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Sequência de Apendizagem

PORTUGUÊS – 8º Ano
fevereiro de 2021

Leitura e Escrita.

1. Vais ler um conto do escritor português Mário de Carvalho intitulado “A inaudita guerra da Avenida Gago
Coutinho”. Antes de o conheceres na integra, lê o artigo de dicionário do adjetivo “inaudito” e troca ideias
com os teus colegas sobre o que será uma guerra inaudita.

inaudito (adj.) 1. De que nunca se ouviu falar. 2. figurado - Que é extraordinário ou incrível. Dicionário
escolar – 3º Ciclo, Português, Lisboa, Texto, 2011, p.392.

2. Lê, agora, o texto e regista no teu caderno as palavras cujo sentido desconheces.
2.1. Elabora uma lista de todas as palavras desconhecidas e elabora um glossário do conto.

Glossário1
toada: tom; entoação
eloquência do discurso: arte de bem falar; convencer ou deleitar por meio
da palavra;
enfadada: que sente enfado/ aborrecida; entediada;
redundantes: que repetem informação que já foi dada;
monótonas: que se repete continuamente; invariável;
inércia: rotina; propriedade que os corpos têm de não poderem, por si, alterar o seu
estado de repouso ou o seu movimento;
trama: conjunto de fios de seda grosseira que se misturam com outros de melhor
qualidade; enredo; intriga;
enlearam: ligar;
empolou: fazer parecer mais importante do que na realidade é; exagerar;
amalgamar: misturar elementos diferentes; reunir;
sarabanda: grande agitação, confusão;
retinir: emitir um som agudo;
imprecações: praguejar/amaldiçoar;
guturais: diz-se do som articulado na garganta;
sorrateira: pela calada;
esteiro: braço estreito de rio;
assediada:  cercada militarmente;
hordas: bandos indisciplinados;
fragor: ruído forte;
pipilar: sons agudos característicos das aves; chilreio;
flanqueado: ladeado (à direita e à esquerda)
descomunais: enorme; excessivo; desproporcionado;
assarapantados: espantado; pasmado; atarantado; atrapalhado; assustado;
apear: desmontar (de animal);
alçar: levantar; elevar;
bradado: grito de louvor/elogio;
louvaminhas: louvor exagerado; 
tato: discernimento; tino; habilidade;
desígnios: intenções;
pendão: pedaço de tecido, geralmente retangular e de grandes dimensões, com uma
ou mais cores, com ou sem emblema, que serve de distintivo a uma nação,
agremiação, sociedade, corporação, etc.; bandeira; 
agravo: ofensa; insulto;
encabriolados: saltitantes;
pandemónio: confusão completa; balbúrdia;
louvável: digno de louvor/elogio;
contraventores: infrator; transgressor;
cifras: números/símbolos;
contundentes: Que causam dor ou dissabor; que ferem ou magoam;
solípedes: grupo da ordem dos perissodáctilos (Equídeos/ cavalos)
alarde: atitude exibicionista; aparato;
apostrofava: insultar; injuriar
assuada: algazarra; barulho;
reclame: publicidade feita por qualquer forma, anúncio
turba:  multidão;
alfange: Designação de sabre de lâmina ampla e curta;
falange: grande número de pessoas;
trejeitos: gestos e caretas;
fitavam: olhavam fixamente;
broquel:  Escudo de pequenas dimensões;
beduíno: relativo aos árabes nómadas dos desertos do Norte de África e do Médio
Oriente;
archeiros: homem armado de arco;
zunido: som agudo;
uníssono: execução simultânea do mesmo som;
clamor: gritaria;
canalha: gente desprezível;
impregnara: enchera;
cota de malha: peça da armadura usada antigamente por cavaleiros para os
defender dos golpes dos adversários;
ápice: num momento, instante;
riste: Em posição erguida e pronto para ser usado;
inexoravelmente: a que não se pode escapar;  implacável;
oscilou: sofrer abalo; tremeu; abanou;
assomavam: aparecer ao lado de;
briosos: corajosos;
acuados: encurralados;
façanhudo: desordeiro;
alferes:  posto de oficial subalterno do Exército e da Força Aérea;
locatários: arrendatário;
brandia: agitava;
agoiro: previsão de coisa negativa;
propiciadoras:  favoráveis;
obnubilar: esconder/escurecer/ lançar uma “cortina de fumo” para que algo não se
veja;
flanar: Caminhar sem destino certo, sem rumo;
marcial: Relativo a guerra; próprio de militar.
insurreição: revolta, geralmente armada, contra governo ou poder vigente;
dissuasor: Que tem força para dissuadir; convencer a não cometer ou voltar a
cometer um erro ou infração;
enfeixasse: Colidisse.

A inaudita guerra da Avenida Gago Coutinho


O grande Homero1 às vezes dormitava, garante Horácio2. Outros poetas dão-se a
uma sesta, de vez em quando, com prejuízo da toada e da eloquência do discurso. Mas,
infelizmente, não são apenas os poetas que se deixam dormitar. Os Deuses também.
Assim aconteceu uma vez a Clio, musa da História que, enfadada da imensa tapeçaria
milenária a seu cargo, repleta de cores cinzentas e desenhos redundantes e monótonos,
deixou descair a cabeça loura e adormeceu por instantes, enquanto os dedos, por inércia,
continuavam a trama. Logo se enlearam dois fios e no desenho se empolou um nó,
destoante da lisura do tecido. Amalgamaram-se então as datas de 4 de junho de 1148 3 e
de 29 de setembro de 1984.
Os automobilistas que nessa manhã de setembro entravam em Lisboa pela Avenida
Gago Coutinho, direitos ao Areeiro, começaram por apanhar um grande susto, e, por
instantes, foi, em toda aquela área, um estridente rumor de motores desmultiplicados,
travões aplicados a fundo, e uma sarabanda de buzinas ensurdecedora. Tudo isto de
mistura com retinir de metais, relinchos de cavalos e imprecações guturais em alta grita.
É que, nessa ocasião mesma, a tropa do almóada 4 Ibn-el-Mufar, composta de
bereberes5 azenegues6 e árabes em número para cima de dez mil, vinha sorrateira pelo
valado, quase à beira do esteiro de rio que ali então desembocava, com o propósito de pôr
cerco às muralhas de Lixbuna7, um ano atrás assediada e tomada por hordas de
nazarenos8 odiosos.
Viu-se de repente o exército envolvido por milhares de carros de metal, de cores
faiscantes, no meio de um fragor estrondoso – que veio substituir o suave pipiar dos
pássaros e o doce zunido dos moscardos -, e flanqueado por paredes descomunais, que
por toda a parte se erguiam, cobertas de janelas brilhantes. Assustaram-se os beduínos 9,
volteando assarapantados os cavalos, no estreito espaço de manobra que lhes era
deixado, e Ali-ben-Yussuf, lugar-tenente 10 de Muftar, homem piedoso e temente a Deus,
quis ali mesmo apear-se para orar, depois de ter alçado as mãos ao céu e bradado que
Alá11 era grande.
De que Alá era grande estava o chefe da tropa convencido, mas não lhe pareceu o
momento oportuno para louvaminhas, que a situação requeria antes soluções práticas e
muito tato. Travou os desígnios do adjunto com um gesto brutal, levantou bem alto o
pendão verde e bradou uma ordem que foi repetida, de esquadrão em esquadrão, até
chegar à derradeira retaguarda, já muito próxima da Rotunda da Encarnação – Que
ninguém se mexesse!
E el-Muftar, confiando a barbicha afilada, e dando um jeito ao turbante, considerava,
com ar perspicaz, o pandemónio em volta – Teriam tombado todos no inferno corânico 12?
Teriam feito algum agravo a Alá? Seriam antes vítimas de um passe da feitiçaria cristã? Ou
tratar-se-ia de uma partida de jinns13 encabriolados?
Enquanto o árabe refletia, do alto do seu puro-sangue, o agente de segunda classe da
PSP Manuel Reis Tobias, em serviço à entrada da Avenida Gago Coutinho, meio
escondido por detrás das colunas de um prédio, no propósito sábio e louvável de
surpreender contraventores aos semáforos, entendeu que aquilo não estava certo e que
havia que proceder.
Sentindo-se muito desacompanhado para tomar conta da ocorrência, transmitiu para o
posto de comando pelo intercomunicador da mota, uma complicada mensagem, plena de
números e de cifras, que podia resumir-se assim:
Uma multidão indeterminada de indivíduos do sexo, a maior parte dos quais portadores
de armas brancas e outros objetos contundentes, cortantes e perfurantes, com bandeiras e
trajos de carnaval, montados em solípedes, tinham invadido a Avenida Gago Coutinho e
parte do Areeiro em manifestação não autorizada. Dado que se lhe afigurava existir
insegurança para a circulação de pessoas e bens na via pública, aguardava ordens e
passava à escuta.
De lá lhe disseram que iriam providenciar e que se limitasse a presenciar as
ocorrências mas sem intervir por enquanto.
Um imediato telefonema para o governador civil e deste para o ministro confirmou que
não se encontravam previstos desfiles, de forma que a máquina policial se viu movida a
ingerir-se no caso. Soaram as sirenes no quartel de Belém e, poucos minutos depois,
alguns pelotões da Polícia de Intervenção vinham a caminho, com grande alarde de
sereias e pisca-piscas multicolores.
Entretanto, Ibn-el- Muftar via pela frente uma grande multidão apeada que apostrofava
os seus soldados. Eram os automobilistas que haviam saído dos carros e que, entre
irritados e divertidos se empenhavam numa ruidosa assuada. Que deviam ser algum
reclame, diziam uns; que era mas era para um filme, diziam outros.
Ao mouro, aquela peonagem toda não se afigurou particularmente ameaçadora, tanto
mais que a turba circundante, de estranhas roupagens vestida, não parecia exibir armas de
qualquer natureza. De maneira que Ibn-Muftar optou por manobrar cautelosamente no
pouco espaço ao dispor.
Com alguns sinais do alfange, fez que um ou dois esquadrões formassem, com
dificuldade, no parque de estacionamento do Areeiro, e uma falange de gente de pé se
arrumasse no terreiro da estação de serviço do lado contrário, enquanto o grosso da tropa
ocupava a placa central relvada. Decidiu não se deixar impressionar com os trejeitos pouco
amistosos que vinham de dentro dos objetos metálicos com rodas que havia por toda a
parte, nem com as caras que o fitavam por detrás de um estranho material transparente.
Se era uma encantação, melhor era deixar que passasse – segredou para Bem-Yussuf,
que lhe respondeu, desconfiado e muito pálido: - Inch Allah!
Manuel da Silva Lopes, que conduzia um daqueles irritantes camiões carregados de
grades de cerveja que a Providência14 encarregou de ensarilhar os trânsitos em Lisboa
resolveu em má hora abandonar o volante, apear-se e, decerto enciumado pela
concorrência, apontar um calhau miúdo que foi ecoar no broquel do beduíno Mamud
Beshewer que, por ainda não ter acordado de tudo isto, era um dos mais quietos da tropa.
Desprezivelmente, Ibn-Muftar deu uma ordem e logo vinte archeiros enristaram os
arcos, apontaram aos céus e expediram, com um zunido tenso uma saraivada de setas,
que obrigou toda a gente a meter-se nos automóveis e a procurar refúgio nas portadas dos
prédios ou atrás dos camiões. Veio do Areeiro um grande apupo, desta vez convicto, em
uníssono.
Ora foi este clamor que o comissário Nunes, recém-chegado à Alameda D. Afonso
Henriques, à frente dos seus pelotões de choque, interpretou mal. Aí estava a assuada, o
arruído, considerou o comissário. Era, uma vez mais, a canalha a desafiar a polícia.
- Toca a varrer isto tudo até o Areeiro – disse. E, puxando do apito, pôs a equipa em
ação, à bastonada, a eito, por aqui e por além.
Aquilo não era uma pouca de gente que se varresse assim sem mais nem ontem, de
modo que os pelotões da Polícia de Intervenção progrediam com dificuldade e só
conseguiram chegar ao Areeiro algum tempo depois, após muita cabeça partida e duas
baixas nas suas hostes, de agentes que tinham sido sabiamente atraídos a vãos de
escadas por populares mais expedidos.
Expulsa parte da multidão para o Bairro dos Atores, no meio de uma tremenda
algazarra, o comissário Nunes, ofegante, reagrupou os seus homens na Praça do Areeiro,
em cima da placa relvada, com grande prejuízo das dálias e hortênsias ali plantadas.
Mas Ibn-el-Muftar mostrava-se então sobremaneira irritado por todos os rumores e
confusões em torno, e em especial pela zipada de água que alguém havia deixado cair de
uma das janelas e que lhe impregnara o manto e a cota de malha.
Quando viu aqueles peões de escudo e viseira, formados em frente, pensou que era
enfim a guarda avançada de Ibn-Arrik15 , o cão tomador de Lixbuna, que vinha aí travar-lhe
o passo, acoberto de um encantamento mágico.
Num ápice, rompeu uma carga de cavaleiros berberes, aos gritos de guerra, de alfange
em riste, ladeando automóveis, amolgando capots, e aproximando-se inexoravelmente dos
rapazes do comissário Nunes.
Estes, em consciência, não se sentiam preparados para enfrentar cargas de cavalaria
moura: a formatura oscilou, rodopiou, desfez-se e, quando os primeiros alfanges
assomavam ao lado de um autocarro de Carris, já os briosos homens da Polícia de
Intervenção corriam a bom correr até à Cervejaria Munique, onde se refugiaram atrás do
balcão, deixando a moirama16 senhora da placa central da Praça do Areeiro.
Por essa altura, já a tropa dos Ralis 17 e a Escola Prática de Administração Militar, alí ao
Lumiar, tinha recebido ordens para intervir. E em boa hora, porque o comissário Nunes e a
sua gente, acuados na Munique, a ver passar árabes a cavalo, de ar ameaçador e
façanhudo, sentiam-se cada vez menos seguros.
Os blindados do Ralis não conseguiam passar além do Bairro da Encarnação.
Ocuparam a faixa da esquerda, para chegarem mais depressa, e acabaram por ver-se
envolvidos num medonho engarrafamento com camiões TIR.
Mais sorte teve o capitão Aurélio Soares, à frente da sua companhia de intendentes.
Largaram as viaturas em frente do Vavá 18, na Avenida dos Estados Unidos, e abalaram em
passo de corrida por ali abaixo, pela faixa relvada, até estabelecerem contacto com a tropa
de Ibn-el-Muftar, no cruzamento com a Gago Coutinho.
O capitão Aurélio trazia instruções para proceder a um reconhecimento, avaliar a
situação e agir em conformidade, mas sempre com moderação. De maneira que dispôs a
sua gente em atiradores, depois de afastar os civis com berros enérgicos, e mediu o que
tinha pela frente: eram milhares de mouros, a maior parte dos quais a cavalo, que se
apertavam na Gago Coutinho, por entre os automóveis e o tráfego da hora de ponta.
- Estas coisas só me acontecem a mim! – lamentava-se o capitão para consigo,
esquecido dos muitos milhares de Lisboetas que se encontravam no momento
confrontados com o fenómeno. – Bom, vamos lá ver… - e comandou alto, para o lado: -
Venha você daí comigo, ó nosso alferes, e traga uma secção prá segurança!
Cautelosamente, os sete homens, de dedo no gatilho, aproximaram-se da mourama.
Nessa ocasião, Ibn-el-Muftar e o seu estado-maior desciam a Avenida para observar o
estado geral do exército, e vinham encarar com a embaixada do capitão Soares que, à
cautela, acenava com um trapo branco, emprestado pelos locatários de um rés-do-chão da
vizinhança. Ao árabe, por instinto, afigurou-se-lhe serem aqueles homens militares e,
embora não percebesse bem o significado do pendão branco que o capitão brandia, não
lhe pareceu que as intenções fossem suspeitas. As circunstâncias, por outro lado, com
toda aquela estranha balbúrdia em volta aconselhavam a contemporização. Assim, dispôs-
se desde logo a parlamentar.
A trote, rompeu pela frente de um piquete da Companhia dos Telefones que olhava
para tudo aquilo com um ar espantado, dirigiu-se ao capitão e saudou, de mão no peito:
- Salam aleikum.
E o capitão Soares, que tinha feito uma comissão na Guiné, em contacto com gente
muçulmana, respondeu automaticamente, curvando-se um pouco:
- Aleikum Salam.
Neste momento, a deusa Clio acordou do seu sonho, num sobressalto, e logo atentou
no erro cometido. Num credo, desfez a troca de fios e reconduziu cada personagem a seu
tempo próprio.
De maneira que, assim como haviam surgido, assim se sumiram os árabes da Avenida
Gago Coutinho, deixando o capitão Soares e todos os outros a coçar a cabeça,
abismados.
Ibn-el-Muftar, por seu lado, logo que viu despejarem-se os campos daquelas gentes,
daqueles objetos e daqueles prédios, soltou um suspiro de alívio e resolveu arrepiar
caminho, desistindo de atacar Lixbuna onde, aliás, e ao contrário do que pensava, já Ibn-
Arrik o esperava, com máquinas de guerra e fogos acesos nas muralhas. O árabe
considerou todas aquelas aparições de mau agoiro, pouco propiciadoras de investidas
felizes contra Lisboa e desistiu da cidade.
A musa Clio não teve poderes para fazer com que os eventos já verificados
regressassem ao ponto zero. Disso nem o pai dos deuses seria capaz. Mas pode obnubilar
a memória dos homens com borrifos de água do Rio Letes 19, de maneira que poucos
segundos após os acontecimentos narrados, nem a tropa moura de Ibn-el-Muftar se
lembrava do encantamento que lhe tinha surgido ao caminho, nem o comissário Nunes
sabia o que estava a fazer escondido atrás do balcão da Manique, nem o capitão Soares
sabia porque estava ali a flanar com a tropa no fundo da Avenida dos Estados Unidos, nem
o guarda de segunda classe da PSP, Manuel Tobias, sabia porque se tinha dado aquele
engarrafamento, nem o coronel Vaz Rolão, dos Ralis sabia como tinha ido para à estrada e
deixado que uma autometralhadora se enfeixasse num camião TIR.
Ao Ibn-Muftar não foi muito gravoso o acontecimento, pois, aproveitou o caminho de
regresso para talar os campos de Chantarim 20, nas margens do Tejo com grande
vantagem de troféus e espólios.
Pior foi para o comissário Nunes, o capitão Soares e o coronel Rolão explicarem em
processo marcial o que se encontravam a fazer naquelas zonas à frente de destacamentos
armados. Falou-se muito em insurreição, nesses dias e os jornais acompanharam
apaixonadamente o correr dos processos.
Quanto à deusa Clio, foi privada de ambrósia 21 por quatrocentos anos o que,
convenhamos, não é seguramente um castigo dissuasor de novas distrações.

Mário de Carvalho, A inaudita guerra da Avenida Gago Coutinho e outras histórias, Lisboa, Caminho,2006
pp.27-35.

Glossário2:
1
Homero – poeta da Grécia Antiga ( século VIII 10
Lugar-tenente – aquele que desempenha
a,C.), a quem se atribui a autoria dos poemas temporariamente as funções de outrem;
épicos Ilíada e Odisseia. 11
Alá – palavra árabe que designa o Deus dos
2
Horácio – poeta latino ( 65 a.C. – 8 a.C.) Sua muçulmanos;
obra-prima são os três livros de poemas líricos, as 12
Corânico – relativo ao Corão, livro sagrado do
“Odes”, de 23 a.C.; Islamismo;
3
1148 – Um ano depois de D. Afonso Henriques ter 13
Jinns – termo árabe que que significa génios;
tomado Lisboa com a ajuda dos cruzados (1147), a criaturas sobrenaturais;
tropa de Ibn-el-Muftar pretendia reconquistar 14
Providência – poder supremo, divino;
Lisboa; 15
Ibn-Arrik –Afonso Henriques ( “ibn” significa filho
4
Almóada – aquele que pertence a uma dinastia de de…).
origem marroquina que sucedeu aos Almorávidas e 16
Moirama – os Mouros (muçulmanos do norte de
que dominou a África setentrional e a Espanha África).
muçulmana de 1121 a 1269. 17
RALIS – Quartel do Regimento de Artilharia de
5
Berberes – naturais ou habitantes da Berbéria, Lisboa;
região do Norte de África; 18
Vavá – conhecido café e restaurante de Lisboa;
6
Azenegues – Pertencentes a uma tribo berebere. 19
Rio Letes –de acordo com a mitologia grega,
7
Lixbuna – Lisboa. localizava-se no Hades e as suas águas apagavam
8
Nazarenos – nome dado aos primeiros cristãos; as memórias daqueles que se aproximavam;
9
Beduínos – árabes nómadas do deserto; 20
Chantarim – Santarém;
21
Ambrósia – alimento dos deuses do Olimpo;

3. Por que razão a palavra inaudita pode ser entendida no conto nas suas duas aceções?
Sugestão de resposta: Porque a “guerra” de que se fala no conto põe em confronto personagens de épocas
diferentes, coisa de que nunca se ouviu falar e, consequentemente, os acontecimentos são espantosos e
extraordinários.

4. Seleciona a opção que completa corretamente a afirmação seguinte.


- Os elementos constitutivos da narrativa para os quais o título remete diretamente são

a) o espaço e o tempo. c) As personagens e o espaço.

b) a ação e o espaço._X___ d) o tempo e a ação.

4.1. Justifica a opção que selecionaste.


Sugestão de resposta: O título dá-nos informações explícitas sobre a ação do conto – uma “inaudita guerra”
e o local onde esta decorre – a Avenida Gago Coutinho.

5. Identifica os dois grandes grupos de personagens em contenda.


Sugestão de resposta: Os dois grupos incluem personagens que pertencem a tempos muito diferentes.
Por um lado as que vêm do século XII, soldados árabes, e, por outro, as personagens do século XX,
automobilistas, transeuntes, moradores e forças policiais.
5.1.Refere o que os aproxima e o que os afasta no que diz respeito:

a) ao tempo a que pertencem; Os soldados árabes pertencem ao século XII; automobilistas, transeuntes,
moradores e forças policiais pertencem ao século XX

b) ao espaço onde se encontram; a zona da Avenida Gago Coutinho, é o elemento que une os dois grupos,
ainda que os árabes estivessem à espera de um cenário mais rural e menos urbano;

c) às vestimentas e aos adereços que utilizam: As personagens do século XII apresentam-se com
vestimentas e adereços típicos de soldados árabes da época – turbantes, mantos, e cotas de malha,
cavalos, pendão, alfanges, broquel, arcos, setas; as personagens do século XX, sobretudo as forças
militares, distinguem-se pelo uso de bastões, carros da polícia, escudo e viseira, carros blindados, armas de
fogo.

6.Observa o mapa da zona de Lisboa onde decorre a ação do conto e situa os locais seguintes: Avenida
Gago Coutinho, Areeiro, Alameda D. Afonso Henriques, Bairro dos Atores, Avenida dos Estados Unidos da
América.

6.1. Imagina que te encontras na Rua Marquesa de Alorna e pretendes observar os acontecimentos na praça
do Areeiro. Escreve uma proposta do Roteiro do caminho que terias de percorrer.

Sugestão de resposta: Estando na casa de um amigo, ouvi rumores de que algo épico estaria a ocorrer
junto à Praça do Areeiro. Eu e o meu amigo nem hesitámos, saímos da casa do Jin, que é chinês, e o seu
nome significa “ouro”, em direção ao epicentro dos acontecimentos, a Praça do Areeiro. Saímos da Rua
Marquesa de Alorna e seguimos para sudoeste pela Avenida da Igreja até à Avenida de Roma, descemos esta
avenida rumo ao Sul, até intercetarmos a Avenida João XXI, avenida com o nome do único papa português. Aí
chegados, voltámos à esquerda e fomos até ao seu final que desemboca na Praça do Areeiro e o que aí
encontrámos foi surreal…

Guião de Leitura
Introdução ( linha 1 a 18)

1.Explica a relação que se estabelece entre os grandes escritores Homero e Horácio e a deusa Clio.
Sugestão de resposta: Estabelece-se uma comparação entre os escritores e a deusa Clio, já que esta, à
semelhança do que aconteceu com aqueles, vai cometer uma falha provocada por uma sesta. Desta forma,
pode concluir-se que, tal como os homens, os deuses também cometem erros.

2. Indica a consequência da sesta da deusa.


Sugestão de resposta: A sesta da deusa responsável pela História e pela sua correta cronologia faz com
que o século XII e o século XX se sobreponham no mesmo espaço.

2.1. Identifica o recurso expressivo usado para referir essa consequência bem como o trabalho de Clio.
Sugestão de resposta: A metáfora da tapeçaria é usada para referir o trabalho monótono e interminável da
deusa e a consequência da sesta que pode destruir tudo.

Desenvolvimento da ação (linhas 19 a 194)


1. A entrada em Lisboa, naquela manhã de setembro, foi diferente do habitual.
1.1. Por que motivo se assustam os beduínos e os automobilistas?
Sugestão de resposta: Ambos se assustam, porque se viram frente a frente, repentina e
inesperadamente, tendo apenas tempo para travar ou parar, e não se reconheciam entre si.

2. A cena inicial do desenvolvimento da história pode ser considerada inaudita e realista.


2.1. Explica por que razão isso acontece.
Sugestão de resposta: A cena é inaudita porque põe frente a frente personagens de épocas diferentes,
mas as referências aos dois grupos são marcadas pelo realismo da situação, visível, por exemplo, nas
reações que ela provoca (as travagens bruscas, os cavalos assustados, as preces a Alá, etc.) e no vocabulário
relativo aos dois tempos, nomeadamente o de origem árabe ( Alá, Lixbuna, Chantarim, etc.).

2.2. Dá exemplos de referências a sensações auditivas e visuais que reforcem esse realismo.
Sugestão de resposta: Sensações auditivas: “estridente rumor de motores desmultiplicados”, “travões
aplicados a fundo”, sarabanda de buzinas ensurdecedora”, “retinir de metais”, “relinchos de cavalos”,
“imprecações guturais em alta grita”, “fragor estrondoso”.
Sensações visuais: “ milhares de carros de metal, de cores faiscantes”, paredes descomunais”, “ janelas
brilhantes”, “ material transparente”.

3. O que faziam árabes e automobilistas naquela zona de Lisboa?


Sugestão de resposta: Os automobilistas dirigiam-se para o trabalho e os árabes pretendiam reconquistar a
cidade aos cristãos.
4. Perante a inaudita situação em que se encontram, indica como reagem Ali-ben-Yussuf, ibn-el-Muftar e o
agente de segunda classe da PSP, Manuel Reis Tobias.
Sugestão de resposta: Ali-ben-Yussuf levanta as mãos aos céus e invoca Alá, Ibn-el-Muftar ordena aos
seus esquadrões que parem e permaneçam quietos, Manuel Reis Tobias desconfia da situação e reporta a
ocorrência ao posto de comando.

4.1. Que características dessas personagens se destacam a partir dessas reações?


Sugestão de resposta: A religiosidade do primeiro, a prudência do segundo e a responsabilidade,
misturada com algum medo, do terceiro.

5. As tropas árabes são confrontadas com uma realidade que desconhecem e o narrador recorre à perífrase
para referir alguns elementos dessa realidade.
5.1. Transcreve do texto as perífrases utilizadas para designar os automóveis, os prédios e os vidros.
Sugestão de resposta: Automóveis: “carros de metal de cores faiscantes”; Prédios: “paredes descomunais,
que por toda a parte se erguiam”; Vidros: “janelas brilhantes”.

6. O chefe da tropa árabe e o agente da PSP procuram explicações para o que está a acontecer.
6.1. Refere as explicações apresentadas por ambos, apresentando uma possível justificação para essas
explicações.
Sugestão de resposta: Cada personagem procura, na realidade que conhece, explicações para o que se
passa naquele momento: Muftar põe a hipótese de o pandemónio à sua volta se dever a algum castigo de Alá
ou a feitiçaria; Manuel Reis Tobias considera a ocorrência um desfile carnavalesco não autorizado.

7. Relata as consequências da mensagem enviada por Manuel Reis Tobias para o posto de comando.
Sugestão de resposta: Após a receção da mensagem, o governador civil e o ministro são contactados e
confirmam que não estão previstas manifestações, pelo que um forte aparato de forças policiais é chamado ao
local.

7.1. Identifica as forças policiais convocadas para o local, bem como os nomes daqueles que comandam.
Sugestão de resposta: a) Os pelotões da Polícia de Intervenção, comandados pelo comissário Nunes; b) a
tropa do Ralis e os seus carros blindados, sob o comando do coronel Vaz Rolão; c) a companhia de
intendentes da Escola Prática de Administração Militar, chefiada pelo capitão Aurélio Soares.

8. Impacientes, os automobilistas saem entretanto dos carros.


8.1. Indica as razões pelas quais:
a) os automobilistas não têm medo das tropas mouras;
Sugestão de resposta: Os automobilistas pensam que os árabes são atores numa encenação para um
filme ou para um anúncio e optam por lhes dirigir uma vaia de descontentamento pelo atraso que estão a
provocar.

b) Ibn-el-Muftar não receia os automobilistas.


Sugestão de resposta: Ibn-el-Muftar não vê nenhuma ameaça naquela multidão desarmada.

9. Manuel da Silva Lopes e Mamud Beshewer são personagens que se individualizam nos grupos a que
pertencem.
9.1. Refere o seu papel no desenrolar da ação.
Sugestão de resposta: O camionista Manuel da Silva Lopes é responsável pelo ataque dos mouros, pois
resolve atirar uma pedra que acaba por embater no broquel do beduíno Mamud Beshewer, provocando Muftar,
que, sentindo-se acossado, riposta e ordena uma saraivada de setas sobre os populares e os automobilistas.
10. Por que razão o comissário Nunes ordena: “Toca a varrer isto tudo até ao Areeiro” ( linha ??).
Sugestão de resposta: Porque não percebeu que o apupo proferido pelos populares era uma resposta ao
ataque dos mouros e entendeu-o como uma provocação às forças policiais.

10.1. Quais são as consequências dessa ordem?


Sugestão de resposta: Os agentes do comissário avançam sobre a multidão, provocando baixas e feridos,
e aproximam-se dos mouros. De paciência esgotada, Muftar ordena um ataque que obriga a Polícia de
Intervenção a fugir cobardemente e a esconder-se.

11. A tropa do Ralis recebe ordens para intervir.


11.1. Explica a causa do insucesso dessa intervenção.
Sugestão de resposta: Os blindados do Ralis veem-se impedidos de chegar ao local porque ficam presos
num engarrafamento.

11.1. Que imagem nos é dada pelo narrador das forças policiais chamadas ao local?
Sugestão de resposta: As forças policiais são desorganizadas e, apesar de serem várias, não conseguem
lidar com a situação.

12. “Estas coisas só me acontecem a mim!” ( linha 157).


12.1. A partir deste lançamento do capitão Aurélio e do comentário que se lhe segue, o que concluis acerca do
ponto de vista e da posição do narrador sobre a história que conta.
Sugestão de resposta: O narrador não participa na ação. É um observador omnisciente que apresenta a
sua posição subjetiva, comentando os acontecimentos com ironia e humor.

12.2. Transcreve outra passagem em que se revele a ironia do narrador.


Sugestão de resposta: Por exemplo: “propósito sábio e louvável de surpreender contraventores aos
semáforos” (linhas ??)

13. Carateriza as atitudes de Ibn-el-Muftar e do capitão Aurélio Soares quando as tropas que comandam se
aproximam.
Sugestão de resposta: Ambos agem com prudência e desconfiança, optando por uma aproximação
cautelosa e pacífica que lhes permita estabelecer um contacto cordial.

14. Na tua opinião, o que poderia ter acontecido caso a deusa Clio continuasse a dormitar?
(Resposta pessoal)

14.1. Quem sairia vencedor do conflito? Justifica a tua opinião.


(Resposta pessoal)

15. Quando Clio desfaz o engano, o capitão Soares e os seus homens reagem da mesma forma que Ibn-el-
Muftar?
Sugestão de resposta: Não. Enquanto o capitão Soares e os seus homens reagem com estupefação,
Muftar sente-se aliviado.

Conclusão ( linhas 195 a 217)


1. Explicita as consequências do lapso de Clio para a própria deusa, para os árabes e para as forças policiais.
Sugestão de resposta: Clio fica impedida de saborear ambrósia durante muitos anos; os árabes e as
forças policiais são privados da memória dos acontecimentos. Se para os árabes isso não causou qualquer
transtorno, já as forças policiais tiveram de procurar explicações para se encontrarem armadas naqueles
locais.

2. Apesar do conto ser uma narrativa fechada, o último parágrafo deixa em aberto novas peripécias. Explica a
razão para isso, eventualmente, poder acontecer.
Sugestão de resposta: Porque o castigo de Clio não é suficiente gravoso para impedir uma nova sesta e,
consequentemente, uma nova mistura de datas.

Quiz final:
(tens de estar registado na Aula Digital da Leya Educação)

https://auladigital.leya.com/share/b5c761bf-ad95-408f-a483-a5e912082f50
( Quiz sobre a obra “ A inaudita guerra da Avenida Gago Coutinho”)

Escrita
1. Escreve a narrativa dos acontecimentos de “A inaudita guerra da Avenida Gago Coutinho” a partir do ponto
de vista de uma das personagens seguintes: Ibn-el-Muftar; Manuel Reis Tobias; Manuel da Silva Lopes;
Mamud Beshewer; comissário Nunes; capitão Aurélio Soares; morador que lança água sobre Muftar.

- Procura no texto as informações de que necessitas para a caraterização da personagem escolhida e para
referires apenas os acontecimentos em que participou ou que testemunhou.

- Escreve e revê o teu texto. Não te esqueças de:


*utilizar a 1ª pessoa;
* verificar se a história está escrita de modo a interessar ( ter interesse) os leitores e se possui todas as
informações necessárias para ser entendida;
*verificar a ortografia, a pontuação e a coesão do texto.

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