoções intensas deixarão
de existir ou de serem manifestas nas situações apropriadas, ou quando o
controle por qualquer motivo não puder ser exercido.

A relação entre a emoção sentida e sua expressão, se mostra menos fixa e


imutável a medida que o organismo se desenvolve, sendo que as
manifestações mais diretas, cedem lugar às formas mais complexas em
diversas nuances, pois submete-se à dinâmica do funcionamento mental, o que
permite explicar porque choramos tanto de alegria como de tristeza.
Considerar as emoções como resultado de um processo dinâmico, exclui a
concepção de que sejam apenas impulsos energéticos que determinam sua
experiência e o comportamento, mas sim como um elemento indispensável que
participa da motivação do sujeito e da determinação do caráter de suas
reações.
Assim, as emoções deixam de desempenhar um papel passivo de
epifenômeno, apenas como descargas nervosas, advindas de uma atividade
visceral, mas compreendidas como função psicológica que resulta dos
significados e sentidos construídos nas relações sociais vividas desde o
nascimento do sujeito.
Ao mesmo tempo que há o estímulo afetivo, posto nas diversas opções que o
ambiente proporciona ao sujeito, despertando-o para a ação ou mesmo para a
observação passiva, de acordo com as funções psicológicas que já tenha
desenvolvido, reagirá, de forma aprendida ou pessoal e a repercussão desta
noção será mais intelectual ou mais pessoal e passional.
Desta forma a emoção envolve desde a solicitação da elaboração contínua da
realidade percebida, bem como os estímulos que são percebidos ou evocados
pela repercussão da estimulação afetiva e a repercussão afetiva, que inicia-se
desde o começo da vida, de origem nas reações nervosas básicas,
gradativamente, pela mediação das palavras dos cuidadores que se relacionam
com o novo humano, passam a constituírem-se em nexos significativos,
relacionados com as experiências de prazer ou desprazer vividas.

21
Fala do autor em aula ministrada no IPAF LEV VYGOTSKY, em 18/08/2012.

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No início da vida, as experiências são sentidas com elevada carga afetiva, pela
imaturidade das funções nervosas do bebê, que fica a mercê das sensações de
prazer e desprazer, o que pode ser observado frente a experiência do bebê
que entra no choro intenso por sentir o desprazer gerado pela fome, frente o
qual, não tem recursos de defesa e gradativamente, passa a generalizar esta
experiência à outras sensações de desprazer. Bem como, vivencia a
experiência do prazer de mamar e ser saciado, aconchegado e protegido, o
que também generaliza gradativamente para outras situações similares.
Com o amadurecimento biológico do cérebro da criança, estimulado pelas
relações de cuidado vividas, possibilitará o desenvolvimento das funções
nervosas superiores, gradativamente, as emoções vão se diferenciando e os
nexos emocionais vão se estabelecendo de formas mais sofisticadas e
complexas.
Observa-se então, que as situações são constantemente analisadas pelo
sujeito a partir do seu significado e relacionadas às suas necessidades e pode-
se definir como “experiência emocional” o nexo estabelecido entre a
experiência de tais significados do ponto de vista afetivo e não do julgamento e
do raciocínio.
Uma estimulação afetiva que leva à seleção de estímulos que sejam
relacionados ao prazer ou ao desprazer sentidos e esta seleção de estímulos
passa a provocar um impacto afetivo na medida que o nexo emocional é
estabelecido. Assim, as emoções poderão vir acompanhadas por reações
fisiológicas como sudorese, taquicardia etc., mais ou menos intensas, pois o
processo emocional é o dinamismo que permite o contato com o meio externo,
ainda que não seja conhecido pelo sujeito.
O processo emocional é o dinamismo que possibilita o contato com o meio
externo e os nexos que serão construídos e dependerão dos relacionamentos
que o sujeito vivenciar, pois estes é que lhe proporcionarão os significados de
prazer ou desprazer diante dos estímulos que o ambiente proporciona.
Assim, se o bebê vivencia uma experiência de intenso desprazer provocado
pela fome, no quarto escuro, mas esta é prontamente e constantemente
substituída pela experiência do prazer possibilitado pela presença do cuidador
que promove a saciedade e companhia, o nexo que será estabelecido será o
da vivência prazerosa.
E ainda, este nexo será ampliado gradativamente para outras situações da vida
da criança, ampliando as vivências de prazer no contato com o ambiente no
qual convive, o que constitui-se em condições adequadas para a construção do
sujeito curioso e produtivo.
Portanto, a vivência da experiência emocional, mais ou menos intensa, que
caracteriza a emoção produtiva, que promove o crescimento pessoal através
do aprendizado ou a emoção negativa que bloqueia e paralisa a ação prática
ou mental, como por exemplo, os estados de pânico frente a qualquer situação
nova ou mesmo corriqueira, que impedem o sujeito utilizar seus recursos
intelectuais ou práticos, dependerá dos nexos construídos, nas relações
interpessoais vividas, na quantidade e qualidade de significados que estas

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possibilitaram serem construídos como também na construção da


personalidade.
E este conjunto de significados constitui-se como a matéria prima para a
construção das funções nervosas superiores, das quais dependerá o
funcionamento cerebral desenvolvido ou não e a adaptação mais ou menos
harmoniosa do sujeito no ambiente no qual ele convive.

As funções afetivas denunciam uma ligação imediata com os centros


subcorticais mais antigos, assim como com as áreas cerebrais mais recentes
(lobos frontais), especificamente humanas, as últimas a se desenvolver.
O sujeito que adquiriu sua maturidade psicológica, por ter desenvolvido as
funções nervosas superiores de auto controle, poderá dominar suas paixões,
quando necessário e vivê-las intensamente em suas experiências, pois como
refere Vygotsky (1932), o afeto é o “prólogo e epílogo” de todo o
funcionamento psicológico e produtivo.

10.3 Vontade

Compreende-se por vontade o querer ou o desejar alguma coisa, simples e


concreta ou complexa e abstrata, o que implica na capacidade para dar início a
uma ação voluntária, fazer escolhas, tomar decisões e fazer planos.
De acordo com Dalgalarrondo (2000), a vontade está relacionada com os
aspectos instintivos, afetivos e intelectuais da vida mental, bem como aos
valores, princípios, hábitos e normas sócio culturais, pelos quais a decisão
volitiva, é direcionada.
É a vontade, que mobiliza a iniciativa para a ação, seja prática ou mental, o que
possibilita ao sujeito a busca da satisfação de suas necessidades afetivas e
intelectuais. Dessa forma, podemos compreender o ato volitivo, como aquele
que tem início desde a iniciativa para as transposições das disposições afetivas
e elaborações intelectuais no ambiente externo, o que resulta na ação explícita.
A este percurso, desde a iniciativa para a ação, que nasce da vontade, ainda
no plano mental, até a ação explícita, de acordo com Dalgalarrondo (2000)
denomina-se processo volitivo, que compreende: a fase de intenção ou
propósito, que caracteriza o interesse inicial, que sofre influência dos impulsos,
desejos e temores do sujeito; a fase de deliberação, sobre as consequências
do ato volitivo; a fase de decisão propriamente dita, que caracteriza a tomada
de iniciativa e a fase de execução, quando é posto em funcionamento o
conjunto de atos psicomotores simples e complexos, com objetivo de
realização da ação.
Para Vygotsky (1998) os processos volitivos do homem dependem da ação
externa sobre as sensações internas, pois “o protótipo da vontade é o afeto, e com
base nesse ato afetivo surge, por meio de uma transformação, o processo volitivo no
sentido próprio da palavra”. (p.135)

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E a ação externa, será processada e elaborada, de acordo com os recursos


cognitivos e funções de controle da atividade mental, associados ao
desenvolvimento psicológico do sujeito, resultando então em respostas
adaptativas às demandas externas e internas.
É importante ressaltar, que respostas adaptativas, não significam
comportamentos submetidos à exigências externas, mas resultantes da ação
voluntária do sujeito, que internalizou o consensus lógico social e desenvolveu
a capacidade de responder de forma voluntária e não submissa, apenas para
cumprir as expectativas do ambiente.
O sujeito que desenvolveu a capacidade de tomada de iniciativa de forma
integrada às demandas externas, demonstra em seu comportamento,
características de autonomia de sua personalidade, auto reguladas, o que lhe
possibilita ter uma ação produtiva, quer seja prática e simples, para atender as
necessidades básicas do seu cotidiano, bem como as ações complexas
envolvidas no trabalho intelectual produtivo.

Dessa forma, compreende-se que a vontade, embora de origem psicobiológica,


nos nexos primitivos instintivos da espécie, será desenvolvida e transformada
em função psicológica, nas relações sociais que forem possibilitadas ao sujeito,
o que irá construir um sujeito desejante mais ou menos autônomo e ativo.
Cabe ressaltar, que estamos nos referindo ao conceito de atividade de Leontiev
(2004), atividade consciente e voluntária dirigida à metas, num processo de
auto compensação, ou seja, para o autor, a verdadeira atividade humana é
aquela gerada pelos motivos construídos nos significados sociais e que por si
própria, constitui-se no prazer e recompensa pelo agir.

10.4 Imaginação

Para completar a discussão dos aspectos constitucionais das Funções de


Regulação da Atividade Mental, além da Emoção e da Vontade, discutiremos
aqui o papel da Imaginação, considerada por Vygotsky (2009) como a base de
toda atividade criadora em todos os campos da vida cultural, que inclui não
apenas a criação artística mas a científica e a técnica e não apenas “... um
divertimento ocioso da mente, mas uma função vital necessária” (p.20)

De acordo com Vygotsky (2009) toda e qualquer atividade que produza algo
novo, seja material ou não, como as produções mentais e artísticas, são
consideradas atividades criadoras do homem e as distingue entre atividades
reconstitutivas ou reprodutivas e combinatórias ou criadoras.
O tipo de atividade criadora reconstitutiva está primariamente ligada à memória
e consiste na reprodução de condutas anteriormente criadas e elaboradas ou
repetição de impressões precedentes, como por exemplo, quando um pintor
reproduz em suas telas as marcas de lembranças vivenciadas em sua infância
ou lugares e cidades visitados ou ainda, quando elabora desenhos de
situações já vistas, observadas e registradas.

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A base orgânica desta atividade é a plasticidade cerebral, que garante a


capacidade de armazenamento do sistema de memória, conservando as
impressões processadas, selecionadas e internalizadas, o que possibilita o
resgate destas imagens e sua reprodução, adaptada às exigências do
ambiente e ao seu momento histórico e cultural.
O outro gênero da atividade é a combinatória ou criadora, na qual não são
reproduzidas as impressões vivenciadas anteriormente, mas é uma produção
pessoal que traduz os sentidos do criador, estimulado pela emoção que a
criação produz, associada à vontade de expressá-la, através das mais diversas
formas, característica que marca os estilos pessoais dos artistas e os fazem
conhecidos por sua obra, independente do lugar e tempo onde se encontrem,
confirmando o que afirma Vygotsky(2009)
“...O cérebro não é apenas o órgão que conserva e reproduz nossa
experiência anterior, mas também o que combina e reelabora, de forma
criadora, elementos da experiência anterior, erigindo novas construções
e novo comportamento.” (p.13,14)

Neste sentido, a criação não existe apenas através da descoberta de grandes


obras históricas como a invenção da luz elétrica ou a bomba atômica, mas por
tudo o que o homem é capaz de imaginar, combinar, modificar e criar.
Esse processo de criação manifesta-se na mais tenra infância, sendo expresso
nas brincadeiras e desenhos infantis, pois são produtos da reelaboração
criativa e das impressões vivenciadas pela criança, construindo uma realidade
nova que responde às aspirações e aos anseios da criança. “Assim como na
brincadeira, o ímpeto da criança para criar é a imaginação em atividade” (Vygotsky,
2009, p.17)

De acordo com Vygotsky (1998) o desenvolvimento da imaginação, assim


como o desenvolvimento de outras funções nervosas superiores, está
seriamente atrelado ao desenvolvimento da linguagem, a medida que esta
libera a criança das impressões imediatas sobre o objeto e lhe possibilita
representar, para si mesma, objetos os quais não tenha visto, de modo criativo
e ilimitado, pois consegue ainda através do uso da palavra, o que não coincide
com a combinação exata de objetos reais ou das correspondências ideais.
A base da atividade criadora é a capacidade de construir elementos, de
combinar o velho de novas maneiras e partir sempre de elementos tomados da
realidade e presentes na experiência anterior do sujeito.
É a partir de impressões da realidade anteriormente acumuladas e as
mudanças destas em novas imagens que constitui-se o fundamento básico da
atividade da imaginação, assim, o pressuposto fundamental a que se subordina
a atividade da imaginação é a riqueza e a diversidade de experiências
anteriores porque nessa experiência é que se constituem os projetos das
construções da fantasia.
Portanto, se pensarmos que, quanto mais rica for a experiência do sujeito, mais
elementos da realidade terá disponível para sua imaginação, é confuso
dizermos que a criança tem uma imaginação maior e melhor se comparada
com o adulto, pois este tem experiências mais amplas e ricas em relação às

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crianças e já possuem as funções nervosas superiores desenvolvidas o que


lhes possibilita maior imaginação e capacidade imaginativa.
Assim, para se criar bases sólidas no processo de imaginação e criação da
criança é necessário ampliar os elementos da realidade de que dispõe em suas
experiências, acumulando material necessário para construir a sua fantasia.
Para compreendermos a relação entre a imaginação e a realidade, é
necessário compreender as formas distintas de processamento, visto que toda
obra de imaginação constrói-se sempre de elementos tomados da realidade e
presentes na experiência anterior do sujeito e o produto final da imaginação,
consiste em elementos da realidade modificados e reelaborados e ainda, a
emoção, também base de todo processo criativo, possui a capacidade de
selecionar impressões, ideias e imagens consonantes com o ânimo dominante
no momento.

A construção da fantasia pode ser algo completamente novo, nunca vivenciado


ou sem nenhuma correspondência com algum objeto existente, mas adquire
uma concretude material que começa a existir realmente no mundo criativo.
Dessa forma, nota-se a importância que a imaginação adquire no
comportamento e desenvolvimento humano ao transformar e ampliar as
experiências de um sujeito que além de poder imaginar o que vivenciou pode
também imaginar o que não viu ou vivenciou diretamente por suas
experiências, mas se aventura nas experiências históricas e sociais de outras
pessoas.
Neste contexto, a imaginação é uma atividade rica em momentos emocionais,
mas estes não constituem sua base exclusiva e não se esgota nesta forma, já
que deve ser considerada como complexa atividade psíquica com a inter-
relação de várias funções em suas peculiares relações, os fatores intelectuais e
emocionais.

No processo de construção da criação e fantasia ocorre a reelaboração de todo


o material da realidade e a associação e dissociação das impressões
percebidas, na qual, a dissociação consiste em fragmentar todo complexo em
partes, realçando alguns aspectos e rejeitando outros, e, a associação é a
união desses elementos dissociados e modificados para posteriormente
combinar imagens individuais, organizá-las num sistema e construir um quadro
complexo de modo dialético, o sujeito necessita construir e descontruir ao
mesmo tempo, para criar algo novo. Estes processos, que são de extrema
importância para o desenvolvimento mental, estão na base do pensamento
abstrato e na formação de conceitos.
Outro aspecto importante no processo de criação é a passagem da
imaginação para a realidade, na qual, um dos fatores primordiais é a
inadaptação ao meio, a necessidade do homem se adaptar diante de desafios
e dificuldades da vida que o impulsionam a desejar, a ansiar e
consequentemente emerge a necessidade de criar. As necessidades e desejos
estimulam o processo de imaginação e estes estimulam as redes neurais para
a ação.

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Dessa forma, Vygotsky (2009) contrapõe a imaginação retratada como


atividade exclusivamente interna, orientada pelos sentimentos e necessidades
da própria pessoa, mas que é também um processo histórico e social,
afirmando que “...qualquer inventor, mesmo um gênio, é sempre fruto de seu tempo e
de seu meio. Sua criação surge de necessidades que foram criadas antes dele e,
igualmente, apoia-se em possibilidades que existem além dele.” (p.42)

Conclui-se então, que a imaginação é um ato consciente, que consiste no


afastamento voluntário da realidade, que se diferencia da cognição imediata da
realidade, pois junto com as imagens que se criam durante o processo da
cognição imediata da realidade, o sujeito cria imagens que são reconhecidas
como produto da imaginação. E observa-se ainda, que num nível desenvolvido
do pensamento criam-se imagens que não encontra esboços na realidade.
Esta concepção explica a complexa relação que existe entre o pensamento
realista e a imaginação em suas formas superiores, pois a medida que as
funções nervosas superiores desenvolvem-se e passam a regular a ação,
possibilita também que o sujeito se liberte das formas mais primitivas de
conhecimento da realidade e possa criar, de forma consciente, autônoma e
voluntária, porém adequada à realidade.

10.5 Comprometimentos nas funções de regulação da atividade mental

Luria e seus seguidores (1981) através de observações de pacientes,


pesquisas e experimentos laboratoriais, verificaram que quando a estrutura ou
as funções da 3ª unidade funcional não se desenvolveram como o esperado
para o sujeito adulto saudável ou em casos de lesões, observaram
perturbações nas formas superiores de atenção voluntária, que comprometem
a atividade mental, quanto a resolução de qualquer tarefa complexa ou
problemas, que demandam ativação controladas com o auxílio da fala.
Observaram ainda, que quanto maior a gravidade da disfunção, maiores as
dificuldades, chegando até, nos casos de lesões maciças, na Síndrome-
apático-acinético-abúlica, determinando comportamento completamente
passivo, sem expressão de vontade ou desejos, sendo que mesmo em estado
de fome o sujeito não empreende nenhuma ação voluntária para saciá-la,
embora os níveis mais elementares de sua atividade permaneçam preservados
e intensificados, fazendo com que reaja aos estímulos mais irrelevantes do
ambiente. Estes sujeitos não conseguem completar uma tarefa ou responder
perguntas diretas, demonstrando total falta de atenção ao interlocutor, no
entanto, mostram-se atentos aos mínimos estímulos do ambiente respondendo
a comentários ou perguntas que são feitos a outras pessoas que estão no
mesmo espaço.

Resulta ainda destas lesões, a Desintegração de programas complexos de


atividade, com substituição por formas de comportamento mais simples,
através de repetição de estereótipos mais habituais, como o exemplo citado
pelo autor, do paciente que ao ser dispensado do consultório, ao invés de sair
da sala, entrou no armário que estava com a porta aberta, demonstrando que a

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ordem verbal dada, permanecia em sua memória, mas não era capaz de
controlar a ação iniciada.
Assim, ações que sejam solicitadas por ordens faladas podem ser facilmente
substituídas por outras, pois os componentes de um arranjo comportamental
complexo são substituídos por outros, verificando-se inércia de estereótipos
motores que implicam na passagem de um movimento para outro,
demonstrando que a ordem verbal ou a intenção podem permanecer em sua
memória, mas não mais controlam a ação, pois perderam sua influência
reguladora, como o caso do paciente que a caminho do refeitório por estar com
fome e com intenção de comer, ao encontrar um grupo que vinha em sua
direção, os acompanhou em outro caminho.
Observa-se ainda, que estes sujeitos, frente a uma ordem de imitar o
movimento de seu interlocutor, não terá dificuldade, mas se for dada uma
ordem falada e o modelo for contrário, terá dificuldade para obedecer a
instrução e se a instrução for conflitante, do tipo “quando eu erguer o meu
punho você deve erguer o seu dedo”, não conseguirá decodificar o significado
e reproduzir a ordem falada, repetindo o modelo do gesto. Ainda, se lhe for
solicitado que bata com um lápis sobre a mesa num ritmo de forte-fraco-fraco,
passará a bater em ritmo contínuo enquanto reproduz verbalmente a ordem
dada, também de modo distorcido.
Verificou-se então, que nas lesões das zonas pré-motoras, a inércia patológica
se estende apenas aos componentes efetores da ação, embora a execução do
programa como um todo não seja perturbada, enquanto nas lesões maciças
dos lobos frontais, observa-se inércia no próprio esquema da ação,
impossibilitando a execução do programa, o que demonstra o fracasso destes
sujeitos diante de provas nas quais são solicitadas a mudança de estratégia
para sua resolução e ainda, deixam de notar seus erros, demonstrando que
além da perda do controle sobre suas ações, perdem a capacidade de conferir
os resultados das próprias ações, mesmo que recordando a tarefa que lhes foi
atribuída.
Luria (1981) observou também, que os casos de disfunção da capacidade de
programação, regulação e verificação da atividade dos lobos frontais, também
acarretam alterações nos processos da memória, quanto
“a capacidade de criar motivos estáveis de recordação e de manter o
esforço ativo requerido pela recordação voluntária, por um lado, e
capacidade de passar de um grupo de traços para outro, por outro,
resultando a reprodução de materiais “ (p.183)

e, portanto, processo característico de um tipo inativo de memória, na qual


predomina um padrão perseverativo.
Este padrão perseverativo estende-se aos processos intelectuais abstratos,
dos mais simples aos mais complexos, observando-se predomínio de palpites
impulsivos e fragmentados, bem como reprodução de estereótipos inertes em
lugar de atividade intelectual organizada. Assim, diante de um estímulo que
apresenta uma cena com vários detalhes, não procedem uma observação
minuciosa antes de responder, apegando-se a um detalhe o que resulta em
uma generalização apressada, concreta e até distorcida, sobre a situação.

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Observa-se ainda, insucesso na mudança de estratégia do pensamento para


obter a solução adequada. Estes sujeitos demonstram sua dificuldade diante
das tarefas longas de cálculos, com necessidade de processamento
controlado, como o requerido para contar sequências longas de números em
ordem inversa.
Lesões frontais maciças causam distúrbios também na fala (função reguladora)
e o sujeito não consegue mais dirigir ações mediadas pela fala, bem como nos
processos mnemônicos, que são de origem distintas e afetam aspectos da
programação, regulação e verificação destas funções.
Lesões que afetam a atividade mnemônica, para manter o esforço atencional
ativo requerido para o armazenamento das informações, assim como a
recordação e reprodução destas informações, levam a dificuldades para
decorar longas séries de elementos falados ou escritos, não aumentando o
volume de palavras nem com sucessivas apresentações, ou perseverações
nas respostas, impossibilitando a recordação do que lhe foi dito anteriormente,
a não ser o último material apresentado.
Nos prejuízos da atividade intelectual, em lesões frontais, o sujeito lidará com
dificuldades em reter um programa complexo e sequencial de atividades
abstratas, substituindo o raciocínio por respostas impulsivas e fragmentadas,
com respostas mal adaptadas e estereotipadas. Não conseguirá descrever em
uma cena detalhes, formular hipóteses, fazer uma ampla verificação e
responderá com hipóteses impulsivas, indicativas de um profundo distúrbio da
análise da percepção visual.
Nestas lesões verificam-se distúrbios na solução de problemas verbais,
principalmente que envolvam a passagem de uma operação para a outra. O
treino de flexibilidade aritmética fica impossibilitado, perseverando no erro ou
não encontrando a solução para a questão, e uma característica que o autor
ressalta, é que mesmo ao solicitar que o sujeito repita o problema ele não
consegue sem omitir alguma parte importante, assim como não consegue
formular a estratégia necessária para encontrar uma solução lógica.
Luria (1981) observou com mais clareza manifestações de lesões frontais
maciças, bilaterais, por desencadearem a desorganização da atividade cerebral
geral, o que não determina o mesmo nível de comprometimento para todos os
casos.
Observou em lesões das zonas frontais laterais da região pré-frontal (região
pós-frontal do córtex), distúrbios na organização dos movimentos e ações, com
programas motores desintegrados, perseverações motoras e inércia patológica,
como alguns dos distúrbios de regulação do comportamento externo que
podem ser observados, devido à ligação das estruturas motoras de partes
anteriores do cérebro, córtex motor.
Em casos de desintegração da atividade da fala e dos atos comportamentais,
lesões das zonas laterais do lobo frontal esquerdo, vinculados à organização
da fala, apresentam sintomas de inércia patológica da fala ou perda do papel
regular desta e Luria destaca que nas lesões das zonas ínfero-laterais do

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córtex frontal, resultarão dificuldade de exprimir um pensamento, uma


afirmação espontânea pela fala, ao que denominou afasia dinâmica frontal.
De acordo com Luria (1981) as zonas basais do córtex frontal estão
relacionadas a primeira unidade funcional e lesões nestas regiões levam a
perturbações no olfato e na visão, mas também uma desinibição generalizada
e de bruscas alterações de processos afetivos, tendo descrito falta de
autocontrole, ações violentas, impulsivas e alterações de caráter, que
dificultam a resolução de atividades intelectuais planejadas e organizadas.

As lesões em zonas médias dos lobos frontais, que estão ligadas às regiões
límbicas, acarretam perturbações na diminuição do tono cortical, que leva a
distúrbios do estado de vigília e redução da capacidade crítica, pela diminuição
do controle nos processos conscientes e podem ser observados em sujeitos
que não conseguem mais se orientar em relação ao tempo e ao espaço,
produzindo excessivas confabulações e consciência instável.
As alterações da volição estão associadas à diminuição da atividade volitiva,
que podem ser pela diminuição, caracterizando a hipobulia, na qual o sujeito
deixa de sentir vontade para fazer suas atividades, encontra-se em grande
estado de desânimo e falta de energia para as tarefas, muitas vezes associada
à apatia ou indiferença afetiva, que está relacionada à fácil fadiga e dificuldade
na tomada de decisões e resoluções de problemas, são sintomas típicos de
quadros de depressão grave, como descreve Delgalarrondo (2000).
Nos estados de depressão estão identificados sintomas afetivos relacionados a
tristeza, apatia, tédio, irritabilidade, ansiedade, desesperança, alterações nas
esferas neurovegetativas (sono, apetite, cansaço, concentração, etc.),
alterações ideativas, alterações cognitivas, baixa auto valoração, perturbações
na vontade, alterações na psicomotricidade e idéias delirantes, associadas
frequentemente a fatores ambientais externos, neuroquímicos, uso de
substâncias químicas, sendo esta condição reativa ou cronificada.
No inverso encontram-se as manias ou estados eufóricos expandidos, com
aceleração de funções psicológicas, como a manifestação na agitação
psicomotora, exaltação, logorréia e aceleração de pensamento, nestes casos
verifica-se na literatura alguns sintomas recorrentes, como o aumento da
autoestima, insônia, distrabilidade, irritabilidade, arrogância,
heteroagressividade, desinibição social e sexual, aumento compulsivo de
compras, idéias de grandeza e aumento de importância social e quadros de
alucinações. Cabe ressaltar aqui que pacientes idosos ou em casos de lesões
cerebrais prévias em fase de manias, apresentam quadros de confusão,
desorientação e redução do nível da consciência. Nos quadros das manias,
esta excitação pode passar por fases de normalidade e ser rapidamente
alternada por sintomas depressivos, oscilando o estado de humor básico, bem
como a ação volitiva, comuns em transtornos bipolares.

Em contraposição há os atos impulsivos e compulsivos, nos transtornos de


vontade. Os atos impulsivos anulam a fase de intenção, deliberação e decisão
para a fase de execução, pelo aumento da intensidade dos desejos, medos de
não conseguir refletir, analisar, conter e refrear estes impulsos e desejos. Nos
impulsos patológicos predominam as ações psicomotoras automáticas sem

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ponderação ou análise prévia, de difícil controle. O ato impulsivo caracteriza-se


pela não passagem da deliberação, decisão e realização, o sujeito atua sem
que perceba a inadequação e deste modo, não consegue evitar ou adiar tal
ação, já associados à incapacidade de tolerância à frustração e dificuldades em
adaptar-se à realidade objetiva, tendem a atuar de modo impulsivo, muitas
vezes desconsiderando os desejos e as necessidades das outras pessoas.
O ato compulsivo difere do anterior, pois este é reconhecido pelo indivíduo e
entendido como indesejável e inadequado, que tenta constantemente refreá-lo
ou adiá-lo. Está relacionada a uma compulsão motora complexa que pode
envolver desde atos simples (coçar, piscar, arranhar e etc.) até os rituais
compulsivos complexos, ações muitas vezes estereotipadas, por inúmeras
vezes seguidas (lavar as mãos, tomar banho e etc.). Neste caso há a vivência
constante do desconforto, mas há a presença da sensação de alívio ao realizar
o ato compulsivo, mas que é logo substituído pelo desconforto, podendo ser
acompanhados de ideações mais obsessivas, nas quais os atos tentam de
certa forma “neutralizar” estes pensamentos.
Em casos mais graves os atos impulsivos e as compulsões agressivas, podem
levar a situações de autolesão voluntária; ou por excitação impulsiva intensa,
demonstra atos agressivos de destruição; quando associadas a intensos
quadros ansiosos, deprimidos, de intensa desesperança, dor e disfunções
crônicas, transforma-se em desejo por desaparecer, atos impulsivos suicidas;
atos impulsivos relacionados à ingestão de bebidas alcoólicas, água e
alimentos; atos impulsivos e compulsivos de natureza sexual; impulsos e
comportamentos de andar a esmo ou viajar sem rumo previamente definido; o
ato impulsivo ou compulsivo de roubar, muitas vezes precedido de grande
ansiedade e apreensão; a compulsão por comprar sem observar a utilidade ou
necessidade do objeto; os atos compulsivos de jogo, dentre outros.

Delgalarrondo (2000) descreve como alterações da vontade a tendência ao


negativismo em indivíduos opositores às situações do meio, como uma
resistência em colaborar, aceitar regras e normas sociais, e oporem-se a
contatos de relacionamento interpessoal, de forma ativa ou passiva, não
fazendo nada, associado a este estado de vontade negativa, o que pode ser
transportado ao âmbito alimentar e o indivíduo passa a recusar ingerir
alimentos. Em oposição a este quadro verificam-se as perturbações volitivas, a
obediência automatizada, na qual o indivíduo perde a autonomia e a
capacidade de conduzir a própria vontade, substituindo por atos automáticos.
Diferentemente observa-se nos automatismos referência aos sintomas
psicomotores (mover de lábios, abotoar/desabotoar a roupa, etc.), associados à
crises epiléticas, na qual o nível de consciência está alterado o que promove os
automatismos psicomotores, pensamentos, representações, comportamentos
que por rebaixamento da atenção voluntária e controle, deixam emergir
comportamentos mais elementares, espontâneos e automáticos, e que muitas
vezes não reconhece como autor e responsável pela própria ação.
A volição demonstra adequado grau de liberdade subjetiva para atuar no meio
de modo organizado e ativo, está associada à capacidade de iniciativa e
controle de ações inadequadas. Pellini e Ramiro (2001) descrevem que a
atuação no meio depende do grau de contato com a realidade que o indivíduo

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apresenta, pois a demonstração objetiva na percepção dos fatos, é que


permitem a análise crítica, permeadas pela atenção e concentração, na
verificação e interpretação no contato com o meio.
A percepção da realidade varia de acordo com a fase de desenvolvimento,
sendo a criança, por ainda não ter desenvolvido funções mais superiores e
complexas, demonstrar uma percepção mais difusa dos estímulos externos e
internalização destes, sua vontade segue segundo sua utilidade para seduzir
ou resolver suas tensões e impulsos. Com o desenvolvimento, há maior
participação de funções intelectuais mais elaboradas, que permitem a noção do
meio de modo objetivo, e o indivíduo torna-se capaz de retardar as próprias
vontades e gratificações, inibindo a reação motora imediata, substituída pelos
processos do pensamento (elaboração intelectual).
Contudo quando este ato de volição está exacerbado, a ação fica subordinada
a estes excessos de estímulos, que mesmo mantendo bom controle das ações
inadequadas, poder resultar na rigidez mental, acarretando em relações
interpessoais mais superficiais, com redução da capacidade imaginativa e
iniciativa, e com tendência a reação mais formal e impessoal.

O excesso de subjetividade no ato da vontade em relação ao meio, eleva a


dispersão desta ação, isto é, há um aumento da dificuldade de rendimento
prático, por deixar-se envolver em demasia afetiva e emocionalmente e quando
verifica-se elevado aumento no foco atencional aos estímulos externos, se
identifica um sujeito que precisa agir para sentir-se bem na situação, realiza-se
através da ação e mobiliza intensamente seus recursos internos para isto.
Contrapondo este estado em situações nas quais o ato volitivo está rebaixado,
o sujeito bloqueia as ações práticas, não apresenta disposição suficiente para
atuar no meio, com dificuldade em organizar as atividades práticas por cansar-
se com este desgaste interno, sem a utilização de recursos pessoais eficazes a
atuação. A instabilidade volitiva prejudica os focos atencionais e de controle,
podendo levar à distorções significativas, pois o contato com a realidade torna-
se precário e observa-se um auto-centramento, de acordo com Pellini e Ramiro
(2001).
Nas Síndromes Disexecutivas, verifica-se a incapacidade das funções
executivas em processar e elaborar ações, podendo comprometer a atenção
sustentada, postergação em iniciar tarefas, falhas na estimativa de tempo,
dificuldade em alternar tarefas ou lidar com várias simultaneamente, déficits no
controle da impulsividade e impaciência, falhas no planejamento mental,
distração fácil com dificuldade de focalização, procrastinação, pouca habilidade
de insight, movimentação excessiva e inquietação, comportamentos agressivos
e hipersensibilidade, problemas com a sequenciação cronológica e
hierarquização, inconstância e abandono precoce de tarefas, problemas na
inibição, manejo deficiente da frustração e modulação afetiva, déficit nos
sistemas de memória e labilidade motivacional, o que leva a constante
necessidade de buscar novidades.
Estes quadros, que são compatíveis aos transtornos do déficit de atenção e
hiperatividade, são prejudicados por alternância motivacional, entre o querer
produzir e não conseguir, apresentam comprometimentos nas funções

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executivas, devido à baixa velocidade de processamento das informações mais


complexas e déficits atencionais no aprendizado auditivo-verbal. Em crianças
verifica-se prejuízos escolares e atrasos na aprendizagem, nos adultos é
identificado pela dificuldade no âmbito do trabalho em finalizações de projetos,
concentração e controle da ansiedade provocada diante da cobrança e
situações mais estressantes, resultando em comprometimentos adaptativos,
pois trata-se de uma perturbação no desempenho funcional do indivíduo, que
interfere diretamente na qualidade de vida, desenvolvimento cognitivo e social
da criança, e autonomia do adulto.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, V.M., SANTOS, F.H. dos, BUENO, O.F.A. Neuropsicologia Hoje,


RS: Artes Médicas, 2004.

DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos


mentais.Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000

LEONTIEV, A. O Desenvolvimento do Psiquismo, SP: Centauro, 2004.

___________ Las Funciones Corticales Superiores del Hombre, Cuba: Editorial


Orbe La Habana, 1977.

LURIA, A.R. Fundamentos de Neuropsicologia, SP: Ed. da Universidade de


São Paulo. 1981.

MACHADO, A. B.M. Neuroanatomia Funcional, 2ª ed., São Paulo: Ed.Atheneu,


2005.

PELLINI, M. C. B. M; RAMIRO, V. C., Rorschach – II. Agosto de 2011.


Universidade São Marcos: Unimarco Editora.

QUINTINO-AIRES J.M. Neurogênese da Linguagem, SP: IPAF, 2010.

VYGOTSKY, L.S. Obras Escogidas, vol.I, Madrid: Aprendizaje Visor, 1997.

______________. O Desenvolvimento Psicológico na Infância, SP: Martins


Fontes, 1998.

_____________. Teoria de las Emociones Estudio Histórico-Psicológico,


Madrid:Ediciones Akal, S.A., 2004.

_____________. Imaginação e criação na infância: ensaio psicológico – livro


para professores, SP: Ática, 2009.

Jornal Brasileiro de Psiquiatria. Disfunção executiva como uma medida de


funcionalidade em adultos com TDAH, vol.56 suppl.1Rio de Janeiro:2007.
Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/S0047-20852007000500007>, último
acesso em 22 de agosto de 2012.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Revendo todo o trabalho desse livro, podemos concluir que atingimos o nosso
objetivo inicial, que era apresentar nosso olhar sobre a constituição das
funções nervosas superiores e da personalidade, responsáveis pelo
funcionamento do psicológico adulto.

Embora a proposta tenha sido arrojada, a vontade de cada uma das


profissionais envolvidas nesse projeto, predominou e tomamos a iniciativa de
materializar nosso trabalho até o presente momento.

Concluímos, portanto, que a integração de todas as funções psicológicas que


são desenvolvidas nas relações de cuidado que o novo humano vivencia desde
o seu nascimento e, desde que construtoras, promovem o desenvolvimento
das funções nervosas superiores, o que possibilita sua transformação em
sujeito psicológico, ativo, autônomo e produtivo, que consegue estabelecer
relações harmoniosas com o ambiente a qual convive sem ser submisso.

Compreendemos, ao longo dos anos de estudo dos textos dos autores


apresentados Vygotsky, Luria, Leontiev e Leal, a importância de considerar a
biologia humana como possibilidade para o desenvolvimento do sujeito
psicológico, a medida que o homem, ao longo da sua história, já demonstrou
sua capacidade psicológica amplamente sofisticada e não apenas como
característica determinista de insucessos

Nesse sentido é com muito prazer e orgulho que chegamos ao final deste livro,
fruto de um percurso que teve origem em 2000, com o Doutor Quintino Aires,
idealizador e precursor da Psicologia Clínica Sócio Histórica, que atravessou o
oceano para nos apresentar o modelo de trabalho inovador, eficaz e muito
dinâmico. Conhecer a Psicologia Sócio Histórica de Vygotsky, Luria, Leontiev e
o método de trabalho clínico de Maria Rita Mendes Leal foi um marco
importante em nossas vidas, tanto pessoal como profissional .

Desde o início de nossa formação mergulhávamos nos estudos e ao final de


cada etapa queríamos continuar a discussão, sempre calorosa e proveitosa,
por estarmos trabalhando neste modelo e colhendo seus frutos.

Nós, Simone Marangoni, Vanda Ramiro e Carla Anauate tivemos a honra de


participar da constituição do IPAF – Brasil como então foi denominado. Foi um
início de muito trabalho mas como estávamos apaixonadas pela Psicologia e
ativadas pelos novos conhecimentos adquiridos, não medimos esforços.
Contamos também com o estímulo da profissional e grande amiga Maura
Almeida, que sempre nos incentivou, trabalhou e formou as primeiras turmas
em São Paulo, como também nos apoiou quando nos aventuramos em Bagé -
RS e em Brasília, onde também deixamos sementes desta proposta.

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Claro que tivemos muitas falhas, recebemos muitas críticas, mas com o tempo
e o empenho do grupo, que gradativamente foi crescendo, chegamos até aqui.

Em 2008, vivemos um momento de crise e decidimos reunir esforços de todos


os profissionais do Instituto para não sucumbir. Contamos com a dedicação,
paciência e disciplina do colega Katuoki Ishizuka também psicólogo e
administrador de empresas e transformamos o IPAF – Brasil em uma empresa
estruturada.

Para ajudar na empreitada, o grupo agregou a força de Rosa Kashiara, que


com muita determinação e energia, colaborou na organização da nossa Clínica
Escola, hoje aspecto de mais valia que o Curso de Especialização em
Neuropsicologia Clínica, pode oferecer aos alunos, para a prática inicial
supervisionada.

Rosa nos ensinou muito com sua persistência e deixou muita saudade quando
em junho de 2012 faleceu, mas temos certeza de que está vibrando por nós em
outra dimensão.

Com todas estas mudanças o IPAF, mais maduro e arrojado, enviou uma
profissional para Moscou para aprender com a discípula de Luria, a Dra. Janna
Glozman, o método, desenvolvido por ela, de habilitação através de exercícios
motores para crianças com dificuldades de aprendizagem. Esse aprendizado
culminou com a implantação do Centro de Habilitação e Reabilitação Luria-
Glozman, sob a coordenação de Beatriz Ramiro, profissional também muito
dedicada e competente apesar da juventude.

Também foi criado o Corpo Clínico formado por uma equipe de profissionais
convidados por seu desempenho, seriedade, comprometimento profissional,
para atender às pessoas que buscam atendimentos no IPAF, para avaliação
neuropsicológica, psicoterapia e habilitação ou reabilitação, sob a coordenação
de Claudia Azevedo, profissional competente, esforçada, ética e, sobretudo
muito amiga.

Hoje também contamos com o apoio de Mariangela Rossi, assessora da


direção, braço direito da Diretora Executiva Simone Marangoni que faz a
mediação entre os alunos e o IPAF, que com sua paciência, dedicação e
seriedade profissional tem formado as novas turmas dos nossos cursos.

Já maduro e seguro na Psicologia Clínica Sócio Histórica, o IPAF se constituiu


como IPAF LEV VYGOTSKY e hoje conta com muitos profissionais que
dividem as tarefas administrativas, pedagógicas, clínicas e técnicas, para quem
queremos agradecer por todo esforço e dedicação, pois senão o IPAF LEV
VYGOTSKY não poderia ter chegado onde chegou, nosso muito obrigado
também a todos os colegas que já passaram por aqui e possibilitaram a

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transformação de todos e do próprio Instituto, de modo dialético com a sua


dedicação e carinho.

Portanto, chegamos ao final desta primeira parte do nosso compromisso


firmado desde a fundação do IPAF, em 30 de julho de 2003 e relendo todos os
capítulos conseguimos materializar neste livro as construções, os
questionamentos e trocas de conhecimentos entre os grupos de trabalho,
concluímos que valeu todas as horas de dedicação e esperamos poder
contribuir com nossos colegas, alunos e todos os interessados na
Neuropsicologia Clínica Sócio Histórica.

Obrigado a todos.

Simone Marangoni

Vanda Cianga Ramiro

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SOBRE OS AUTORES

ALINE UGLIANO

Psicóloga; Especialista em Neuropsicologia Clínica Sócio Histórica pelo IPAF


Lev Vygotsky; Especialista em Psicoterapia Sócio Histórica pelo IPAF Lev
Vygotsky; Experiência profissional na área clínica e social com ênfase em
avaliações neuropsicológicas e habilitação/reabilitação neuropsicológica;
Coordenadora da Clínica Escola no IPAF Lev Vygotsky; Neuropsicóloga e
Psicoterapeuta do Corpo Clínico do IPAF Lev Vygotsky.

BEATRIZ CIANGA RAMIRO

Psicóloga; Especialista em Neuropsicologia Clínica Sócio Histórica pelo IPAF


Lev Vygotsky; Neuropsicóloga e Psicoterapeuta; Coordenadora do Centro de
Habilitação e Reabilitação Neuropsicológica Luria-Glozman; Professora e
Supervisora dos Cursos do IPAF Lev Vygotsky.

CARLA ANAUATE

Psicóloga; Mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela


Universidade de São Paulo; Pós-graduada em Psicopedagogia; Especialista
em Psicologia Clínica Sócio Histórica e Neuropsicologia Clínica; na Prova de
Rorschach e em Violência Doméstica; Professora Universitária na Universidade
Nove de Julho; Assistente técnica para o Judiciário e para a Secretaria da
Saúde do Município de Osasco; Vencedora do Prémio Peritia | Best
Communication no Estoril Vigotsky Conference 2012.

CLAUDIA AZEVEDOI

Psicóloga pela Universidade Gama Filho; Especialista em Psicoterapia Sócio-


Histórica e Neuropsicologia Clínica pelo IPAF Lev Vygotsky; Professora do
Curso de Especialização em Neuropsicologia Clínica e Aprimoramento em
Psicoterapia Sócio Histórica; Supervisora Clínica; Coordenadora do
Departamento Clínico do IPAF Lev Vygotsky; Neuropsicóloga do Corpo Clínico
do IPAF Lev Vygotsky.

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MARIANGELA ROSSI

Psicóloga pela Universidade São Marcos; Especialista em Psicossomática pela


FACIS IBEH; Especialista em Neuropsicologia Clínica Sócio Histórica pelo
IPAF Lev Vygotsky; Assistente da Direção do IPAF Lev Vygotsky; Professora
do Curso de Especialização em Neuropsicologia Clínica e Aprimoramento em
Psicoterapia no IPAF Lev Vygotsky; Neuropsicóloga do Corpo Clínico do IPAF
Lev Vygotsky.

SIMONE MARANGONI

Psicóloga; Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade São


Marcos; Especialista em Neuropsicologia Clínica e Psicoterapia Sócio Histórica
pelo IPAF – Instituto de Psicologia Aplicada e Formação de Lisboa – Portugal;
Especialista no Psicodiagnóstico de Rorschach; Diretora Executiva do IPAF
Lev Vygotsky no Brasil; Supervisora Clínica e Professora dos Cursos de
Especialização em Neuropsicologia Clínica e Aprimoramento em Psicoterapia
Sócio Histórica; Neuropsicóloga do Corpo Clínico do IPAF Lev Vygotsky.

VANDA CIANGA RAMIRO

Psicóloga, Mestre e, Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade São


Marcos; Especialista em Psicologia Clínica Sócio-Histórica e Neuropsicologia
pelo IPAF de Lisboa - Portugal; Especialização em Psicopedagogia e
Psicodiagnóstico de Rorschach; Neuropsicóloga e Psicoterapeuta; Professora
Universitária; Coordenadora Pedagógica; Professora e Supervisora dos Cursos
do IPAF Lev Vygotsky.

VANDA DIAS FERRAZ NUNES

Psicóloga, Especialista em Neuropsicologia Clínica pelo IPAF Lev Vygotsky;


Professora do Curso de Especialização em Neuropsicologia Clínica do IPAF
Lev Vygotsky e Neuropsicóloga do Corpo Clínico do IPAF Lev Vygotsky.

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