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Se tem algo que foi fatal na minha atração pela gastronomia como profissão, foi a moda que surgiu

nos
anos 2000 com a cozinha molecular e a criação de novas técnicas. A área parecia um Velho-Oeste, onde os
sagazes prevaleceram, e os fracos (ou exibidos) não duravam. Técnicas novas levaram à busca de igredientes
novos, e na América Latina se beneficiou disso, com a valorização do terroir, características agrículas de uma
região, e apetite por novos sabores.
No Brasil a moda chegou intensamente, levou o Alex Atala à condição de semi-deus, que popularizou os
ingredientes típicos brasileiros, até então desconhecidos pelos próprios habitantes, usou-os pra promover sua
própria imagem, e até lucrou vendendo pimentas Baniwa. Também nasceu uma certa rivalidade (que eu
chamaria de inveja) com os peruanos, que conseguiram chamar a atenção do mundo com suas batatas e frutos do
mar.
Sim, eu me iludi nas modas e até passei por metido à besta, mas não, nunca mergulhei em nenhuma
delas. Fiquei restrito à fazer molhos-espumas como nova técnica e usar batata baroa no lugar da asterix como
novo ingrediente, ou à imaginar qual será a próxima vanguarda, já que dificilmente um modelo de
estabelecimento é aceito como ideal pelos gourmands. Enquanto isso, via de longe (e imaginava o gosto) do
Brasil se exibindo como destino gastronômico. Poucas foram as vezes que provava dos pratos conceituais, e
talvez mais recentemente tenho aproveitado das mudanças pra pensar e avaliar (e permitir) novas formas de
sentar e servir à mesa, essa ainda prometendo surgir como novos critérios para chefs. Foi então que conheci o
café da Beluga, cafeteria da Vila Buarque em São Paulo que torra seus cafés à sua maneira, junto com o
produtor.
O lugar, fruto da parceria entre um publicitário e um jornalista, é não só agradável para o paladar, mas
também para os olhos, possui uma estética clean e espaços agradáveis para trabalhar em um notebook, ler,
conversar. Os cafés conseguem ser excepcionais sem serem extravagantes nem exagerados, e a comida é como a
de toda cafeteria: cada opção uma delícia diferente (atenção para o pão na chapa). Fiquei satisfeito por ter
descoberto esse lugar, já que ele se apropria devidamente das tendências e cria algo novo à partir da tradição.
O café passado sintetiza bem essa ideia, todos os blends são de torra média, passados seja na Hario,
french-press ou air-press, surpreendem na língua sem estranhar aos olhos algo que acima de tudo, é brasileiro.
Mas, por pouco o lugar queridinho dos hipsters não falha no que há de mais brasileiro em torno do café, que é a
cortesia. Quando obrigam o cliente a se servir e limpar como num fast-food, prática não tão nova mas talvez
revolucionária, se não retribuem com simpatia à quem fez por boa vontade ou com a rasa (porém gratuíta)
sensação de recompensa por facilitar o trabalho alheio, se torna desagradável por mera preguiça, ainda mais
quando esquecem um pedido especial como o de provar a geleia de damasco junto com o pão torrado, ou de
entregar os pratos na ordem certa e ao mesmo tempo à mim e minha convidada.
Sim, isso aconteceu comigo e sim, eu fiquei ressentido. Broxei logo no início, quando quis puxar uma
conversa sobre a origem dos grãos ou qual a composição do pão de fermentação natural e recebi zero atenção.
Senti saudade do interior, e do “açúcar com café” acompanhado de uma fatia de pão caseiro (talvez velho) com
margarina, mas também desejei que eles tivessem me agradado, já que conceitualmente eles foram impecáveis.
Isso, enquanto servir bem de maneira casual não tornar um conceito.

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