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As Origens Sociais Do Choro
As Origens Sociais Do Choro
RESUMO
Utilizando o método do materialismo cultural de Raymond Williams, este trabalho tem
por objetivo buscar as origens do Choro. Analisaremos as contradições nos campos
políticos, sociais e econômicas no Brasil do século XIX até o início do XX, que
determinaram os rumos da cultura brasileira, visando-se contribuir para o debate acerca
da formação do Choro, situando nosso recorte entre o período de 1870 até os anos de
1920, basilar para o desenvolvimento do gênero. O seu surgimento junto à classe média
baixa no Rio de Janeiro, representados pelos primeiros operários das fábricas e os
pequenos comerciantes, foram decisivos na formação social do gênero musical, visto que
seu processo caminha ao lado da formação do Brasil como República. Como edificador
do gênero musical, Pixinguinha foi o primeiro a mesclar percussão junto as orquestras
eruditas. Assim, poderemos compreender o choro como a primeira música urbana
brasileira, reflexo da pressão das bases econômicas sobre a superestrutura; sua formação
perpendicular aos avanços das forças produtivas no Brasil; sua gênese nas classes
populares; e a estilização do gênero musical posteriormente, fato que o torna de difícil
acesso para as massas e o aparta de sua formação inicial.
1.INTRODUÇÃO
Choro, primeiro gênero musical brasileiro tipicamente urbano. Quando falamos
no gênero, logo pensamos em Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo,
Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth. Músicas amplamente conhecidas e de presença
constante na história do brasileiro, como “Tico-tico no fubá” e “Carinhoso”, são exemplos
de um choro naturalmente popular, formado por uma miscelânea de gêneros musicais que
acabaram por formatar um só gênero no início do século XX. O Lundu dos escravos
negros, a polca, o maxixe, modinhas, fados, fofas, mazurcas, tango brasileiro, entre
outros, eram os estilos musicais em voga no Brasil colônia, “[...] o choro, inicialmente
não propriamente um gênero, mas um conjunto instrumental e logo um jeito brasileiro de
se tocar a música europeia da época” (VASCONCELOS, 1991, p. 34), também passou a
disputar seu espaço no imaginário musical de nosso país.
Contudo, percebemos que o choro, hoje, não é tão acessível as massas quanto o
samba. Em sua gênese, advém das músicas feitas pelos escravos negros, a chamada
“Música de barbeiros”, passando por um longo processo social de formação, sendo
aderido pelas classes trabalhadoras que se formavam no Rio de Janeiro no final do
Império, para então se consolidar como gênero musical com Pixinguinha no início do
século XX, mas, ao mesmo tempo, entrando em contradição por se afastar de suas origens
e se estilizando, tomando, de certa forma, um caráter erudito. Percorreremos a história do
choro através da cultura que permeava a sociedade brasileira, analisando os conceitos de
base e superestrutura propostos pelo crítico e escritor britânico Raymond Williams –
fundamentação evidentemente marxista – e sua concepção de hegemonia, que “constitui
então, em sentido de realidade para a maioria das pessoas em uma sociedade, um sentido
absoluto por se tratar de uma realidade vivida” (WILLIAMS, 2011, p. 53). Logo, as
determinações políticas, socias e econômicas, que alicerçaram a formação da República
no Brasil, reverberaram a evolução do choro. Assim, entendemos que a cultura de modo
algum é algo isolado da sociedade, pois “uma vez que a produção cultural é por si só vista
como social e material... já não é mais baseada na experiência, mas no caráter comum dos
respectivos processos de produção” (WILLIAMS, 1979, p. 139). Diante disso, a presente
pesquisa tem a seguinte indagação: quais as origens sociais do choro e quem são seus
percursores?
A história das ideias não pode ser separada da economia, e muito menos da
filosofia, o historiador social que negligencia um dos dois, não chegará ao seu ponto, o
passado influencia o futuro, mas não é passivo de imobilidade social, depende de uma
determinada circunstância, de uma determinada sociedade, disserta o historiador marxista
Eric Hobsbawm (2013), reforçando as impressões de Williams sobre a superestrutura,
que não depende indubitavelmente das pressões exercidas pela base quando estudamos a
cultura. Tal conceito marxista é o ponto de partida para os dois historiadores e não deve
pecar pela revisão, mas aqui, a cultura brasileira será projetada, onde subjetividades estão
expostas.
Então, devemos dizer que quando falamos de “base”, estamos falando de um
processo, e não de um estado. E não podemos atribuir a esse processo algumas
propriedades fixas a serem posteriormente traduzidas aos processos variáveis
da superestrutura (WILLIAMS, 2011 p. 47).
2.MÉTODOS
A partir da escola britânica de crítica cultural materialista, utilizaremos Raymond
Williams para crítica cultural alinhada com a realidade social. O materialismo cultural se
diferencia dos demais estudos culturais isolados, que afastam as análises culturais da
crítica concatenada aos fatores determinantes na sociedade, sendo eles econômicos,
políticos e sociais; utilizaremos também a abordagem marxista ao que diz respeito a
configuração das classes sociais, categoria necessária para a incursão que se faz nesse
projeto.
A partir dessas concepções, a pesquisa bibliográfica foi escolhida para
compreendermos os grandes autores da música popular brasileira e em especifico o choro,
os pensadores da história do Brasil e dos processos do materialismo cultural, através da
bibliografia especializada, onde incluímos Raymond Williams e outros pensadores
marxistas, são nosso repertório. Para um melhor diálogo e debate teórico, utilizamos
dissertações de mestrado, revistas, jornais, teses de doutorado e o dicionário Cravo Albin.
A pesquisa será desenvolvida dissecando as reverberações políticas, sociais e
econômicas no que se refere à consolidação do choro com Pixinguinha, no início do
século XX, alicerçando no materialismo cultural e na configuração de classes sociais.
3. DISCUSSÕES E RESULTADOS
3.1 Música de barbeiros e Bandas Militares
Em meados do século XVII, aparecia na Bahia e no Rio de Janeiro o primeiro tipo
de música instrumental brasileira destinada ao lazer nas cidades; composta pelos negros,
ficou conhecida como “Música de Barbeiros”. Nas fazendas baianas e cariocas, os
senhores destinavam alguns de seus escravos ao aprendizado de certas profissões, como
por exemplo, a de barbeiro. Logo, devido às habilidades manuais que estes homens
detinham, além de que muitos apresentavam aptidão para tocar instrumentos, era na
música que buscavam o seu divertimento das horas vagas (TINHORÃO, 1997).
A vinda desses músicos paras as cidades aconteceu devido ao processo material
de urbanização do Brasil colônia, que só pôde acontecer na Bahia e no Rio de Janeiro
dinamizados pela corrida do ouro. Segundo o historiador José Ramos Tinhorão (1997, p.
140), Salvador foi de 21 mil habitantes, em 1706, para 37 mil, em 1755, e o Rio de Janeiro
saltou de 30 mil, em 1763, para 43 mil, em 1799. Desta maneira, profissões como a de
barbeiro passavam a ser inevitáveis para a vida citadina, mas não se via uma organização
progressiva nas novas cidades em relação a ocupação, “o seu objeto era, pura e
simplesmente, a mão-de-obra (sic) agrupada nas reduções –, e não o território” (SODRÉ,
1968, p. 116).
O choro, em sua gênese, nada mais era do que um estilo, uma outra forma de tocar
as músicas em voga, uma forma “chorada”. Assim, também é possível verificar um
encadeamento de contribuições musicais que subsidiaram a futura música popular
brasileira; a música negro-africana contribuiu originalmente para esse processo, haja vista
que “nas fazendas foram as bandas de escravos os avós das atuais liras do interior [...] na
cidade do Rio de Janeiro foi a música de barbeiros mãe do choro, avó do regional
profissional do rádio e bisavó dos conjuntos de bossa” (TINHORÃO, 1997, p. 129).
Devido ao avanço da modernização das cidades do circuito do café e a abolição
da escravatura no Brasil em 1888, seguidas por um golpe civil-militar conduzido pelas
classes dominantes influenciadas pelos lemas positivistas, em 1889, foi instaurada a
República no Brasil; contudo, está “não brotou do íntimo da sociedade brasileira, incapaz
de tal criação, mas lhe é imposta do exterior, continuando a exercer sobre ela o mesmo
tipo de pressão daquela” (PRADO JR, 2011, p. 367). Consequentemente houve um
avanço das forças produtivas e uma mudança nas relações sociais de produção – a
exploração do trabalho passava a ser assalariada com mão de obra barata, e não mais
escravizada. Todo esse processo na base fez com que a superestrutura estabelecida
caducasse, desaparecendo assim a música dos escravos barbeiros que, passando o seu
“ritmo de senzala” para a pequena burguesia e para o proletariado urbano do Rio de
Janeiro, fez nascer um novo estilo, herdado pelas bandas militares.
De uma herança formada a partir dos primeiros séculos de colonização, as bandas
militares são uma continuidade dos músicos de charamelas, que tocavam caixas e
trombetas, como afirma o historiador José Ramos Tinhorão (2010). Mas é somente com
a chegada da corte portuguesa ao Brasil, em 1808, que essas bandas adquirem o devido
prestígio, pois, “antes de 1808, não existiam bandas de música, nos modelos mais
“modernos” das bandas de harmonia” (BIRDER, 2006, p. 25). Devido ao avanço primário
das atividades econômicas que decorreram da vinda da corte portuguesa, emergiram-se
modernizações, aqui a superestrutura “foi um tipo de “mediação”, na qual algo mais do
que um mero reflexo ou produção” (WILLIAMS, 2011, p. 45).
Em 13 de julho de 1866, na ilha de Paquetá, nascia o futuro grande mestre da
Banda do Corpo de Bombeiros carioca de importância impar para a evolução do choro,
Anacleto de Medeiros, levou para o repertório das bandas as composições mais
conhecidas do choro naquela época, tal qual chorões da estirpe de Irineu Silva (professor
de Pixinguinha), Candinho do Trompete, Luís de Souza, Irineu Pianinho, Casemiro
Rocha, Edmundo Ferreira, Tute (com Anacleto se reservou a tocar pratos e bumbo, mas
como integrante dos Batutas foi exímio violonista e revolucionou o choro introduzindo o
violão de sete cordas), João Ferreira de Almeida e Albertino Pimentel Carramona
(MARTINS, 2020). Os empreendimentos do mestre da Banda do Corpo de Bombeiros
carioca carregava uma influência que mudaria os rumos da cultura “chorística”.
Por essas e outras as bandas militares foram determinantes na formação da cultura
“chorística”, não apenas Anacleto de Medeiros e sua Banda do Corpo de Bombeiros do
Rio de Janeiro disseminaram o gênero, mas as agremiações continuaram a inspirar as
vindouras gerações de chorões. Joaquim Callado, o rei da flauta e considerado o “pai” do
choro, era filho de músico militar, influenciando outros músicos do calibre de Villa Lobos
(que utilizou como tema central de seu monumental “Choros No.10” uma das
composições de Anacleto, “Iara”), Paulo Mora, Severino Araújo, Radamés Gnatalli, e
demais importantes personagens da primeira música popular brasileira urbana, o choro
(CAZES, 2010).
Mas quem é o primeiro chorão? Porque se delimita essa data de 1870? Por causa
de Joaquim Antônio da Silva Callado Jr, considerado o “Pai” do Choro, tendo nesse
mesmo ano montado o “Choro do Callado”, o primeiro conjunto de Choro. O “Rei” da
flauta (como era chamado) foi da primeira geração de chorões, filho de um mestre de
banda militar, nasceu em 1848, já respirando a música. Responsável pela introdução da
flauta de fato naquele tempo, Callado se cria no Brasil de Dom Pedro II, aos quinze anos
compõe pela primeira vez e quando mais velho torna-se professor de conservatório, em
1871, foi um dos primeiros a ler partituras nas rodas de choro (PINTO, 2014).
Callado veio a falecer em 1880 devido a meningoencefalite, mas deixa como seu
pupilo Viriato Figueira da Silva, aluno e amigo no conservatório de música. Quando
também morre Viriato, a flauta ganha seu novo mestre e um dos grandes flautistas da
música popular, Patápio Silva, que foi um dos pioneiros nas gravações na Casa Edison.
[...] em uma versão “semierudita”, para música de salão, que chamou de “tango
brasileiro”. As obras de Nazareth procuravam retratar as funções de cada
instrumento do Choro – fossem eles solistas ou acompanhadores, como o
cavaquinho e o violão. Além de usar a célula de acompanhamento... da
cométrica polca, suas partituras eram repletas das variações do padrão
contramétrico de oito pulsações... (figura notável nos maxixes e nas gravações
dos Oito Batutas, grupo liderado por Pixinguinha) (SÈVE, 2014, p. 1152).
Sua primeira composição foi uma polca intitulada “Você bem sabe”, mas
“Apanhei-te o cavaquinho” e, sua obra mais conhecida, “Brejeiro”, são exemplos
lembrados hoje como representantes do Choro. É sabido, portanto, que, na verdade,
Nazareth compunha choro.
Nazareth costumava tocar em salões e casas nobres, foi marcado por ser o pianista
da sala de espera do famoso cinema Odeon, o que vai lhe render sua também famosa
composição “Odeon”. Ernesto Nazareth, o compositor de tangos brasileiros que os
autointitulava de choro, vai presenciar a revolução e edificação do gênero musical,
revolução essa que traz um nome, Pixinguinha.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fazermos uma incursão nos estudos culturais, observamos que a base
econômica exerce pressão na superestrutura, mas quando falamos em cultura, é mais
“complexo e mais contraditório do que o desenvolvimento metafórico da noção de “base”
poderia permitir que percebêssemos” (WILLIAMS, 2011, p. 47). A cultura é sempre de
uma determinada sociedade, a produção cultural é uma fábrica de subjetividade, é através
da produção cultural que aprendemos valores, que crescemos e nos tornamos sujeitos. A
produção cultural é a materialização dos valores de uma sociedade, a cultura é um
processo produtivo, é uma forma, não se pode entender um processo artístico e cultural,
sem entender também sua formação.
Aplicar os conceitos, compreendendo sua relação com o geral e com o particular,
serve-nos para empenharmos uma leitura dialética do objeto escolhido; assim, optamos
por contextualizar historicamente o desenvolvimento do choro, suas características mais
gerais, bem como sua formação e evolução.
Percebemos que na evolução do gênero ocorre um afastamento das massas, sendo
que essa evolução segue uma lógica desde o início, os chorões que exerciam suas
profissões, tinham no choro um lazer. Em sua maioria, na contemporaneidade, são
pertencentes a pequena burguesia; contudo, tendo o acesso à cultura por seus históricos
de capitais excedentes, exemplificando, os chorões do século XIX eram em sua maioria
funcionários públicos e pequenos comerciantes.
O que nos confirma a questão hegemônica dentro do choro é, justamente, a
questão de classe, percebemos que uma determinada classe obteve a propriedade de tal
cultura. Contudo, claro que há, e há realmente de ter adesões populares em demais lugares
do Brasil – aqui, não entendemos a superestrutura de modo mecanicista, mas sim de modo
dialético –; portanto, o choro persiste popular. Cabe então a ressalva da participação das
mulheres no gênero, pensemos homologamente como uma propriedade privada, onde
existe a herança, logo, a família e o patriarcado, sendo assim, hegemônico da parte do
homem, herdar tal cultura “chorística”, e dificultar o acesso da mulher, por esse exemplo,
também podemos entender o porquê da hegemonia da classe possuidora da cultura sobre
as massas.
Hoje em dia é o homem que, na maioria dos casos, tem de ser o suporte, o
sustento da família, pelo menos nas classes possuidoras, e isso lhe dá uma
posição de dominador que não precisa de nenhum privilegio legal especifico.
Na família, o homem é o burguês e a mulher representa o proletário
(ENGELS, 2017, p. 98).
REFERÊNCIAS
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Paulista, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2006.
CAZES, H. Choro do quintal ao municipal. 4. ed. São Paulo: Editora 34, 2010.
DINIZ, A. Almanaque do choro: a história do chorinho, o que ouvir, o que ler, onde
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FREYRE, G. Casa-Grande & Senzala. 51. ed. São Paulo: Global, 2006.
SODRÉ, N. W. Formação Histórica do Brasil. 5. ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1968.
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2010.
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