Você está na página 1de 5

Por que pode ser preciso usar máscara mesmo após vacina contra covid-19

 Letícia Mori - @leticiamori_


 Da BBC News Brasil em São Paulo

13 dezembro 2020

CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,
Mesmo após tomar a vacina, uso de máscara de proteção será necessário, alertam
médicos
Uma das vacinas que já se provaram eficazes contra a covid-19 — a da
Pfizer — está sendo distribuída no Reino Unido desde segunda-feira
(8/12), e há perspectiva de que no ano que vem alguma das vacinas
contra a doença esteja disponível no Brasil.
Qual vai ser a primeira coisa que você vai fazer depois de tomar a vacina? Se
já estava fazendo planos de abandonar a máscara imediatamente, viajar, ir
para a balada e rever todo mundo que não conseguiu encontrar em quase um
ano de pandemia, os médicos e infectologistas alertam: na verdade, a vida não
vai voltar ao normal logo após tomar a vacina.
"Depois de tomar a vacina, é preciso voltar para casa, manter o isolamento
social, aguardar a segunda dose e depois esperar pelo menos 15 dias para que
a vacina atinja o nível de eficácia esperado", explica a bióloga Natália
Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência. "E mesmo depois, é
preciso esperar que boa parte da população já tenha sido imunizada para a
vida voltar ao normal."
Há três motivos para isso. Entenda.
Tempo para o corpo reagir
Embora existam particularidades dependendo do tipo de vacina e do tipo de
doença, o mecanismo geral de funcionamento de uma vacina é sempre o
mesmo: ela introduz no corpo uma partícula — chamada antígeno — que
produz uma resposta imunológica no corpo e faz com que ele esteja preparado
para enfrentar um tentativa de contaminação do corpo caso entre em contato
com o vírus no futuro.
Pule Talvez também te interesse e continue lendo
Talvez também te interesse

Butanvac: O que se sabe sobre vacina 100% brasileira que pode trazer
40 milhões de novas doses em julho

Vacina contra covid: como os imunizantes impedem ou não a
disseminação de doenças na sociedade

Covid-19: EUA deveriam mandar vacinas paradas 'imediatamente' ao
Brasil, diz pesquisadora de Yale

Tratamento para coronavírus: cientistas britânicos dizem ter comprovado
1ª droga eficaz para reduzir mortalidade por covid-19
Fim do Talvez também te interesse
Esse antígeno pode ser um vírus desativado (morto), um vírus enfraquecido
(incapaz de adoecer alguém), pode ser um pedaço do vírus, alguma proteína
que se assemelhe ao vírus ou até mesmo um ácido nucléico (como a vacina da
RNA).
O antígeno provoca uma resposta imunológica, ou seja, faz com que o corpo
se torne capaz de reconhecer aquele vírus e produzir anticorpos para combatê-
lo, explica o médico Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Incor.
Dá próxima vez que entrar em contato com aquele vírus, o corpo já terá a
memória de como combatê-lo e conseguirá enfrentar a ameaça de forma
rápida e eficiente, impedindo que o vírus contamine o corpo.
Essa resposta é chamada de resposta imune adaptativa e ela é específica para
cada vírus. "É uma resposta que demora um pouco mais, são pelo menos duas
semanas até que o corpo aprenda a reconhecer e combater o vírus com a
ajuda do antígeno", explica Natália Pasternak.

CRÉDITO,GETTY IMAGES
É por isso que após tomar uma vacina — quer seja a contra o coronavírus ou
contra qualquer outra doença — você só está realmente protegido depois de
algumas semanas, explicam os cientistas. É como se o corpo precisasse de um
tempo para "processar" aquelas informações e reagir de forma adequada.
Em uma pessoa não vacinada, o Sars-Cov-2, vírus que causa a covid-19, entra
nas células dos sistema respiratório e começa a usá-las para produzir mais
vírus. É como se produzisse "células zumbi" que trabalham para ele.
A primeira resposta imunológica produzida pelo corpo depois da vacinação é a
produção de anticorpos, que se ligam diretamente ao vírus e impedem que ele
entre nas células do corpo e as utilize para produzir mais vírus, explica
Pasternak.
Ou seja, em uma pessoa imunizada, o corpo já conhece o vírus por causa da
vacina e a partir do momento em que o patógeno entra no corpo são liberados
anticorpos que impedem a contaminação de células.
Mas existe um segundo tipo de resposta imunológica, chamada resposta
celular. "São células — as chamadas células T — que não se ligam ao vírus,
mas reconhecem quando uma célula está contaminada com o vírus e a
destroem", explica Pasternak.
Ou seja, se algum vírus conseguir escapar dos anticorpos e contaminar alguma
célula do corpo, as células T funcionam como "caçadoras" e destroem essa
"célula zumbi", impedindo que mais vírus sejam produzidos.
A resposta celular demora um pouco mais que a resposta através de
anticorpos — mais um motivo para que a imunização só esteja completa
algumas semanas após tomar a vacina, explica Jorge Kalil.
"Depois de 15 dias, a gente já espera que haja uma resposta celular do
sistema imunológico", afirma Kalil, que é também professor da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Duas doses contra o coronavírus

CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,
Vacinação no Brasil deve começar no início do próximo ano
Além do tempo que o corpo precisa para desenvolver a resposta imunológica,
no caso específico do coronavírus uma outra questão faz com que seja preciso
manter as medidas de proteção por algum tempo após a vacinação: a maior
parte das vacinas sendo desenvolvidas contra a doença exige duas doses para
que atinja a eficácia esperada.
Vão ser necessárias duas doses nas quatro vacinas que já tiveram a eficácia
comprovada: a da Pfizer, a da Moderna, a da Oxford/AstraZeneca e a Sputnik
V. Isso vale também para a Coronavac, que está em desenvolvimento pelo o
Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica Sinovac.
"No caso das vacinas que provavelmente teremos disponíveis contra o
coronavírus no Brasil, a orientação vai ser tomar a primeira dose, esperar um
mês, voltar para o postinho, tomar a segunda dose e manter todos os cuidados
contra a pandemia, como isolamento social e uso de máscaras, por pelo menos
15 dias. Só então você estará protegido, de acordo com a eficácia de cada
vacina", explica Jorge Kalil.
A primeira dose, explica Natália Pasternak, é o que os cientistas chamam de
prime boost. "É como se ela acordasse o corpo para o vírus, dá um 'empurrão
inicial' no sistema imunológico. A segunda dose gera uma resposta
imunológica melhor", explica.
A quantidade de doses necessária varia muito com a formulação da vacina. A
vacina contra a febre amarela, por exemplo, só exige uma dose.
Entre as 200 vacinas em desenvolvimento contra o coronavírus, existem
algumas que seriam em dose única, mas elas não estão em estágios tão
avançados de desenvolvimento quanto as que vão exigir duas doses.
"Quando dá para fazer em dose única é melhor, porque do ponto de vista de
saúde pública, é um desafio fazer as pessoas voltarem ao postinho para tomar
a segunda dose. As pessoas esquecem, acham que não precisa", explica
Pasternak.
Juntando o tempo necessário entre uma dose e outra e o tempo que o corpo
precisa para produzir a resposta imunológica, vai ser necessário pelo menos
um mês e meio para que alguém que foi vacinado possa ser considerado
imunizado.
Mas, mesmo depois disso, vai demorar para a vida voltar ao normal — e até
que a maior parte da população esteja vacinada, a orientação é para que
mesmo as pessoas vacinadas mantenhas as medidas.
É verdade que a vacina pode não impedir a contaminação de
coronavírus?
Não, explicam os cientistas, porque se houver uma boa cobertura vacinal, uma
vacina consegue diminuir muito a circulação do vírus através da chamada
imunidade de rebanho.
É verdade que individualmente, se apenas uma pessoa tomar, nenhuma vacina
tem 100% de eficácia, e isso vale também para as contra a covid-19. A vacina
da Pfizer, por exemplo, tem 95% eficácia, de acordo com os resultados da
terceira fase de testes.

CRÉDITO,EPA
Legenda da foto,
A OMS estima que a cobertura vacinal necessária para estabilizar e conter a pandemia
seja de 80% da população
Isso significa que há 5% de chance daquela vacina específica não produzir
uma resposta imunológica no corpo da pessoa vacinada. Mas como então as
vacinas impedem o vírus de se propagar se há algumas pessoas que podem
ser contaminadas?
"A vacina funciona através da imunidade de rebanho, que é um conceito
vacinal", diz Jorge Kalil.
O vírus passa de pessoa para pessoa, explica o médico, e para conseguir se
propagar ele precisa achar pessoas suscetíveis à doença. "A vacina diminui o
número de pessoas suscetíveis, de forma tão significativa que o vírus não
consegue encontrar mais circular e é contido. Foi assim que erradicamos a
varíola", explica o médico.
A imunidade de rebanho é importante não apenas por causa da eficácia das
vacinas não ser de 100%, mas porque há muitas pessoas que nem sequer
podem tomar o imunizante.
"Tem gente que não pode receber ou porque não tem idade ou porque não
está dentro do programa de vacinação — as vacinas contra o coronavírus
ainda não foram testadas em crianças, em gestantes", explica Kalil. As pessoas
com alguma doença que compromete o sistema imunológico também não
podem ser vacinadas.
"Quando há uma cobertura mínima vacinal da população, essas pessoas
vulneráveis ficam protegidas pela imunidade de rebanho", explica Kalil.
No caso do coronavírus, a OMS estima que a cobertura vacinal necessária
para estabilizar e conter a pandemia seja de 80% da população, idealmente
90%.
Para se ter uma ideia da importância da cobertura vacinal, quando houve
queda na cobertura vacinal de sarampo — de 96% em 2015 para 86,5% em
2018 —, diversos surtos da doença aconteceram pelo país.
É por isso que é importante que, mesmo quem já tiver tomado a vacina e
esperado um mês e meio, não deve abandonar as medidas contra a pandemia.
No caso da vacinação contra coronavírus, deve demorar algum tempo até que
a vacina chegue à maior parte da população, mesmo após a aprovação da
Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária). A produção de milhões de doses não
é algo que acontece de um dia para o outro. Também há questões como os
acordos do governo com as farmacêuticas, a fila de espera de diversos países,
a dificuldade na distribuição e armazenamento (algumas vacinas precisam ser
armazenadas a temperaturas bem abaixo de zero), etc.
O ministério da Saúde tem uma lista de pessoas que serão prioritárias no
recebimento das vacinas. Os primeiros devem ser as pessoas com mais de 80
anos e os trabalhadores da saúde. Em seguida, devem receber a vacina os
idosos entre 60 e 79 anos e pessoas em condição de risco, como quem tem
doenças respiratórias crônicas. Há ainda outros três grupos prioritários, e só
então a população em geral será vacinada.
"É importante que quem receber a vacina primeiro mantenha as medidas de
combate à pandemia porque, mesmo depois de um mês e meio, mesmo que
elas estejam imunizadas, não há garantia de que elas não podem ser vetor da
doença enquanto não houve imunidade de rebanho", diz Pasternak.
A cientista explica: as vacinas testadas até agora impedem o vírus de se
reproduzir no corpo e deixar a pessoa doente. Mas não há testes, por
enquanto, que comprovem que essa pessoa não vá transmitir esse vírus —
que no corpo dela está sendo combatido pelos anticorpos — para outras
pessoas.
O resumo disso tudo é que, mesmo se você já tiver tomado as duas doses da
vacina, aguardado mais 15 dias, é preciso aguardar até que a maior parte da
população esteja vacinada para que a vida volte ao normal, aconselha Jorge
Kalil. Isso tanto para se proteger, caso você esteja no pequeno grupo de
pessoas para quem a vacina não terá efeito imunizante; quanto para proteger
outras pessoas — até que a imunidade de rebanho gerada pela ampla
cobertura vacinal seja capaz de conter a pandemia de vez

Você também pode gostar