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CIÊNCIAS MORFOFUNCIONAIS DOS SISTEMAS DIGESTÓRIO, ENDÓCRINO E RENAL

VISÃO GERAL DO SISTEMA DIGESTÓRIO


CONVITE AO ESTUDO

O trato gastrointestinal abastece nosso organismo com suprimentos contínuos de água,


eletrólitos, vitaminas e nutrientes. Para que tudo isso seja possível, ocorre uma série de
reações em todo o trato gastrointestinal, por esse motivo, conhecer as características
anatômicas e histológicas dele nos permite conhecer a fisiologia digestória, ou seja, o que
acontece em nosso organismo desde a entrada do alimento na boca até ele ser excretado
pelas fezes. E você já parou para pensar por que o trato gastrointestinal é de tanto interesse
nas pesquisas médicas? A razão é que as doenças gastrointestinais vêm acometendo cada
vez mais a população, e muitas das situações, como indigestão, constipação, diarreia, azia,
gastrite, úlceras, doenças inflamatórias intestinais, entre outras, têm se tornado muito
comuns. Uma forma de estimar o impacto que essas doenças e/ou sintomas têm na
população é ir em qualquer farmácia e observar o número de medicamentos disponíveis
para o tratamento delas.

A partir de agora, entenderemos o modo extraordinário pelo qual o trato gastrointestinal


transforma os alimentos que ingerimos em nutrientes que são utilizados pelo nosso
organismo. Iniciaremos conhecendo as características anatômicas e histológicas de todas
as estruturas que fazem parte do trato gastrointestinal. Em seguida, entenderemos como
funcionam os mecanismos de liberação de cada uma das enzimas digestórias e como
ocorre o processo de absorção de compostos pelo sistema digestório, bem como seus
movimentos de contração. Para finalizar esta unidade, conheceremos os mecanismos
fisiológicos de algumas patologias associadas ao sistema digestório e, a partir daí,
compreenderemos a ação das principais famílias de fármacos utilizadas no tratamento das
patologias associadas ao sistema digestório.

PRATICAR PARA APRENDER

Olá, aluno! Para que você possa compreender todo o mecanismo que o trato
gastrointestinal realiza desde o momento da entrada do alimento na boca até sua excreção
através das fezes, inicialmente, é necessário que você conheça as características
anatômicas e histológicas de todas as estruturas que fazem parte do trato gastrointestinal, e
é isso que veremos a partir de agora.

Jorge tem 47 anos, é hipertenso, obeso e, de acordo com seu último check-up, apresenta
uma dislipidemia (colesterol total e triglicerídeos altos e colesterol-HDL baixo). Há 15 dias
ele se queixa de uma “dor abdominal” muito intensa, que piora após as refeições. Por não
aguentar mais passar dor, ele decide ir ao hospital. Durante a consulta, relata ao médico
que a primeira vez que sentiu essa dor abdominal intensa do lado direito superior do
abdômen, que se irradia para as costelas, foi quando estava em um bar com os amigos
comendo salgadinhos fritos e bebendo cerveja, e que, a partir desse episódio, a dor
aparece intensa, em média, uns 30-40 minutos após as refeições e diminui aos poucos.
Junto a essa dor, ele sente náuseas e, às vezes, vômito, assim como observou que as
fezes estão claras e gordurosas. Ao finalizar a consulta, o médico diz que, provavelmente,
ele apresenta uma colelitíase (cálculos biliares, ou “pedra na vesícula”), mas que para ter
certeza será necessário realizar um exame de imagem. Após a realização da
ultrassonografia e a confirmação dos cálculos biliares na vesícula, o médico o encaminhou
para a realização da colecistectomia. Quais são as formas de tratamento dessa patologia?
É necessário mesmo realizar a cirurgia? Como esses cálculos se formam dentro da vesícula
biliar? Qual é a relação da presença dos cálculos biliares com as fezes claras e
gordurosas?

CONCEITO-CHAVE

Os nutrientes que ingerimos através dos alimentos são utilizados pelo nosso organismo
para formar novos tecidos corporais e reparar tecidos danificados, porém a maioria dos
alimentos que consumimos é composta por moléculas grandes demais para serem
utilizadas pelas células do corpo, como proteínas, lipídios, carboidratos complexos e ácidos
nucleicos. Desta forma, o trato gastrointestinal possui funções de digerir os alimentos até
moléculas que sejam absorvíveis, além de promover a absorção de água e eletrólitos e a
excreção de resíduos, fornecendo, de maneira adequada, água, eletrólitos e nutrientes para
que o organismo possa manter suas funções fisiológicas.

O trato gastrointestinal é um sistema tubular formado pela boca, a maior parte da faringe, o
esôfago, o estômago, o intestino delgado e o intestino grosso. Cada parte possui uma
função específica, seja a simples passagem do alimento (esôfago), o armazenamento
temporário do alimento (estômago) ou a absorção (intestino delgado). Este canal tubular
possui um comprimento de, aproximadamente, 5 a 7 m em uma pessoa viva, em
decorrência do tônus dos músculos da parede do canal alimentar. As contrações
musculares que ocorrem nesta parede são responsáveis pela mistura dos alimentos com os
líquidos secretados no decorrer do trato digestório, pela fragmentação física dos alimentos e
pela agitação e pelo impulsionamento desde o esôfago até o ânus. Além desses órgãos que
compõem o canal tubular digestório, temos os órgãos digestórios acessórios, que incluem
os dentes, a língua, as glândulas salivares, o fígado, a vesícula biliar e o pâncreas. Os
dentes e a língua auxiliam no processo de mastigação e deglutição, mas os outros órgãos
acessórios, por sua vez, não entram em contato direto com os alimentos, eles produzem ou
armazenam secreções que entram em contato com os alimentos através dos ductos. Essas
secreções auxiliam na decomposição química dos alimentos.

O alimento percorre um longo caminho dentro do trato gastrointestinal, desde o momento


que é ingerido até ser eliminado através das fezes. Após ser ingerido na boca, ele começa a
ser digerido com a mastigação e a secreção de saliva pelas glândulas salivares,
sublinguais, submandibulares e parótidas. Em seguida, o alimento deglutido passa pelo
esôfago e, devido aos movimentos de peristaltismo (contrações musculares), é conduzido
ao estômago, um órgão em forma de uma bolsa que pode conter até dois litros de alimento
e líquidos, quando totalmente expandido (embora desconfortavelmente). O estômago
continua a digestão que iniciou na boca, onde o alimento é misturado com o ácido e as
enzimas para criar o quimo. No entanto, a maior parte da digestão ocorre no intestino
delgado, com o auxílio das enzimas intestinas e secreções exócrinas do fígado e pâncreas.
Praticamente todos os nutrientes digeridos e os fluidos secretados são absorvidos lá,
deixando cerca de 1,5 litro de quimo por dia passar para o intestino grosso. A fase final da
digestão ocorre no colo (seção proximal do intestino grosso), e o quimo aquoso
transforma-se em fezes semissólidas à medida que a água e os eletrólitos são absorvidos
dele. Quando as fezes são impulsionadas para o reto (porção final do intestino grosso), a
distensão da parede retal desencadeia o reflexo de defecação, fazendo com que as fezes
deixem o trato gastrointestinal pelo ânus.

Mesmo que todo o processo de digestão e absorção dos alimentos pareça simples, o trato
gastrointestinal se depara com três desafios:

Evitar a autodigestão: os alimentos que ingerimos estão, na maioria das vezes, na forma de
macromoléculas, como carboidratos complexos, proteínas e lipídeos. Para que o organismo
possa utilizar esses nutrientes, é necessário que ocorra o processo de digestão, quando
enzimas potentes são secretadas pelo trato gastrointestinal para digerir os alimentos em
moléculas que sejam pequenas o suficiente para serem absorvidas pelo corpo.
Simultaneamente, essas enzimas não devem digerir o próprio trato gastrointestinal
(autodigestão). Caso os mecanismos protetores contra a autodigestão falharem,
escoriações, conhecidas como úlceras pépticas, podem se desenvolver.

Balanço de massa: manter o equilíbrio entre os líquidos que entram e os que saem do
organismo. Em média, as pessoas ingerem dois litros de líquidos diariamente, porém as
glândulas e as células exócrinas secretam, aproximadamente, sete litros de enzimas, muco,
eletrólitos e água no lúmen ao longo do trato gastrointestinal, totalizando uma média de
nove litros de líquidos que entram no sistema digestório. Para manter a homeostasia, o
volume de líquido que entra no trato gastrointestinal por ingestão ou secreção deverá ser
igual ao volume que deixa o lúmen, através do processo de absorção no intestino delgado e
grosso, além da excreção de líquidos através das fezes (em média, 100 mL).

Defesa: o lúmen do trato gastrointestinal é a maior área de contato entre o meio interno e o
mundo externo, desta forma, é uma região que enfrenta diariamente o desafio entre a
necessidade de absorver nutrientes e água e a necessidade de evitar que bactérias, vírus e
outros patógenos entrem no corpo. Para isso, o trato gastrointestinal possui alguns
mecanismos fisiológicos de defesa, incluindo muco, enzimas digestórias, ácido e a maior
coleção de tecido linfático do corpo. Estima-se que 80% de todos os linfócitos do corpo são
encontrados no intestino delgado.

CARACTERÍSTICAS ANATÔMICAS E HISTOLÓGICAS DO TRATO GASTROINTESTINAL

A composição básica da parede do trato gastrointestinal, desde a parte inferior do esôfago


até o canal anal, tem o mesmo o arranjo básico de quatro camadas (ou túnicas) de tecido,
embora existam variações de uma seção a outra, por exemplo, a parede intestinal é
enrugada em dobras para aumentar a sua área de superfície, e essas dobras no estômago
são chamadas de pregas. As quatro camadas de tecidos que compõem a parede do trato
gastrointestinal, da interna para a externa, são a mucosa, a submucosa, a muscular e a
serosa.

Camada mucosa: é composta por: (a) um revestimento epitelial, que fica em contato direto
com o conteúdo alimentar e possui a função protetora, de secreção e absorção. Este
epitélio é suportado pela (b) lâmina própria, que possui muitos vasos sanguíneos e
linfáticos, os quais são as vias pelas quais os nutrientes absorvidos no canal alimentar
alcançam os outros tecidos do corpo. E a (c) lâmina muscular da mucosa, que é uma fina
camada de músculo liso que separa a lâmina própria da submucosa responsável pelo
movimento da camada mucosa, independentemente de outros movimentos do sistema
digestório, aumentando o contato da mucosa com o alimento.

Camada submucosa: é um tecido conjuntivo que liga a túnica mucosa à túnica muscular e
possui muitos vasos sanguíneos e linfáticos, os quais recebem moléculas dos alimentos
absorvidos. A submucosa possui também o plexo submucoso, que é formada por uma
cadeia de neurônios interconectados, os quais controlam, principalmente, a secreção
gastrointestinal e o fluxo sanguíneo local.

Camada muscular: é dividida em duas subcamadas, uma interna próxima ao lúmen e outra
camada externa. Entre essas duas subcamadas, encontra-se o plexo nervoso mioentérico e
o tecido conjuntivo contendo vasos sanguíneos e linfáticos. Esta camada é responsável
pelas contrações segmentares (movimentos que misturam o alimento com as enzimas
digestivas) e pelo movimento peristáltico (movimentos que movem o alimento ao longo do
canal alimentar) ao longo do trato gastrointestinal.

Camada serosa: consiste na camada mais externa da parede do trato gastrointestinal,


também chamada de peritônio visceral, porque forma uma parte do peritônio (camada que
reveste a cavidade abdominal).

É na boca (ou cavidade oral) que o alimento sofre as primeiras transformações para o início
do processo de digestão com a cooperação da língua, dos dentes e das glândulas salivares.
As bochechas formam as paredes laterais da boca e, durante o processo de mastigação, a
contração dos músculos bucinadores junto ao músculo orbicular da boca nos lábios ajuda a
manter os alimentos entre os dentes. Os palatos duro e mole são outras estruturas que
fazem parte da cavidade oral, responsáveis por separar a cavidade oral da cavidade nasal,
formando o céu da boca. O palato é uma estrutura que torna possível mastigar e respirar ao
mesmo tempo. A língua é um órgão digestivo acessório, formado de um músculo estriado
esquelético revestida por uma camada mucosa. Ela auxilia no processo de articulação das
palavras e no processo da mastigação, mistura e deglutição dos alimentos. As faces
superior e lateral da língua são recobertas por papilas, que contêm papilas gustativas,
responsáveis pelo gosto. As glândulas salivares (sublinguais, parótidas e submandibulares)
liberam a saliva dentro da cavidade oral, que possui enzimas, como a lipase e a amilase
salivar, envolvidas na digestão inicial do amido e dos lipídeos, além de umedecer e lubrificar
o alimento, facilitando sua passagem para a faringe e o esôfago. Os dentes, por sua vez,
exercem importantes funções de cortar, rasgar, moer e triturar o alimento. Os seres
humanos possuem duas dentições: decídua e permanente. Os dentes decíduos, também
chamados dentes de leite, começam a aparecer por volta dos seis meses de idade até
formarem os 20 dentes, caindo, geralmente, entre os seis e doze anos, sendo substituídos
pelos dentes permanentes, os quais aparecem entre os seis anos e a idade adulta. Temos
um total de 32 dentes (oito incisivos, quatro caninos, oito pré-molares e doze molares).

A faringe é composta por um músculo esquelético e revestida por túnica mucosa. É uma
região de transição entre a cavidade oral e os sistemas digestório e respiratório, que
funciona como um canal para a deglutição e a respiração. A epiglote é uma cartilagem
responsável por fechar a laringe quando o alimento tem passagem para o esôfago,
impedindo que ele vá para a traqueia.
O esôfago é um tubo muscular de, aproximadamente, 25 cm de comprimento, situado atrás
da traqueia, e possui a função de transportar o alimento da boca ao estômago. Os
movimentos peristálticos fazem com que o alimento seja propelido em direção ao estômago.
Neste caminho, não há secreções digestórias nem absorção de nutrientes, no entanto há
secreções de muco que facilitam o transporte do alimento e protegem a parede do esôfago.
Em cada extremidade do esôfago, a túnica muscular forma dois esfíncteres: o esfíncter
esofágico superior, que consiste em músculo esquelético e tem a função de controlar a
passagem dos alimentos da faringe para o esôfago, além de impedir a entrada de ar no
esôfago e estômago durante a respiração; o esfíncter esofágico inferior, que consiste em
um músculo liso, que fica próximo ao coração, cujo papel é regular o movimento dos
alimentos do esôfago para o estômago e evitar o refluxo do conteúdo gástrico para o
esôfago.

O estômago é um órgão em formato de J, localizado do lado esquerdo do abdômen, que


liga o esôfago ao duodeno (primeira parte do intestino delgado). Sua principal função é
transformar o bolo alimentar em uma massa viscosa, chamada de quimo, por meio da
atividade muscular e química. No estômago, ocorre a continuação da digestão do amido e
dos triglicerídeos iniciados na boca, começa a digestão das proteínas, o bolo alimentar
semissólido é convertido em um líquido, e determinadas substâncias são absorvidas. Esse
órgão é dividido em quatro partes: a cárdia, o fundo gástrico, o corpo gástrico e a parte
pilórica (ou antro). A cárdia é a região de junção entre o esôfago e o estômago e, em
seguida, temos o fundo gástrico, que corresponde a uma porção arredondada superior e à
esquerda da cárdia. O corpo gástrico fica logo abaixo do fundo gástrico e corresponde à
parte central (e maior) do estômago. Ao final do estômago, temos a parte pilórica, porção
mais próxima ao intestino delgado. O piloro se comunica com o duodeno do intestino
delgado por meio de um esfíncter de músculo liso chamado músculo esfíncter do piloro. A
parede do estômago é composta pelas mesmas camadas básicas que o restante do canal
alimentar, com certas modificações. Na camada mucosa, ocorre a secreção de muco, fator
intrínseco (necessário para a absorção de vitamina B12), pepsinogênio, lipase gástrica,
gastrina e ácido clorídrico, que são essenciais no processo de digestão dos alimentos.

A maior parte da digestão e absorção dos nutrientes ocorre no intestino delgado, por essa
razão, possui uma grande área de superfície, a qual é aumentada ainda mais devido às
pregas circulares, vilosidades e microvilosidades. O intestino delgado possui um
comprimento de, aproximadamente, 3 m na pessoa viva, com 2,5 cm de diâmetro, sendo
dividido em três partes: a primeira é o duodeno, que se inicia no músculo esfíncter do piloro
do estômago, possui 25 cm de comprimento aproximadamente; em seguida, temos o jejuno,
com 1 m de comprimento aproximadamente, e se estende até o íleo, que é a última e mais
longa região do intestino delgado, medindo 2 m aproximadamente, e liga-se ao intestino
grosso em um esfíncter de músculo liso chamado óstio ileal. É na camada mucosa e
submucosa da parede intestinal que temos a formação das pregas circulares, vilosidades e
microvilosidades, que fazem com que a área de superfície para digestão e absorção seja
aumentada, além da presença de diversas células, como caliciformes, enteroendócrinas, de
Paneth, etc., que produzem várias substâncias, as quais são necessárias no processo de
digestão e absorção, como: suco intestinal, secretina, colecistoquinina, polipeptídio inibidor
gástrico, lisozima, muco, etc.
O intestino grosso é a parte final do trato gastrointestinal, tendo como principais funções:
absorção de água, produção de determinadas vitaminas (como do complexo B e K),
fermentação, produção de muco, formação da massa fecal e expulsão das fezes do corpo.
Possui, aproximadamente, 1,5 m de comprimento e 6,5 cm de diâmetro em seres humanos
vivos, indo do íleo ao ânus. É dividido em quatro regiões: ceco, cólon (ascendente,
transverso, descendente e sigmoide), reto e canal anal (ânus). Diferente do intestino
delgado, a camada mucosa no intestino grosso não tem pregas (exceto no reto) nem
vilosidades, no entanto há as criptas, que produzem muco e absorvem água da massa
fecal.

ÓRGÃOS ACESSÓRIOS DIGESTIVOS: PÂNCREAS, FÍGADO E VESÍCULA BILIAR

O pâncreas é um órgão glandular constituído de uma cabeça, um corpo e uma cauda, que
mede, aproximadamente, 12 a 15 cm de comprimento, e encontra-se posteriormente à
curvatura maior do estômago. Possui funções exócrinas e endócrinas. As funções exócrinas
são de responsabilidade dos ácinos (pequenos aglomerados de células epiteliais
glandulares), onde as células, em seu interior, secretam o suco pancreático através do
ducto pancreático para o interior do duodeno para a digestão de amidos (polissacarídeos),
proteínas, triglicerídeos e ácidos nucleicos. A parte endócrina é realizada pelas ilhotas
pancreáticas (ilhotas de Langerhans). Essas células secretam os hormônios glucagon,
insulina, somatostatina e polipeptídio pancreático para a corrente sanguínea.

O fígado é o maior órgão interno, pesando, aproximadamente, 1,4 kg em um adulto. Está


localizado imediatamente abaixo do diafragma na cavidade abdominal. É dividido em dois
lobos principais, o lobo hepático direito grande e o lobo hepático esquerdo menor. Abaixo do
fígado, no lobo hepático direito, está a vesícula biliar, um órgão no formato de uma pera,
medindo de 7 a 10 cm de comprimento, sendo dividida em fundo, corpo e colo da vesícula
biliar. O fígado é composto pelos hepatócitos, canalículos de bile e sinusoides hepáticos. Os
hepatócitos são as principais células funcionais do órgão, compondo, aproximadamente,
80% do seu volume, e são o local de produção da bile (os hepatócitos secretam diariamente
de 800 a 1.000 ml de bile). A bile produzida pelos hepatócitos é coletada pelos canalículos
de bile, os quais, por sua vez, se rearranjam e formam o ducto colédoco, que é responsável
por liberar a bile no duodeno do intestino delgado para participar da digestão dos nutrientes.
Já os sinusoides hepáticos são capilares sanguíneos altamente permeáveis, que ficam
entre os enterócitos, onde recebem sangue oxigenado da artéria hepática e sangue venoso
rico em nutrientes da veia porta do fígado. Os hepatócitos liberam bile constantemente, e
sua produção é aumentada conforme a presença de nutrientes durante o processo de
digestão e absorção, no entanto, entre as refeições, a bile flui para dentro da vesícula biliar,
onde fica armazenada. O músculo do esfíncter da ampola hepatopancreática é o
responsável por manter fechada a entrada para o duodeno (ducto colédoco). O fígado é um
órgão-chave em nosso metabolismo, onde desempenha diversas funções vitais: participa do
metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídeos, do processamento (excreção) de
fármacos e hormônios, da síntese de sais biliares, do armazenamento de glicogênio,
algumas vitaminas e minerais, da síntese de ativação da vitamina D e faz fagocitose.

CONTROLE NEURAL DA FUNÇÃO GASTROINTESTINAL


O trato gastrointestinal possui seu próprio sistema nervoso, chamado de sistema nervoso
entérico (SNE), que é constituído por neurônios (mais de 100 milhões de neurônios) e
células gliais, que são agrupadas, formando os gânglios entéricos, os quais se ligam
através das fibras nervosas. O SNE atua de forma involuntária, sendo responsável por
controlar a motilidade, as secreções gastrintestinais e o fluxo sanguíneo local. Fica
localizado em toda a parede do trato gastrointestinal, iniciando no esôfago e se estendendo
até o ânus, como também está presente no pâncreas e na vesícula biliar.

Os neurônios do SNE são organizados em dois plexos: o plexo mioentérico e o plexo


submucoso. No plexo mioentérico, os neurônios estão localizados entre as camadas de
músculo liso longitudinal e circular da túnica muscular e controlam quase todos os
movimentos gastrointestinais, principalmente o controle muscular de todo o intestino, ou
seja, influenciam na motilidade gastrointestinal. Quando esse plexo é ativado, ele aumenta
o tônus da parede intestinal, a intensidade das contrações e a velocidade das contrações,
causando movimentos peristálticos mais rápidos. A distensão da parede do intestino pelo
acúmulo de alimento, a irritação do epitélio e os sinais nervosos extrínsecos do sistema
nervoso parassimpático servem de estímulos para o plexo mioentérico. O plexo submucoso
é encontrado no interior da tela submucosa da parede, principalmente, do intestino delgado
e grosso. Ele é responsável por controlar a secreção gastrointestinal pelas células epiteliais
e o fluxo sanguíneo local devido aos sinais que recebe dos neurônios sensoriais presentes
no lúmen.

Embora o SNE possa funcionar de forma independente, ele se comunica com o sistema
nervoso autônomo (SNA) através dos nervos simpáticos (inervam igualmente do trato
gastrointestinal) e parassimpáticos (região do reto e ânus), que fazem com que as ações
possam ser intensificadas ou até mesmo inibidas. A estimulação dos nervos simpáticos faz
com que as atividades do trato gastrointestinal sejam inibidas, enquanto os nervos
parassimpáticos estimulam (aumentam) as atividades.

ASSIMILE
REFLITA

A Doença de Chagas é ocasionada pelo protozoário Trypanosoma cruzi. Na fase aguda da


infecção chagásica, há um acometimento das células musculares, dos fibroblastos e dos
plexos mioentérico e submucoso. Sabendo que esses plexos fazem parte do sistema
nervoso entérico e que estão presentes nas camadas da parede do trato gastrointestinal,
que tipo de comprometimento isso pode gerar ao trato gastrointestinal do paciente
chagásico?

EXEMPLIFICANDO

Em geral, o sistema digestório executa seis processos básicos:

Ingestão: entrada dos alimentos na cavidade oral.


Secreção: liberação de água, ácido, tampões e enzimas para o lúmen do trato
gastrointestinal.
Mistura e propulsão: agitação e movimento dos alimentos ao longo do trato gastrointestinal.
Digestão: fragmentação mecânica e química dos alimentos.
Absorção: passagem dos produtos digeridos do trato gastrointestinal para o sangue e linfa.
Defecação: eliminação das fezes do trato gastrointestinal.

SEM MEDO DE ERRAR

Após Jorge realizar a ultrassonografia e ter a confirmação da presença dos cálculos biliares
em sua vesícula, o médico o encaminhou para a colecistectomia (cirurgia para a remoção
da vesícula biliar). Desta forma, entenderemos como essa patologia ocorre.

Quais são as formas de tratamento dessa patologia? É necessário mesmo realizar a


cirurgia? O tratamento da colelitíase pode ser realizado com medicamentos que dissolvem o
cálculo biliar, litotripsia (ondas de choque que quebram as pedras dentro da vesícula biliar)
ou cirurgia (colecistectomia). A via de escolha do melhor tratamento irá de acordo com a
condição clínica do paciente.

Como esses cálculos se formam dentro da vesícula? A bile é constituída, principalmente,


por água, sais biliares, colesterol, um fosfolipídio chamado lecitina, pigmentos biliares e
vários íons. Desta forma, se ela contém sais biliares ou lecitina insuficientes ou excesso de
colesterol, o colesterol pode se cristalizar, formando cálculos biliares. Os cálculos de
colesterol são os mais comuns.

Qual é a relação da presença dos cálculos biliares com as fezes claras e gordurosas? A bile
tem a função de emulsionar a gordura proveniente dos alimentos para auxiliar no processo
de digestão e absorção dos lipídeos vindos da dieta. Quando ingerimos um alimento
gorduroso, a vesícula expele a bile para o duodeno, então, caso ocorra uma obstrução no
ducto devido aos cálculos biliares, por exemplo, a bile fica retida na vesícula. As fezes
claras e gordurosas são muito comuns em casos de colelitíase, pois a bilirrubina, que é um
componente da bile, é a responsável pela coloração normal das fezes e faz a emulsificação
das gorduras, para que elas sejam absorvidas. Caso a bile não seja expelida para o
duodeno, não tem bilirrubina para dar pigmentação às fezes e não ocorrerá a absorção
adequada das gorduras, o que faz com que o excesso seja eliminado nas fezes.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

RITA E A DOR EM ENGOLIR

Rita tem 14 anos, é estudante do 3º ano do ensino médio e há dois dias vem sentindo um
mal-estar, anorexia e dores de cabeça. Hoje pela manhã, ela acordou com febre (39° C),
com muita dor ao engolir os alimentos e percebeu que atrás da orelha e abaixo da
mandíbula está bem inchando e sensível. Sua mãe, preocupada, achou melhor ela não ir
para a escola e levou-a até a UBS mais próxima para uma consulta. Com base nos
sintomas, qual é o diagnóstico da Rita? O que pode estar acontecendo com ela, que faz
com que tenha dificuldades de engolir os alimentos?

RESOLUÇÃO
De acordo com os sintomas e a condição clínica de Rita, ela está com caxumba. A caxumba
é uma doença infecciosa, causada pelo vírus da família Paramixovírus, que resulta na
inflamação das glândulas parótidas, ocasionando um aumento delas, assim como febre
moderada, mal-estar e dor na garganta, principalmente, ao engolir alimentos. Devido à
inflamação das glândulas, ocorre um inchaço em um ou ambos os lados da face, atrás das
orelhas e abaixo da mandíbula. É uma doença altamente contagiosa, que é transmitida
através das gotículas pelas vias aéreas, ou por contato direto com a saliva da pessoa
doente. Hoje em dia, temos vacinas disponíveis para a prevenção da caxumba e que fazem
parte da imunização básica da população como, a tríplice viral (sarampo, caxumba e
rubéola) e tetraviral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela).

DIGESTÃO E ABSORÇÃO

PRATICAR PARA APRENDER

Prezado aluno!
Nesta seção, você continuará a conhecer o sistema digestório, que tem como principal
objetivo fornecer água, eletrólitos e nutrientes de maneira adequada, para que o organismo
possa manter suas funções fisiológicas. Assim, você verá como ocorre todo o processo de
digestão e absorção ao longo de todo o trato gastrointestinal, uma vez que os alimentos que
ingerimos precisam ser digeridos para que, em seguida, sejam absorvidos e transportados
nos fluidos corporais. Desta forma, o trato gastrointestinal, junto aos órgãos digestivos
acessórios, realiza todo esse processo para disponibilizar nutrientes ao organismo.

Para atender às competências mencionadas, conheceremos a história clínica do Senhor


Raul, de 85 anos, que há um ano teve um Acidente Vascular Cerebral Isquêmico,
comprometendo todo seu lado direito, fazendo com que ele tenha dificuldades na hora de
se alimentar, como um comprometimento na hora de deglutir alimentos e líquidos. Isso faz
com que ele se engasgue e não consiga engolir os alimentos. Devido a isso, ele não
consegue se alimentar e perdeu 10 kg nos últimos meses, comprometendo ainda mais sua
saúde. Senhor Raul foi diagnosticado com disfagia orofaríngea. Pensando no diagnóstico
dele, disfagia é uma doença ocasionada pelo Acidente Vascular Cerebral Isquêmico?

CONCEITO-CHAVE

A maioria dos alimentos que ingerimos não está disponível ao organismo e deve ser
quebrada em moléculas menores antes de ser absorvida e transportada nos fluidos
corporais, desta forma, o trato gastrointestinal, junto aos órgãos digestivos acessórios,
realizam todo o processo de digestão e absorção para disponibilizar nutrientes ao
organismo.

Quando o alimento entra na boca, ele é inundado pela saliva, que, junto aos dentes, no
processo de mastigação, dão início à primeira etapa no processo de digestão. A saliva é
secretada pelas glândulas salivares parótidas, sublinguais e submandibulares apenas em
quantidade suficiente (fluxo médio de 0,3 a 0,5 mL/min) para manter a boca e a faringe
umedecidas, além de ajudar a manter os dentes limpos. A visão, o sabor, o aroma e a
textura dos alimentos excitam o sistema nervoso central, o qual, por sua vez, aumenta a
atividade simpática e parassimpática, inervando as glândulas salivares, fazendo com que a
produção de saliva aumente em seis a oito vezes (fluxo médio de 1 a 3 mL/min).

A saliva é constituída quimicamente de 95% de água (faz a dissolução dos alimentos, de


forma que as reações digestórias possam ter início) e 0,5% de solutos (sódio, potássio,
cloreto, bicarbonato e fosfato), além de ureia, ácido úrico, muco, imunoglobulina A e enzima
bacteriolítica lisozima. Duas enzimas, a amilase salivar e a lipase salivar, contribuem para a
digestão química na boca. A amilase salivar (ou α-amilase ou ptialina) inicia a degradação
do amido. A maior parte dos carboidratos que ingerimos são amidos, no entanto apenas os
monossacarídeos podem ser absorvidos para a corrente sanguínea, desta forma, os
dissacarídeos e os amidos ingeridos precisam ser digeridos. A amilase salivar começa a
digestão do amido devido à fragmentação dele em moléculas menores. Essa enzima
continua agindo por, aproximadamente, 1 hora após o primeiro contato, tempo que os
ácidos do estômago a inativam. A saliva também contém a lipase salivar (ou lipase lingual),
que se torna ativa no ambiente ácido do estômago e, assim, começa a funcionar após o
alimento ser deglutido. Ela fragmenta os triglicerídeos (óleos e gorduras) em ácidos graxos
e diglicerídios.

A digestão mecânica na boca é resultado da mastigação, quando o alimento é manipulado


pela língua, triturado pelos dentes e misturado com a saliva, formando uma massa
amolecida e umedecida, chamado de bolo alimentar. Conforme o processo de mastigação
acontece, o bolo alimentar é lubrificado com a saliva, facilitando a deglutição. O ato de
engolir, ou deglutição, ou seja, a passagem do bolo alimentar ou líquido para o estômago, é
um mecanismo complexo que envolve a ação conjunta e harmônica de músculos e nervos
em etapas voluntárias e involuntárias. Embora o ato de deglutir seja um movimento
automático, todo o processo é muito complexo.

A deglutição ocorre em três fases: (1) na fase oral ou fase voluntária, o alimento é
voluntariamente movido em direção à parte superior da cavidade oral com o auxílio da
língua, e a laringe é elevada, de modo que a epiglote cobre a entrada do sistema
respiratório, impedindo a entrada do material ingerido, desta forma, o alimento é passado
para a parte oral da faringe. Quando o bolo alimentar passa pela faringe até o esôfago de
forma involuntária, inicia-se a fase faríngea (2), na qual a presença do alimento estimula os
receptores da parte oral da faringe, fazendo com que o palato mole e a úvula se movam
para cima para fechar a parte nasal da faringe, o que impede que os alimentos e líquidos
ingeridos entrem na cavidade nasal. A epiglote, por sua vez, fecha a abertura da laringe,
impedindo que o bolo alimentar entre no restante do trato respiratório. Quando o esfíncter
esofágico superior relaxa, o bolo alimentar se move para o esôfago. A última fase da
deglutição é a esofágica (3), quando o bolo alimentar passa de forma involuntária através
dos movimentos peristálticos do esôfago até o estômago.

Os movimentos peristálticos ou propulsivos ocorrem em resposta à distensão das paredes


do sistema digestório provocada pelo bolo alimentar. O movimento do alimento ao longo do
sistema digestório acontece porque o músculo liso circular contrai-se atrás e relaxa na
frente do bolo. O transporte do alimento da faringe até o estômago leva cerca de 10
segundos. Esses movimentos influenciam a motilidade do trato gastrointestinal, permitindo a
passagem lenta do quimo, que faz com que a digestão e a absorção ocorram no tempo
adequado. Esses movimentos são controlados pelo plexo mioentérico do sistema nervoso
entérico, influenciados pelo sistema nervoso simpático e parassimpático.

Quando o bolo alimentar entra no estômago devido aos movimentos peristálticos e ao


relaxamento do esfíncter esofágico inferior, ele é submetido a modificações físicas (ações
mecânicas causadas pelos movimentos peristálticos) e químicas (digestão química). Os
movimentos peristálticos passam pelo estômago a cada 15 a 25 segundos, e eles começam
no corpo do estômago e se estendem até o antro. No fundo do estômago, são observados
poucos movimentos, uma vez que essa região gástrica possui a função de armazenamento.
Quando o bolo alimentar chega ao estômago, ele fica armazenado no fundo gástrico,
podendo permanecer por até 1 hora sem ser misturado com o suco gástrico, com isso a
amilase salivar continua fazendo sua digestão. Conforme os movimentos peristálticos
passam pelo estômago, o bolo alimentar se movimenta do corpo gástrico ao antro em um
processo chamado de propulsão, por sua vez, esse bolo alimentar é forçado para trás, para
o corpo gástrico, em um movimento chamado de retropulsão. Esses movimentos se
repetem e fazem com que as grandes partículas dos alimentos sejam degradadas ao ponto
de passarem pelo óstio pilórico. O resultado dessa ação mecânica é o bolo alimentar
transformado em um líquido com consistência de sopa, chamado de quimo.

A mucosa gástrica é constituída, principalmente, por células parietais, principais e mucosa.


As células parietais produzem fator intrínseco (glicoproteína necessária para a absorção da
vitamina B12 no íleo) e ácido clorídrico; as principais secretam pepsinogênio e lipase
gástrica; as células mucosas secretam bicarbonato e muco. As secreções dessas células
formam o suco gástrico, que totaliza 2 a 3 L/dia. O ácido clorídrico é o responsável pelo pH
baixo do estômago (podendo variar de 1 a 4). Essa acidez mata muitos microrganismos que
chegam até o estômago junto ao bolo alimentar e inicia a digestão das proteínas, ativando o
pepsinogênio em pepsina (enzima proteolítica), que faz com que as ligações peptídicas
sejam hidrolisadas. Outra enzima do estômago que também participa da digestão química é
a lipase gástrica, que hidrolisa os triglicerídeos (especialmente de cadeia média e curta) em
ácidos graxos e monoglicerídios.

ASSIMILE

Os efeitos intoxicantes e incapacitantes do álcool etílico (etanol) dependem dos seus níveis
sanguíneos. Como o álcool é lipossolúvel, começa a ser absorvido no estômago. No
entanto, a área de superfície disponível para absorção é muito maior no intestino delgado
do que no estômago, de modo que, quando o álcool passa para o duodeno, é mais
rapidamente absorvido. Assim, quanto mais tempo o etanol permanecer no estômago, mais
lentamente o nível sanguíneo sobe. Desta forma, o etanol, quando ingerido com alimentos
ricos em gordura, faz com que o nível sanguíneo de álcool suba mais lentamente, pois os
ácidos graxos presentes no quimo desaceleram o esvaziamento gástrico. Por outro lado, a
enzima álcool desidrogenase, que está presente nas células mucosas do estômago,
degrada uma parte do álcool em acetaldeído, que não é intoxicante, assim, quanto mais
lento for o esvaziamento gástrico, maior será o tempo de contato do etanol com a enzima
álcool desidrogenase e maior será a conversão em acetaldeído no estômago e, dessa
forma, menos álcool alcançará a corrente sanguínea. As mulheres e os homens de origens
asiáticas apresentam níveis mais baixos desta enzima gástrica.
A secreção gástrica ocorre em três fases: cefálica, gástrica e intestinal. A fase cefálica
inicia-se antes de o bolo alimentar chegar ao estômago, uma vez que o olfato, a visão, o
gosto e o pensar em determinado alimento estimulam a secreção gástrica por meio da
ativação do plexo submucoso que secreta acetilcolina, a qual, por sua vez, estimula a
secreção de gastrina pelas células G da mucosa gástrica. Tanto a acetilcolina quanto a
gastrina induzem a produção de ácido clorídrico pelas células parietais. Quando o alimento
chega ao estômago, inicia-se a fase gástrica, na qual a presença do bolo alimentar excita os
receptores do plexo submucoso, que liberam gastrina, a qual serve de estímulo para a
produção de suco gástrico. A última fase da secreção gástrica é a intestinal, que ocorre
quando o quimo é liberado ao duodeno. A chegada do quimo ácido ao intestino delgado,
mais especificamente no duodeno, excita o plexo mioentérico e submucoso, controlando a
motilidade do intestino delgado, que faz com que o quimo seja misturado com as enzimas
secretadas durante esse processo, como colecistoquinina e secretina.

Com a chegada do quimo no intestino delgado, o processo de digestão química depende da


atividade do pâncreas, do fígado e da vesícula biliar. O pâncreas libera diariamente no
duodeno cerca de 1 a 1,5 L de suco pancreático, que é composto de água, eletrólitos,
bicarbonato de sódio e várias enzimas. O bicarbonato de sódio faz com que o suco
pancreático tenha um pH alcalino que tampona a acidez do quimo, interrompendo a ação da
pepsina do estômago e criando um pH adequado para as enzimas digestórias presentes no
intestino delgado. O suco pancreático contém várias enzimas essenciais ao processo de
digestão dos nutrientes, como amilase pancreática, que digere amido; tripsina,
quimotripsina, carboxipeptidase e elastase, que digerem proteínas em peptídios; lipase
pancreática, que é a principal enzima que digere triglicerídeos em adultos; ribonuclease e
desoxirribonuclease, que digerem ácido ribonucleico (RNA) e ácido desoxirribonucleico
(DNA) em nucleotídios.

REFLITA

As enzimas digestivas estão presentes no processo de digestão dos nutrientes e sua função
é acelerar as reações, uma vez que os alimentos que ingerimos precisam ser quebrados
(digeridos) em pequenas moléculas para que o organismo possa absorver. Pensando nisso,
você saberia indicar as principais enzimas digestivas secretadas ao longo do trato
gastrointestinal?

A maior parte das enzimas secretadas no pâncreas é inativa e se torna ativa quando chega
ao intestino delgado. Como essas enzimas estão na forma inativa, elas não digerem as
células do próprio pâncreas. Quando o tripsinogênio (forma inativa da tripsina) chega ao
intestino delgado, encontra a enteroquinase (presente na borda em escova) e se forma a
tripsina (forma ativa da enzima). A tripsina, por sua vez, atua no quimotripsinogênio,
procarboxipeptidase e proelastase para produzir a quimotripsina, a carboxipeptidase e a
elastase, respectivamente. A liberação do suco pancreático ocorre devido aos estímulos
causados pela distensão do intestino delgado, pela presença de alimentos, pelos sinais
neurais e pelos hormônios secretina e colecistoquinina (CCK). Quando o quimo ácido
proveniente do estômago entra no duodeno, ocorre a estimulação das células S
enteroendócrinas (encontradas em maior concentração no duodeno e jejuno e em menor
concentração no íleo), que liberam secretina. Esse hormônio estimula a produção de uma
secreção rica em bicarbonato de sódio. A presença de proteína e lipídeo no quimo, bem
como sua acidez, estimula as células I enteroendócrinas a liberarem CCK. Esse dois
hormônios estimulam a liberação do suco pancreático para o duodeno através do ducto
pancreático e do ducto pancreático acessório.

O fígado é um órgão-chave, que controla todo o metabolismo e participa de várias reações.


No processo de digestão, ele desempenha um papel importante na produção e secreção da
bile. Os hepatócitos secretam diariamente, em média, 1 L de bile, uma solução não
enzimática de cor amarelo, marrom ou verde-oliva, constituída por água, sais biliares,
colesterol, lecitina, bilirrubina e produtos insolúveis do metabolismo de xenobióticos e
eletrólitos. Os sais biliares presentes na bile são derivados do colesterol e agem na
emulsificação dos lipídios, quebrando grandes glóbulos em gotículas pequenas e permitindo
o acesso da lipase pancreática para hidrolisar os lipídios. Os sais biliares também ajudam
na absorção de lipídios após a sua digestão.

Embora a bile seja secretada continuamente nos hepatócitos, sua produção é aumentada
durante as refeições, conforme a digestão e a absorção prosseguem no intestino delgado.
Nos intervalos entre as refeições, depois que a maior parte da absorção já ocorreu, o ducto
biliar se fecha e a bile flui para dentro da vesícula biliar para ser armazenada. Com a
chegada do quimo no duodeno, ocorre a liberação dos hormônios secretina e CCK, que
estimulam o fluxo biliar. A secretina estimula a secreção de bile pelo fígado e a CCK faz a
contração da vesícula biliar e a liberação de bile no duodeno. O ducto pancreático se une
com o ducto biliar hepático antes de alcançar o duodeno, formando a ampola
hepatopancreática, de modo que as secreções pancreáticas e biliar se misturam antes de
entrarem no intestino.

A maior parte da digestão e absorção ocorre no intestino delgado, em razão disso, o


intestino delgado é adaptado para aumentar sua superfície absortiva. Quando o quimo
chega ao duodeno, ocorre a formação de contrações rítmicas da camada muscular circular
controladas, principalmente, pelo plexo mioentérico. Os movimentos de segmentação
misturam o quimo aos sucos digestórios e colocam as partículas de alimentos em contato
com a túnica mucosa para serem absorvidos. Esses movimentos ocorrem mais rapidamente
no duodeno (aproximadamente, 12 vezes por minuto) e de modo progressivamente mais
lento no íleo (até cerca de oito vezes por minuto), no entanto eles não empurram o
conteúdo intestinal ao longo do canal alimentar. Depois de a maior parte de uma refeição ter
sido absorvida, o que diminui a distensão da parede do intestino delgado, os movimentos de
segmentação cessam e o movimento peristáltico se inicia. Ele começa na parte inferior do
estômago e empurra o quimo para a frente, ao longo de um trecho curto do intestino
delgado. O movimento peristáltico no intestino delgado faz com que o quimo alcance o final
do íleo em, aproximadamente, 90 a 120 minutos. Esse movimento se repete, fazendo com
que o quimo permaneça no intestino delgado por 3 a 5 horas.

A finalização do processo de digestão dos carboidratos, proteínas e lipídios ocorre devido à


associação do suco pancreático, da bile e do suco intestinal no intestino delgado. O suco
intestinal é composto por água e muco e seu pH é ligeiramente alcalino por causa da alta
concentração de íons de bicarbonato. As células absortivas do intestino delgado sintetizam
diversas enzimas digestórias, chamadas enzimas da borda em escova, desta forma, parte
da digestão enzimática ocorre na superfície das células absortivas que revestem as
vilosidades. Dentre as enzimas digestivas presentes na borda em escova, temos: quatro
enzimas que digerem carboidratos, chamadas α-dextrinase, maltase, sacarase e lactase;
enzimas que digerem proteínas, as peptidases (aminopeptidase e dipeptidase); dois tipos
de enzimas que digerem nucleotídios, as nucleosidases e fosfatases.

EXEMPLIFICANDO

A fibra dietética é composta por carboidratos não digeridos, como celulose, lignina e pectina
que são encontradas em frutas, legumes, grãos e feijões.

A fibra insolúvel, que não se dissolve na água, passa majoritariamente inalterada e acelera
a passagem do material pelo canal alimentar. Ela é encontrada em cascas de frutas e
verduras e no revestimento em torno de farelo de grãos de trigo e de milho. Por outro lado,
a fibra solúvel se dissolve em água, formando um gel que retarda a passagem do material
pelo canal alimentar. É encontrada em abundância no feijão, na aveia, na cevada, no
brócolis, nas ameixas, nas maçãs e nas frutas cítricas. O consumo regular de fibras reduz o
risco de desenvolver obesidade, diabetes, aterosclerose, cálculos biliares, hemorroidas,
diverticulite, apendicite e câncer colorretal. As fibras solúveis ajudam a diminuir os níveis
sanguíneos de colesterol.

O fígado, normalmente, converte o colesterol em sais biliares, que são liberados no intestino
delgado para ajudar na digestão de gordura. Após ter realizado a sua tarefa, os sais biliares
são reabsorvidos pelo intestino delgado e reciclados para o fígado. Como a fibra solúvel se
liga aos sais biliares para impedir a sua reabsorção, o fígado produz mais sais biliares para
substituir os que foram perdidos nas fezes. Assim, o fígado utiliza mais colesterol para
produzir mais sais biliares, e o nível de colesterol do sangue cai.

Todos os processos de digestão mecânica e química que ocorrem da boca ao intestino


delgado têm como objetivo alterar as formas dos alimentos, para que eles possam ser
absorvidos, ou seja, os nutrientes digeridos passam do canal alimentar para o sangue ou
linfa. Em torno de 90% de toda a absorção de nutrientes ocorrem no intestino delgado, e os
outros 10% ocorrem no estômago e no intestino grosso. Materiais não digeridos ou não
absorvidos que sobram no intestino delgado passam para o intestino grosso. A maior parte
da fermentação ocorre no intestino grosso, além da absorção de água e eletrólitos e da
formação das fezes. O tempo de trânsito boca-ânus ocorre, em geral, entre 18-72 horas. Os
carboidratos são absorvidos na forma de monossacarídeo (glicose, frutose e galactose); as
proteínas, em aminoácidos individuais, dipeptídios e tripeptídios; os triglicerídeos, em ácidos
graxos, glicerol e monoglicerídios.

SEM MEDO DE ERRAR

Senhor Raul é um paciente de 85 anos que há um ano teve um Acidente Vascular Cerebral
Isquêmico, comprometendo todo seu lado direito e fazendo com que tenha dificuldades na
hora de se alimentar, como um comprometimento na hora de deglutir alimentos e líquidos.
Isso faz com que ele se engasgue e não consiga engolir os alimentos. Devido a isso, ele
não consegue se alimentar e perdeu 10 kg nos últimos meses, comprometendo ainda mais
sua saúde. Senhor Raul foi diagnosticado com disfagia orofaríngea. Pensando no
diagnóstico dele, disfagia é uma doença ocasionado pelo Acidente Vascular Cerebral
Isquêmico?
A disfagia não é uma doença, mas um sintoma, que reflete atraso na passagem de líquidos
e sólidos na cavidade oral para o estômago, ou seja, o indivíduo apresenta uma dificuldade
no ato de deglutir, na transferência dos alimentos da boca ao esôfago e,
consequentemente, ao estômago. Todo o processo de deglutição é coordenado
sistematicamente pelo sistema nervoso central, assim, lesões cerebrais, como Acidente
Vascular Cerebral, podem afetar o controle voluntário da deglutição e da mastigação e o
transporte do bolo alimentar durante a fase oral. A fase oral da ingestão alimentar ocorre
voluntariamente a partir da introdução do alimento na cavidade oral e envolve os processos
de mastigação e captação do bolo alimentar, preparando o alimento para ser enviado à
faringe, ao esôfago e ao estômago. Sendo assim, a disfagia orofaríngea afeta a fase oral,
impedindo o indivíduo de iniciar a deglutição.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL

Os últimos meses têm sido muito cansativos e estressantes para Carla. Ela mudou de
cidade, começou um novo emprego e está se adaptando à nova faculdade. Há uns 60 dias,
vem apresentando diarreia, em média, quatro vezes ao dia, muita cólica intestinal e
observou que perdeu peso nos últimos dias. Como sua vida estava passando por várias
mudanças ao mesmo tempo e não estava se alimento corretamente, ela achou que esses
sintomas eram devidos ao estresse e aos maus hábitos alimentares. Tomava escopolamina
quando tinha cólicas e começou a se alimentar melhor, aumentando a ingestão de frutas,
legumes e cereais integrais e diminuindo o consumo de fast-food. No entanto, chegou um
momento que Carla começou a sentir fraqueza, e a perda de peso persistia, mesmo ela
tendo melhorado sua alimentação, então resolveu procurar um médico. Depois de todos os
exames clínicos, laboratoriais e de imagens, o diagnóstico foi que Carla tinha uma doença
inflamatória intestinal, chamada de Doença de Crohn. A princípio, ela ficou assustada e
começou a fazer algumas perguntas ao médico: o que eu posso ter comido que ocasionou
essa doença? Que tipo de tratamento eu posso fazer para me curar?

RESOLUÇÃO
A Doença de Crohn e a Retocolite Ulcerativa são doenças inflamatórias intestinais crônicas,
autoimunes, ocasionadas por uma tríade que envolve causas genéticas, ambientais e
imunológicas, cujo sistema imunológico gera uma resposta inflamatória no trato
gastrointestinal. Doença de Crohn pode acometer todas as camadas da parede intestinal,
começando pela mucosa, estendendo-se para outras camadas, como a submucosa, a
muscular e, por fim, a serosa, podendo evoluir para perfuração do órgão e maiores
complicações, além de acometer qualquer parte do trato gastrointestinal (da boca ao ânus),
no entanto o íleo é o seguimento mais acometido pela inflamação. Como essa doença não
tem cura por ser autoimune, o objetivo do tratamento das doenças inflamatórias intestinais é
manter a doença em fase de remissão (sem sintomas) e evitar a fase de exacerbações
(aparecimento dos sintomas), ou seja, é manter a doença sob controle sem os sintomas,
como diarreia intensa, cólicas, etc.

FISIOPATOLOGIA E FARMACOTERAPIA DO SISTEMA DIGESTÓRIO


PRATICAR PARA APRENDER

Prezado aluno!
Nesta seção, você conhecerá as principais doenças que acometem o trato gastrointestinal e
os órgãos digestivos anexos. Nas seções anteriores, você aprendeu como funciona todo o
sistema gastrointestinal e sua importância para mantermos nosso organismo em
homeostasia, desta forma, qualquer doença que acometa esse sistema trará um impacto
negativo ao nosso organismo, uma vez que o processo de digestão e absorção é
indispensável ao funcionamento dele.

Suponha que você apresentará aos seus estagiários da clínica em que trabalha um caso
para ser discutido com todos. Os dados do paciente são: C. L. W., gênero masculino, 32
anos, auxiliar administrativo, que foi encaminhado pela UBS ao gastroenterologista devido à
pirose que vem sentindo há mais ou menos três meses. Esse sintoma tem uma piora após
grandes refeições e ao se deitar. Devido aos sintomas clínicos e ao resultado da
endoscopia digestiva alta com biópsia, o paciente foi diagnosticado com a doença do refluxo
gastroesofágico e esofagite. Pensando no diagnóstico dele, como você deverá descrever a
fisiopatologia da doença do refluxo gastroesofágico? Qual é o tratamento clínico e
medicamentoso mais indicado nesse caso?

CONCEITO-CHAVE

As doenças que mais acometem o estômago estão relacionadas à inflamação da mucosa


gástrica (gastrite), que pode ocorrer por diversos fatores e se manifestar de forma aguda ou
crônica, podendo evoluir para úlcera gástrica e neoplasias.

A gastrite é definida como um processo inflamatório que acomete a mucosa gástrica,


apresentando-se de modo agudo ou crônico. As causas mais frequentes de gastrite aguda
são o consumo excessivo de álcool, o uso prolongado de anti-inflamatórios não esteroides,
como ácido acetilsalicílico (AAS) e ibuprofeno, e infecções graves. O revestimento do
estômago é impermeável ao ácido que ele secreta, fazendo com que suas paredes não
sejam digeridas pelas substâncias digestivas. A barreira mucosa do estômago é formada
pelas células epiteliais superficiais, que são justapostas umas às outras, tornando-a
impermeável pelo muco secretado pelas células mucosas. Existem substâncias que
rompem essa barreira protetora do estômago, como o AAS e o álcool, que conseguem
atravessar a camada lipídica das células do epitélio gástrico, ocasionando a destruição
dessas células, e os anti-inflamatórios não esteroides, que reduzem a secreção de íons de
bicarbonato. Quando a barreira mucosa do estômago é quebrada, o epitélio fica vulnerável
ao ataque dos ácidos e das enzimas gástricas, podendo ocasionar processos inflamatórios
(gastrite) e até mesmo erosões na mucosa (úlceras). Os sintomas da gastrite aguda são
variados: pirose, acidez, desconforto gástrico, vômito e, em casos mais graves,
sangramento e hematêmese, podendo ser também assintomáticos, como em casos de
gastrite causada por AAS. Na maior parte dos casos, a gastrite aguda é um distúrbio
autolimitado, com recuperação e cicatrização completas dentro de alguns dias depois da
eliminação da condição ou do agente desencadeante.

A infecção por Helicobacter pylori é a causa mais comum de gastrite crônica, no entanto o
refluxo de conteúdo biliar, o estresse e algumas doenças autoimunes também podem ser as
responsáveis. A gastrite causada pelo H. pylori é uma doença inflamatória crônica que
acomete o antro e o corpo do estômago, podendo causar atrofia da mucosa gástrica e
úlcera péptica do estômago, e está associada ao risco elevado de câncer gástrico. O H.
pylori é uma bactéria gram-negativa, que pode colonizar as células epiteliais secretoras de
muco do estômago, produzindo enzimas e toxinas que têm a capacidade de interferir na
proteção local da mucosa gástrica contra a ação do ácido, causar inflamação intensa e
desencadear uma reação imune. Essa bactéria é extremamente comum, encontrada em
mais da metade da população mundial, porém as taxas de contaminação são ainda mais
altas nos países mais pobres, onde o saneamento básico e os padrões de higiene pessoal
são precários. A principal forma de contaminação é a via fecal-oral, pois a bactéria só
consegue alcançar a mucosa gástrica pela boca, visto que se trata de um microrganismo
não invasivo. Os pacientes podem ser assintomáticos ou apresentar vários graus de
dispepsia. A endoscopia digestiva alta com biópsia e teste de urease é o diagnóstico mais
realizado para pesquisa de H. pylori. O tratamento da gastrite ocasionada por essa bactéria
consiste na eliminação dela com um esquema que utiliza de dois a três antibióticos
(amoxicilina e claritromicina, por exemplo) combinado com inibidores da bomba de prótons
(omeprazol ou lansoprazol), por um período de 7-14 dias.

A doença ulcerosa péptica é um termo usado para descrever lesões erosivas que
acometem, principalmente, estômago e duodeno expostos às secreções de ácido e
pepsina. Essa doença tem como antecedente principal a gastrite crônica ocasionada pelo
uso de determinados fármacos e a infecção pelo H. pylori. Com períodos de exacerbações
e remissões, a úlcera péptica é um problema de saúde crônico. Ela pode penetrar apenas
na superfície da mucosa, ou pode estender-se até as camadas do músculo liso. Em alguns
casos, pode ocorrer de a lesão erosiva penetrar na parede externa do estômago ou do
duodeno. A infecção pela bactéria H. pylori e o uso de ácido acetilsalicílico e outros
anti-inflamatórios não esteroides são os principais fatores de risco para o desenvolvimento
da úlcera. A H. pylori tem a capacidade de provocar inflamação e estimular a liberação de
citocinas e outros mediadores inflamatórios que contribuem para a lesão da mucosa. Os
anti-inflamatórios não esteroides podem lesar a mucosa e inibir a síntese de
prostaglandinas. Dentre os fármacos dessa classe, o ácido acetilsalicílico é o mais
ulcerogênico, embora a formação da úlcera é dose-dependente, mas também há risco
mesmo com doses de AAS de 81 mg/dia. O tabagismo também pode aumentar o risco de
úlcera péptica por dificultar sua cicatrização, e a ingestão de álcool, por sua vez, pode
aumentar a produção de ácido. Os sintomas mais comuns são dor epigástrica, sensação de
queimação, eructações e distensão abdominal. Na úlcera gástrica, esses sintomas tendem
a aparecer logo após uma refeição e, na úlcera duodenal, de duas a três horas após a
refeição. O diagnóstico é dado por exame de endoscopia, pelo qual se pode visualizar a
úlcera e determinar seu grau de sangramento. As complicações mais comuns da úlcera
péptica são hemorragia, perfuração (ocorre quando uma úlcera erode e atravessa todas as
camadas da parede do estômago ou do duodeno), além de obstrução do orifício de saída
do estômago. O tratamento da úlcera tem como objetivo erradicar a causa e assegurar a
cura definitiva da doença. O tratamento farmacológico enfatiza a erradicação do H. pylori, a
atenuação dos sintomas da úlcera e a cicatrização da lesão. Fármacos neutralizadores de
acidez, inibidores da secreção ácida e protetores da mucosa são usados para atenuar os
sintomas e promover a cicatrização da cratera da úlcera. Anti-inflamatórios não esteroides e
AAS devem ser evitados, quando possível.
Náuseas e vômitos são respostas fisiológicas comuns a muitos distúrbios do trato
gastrointestinal. Essas reações podem ser protetoras, na medida em que sinalizam a
existência de alguma doença, como no caso dos vômitos, que removem agentes nocivos do
trato gastrointestinal, no entanto podem contribuir para a redução da ingestão ou perda de
líquidos e nutrientes quando forem em excesso.

A ânsia de vômito consiste em movimentos espasmódicos rítmicos do diafragma, da parede


torácica e dos músculos abdominais, que precede ou se alterna com períodos de vômitos.
O vômito é uma expulsão forçada e súbita do conteúdo gástrico pela boca e, em geral, é
precedido de náuseas. Agindo como um mecanismo protetor fisiológico básico, ele limita a
possibilidade de que substâncias nocivas ingeridas causem danos por esvaziamento do
conteúdo do estômago e de algumas partes do intestino delgado.

A ação de vomitar envolve dois centros bulbares diferentes: o centro do vômito, que está
localizado na região dorsal da formação reticular do bulbo, perto dos núcleos sensoriais do
nervo vago, e a zona do gatilho quimiorreceptor, que está localizada em uma área pequena
do assoalho do quarto ventrículo, onde fica exposta ao sangue e ao líquido cerebrospinal. O
centro do vômito recebe estímulos do sistema digestório e de outros órgãos, do córtex
cerebral e do aparelho vestibular, que é responsável pela tontura causada por movimento,
enquanto a zona do gatilho quimiorreceptor é ativada por muitos fármacos e por toxinas
endógenas e exógenas. A ação de vomitar consiste em uma respiração profunda,
fechamento das vias respiratórias e desencadeamento de uma contração forte e violenta do
diafragma e dos músculos abdominais, acompanhada pelo relaxamento do esfíncter
gastresofágico. A respiração é interrompida durante o ato, que pode estar acompanhado de
tontura, vertigem, queda da pressão arterial e bradicardia.

ASSIMILE

A cirrose é a forma mais grave de dano hepático, sendo consequência frequente do longo
curso clínico de todas as doenças hepáticas crônicas. Dentre as complicações clínicas da
cirrose, temos a encefalopatia hepática, que é caracterizada por uma disfunção mental,
causada por uma intoxicação cerebral devido ao excesso de amônia circulante no sangue.
A amônia é gerada em nosso organismo de uma forma fisiológica por diversas vias.
Normalmente, ela é convertida em ureia no fígado e, depois, removida através da urina. Em
indivíduos com doença hepática crônica, como a cirrose, a amônia não pode ser limpa
adequadamente e, subsequentemente, a concentração aumenta no sangue e cruza a
barreira hematoencefálica, levando à disfunção cerebral.

Uma outra doença muito comum que acomete o trato gastrointestinal, mais especificamente
a vesícula biliar, é a colelitíase, também chamada de cálculos biliares. Essa doença é
causada pela precipitação das substâncias contidas na bile, principalmente colesterol e
bilirrubina. Aproximadamente, 80% dos cálculos biliares são formados de colesterol
basicamente.

Existem diversos fatores que contribuem para a formação dos cálculos biliares. A formação
dos cálculos de colesterol está associada à obesidade e ocorre mais comumente nas
mulheres, especialmente nas que tiveram várias gestações ou que usam anticoncepcional
oral. Todos esses fatores levam o fígado a excretar mais colesterol na bile, mas o
estrogênio, por sua vez, reduz a síntese de ácidos biliares, que são necessários à
manutenção da solubilidade do colesterol. Os fármacos hipolipemiantes aumentam a
excreção de colesterol na bile, contribuindo para a formação dos cálculos biliares. A
formação da lama biliar, que é comum na gestação, na inanição e na perda rápida de peso,
é outro precursor dos cálculos biliares.

A colelitíase, geralmente, é assintomática. Os cálculos causam sintomas quando obstruem


o fluxo biliar ou provocam inflamação da vesícula, e a esse processo inflamatório na
vesícula biliar chamamos de colecistite. A dor da cólica biliar, geralmente, se localiza no
quadrante superior direito ou na região epigástrica e pode ser referida à parte superior do
dorso, ao ombro direito ou à região interescapular. Nos casos típicos, a dor começa
repentinamente, aumenta muito em intensidade, persiste por 30 minutos a 5 horas e é
seguida de desconforto doloroso no quadrante superior direito. A ultrassonografia é usada
para fazer o diagnóstico dos cálculos na vesícula biliar. De um modo geral, a doença da
vesícula biliar é tratada por ressecção cirúrgica. Pelo fato de a vesícula armazenar e
concentrar bile, sua ressecção, normalmente, não interfere na digestão.

REFLITA

Você já parou para pensar que, devido à complexidade do nosso trato gastrointestinal,
qualquer doença que possa acometer qualquer um dos órgãos que fazem parte deste
sistema pode implicar grandes prejuízos ao nosso estado clínico e nutricional?

DISTÚRBIOS DA MOTILIDADE INTESTINAL

A constipação intestinal não é considerada uma doença, e sim um sintoma. Pode ser
definida como defecação infrequente, incompleta ou difícil e ocorrer por diversos fatores,
como um distúrbio primário da motilidade intestinal, um efeito colateral de um fármaco, um
problema associado à outra doença ou um sintoma de lesões obstrutivas do sistema
digestório. Incapacidade de reagir ao desejo urgente de defecar, ingestão insuficiente de
fibras dietéticas e líquidos, enfraquecimento dos músculos abdominais, inatividade e
repouso ao leito, gestação e hemorroidas são as causas mais comuns de constipação
intestinal.

Do ponto de vista fisiopatológico, a constipação intestinal pode ser classificada em três


grupos: a constipação intestinal com trânsito normal, que se caracteriza por dificuldade
percebida de defecar e, em geral, melhora com o aumento da ingestão de líquidos e fibras.
A constipação intestinal com trânsito lento, que é apresentada por defecação infrequente e,
comumente, é causada por distúrbios da função motora do intestino grosso. E os distúrbios
da defecação, que também estão relacionados às causas da constipação, e são atribuídos
mais comumente às anormalidades da coordenação muscular do assoalho pélvico ou do
esfíncter anal. Existem algumas doenças que causam constipação intestinal crônica, como
os transtornos neurológicos (traumatismo raquimedular, doença de Parkinson e esclerose
múltipla), distúrbios endócrinos (hipotireoidismo) e lesões obstrutivas do sistema digestório.
Muitos fármacos também podem causar constipação intestinal, como os narcóticos,
anticolinérgicos, bloqueadores do canal de cálcio, diuréticos, cálcio (antiácidos e
suplementos), suplementos de ferro, antiácidos com alumínio, entre outros.
De uma forma geral, o diagnóstico da constipação intestinal é baseado no relato de
defecação infrequente, esforço para defecar, eliminação de fezes duras e em bolotas, ou
sensação de esvaziamento incompleto depois de defecar. O tratamento é voltado para
amenizar as causas que estão levando ao quadro de constipação intestinal e buscar
alternativas que possam auxiliar nesse processo, como estabelecer um horário depois das
refeições para defecar; simular uma posição agachada enquanto o indivíduo está sentado
no vaso sanitário, com a elevação dos pés, o que pode facilitar a defecação; uma ingestão
adequada de líquidos e alimentos que aumentam o bolo fecal, como as fibras alimentares; a
prática de exercícios físicos. No entanto, laxantes e enemas devem ser utilizados com
cautela, uma vez que esses fármacos interferem no reflexo de defecação e podem danificar
a mucosa retal.

A diarreia é um outro distúrbio muito comum que compromete a motilidade intestinal, sendo
definida como uma eliminação excessivamente frequente de fezes moles ou malformadas.
Ela pode ser aguda ou crônica e tem como causa agentes infecciosos, intolerância
alimentar, fármacos ou doença intestinal.

A diarreia aguda começa de forma súbita, persiste por menos de duas semanas e,
geralmente, é causada por agentes infecciosos. Ela pode ser inflamatória, que se
caracteriza por febre e diarreia sanguinolenta (disenteria). Neste caso, é ocasionada por
microrganismos patogênicos, os quais possuem a capacidade de invadir as células
intestinais (por exemplo, Shigella, Salmonella, Yersinia e Campylobacter) ou produzir
toxinas, como a E. coli O157:H7. Na diarreia aguda inflamatória, a eliminação de fezes é
frequente, e elas têm volume pequeno. A defecação está associada às cólicas, há uma
urgência para defecar e tenesmo. Já na diarreia aguda não inflamatória, há eliminação de
fezes líquidas volumosas, mas sem sangue, cólicas periumbilicais, distensão abdominal por
gases, náuseas ou vômitos. Esse quadro é causado por bactérias produtoras de toxinas (S.
aureus, E. coli enterotoxigênica, Cryptosporidium parvum, Vibrio cholerae) ou outros
patógenos (vírus, Giardia).

A diarreia é considerada crônica quando os sintomas persistem por quatro semanas ou


mais. Neste caso, está relacionada a distúrbios do trato gastrointestinal, como doenças
inflamatórias intestinais, síndrome do intestino curto, síndromes de má absorção, doenças
endócrinas, etc. A diarreia crônica pode ser definida como: secretória, inflamatória,
infecciosa e osmótica.
A diarreia secretória ocorre quando os processos secretórios do intestino estão
exacerbados, ou seja, o intestino delgado e o intestino grosso secretam sais
(especialmente, cloreto de sódio) e água nas fezes. A toxina produzida durante uma
infecção de cólera causa uma diarreia secretória.

A diarreia inflamatória está associada a processos inflamatórios agudou ou crônicos, como


a colite ulcerativa ou Doença de Crohn, e se caracteriza por um aumento da frequência e
urgência para defecar, cólica, tenesmo, incontinência fecal e despertar durante a noite com
desejo urgente de defecar. As infecções parasitárias persistentes, como os protozoários
Giardia, E. histolytica e Cyclospora, podem causar diarreia crônica.

A diarreia osmótica é causada por nutrientes ou eletrólitos mal absorvidos, que retêm água
no lúmen. Essa água é atraída para dentro do lúmen intestinal pela concentração
hiperosmótica do seu conteúdo em tal volume que o cólon não consegue reabsorver o
excesso de líquido. Isso ocorre nos casos de intolerância à lactose, quando o indivíduo tem
uma deficiência da enzima lactase, a qual está localizada na extremidade das vilosidades
da mucosa do intestino delgado e tem a função de degradar a lactose em glicose e
galactose. Uma vez que a digestão e a absorção da lactose estão prejudicadas, a lactose
não hidrolisada tem atividade osmótica no lúmen intestinal, além de chegar intacta ao
intestino grosso, onde a microbiota intestinal cliva essa lactose em ácidos graxos de cadeia
curta e gás, principalmente hidrogênio (H2), dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4).
Essa retenção da lactose no intestino é a responsável pelos sintomas característicos, como
diarreia osmótica e distensão abdominal devido à produção de gases pela microbiota
intestinal.

A diarreia psicogênica, também conhecida como diarreia emocional, é um quadro muito


comum, que está associado a períodos de tensão nervosa e é causado por estimulação
excessiva do sistema nervoso parassimpático.

EXEMPLIFICANDO

Intolerância à lactose versus alergia à proteína do leite

A alergia à proteína do leite é um tipo de reação alérgica, na qual o sistema imunológico do


bebê responde às proteínas presentes no leite de vaca, gerando sintomas alérgicos, como:
erupção cutânea e/ou coceira, diarreia, vômitos, constipação, entre outros. Os sintomas
ocorrem, geralmente, antes do primeiro ano de vida.

A intolerância à lactose não envolve o sistema imunológico. Ela ocorre devido a uma
incapacidade do organismo de digerir a lactose (açúcar do leite), em virtude da deficiência
da enzima lactase. Os sintomas mais comuns são: diarreia, distensão abdominal e cólicas.

MEDICAMENTOS UTILIZADOS NO TRATO GASTROINTESTINAL

ÚLCERAS PÉPTICAS E DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO

A infecção pela bactéria Helicobacter pylori e o uso de anti-inflamatórios não esteroides são
as duas principais causas de gastrite e úlcera péptica. O tratamento engloba a erradicação
do H. pylori, a diminuição da secreção do ácido clorídrico com o uso de inibidores da bomba
de prótons (IBP) ou bloqueadores de receptor de H2 e/ou o uso de fármacos protetores da
mucosa gástrica.

No tratamento para a erradicação do H. pylori, são utilizados antimicrobianos, como


amoxicilina e claritromicina, associados aos IBP, como omeprazol e lanzoprazol. A secreção
gástrica é estimulada pela acetilcolina, histamina e gastrina, então os fármacos cimetidina,
famotidina e ranitidina bloqueiam o receptor de H2, fazendo com que as substâncias que
estimulam a secreção gástrica sejam bloqueadas e, consequentemente, ocorra uma
diminuição nessa secreção. Os IBP (dexlansoprazol, esomeprazol, lanzoprazol, omeprazol,
pantoprazol, rabeprazol) agem na etapa final da secreção gástrica, quando bloqueiam a
secreção do hidrogênio para dentro do estômago. Para obter o efeito máximo dos IBP, eles
devem ser ingeridos de 30 a 60 minutos antes do desjejum ou da principal (maior) refeição
do dia.

Os antiácidos são outra classe de fármacos que agem no controle da secreção gástrica.
Eles são bases fracas que reagem com o ácido gástrico, formando água e um sal,
diminuindo a acidez gástrica. As classes de antiácidos mais utilizados são: bicarbonato de
cálcio, carbonato de cálcio, hidróxido de alumínio e magnésio.

No tratamento de úlceras e gastrites, também são utilizados os fármacos protetores de


mucosa, que apresentam várias ações que aumentam os mecanismos de proteção da
mucosa, prevenindo lesões, reduzindo inflamação e cicatrizando as úlceras existentes. Os
fármacos subsalicilato de bismuto e sucralfato são exemplos de protetores de mucosa.

ANTIEMÉTICOS

São fármacos utilizados para impedir ou suprimir o vômito. Considerando a complexidade


envolvida nos mecanismos do vômito, existe uma variedade de classes de fármacos
antieméticos. São eles:

Anticolinérgicos (escopolamina).
Anti-histamínicos (meclizina, difenildramina, cinarizina).
Antidopaminérgicos (bromoprida, domperidona, droperidol).
Agentes pró-cinéticos (agonistas de receptores da motilina).
Antagonistas serotoninérgicos (ondansetrona, dolasetrona).
Antagonista de NK (aprepitano).

DIARREIA

O aumento da motilidade do trato gastrointestinal e a diminuição de absorção de líquidos


são os principais fatores da diarreia. Os antidiarreicos incluem fármacos antimotilidade,
adsorventes e que modificam o transporte de água e eletrólitos.

Uma das ações dos fármacos antimotilidade, como o difenoxilato e a loperamida, é a


diminuição dos movimentos de peristaltismo. Os fármacos adsorventes, como hidróxido de
alumínio e metilcelulose, atuam adsorvendo toxinas intestinais ou microrganismos e/ou
revestindo e protegendo a mucosa intestinal. Eles são menos eficazes do que os fármacos
antimotilidade e podem interferir na absorção de outros fármacos. O salicilato de bismuto é
uma classe de fármacos utilizada na diarreia do viajante, que age diminuindo a secreção de
líquidos no intestino.

CONSTIPAÇÃO

Os laxantes são utilizados contra a constipação, para acelerar o movimento do bolo


alimentar por meio do trato gastrointestinal. Podem ser classificados com base no seu
mecanismo de ação. O uso crônico pode causar desequilíbrio eletrolítico, além de
dependência, quando o indivíduo não consegue ter o estímulo evacuatório sem o
medicamento.
Na classe dos estimulantes e irritantes, temos: senna, bisascodil e óleo de rícino. Os
laxantes aumentadores de volume, como metilcelulose e psyllium, formam géis no intestino
grosso, causando a retenção de água e a distensão intestinal, aumentando a atividade
peristáltica. Os laxantes salinos, como citrato de magnésio, hidróxido de magnésio e fosfato
de sódio, são sais não absorvíveis que retêm água no intestino por osmose, distendendo o
intestino e aumentando a atividade intestinal, levando à defecação em poucas horas. A
lactulose é um laxante osmótico que não é hidrolisada pelas enzimas gastrintestinais, sendo
assim degradadas pelas bactérias intestinais. Isso leva a um aumento da pressão osmótica,
causando acúmulo de líquidos, que distende o colo do intestino, amolece as fezes e causa
a defecação.

O docusato de sódio e docusato de cálcio são fármacos da classe dos amolecedores de


fezes. Eles podem demorar dias para fazer efeitos, por isso são mais utilizados na profilaxia
em vez de no tratamento agudo. Os laxantes chamados de lubrificantes, como o óleo
mineral e os supositórios de glicerina, agem facilitando a passagem das fezes endurecidas.
E os laxantes ativadores de canais de cloro, como a lubiprostona, ativam os canais de
cloreto para aumentar a secreção de líquidos no lúmen intestinal.

SEM MEDO DE ERRAR

Suponha que você apresentará aos seus estagiários da clínica em que trabalha um caso
para ser discutido com todos. Os dados do paciente são: C. L. W., gênero masculino, 32
anos, auxiliar administrativo que foi encaminhado pela UBS ao gastroenterologista devido à
pirose que vem sentindo há mais ou menos três meses. Esse sintoma tem uma piora após
grandes refeições e ao se deitar. Devido aos sintomas clínicos e ao resultado da
endoscopia digestiva alta com biópsia, o paciente foi diagnosticado com a doença do refluxo
gastroesofágico e esofagite. Pensando no diagnóstico desse paciente, como você deverá
descrever a fisiopatologia da doença do refluxo gastroesofágico? Qual é o tratamento
clínico e medicamentoso mais indicado nesse caso?

O esfíncter esofágico inferior contraído tonicamente age como uma barreira efetiva contra o
refluxo do ácido do estômago de volta para o esôfago. A efetividade do tônus do esfíncter
pode ser alterada por vários fatores, fazendo com que essa barreira seja rompida, tornando
possível o refluxo do conteúdo ácido do estômago. Esse refluxo recorrente do conteúdo
ácido pode danificar (lesionar) a mucosa, resultando em um processo inflamatório e
podendo evoluir para um quadro de esofagite. O tratamento clínico do refluxo consiste em
mudanças comportamentais e alimentares, como: evitar gorduras, café, chocolate, álcool;
evitar líquidos durante a refeição, porque podem diminuir o tônus do esfíncter esofágico
inferior; evitar grandes refeições de uma só vez; reduzir o peso corpóreo, se necessário,
pois o aumento da pressão abdominal decorrente da obesidade pode ser responsável pelo
aumento da exposição do esófago ao ácido devido às alterações do tônus; elevar a
cabeceira da cama (em média, 15 cm); aguardar de 30 minutos a uma hora para se deitar
após as refeições. O tratamento medicamentoso é realizado com inibidores da bomba de
prótons, como omeprazol; bloqueadores dos receptores H2 da histamina, sendo ranitidina,
famotidina e cimetidina os mais utilizados, assim como os antiácidos, como alginatos e
sucralfato, que são utilizados para alívio passageiro dos sintomas.

AVANÇANDO NA PRÁTICA
DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA

Suponha que você tenha sido convidado para apresentar um estudo clínico aos seus
colegas de trabalho, todos da área de saúde. O caso clínico é: R. L. M., gênero feminino, 52
anos, obesa, hipertensa, diabética tipo 2 e com um quadro de dislipidemia. Nos últimos dois
meses, sente fraqueza e falta de apetite. Devido a esses sintomas, ela procura a UBS para
uma consulta com o clínico geral, o qual solicita vários exames laboratoriais. Após o
resultado, verificaram-se alterações nos marcadores hepáticos associados aos sintomas
clínicos, então Regina foi encaminhada ao hepatologista para exames mais detalhados e, a
partir daí, foi constatado que ela está com doença hepática gordurosa não alcoólica. Diante
desse diagnóstico, como você explicaria o que é doença hepática gordurosa não alcoólica?
Quais são as causas e os fatores de risco para esta doença que você deverá considerar na
sua explicação?

RESOLUÇÃO
A doença hepática gordurosa não alcoólica é uma das formas mais comuns de doença
hepática, caracterizada por um acúmulo de lipídeos nos hepatócitos (esteatose hepática). A
patogênese dessa doença ainda não foi totalmente elucidada, mas a teoria mais apoiada
implica a resistência à insulina como o mecanismo principal que leva à esteatose hepática.
A resistência à insulina é uma condição inicial para o acúmulo de ácidos graxos no
hepatócito, uma vez que favorece a lipogênese e inibe a lipólise até mesmo no fígado,
aumentando excessivamente o aporte de ácidos graxos a esse órgão. A doença hepática
gordurosa não alcoólica está fortemente associada a fatores de risco metabólicos, como
obesidade, dislipidemia, resistência à insulina e diabetes tipo 2, e a incidência dessa doença
acompanha as taxas crescentes de obesidade no mundo todo.

UNIDADE 2

FUNDAMENTOS DO ESTUDO DA FUNÇÃO ENDÓCRINA

CONVITE AO ESTUDO

Um dos momentos em nossa vida em que percebemos de uma forma tão evidente o
impacto do sistema endócrino na condução do desenvolvimento e na regulação das funções
corporais é a puberdade. Ao entrar na puberdade, meninos e meninas começam a
desenvolver diferenças notáveis na aparência física e no comportamento. Nas meninas, os
estrogênios promovem o acúmulo de tecido adiposo nas mamas e nos quadris, modelando
a forma feminina. Ao mesmo tempo ou um pouco depois, níveis cada vez mais altos de
testosterona nos meninos começam a produzir massa muscular e a aumentar as pregas
vocais, resultando em uma voz mais grave. Além desses efeitos, nosso sistema endócrino
secreta a todo momento inúmeros hormônios que ajudam a manter a homeostasia do nosso
organismo. Ele está envolvido em todos os aspectos integrativos da vida, incluindo
crescimento, diferenciação sexual, metabolismo e adaptação a um ambiente em constante
mudança. Levando em consideração a importância do sistema endócrino na manutenção do
nosso organismo, qualquer alteração que ocorra na secreção e ação desses hormônios
acarretará prejuízo na saúde dos indivíduos. A partir de agora, conheceremos as estruturas
que compõem o sistema endócrino, bem como ocorre a síntese dos hormônios, o papel dos
receptores e seu mecanismo de ação. Em seguida, entenderemos a anatomia e a histologia
do pâncreas, como ocorre a secreção da insulina e glucagon e a fisiopatologia da Diabete
Mellitus, abordando o tratamento insulínico e oral e os exames laboratoriais para
diagnóstico e acompanhamento. Para finalizar esta unidade, estudaremos como o eixo
hipotálamo-hipófise regula a liberação de hormônios em nosso organismo, o papel do
hormônio do crescimento e da tireoide na manutenção da homeostase do organismo e as
principais doenças e tratamentos farmacológicos relacionados aos hormônios do
crescimento e tireoidianos.

PRATICAR PARA APRENDER

Nesta seção, você estudará o sistema endócrino, considerado um dos principais sistemas
reguladores do organismo humano. Os hormônios secretados atuarão em células-alvo, com
a finalidade de regular as concentrações sanguíneas de nutrientes, eletrólitos, etc.

Mas, você pode estar se perguntando: por que estudar o sistema endócrino? Como vou
utilizar isso na minha prática clínica? Porque os hormônios regulam diversas funções no
organismo, como a insulina e o glucagon, que atuam no controle da glicemia.

De forma geral, os hormônios são mensageiros químicos que atuam em célula-alvo por
meio dos receptores expressos nas células.

Conheceremos as estruturas que compõem o sistema endócrino, como ocorre a síntese dos
hormônios, o papel dos receptores e seu mecanismo de ação. Em seguida, entenderemos a
anatomia e histologia do pâncreas, como ocorre a secreção da insulina e glucagon e a
fisiopatologia da Diabete Mellitus, abordando o tratamento insulínico e oral e os exames
laboratoriais para diagnóstico e acompanhamento. Para finalizar esta unidade, estudaremos
como o eixo hipotálamo-hipófise regula a liberação de hormônios em nosso organismo, o
papel do hormônio do crescimento e da tireoide na manutenção da homeostase do
organismo e as principais doenças e tratamentos farmacológicos relacionados aos
hormônios do crescimento e tireoidianos.

Suponha que você está trabalhando em uma Unidade Básica de Saúde, na qual trabalhará
com um grupo de adultos com sobrepeso, e o tema abordado serão os hormônios. Antes de
começar a roda de conversa, os participantes chegaram à UBS não muito satisfeitos com o
assunto que seria abordado naquele dia e já começaram a fazer várias perguntas, tais
como: para que servem os hormônios? Em qual alimento eu encontro os hormônios que
preciso? Qual a relação entre os hormônios e a Diabete Mellitus?

Diante desses questionamentos, o que você deverá responder?

Para responder a esses questionamentos, você utilizará conteúdos acerca do estudo dos
hormônios, a respeito das definições e da atuação dos hormônios. Então, vamos conhecer
um pouco mais sobre esse conteúdo tão importante para sua prática. Bons estudos!

CONCEITO-CHAVE
O sistema endócrino participa de muitas funções essenciais, incluindo a regulação da
digestão, o uso e armazenamento de nutrientes, o crescimento e desenvolvimento, o
metabolismo dos eletrólitos e da água e as funções reprodutivas. Todas essas atividades
corporais são controladas por meio da liberação de mediadores, chamados de hormônios.
O termo “hormônio” tem origem grega e significa “despertar para a atividade”. Consiste em
uma molécula mediadora liberada em alguma parte do corpo que regula a atividade celular
em outras partes do corpo. Os hormônios são secretados pelas glândulas endócrinas e por
alguns órgãos e tecidos que contêm células secretoras de hormônios. As glândulas
endócrinas secretam seus hormônios no líquido intersticial, onde se difundem para os
capilares sanguíneos e o sangue os transporta para as células-alvo pelo corpo. Embora um
determinado hormônio percorra o corpo pelo sangue, ele atua apenas em células-alvo
específicas, através de ligações químicas a receptores proteicos específicos. Os receptores,
assim como outras proteínas celulares, são constantemente sintetizados e degradados. Em
geral, uma célula-alvo possui 2.000 a 100.000 receptores para um determinado hormônio.
Em virtude da dependência do sistema circulatório para distribuir seus produtos, as
glândulas endócrinas são alguns dos tecidos mais vascularizados do corpo, considerando
que, para a maioria dos hormônios, os níveis circulantes são tipicamente baixos. A hipófise
e as glândulas da tireoide, paratireoides, suprarrenais e pineal são exemplos de glândulas
endócrinas (Figura 2.1). Além disso, vários órgãos e tecidos não são exclusivamente
classificados como glândulas endócrinas, mas contêm células que secretam hormônios,
sendo eles hipotálamo, timo, pâncreas, ovários, testículos, rins, estômago, fígado, intestino
delgado, pele, coração, tecido adiposo e placenta.

A ação hormonal está relacionada ao sítio de produção do hormônio e ao local das


células-alvo onde ocorrem seus efeitos biológicos. Essas ações incluem efeitos endócrinos,
parácrinos, autócrinos e neuroendócrinos (Figura 4.2). O efeito endócrino ocorre quando um
hormônio é secretado na circulação e, em seguida, transportado pelo sangue para produzir
um efeito biológico sobre células-alvo distantes. Os hormônios locais que atuam nas células
vizinhas são chamados de parácrinos, e aqueles que atuam nas mesmas células que os
secretaram são chamados de autócrinos. Alguns efeitos hormonais são neuroendócrinos,
nos quais o hormônio (um neuro-hormônio) é produzido e secretado pelos neurônios e, em
seguida, transportado pelo sangue para exercer efeitos em células-alvo no corpo. Esses
neuro-hormônios são um subtipo de moléculas de sinalização conhecidas como
neurotransmissores, que são secretados pelos neurônios e atravessam a fenda sináptica
para ocasionar diversas respostas pós-sinápticas.
Os hormônios apresentam diversas estruturas e podem ser classificados em quatro
categorias com base na sua estrutura química: I) Aminas e aminoácidos incluem dopamina,
adrenalina, noradrenalina e hormônio tireóideo, que são hormônios derivados dos
aminoácidos tirosina e triptofano; II) Peptídios, proteínas e glicoproteínas são hormônios à
base de proteína e incluem a maioria dessas substâncias. Por exemplo, o hormônio
antidiurético e a ocitocina são exemplos de hormônios peptídicos; o hormônio do
crescimento humano e a insulina são hormônios proteicos. Já as glicoproteínas são
hormônios peptídicos associados a um carboidrato, como o hormônio foliculoestimulante
(FSH); III) Esteroides são hormônios derivados do colesterol, como aldosterona,
glicocorticoides, estrogênios, testosterona e progesterona; IV) Hormônios eicosanoides são
importantes hormônios locais, podendo atuar também como hormônios circulantes. As
substâncias de importância são os derivados do ácido araquidônico, que incluem
prostaglandinas, tromboxanos, leucotrienos e prostaciclinas. Em relação às ações nas
células-alvo, as moléculas de hormônios podem ser classificadas em lipossolúveis
(hormônios esteroides e da tireoide) e hidrossolúveis (hormônios aminados, peptídicos,
proteicos

Os mecanismos de síntese e secreção hormonal variam de acordo com a estrutura dos


hormônios. Os hormônios proteicos são sintetizados e armazenados em vesículas no
citoplasma da célula endócrina até que a sua secreção seja necessária em resposta a
algum tipo de estímulo. A estimulação da célula endócrina causa a movimentação das
vesículas até a membrana celular e a secreção dos seus hormônios. Os hormônios
proteicos são tipicamente sintetizados como hormônios precursores, denominados
pró-hormônios. Por exemplo, a insulina é produzida a partir da pró-insulina no interior das
células beta das ilhotas pancreáticas (de Langerhans). Por sua vez, os hormônios à base de
colesterol não são armazenados em vesículas; em vez disso, essas moléculas
lipossolúveis, em geral produzidas no retículo endoplasmático liso, tipicamente deixam a
célula por difusão através da membrana celular assim que são sintetizadas.

Uma vez que esses hormônios são secretados na corrente sanguínea, passam a circular
como moléculas livres. A maior parte dos hormônios hidrossolúveis circula no plasma
aquoso sanguíneo, não ligado a outras moléculas, como é o caso dos hormônios peptídicos
e proteicos, ou dos hormônios esteroides e tireóideos, que são lipossolúveis e grande parte
deles circula ligada a proteínas transportadoras. Em geral, menos de 10% dos hormônios
esteroides ou tireoidianos existem livres em solução no plasma. Essas proteínas
transportadoras são sintetizadas no fígado pelos hepatócitos e possuem as funções de
tornar os hormônios lipossolúveis temporariamente hidrossolúveis, aumentando, desse
modo, sua solubilidade no sangue; de retardar a passagem de moléculas hormonais
pequenas pelo mecanismo de filtragem nos rins, reduzindo, assim, a perda hormonal na
urina; de oferecer uma pronta reserva de hormônio na corrente sanguínea. A dimensão da
ligação à proteína transportadora influência a velocidade que os hormônios deixam o
sangue e entram nas células. A meia-vida de um hormônio está positivamente
correlacionada com sua porcentagem de ligação às proteínas.

REFLITA

Os esteroides sexuais são os agentes ativos dos contraceptivos orais, e os comprimidos de


hormônios tireoideanos são utilizados por pessoas que apresentem deficiência tireoidiana
(hipotireoidismo). Por outro lado, os hormônios polipeptídicos e glicoproteicos não podem
ser utilizados pela via oral, porque são digeridos em fragmentos inativos antes de atingirem
a corrente sanguínea. Por isso, os diabéticos dependentes de insulina devem utilizar esse
hormônio sob a forma injetável.

MECANISMO DE AÇÃO HORMONAL

Os efeitos dos hormônios ocorrem por meio da interação com seus receptores de alta
afinidade, os quais, por sua vez, estão ligados a um ou mais sistemas efetores no interior da
célula. Os hormônios são distribuídos pelo sangue a todas as células do corpo, mas
somente as células-alvo são capazes de responder a eles. Para que isso ocorra, uma
célula-alvo deve possuir proteínas receptoras específicas para o hormônio. Os hormônios
apresentam efeitos variados devido ao fato de que um único hormônio é capaz de
desencadear várias respostas celulares diferentes, dependendo da sua ligação à
célula-alvo, como é o caso da insulina, que pode estimular a síntese de glicogênio nos
hepatócitos e a síntese de triglicerídeos nos adipócitos. Para que um hormônio possa
apresentar seus efeitos, em primeiro lugar, é preciso que ele “anuncie a sua chegada” à
célula-alvo por meio da ligação com seus receptores.

Os receptores hormonais são estruturas moleculares complexas (normalmente, proteínas),


cuja função é reconhecer um hormônio específico e traduzir o sinal hormonal em uma
resposta celular. A estrutura desses receptores é específica para um hormônio em
particular, o que possibilita que as células-alvo respondam a um hormônio, e não a outros.
O grau de responsividade de uma célula-alvo a um hormônio varia de acordo com a
quantidade de receptores presentes e a afinidade desses receptores para a ligação
hormonal.

O aumento ou a diminuição dos níveis hormonais com frequência induz a alterações na


síntese de receptores hormonais. Quando ocorre uma diminuição dos níveis hormonais, há
um aumento na quantidade de receptores por meio de um processo denominado regulação
ascendente, que aumenta a sensibilidade do corpo ao hormônio. Essa regulação
ascendente dos receptores hormonais pode ser uma resposta adaptativa diante de níveis
baixos do hormônio no corpo. Por outro lado, níveis persistentemente excessivos de
hormônios costumam acarretar diminuição na quantidade de receptores por meio da
regulação descendente da síntese celular de receptores, produzindo uma diminuição na
sensibilidade hormonal
.
A localização desses receptores nas células-alvo depende da natureza química do
hormônio. Os lipossolúveis estão localizados dentro das células-alvo, enquanto os
receptores de hormônios hidrossolúveis estão localizados na superfície da célula e atuam
por meio de mecanismos de segundos mensageiros para influenciarem a atividade celular.
O efeito final do hormônio, em geral, é exercido no núcleo da célula, independentemente da
localização do seu receptor (de superfície celular ou intracelular).

Os hormônios lipossolúveis conseguem atravessar a membrana celular e entrar nas


células-alvo, onde os receptores estão localizados. Os receptores de muitos hormônios
esteroides estão localizados no citoplasma das células. Quando estes se ligam ao hormônio
esteroide, o complexo receptor-hormônio move-se para o interior do núcleo. Os receptores
dos hormônios tireoideanos e de outros hormônios esteroides estão localizados no núcleo
celular, mas são inativos até se ligarem aos seus respectivos receptores. No entanto, os
hormônios hidrossolúveis não conseguem atravessar a membrana celular, e seus
receptores estão localizados na superfície externa da membrana. Esses hormônios
interagem com os receptores de superfície para gerarem um sinal intracelular por meio de
um sistema de sinalização de segundo mensageiro, com o hormônio atuando como primeiro
mensageiro. O hormônio primeiro mensageiro sinaliza a necessidade de ação, entretanto
não chega a entrar na célula. São as moléculas de segundos mensageiros no interior da
célula que interagem diretamente com os mecanismos de controle intracelular para efetuar
a alteração. Por exemplo, o hormônio glucagon como primeiro mensageiro se liga aos
receptores de superfície nas células hepáticas para enviar uma segunda mensagem
intracelular que determina a degradação do glicogênio.

Quando estimulada, uma glândula endócrina libera seus hormônios, aumentando, assim, a
concentração sanguínea do hormônio. Na ausência de estimulação, o nível sanguíneo do
hormônio diminui. Essa regulação da secreção, normalmente, evita a produção excessiva
ou insuficiente de qualquer hormônio, ajudando a manter a homeostasia. A secreção
hormonal é regulada por sinais do sistema nervoso, como os impulsos nervosos para a
medula da glândula suprarrenal, que regulam a liberação de epinefrina; por alterações
químicas no sangue, como o nível sanguíneo de Ca2+, que regula a secreção de
paratormônio (PTH); por outros hormônios, como o hormônio da adeno-hipófise (hormônio
adrenocorticotrófico), que estimula a liberação de cortisol pelo córtex da glândula
suprarrenal. A maioria dos sistemas regulatórios hormonais atua via feedback negativo,
porém alguns operam por feedback positivo. A secreção hormonal é muito variável ao longo
de um período de 24 h. Alguns hormônios, como o do crescimento e o adrenocorticotrófico
(ACTH), apresentam flutuações diurnas, que variam de acordo com o ciclo de sono e vigília.
Outros, como os hormônios sexuais femininos, são secretados de uma maneira cíclica
complexa. Os níveis de hormônios, como a insulina e o hormônio antidiurético (ADH), são
regulados por mecanismos de feedback que monitoram substâncias, como a glicose
(insulina) e a água (ADH) no corpo. Os níveis de muitos hormônios são regulados por
mecanismos de feedback.

EXEMPLIFICANDO
O sistema endócrino é regulado por mecanismos de feedback (positivo e negativo) que
possibilitam que as células endócrinas modifiquem sua taxa de secreção hormonal.

O feedback negativo é o mecanismo mais comum de controle hormonal, no qual a ação


hormonal inibe direta ou indiretamente a secreção adicional do hormônio, de modo que
seus níveis de secreção sejam controlados e retornem a um nível ideal ou a um ponto de
ajuste. Após uma refeição, por exemplo, a elevação na glicemia estimula o pâncreas a
secretar insulina; a insulina age sobre as células-alvo para a captação da glicose, reduzindo
a glicemia. A redução dos níveis de glicose, por sua vez, suprime a secreção de insulina,
causando a elevação da glicemia.

No feedback positivo, um hormônio estimula a secreção contínua até que os níveis


apropriados sejam alcançados. Um exemplo disso é a elevação pré-ovulatória nos níveis de
LH (hormônio luteinizante), a qual deflagra a ovulação. Naquele momento, um aumento nos
níveis de estrogênio exerce um efeito de feedback positivo sobre a secreção de LH pela
adeno-hipófise.

SEM MEDO DE ERRAR

A partir dos questionamentos na roda de conversa, você começa explicando para que
servem os hormônios. O termo “hormônio” tem origem grega e significa “despertar para a
atividade”. Consiste em uma molécula mediadora liberada em alguma parte do corpo que
regula a atividade celular em outras partes do corpo. Os hormônios são secretados pelas
glândulas endócrinas e por alguns órgãos e tecidos que contêm células secretoras de
hormônios.

A outra indagação era a respeito dos alimentos que possuem em sua composição os
hormônios. Sobre essa pergunta, você respondeu que os alimentos são formados por
carboidratos, proteínas e lipídeos (macronutrientes) e por vitaminas e minerais
(micronutrientes), portanto os hormônios que atuam no corpo humano são produzidos pelo
próprio corpo humano, e todas as pessoas devem priorizar uma alimentação saudável.
Logo, não existe um alimento fonte de hormônio que possa suprir as necessidades do corpo
humano.

A outra pergunta feita para você era sobre qual a relação entre os hormônios e a Diabete
Mellitus. Você iniciou explicando que a Diabete Mellitus é uma doença na qual o organismo
não produz ou produz de forma insuficiente o hormônio insulina. Esse hormônio é produzido
no pâncreas, em células denominadas de ilhotas pancreáticas. A característica da insulina é
ser um hormônio proteico. Podemos dizer que a insulina é regulada por um mecanismo que
monitora a glicose.

Podemos observar que a roda de conversa está caminhando muito bem, então veremos
mais à frente quais serão os próximos assuntos abordados.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

MARCELO E SEUS DESAFIOS


Marcelo foi ao médico endocrinologista, pois apresentou Hiperdislipidemia e Diabete
Mellitus. Além disso, nos últimos tempos, ele ganhou peso, apresentando diagnóstico de
sobrepeso. Com uma alimentação desregrada e com sobrecarga no trabalho, sedentarismo
e quadro de ansiedade, apresenta tendência ao aparecimento de quadro de obesidade. A
ansiedade na fase em que o paciente se encontra causa aumento da sensação de fome,
sendo necessário um acompanhamento psicológico e nutricional, com o intuito de melhorar
a alimentação e estimular a prática de exercícios físicos.

RESOLUÇÃO
Neste caso, são várias frentes de trabalho, o qual deve ser multidisciplinar, com a atuação
de um nutricionista, cuidando da alimentação, que deve ter foco na redução das
dislipidemias e no controle da glicemia; de um psicólogo, para identificar as causas das
crises de ansiedade que Marcelo está sofrendo; de um educador físico, para melhorar a
capacidade física e evitar lesões por conta do sobrepeso em que se encontra. Para o
controle da glicemia, será prescrito insulina regular de uso diário.

O PÂNCREAS ENDÓCRINO
PRATICAR PARA APRENDER

Nesta seção, abordaremos os conteúdos acerca da anatomia e histologia do pâncreas.


Estudaremos a fisiologia do glucagon e da insulina e entenderemos sua importância no
metabolismo humano. Além disso, aprenderemos ainda mais sobre o Diabetes Mellitus e a
medicação utilizada, como a terapia insulínica e os antidiabéticos orais.

Como um futuro profissional de saúde, é importante entender os exames diagnósticos que


envolvem a concentração de glicose no sangue, sendo eles: exame de curva glicêmica,
glicemia sanguínea de jejum e pós-prandial.

Por que estudar sobre o Diabetes? A ação da insulina? Qual a função do glucagon? Porque
dados de 2017 nos mostram que o Diabetes aparece como a terceira causa de morte no
Brasil, atrás de doenças cardiovasculares e neoplasias. O cenário que temos é de muitas
pessoas morrendo por conta do Diabetes e outras milhares de pessoas sofrendo com as
complicações desta doença, implicando diretamente a qualidade de vida e altos custos ao
sistema de saúde (GBD, 2018).

Imagine você, em uma Unidade Básica de Saúde, trabalhando junto a uma equipe
multidisciplinar, e hoje será um dia de visita domiciliar. A primeira visita do dia é a K.L.B.,
sexo feminino, 40 anos, com diagnóstico de obesidade e Diabetes Mellitus Tipo 2 há mais
de dois anos. Ela faz uso de insulina e hipoglicemiante oral.

Ao chegar à casa de K.L.B., ela estava fazendo o café da manhã, e você observou que era
café preto e torta de frango. A paciente ficou feliz com a visita, porém informou que não
estava se sentindo muito bem nesses últimos dias. Ela estava fazendo o acompanhamento
da glicemia, a qual estava em torno de 250 mg/dL. Relatou também que estava buscando
entender melhor sobre o Diabetes a partir da leitura de notícias na internet, e até mostrou
algumas coisas que estava lendo, no entanto ela estava com algumas dúvidas, por
exemplo, por que precisava fazer uso da insulina diariamente? Qual era a relação entre a
insulina e o glucagon? Por que, além de aplicar a insulina, ela precisava tomar
hipoglicemiante oral após as refeições?

Diante desses questionamentos, o que você deverá responder?

Para responder a esses questionamentos, você utilizará conteúdos acerca do estudo do


pâncreas, sua função endócrina e exócrina. Vamos conhecer um pouco mais sobre esse
conteúdo tão importante para sua prática. Bons estudos!

CONCEITO-CHAVE

O pâncreas é um órgão achatado que mede cerca de 12,5 a 15 cm de comprimento.


Localiza-se na curvatura do duodeno, a primeira parte do intestino delgado, e consiste em
uma cabeça, um corpo e uma cauda. É considerado uma glândula de secreção exócrina e
endócrina, que desempenha uma importante função na absorção, na distribuição e no
armazenamento de nutrientes (Figura 2.3). O pâncreas exócrino é constituído pelos ácinos
pancreáticos, os quais produzem enzimas que agem no processo de digestão, fluindo para
o sistema digestório por uma rede de ductos. Entre os ácinos pancreáticos, temos as ilhotas
pancreáticas, ou ilhotas de Langerhans, que representam a parte endócrina, produzindo
hormônios, como a insulina, o glucagon, a somatostatina e o polipeptídio pancreático. As
ilhotas são mais numerosas na cauda do pâncreas, e seu volume corresponde a cerca de
1% do total da massa pancreática. Pode haver mais de 1 milhão de ilhotas no pâncreas
humano, e a maioria mede de 100 a 200 μm de diâmetro e contém centenas de células.

Cada ilhota pancreática apresenta quatro tipos de células secretoras de hormônio, são elas:
as células alfa, beta, delta e F (Figura 2.3). Essas células se organizam de tal forma que um
centro de células beta e delta é rodeado por três outros tipos celulares (alfa, delta e F). As
células alfa constituem cerca de 17% das células das ilhotas pancreáticas e são secretoras
de glucagon e peptídeos similares ao glucagon (glucagon-like peptides) – GLP-1 e GLP-2.
Predominam nas regiões da cauda e do corpo e na porção anterior da cabeça do pâncreas.
As células beta constituem cerca de 70% das células das ilhotas pancreáticas e secretam
insulina, peptídeo C, amilina e ácido γ-aminobutírico (GABA). Nas regiões da cauda, do
corpo e na porção anterior da cabeça do pâncreas, há um predomínio dessas células. Já as
células delta constituem cerca de 7% das ilhotas pancreáticas, secretando somatostatina,
com um predomínio nas regiões da cauda, do corpo e na porção anterior da cabeça do
pâncreas. E, por fim, as células F constituem o restante das células das ilhotas pancreáticas
e secretam polipeptídio pancreático; localizam-se, sobretudo, nas ilhotas da porção
posterior da cabeça do pâncreas.
HORMÔNIOS DO PÂNCREAS ENDÓCRINO

• Insulina
A insulina é uma proteína sintetizada como preproinsulina nos ribossomos do retículo
endoplasmático rugoso das células β e sofre clivagem por enzimas microssomais, dando
origem à proinsulina, que é armazenada no aparelho de Golgi, aos grânulos limitados por
membrana e aos grânulos secretórios. Nesses grânulos, a proinsulina é hidrolisada,
originando a insulina e um peptídeo de conexão, o peptídeo C. A insulina endógena tem
uma meia-vida de três a cinco minutos, sendo degradada no fígado, no rim e na placenta. O
pâncreas humano secreta, em média, 40 a 50 UI de insulina por dia, sendo que a secreção
basal ocorre sem estímulos, ou seja, durante o jejum, mas pode sofrer influência de
estímulos, que pode ocasionar aumento ou diminuição.

A glicose é o estímulo mais potente às células beta para a secreção da insulina. Quando
ocorre um aumento agudo nos níveis séricos de glicose, há como consequência um rápido
aumento nos níveis de insulina, com pico entre três e cinco minutos e duração de cerca de
dez minutos. Essa fase da resposta insulínica é denominada de fase precoce ou primeira
fase. A segunda fase ocorre se os níveis de glicose se mantêm altos, quando, então, a
secreção de insulina é sustentada; inicia-se em 15 a 20 minutos e atinge seu pico nos
próximos 20 a 40 minutos.

Os hormônios entéricos que medeiam a secreção pós-alimentar de insulina são chamados


de incretinas, sendo o polipeptídeo inibitório gástrico (GIP) e o peptídeo 1, similar ao
glucagon (GLP-1), os mais importantes. A colecistocinina, a gastrina, a secretina e os
aminoácidos, como a arginina, também estimulam a liberação de insulina induzida pela
glicose obtida via alimentar. Por sua vez, a somatostatina e algumas substâncias inibem a
secreção de insulina. A secreção de insulina está, portanto, sujeita a um elaborado controle,
especialmente por parte da glicose, no entanto nutrientes, hormônios e neurotransmissores
também podem interferir na secreção de insulina.

As células beta secretam insulina em resposta à elevação da glicemia. A insulina promove a


entrada da glicose nas células teciduais e a conversão dela em moléculas armazenadoras
de energia (glicogênio e gordura). A insulina também auxilia a entrada de aminoácidos nas
células e a produção de proteínas celulares. Sendo assim, ela promove a deposição de
moléculas armazenadoras de energia após as refeições, quando a glicemia aumenta. Essa
ação é antagônica à do glucagon, e a secreção deste, normalmente, diminui quando a
insulina aumenta. De outro lado, durante períodos de jejum, a secreção de insulina diminui,
enquanto a de glucagon aumenta.
Glucagon
O glucagon é produzido pelas células alfa das ilhotas, devido à ação de uma enzima, a
pró-hôrmonio convertase 2, e constitui o fator endócrino mais importante para o
fornecimento de energia aos tecidos no período pós-absortivo. A molécula do proglucagon,
entretanto, também é produzida por células L do intestino e por células do hipotálamo. A
secreção de glucagon é inibida pela glicose, por outro lado, muito aminoácidos estimulam
sua síntese. Quanto maior a proporção de carboidratos de uma refeição, menos glucagon
será secretado; por sua vez, uma refeição predominantemente proteica resultará em maior
secreção de glucagon. As catecolaminas, os hormônios gastrointestinais e os
glicocorticoides são outras substâncias que promovem a secreção de glucagon.

A principal função do glucagon é manter a glicemia durante o jejum, sendo considerado o


mais potente agente glicogenolítico hepático. As células alfa secretam o glucagon em
resposta à queda da glicemia. O glucagon estimula o fígado a hidrolisar o glicogênio em
glicose (glicogenólise), causando aumento da glicemia. Além disso, ele estimula a hidrólise
da gordura armazenada (lipólise) e a consequente liberação de ácidos graxos livre no
sangue, que, junto a outros hormônios, também estimula a conversão dos ácidos graxos em
corpos cetônicos, que podem ser secretados pelo fígado na corrente sanguínea e utilizados
por outros órgãos como fonte de energia. Em razão disso, o glucagon é um hormônio que
ajuda a manter a homeostasia durante períodos de jejum, quando as reservas energéticas
do corpo devem ser utilizadas. Podemos dizer que o fígado é o principal órgão-alvo do
glucagon. Sua meia-vida na circulação é de três a seis minutos, e o glucagon é degradado
pelo fígado.

CONTROLE DA SECREÇÃO DE GLUCAGON E INSULINA

A secreção dos hormônios insulina e glucagon é controlada pelo nível de glicose sanguínea,
em que o glucagon eleva o nível sanguíneo da glicose que se encontra abaixo do normal, e
a insulina, por sua vez, ajuda a reduzir o nível de glicose sanguínea que se encontra muito
elevado.

I. Uma situação de hipoglicemia estimula a secreção de glucagon pelas células alfa das
ilhotas pancreáticas.

II. O glucagon, por sua vez, atua nos hepatócitos, convertendo glicogênio em glicose e
formando glicose a partir do ácido láctico e de determinados aminoácidos.

III. Como resultado, os hepatócitos liberam glicose no sangue de maneira mais rápida, e a
glicemia se eleva.

IV. Se a glicemia continua subindo, o nível sanguíneo elevado de glicose (hiperglicemia)


inibe a liberação de glucagon.

V. A hiperglicemia estimula a secreção de insulina pelas células beta.

VI. A insulina pode agir em várias células do nosso organismo para acelerar a difusão
facilitada da glicose para as células, a fim de converter a glicose em glicogênio, para
intensificar a captação de aminoácidos pelas células e aumentar a síntese de proteína, para
acelerar a síntese de ácidos graxos, com o propósito de retardar a conversão de glicogênio
em glicose e tornar mais lenta a formação de glicose a partir do ácido láctico e de
aminoácidos.

VII. A consequência dessas ações é a queda do nível de glicose do sangue.

VIII. Quando o nível sanguíneo da glicose está abaixo do normal, ocorre a inibição da
liberação da insulina e o estímulo à liberação de glucagon.

REFLITA

Leia o trecho a seguir: o glucagon estimula a hidrólise da gordura armazenada,


proporcionando a liberação de ácidos graxos livres no sangue, que, junto a outros
hormônios, também estimula a conversão dos ácidos graxos em corpos cetônicos, que
podem ser secretados pelo fígado na corrente sanguínea e utilizados por outros órgãos
como fonte de energia. Qual é a sua opinião sobre a utilização do jejum para a redução de
peso? É um processo que deve ser incentivado? Pode acarretar algum dano a outros
órgãos?

DIABETES MELLITUS, DIAGNÓSTICOS E SUAS FORMAS DE TRATAMENTOS

O Diabetes Mellitus (DM) consiste em um distúrbio metabólico caracterizado por


hiperglicemia persistente, decorrente de deficiência na produção de insulina ou na sua
ação, ou em ambos os mecanismos, ocasionando complicações em longo prazo. Podemos
classificá-lo de acordo com a sua etiologia.

O Diabetes Mellitus Tipo 1 (DM1) consiste em uma doença autoimune, na qual ocorre a
destruição progressiva e total das células beta pancreáticas, como resultado de
desencadeadores ambientais em indivíduos geneticamente suscetíveis, ocasionando uma
deficiência total na produção de insulina. Na ausência de insulina, os tecidos sensíveis à
insulina não conseguem captar e armazenar glicose, aminoácidos e lipídios, até mesmo na
presença de níveis plasmáticos circulantes elevados dessas substâncias energéticas. Essa
doença é frequentemente diagnosticada em crianças, adolescentes e, em alguns casos, em
adultos jovens, afetando igualmente homens e mulheres.

O Diabetes Mellitus Tipo 2 (DM2) corresponde a 90 a 95% de todos os casos da doença,


possui etiologia complexa e multifatorial, envolvendo componentes genéticos e ambientais,
dentre eles, hábitos dietéticos e inatividade física, que contribuem para a obesidade e se
destacam como os principais fatores de risco. Essa doença afeta, geralmente, indivíduos
com mais de 40 anos de idade, embora casos pediátricos e em adultos jovens estejam
rapidamente aumentando, principalmente devido à obesidade.

A progressão para o DM2 frequentemente começa com um estado de resistência à insulina.


Com o aumento da idade e de peso, os tecidos que antes eram normalmente responsivos à
insulina tornam-se relativamente resistentes à ação do hormônio e necessitam de níveis
aumentados de insulina para responder de modo apropriado. Por isso, os pacientes com
DM2 apresentam níveis circulantes de insulina mais altos que o normal, e esses níveis não
são suficientes para superar a resistência à insulina nos tecidos-alvo.

Na diabetes gestacional, ocorre uma intolerância a carboidratos de gravidade variável, que


se iniciou durante a gestação atual, sem ter previamente preenchidos os critérios
diagnósticos de DM. A gestação consiste em condição diabetogênica, uma vez que a
placenta produz hormônios hiperglicemiantes e enzimas placentárias que degradam a
insulina, com consequente aumento compensatório na produção de insulina e na resistência
à insulina, podendo evoluir com disfunção das células beta. O diagnóstico é realizado,
geralmente, no segundo ou terceiro trimestres da gestação, e pode ser uma condição
transitória ou persistir após o parto.

Existem outras condições que podem gerar um quadro de DM, como: defeitos genéticos
que resultam na disfunção das células beta, defeitos genéticos na ação da insulina,
doenças do pâncreas exócrino, como a pancreatite, entre outras.
O diagnóstico de DM deve ser determinado pela presença de hiperglicemia, a partir da
análise dos valores glicêmicos de jejum, dos valores obtidos no teste de tolerância oral à
glicose ou do valor glicêmico obtido a qualquer hora do dia (glicemia casual).

A glicemia de jejum, por ser o método mais simples e de menor custo, é o primeiro exame
de escolha para a detecção do diabetes. Neste exame, é realizada a dosagem da glicose no
plasma após um jejum mínimo de oito horas. O diagnóstico é estabelecido quando ao
menos duas glicemias de jejum se encontram acima de 126mg/dL ou quando uma única
glicemia de jejum estiver acima desse valor e associada a outro critério laboratorial positivo
para o diagnóstico do DM, como o teste oral de tolerância à glicose (TOTG) . (Quadro 2.3).
A glicemia pós-prandial, por sua vez, é um exame em que os níveis de glicose são
avaliados, em geral, duas horas após alguma refeição, como café da manhã ou almoço.
Uma das grandes dificuldades é estabelecer valores de referência adequados para a
glicemia pós-prandial. Por essa razão, a glicemia pós-prandial não tem nenhum papel no
diagnóstico do DM, sendo utilizada como um controle glicêmico de pacientes com DM. A
Sociedade Brasileira de Diabetes estabelece um valor de referência de glicemia
pós-prandial de < 160 mg/dL.

No TOTG, é realizada uma coleta de glicemia de jejum; em seguida, o indivíduo ingere 75 g


de glicose anidra ou 82,5 g de glicose monoidratada, dissolvida em 250 a 300 mL de água;
após duas horas, é realizada mais uma coleta de sangue. Para crianças, a dose de glicose
administrada não deve ultrapassar 1,75 g/Kg, até o máximo de 75 g. Com o TOTG,
podemos avaliar a curva glicêmica, cuja coleta de glicose plasmática é realizada nos
tempos 30, 60, 90, 120 e, às vezes, 180 minutos após a sobrecarga de glicose. Esse teste é
indicado para confirmar o diagnóstico de diabetes gestacional e em pacientes com glicemia
de jejum alterada entre 100 e 125 mg/dL.

O principal objetivo da terapia farmacológica no Diabetes Mellitus consiste em normalizar os


parâmetros metabólicos, como a glicemia, para reduzir o risco de complicações a longo
prazo. Os pacientes com DM Tipo 1 produzem pouca ou nenhuma insulina endógena, e a
terapia consiste em repor com insulina exógena para obter a normoglicemia, sem induzir
hipoglicemia. A insulina é administrada por via parenteral, geralmente por injeção
subcutânea com agulha de calibre fino, que cria um pequeno depósito de insulina no local
de injeção. A terapia insulínica visa mimetizar a reposição de insulina endógena através de
uma insulina basal e insulina em bolus nas refeições (de acordo com a contagem de
carboidratos). A insulina bolus procura imitar a resposta da insulina endógena na circulação
diante da ingestão alimentar. O papel principal da insulina basal é limitar a lipólise e a
produção de glicose hepática, especialmente durante a noite, enquanto garante glicose
suficiente para o cérebro. A deficiência de insulina basal ocasiona hiperglicemia, assim
como excesso de lipólise, enquanto o excesso resulta em supressão inapropriada da
produção hepática de glicose e hipoglicemia. A insulina de ação curta, simples ou regular,
apesar de ser considerada uma insulina de refeição, com pico de ação entre uma e duas
horas e retorno ao basal em seis a oito horas, também deve ser considerada como de ação
basal, já que mantém importante atividade após a absorção dos alimentos.

Os esquemas de insulina são, com frequência, ajustados ligeiramente a cada dia, de acordo
com atividade do paciente, quantidade e composição das refeições e níveis de glicemia. Um
esquema típico consiste em uma insulina basal de ação longa uma vez (ou duas vezes) ao
dia, junto a uma insulina em bolo prandial de ação curta antes das refeições. As “bombas”
de insulina (dispositivo para infusão subcutânea contínua de insulina) são pequenos
aparelhos programáveis que liberam doses de insulina basal e em bolo por cânulas
subcutâneas de demora e possibilitam a flexibilidade de minuto a minuto nos esquemas de
dose, evitando a necessidade de múltiplas injeções.

O tratamento do DM Tipo 2 é multifacetado. Em primeiro lugar, os pacientes obesos devem


empenhar-se em reduzir o peso corporal e aumentar a prática de exercícios físicos, a fim de
melhorar a sensibilidade à insulina. Alguns pacientes podem conseguir bom controle da
doença ao modificarem sua dieta e os hábitos de praticar exercício físico. Se a modificação
no estilo de vida for inadequada, o que habitualmente é o caso, pode-se recorrer a um ou
mais fármacos ativos por via oral, como os agentes orais que sensibilizam as células-alvo à
ação da insulina (por exemplo, metformina e tiazolidinedionas) ou que aumentam a
secreção de insulina pelas células β do pâncreas (por exemplo, sulfonilureias e outros
secretagogos da insulina). Os fármacos que controlam os níveis de glicemia, ao diminuírem
a velocidade de absorção dos açúcares pelo trato GI (por exemplo, acarbose), são usados
com menos frequência. Os pacientes com DM Tipo 2 que perderam grande quantidade de
função das células β ou cujo tratamento com agentes orais é difícil podem se beneficiar da
terapia com insulina exógena.
SEM MEDO DE ERRAR

A partir dos questionamentos de K.L.B. na visita domiciliar, você começou explicando que
ela precisava controlar a glicemia, a qual estava em torno de 250 mg/dL, e que, para isso, é
importante fazer uma dieta balanceada, reduzindo o consumo de farinha de trigo, açúcar de
mesa, refrigerantes e doces e fazendo mais uso de alimentos integrais, frutas, verduras,
pois, além dos medicamentos, é importante manter uma alimentação saudável, visto que o
valor de glicemia que ela relatou ter aferido está acima dos níveis recomendados. É
importante também fazer o controle da glicemia agora, pois isso evitará complicações a
longo prazo.

Quanto à indagação do porquê de ela fazer uso da insulina diariamente, você pode explicar
que a insulina é administrada, geralmente, por injeção subcutânea com agulha de calibre
fino, que cria um pequeno depósito de insulina no local de injeção. A terapia insulínica visa
mimetizar a reposição de insulina endógena através de uma insulina basal, e o paciente
utiliza o fármaco por via oral, como os agentes que sensibilizam as células-alvo à ação da
insulina. Os fármacos controlam os níveis de glicemia ao diminuírem a velocidade de
absorção dos açúcares pelo trato gastrointestinal.

A outra indagação era sobre a relação entre a insulina e o glucagon. A secreção dos
hormônios insulina e glucagon é controlada pelo nível de glicose sanguínea, em que o
glucagon eleva o nível sanguíneo da glicose que se encontra abaixo do normal, e a insulina,
por sua vez, ajuda a reduzir o nível de glicose sanguínea que se encontra muito elevado.

Para que ela consiga fazer o tratamento adequado, é preciso seguir a orientação médica
para a insulina basal e o hipoglicemiante oral e uma dieta equilibrada, visando à redução de
peso corporal.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

A GLICEMIA DE JEJUM

Você comprou um aparelho medidor de glicose na Black Friday e ele demorou um pouco
para chegar, por conta da greve que estava acontecendo na empresa de entregas, o que te
deixou muito ansioso. A chegada do aparelho coincidiu com o conteúdo que você estava
estudando na graduação a respeito do Diabetes Mellitus, então já se planejou para fazer o
exame no outro dia ao acordar.

No dia seguinte, depois de oito horas de jejum, o resultado da glicemia foi de 100 mg/dL.
Durante a semana, os resultados foram: 89 mg/dL; 110 mg/dL; 100 mg/dL; 99 mg/dL. E
agora, qual sua conduta diante desse cenário?

RESOLUÇÃO
Após os resultados obtidos durante a semana sobre a glicemia de jejum com o aparelho
medidor de glicose, você verificou a Diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes
(2017-2018) e encontrou o quadro a seguir, o mesmo quadro que você estudou na aula da
Universidade:

Analisando os resultados da glicemia de jejum e os valores do quadro, é possível identificar


que os seus resultados estão entre a faixa de normalidade e pré-diabetes, uma situação
preocupante. No entanto, será preciso investigar melhor seu estado de saúde geral para
estabelecer o diagnóstico e verificar qual a conduta que será estabelecida, mas é claro que
isso será realizado com o acompanhamento de um médico.

O EIXO HIPOTÁLAMO-HIPÓFISE E O CONTROLE DE LIBERAÇÃO HORMONAL

PRATICAR PARA APRENDER

Caro estudante, nesta seção, aprenderemos sobre o eixo hipotálamo-hipófise como


regulador de liberação hormonal. Veremos sobre os hormônios do crescimento e da
tireoide, assim como a respeito das doenças e farmacoterapias relacionadas a eles.

Os hormônios regulam muitas funções do organismo humano, por isso, você estudará sobre
o hormônio do crescimento. Os níveis circulantes deste hormônio aumentam durante a
infância, atingindo seu pico de síntese durante a puberdade e diminuindo sua síntese e
liberação com o envelhecimento. Além disso, ele estimula a lipólise, o transporte dos
aminoácidos nas células e a síntese de proteínas.

Uma outra classe de hormônios que conheceremos são os hormônios tireoidianos. A


tireoide secreta dois hormônios principais, tiroxina e triiodotironina, os quais, juntos, são
chamados de hormônios da tireoide. A secreção tireoidiana é controlada, principalmente,
pelo hormônio estimulante da tireoide (TSH).

Matilda está fazendo um trabalho de faculdade sobre os hormônios solicitado pelo


professor, e seu colega de sala, Enzo, está com muitas dificuldades de realizá-lo. Vendo
isso, ela o convidou para fazerem o trabalho juntos e marcou um encontro na biblioteca. No
horário marcado, Enzo estava lá, pois já tinha ficado com a nota abaixo da média na
primeira prova, então precisava estudar e entender o conteúdo, para entregar o trabalho e
ter um bom desempenho na prova da disciplina.

O assunto do trabalho era sobre a atuação do hormônio do crescimento, o GH, nos


órgãos-alvo. Enzo, que estava com muitas dúvidas, disparou várias perguntas para a
Matilda, tais como: o GH tem ação sobre os ossos? Em qual período da vida tem maior
síntese? Como o GH atua no tecido adiposo? E no músculo esquelético, também tem
atuação? É verdade que o GH atua no fígado? E no sistema imune?
Auxilie Matilda na explicação dessas questões ao Enzo.

CONCEITO-CHAVE

A hipófise é uma glândula pequena, com o tamanho aproximado de uma ervilha, que está
localizada na cela túrcica, cavidade óssea localizada na base do cérebro, e que se liga ao
hipotálamo pelo pedúnculo hipofisário. O eixo hipotálamo-hipófise pertence a dois sistemas:
o sistema endócrino e o sistema neuroendócrino. Fisiologicamente, a hipófise é dividida em
duas porções distintas: a hipófise anterior, conhecida como adeno-hipófise, e a hipófise
posterior, conhecida como neuro-hipófise (Figura 2.4). Uma terceira região da glândula
hipófise, chamada de parte intermédia, atrofia-se durante o desenvolvimento fetal humano e
deixa de existir como um lobo separado nos adultos.
A adeno-hipófise secreta hormônios que regulam uma ampla variedade de atividades
corporais, desde o crescimento até a reprodução. A liberação de hormônios da
adeno-hipófise é estimulada por hormônios liberadores e suprimida por hormônios
inibidores do hipotálamo. Sendo assim, os hormônios hipotalâmicos constituem uma ligação
importante entre os sistemas nervoso e endócrino. A adeno-hipófise é composta por tecido
epitelial e possui células endócrinas, que secretam sete hormônios, são eles:

• Somatotrofos secretam hormônio do crescimento (GH), também conhecido como


somatotrofina. O hormônio do crescimento, por sua vez, estimula vários tecidos a
secretarem fatores de crescimento insulino-símiles (IGF), hormônios que estimulam o
crescimento corporal geral e regulam aspectos do metabolismo.

• Tireotrofos secretam hormônio tireoestimulante (TSH), também conhecido como


tireotrofina. O TSH controla as secreções e outras atividades da glândula tireoide.

• Gonadotrofos secretam duas gonadotrofinas: hormônio foliculoestimulante (FSH) e


hormônio luteinizante (LH). O FSH e o LH atuam nas gônadas; estimulam a secreção de
estrogênios e progesterona e a maturação de ovócitos nos ovários; estimulam a produção
de espermatozoides e a secreção de testosterona nos testículos.

• Lactotrofos secretam prolactina (PRL), que iniciam a produção de leite nas glândulas
mamárias.

• Corticotrofos secretam hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), também conhecido como


corticotrofina, que estimula o córtex da glândula suprarrenal a secretar glicocorticoides,
como cortisol. Alguns corticotrofos, remanescentes da parte intermédia, também secretam
hormônio melanócito-estimulante (MSH).

Em torno de 30% a 40% das células de hipófise são somatotrópicas, secretando hormônio
do crescimento, e cerca de 20% são corticotrópicas, secretando ACTH. Cada um dos outros
tipos celulares só corresponde a cerca de 3% a 5% do total; no entanto, eles secretam
hormônios potentes para o controle da função tireoidiana, das funções sexuais e da
secreção de leite pelas glândulas mamárias.

ASSIMILE

Conceitos-chave do hormônio do crescimento:

• O hormônio do crescimento (GH) é sintetizado e armazenado nos somatotrofos da


adeno-hipófise.
• A produção do GH é pulsátil, de ocorrência principalmente noturna e controlada,
sobretudo, pelo hormônio de liberação do hormônio do crescimento (GHRH), pela
somatostatina e pelo fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF-1).
• Os níveis circulantes do GH aumentam durante a infância, atingem seu pico durante a
puberdade e diminuem com o envelhecimento.
• O GH estimula a lipólise, o transporte dos aminoácidos nas células e a síntese de
proteínas.
• O GH estimula a produção de IGF-1, que pode ser liberado na circulação (ação
endócrina) ou atuar dentro do mesmo tecido (ação parácrina).
• O IGF-1 é responsável por muitas das atividades atribuídas ao GH.

A neuro-hipófise é composta por tecido neural e células de sustentação chamadas de


pituícito. Os pituícitos são células que não secretam hormônios; eles agem, simplesmente,
como estrutura de suporte para um grande número de fibras nervosas terminais e
terminações nervosas de tratos nervosos que se originam no hipotálamo. Embora não
sintetize hormônios, a neuro-hipófise armazena e libera dois hormônios, o hormônio
antidiurético (ADH), também chamado de vasopressina, e a ocitocina. Desta forma,
podemos dizer que a neuro-hipófise é mais um órgão de armazenamento do que uma
glândula.

O ADH diminui a produção de urina, fazendo com o que os rins devolvam mais água ao
sangue, diminuindo, desse modo, o volume urinário. Na ausência do ADH, o débito urinário
aumenta mais de 10 vezes, passando do normal – um ou dois litros – para cerca de 20 litros
por dia. Muitas vezes, a ingestão de álcool causa micção frequente e copiosa, porque ele
inibe a secreção de hormônio antidiurético. Esse hormônio também pode diminuir a perda
de água pela sudorese e causar constrição das arteríolas, o que eleva a pressão do
sangue. A ocitocina nas mulheres atua durante e depois do parto em dois tecidos-alvo: o
útero e as mamas. Durante o parto, o alongamento do colo do útero estimula a liberação de
ocitocina, que, por sua vez, intensifica a contração das células musculares lisas da parede
uterina; depois do parto, a ocitocina estimula a ejeção de leite (“descida”) das glândulas
mamárias em resposta ao estímulo mecânico produzido pela sucção do bebê. A função da
ocitocina em homens e mulheres não grávidas não é clara. O controle da secreção dos
hormônios da neuro-hipófise é realizada por sinais neurais, cuja origem é no hipotálamo e
terminam na região hipofisária posterior. Os reflexos neuroendócrinos controlam a secreção
de ADH e ocitocina pela hipófise posterior. Por exemplo, em mulheres que amamentam, o
estímulo mecânico do bebê sugando atua através de impulsos nervosos sensitivos ao
hipotálamo, para estimular a secreção reflexa de ocitocina.

Como os axônios não penetram na adeno-hipófise, o controle hipotalâmico é realizado pela


regulação hormonal (e não pela regulamentação neural), através dos hormônios liberadores
e inibidores que são produzidos pelos neurônios do hipotálamo e transportados para
terminações axônicas localizadas na porção basal do hipotálamo (Quadro 2.6).
A secreção dos hormônios da adeno-hipófise é regulada de duas maneiras. Na primeira,
células neurossecretoras no hipotálamo secretam cinco hormônios liberadores, que
estimulam a secreção de hormônios da adeno-hipófise, e dois hormônios inibidores, que
suprimem a secreção de hormônios da adeno-hipófise. Na segunda, o feedback negativo na
forma de hormônios liberados pelas glândulas-alvo diminui secreções de três tipos de
células da adeno-hipófise. Nessas alças de retroalimentação negativa, a atividade secretora
dos tireotrofos, gonadotrofos e corticotrofos diminui quando os níveis sanguíneos dos
hormônios das suas glândulas-alvo se elevam. Por exemplo, o ACTH estimula o córtex das
glândulas suprarrenais a secretar glicocorticoides, principalmente cortisol. Por sua vez, o
nível elevado de cortisol diminui a secreção tanto de corticotrofina quanto de hormônio
liberador de corticotrofina (CRH) pela supressão da atividade dos corticotrofos da
adeno-hipófise e das células neurossecretoras do hipotálamo.

REFLITA

Os hormônios da tireoide aumentam a taxa metabólica basal, fazendo com que o


metabolismo celular dos carboidratos, dos lipídios e das proteínas se torne mais intenso.
Desta forma, uma deficiência ou baixa produção desses hormônios tireoidianos ocasionarão
uma redução no metabolismo basal e, consequentemente, intervirão em todo o processo
metabólico do indivíduo, como no ganho de peso. Assim, manter um controle aquedado dos
hormônios tireoidianos (estado eutireoideo) é essencial durante o processo de perda e/ou
manutenção do peso.
HORMÔNIO DO CRESCIMENTO

Os somatotrofos são as células mais numerosas na adeno-hipófise, e o hormônio do


crescimento (GH), também chamado de hormônio somatotrópico ou somatotropina, é o
hormônio mais abundante da adeno-hipófise. O GH exerce seus efeitos diretamente sobre
todos ou quase todos os tecidos do organismo. Os receptores de GH são encontrados em
muitos tecidos biológicos e tipos celulares, como fígado, osso, rim, tecido adiposo, músculo,
olho, cérebro, coração e células do sistema imune. Ele provoca o crescimento de quase
todos os tecidos do corpo que são capazes de crescer. Promove não só o aumento de
tamanho das células do número de mitoses mas também a sua multiplicação e
diferenciação específica de alguns tipos celulares, tais como as células de crescimento
ósseo e as células musculares iniciais. Além do seu efeito geral de promover o crescimento
em diferentes células, o GH possui diversos efeitos metabólicos, como: aumento da síntese
de proteínas na maioria das células do corpo; aumento da mobilização dos ácidos graxos
do tecido adiposo; aumento do nível de ácidos graxos no sangue; aumento da utilização dos
ácidos graxos como fonte de energia e redução da utilização da glicose pelo organismo.
Desta forma, podemos dizer que o GH aumenta a quantidade de proteína do corpo, utiliza
as reservas de gorduras e conserva os carboidratos.

Vários fatores podem interferir na secreção do GH (Quadro 2.7). Sabe-se que seu padrão
de secreção é pulsátil, aumentando e diminuindo. Na infância e/ou na adolescência, temos
uma maior concentração deste hormônio; após essa fase, a secreção do hormônio diminui
lentamente com o passar dos anos, atingindo, por fim, cerca de 25% do nível encontrado na
adolescência nas pessoas muito idosas. Em situações de jejum agudo, um quadro de
hipoglicemia é um potente estimulador do GH; por outro lado, em um quadro de
hipoglicemia crônica, a depleção de proteínas celulares é o principal estímulo para a
produção de GH, como é o caso de crianças portadoras de deficiência extrema de
proteínas, que, durante a situação de desnutrição proteica, chamada de Kwashiorkor,
apresentam níveis muito elevados de GH.
Os dois principais reguladores hipotalâmicos da liberação de GH pela adeno-hipófise são o
hormônio de liberação do hormônio do crescimento (GHRH) e a somatostatina, que
exercem influências excitatórias e inibitórias, respectivamente, sobre os somatotrofos. Além
de sua regulação pelo GHRH e pela somatostatina, o GH é regulado por outras
substâncias, como: as catecolaminas, a dopamina e os aminoácidos excitatórios, que
aumentam a liberação do GHRH e diminuem a da somatostatina, resultando em aumento
da liberação do GH. Hormônios, como o cortisol, o estrogênio, os androgênios e o hormônio
tireoidiano, também podem afetar a responsividade dos somatotrofos ao GHRH e à
somatostatina e, consequentemente, a liberação do GH.

EFEITOS DO HORMÔNIO DO CRESCIMENTO SOBRE OS ÓRGÃOS-ALVO

• Osso: o GH estimula o crescimento longitudinal, aumentando a formação de novo osso e


cartilagem. Os efeitos desse hormônio no crescimento começam de modo gradativo durante
o primeiro e o segundo anos de vida, alcançando seu máximo por ocasião da puberdade.

• Tecido adiposo: o GH estimula a liberação e a oxidação dos ácidos graxos livres,


particularmente durante o jejum.
• Músculo esquelético: o GH exerce ações anabólicas sobre o tecido muscular esquelético.
O hormônio estimula a captação de aminoácidos e sua incorporação em proteínas, a
proliferação celular e a supressão da degradação proteica.

• Fígado: o GH promove a gliconeogênese e reduz a captação de glicose, e o resultado


consiste na estimulação da produção hepática de glicose.

• Sistema imune: o GH afeta múltiplos aspectos da resposta imune, incluindo as respostas


das células B e a produção de anticorpos, a atividade das células natural killer, a atividade
dos macrófagos e a função dos linfócitos T.

• Sistema nervoso central: o GH exerce seus efeitos modulando o humor e o


comportamento.

• Metabolismo: de modo geral, o GH contrapõe-se à ação da insulina sobre o metabolismo


dos lipídeos e da glicose, diminuindo a utilização da glicose pelo músculo esquelético,
aumentando a lipólise e estimulando a produção hepática de glicose.

HORMÔNIOS DA TIREOIDE

A glândula tireoide, em formato de borboleta, está localizada logo abaixo da laringe. Ela
pesa de 10 a 25 g e consiste em um lobo direito e um lobo esquerdo conectados pelo istmo.
Essa glândula secreta dois hormônios principais: tiroxina, também chamada de
tetraiodotironina (T4), pois contém quatro átomos de iodo, e tri-iodotironina (T3), que
contém três átomos de iodo. T3 e T4 juntas são chamadas de hormônios da tireoide. A
secreção tireoidiana é controlada, principalmente, pelo hormônio estimulante da tireoide
(TSH), secretado pela hipófise anterior. A tireoide também secreta calcitonina (produzida
pelas células parafoliculares ou células C), que ajuda a regular a homeostasia do cálcio.

Os folículos tireoidianos acumulam ativamente o iodeto do sangue e o secretam para o


interior do coloide. Após o iodeto entrar no coloide, oxida-se em iodo e liga-se a
aminoácidos específicos (tirosina) da cadeia polipeptídica de uma proteína denominada
tireoglobulina. A ligação de um iodo à tirosina produz a monoiodotirosina (MIT), e a ligação
de dois iodos produz a diiodotirosina (DIT). No interior do coloide, enzimas modificam a
estrutura da MIT e da DIT para acoplá-las. Quando duas moléculas de DIT, adequadamente
modificadas, são acopladas, produz-se uma molécula de tetraiodotironina (T4) ou tiroxina. A
combinação de uma molécula de MIT com uma molécula de DIT forma a triiodotironina (T3).
Estimuladas pelo TSH, as células do folículo captam um pequeno volume de coloide por
pinocitose, hidrolisam a T3 e T4 da tireoglobulina e secretam os hormônios livres na
corrente sanguínea. A glândula tireoide libera mais quantidades de T4 do que de T3, de
modo que as concentrações plasmáticas de T4 são 40 vezes maiores que as de T3.

Uma vez liberados na circulação, os hormônios da tireoide circulam, em sua maior parte,
ligados à proteína, predominantemente (70%) à globulina ligadora da tireoide. As outras
proteínas envolvidas na ligação dos hormônios tireoidianos são a transtiretina, que liga 10%
da T4, e a albumina, que liga 15% da T4 e 25% da T3. Uma pequena fração de cada
hormônio (0,03% de T4 e 0,3% de T3) circula em sua forma livre. Essa fração do
reservatório de hormônio circulante é biodisponível, podendo penetrar na célula para
ligar-se ao receptor de hormônio tireoidiano. Dos dois hormônios da tireoide, a T4 liga-se
mais firmemente às proteínas de ligação do que a T3 e, portanto, apresenta menor taxa de
depuração metabólica e meia-vida mais longa (sete dias) do que a T3 (um dia). Os rins
excretam prontamente a T4 e a T3 livres. A ligação dos hormônios da tireoide às proteínas
plasmáticas assegura uma reserva circulante e retarda sua depuração.

A síntese e a liberação dos hormônios da tireoide são controladas pelo hormônio liberador
de tireotrofina (TRH) do hipotálamo e pelo hormônio tireoestimulante (TSH) da
adeno-hipófise. Esse controle ocorre da seguinte forma:

• Níveis reduzidos de T3 e T4 ou taxa metabólica baixa estimulam o hipotálamo a secretar


TRH.
• O TR entra nas veias porto-hipofisárias e flui para a adeno-hipófise, onde estimula os
tireotrofos a secretar TSH.
• O TSH estimula praticamente todos os aspectos da atividade celular dos folículos da
tireoide, inclusive captação de iodeto, síntese e secreção de hormônio e crescimento das
células foliculares.
• As células foliculares da tireoide liberam T3 e T4 no sangue até que a taxa metabólica
volte ao normal.
• O nível elevado de T3 inibe a liberação de TRH e TSH (inibição por feedback negativo).
Condições que aumentam a demanda de ATP, como ambiente frio, hipoglicemia, altitude
elevada e gravidez, também intensificam a secreção dos hormônios da tireoide.

EFEITOS DOS HORMÔNIOS DA TIREOIDE SOBRE OS ÓRGÃOS

• Osso: o hormônio tireoidiano é essencial para o crescimento e o desenvolvimento dos


ossos por meio da ativação de osteoclastos e osteoblastos. Na infância, sua deficiência
afeta o crescimento; nos adultos, a presença de níveis excessivos desse hormônio está
associada a um risco aumentado de osteoporose.

• Sistema cardiovascular: os hormônios da tireoide aumentam o débito cardíaco e o volume


sanguíneo, bem como diminuem a resistência vascular sistêmica.

• Tecido adiposo: os hormônios da tireoide induzem a diferenciação do tecido adiposo


branco, as enzimas lipogênicas e o acúmulo intracelular de lipídeos; estimulam a
proliferação dos adipócitos; estimulam as proteínas de desacoplamento e desacoplam a
fosforilação oxidativa. O hipertireoidismo aumenta a lipólise, enquanto o hipotireoidismo a
diminui por diferentes mecanismos. A indução da lipólise pelos hormônios tireoidianos,
mediada pelas catecolaminas, decorre do aumento no número de receptores
β-adrenérgicos e da diminuição da atividade da fosfodiesterase, resultando em aumento dos
níveis de AMPc e da atividade da lipase sensível ao hormônio

• Fígado: os hormônios da tireoide regulam o metabolismo dos triglicerídeos e do


colesterol, bem como a homeostasia das lipoproteínas.

• Hipófise: os hormônios da tireoide regulam a síntese dos hormônios hipofisários,


estimulam a produção do hormônio do crescimento e inibem o TSH.
• Cérebro: os hormônios tireoidianos controlam a expressão de genes envolvidos na
mielinização, na diferenciação celular, na migração e na sinalização.

• Função reprodutiva: a função normal da tireoide é necessária para a foliculogênese, a


sobrevida das células da granulosa, a espermatogênese, a fertilização, a função placentária
e a gestação.

DOENÇAS E FARMACOTERAPIAS RELACIONADAS AOS HORMÔNIOS DE


CRESCIMENTO E TIREOIDIANOS

O hormônio do crescimento (GH) é, inicialmente, expresso em altas concentrações durante


a puberdade, sendo secretado de maneira pulsátil. Os maiores picos ocorrem,
habitualmente, à noite, durante o sono. Os efeitos anabólicos do GH são mediados,
particularmente, pelo fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF-1), um hormônio
liberado na circulação pelos hepatócitos em resposta à estimulação pelo GH. A
incapacidade de secretar o GH ou aumentar a secreção de IGF-1 durante a puberdade
resulta em retardo do crescimento. A deficiência de GH ocorre mais comumente devido à
deficiência do hormônio de liberação do hormônio do crescimento (GHRH) ou de
insuficiência hipofisária (Pan-hipopituitarismo). Em casos de baixa estatura, devido à
ausência de secreção de IGF-1 em resposta ao GH (nanismo de Laron, por exemplo), não
há resposta ao tratamento com GH, neste caso, o FCI-1 recombinante, conhecido pelo
nome genérico de mecasermina, constitui um tratamento efetivo para estes pacientes.

Em pacientes que possuem uma liberação hipotalâmica deficiente de GHRH, mas têm
somatotrofos da adeno-hipófise normalmente funcionantes, a administração de GHRH
exógeno resulta em liberação aumentada de GH. Os agentes exógenos alternativos
atualmente usados para estimular a liberação de GH incluem glucagon, arginina, clonidina e
insulina.

A maioria dos casos de retardo do crescimento dependente de GH é tratada pela reposição


de hormônio do crescimento humano recombinante (sintetizado pela bactéria Escherichia
coli, como resultado da aplicação bem-sucedida da tecnologia do DNA recombinante),
designado pelo nome genérico de somatropina. Os esquemas típicos de dosagem
envolvem injeção diária administrada por via subcutânea à noite; embora a meia-vida
circulante do GH seja de apenas 20 minutos, sua meia-vida biológica situa-se na faixa de
9-17 h, sendo, portanto, suficiente sua aplicação uma vez ao dia. As formulações atuais são
apresentadas em seringas contendo a solução do produto pronta para aplicação, o que
pode ser conveniente para o paciente, visto que o GH não exige refrigeração.

Geralmente, o excesso de GH resulta de um adenoma somatotrófico ou de síndromes mais


raras, que incluem a produção ectópica de GH ou GHRH. O gigantismo ocorre quando o
GH é secretado em níveis anormalmente altos antes do fechamento das epífises, uma vez
que o aumento dos níveis de IGF-1 promove crescimento longitudinal excessivo dos ossos.
Após o fechamento das epífises, os níveis anormalmente altos de GH provocam
acromegalia, uma doença caracterizada pelo crescimento exagerado de partes do corpo,
como mãos, pés e nariz, mas ela pode gerar complicações, como diabetes, hipertensão e
insuficiência cardíaca. Essa condição ocorre porque o IGF-1, embora não possa mais
estimular o crescimento dos ossos longos, ainda pode promover o crescimento de órgãos
profundos e tecido cartilaginoso.

As opções disponíveis de tratamento para o adenoma somatotrófico consistem em


ressecção cirúrgica, tratamento clínico e radioterapia. A ressecção cirúrgica transesfenoidal
do adenoma constitui o padrão atual de tratamento. As opções clínicas incluem agonistas
dos receptores de somatostatina (também conhecidos como ligantes de receptores de
somatostatina [LRS] ou análogos de somatostatina), análogos de dopamina e antagonistas
de receptores de GH. Os ligantes de receptores de somatostatina (LRS) constituem a base
do tratamento clínico. A somatostatina inibe fisiologicamente a secreção de hormônio do
crescimento, motivo pelo qual constitui um tratamento lógico para os adenomas
somatotróficos.

O indivíduo cuja função da tireoide está normal se encontra no chamado estado eutireóideo.
O estado clínico resultante da alteração da função tireoidiana é classificado em
hipotireoidismo (baixa função da tireoide) ou hipertireoidismo (função excessiva da tireoide).
A exemplo da maioria das anormalidades endócrinas, a alteração da função tireoidiana
pode ser genética ou adquirida, e sua duração pode ser transitória ou permanente. As
doenças autoimunes desempenham um importante papel na doença tireoidiana. As
respostas imunes anormais dirigidas às proteínas relacionadas com a tireoide resultam em
dois processos patogênicos opostos: aumento da glândula tireoide (hiperplasia) na doença
de Graves e destruição da tireoide na tireoidite de Hashimoto.

O hipotireoidismo é uma doença em que ocorre uma diminuição ou ausência da secreção


do hormônio tireoidiano, podendo ser causada por tireoidite, bócio coloide endêmico, bócio
coloide idiopático, destruição da tireoide por radiação ou remoção cirúrgica da glândula. A
incidência do hipotireoidismo é de 2% nas mulheres adultas, sendo menos comum nos
homens. Independentemente da etiologia do hipotireoidismo, os sinais e sintomas são os
mesmos, como: sonolência extrema e fadiga; extrema lentidão muscular; redução da
frequência cardíaca, do débito cardíaco e do volume sanguíneo; ocasionalmente, aumento
de peso; constipação; lentidão mental; insuficiência de muitas funções tróficas do
organismo, evidenciada por redução do crescimento do cabelo e descamação da pele e
desenvolvimento de rouquidão.

Por outro lado, o hipertireoidismo refere-se a um estado de atividade funcional excessiva da


glândula tireoide, caracterizado por aumento do metabolismo basal e distúrbios do sistema
nervoso autônomo em consequência da produção excessiva dos hormônios tireoidianos. A
incidência é maior nas mulheres (2%) do que nos homens (0,02%). Várias situações podem
levar ao hipertireoidismo, entretanto a causa mais comum em adultos é o bócio tóxico difuso
ou doença de Graves. A doença de Graves é autoimune e leva à secreção autônoma
excessiva de hormônio tireoidiano devido à estimulação dos receptores de TSH pela
imunoglobulina G. O hipertireoidismo é caracterizado por um aumento na taxa metabólica
basal, acompanhado por perda de peso, nervosismo, irritabilidade, fraqueza muscular e
intolerância ao calor. Pode ocorrer também um aumento importante do débito cardíaco, da
pressão arterial e exoftalmia (protusão dos olhos). Os agentes farmacológicos para o
tratamento do hipertireoidismo têm como alvo cada etapa da síntese do hormônio
tireoidiano, desde a captação inicial de iodeto até a organificação, o acoplamento e a
conversão periférica de T4 em T3. Clinicamente, dispõe-se de iodeto radioativo e tioaminas
para o tratamento de hipertireoidismo. Algumas vezes, são também utilizados antagonistas
β-adrenérgicos para melhorar alguns dos sintomas da doença.

O hormônio tireoidiano constitui terapia bem estabelecida e segura para o tratamento a


longo prazo de hipotireoidismo. A terapia do hipotireoidismo tem por objetivo repor a falta de
hormônio tireoidiano endógeno com administração regular de hormônio tireoidiano exógeno
(T4 e T3). A levotiroxina, L-isômero de T4, constitui o tratamento de escolha para o
hipotireoidismo, uma vez que a maior parte do hormônio tireoidiano no organismo
encontra-se na forma de T4, embora T4 tenha atividade mais baixa que T3 e seja
eventualmente metabolizada a T3; além disso, a meia-vida de T4 é de seis dias, em
comparação com a meia-vida de um dia de T3. A meia-vida prolongada de T4 possibilita ao
paciente tomar apenas uma pílula ao dia para reposição de hormônio tireoidiano. A eficácia
da reposição de hormônio tireoidiano é monitorada por dosagens dos níveis plasmáticos de
TSH e hormônio tireoidiano (geralmente, a cada seis meses ou um ano).
SEM MEDO DE ERRAR

Matilda e Enzo estão na biblioteca fazendo um trabalho sobre o hormônio do crescimento e


a atuação nos órgãos-alvo. Ele estava com tantas dúvidas que até se excedeu no tom de
voz ao conversar com a moça, e eles ouviram um “xiu!” de uma pessoa que estava próxima
a eles. Então, com toda paciência, Matilda começou a explicar para o colega de sala sobre
a atuação do GH nos ossos, que foi o primeiro questionamento dele. O GH estimula o
crescimento longitudinal, aumentando a formação de novo osso e nova cartilagem. Os
efeitos desse hormônio no crescimento começam de modo gradativo durante o primeiro e o
segundo anos de vida, alcançando seu máximo por ocasião da puberdade, sendo este o
maior período de síntese.
O outro questionamento era sobre a atuação do GH no tecido adiposo. O GH estimula a
liberação e a oxidação dos ácidos graxos livres, particularmente durante o jejum.

Para o músculo esquelético, o GH exerce ações anabólicas sobre o tecido muscular


esquelético. O hormônio estimula a captação de aminoácidos e sua incorporação em
proteínas, a proliferação celular e a supressão da degradação proteica.

No fígado, o GH promove a gliconeogênese e reduz a captação de glicose, e o resultado


final consiste na estimulação da produção hepática de glicose.
No sistema imune, o GH afeta múltiplos aspectos da resposta imune, incluindo as respostas
das células B e a produção de anticorpos, a atividade das células natural killer, a atividade
dos macrófagos e a função dos linfócitos T.

Agora, Enzo se sente mais capaz de terminar seu trabalho e realizar a prova da disciplina.a

AVANÇANDO NA PRÁTICA

SERÁ QUE É ESTRESSE?

Paola tem 48 anos e trabalha com telemarketing, por isso, passa muitas horas do seu dia
sentada. Ultimamente, o servidor que atende a empresa em que ela trabalha tem
apresentado diversas instabilidades, e isso tem atrapalhado sua rotina de atendimento. Ela
também está passando por uma separação litigiosa, o que a está deixando preocupada.
Paola tem reclamado para sua mãe que está se sentindo muito cansada, com muito sono.
Além disso, falou para sua colega de trabalho que não fez nenhuma modificação em sua
dieta e sentiu que ganhou peso, pois teve que afrouxar o cinto do uniforme que ela usa
diariamente.

Voltando do trabalho, Paola passou em frente à Unidade Básica de Saúde do seu bairro e
aproveitou para marcar uma consulta com o médico clínico geral, por conta de seu cansaço.
Na consulta, o profissional solicitou exames e disse que, quando ela tivesse os resultados,
deveria marcar o retorno.

RESOLUÇÃO
Paola fez todos os exames solicitados pelo médico. No retorno, após analisá-los, o
profissional diagnosticou hipotiroidismo. O hipotireoidismo é uma doença em que ocorre
uma diminuição ou ausência da secreção do hormônio tireoidiano. Os sinais e sintomas
são: sonolência extrema e fadiga; extrema lentidão muscular; redução da frequência
cardíaca, do débito cardíaco e do volume sanguíneo; ocasionalmente, aumento de peso;
constipação; lentidão mental; insuficiência de muitas funções tróficas do organismo,
evidenciada por redução do crescimento do cabelo e descamação da pele e
desenvolvimento de rouquidão.

Paola apresenta alguns desses sinais e sintomas; por outro lado, ela está em uma fase da
vida um pouco conturbada, por isso, foi importante não negligenciar os sinais e sintomas e
procurar um médico. Agora, ela fará o tratamento farmacoterápico prescrito pelo médico.
UNIDADE 3

OCITOCINA, VASOPRESSINA E PROLACTINA; A LIBERAÇÃO DE MELATONINA E A


PARATIREOIDE

CONVITE AO ESTUDO

Prezado aluno, seja bem-vindo à segunda unidade de estudos da disciplina de Ciências


Morfofuncionais dos Sistemas Digestório, Endócrino e Renal.

Até o momento, você estudou os principais aspectos anatomofuncionais do sistema


digestório e de parte do sistema endócrino. Nesta terceira unidade, você, caro aluno, dará
continuidade ao estudo do sistema endócrino, mais especificamente, conhecerá os
principais aspectos anatômicos de glândulas, como a neuro-hipófise, pineal, paratireoides,
adrenais e gônadas. Além disso, conhecerá como cada uma dessas glândulas funciona,
quais hormônios liberam e quais seus efeitos fisiológicos. Assim, por meio dos conteúdos
abordados nesta unidade e da resolução de situações muito próximas de sua realidade
profissional, você compreenderá como esses conceitos fundamentais podem implicar
diretamente a sua formação como um futuro profissional da área da saúde.

O conhecimento dos conteúdos desta unidade de ensino te levará a aplicar os conceitos


gerais sobre o sistema endócrino no seu dia a dia profissional. Dessa forma, ao término
desta unidade, você terá raciocínio crítico e estará apto a resolver diversas situações que
serão vivenciadas diariamente no exercício da sua profissão.

PRATICAR PARA APRENDER

Nesta seção, você continuará a conhecer o sistema endócrino, que atua por meio da
produção e liberação pelas glândulas endócrinas de mediadores químicos chamados
hormônios, auxiliando o sistema nervoso na manutenção da homeostasia corporal. Assim,
você verá que as diferentes glândulas do sistema endócrino apresentam várias
características morfológicas, anatômicas e funcionais, que implicam diretamente a
regulação da atividade celular do nosso organismo e a manutenção da homeostasia.
Conseguirá reconhecer todas essas características, tornando possível a compreensão e a
aplicação desses conhecimentos no seu dia a dia profissional. Dessa forma, a partir dos
conceitos abordados na seção, você será capaz de identificar as características estruturais
do sistema endócrino, relacionando-as com suas funções, como também entender de que
forma essas características podem influenciar e contribuir para o bom funcionamento do
nosso organismo, sempre fazendo a relação desses conceitos com o seu contexto
profissional.

Para auxiliar no desenvolvimento das competências mencionadas, a partir de agora,


acompanharemos a rotina de um aluno de graduação na área da saúde, que iniciou seu
estágio junto à equipe do Programa de Atenção Integral à Saúde de sua universidade. O
programa, realizado em parceria com a prefeitura, tem como objetivo desenvolver, junto à
comunidade, ações de diagnóstico, prevenção, tratamento e reabilitação de doenças, bem
como acompanhamento psicossocial. Para tal, ele conta com uma equipe multidisciplinar,
formada por nutricionistas, médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, farmacêuticos
e biomédicos. Durante esse estágio, o aluno presenciará diferentes situações que envolvem
conteúdos que serão trabalhados no livro. Assim, trabalharemos com as expectativas e
experiências vivenciadas por ele, que possibilitarão a aplicação do conteúdo estudado ao
contexto do dia a dia da sua futura profissão. Vamos iniciar essa jornada junto ao nosso
estagiário?

Na primeira etapa do estágio realizado pelo nosso aluno, ele está acompanhando as
discussões de casos clínicos de alguns idosos participantes do programa. Durante uma das
reuniões realizadas pela equipe do programa, foi discutido o caso clínico da paciente M.S.B,
61 anos, que vem sendo acompanhada há cerca de dois anos. A paciente procurou o
ambulatório da universidade queixando-se de dores ósseas generalizadas, lombalgia,
astenia e palpitações. Apresentava história pregressa de fratura do quadril e osso da mão.
Os exames laboratoriais revelaram hipercalcemia, hipofosfatemia, aumento do paratormônio
intacto, aumento de fosfatase alcalina óssea e osteocalcina, além do aumento da excreção
urinária de cálcio. A densitometria óssea indicou a presença de osteoporose avançada na
coluna lombar e colo do fêmur esquerdo. A ultrassonografia do pescoço revelou a presença
de uma massa abaixo do lobo esquerdo da tireoide. Foi realizada a remoção cirúrgica dessa
massa e, por meio de exame anatomopatológico, foi observado um quadro histológico
compatível com adenoma da paratireoide. Frente a todos esses achados, a paciente
acabou sendo diagnosticada com hiperparatireoidismo primário. Ainda durante a discussão
desse caso clínico, o supervisor do programa aproveitou para instigar o estagiário a
relembrar alguns conceitos importantes a respeito das características anatômicas e
funcionais das glândulas paratireoides. Ele fez os seguintes questionamentos: você saberia
explicar qual é a relação entre os sintomas apresentados pela paciente e as glândulas
paratireoides? Qual é a importância dessas glândulas para o funcionamento do nosso
organismo?

Você, no lugar do estagiário, como responderia a todos esses questionamentos?

CONCEITO-CHAVE

O sistema endócrino compreende diferentes glândulas, que atuam por meio de hormônios
secretados no meio interno para regular diversas funções celulares e orgânicas, atuando
junto ao sistema nervoso na manutenção da homeostasia. Fazendo parte desse sistema,
encontramos a hipófise, subdividida em adeno-hipófise e neuro-hipófise, assim como a
glândula pineal, as glândulas paratireoides, entre outras.

A neuro-hipófise é responsável pela liberação de dois neuropeptídeos: a ocitocina e a


vasopressina.

OCITOCINA

É um hormônio peptídico sintetizado pelos neurônios magnocelulares presentes nos


núcleos supraópticos (NOS) e paraventriculares (NPV) do hipotálamo. Esse hormônio, após
ser sintetizado, é transportado pelo axônio desses neurônios através do trato
hipotálamo-hipofisário até a neuro-hipófise, local no qual fica armazenado até que seja
liberado na circulação periférica em resposta a um potencial de ação.
Figura 3.1 | Relação anatômica e funcional entre hipotálamo e neuro-hipófise: liberação de
ocitocina (OT) e vasopressina (ADH)

A ocitocina é responsável por produzir contrações rítmicas da musculatura lisa do útero


grávido, auxiliando na indução do trabalho de parto e na regressão do útero no pós-parto.
Outra ação da ocitocina está relacionada à contração das células mioepiteliais nas
glândulas mamárias, promovendo a ejeção do leite.

A liberação de ocitocina é induzida, principalmente, pela estimulação mecânica do colo do


útero realizada pelo feto no final da gestação e pela ativação de receptores táteis, presentes
nos mamilos, pela sucção mamilar realizada pelo bebê.

VASOPRESSINA

A vasopressina, também conhecida como hormônio antidiurético (ADH), é produzida pelos


neurônios magnocelulares dos NPV do hipotálamo e liberada pela neuro-hipófise (Figura
3.1). O principal efeito fisiológico da vasopressina é aumentar a reabsorção de água nos
túbulos contorcidos distais e nos ductos coletores medulares dos rins. Além disso, também
apresenta efeito vasoconstritor e, dessa forma, atua aumentando a resistência vascular
periférica. A liberação de vasopressina é estimulada pelo aumento da osmolaridade
plasmática e pela redução do volume sanguíneo ou da pressão arterial.

ASSIMILE

O aumento da reabsorção de água nos rins, promovida pelo ADH, ocorre por meio da
inserção de canais de água, denominados aquaporinas, na membrana luminal das células
dos ductos coletores. Os canais de água regulados pelo ADH são denominados
aquaporinas 2. Esses canais encontram-se dentro de vesículas dispersas pelo citoplasma
das células dos ductos coletores mais profundos. Por ação do ADH, essas vesículas se
fundem com a membrana luminal, resultando na inserção das aquaporinas nessa
membrana. Como são canais para passagem de água, o aumento do número de
aquaporinas na membrana luminal favorece a passagem de água, por difusão simples, do
lúmen dos ductos coletores para o interstício medular, determinando a concentração da
urina.

PROLACTINA

É um hormônio polipeptídico sintetizado e secretado pelos lactotrófos da adeno-hipófise.


Suas ações fisiológicas incluem promover o crescimento e o amadurecimento das glândulas
mamárias, a síntese de leite (lactogênese) e a manutenção da secreção de leite durante a
lactação. Também são atribuídas à prolactina ações que envolvem a modulação do
comportamento reprodutivo e parental, bem como a inibição da liberação de hormônio
liberador de gonadotrofinas (GnRH), a estimulação da síntese de progesterona e a
hipertrofia das células lúteas durante a gestação.

A liberação de prolactina é regulada, principalmente, pela dopamina, produzida pelos


neurônios dopaminérgicos do hipotálamo, que atua inibindo tonicamente a sua liberação. A
somatostatina e o ácido
y-aminobutírico (GABA) também exercem papel inibitório sobre a secreção desse hormônio.
Além disso, a liberação de prolactina também pode ser influenciada tanto por estímulos
ambientais quanto do meio interno, como o aumento das concentrações plasmáticas de
hormônios esteroides ovarianos, principalmente estrogênio, e o reflexo de sucção. O
aumento das concentrações plasmáticas de estrogênio promove o crescimento dos
lactotrófos e da expressão do gene para a prolactina, estimulando a liberação desse
hormônio. O reflexo da sucção também estimula a liberação de prolactina, diminuindo a
liberação de dopamina e, consequentemente, a inibição tônica exercida sobre os
lactotrófos.

GLÂNDULA PINEAL

É uma glândula endócrina, localizada no diencéfalo, mais precisamente no epitálamo,


responsável pela produção e secreção de melatonina, um hormônio amínico derivado da
serotonina.

A síntese e a secreção de melatonina são influenciadas pelo ciclo de iluminação do


ambiente, ou seja, pelos períodos de claro e escuro que caracterizam o dia e a noite, sendo
inibidas pela presença de luz e estimuladas por sua ausência. Como consequência do ritmo
claro/escuro, a produção e a secreção desse hormônio também apresentam um padrão
rítmico, sendo maior à noite (período escuro) e menor durante o dia (período claro). Além
disso, a duração do período de escuro também influencia diretamente a secreção desse
hormônio, variando conforme a ocorrência de noites mais longas ou mais curtas, de acordo
com as diferentes estações do ano.

A produção diária ou circadiana de melatonina depende da ativação de vias neurais que


começam na retina e se projetam, por meio da via retino-hipotalâmica, para o núcleo
supraquiasmático, localizado no hipotálamo. Este envia conexões para o núcleo
paraventricular do hipotálamo, o qual, por sua vez, se projeta direta e indiretamente para
neurônios simpáticos pré-ganglionares, cujos corpos celulares encontram-se na coluna
intermediolateral da medula espinal torácica e, desse local, se projetam para gânglios
cervicais superiores, fazendo sinapse com neurônios simpáticos pós-ganglionares. Por fim,
os axônios dos neurônios simpáticos pós-ganglionares se projetam para a glândula pineal,
modulando a atividade dos pinealócitos, células responsáveis pela síntese e liberação de
melatonina.

Figura 3.2 | Vias neurais envolvidas no controle da produção de melatonina

A melatonina, por seu caráter rítmico de secreção, parece atuar como um mediador entre os
eventos ambientais cíclicos e as atividades fisiológicas do organismo, que são cruciais para
a sobrevivência do indivíduo. Assim, são atribuídas à melatonina ações, como regulação
endócrina, metabólica e reprodutiva, bem como regulação do ciclo sono-vigília, sistema
imunológico, entre outras. Por seus efeitos fisiológicos, a melatonina vem sendo utilizada no
tratamento de alguns tipos de distúrbios do sono, como na insônia por atraso das fases do
sono, para indução do sono em casos de latência prolongada para o sono, assim como para
regularizar o sono de trabalhadores noturnos que necessitam dormir durante o dia, ou para
corrigir distúrbios causados pelo “jet lag”. Também tem sido empregada como tratamento
coadjuvante em doenças neurológicas degenerativas que acarretam distúrbios do sono e
dos ritmos biológicos circadianos, por promover a regularização do ciclo sono-vigília, e no
tratamento de distúrbios depressivos, de doenças metabólicas, de certos tipos de
enxaqueca e como coadjuvante antitumoral e/ou antimetastático.

GLÂNDULAS PARATIREOIDES

São quatro glândulas localizadas na face posterior da glândula tireoide, geralmente, duas
em cada lobo. Nas paratireoides, as células principais são responsáveis pela produção do
paratormônio (PTH), um hormônio envolvido na remodelação óssea, na regulação das
concentrações de cálcio e fosfato no sangue e, ainda, na ativação da vitamina D.
REFLITA

No corpo humano, o cálcio é o mineral mais abundante, sendo o quinto elemento mais
encontrado. Ele desempenha funções consideradas fundamentais para o nosso organismo
e, dessa forma, contribui para a nossa sobrevivência. Você saberia indicar quais são as
funções do cálcio no nosso corpo? Como esse conhecimento implica a sua atuação como
futuro profissional da área da saúde?

A liberação do PTH é regulada por alterações das concentrações de Ca2+ no plasma,


sendo inibida quando essas concentrações estão altas e estimulada quando se encontram
baixas. Essas alterações são detectadas por receptores sensíveis ao cálcio presentes nas
membranas das células principais. Assim, uma redução nas concentrações plasmáticas de
Ca2+ resulta em aumento da liberação de PTH pelas células principais, enquanto o
aumento das concentrações de Ca2+ levam a uma redução da liberação desse hormônio. A
liberação do PTH também pode ser modulada por mudanças nas concentrações
plasmáticas de fosfato e de magnésio, sendo estimulada por um aumento nos níveis
circulantes de fosfato e inibida pela diminuição das concentrações plasmáticas de
magnésio.

O PTH atua diretamente sobre os ossos e rins e indiretamente sobre o trato gastrointestinal,
promovendo aumento das concentrações de Ca2+ no sangue. Esse aumento se deve a
ações do hormônio, que resultam em mobilização de Ca2+ nos ossos (aumenta a
reabsorção óssea pelos osteoclastos), aumento da reabsorção de Ca2+ pelos rins e, por
influência do calcitriol, aumento da absorção desse íon pelo trato gastrointestinal. Ainda,
nos rins, o PTH diminui a reabsorção de fosfato, aumentando sua excreção urinária.

CALCITRIOL

O calcitriol, também conhecido como 1,25-di-hidroxicolecal-ciferol ou vitamina D3, é


formado a partir da vitamina D obtida na dieta ou que foi sintetizada na pele, por ação da luz
solar, a partir de precursores do colesterol. A vitamina D precisa ser modificada,
primeiramente, no fígado e, depois, nos rins, para que o calcitriol seja formado. Nos rins, a
formação do calcitriol é regulada pelo PTH. Dessa forma, quando as concentrações
plasmáticas de Ca2+ diminuem, essa redução estimula a secreção de PTH pelas
paratireoides, o que, por sua vez, estimula a síntese de calcitriol, forma ativa da vitamina D.
O calcitriol sintetizado é liberado na circulação sanguínea, podendo exercer suas funções
biológicas, como aumentar a absorção de Ca2+ no intestino delgado, além de facilitar a
reabsorção renal desse íon e sua mobilização para fora do osso.

EXEMPLIFICANDO

A deficiência de vitamina D pode acarretar várias alterações ou doenças, como o raquitismo


e a osteomalácia. Ambos são doenças metabólicas que se caracterizam pela deficiência na
mineralização da matriz óssea. O raquitismo afeta o esqueleto na fase de crescimento,
portanto reduz a mineralização da matriz da placa epifisária, enquanto a osteomalácia
ocorre no adulto, após o fechamento dessas placas. Assim, o que se observa no raquitismo
é a presença de deformidades ósseas, fraqueza e deficiência de crescimento. Já na
osteomalácia, os defeitos ósseos podem não ser tão evidentes, embora a diminuição da
massa óssea esteja presente. Essas doenças podem ser causadas por deficiências
nutricionais, distúrbios metabólicos ou defeitos renais e intestinais. Porém,
independentemente da origem, essas doenças são ocasionadas por um suprimento
inadequado de cálcio e fosfato, necessários para que ocorra a mineralização dos ossos do
esqueleto. E qual seria a participação da vitamina D ativa na ocorrência dessas doenças?
Com a redução de vitamina D ativa, há uma diminuição da absorção intestinal e da
mobilização óssea de cálcio, resultando em hipocalcemia. Esta estimula a síntese e
liberação de PTH, o qual estimula a mobilização de cálcio do esqueleto, normalizando as
concentrações plasmáticas desse íon. Além disso, o PTH promove redução na reabsorção
de cálcio, podendo levar a um quadro de hipofosfatemia, que diminui a mineralização
óssea. Como a prevalência de hipovitaminose D vem crescendo mundialmente,
principalmente na população idosa, como resultado de uma ingestão diminuída da vitamina
D na dieta ou mesmo por falta de luz solar, já que esta é necessária para a conversão do
precursor inativo na pele à vitamina D ativa, torna-se fundamental que o profissional da área
da saúde conheça amplamente o sistema endócrino, suas glândulas e suas funções, uma
vez que poderá se deparar com indivíduos que apresentem patologias associadas a esse
sistema no exercício de sua profissão.

Agora, que você conheceu as principais características estruturais e funcionais de algumas


das glândulas do sistema endócrino, você é capaz de compreender a importância do
conhecimento desse tema para uma atuação profissional adequada e segura, visando ao
bem-estar e à promoção da saúde.

SEM MEDO DE ERRAR

Agora que você conheceu e aprendeu a respeito das principais características anatômicas e
funcionais das glândulas paratireoides, retomaremos a nossa situação-problema. A partir de
agora, consideraremos que você seja um estagiário da área da saúde na universidade de
sua cidade e, nesta etapa do seu estágio, você acompanhará a equipe multidisciplinar
responsável por um Programa de Atenção Integral à Saúde na sua instituição. Neste
primeiro momento, você está acompanhando a análise e discussão de diferentes casos
clínicos de pacientes idosos participantes do programa.

Durante uma das reuniões, foi discutido o caso de uma paciente que apresentava os
seguintes achados clínicos: dores ósseas generalizadas, lombalgia, astenia, palpitações,
história pregressa de fratura do quadril e osso da mão, hipercalcemia, hipofosfatemia,
aumento do paratormônio intacto, da fosfatase alcalina óssea e osteocalcina, aumento da
excreção urinária de cálcio e osteoporose avançada na coluna lombar e colo do fêmur
esquerdo. Foi observada a presença de uma massa abaixo do lobo esquerdo da tireoide,
que foi excisada cirurgicamente e enviada para análise histopatológica, sendo compatível
com adenoma de paratireoide. Assim, diante de todos os achados, a paciente acabou
sendo diagnosticada com hiperparatireoidismo primário.

Aproveitando o quadro clínico apresentado, o supervisor do estágio questionou: você


saberia explicar qual é a relação entre os sintomas apresentados pela paciente e as
glândulas paratireoides? Qual é a importância dessas glândulas para o funcionamento do
nosso organismo?
Agora, você já é capaz de responder ao seu supervisor.

Primeiramente, devemos lembrar que as paratireoides apresentam um papel importante na


manutenção da homeostasia do cálcio, além de atuar na remodelação óssea, na regulação
das concentrações plasmáticas de fosfato e na ativação da vitamina D. Assim, alterações
na atividade dessas glândulas podem acarretar o aparecimento de patologias, como o
hiperparatireoidismo primário. Este é uma doença metabólica causada pela hiperfunção de
uma ou mais glândulas paratireoides, acometendo mais frequentemente mulheres na
primeira década após a menopausa. Sua principal causa é o adenoma da paratireoide, um
tipo de tumor que leva à hiperfunção de uma ou mais das glândulas paratireoides e,
consequentemente, resulta em aumento da liberação do paratormônio (PTH).

O PTH promove o aumento das concentrações de Ca2+ no sangue, por aumentar a


mobilização de Ca2+ dos ossos e a reabsorção de Ca2+ pelos rins e pelo trato
gastrointestinal (via ativação da vitamina D). Além disso, diminui a reabsorção de fosfato,
aumentando sua excreção urinária. Assim, um excesso de PTH secretado pelas
paratireoides, como apresentado pela paciente, leva a um quadro de hipercalcemia e
hipofosfatemia. Outro efeito ocasionado pelo aumento de PTH é o aumento da reabsorção
óssea, que pode levar a quadros de osteoporose. Esse aumento da reabsorção óssea pode
ser evidenciado por densitometria óssea, assim como pela dosagem de proteínas ósseas,
como a fosfatase alcalina óssea e osteocalcina (marcadores de reabsorção óssea), no
sangue. No caso de hiperfunção das paratireoides, essas proteínas estarão aumentadas no
sangue. Ainda, no hiperparatireoidismo primário, o aumento das concentrações plasmáticas
de Ca2+ leva ao aumento da carga filtrada desse íon pelos rins e, consequentemente, de
sua excreção pela urina. Isso ocorre porque, embora o aumento de PTH resulte em
aumento na reabsorção de Ca2+ pelos rins, o aumento de carga filtrada de Ca2+ nesse
local acaba excedendo sua capacidade de reabsorção, levando a quadros de hipercalciúria
e urolitíase. O aumento das concentrações plasmáticas de cálcio também pode acarretar
astenia e arritmias, visto que o cálcio, dentre suas várias funções no corpo humano,
apresenta papel importante na excitabilidade celular (músculos, neurônios e células
secretoras) e no mecanismo de contração muscular.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

REFLEXO DA SUCÇÃO MAMILAR

Nesta semana, como parte das atividades práticas de um curso da área da saúde, um
grupo de alunos acompanhará a rotina do Banco de Leite Humano de sua universidade.
Assim, durante esse período, ele poderá participar de atividades, como atendimento às
mães, execução das coletas do leite materno, além do processamento, da estocagem e do
controle de qualidade do leite humano ordenhado. No primeiro dia de atividades no Banco
de Leite, uma das alunas do grupo acompanhou o caso de Maria, que teve o seu bebê há
duas semanas e não estava conseguindo produzir leite suficiente para garantir a
amamentação do recém-nascido. Como ela apresentava fissuras nos mamilos, que doíam
muito, resolveu procurar seu médico, que a orientou a procurar o Banco de Leite, para que
pudesse ser instruída e acompanhada na realização correta da amamentação. Ao ser
atendida, Maria foi instruída sobre a importância da amamentação e como deveria ser
realizada a pega adequada da mama pelo bebê. A enfermeira que a acompanhava
comentou que sua produção insuficiente de leite, provavelmente, estaria relacionada com a
realização de uma pega inadequada da mama pelo bebê e pela diminuição da frequência
de mamada devido às dores nos mamilos lesionados no momento da amamentação. Assim,
para que ela tivesse sucesso na amamentação, o bebê deveria ser colocado com maior
frequência para mamar e da forma correta. Quando o acompanhamento de Maria terminou,
a enfermeira perguntou à aluna se ela saberia explicar qual seria a relação da realização da
sucção mamilar adequada e a produção do leite. Por que a frequência das mamadas
auxiliaria no aumento da produção do leite? Suponha que você seja essa aluna. Como você
responderia a esses questionamentos?

RESOLUÇÃO
Você já viu vários conceitos importantes a respeito do sistema endócrino, então sabe que a
amamentação depende da produção do leite (lactogênese) pelas células dos alvéolos
mamários e por sua ejeção, permitindo que o leite seja disponibilizado para o neonato. O
hormônio responsável pela lactogênese é a prolactina, cuja secreção é estimulada pela
sucção mamilar. Além de induzir a secreção de prolactina, garantindo a lactogênese, a
sucção mamilar também apresenta efeito estimulatório sobre a secreção de ocitocina,
hormônio responsável pela ejeção do leite.

A sucção dos mamilos ativa mecanorreceptores locais, originando sinais sensoriais, que
trafegam pelos nervos torácicos e entram no sistema nervoso central pela raiz dorsal da
medula espinal. Desse local, os sinais ascendem pela coluna anterolateral até o tronco
encefálico e, depois, para o hipotálamo, inibindo os neurônios dopaminérgicos do núcleo
arqueado e, consequentemente, a diminuição da secreção de dopamina. Como a dopamina
é o principal fator inibitório sobre a secreção de prolactina, a redução na liberação de
dopamina acarreta aumento na secreção de prolactina, induzindo o aumento da produção
do leite. No hipotálamo, os sinais sensoriais gerados pela sucção mamilar também
estimulam os neurônios magnocelulares dos núcleos supraóptico e paraventricular a
produzirem e secretarem a ocitocina, que atua promovendo a contração das células
mioepiteliais, presentes ao redor dos alvéolos mamários, levando à ejeção do leite. Embora
a sucção mamilar seja o principal estimulador para a liberação de ocitocina e consequente
ejeção do leite, a liberação de ocitocina também pode ser influenciada por fatores
emocionais maternos, como pensar no bebê (aumenta a liberação), ou por momentos de
ansiedade ou estresse (diminui a liberação), diferente do que se observa para a secreção
de prolactina, que necessita do estímulo mecânico da sucção. Assim, para garantir o
sucesso da amamentação, são necessárias a sucção do complexo mamilo-areolar realizada
de forma correta, por meio da pega adequada, e a manutenção da frequência das
mamadas.

HORMÔNIOS DERIVADOS DA GLÂNDULA ADRENAL


PRATICAR PARA APRENDER

Nesta seção, você, aluno, continuará a conhecer o sistema endócrino, o qual, junto ao
sistema nervoso, trabalha para regular e coordenar o funcionamento de praticamente todas
as estruturas do nosso corpo e, dessa forma, auxiliar na manutenção da homeostase
corporal. Você conhecerá as principais características morfológicas, anatômicas e
funcionais das glândulas adrenais. Assim, será capaz de compreender como essas
características podem influenciar e contribuir para o bom funcionamento do nosso
organismo e a importância desses conceitos no seu contexto profissional.

Para auxiliar no desenvolvimento das competências mencionadas, a partir de agora,


continuaremos a acompanhar a rotina de um aluno de graduação na área da saúde, que
realiza estágio junto à equipe do Programa de Atenção Integral à Saúde de sua
universidade. O programa é realizado em parceria com a prefeitura e conta com uma equipe
multidisciplinar para o desenvolvimento de suas ações junto à comunidade.

Nessa etapa do estágio realizado pelo nosso aluno, ele continua acompanhando as
discussões de casos clínicos de alguns indivíduos participantes do programa. Nesse
momento, a equipe está discutindo o caso clínico da paciente S.T.R., 34 anos, atendida no
ambulatório da universidade. No primeiro atendimento, a paciente queixou-se de
“escurecimento da pele”, que havia se iniciado há cerca de dois anos. Além disso, há seis
meses, aproximadamente, ela vem apresentando náuseas, fadiga, mialgia, perda de peso e
episódios de hipotensão postural. A paciente apresentava-se lúcida e em bom estado geral,
apesar da perda de peso. Os exames laboratoriais mostraram níveis baixos de cortisol
sérico e ACTH muito elevado. Não havia histórico de tuberculose, trauma, cirurgias e outras
comorbidades. Adicionalmente, a paciente negou tabagismo, etilismo, uso de drogas ou de
qualquer medicação. Frente aos dados clínicos apresentados e resultados dos exames
laboratoriais, ela foi diagnosticada com Doença de Addison.

Como rotina das discussões entre a equipe multidisciplinar e seus estagiários, o caso clínico
apresentado foi utilizado para que estes fossem instigados a relembrar conceitos
anatômicos e funcionais importantes sobre as glândulas adrenais e, desse modo,
relacioná-los à sua realidade profissional. Para tal, o supervisor da equipe levantou os
seguintes questionamentos ao nosso aluno de graduação, um dos estagiários da equipe:
você saberia explicar qual é a relação entre os sintomas apresentados pela paciente e as
glândulas adrenais? Qual é a importância dessas glândulas para o funcionamento do nosso
organismo?

Você, no lugar do estagiário, como responderia a todos esses questionamentos?

CONCEITO-CHAVE

As glândulas adrenais, também chamadas de suprarrenais, estão localizadas no espaço


retroperitoneal logo acima dos rins, sendo uma de cada lado. Essas glândulas são formadas
por duas regiões distintas: o córtex e a medula. O córtex é a porção externa da adrenal,
correspondendo à maior parte dessa glândula, com origem a partir do mesoderma, e
responsável pela produção de hormônios esteroides (mineralocorticoides, glicocorticoides e
androgênios). Já a medula, porção mais interna da glândula, cuja origem deriva de células
neuroectodérmicas dos gânglios simpáticos, é responsável pela produção de catecolaminas
(norepinefrina e epinefrina).

CÓRTEX ADRENAL

O córtex pode ser subdividido em três zonas com características morfofuncionais distintas:
Zona glomerulosa: região mais externa, correspondendo a 15% do córtex, responsável pela
produção de mineralocorticoides, como a aldosterona.

Zona fasciculada: região intermediária, correspondendo a cerca de 85% do córtex,


responsável pela produção de glicocorticoides (cortisol).

Zona reticular: região mais interna do córtex, responsável pela produção de esteroides
sexuais, principalmente androgênios.

Figura 3.3 | Representação esquemática da histologia da glândula adrenal, evidenciando as


diferentes regiões e os hormônios secretados

SÍNTESE DOS HORMÔNIOS DO CÓRTEX ADRENAL

Os hormônios esteroides produzidos pelo córtex adrenal são sintetizados a partir do


colesterol, principalmente oriundo das lipoproteínas circulantes. Cada zona do córtex
apresenta diferentes enzimas específicas, que promovem a hidroxilação dos esteroides,
determinando o perfil dos produtos (hormônios) que serão secretados por cada uma das
regiões. Dessa forma, o colesterol é metabolizado por diferentes enzimas específicas
presentes em cada uma das zonas, chamadas enzimas esteroidogênicas, resultando na
formação de cortisol, aldosterona ou androgênios.

A síntese dos hormônios esteroides (esteroidogênese) se inicia com a conversão do


colesterol em pregnenolona. Nessa primeira etapa, que é limitante para todos os esteroides
e ocorre na mitocôndria, é necessário que ocorra, primeiramente, a liberação do colesterol,
por ação da enzima colesterol esterase; depois, a transferência dessa molécula da
membrana externa para a membrana interna mitocondrial, por ação da proteína reguladora
aguda da esteroidogênese (StAR); em seguida, a remoção da cadeia lateral da molécula de
colesterol pela enzima 20,22-desmolase, também conhecida como P450scc, resultando na
pregnenolona.

Na síntese da aldosterona, que ocorre nas células da zona glomerulosa, a pregnenolona,


inicialmente, se desloca para o citosol das células, onde é convertida em progesterona, por
ação enzimática da 3β-hidroxiesteroide desidrogenase (3β-HSD) e de uma isomerase. Na
próxima etapa da síntese de aldosterona, a progesterona sofre uma hidroxilação no carbono
21, reação catalisada pela enzima 21α-hidroxilase, resultando na formação da
11-desoxicorticosterona (DOCA), um mineralocorticoide potente, porém secretado em
pequenas quantidades. A maior parte da DOCA formada sofre hidroxilação na mitocôndria,
pela enzima 11β-hidroxilase, produzindo corticosterona, que é convertida em aldosterona
sob ação da enzima aldosterona sintase.

A síntese de cortisol segue as primeiras etapas descritas para a aldosterona até a produção
de progesterona. A partir dessa etapa, ocorre uma nova hidroxilação na molécula pela ação
da enzima 17α-hidroxilase. Essa etapa pode acontecer antes ou após a conversão da
pregnenolona em progesterona. Caso aconteça antes, a molécula formada será a
17α-hidroxipregnenolona; se ocorrer depois, o produto será a 17α-hidroxiprogesterona. A
17α-hidroxipregnenolona formada pode ser convertida em 17α-hidroxiprogesterona, em
uma sequência de reações que envolvem a enzima 3β-HSD e uma isomerase, constituindo
as mesmas enzimas que convertem a pregnenolona em progesterona. A
17α-hidroxiprogesterona é convertida no retículo endoplasmático liso em 11-desoxicortisol
pela enzima 21α-hidroxilase. E, finalmente, por ação da 11β-hidroxilase, o 11-desoxicortisol
é convertido em cortisol.

A síntese de androgênios ocorre na zona reticular das glândulas adrenais a partir da


conversão da 17α-hidroxipregnenolona e 17α-hidroxiprogesterona nos androgênios
desidroepiandrosterona (DHEA) e androstenediona, respectivamente. Nessa etapa, as
reações são catalisadas pela 17,20-desmolase. Como no ser humano a conversão da
17α-hidroxiprogesterona em androstenediona é muito pequena, a síntese desse androgênio
depende da conversão de DHEA por ação da 3β-HSD e da isomerase. A maior parte de
DHEA sintetizada é sulfatada, formando o sulfato de desidroepiandrosterona (DHEA-S), por
ação da DHEA sulfotransferase. A androstenediona, que é um androgênio pouco potente,
assim como o DHEA, é convertida em testosterona pela enzima 17-cetoesteroide redutase.
É importante lembrar que a adrenal acaba sendo responsável por uma pequena quantidade
de testosterona produzida, uma vez que a maior parte de DHEA é sulfatada e que a síntese
de androstenediona é dependente da conversão de DHEA. Desse modo, no homem e em
condições fisiológicas, a principal fonte de testosterona é testicular, com uma pequena
contribuição das adrenais. Já na mulher, bem diferente do observado no homem, a
secreção de androgênios pelas adrenais corresponde a mais de 50% das concentrações de
androgênios circulantes. Contudo, é importante lembrar que as concentrações plasmáticas
de androgênios na mulher são bem menores que as observadas em homens.

REGULAÇÃO DA SECREÇÃO DOS HORMÔNIOS DO CÓRTEX ADRENAL

A regulação da secreção de cortisol é realizada pelo eixo hipotálamo-hipofisário. Os


corticotrofos presentes na adeno-hipófise são responsáveis pela secreção de hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH) ou corticotrofina, cuja síntese e liberação são dependentes do
hormônio liberador de corticotrofina (CRH), um neuropeptídeo secretado por neurônios
hipotalâmicos. O ACTH secretado em resposta ao CRH é transportado pela corrente
sanguínea até as adrenais, onde estimula as células da zona fasciculada a produzirem e
secretarem o cortisol. Por outro lado, o cortisol circulante, por um mecanismo de
retroalimentação negativa, inibe a liberação de ACTH pelos corticotrofos na adeno-hipófise
e de CRH pelos neurônios hipotalâmicos envolvidos. O ACTH exerce seus efeitos
estimulatórios sobre o córtex adrenal de diferentes formas:

Estimulando a atividade da 20,22-desmolase, enzima responsável pela remoção da cadeia


lateral do colesterol, permitindo que haja a conversão à pregnenolona.
Mediando o transporte do colesterol da membrana externa para a membrana interna da
mitocôndria, por aumentar a atividade da StAR.

Estimulando a captação de colesterol para a esteroidogênese.

A síntese e a secreção da aldosterona são reguladas pela angiotensina II, um componente


do sistema renina-angiotensina, e pelo potássio e ACTH. A angiotensina II atua nas
adrenais, aumentando a conversão de colesterol em pregnenolona, uma vez que estimula a
atividade da 20,22-desmolase, e estimulando a aldosterona sintase e, consequentemente, a
conversão de corticosterona em aldosterona. O potássio também estimula a produção de
pregnenolona e a conversão da corticosterona em aldosterona. E a regulação da síntese e
secreção de androgênios é dependente, principalmente, da ação do ACTH.

FUNÇÕES DOS HORMÔNIOS DO CÓRTEX ADRENAL

Os glicocorticoides exercem efeitos sobre o metabolismo intermediário, como: proteólise,


principalmente nas fibras musculares; aumento da gliconeogênese e diminuição da
captação de glicose; diminuição da sensibilidade à insulina; aumento da lipólise e
lipogênese. Além desses efeitos, os glicocorticoides também atuam promovendo resistência
ao estresse, ações anti-inflamatórias, depressão das respostas imunológicas, manutenção
do volume dos fluidos corporais, remodelamento ósseo e, durante o desenvolvimento fetal,
atuam no desenvolvimento normal de diferentes órgãos e tecidos corporais.

REFLITA

No corpo humano, o cortisol apresenta vários efeitos fisiológicos importantes que auxiliam
na manutenção da homeostasia e, dessa forma, garante a nossa sobrevivência. Você sabia
que alguns distúrbios psiquiátricos podem estar associados a alterações nos níveis de
cortisol? E que podem estar relacionadas tanto com o excesso como com a deficiência
desse hormônio esteroide? Como esse conhecimento implica a sua atuação como futuro
profissional da área da saúde?

Os mineralocorticoides exercem seus efeitos biológicos promovendo, nos túbulos renais, o


aumento da reabsorção de sódio e água, da excreção de potássio e secreção de íons
hidrogênio. Dessa forma, a aldosterona atua na regulação do balanço de sódio e potássio e
do volume do fluido extracelular. Os androgênios produzidos pelas adrenais são
responsáveis pela estimulação do crescimento de pelos axilares e pubianos em meninos e
meninas antes da ativação da esteroidogênese gonadal. Em mulheres adultas, os
androgênios adrenais são importantes para o desenvolvimento da libido, além de serem
convertidos em estrogênios em outros tecidos corporais. Em mulheres na menopausa, a
conversão de androgênios em estrogênios nos tecidos periféricos torna-se uma fonte
importante de atividade estrogênica. Em homens adultos, os androgênios exercem efeitos
fisiológicos mínimos, quando comparados aos efeitos dos androgênios secretados pelos
testículos.

ASSIMILE
Alteração na produção dos diferentes hormônios pelas glândulas adrenais pode resultar na
perda da homeostase corporal e no consequente aparecimento de patologias. Dentre as
principais patologias associadas às glândulas adrenais, temos:

Síndrome de Cushing: refere-se às manifestações ocasionadas pelo aumento excessivo na


síntese de glicocorticoides, podendo ser subdividida em três tipos principais:

Independente de ACTH, geralmente ocasionada por uma neoplasia na adrenal, levando à


secreção excessiva de cortisol, mesmo na presença da supressão do ACTH devido ao
mecanismo de retroalimentação negativa.

Dependente de ACTH, ou seja, há produção excessiva de ACTH ocasionada por um tumor


nos corticotrofos da adeno-hipófise, nesse caso, é denominada Doença de Cushing.

Dependente de ACTH, porém ocasionada por uma neoplasia não hipofisária, mas que
secreta ACTH.

Existe, ainda, a Síndrome de Cushing iatrogênica, resultado de terapia farmacológica a


longo prazo com glicocorticoides. Na Síndrome de Cushing, a secreção aumentada de
cortisol leva ao ganho de peso, com distribuição centrípeta de gordura e formação de uma
“corcova de búfalo”. Além disso, há deposição de gordura nas bochechas, caracterizando a
“face lunar”, perda de massa óssea, atrofia e fraqueza muscular, ocasionadas pela ação
proteolítica do cortisol, assim como intolerância à glicose, hiperglicemia e resistência à
insulina. Também pode ocorrer hipertensão.

Doença de Addison: ocasionada pela redução na síntese de glicocorticoides, como


resultado da destruição das camadas corticais da glândula adrenal, gerada por diferentes
causas, como processo autoimune e agentes infecciosos.

Síndrome de Conn: caracterizada pela produção excessiva de aldosterona desencadeada


por um tumor na adrenal. Os sintomas mais comuns são hipertensão e hipocalemia.

EXEMPLIFICANDO

A osteoporose é uma doença óssea metabólica, caracterizada pela perda progressiva de


massa óssea, que resulta em alterações na arquitetura óssea, com aumento de porosidade
e, consequentemente, de susceptibilidade a fraturas. A osteoporose pode ser induzida por
glicocorticoides e, nesse caso, é chamada de osteoporose secundária. Esse tipo de
patologia acomete mais de 50% dos indivíduos que fazem uso de corticosteroides sintéticos
por um período maior que um ano e, diante da quantidade de pessoas que fazem uso
desses fármacos a longo prazo, essa patologia torna-se importante, sendo considerada um
grave problema de saúde pública mundial. De fato, os glicocorticoides em excesso inibem
as funções dos osteoblastos, levando à diminuição da matriz óssea e do colágeno. Além
disso, os glicocorticoides inibem a absorção de cálcio intestinal e aumentam a excreção
desse íon pelos rins, resultando em diminuição das concentrações plasmáticas de cálcio.
Diante desse quadro, a secreção de paratormônio (PTH) é aumentada na tentativa de
restaurar a calcemia. Como um dos efeitos do PTH é induzir a remoção de cálcio dos
ossos, temos a perda da massa óssea como consequência. Assim, frente a uma
prevalência relevante dessa patologia, é importante que o profissional da área da saúde
conheça as características anatômicas das glândulas adrenais, bem como suas funções,
uma vez que poderá se deparar com indivíduos que apresentem patologias associadas a
alterações no funcionamento dessas glândulas durante o exercício de sua profissão.

MEDULA ADRENAL

A medula adrenal, porção mais interna da glândula, representa cerca de 15% desta, sendo
formada por células cromafins, responsáveis pela produção e secreção de catecolaminas
(epinefrina e norepinefrina). A principal catecolamina produzida é a epinefrina (adrenalina),
constituindo, aproximadamente, 80% do produto de secreção dessa porção da adrenal. Em
condições basais, a quantidade de norepinefrina secretada pela suprarrenal é pequena,
sendo a maior parte dessa catecolamina oriunda das fibras simpáticas pós-ganglionares
que inervam os tecidos.

As catecolaminas são derivadas da tirosina obtida na dieta ou formada a partir da


fenilalanina e transportada para dentro das células cromafins. A tirosina é inicialmente
convertida em di-hidroxifenilalanina (DOPA) por ação da enzima tirosina hidroxilase. Em
seguida, a DOPA é transformada em dopamina pela enzima dopa-descarboxilase. A
dopamina, sob a ação da dopamina β-descarboxilase, é hidroxilada a norepinefrina. E esta,
no citosol celular, transforma-se em epinefrina, por ação da enzima
feniletanolamina-N-metiltransferase (PNMT). As catecolaminas, após serem sintetizadas,
permanecem armazenadas em grânulos nas células cromafins.

A síntese de catecolaminas adrenais é estimulada pelas terminações simpáticas de


neurônios pré-ganglionares, cujos corpos celulares se encontram na medula espinal. A
acetilcolina liberada por esses neurônios atua sobre receptores nicotínicos presentes nas
células cromafins, estimulando a atividade das enzimas tirosina hidroxilase e dopamina
β-descarboxilase, bem como a migração dos grânulos secretórios repletos de
catecolaminas em direção à periferia e exocitose do conteúdo presentes nos grânulos. A
síntese de epinefrina também pode ser estimulada pelo ACTH e pelo cortisol. O ACTH
promove aumento da atividade das enzimas tirosina hidroxilase e dopamina
β-descarboxilase e consequente aumento da síntese de DOPA e norepinefrina. O cortisol,
por sua vez, estimula a PNMT, aumentando a conversão de norepinefrina em epinefrina.

Os efeitos fisiológicos das catecolaminas envolvem ações sobre o metabolismo


intermediário, sistema cardiovascular e musculatura lisa visceral. A tabela a seguir
apresenta as principais ações das catecolaminas nas estruturas corporais.
RESPOSTA ENDÓCRINA AO ESTRESSE: PARTICIPAÇÃO DOS HORMÔNIOS DA
ADRENAL

Os seres humanos apresentam mecanismos para o enfrentamento de condições


consideradas adversas ou ameaças ao organismo, ocasionadas por agentes denominados
estressores (traumas, privação de sono, alterações de temperatura do ambiente, como
exposição prolongada ao frio, infecções, dor, exercícios físicos intensos e prolongados,
medo, entre outros). Frente a essas situações, o corpo precisa se adaptar para permitir a
sobrevivência do indivíduo, bem como sua perpetuação. A resposta adaptativa do
organismo envolve diferentes sistemas funcionais, mas, mais especificamente, os sistemas
nervoso, endócrino e imune, que atuam gerando uma resposta integrada de enfrentamento
ao agente estressor. Essa resposta é variável e depende do tipo de estímulo estressor, sua
intensidade, sua duração e, inclusive, das expectativas psicoemocionais do indivíduo.
Assim, quando um desafio é imposto a um indivíduo, seja físico ou social, ou ainda uma
junção desses dois, os sistemas regulatórios de resposta ao estresse são ativados na
tentativa de regular a homeostase corporal. Geralmente, esses mecanismos de resposta
passam a regular a homeostase em níveis mais elevados de demanda, desencadeada por
agentes estressores, estabelecendo uma nova condição de ajuste, para permitir melhor
adaptação do organismo ao meio. Quando esse ajuste ultrapassa os limites de adaptação
do organismo, passa a se tornar prejudicial à homeostase e resulta em doenças.

O estresse pode ser classificado como agudo ou crônico, dependendo da sua intensidade e
duração. O estresse agudo é intenso e curto, usualmente conhecido como resposta de “luta
ou fuga”, na qual o evento de desafio ou ameaça imediata dura minutos ou horas, sendo
seguida de uma resposta de relaxamento. Já o estresse crônico é contínuo, durando dias,
semanas ou meses, porém um pouco menos intenso.

A resposta do organismo ao estresse envolve a ativação do eixo


hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) e do sistema nervoso autônomo (SNA) simpático. A
ativação do eixo HPA se inicia com a aferência neural a partir do agente estressor ao
hipotálamo, induzindo a secreção de CRH. Este é transportado pelo sistema porta
hipotalâmico-hipofisário até a adeno-hipófise, estimulando a secreção de ACTH pelos
corticotrofos. O ACTH cai na corrente sanguínea, chegando ao córtex da adrenal, onde
estimula a secreção de cortisol. Durante o estresse, o cortisol exerce efeitos importantes
sobre o metabolismo intermediário, aumentando as concentrações plasmáticas de glicose,
aminoácidos, ácidos graxos livres e glicerol, mobilizando, dessa forma, fontes energéticas
para preparar o organismo no enfrentamento de uma situação desafiadora. O cortisol
também aumenta a reatividade vascular, ou seja, a capacidade de contração do músculo
liso dos vasos sanguíneos em resposta à norepinefrina, o que melhora o desempenho
cardiovascular. Além disso, o cortisol minimiza as respostas imunes do organismo, um
efeito protetivo contra possíveis danos causados por um processo inflamatório intenso.
Assim, ele atua em situações de estresse mantendo funções essenciais para a
sobrevivência do indivíduo e inibindo temporariamente funções consideradas não
essenciais, como crescimento e reprodução. A curto prazo, essas alterações não trazem
grandes danos ao organismo.

Já a ativação do SNA simpático leva à secreção de acetilcolina pelos neurônios


pré-ganglionares, que estimula a medula adrenal a secretar catecolaminas, norepinefrina e
epinefrina. Os efeitos fisiológicos das catecolaminas envolvem ações sobre o metabolismo
intermediário, o sistema cardiovascular e a musculatura lisa visceral, principalmente a ação
adrenérgica generalizada, que atua na preparação do organismo, principalmente como
parte da reação de “luta e fuga”. Assim, são observados efeitos, como aumento da
frequência cardíaca, desvio do fluxo sanguíneo para os músculos esqueléticos, aumento da
glicemia (fonte rápida de glicose) e do metabolismo celular, além do aumento da ventilação
pulmonar. Todos esses efeitos visam melhorar o desempenho físico e mental do indivíduo
durante o estímulo estressor.

Embora esses dois sistemas sejam ativados pelo estresse, a ativação do SNA simpático
ocorre em segundos, permitindo uma resposta adaptativa mais rápida. A ativação do eixo
HPA gera uma resposta mais lenta ao estressor, uma vez que envolve a liberação de uma
sequência de hormônios até a secreção final de cortisol. Como mencionado anteriormente,
a curto prazo, os efeitos decorrentes da ativação do eixo HPA e do SNA simpático, como
resposta a um estresse, não trazem grandes consequências ao organismo. Porém,
exposições prolongadas a um estressor ou frequentemente repetitivas (estresse crônico)
podem levar a uma ativação sustentada desses sistemas, resultando no desenvolvimento
de doenças, uma vez que o organismo passa a não conseguir se adaptar frente ao novo
desafio. Podem ser observadas alterações importantes e prejudiciais no sistema imune,
fertilidade, sistema ósseo, sistema cardiovascular e metabolismo intermediário.

Agora, que conheceu as principais características estruturais e funcionais das glândulas


adrenais, você é capaz de compreender a importância do conhecimento desse tema para
uma atuação profissional adequada e segura, visando ao bem-estar e à promoção da
saúde.

SEM MEDO DE ERRAR

Agora que você conheceu e aprendeu a respeito das principais características anatômicas e
funcionais das glândulas adrenais, retomaremos a nossa situação-problema. A partir de
agora, consideraremos que você seja um estagiário da área da saúde na universidade de
sua cidade e, nesta etapa do seu estágio, você está acompanhando, junto à equipe
multidisciplinar, a discussão de casos clínicos de pacientes participantes do Programa de
Atenção Integral à Saúde na sua instituição.
Durante uma das reuniões, foi discutido o caso de uma paciente que apresentava os
seguintes achados clínicos: hiperpigmentação mucocutânea, náuseas, fadiga, mialgia,
perda de peso, episódios de hipotensão postural, níveis baixos de cortisol sérico e ACTH
muito elevado. Diante de todos os achados, a paciente acabou sendo diagnosticada com
Doença de Addison.

Aproveitando o quadro clínico apresentado, o supervisor da equipe aproveitou para realizar


os seguintes questionamentos a você, estagiário do programa: você saberia explicar qual é
a relação entre os sintomas apresentados pela paciente e as glândulas adrenais? Qual é a
importância dessas glândulas para o funcionamento do nosso organismo? Agora, você já é
capaz de responder ao seu supervisor.

Primeiramente, devemos lembrar que as glândulas adrenais podem ser divididas em duas
regiões distintas: córtex e medula. O córtex apresenta três regiões: zona glomerulosa, zona
fasciculada e zona reticular. A zona glomerulosa produz mineralocorticoides; a zona
fasciculada é responsável pela produção de glicocorticoides; a zona reticular sintetiza
androgênios. Os glicocorticoides produzidos no córtex adrenal exercem vários efeitos
biológicos no nosso organismo, visto que receptores específicos para eles são encontrados
em quase todos os tecidos corporais. Assim, alterações na produção de glicocorticoides
(cortisol) afetam a homeostase corporal e, consequentemente, podem acabar acarretando
doenças. Um dos distúrbios endócrinos relacionados às alterações no funcionamento das
glândulas adrenais é a Doença de Addison, ou insuficiência adrenocortical primária. Essa é
uma doença rara, caracterizada pela incapacidade das glândulas adrenais de produzirem
quantidades adequadas de glicocorticoides, como resultado de um defeito presente na
própria glândula devido à destruição das suas camadas corticais. A Doença de Addison
pode apresentar diferentes causas, como: hemorragias, neoplasias ou metástases,
infecções (como a tuberculose), medicamentos, entre outros. Os sintomas mais comuns
dessa patologia incluem hipotensão postural, hiponatremia, hiperpigmentação cutânea e
mucosa, astenia, perda de peso, fadiga, náuseas e vômitos. Na Doença de Addison,
observa-se a destruição das camadas corticais das adrenais, o que, geralmente, acarreta
uma deficiência de glicocorticoides e mineralocorticoides. Como o cortisol, por meio de
mecanismo de retroalimentação negativa, inibe a síntese e liberação de ACTH, na Doença
de Addison, a deficiência na produção de cortisol acaba resultando na produção e secreção
excessiva de ACTH. De fato, na situação-problema, a paciente apresenta níveis baixos de
cortisol sérico e ACTH muito elevado. Uma consequência da produção excessiva de ACTH
é a hiperpigmentação observada em mucosas e pele. O ACTH, quando em quantidades
excessivas, se liga ao receptor 1 da melanocortina (MC1R), localizado nos melanócitos da
pele e mucosas, estimulando a síntese e dispersão da melanina e, dessa forma,
ocasionando o escurecimento dessas estruturas. A diminuição de mineralocorticoides leva à
redução do volume extracelular, resultando em hipovolemia e, consequentemente, em
queda da pressão arterial. Ainda, com a diminuição da produção de cortisol, há uma
diminuição da resistência vascular periférica, devido à vasodilatação generalizada,
predispondo à ocorrência de hipotensão arterial. A deficiência de cortisol também acarreta
anemia, uma vez que o cortisol estimula a produção de eritropoietina, estimulando a
produção de glóbulos vermelhos. No Addison, pela diminuição do cortisol, temos a redução
da motilidade e secreção do trato gastrointestinal, a diminuição da absorção de vitamina
B12 e ferro e a diminuição do apetite, fatores predisponentes à perda de peso. O tratamento
dessa patologia envolve a administração oral diária de glicocorticoides e
mineralocorticoides.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

FEOCROMOCITOMA

Nessa semana, um grupo de estudantes da área da saúde acompanhará a rotina do


ambulatório do hospital de sua universidade. Uma das atividades a ser realizada durante
esse período será o acompanhamento de alguns casos clínicos de pacientes atendidos no
local. No primeiro dia de atividades, um dos alunos do grupo acompanhou o caso do
paciente S. W. T., 45 anos. O paciente chegou ao ambulatório apresentando crise
hipertensiva, taquicardia, palidez e cefaleia. Negou tabagismo e etilismo e não fazia uso de
medicamentos. O paciente possuía histórico de várias internações prévias por crise
hipertensiva, mas sem um diagnóstico conclusivo. Os exames laboratoriais mostraram
concentrações urinárias elevadas de catecolaminas e seus metabólitos. Na ressonância
magnética, foram encontradas lesões nodulares na topografia das glândulas adrenais direita
e esquerda. Devido às grandes proporções das massas nodulares, optou-se pela remoção
cirúrgica das adrenais. A análise anatomopatológica das glândulas removidas evidenciou a
presença de neoplasias compatíveis com feocromocitoma, diagnóstico que foi conclusivo
diante dos demais achados clínicos e laboratoriais.

Para incentivar as discussões a respeito do caso apresentado, o supervisor da equipe


sugeriu que os estagiários iniciassem relembrando alguns conceitos anatômicos e
funcionais das glândulas suprarrenais. Para tal, ele levantou os seguintes questionamentos
aos alunos de graduação: você saberia explicar o que é feocromocitoma? Qual seria a
relação entre os sintomas apresentados pelo paciente e as glândulas adrenais? Você, no
lugar desses alunos, como responderia a todos esses questionamentos?

RESOLUÇÃO
Você já viu vários conceitos importantes a respeito das glândulas adrenais e sabe que
essas glândulas são responsáveis pela produção de diferentes hormônios esteroides. A
porção cortical da glândula produz mineralocorticoides, glicocorticoides e androgênios,
enquanto a porção medular é responsável pela produção de catecolaminas. Ainda, você já
sabe que alterações no funcionamento dessas estruturas resultam em diferentes efeitos
fisiológicos, que podem ser deletérios ao organismo. Dentre as patologias associadas às
glândulas adrenais, temos os feocromocitomas. Estes são tumores que se originam nas
células cromafins e podem ou não estar restritos à porção medular da adrenal. Esses
tumores secretam grandes quantidades de catecolaminas, levando a vários efeitos
metabólicos, sendo a principal manifestação clínica a presença de hipertensão arterial.
Outros sintomas, como taquicardia, cefaleia, episódios de sudorese excessiva, ansiedade,
tremores e intolerância à glicose, também podem estar presentes. De fato, as
catecolaminas aumentam a frequência cardíaca (taquicardia), promovem vasoconstrição e
aumentam a resistência periférica total, determinando a elevação do débito cardíaco e o
aumento da pressão arterial. O diagnóstico do feocromocitoma é realizado por meio da
história clínica, evidenciando sinais de tônus adrenérgico aumentado, detecção laboratorial
de quantidades aumentadas de catecolaminas e seus metabólitos na urina, bem como uso
de exames de imagem para detecção da presença de massas tumorais. O tratamento
dessa patologia, geralmente, é cirúrgico, com remoção das glândulas adrenais, associada à
prescrição de glicocorticoides e mineralocorticoides sintéticos. Por não serem vitais ao
organismo, as catecolaminas não são repostas no tratamento, contudo a não reposição das
catecolaminas pode resultar, em alguns indivíduos, em uma resposta adaptativa a estímulos
estressores agudos menos eficaz.

HORMÔNIOS GONADOTRÓFICOS

PRATICAR PARA APRENDER

Nesta seção, você, aluno, continuará a conhecer o sistema endócrino, mais


especificamente os hormônios gonadotróficos ou gonadotrofinas. Conhecerá quais são
esses hormônios, como são produzidos e regulados, bem como quais são as suas funções
no nosso organismo. Assim, você será capaz de compreender como os hormônios
gonadotróficos podem influenciar e contribuir para o bom funcionamento do nosso
organismo e a importância desses conceitos no seu contexto profissional.

Para auxiliar no desenvolvimento das competências mencionadas, a partir de agora,


continuaremos a acompanhar o nosso aluno de graduação na área da saúde. Porém, nesse
momento, estaremos com ele em uma reunião de família realizada para comemorar o
aniversário de um de seus tios. Durante essa ocasião, nosso aluno aproveitou para
conversar com seu primo e colocar o assunto em dia. Seu primo comentou que havia ficado
bastante preocupado com o pai alguns meses atrás, pois ele andava muito deprimido e
incomodado com a sua “careca”, a qual, com o passar do tempo, estava aumentando cada
vez mais. Ele já tinha 45 anos e estava se sentindo velho, feio e descuidado com a perda
cada vez maior de cabelos. No trabalho, já era motivo de piadas e não o chamavam mais
pelo nome, somente por “Carecão”, e isso o deixava chateado. Por incentivo da família,
procurou atendimento médico especializado para tentar tratar o problema. Segundo o
médico, o diagnóstico era calvície de padrão masculino e, inicialmente, necessitaria de
tratamento com um inibidor da 5α-redutase, o que evitaria a queda dos cabelos do couro
cabeludo. Posteriormente, seriam indicados outros tratamentos estéticos para reverter a
calvície e melhorar a sua autoestima.

Muito curioso para entender o caso do pai, o primo do nosso estagiário fez os seguintes
questionamentos: você saberia explicar qual é a causa da perda de cabelo do couro
cabeludo? Acontece mais em homens? Por que foi utilizado um inibidor da 5α-redutase para
o tratamento? Você, no lugar do estagiário, como responderia a todos esses
questionamentos de seu primo?

CONCEITO-CHAVE

Os hormônios gonadotróficos, também chamados gonadotrofinas, são o hormônio folículo


estimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH). Esses hormônios glicoproteicos são
produzidos e liberados pelos gonadotrofos presentes na adeno-hipófise em resposta à ação
estimulatória realizada pelo hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH), que é secretado
de maneira pulsátil por neurônios hipotalâmicos. O LH e o FSH exercem seus efeitos
fisiológicos sobre as gônadas (testículos e ovários), estimulando a produção de esteroides
gonadais (testosterona em homens e estrogênio e progesterona em mulheres), a formação
dos gametas (via processos da espermatogênese e foliculogênese) e a ovulação. As
gonadotrofinas encontram-se praticamente ausentes no período pré-pubertal, porém,
durante a puberdade, ocorre a ativação dos gonadotrofos e, com isso, as concentrações
plasmáticas de gonadotrofinas começam a aumentar, levando à maturação das gônadas.

REFLITA

No corpo humano, as gonadotrofinas LH e FSH são responsáveis por vários efeitos


fisiológicos importantes, que garantem não somente o sucesso reprodutivo mas também o
funcionamento de diferentes sistemas. Você sabia que a remoção das gônadas em um
indivíduo adulto pode acarretar vários efeitos a curto e a longo prazo? E que esses efeitos
vão muito além da perda da fertilidade? Como esse conhecimento implica a sua atuação
como futuro profissional da área da saúde?

GÔNADA MASCULINA

Os testículos (gônadas masculinas) são órgãos pares, ovoides, situados no interior do


escroto. Externamente, eles são recobertos por duas camadas de tecidos: a mais externa,
chamada túnica vaginal, um saco seroso finto, e a mais interna e em contato direto com
cada testículo, chamada túnica albugínea. Esta é uma membrana fibrosa, que emite
projeções internas, as quais dividem o testículo em estruturas denominadas lóbulos do
testículo. Dentro de cada lóbulo do testículo, encontramos os túbulos seminíferos,
estruturas delicadas e enoveladas, envolvidas por tecido conjuntivo frouxo rico em vasos
sanguíneos e linfáticos, nervos e células intersticiais (células de Leydig). A parede de cada
túbulo seminífero é formada por diversas camadas de células chamadas de epitélio
germinativo, local onde encontramos as células germinativas masculinas em diferentes
estágios de desenvolvimento e as células de Sertoli. Portanto, nos túbulos seminíferos,
ocorre a produção dos gametas masculinos (espermatozoides) pelo processo da
espermatogênese. As células de Sertoli são responsáveis pelo suporte, pela proteção e
pelo suprimento nutricional dos espermatozoides em desenvolvimento, assim como a
produção de um hormônio denominado inibina. As células de Leydig, localizadas no tecido
intersticial, são responsáveis pela produção e secreção dos hormônios sexuais masculinos
(androgênios). Os túbulos seminíferos encontram-se dispostos em alças, cujas
extremidades são contínuas, com estruturas tubulares curtas denominadas túbulos retos.
Estes unem os túbulos seminíferos a uma rede de canais anastomosados denominada rede
do testículo ou testicular. Cerca de quinze a vinte ductos eferentes fazem a conexão entre a
rede do testículo e o epidídimo.
REGULAÇÃO DA FUNÇÃO GONADAL MASCULINA PELAS GONADOTROFINAS

A regulação da função testicular depende, principalmente, das gonadotrofinas. O FSH é o


principal hormônio envolvido no controle funcional das células de Sertoli. Essas células são
responsáveis pela formação de uma barreira hematotesticular (evita o movimento de
algumas substâncias químicas do sangue para o lúmen dos túbulos seminíferos), nutrição,
suporte das células germinativas, secreção de fluido tubular e de proteínas, como a proteína
ligadora de androgênios (ABP), cuja função é transportar o androgênio dos túbulos
seminíferos para a região proximal do epidídimo, onde esse hormônio estimula a produção
de proteínas necessárias para a maturação e o desenvolvimento dos gametas masculinos.
Como as células germinativas masculinas não apresentam receptores para FSH, a ação
desse hormônio na promoção da espermatogênese ocorre via estimulação das células de
Sertoli. Além disso, o FSH estimula a produção do hormônio inibina por essas células. A
inibina inibe a produção de FSH pelos gonadotrofos, mantendo as concentrações
plasmáticas desse hormônio dentro dos limites fisiológicos.

No testículo, o LH atua, principalmente, nas células de Leydig, estimulando a


esteroidogênese, levando à produção de testosterona (principal androgênio produzido). Vale
ressaltar que a testosterona é crucial para a ocorrência da espermatogênese, porém as
ações desse hormônio na espermatogênese ocorrem indiretamente via células de Sertoli,
uma vez que estas apresentam receptores para androgênios, enquanto as células
germinativas não.

A síntese de testosterona nas células de Leydig ocorre a partir do colesterol, que é


convertido em pregnenolona, e esta, por sua vez, é posteriormente metabolizada em
progesterona por ação da 3β-hidroxiesteroide desidrogenase (3β-HSD). A progesterona é
convertida em androstenediona pela enzima 17α-hidroxilase. E, posteriormente,
androstenediona é metabolizada em testosterona pela enzima 17β-hidroxiesteroide
desidrogenase (17β-HSD). Uma quantidade significativa de testosterona se difunde para os
túbulos seminíferos, devido à proximidade entre estes e as células de Sertoli, ligando-se às
proteínas ABP para suas ações no processo da espermatogênese. A testosterona pode
alcançar a circulação periférica e ser convertida perifericamente em 17β-estradiol
(principalmente no tecido adiposo) pela aromatase, ou ser convertida em
5α-di-hidrotestosterona (DHT), um potente andrógeno não aromatizado, por ação da enzima
5α-redutase em tecidos, como pele genital, folículos pilosos, próstata, entre outros.

AÇÕES PERIFÉRICAS DOS ANDROGÊNIOS

A testosterona e o DHT exercem suas ações fisiológicas ao se ligarem a receptores


androngênicos nas células-alvo. A testosterona tem papel na diferenciação sexual, libido,
agressividade, efeitos anabólicos no músculo esquelético, crescimento e higidez dos ossos,
eritropoese, espessamento das cordas vocais (voz grave) e estimulação da
espermatogênese e lipólise. Já os efeitos biológicos do DHT incluem desenvolvimento
embrionário da próstata, descida dos testículos, desenvolvimento da genitália externa,
uretra e próstata, padrão masculino dos pelos pubianos e da distribuição dos pelos pelo
corpo, padrão de calvície e aumento da secreção das glândulas sebáceas.

O estradiol derivado da testosterona exerce funções importantes no organismo masculino,


como maturação dos ossos e fechamento das epífises, prevenção da osteoporose e
controle da secreção de GnRH por retroalimentação.

EIXO HIPOTÁLAMO-HIPOFISÁRIO-TESTICULAR E A REGULAÇÃO DA SECREÇÃO DAS


GONADOTROFINAS

As gonadotrofinas, LH e FSH, são secretadas, principalmente, em resposta ao GnRH


hipotalâmico, o qual atua diretamente sobre os gonadotrofos, estimulando a síntese e a
secreção das gonadotrofinas. Ao caírem na circulação sanguínea, as gonadotrofinas
alcançam seus tecidos-alvo, as gônadas masculinas (testículos), onde exercem suas ações
estimulando a espermatogênese e a secreção de androgênios. Contudo, os níveis
plasmáticos de androgênios, sendo a testosterona o principal secretado, também podem
regular a liberação das gonadotrofinas por mecanismo de retroalimentação negativa
exercida sobre os gonadotrofos na adeno-hipófise e os neurônios produtores de GnRH no
hipotálamo. Assim, quando a secreção de androgênios aumenta por retroalimentação
negativa, a liberação de gonadotrofinas é inibida. Por outro lado, quando as concentrações
plasmáticas dos androgênios estão baixas, aumenta a secreção de gonadotrofinas pela
adeno-hipófise. Além disso, a secreção de FSH também pode ser inibida pela inibina, que
exerce retroalimentação negativa diretamente nos gonadotrofos.

Figura 3.5 | Eixo hipotálamo-hipofisário-testicular


ASSIMILE

Algumas doenças podem estar associadas aos hormônios gonadotrópicos e/ou à produção
de esteroides sexuais estimulados por esses hormônios. A seguir, são apresentados alguns
desses distúrbios em homens:

Criptorquidia: é a não descida dos testículos para a bolsa escrotal, podendo ser uni ou
bilateral. Essa patologia é comum em lactentes que apresentam secreção reduzida de
androgênios. Como a produção de espermatozoides (espermatogênese) necessita que a
temperatura na bolsa escrotal esteja cerca de 2 °C abaixo da temperatura corporal, nessa
patologia, a produção de espermatozoides encontra-se comprometida, sendo menor que o
normal, uma vez que a temperatura da cavidade pélvica é maior. Desse modo, a condição,
se não tratada ou corrigida, pode levar o indivíduo à esterilidade. Para o tratamento da
criptorquidia, utiliza-se terapia hormonal (androgênios) e procedimentos cirúrgicos para
deslocamento dos testículos para a bolsa escrotal.

Hipogonadismo: é um distúrbio ocasionado pela redução da liberação de testosterona pelos


testículos. Pode ser: primário (consequência de insuficiência testicular), secundário (quando
não há secreção de gonadotrofinas pela adeno-hipófise e consequente ausência de
estímulos para os testículos) e terciário (quando há falta de secreção de GnRH
hipotalâmico). A instalação do hipogonadismo antes da puberdade acarreta ausência do
desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários masculinos, assim como
comprometimento da espermatogênese. Em homens adultos, observam-se níveis baixos de
androgênios e baixa contagem de espermatozoides. O tratamento é realizado com
reposição hormonal com testosterona exógena.
GÔNADA FEMININA
As gônadas femininas são os ovários, estruturas pares, ovoides, localizadas na parte
superior da cavidade pélvica, um de cada lado do útero. Cada ovário é formado por quatro
camadas. A primeira é o epitélio germinativo, camada mais externa formada por epitélio
pavimentoso. A segunda camada é a túnica albugínea, formada por tecido conjuntivo
denso. Logo abaixo da túnica albugínea, temos a região cortical, com predomínio de
folículos ovarianos (células germinativas femininas) em diferentes estágios de
desenvolvimento, e a região medular depois, constituindo a camada mais interna do ovário,
formada por tecido conjuntivo frouxo rico em vasos sanguíneos. Envolvendo os folículos e
vasos sanguíneos, está o estroma, formado por tecido conjuntivo.

Os folículos primordiais são considerados as unidades reprodutoras do ovário, estando


presentes já ao nascimento, sendo constituídos por um oócito envolto por uma camada de
células da granulosa. A maioria dos folículos primordiais apresenta desenvolvimento
contínuo, assim se desenvolve e, posteriormente, sofre atresia, e isso acontece do período
fetal até a menopausa. Durante a vida fetal e a infância, os folículos primordiais crescem e
passam a se chamar folículos primários, cessando seu desenvolvimento. Na puberdade, o
início da atividade do eixo hipotálamo-hipófise-ovário estimula os folículos primários a
reiniciar seu desenvolvimento. A camada de células da granulosa se prolifera e há a
formação de uma nova camada denominada teca. Nesse estágio, o folículo é dito
secundário e continua a se desenvolver, formando uma cavidade intrafolicular denominada
antro, resultando na formação do folículo antral ou de Graaf, que é o folículo maduro, pronto
para ser ovulado.

REGULAÇÃO DA FUNÇÃO GONADAL FEMININA PELAS GONADOTROFINAS

Os ovários são responsáveis pela formação dos gametas femininos (processo da


foliculogênese), produção de esteroides gonadais (estrogênios e progesterona) e ovulação.
Assim, os ovários exercem papel importante no desenvolvimento final das células
germinativas e na preparação do organismo feminino para a reprodução. Diferentemente do
que se observa no homem, na mulher, as células germinativas são produzidas durante a
vida intrauterina, e seu número diminui ao longo da vida reprodutiva e interrompe com a
instalação da menopausa.

No ovário, o FSH atua nas células da granulosa estimulando o crescimento e a maturação


folicular, além da expressão da enzima aromatase. Já o LH atua nas células da teca,
estimulando a esteroidogênese, resultando na produção de androgênios, que serão
aromatizados nas células da granulosa a estrogênios, principalmente estradiol, e na
produção de progesterona.

Por serem hormônios esteroides, os estrogênios seguem a biossíntese dos androgênios e


glicocorticoides, ou seja, são derivados do colesterol. Nas células da teca, o LH estimula a
conversão do colesterol em pregnenolona, que é metabolizada em progesterona pela
3β-HSD. Na próxima etapa, a progesterona é convertida em 17 (OH) progesterona pela
enzima 17α-hidroxilase, e este último esteroide, em androstenediona pela 17,
20-desmolase. A partir da androstenediona, temos a conversão da testosterona pela enzima
17β-HSD. Os andrógenos aromatizáveis, androstenediona e testosterona, produzidos nas
células da teca, se difundem pela membrana basal e atingem as células da granulosa.
Neste local, a androstenediona é convertida em testosterona pela enzima 17β-HSD, ou
aromatizada, por ação da aromatase, em estrona, a qual pode ser metabolizada a estradiol
pela 17β-HSD posteriormente. A testosterona, nas células da granulosa, pela ação da
aromatase, é convertida em estradiol, principal estrogênio produzido pelos ovários.

AÇÕES PERIFÉRICAS DOS ESTEROIDES GONADAIS

O estradiol e a progesterona exercem suas ações fisiológicas ao se ligarem a receptores


para estrogênio e receptores para progesterona presentes nas células-alvo. Os efeitos
fisiológicos do estradiol, geralmente, envolvem efeitos proliferativos, como crescimento e
diferenciação das células ciliadas nas tubas uterinas, crescimento do endométrio e
miométrio uterino, aumento da vascularização uterina, crescimento e desenvolvimento das
mamas, fechamento das placas epifisárias nos ossos longos, padrão feminino de deposição
de gordura e libido. Já a progesterona é responsável, principalmente, por efeitos secretores,
como aumento da secreção das glândulas uterinas, reduz a contratilidade uterina (efeito
antiabortivo), aumenta a atividade das células secretoras da tuba uterina, estimula o
aumento e a proliferação das células alveolares na mama, aumenta a temperatura corporal
no pós-ovulação, estimula o apetite e apresenta efeitos analgésicos.

EIXO HIPOTÁLAMO-HIPOFISÁRIO-OVÁRIO E A REGULAÇÃO DA SECREÇÃO DAS


GONADOTROFINAS

Na mulher, assim como se observa nos homens, as gonadotrofinas são secretadas,


principalmente, em resposta ao GnRH, o qual exerce um efeito estimulatório sobre os
gonadotrofos. Nos ovários, as gonadotrofinas estimulam a foliculogênese e a secreção de
estrogênios e progesterona. Porém, os esteroides gonadais, estradiol e progesterona
podem regular a liberação das gonadotrofinas por mecanismo de retroalimentação negativa
exercida sobre os gonadotrofos na adeno-hipófise e sobre os neurônios produtores de
GnRH no hipotálamo. Dessa forma, quando a secreção de estradiol ou progesterona
aumenta, por retroalimentação negativa, a liberação de gonadotrofinas é inibida. Por outro
lado, quando as concentrações plasmáticas dos esteroides sexuais femininos estão baixas,
aumenta a secreção de gonadotrofinas pela adeno-hipófise.
ASSIMILE

Algumas doenças podem estar associadas aos hormônios gonadotrópicos e/ou à produção
de esteroides sexuais estimulados por esses hormônios. A seguir, são apresentados alguns
desses distúrbios em mulheres:

Cistos ovarianos: são tumores benignos bastante comuns em mulheres. Esses cistos se
formam pela obstrução do ducto de um folículo ovariano, levando à formação de cavidade,
que se enche de líquido, formando um cisto. Geralmente, são assintomáticos e regridem
espontaneamente, não necessitando de tratamento. Contudo, em alguns casos, pode haver
o crescimento expressivo ou sangramento no interior do cisto, causando desconforto e dor
difusa no lado afetado, necessitando de remoção cirúrgica.

Tumores da célula da granulosa: são tumores associados à produção excessiva de


estrogênios. Geralmente, ocorrem após a menopausa, mas também podem se desenvolver
durante o período fértil na mulher e, nesse caso, acarretam distúrbios no ciclo menstrual. O
tratamento inclui excisão cirúrgica, quimioterapia e/ou radioterapia.

EXEMPLIFICANDO
O planejamento familiar envolve a atuação dos profissionais de saúde e está pautado na
Constituição Brasileira, a qual garante a homens e mulheres o direito de ter ou não filhos.
Para tal, existem diferentes métodos contraceptivos, sendo um dos mais utilizados os
contraceptivos orais. Estes, geralmente, são combinações entre estrogênio sintético e uma
substância similar à progesterona, a progestina ou progestágeno. Dessa forma, o
estrogênio e a progesterona presentes nos contraceptivos orais podem inibir a liberação das
gonadotrofinas pelos gonadotrofos da adeno-hipófise, inibindo, assim, a ovulação. Alguns
contraceptivos orais são constituídos somente por progestágenos e, nesse caso, não atuam
impedindo a ovulação, mas alterando a composição do muco cervical, diminuindo a
capacidade do espermatozoide de transpor o colo do útero e inibem a proliferação do
endométrio uterino, tornando desfavorável a implantação do embrião. Embora seja
considerado um método bastante seguro, o uso de contraceptivos orais pode apresentar
alguns riscos, embora a taxa de ocorrência seja muito pequena. São atribuídos ao uso de
contraceptivos orais o risco aumentado de infarto do miocárdio ou de acidente vascular
encefálico isquêmico, trombose, aumento do peso corporal, alterações de humor e cefaleia.
Como a atuação dos profissionais de saúde no campo do planejamento familiar está
amparada no § 7º do art. 226 da Constituição Federal, o qual envolve o campo da
contracepção, além de ser atribuído ao profissional dessa área promover a orientação sobre
os métodos contraceptivos e o acompanhamento dos usuários, torna-se fundamental
também que o profissional da área da saúde conheça os principais efeitos fisiológicos das
gonadotrofinas e como funcionam os diferentes métodos contraceptivos.

Agora, que você conheceu como ocorre a síntese das gonadotrofinas e quais são as
funções que esses hormônios exercem no nosso organismo, você é capaz de compreender
a importância do conhecimento desse tema para uma atuação profissional adequada e
segura, visando ao bem-estar e à promoção da saúde.

SEM MEDO DE ERRAR

Agora que você conheceu e aprendeu a respeito das gonadotrofinas e suas funções,
retomaremos a nossa situação-problema. A partir de agora, consideraremos que você seja
um estagiário da área da saúde e está conversando com seu primo durante uma reunião
familiar. Nesse momento, seu primo está comentando que andou bastante preocupado com
o pai, de 45 anos, que andava deprimido e incomodado com sua “careca”. Com a ajuda da
família, ele buscou atendimento médico e foi diagnosticado com calvície de padrão
masculino. Como tratamento inicial, o médico sugeriu a utilização de um inibidor da
5α-redutase, o que evitaria a queda dos cabelos do couro cabeludo.

Curioso para entender o caso do pai, o primo fez os seguintes questionamentos: você
saberia explicar qual é a causa da perda de cabelo do couro cabeludo? Acontece mais em
homens? Por que foi utilizado um inibidor da 5α-redutase para o tratamento? Agora, você já
é capaz de responder ao seu primo.

Primeiramente, devemos lembrar que as gonadotrofinas, LH e FSH, são responsáveis por


várias funções no organismo masculino. No testículo, o FSH atua na estimulação da
espermatogênese (formação do gameta masculino), via células de Sertoli, enquanto o LH
atua, principalmente, nas células de Leydig, estimulando a esteroidogênese, levando à
produção de androgênios, sendo o principal a testosterona. Esta pode alcançar a circulação
sanguínea e ser convertida perifericamente em 5α-di-hidrotestosterona (DHT), um potente
andrógeno. Essa conversão da testosterona em DHT ocorre por ação da enzima
5α-redutase em tecidos, como os folículos pilosos do couro cabeludo. Dessa forma, o DHT,
atuando sobre receptores para androgênios presentes nos folículos pilosos dessa região,
contribui para o padrão de calvície em indivíduos que apresentam predisposição. Assim, a
5α-redutase é uma enzima limitante para a produção da DHT e, por isso, são utilizados
inibidores dessa enzima para o tratamento de calvície de padrão masculino. A inibição
dessa enzima-chave reduz drasticamente a produção de DHT e, consequentemente,
diminui a ação desse hormônio sobre os folículos pilosos do couro cabeludo.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

ESTEROIDES ANABOLIZANTES

Nesta semana, um grupo de estudantes da área da saúde acompanhará a rotina do serviço


de urgência do hospital de sua universidade. Uma das atividades a ser realizada durante
esse período será o acompanhamento de alguns casos clínicos de pacientes atendidos no
local. No primeiro dia de atividades, um dos alunos do grupo acompanhou o caso da
paciente R. P. S., 24 anos, que chegou ao serviço de urgência queixando-se de dor intensa
no peito, com sensação de aperto na região, que durou cerca de três horas e que ela havia
associado à fadiga muscular após um treinamento, visto que era praticante de fisiculturismo.
Aproximadamente 24 horas após esse episódio, houve recorrência da dor, que passou a se
agravar com a inspiração e, por isso, a paciente procurou o serviço de urgência. Ela não
apresentava fatores de risco cardiovascular ou comorbidades relevantes conhecidas.
Relatou o consumo regular, nos últimos seis meses, dos seguintes esteroides
anabolizantes: oxandrolona, mesterolona e cipionato de testosterona. Após o exame clínico
detalhado e vários exames, a paciente foi diagnosticada com infarto agudo do miocárdio e,
devido ao quadro, permaneceu internada por oito dias até receber alta hospitalar.

Para incentivar as discussões a respeito do caso apresentado, o supervisor da equipe


sugeriu que os estagiários iniciassem relembrando alguns conceitos anatômicos e
funcionais a respeito dos hormônios gonadotróficos e a produção de esteroides sexuais.
Para tal, ele levantou os seguintes questionamentos aos alunos de graduação: vocês
saberiam explicar por que a paciente recorreu ao uso de esteroides anabolizantes? Quais
seriam os seus efeitos fisiológicos? Existe relação entre o infarto agudo do miocárdio
apresentado pela paciente e o uso de androgênios, como esteroides anabolizantes?
Você, no lugar desses alunos, como responderia a todos esses questionamentos?

RESOLUÇÃO
Você já viu vários conceitos importantes a respeito da ação das gonadotrofinas sobre as
gônadas, tanto masculina quanto feminina, e sabe que essas glândulas são responsáveis
pela produção de diferentes esteroides sexuais, sendo os principais: no homem, a
testosterona, e na mulher, o estradiol e a progesterona. Na mulher, também temos a
produção de androgênios, pelas adrenais e pelos ovários, porém os níveis plasmáticos são
baixos quando comparados aos níveis apresentados por um homem. Contudo, os
androgênios nas mulheres exercem funções importantes, como estimulação do crescimento
dos pelos púbicos, pelos axilares e manutenção do impulso sexual. Porém, em excesso,
eles podem causar o que chamamos de virilismo. Nesse caso, observa-se o
desaparecimento do padrão feminino de distribuição de gordura, aumento da massa
muscular esquelética, engrossamento da voz, aumento do clitóris, diminuição das mamas,
aparecimento de acne e aumento de pelos pelo corpo, assumindo um padrão masculino de
distribuição. Muitos indivíduos fazem uso de androgênios exógenos para buscar o “corpo
perfeito”, exatamente pelas ações fisiológicas que eles apresentam sobre diferentes
tecidos-alvo no corpo humano, que podem favorecer a obtenção mais rápida desse padrão
estético. Dentre as várias ações dos androgênios, temos: efeitos anabólicos no músculo
esquelético, eritropoese, espessamento das cordas vocais (voz grave), lipólise (quebra da
gordura corporal), desenvolvimento da genitália externa, padrão masculino dos pelos
pubianos e da distribuição dos pelos pelo corpo e aumento da secreção das glândulas
sebáceas. Além dessas ações, têm sido reportados ao uso de esteroides anabolizantes:
isquemia miocárdica, predispondo ao infarto agudo do miocárdio; alterações
comportamentais, como irritabilidade e agressividade; câncer hepático, devido à
hepatoxicidade das drogas; entre outros. Embora os esteroides anabolizantes sejam
utilizados clinicamente para o tratamento de deficiências androgênicas, como
hipogonadismo e puberdade atrasada, atualmente, o seu uso indiscriminado e sem
prescrição e/ou acompanhamento médico vem crescendo, devido, em maior parte, aos seus
efeitos anabólicos (aumento de massa muscular e ganho de força física). Junto ao aumento
do uso dos esteroides anabolizantes, crescem os riscos associados em uma população
relativamente jovem em busca de um padrão “ideal” de corpo.

UNIDADE 4

CONVITE AO ESTUDO

Prezado aluno, seja bem-vindo à quarta unidade de estudos da disciplina Ciências


Morfofuncionais dos Sistemas Digestório, Endócrino e Renal.

Até o momento, você estudou os principais aspectos anatomofuncionais dos sistemas


digestório e endócrino. Agora, você aprenderá sobre o sistema urinário, o qual é
fundamental para a manutenção da homeostase corporal. Conhecerá as estruturas
anatômicas que o compõem, suas funções e como as alterações no funcionamento dessas
estruturas podem comprometer não somente as funções fisiológicas exercidas por esse
sistema mas também de outros sistemas corporais, contribuindo para o aparecimento e o
desenvolvimento de doenças. Assim, por meio dos conteúdos abordados nesta unidade e
da resolução de situações muito próximas de sua realidade profissional, você
compreenderá como esses conceitos fundamentais podem implicar diretamente na sua
formação como um futuro profissional da área da saúde.

O conhecimento dos conteúdos desta unidade de ensino te levará a aplicar os conceitos


gerais sobre o sistema urinário no seu dia a dia profissional. Dessa forma, ao término dela,
você terá raciocínio crítico e estará apto a resolver diversas situações que serão
vivenciadas diariamente no exercício da sua profissão.

PRATICAR PARA APRENDER


Nesta seção, você conhecerá o sistema urinário, que atua, principalmente, por meio dos
rins, promovendo a homeostasia dos líquidos corporais, e participa de outras funções
importantes, as quais auxiliam na manutenção da homeostase corporal. Dessa forma, você
conhecerá as diferentes estruturas que fazem parte do sistema urinário e as suas
características morfológicas, anatômicas e funcionais, que implicam diretamente a
manutenção da homeostasia corporal. Além disso, será capaz de reconhecer todas essas
características, tornando possível a compreensão e a aplicação desses conhecimentos no
seu dia a dia profissional. Assim, a partir dos conceitos abordados na seção, você
conseguirá identificar as características estruturais do sistema urinário, relacionando-as com
suas funções, e saberá como essas características podem influenciar e contribuir para o
bom funcionamento do nosso organismo, sempre fazendo a relação desses conceitos com
o seu contexto profissional.

Para auxiliar no desenvolvimento das competências mencionadas, continuaremos


acompanhando a rotina de um aluno de graduação na área da saúde, que realiza seu
estágio junto à equipe multidisciplinar do Programa de Atenção Integral à Saúde de sua
universidade. Nessa etapa do estágio, nosso estudante está acompanhando as discussões
de casos clínicos de alguns atendimentos realizados por uma das Unidades Básicas de
Saúde (UBS) parceiras do Programa. Durante uma das reuniões, discutiu-se o caso clínico
da paciente T.M.S., 24 anos, que compareceu à consulta se queixando de dor e ardência ao
urinar há três dias, além de vontade de urinar com maior frequência nas últimas 24 horas.
Segundo a paciente, a urina estava com coloração mais escura, mas sem alteração de
cheiro. Ela não apresentava febre e negou a presença de outras comorbidades. Como no
exame clínico não foram observadas anormalidades, foi solicitado um exame de urina. O
resultado do exame mostrou bacteriúria, piúria e hematúria. Diante do quadro clínico
apresentado e dos resultados do exame, ela foi diagnosticada com cistite. Por conta disso,
foi medicada com antibiótico e, ao fim do tratamento, compareceu em consulta de retorno,
apresentando-se assintomática, recebendo alta ambulatorial. Ainda durante a discussão
desse caso clínico, o supervisor do Programa aproveitou para instigar o estagiário a
relembrar alguns conceitos importantes a respeito das características anatômicas e
funcionais do sistema urinário. Ele fez os seguintes questionamentos: você saberia explicar
quais estruturas são acometidas na cistite? O que é a cistite? Qual a importância dessas
estruturas para o funcionamento do nosso organismo?

Você, no lugar do estagiário, como responderia a todos esses questionamentos?

CONCEITO-CHAVE

O sistema urinário é formado por rins, ureteres, bexiga urinária e uretra. A principal função
desse sistema é a excreção de substâncias do corpo. Essa função tão importante é
realizada pelos rins, enquanto as demais estruturas desse sistema atuam como vias de
passagem e locais de armazenamento.

Figura 4.1 | Órgãos do sistema urinário e anatomia interna do rim


REFLITA

Em humanos, durante o desenvolvimento embrionário, podem ocorrer malformações dos


órgãos que compõem o sistema urinário. De fato, as malformações nesse sistema ocorrem
em, aproximadamente, 12% dos recém-nascidos, variando desde anomalias insignificantes,
sem risco à sobrevivência do indivíduo, até anomalias incompatíveis com a vida. Você sabia
que o sistema urinário apresenta a mesma origem embrionária que o sistema genital? Qual
a origem embrionária desses dois sistemas? Quais as malformações mais comuns do
sistema urinário? Como esse conhecimento implica a sua atuação como futuro profissional
da área da saúde?

Dentre as funções dos rins, podemos destacar:

• Regulação da composição iônica do sangue: ajudam a regular a concentração de íons,


como Na+, Cl--, K+, Ca+2, HCO3-, HPO4-2, entre outros.
• Regulação do pH sanguíneo: por meio do controle da quantidade de H+ excretados na
urina e pela preservação de HCO3-, essenciais para atuação do tampão H+ no sangue e,
consequentemente, para a manutenção do pH sanguíneo.
• Regulação do volume sanguíneo: realizando ajustes no volume sanguíneo por meio de
alterações no volume de água eliminada por meio da urina.
• Regulação da pressão arterial: realizado pelos ajustes no volume de água eliminado e
pela secreção de renina, uma enzima que ativa o sistema renina-angiotensina-aldosterona.
• Gliconeogênese: no jejum prolongado, os rins podem sintetizar glicose a partir de
aminoácidos e outros precursores, liberando no sangue e, dessa forma, auxiliando na
manutenção da glicemia.
• Produção dos hormônios eritropoetina e calcitriol: a eritropoetina controla a síntese de
hemácias na medula óssea vermelha, enquanto o calcitriol (1,25-di-hidroxivitamina D) atua
na regulação da homeostasia do cálcio no organismo.
• Excreção: os rins são responsáveis pela excreção de produtos da degradação metabólica,
como a ureia (proveniente do catabolismo das proteínas), o ácido úrico (oriundo do
catabolismo de ácidos nucleicos), a creatinina (formada pela quebra do fosfato de creatina
nas fibras musculares), entre outras substâncias. Substâncias estranhas, como fármacos,
toxinas, pesticidas e aditivos alimentares, também são eliminadas pelos rins por meio da
urina.
Os rins são órgãos em forma de feijão, com tamanho aproximado de um punho fechado.
Estão localizados na parte posterior da parede abdominal, atrás do peritônio parietal, sendo,
por esse motivo, denominados estruturas retroperitoneais. Cada rim é circundado por uma
camada de tecido conjuntivo fibroso, denominada cápsula renal. Envolvendo a cápsula
renal, encontramos a cápsula adiposa renal, formada de tecido adiposo, que protege os rins
de traumatismos, amortecendo choques mecânicos. Ainda, envolvendo a cápsula adiposa
renal está a fáscia renal, uma camada fina de tecido conjuntivo que auxilia na fixação dos
rins ao peritônio e à parede abdominal. No lado medial, côncavo, do rim, encontramos o hilo
renal, local de entrada para a artéria renal e os nervos e de saída para a veia renal e o
ureter.

Cada rim é formado por duas regiões distintas: córtex renal, mais externo e em contato com
a cápsula renal, e medula renal, localizada mais internamente. A medula renal é constituída
por estruturas em forma de cone chamadas pirâmides renais, entre as quais porções do
córtex renal se estendem, formando as colunas renais. Os ápices das pirâmides renais são
denominados papilas renais e encontram-se direcionadas para a região interna do rim.
Cada papila renal se projeta para uma depressão pequena chamada cálice menor. Os
cálices menores de diferentes pirâmides se unem, formando cálices maiores, e estes, por
sua vez, também se unem, formando uma câmara alargada chamada pelve renal. A função
da pelve renal é coletar a urina dos cálices e transportar para o ureter.

O córtex renal, junto às pirâmides renais, forma o parênquima, a porção funcional do rim.
Dentro do parênquima, encontramos as unidades funcionais dos rins, responsáveis pela
formação da urina, denominadas néfrons. Cada néfron é formado por um corpúsculo renal e
um túbulo renal. O corpúsculo renal é composto pelo glomérulo e pela cápsula de Bowman,
enquanto o túbulo renal apresenta três partes principais: túbulo contorcido proximal, alça de
Henle e túbulo contorcido distal. Os túbulos contorcidos distais de vários néfrons drenam
para um único ducto coletor. Assim, os néfrons são estruturas microscópicas, sendo
encontradas mais de um milhão delas em cada rim, envoltas por pequenos vasos
sanguíneos. O líquido filtrado a partir do capilar sanguíneo e que entra no néfron é chamado
de filtrado. Este é modificado à medida que percorre as estruturas do néfron, por meio de
diferentes processos de transporte. Assim, o filtrado formado no néfron drena para os
ductos coletores e, destes, para os cálices renais menores e maiores. A partir do momento
que o filtrado chega nos cálices, passa a ser chamado de urina, uma vez que, a partir dessa
estrutura, não ocorre mais alterações nesse líquido por processos, como reabsorção e
secreção. Dos cálices, a urina drena para a pelve renal e, daí, para o ureter e,
posteriormente, para a bexiga urinária.

ASSIMILE

O rim é uma estrutura extremamente vascularizada, o que torna suas funções bastante
efetivas. O sangue arterial entra no rim por meio da artéria renal, localizada no hilo, que se
ramifica em artérias segmentares, as quais, por sua vez, se dividem em artérias
interlobares. Estas passam entre as pirâmides renais através das colunas renais em direção
ao córtex e se ramificam em artérias arqueadas. Cada artéria arqueada origina várias
artérias interlobulares, que se projetam no interior do córtex renal. Cada artéria interlobular
origina várias arteríolas glomerulares aferentes, que suprem individualmente os néfrons,
mais especificamente os glomérulos. O sangue que não é filtrado no glomérulo deixa essa
estrutura a partir das arteríolas glomerulares eferentes, seguindo para os capilares
intertubulares (que envolvem os túbulos contorcidos dos néfrons) ou para as arteríolas retas
(envolvem os túbulos ascendentes e descendentes dos néfrons). A partir desses capilares,
o sangue é drenado do rim para as veias interlobulares, veias arqueadas e veias
interlobares. Estas últimas passam pelas pirâmides renais e formam a veia renal, que deixa
o rim através do hilo e desemboca na veia cava inferior.

URETERES

Constituem um par de tubos que se iniciam como uma continuação da pelve renal, seguindo
inferiormente até a bexiga urinária. Os ureteres penetram através da parede posterior da
bexiga urinária, formando o óstio do ureter. A função dos ureteres é transportar a urina dos
rins para a bexiga urinária.

A parede do ureter é formada por três camadas ou túnicas:

• Camada mucosa: é a camada mais profunda, consistindo em um epitélio de transição e


uma lâmina própria. Células caliciformes presentes nessa camada secretam muco que
recobre a parede do ureter, impedindo que as células entrem em contato com a urina.

• Camada muscular: camada intermediária constituída por uma camada longitudinal interna
e uma camada circular externa de músculo liso. No terço distal dos ureteres, há também
uma camada externa à camada circular composta de fibras musculares longitudinais.
Principal função da camada muscular é o peristaltismo, permitindo o movimento da urina
através dos ureteres em direção à bexiga urinária.

• Camada adventícia: camada mais externa do ureter, sendo constituída de tecido


conjuntivo. Mantém os ureteres em posição.

BEXIGA URINÁRIA

É um órgão muscular oco, distensível, localizado na cavidade pélvica posterior à sínfise


púbica. A função da bexiga urinária é o armazenamento temporário da urina. Nas mulheres,
a bexiga urinária encontra-se posterior à vagina e inferior ao útero, enquanto, nos homens,
está anterior ao reto. O formato da bexiga pode variar de acordo com o volume de urina
armazenado no seu interior. Seu formato é esférico, tornando-se achatada quando vazia,
porém, conforme vai enchendo de urina, a bexiga urinária torna-se piriforme, ascendendo
para a cavidade abdominal. No assoalho da bexiga urinaria, encontramos uma área
triangular chamada trígono da bexiga. Essa área é delimitada pelos óstios dos ureteres e
pelo óstio interno da uretra e atua como um funil, direcionando a urina para a uretra quando
a bexiga urinária se contrai.

A parede da bexiga urinária é formada por três camadas, sendo a mais profunda a túnica
mucosa, constituída por epitélio de transição e lâmina própria, bem semelhante ao
observado nos ureteres. A presença desse epitélio de transição permite o estiramento da
parede da bexiga, assim como a presença das pregas de mucosa. A camada intermediária,
chamada túnica muscular ou músculo detrusor da bexiga, é composta por três camadas de
músculo liso: duas longitudinais (interna e externa) e uma circular, que se encontra disposta
entre elas. A contração do músculo detrusor da bexiga é responsável por expelir a urina
para o interior da uretra. Ao redor da abertura da uretra, as fibras musculares circulares
formam o esfíncter interno da uretra, responsável pelo controle involuntário da bexiga sobre
a eliminação da urina. A camada mais externa da bexiga urinária é a adventícia, presente
somente na face posterior e inferior da bexiga, formada por tecido conjuntivo. Revestindo
externamente a porção superior da bexiga, encontramos a túnica serosa, formada por uma
camada de peritônio.

Figura 4.2 | Estrutura da bexiga urinária

URETRA

É um órgão tubular pequeno que se estende do óstio interno da uretra, no assoalho da


bexiga, até o óstio externo da uretra, no limite com a região externa do corpo. Sua função é
conduzir a urina da bexiga urinária até o meio externo. Existem algumas diferenças
anatômicas e funcionais entre a uretra masculina e feminina. Nas mulheres, a uretra é mais
curta (cerca de 4 cm de comprimento), estendendo-se da bexiga até o óstio externo da
uretra, localizado no vestíbulo da vagina, entre o clitóris e a abertura vaginal. Sua parede é
constituída de uma camada mucosa profunda e uma camada muscular superficial. A
camada mucosa é formada por epitélio e uma lâmina própria. Nas proximidades do
assoalho da bexiga, encontramos epitélio de transição e, nas proximidades do óstio externo
da uretra, epitélio estratificado pavimentoso não queratinizado. Entre essas duas regiões, a
camada mucosa é formada por epitélio estratificado colunar ou pseudoestratificado colunar.
A camada muscular é formada por fibras musculares dispostas de forma circular e em
continuidade com a bexiga urinária. Nas mulheres, a uretra apresenta somente função de
transporte da urina da bexiga para o meio externo.

Nos homens, a uretra é mais longa (cerca de 20 cm de comprimento), estendendo-se do


assoalho da bexiga até o óstio externo da uretra, localizado na extremidade do pênis. Dessa
forma, a uretra masculina faz parte tanto do sistema urinário, conduzindo a urina da bexiga
para o meio externo, como do sistema reprodutor masculino, sendo via de passagem para a
liberação do sêmen para o meio externo. A uretra masculina pode ser dividida em três
regiões anatômicas: (1) parte prostática, que atravessa a próstata e recebe drenagem dos
ductos da próstata e dos ductos ejaculatórios do sistema reprodutor; (2) parte
membranácea, um segmento curto que atravessa o diafragma urogenital, constituído pelo
músculo transverso profundo do períneo; (3) parte esponjosa, que atravessa o pênis e na
qual encontramos a abertura das glândulas bulbouretrais. A parede da uretra masculina
também é constituída de uma camada mucosa profunda e uma camada muscular
superficial. Na parte prostática, a camada mucosa é formada por epitélio de transição, mas
que mais distalmente se torna epitélio estratificado colunar ou pseudoestratificado colunar.
A camada muscular é formada por fibras musculares dispostas de forma circular, que
colaboram para a formação do esfíncter interno da uretra. A parte membranácea apresenta
epitélio estratificado colunar ou pseudoestratificado colunar e camada muscular composta
por fibras musculares esqueléticas dispostas de forma circular, oriundas do músculo
transverso profundo do períneo, que colaboram para a formação do esfíncter externo da
uretra. A camada mucosa da parte esponjosa também é formada por epitélio estratificado
colunar ou pseudoestratificado colunar, com exceção da região do óstio externo da uretra,
formada por epitélio estratificado pavimentoso não queratinizado.

EXEMPLIFICANDO

Alguns termos médicos são utilizados para indicar alterações nos diferentes sistemas
corporais. Com relação ao sistema urinário, é importante aos profissionais da área da saúde
ter ciência de termos bastante utilizados, como:

• Hematúria: presença de sangue na urina, que pode estar associada, por exemplo, a
traumatismos.
• Glicosúria: presença de glicose na urina, comum em casos de Diabetes Mellitus, mas
também pode ser ocasionada por medicamentos, como anti-inflamatórios e quimioterápicos,
bem como infecções urinárias graves.
• Disúria: dor ao urinar; pode ser sinal de infecção das vias urinárias.
• Bacteriúria: presença de bactérias na urina.
• Piúria: presença de pus na urina; geralmente, consequência de presença de infecção.
• Oligúria: baixa produção de urina, que pode estar associada à desidratação, a efeitos
colaterais de medicamentos, entre outros.
• Poliúria: produção excessiva de urina, que pode ser causada por ingestão excessiva de
líquidos, consumo de álcool, Diabetes Mellitus, entre outros.
• Enurese: é a perda involuntária de urina, bastante comum na infância, devido à falta de
habilidade no controle do esfíncter e, consequentemente, da urina. Em adultos, a enurese é
chamada de incontinência urinária e pode estar relacionada à disfunção da musculatura do
assoalho pélvico, diabetes, entre outros.

Durante sua formação e atuação profissional, além de conhecimentos básicos e


habilidades, o profissional de saúde precisa também ter conhecimento dos termos técnicos
utilizados para indicar alterações nos diferentes sistemas corporais, facilitando a
comunicação entre profissionais da área, bem como o manejo, a abordagem e o cuidado
com o indivíduo portador de alguma alteração fisiológica decorrente de patologias.
PROCESSOS RENAIS BÁSICOS

Nos néfrons, ocorrem três processos básicos, cujo resultado é a produção da urina. Os
processos são:

• Filtração: é caracterizada pela passagem de líquido e grande parte dos solutos do sangue
para o néfron. Esse processo ocorre no corpúsculo renal, onde a água e os solutos
atravessam as paredes dos capilares glomerulares inicialmente e, depois, a cápsula de
Bowman, dirigindo-se para os túbulos renais. O fluido que atravessa essas estruturas passa
a ser chamado de filtrado.

• Reabsorção: à medida que o filtrado flui através dos túbulos renais e ductos coletores, a
água e os solutos úteis são reabsorvidos do lúmen tubular de volta para o sangue, através
dos capilares peritubulares.

• Secreção: à medida que o filtrado flui através dos túbulos renais e ductos coletores,
substâncias são seletivamente secretadas para o lúmen tubular. Dessa forma, substâncias,
como resíduos metabólicos, excesso de íons e fármacos, são removidas do sangue para o
lúmen tubular, sendo excretadas pela urina.

Agora que você conheceu as principais características estruturais e funcionais do sistema


urinário, é capaz de compreender a importância do conhecimento desse tema para uma
atuação profissional adequada e segura, visando ao bem-estar e à promoção da saúde.

SEM MEDO DE ERRAR

Agora que você conheceu e aprendeu a respeito das principais características anatômicas e
funcionais do sistema urinário, retomaremos a nossa situação-problema. Consideraremos
que você seja um estagiário da área da saúde na universidade de sua cidade e, nesta etapa
do seu estágio, você acompanhará a equipe multidisciplinar responsável por um Programa
de Atenção Integral à Saúde na sua instituição. Neste primeiro momento, você está
acompanhando a análise e discussão de diferentes casos clínicos de pacientes atendidos
em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) parceira do Programa.

Durante uma das reuniões, foi discutido o caso de uma paciente que apresentava os
seguintes achados clínicos: dor e ardência ao urinar há três dias, vontade de urinar com
maior frequência nas últimas 24 horas, urina com coloração mais escura, mas sem
alteração de cheiro, sem presença de febre e outras comorbidades. O exame de urina
mostrou bacteriúria, piúria e hematúria. Assim, diante de todos os achados, a paciente
acabou sendo diagnosticada com cistite.

Aproveitando o quadro clínico apresentado, o supervisor do estágio fez os seguintes


questionamentos: você saberia explicar quais estruturas são acometidas na cistite? O que é
a cistite? Qual a importância dessas estruturas para o funcionamento do nosso organismo?

Agora, você já é capaz de responder ao seu supervisor.


Primeiramente, devemos lembrar que o sistema urinário é composto de rins, ureteres,
bexiga urinária e uretra. As funções desse sistema são realizadas, principalmente, pelos
rins. Desse modo, eles apresentam um papel importante na manutenção do meio interno do
organismo, atuando na regulação do volume e da composição do líquido extracelular, na
regulação do pH do meio interno, na excreção de resíduos metabólicos e produtos tóxicos e
na produção de hormônios (eritropoetina e calcitriol). Assim, alterações na atividade desse
sistema podem acarretar o aparecimento de disfunções em outros sistemas corporais,
comprometendo o funcionamento normal do organismo. Algumas patologias podem estar
associadas ao sistema urinário, como as infecções do trato urinário (ITU), caracterizadas
pela formação de colônias de bactérias, principalmente, a Escherichia coli, ou fungos no
sistema urinário. As mulheres são mais susceptíveis a esse tipo de infecção devido à
proximidade entre o óstio externo da uretra e o ânus. Além disso, a uretra feminina é curta,
o que possibilita que bactérias atinjam a bexiga urinária mais facilmente. Os sinais e
sintomas dessas infecções incluem disúria, a bexiga torna-se sensível à pressão, urgência
urinária, necessidade de urinar com maior frequência (polaciúria), lombalgia e enurese
noturna. O exame de urina é geralmente solicitado quando há suspeita de ITU e, para
indivíduos que apresentam a infecção, os achados são bacteriúria, piúria e hematúria.
Quando a inflamação acomete a parede da uretra, temos um quadro de uretrite. Porém, se
a inflamação atingir a bexiga urinária, temos uma cistite, mas, muitas vezes, as infecções
acabam acometendo as duas regiões (uretra e bexiga). Para o tratamento de uma ITU,
utiliza-se a terapêutica antibiótica. Caso a infecção não seja tratada, as bactérias podem
avançar, ascendendo pelo ureter e atingir a pelve renal. Nesse caso, a inflamação é
denominada pielite. Havendo o avanço da infecção até o córtex e a medula renal, o quadro
é chamado de pielonefrite, e o indivíduo pode apresentar febre alta, dor intensa do lado
envolvido, vômitos e diarreia.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

ENVELHECIMENTO DO SISTEMA URINÁRIO

Nessa semana, um grupo de estudantes da área da saúde acompanhará a rotina do


ambulatório do hospital de sua universidade. Uma das atividades a ser realizada durante
esse período será o acompanhamento de alguns casos clínicos de pacientes atendidos pelo
local. No primeiro dia de atividades, os alunos acompanharam o caso da paciente M.G.L.,
60 anos. Ela procurou o ambulatório queixando-se de perda involuntária de urina há cerca
de um ano, sensação de esvaziamento incompleto da bexiga, gotejamento pós-miccional e
incapacidade de interromper o jato de urina. A paciente comentou ter perda considerável de
urina ao tossir, espirrar, gargalhar e agachar, necessitando do uso constante de absorvente
feminino, o que acaba prejudicando sua vida social, uma vez que é bastante ativa. Relatou
também a presença de infecções repetidas do trato urinário. Após exame clínico,
constatou-se que a paciente apresentava boa saúde geral, sendo solicitados alguns exames
complementares, nos quais se observou que ela não apresentava infecção no trato urinário.
Diante dos achados, a paciente foi diagnosticada com incontinência urinária.

Para incentivar as discussões a respeito do caso apresentado, o supervisor da equipe


sugeriu que a incontinência urinária na paciente parecia ser uma consequência do
envelhecimento do sistema urinário. Ele também levantou os seguintes questionamentos
aos alunos de graduação: vocês saberiam explicar que alterações ocorrem no sistema
urinário com o envelhecimento? Existem outras patologias, além da incontinência urinária,
que podem surgir com o envelhecimento desse sistema?

Você, no lugar desses alunos, como responderia a esses questionamentos?

RESOLUÇÃO
Você já viu vários conceitos importantes a respeito do sistema urinário e sabe que ele é
responsável por diversas funções cruciais para o nosso organismo, como a manutenção do
meio interno. Sabe também que alterações no funcionamento das estruturas que compõem
esse sistema resultam em diferentes efeitos fisiológicos, que podem ser prejudiciais ao
nosso corpo. E assim como os demais sistemas corporais, o sistema urinário também
envelhece. Dentre as alterações observadas com o envelhecimento dele, temos a
diminuição do número de néfrons, das unidades funcionais dos rins e do fluxo sanguíneo
renal, acarretando uma diminuição no tamanho dos rins e da função renal. Ocorre o
enfraquecimento da musculatura pélvica e, desse modo, os esfíncteres perdem o tono
muscular, tornando-se menos efetivos para atuar na retenção voluntária da urina. A uretra
atrofia, perdendo sua elasticidade. Ocorrem também alterações vesicais, como redução no
tamanho e na capacidade da bexiga que, junto ao enfraquecimento da musculatura pélvica
e da atrofia uretral, colaboram para o aparecimento da incontinência urinária, assim como
para o aumento da frequência e urgência urinária. Com o envelhecimento do sistema
urinário, as infecções tornam-se mais comuns, bem como a disúria, poliúria e hematúria.
Nos homens, pode ocorrer retenção urinária como consequência de hiperplasia prostática
benigna, bastante comum em homens a partir dos 50 anos de idade. Nesse caso, o edema
e a deformação dos tecidos da próstata causam obstrução do fluxo urinário ao comprimirem
a parte prostática da uretra, impedindo o fluxo da urina. O edema e a deformação tecidual
também alteram significativamente o trato urinário inferior, causando, por exemplo, a
instabilidade do músculo detrusor.

A IMPORTÂNCIA FUNCIONAL DAS VIAS URINÁRIAS E DOS NÉFRONS

PRATICAR PARA APRENDER

Nesta seção, você conhecerá a estrutura anatômica do néfron e como o seu funcionamento
auxilia na manutenção da homeostase corporal. Verá os diferentes segmentos do néfron e
quais processos renais básicos ocorrem em cada um deles e que resultam na formação da
urina. Além disso, compreenderá como ocorre o reflexo da micção e como ele pode ser
controlado consciente e inconscientemente. Assim, você será capaz de reconhecer todas
essas características, tornando possível a compreensão e a aplicação desses
conhecimentos no seu dia a dia profissional. Dessa forma, a partir dos conceitos abordados
na seção, você poderá identificar as características estruturais do néfron, unidade funcional
dos rins, relacionando-as com suas funções, e perceber como essas características podem
influenciar e contribuir para o bom funcionamento do nosso organismo, sempre fazendo a
relação desses conceitos com o seu contexto profissional.

Para auxiliar no desenvolvimento das competências mencionadas, continuaremos a


acompanhar a rotina de um aluno de graduação na área da saúde, que realiza seu estágio
junto à equipe multidisciplinar do Programa de Atenção Integral à Saúde de sua
universidade. Nessa etapa do estágio, nosso estudante está acompanhando as discussões
de casos clínicos de alguns atendimentos realizados por uma das Unidades Básicas de
Saúde (UBS) parceiras do Programa. Durante uma das reuniões, discutiu-se o caso clínico
do paciente J.W.R., sexo masculino, 11 anos. Inicialmente, o menino compareceu, junto à
sua responsável, ao ambulatório da UBS apresentando edema facial, com início há sete
dias, edema nos membros inferiores e aumento do volume abdominal. A responsável
relatou que a criança apresentou dor de garganta e febre moderada há três semanas, com
melhora sem tratamento medicamentoso. Citou também que a urina da criança estava
“marrom-enferrujada” e “espumosa”. O exame físico mostrou dor à palpação de flancos
direito e esquerdo. O exame de urina mostrou hematúria, proteinúria e oligúria. Ultrassom
de rins e vias urinárias sem alterações. Diante do quadro clínico apresentado e dos
resultados dos exames, a hipótese diagnóstica aventada para o paciente foi de
glomerulonefrite pós-estreptocócica. O menino foi medicado com antibiótico e, ao fim do
tratamento, compareceu em consulta de retorno, apresentando-se assintomático e com
regressão do edema, recebendo alta ambulatorial. Ainda durante a discussão desse caso
clínico, o supervisor do Programa aproveitou para instigar o estagiário a relembrar alguns
conceitos importantes a respeito das características anatômicas e funcionais dos diferentes
componentes do néfron. Ele fez os seguintes questionamentos: você saberia explicar o que
é uma glomerulonefrite? Que componente estrutural do néfron é acometido nessa
patologia? Qual a importância dessa estrutura para o funcionamento do nosso organismo?

Você, no lugar do estagiário, como responderia a todos esses questionamentos?

CONCEITO-CHAVE

Os rins são responsáveis pela formação da urina, sendo suas camadas formadas por
túbulos microscópicos denominados néfrons. Em cada rim, podemos encontrar cerca de um
milhão de néfrons, considerados suas unidades funcionais. Aproximadamente, 80% dos
néfrons estão localizados quase completamente dentro do córtex renal, sendo chamados de
néfrons corticais. Os outros 20% penetram na região medular do rim e, por isso, são
chamados de néfrons justamedulares. Cada néfron é formado pelo corpúsculo renal e por
uma estrutura tubular. Esta última é formada por quatro porções, denominadas túbulo
proximal, alça de Henle, túbulo distal e ducto coletor.

CORPÚSCULO RENAL E A FILTRAÇÃO GLOMERULAR

O corpúsculo renal faz parte do néfron, sendo que cada um dos corpúsculos é formado por
uma rede de capilares glomerulares chamado glomérulo. Envolvendo o glomérulo,
encontramos a cápsula de Bowman, uma câmara de parede dupla, com espaço no seu
interior (espaço de Bowman) preenchido com líquido (filtrado glomerular). A função do
corpúsculo renal é promover a filtração do plasma para dentro dos túbulos renais, a primeira
etapa da formação da urina. A partir do momento que o plasma é filtrado para dentro da
cápsula de Bowman, passa a ser chamado de filtrado glomerular, sendo composto,
principalmente, de água e solutos dissolvidos.

O sangue chega em cada glomérulo pela arteríola aferente e, ao fluir pelo glomérulo, parte
do plasma acaba sendo filtrado para a cápsula de Bowman. Aproximadamente, 20% do
plasma que flui ao longo dos rins é filtrado para dentro do néfron. O restante, junto às
células sanguíneas e à maior parte das proteínas plasmáticas, acaba não sendo filtrado,
sendo drenado do glomérulo pela arteríola eferente. A essa porcentagem de volume total do
plasma filtrado inicialmente para a cápsula de Bowman e, depois, para o interior dos túbulos
renais é dado o nome de fração de filtração.

Para que a filtração ocorra, o plasma precisa atravessar a membrana de filtração do rim
antes de alcançar o lúmen tubular. Essa membrana é formada por três barreiras de filtração:
o endotélio do capilar glomerular, uma lâmina basal e o endotélio da cápsula de Bowman.
Os capilares glomerulares são capilares fenestrados, portanto apresentam poros grandes
entre as células endoteliais, que permitem a passagem da maior parte dos componentes do
plasma, exceto a passagem de células sanguíneas e proteínas plasmáticas carregadas
negativamente. A lâmina basal, segunda barreira de filtração, é uma camada acelular de
matriz extracelular, formada por glicoproteínas carregadas negativamente, colágeno e
proteoglicanos, localizada entre o endotélio do capilar glomerular e o endotélio da cápsula
de Bowman. A lâmina basal impede a passagem da maioria das proteínas plasmáticas. E,
ainda, fazendo parte da membrana de filtração, temos o endotélio da cápsula de Bowman.
Este envolve cada capilar glomerular, sendo formado por células epiteliais especializadas,
denominadas podócitos. Os podócitos apresentam extensões citoplasmáticas chamadas
pedicelos, que envolvem os capilares glomerulares e se entrelaçam entre si, formando
lacunas, chamadas de fendas de filtração, que impedem a passagem de proteínas e
macromoléculas. Após passar pela membrana de filtração, o filtrado glomerular desemboca
no espaço de Bowman e, depois, passa para o lúmen do túbulo proximal.

Ainda, ao redor e entre os capilares glomerulares, podemos encontrar as células


mesangiais, as quais apresentam elementos contráteis e, dessa forma, participam da
regulação do fluxo sanguíneo pelos capilares.

ASSIMILE

A filtração glomerular é determinada por um gradiente de pressão no corpúsculo renal,


denominada pressão efetiva de filtração (PEF). Esta depende da combinação de três
pressões: (1) pressão hidrostática do capilar glomerular (PCG, em média, de 55 mmHg):
força o movimento do fluido do capilar glomerular para o espaço de Bowman; (2) pressão
oncótica do capilar glomerular (πCG, em média, de 30 mmHg): gerada devido à presença
de proteínas no plasma. Essa pressão é maior dentro dos capilares glomerulares do que no
fluido presente na cápsula de Bowman, favorecendo o movimento do fluido de volta para os
capilares. Portanto, é uma força que se opõe à filtração; (3) pressão hidrostática do fluido na
cápsula de Bowman (PCB, em média, de 15 mmHg): o fluido presente no interior da cápsula
(espaço de Bowman) gera uma pressão hidrostática desse fluido, que se opõe ao
movimento do fluido dos capilares para dentro da cápsula e, portanto, à filtração. A pressão
oncótica no interior da cápsula de Bowman é considerada nula, uma vez que a filtração de
proteínas é extremamente baixa.

Desse modo, a PEF é de, em média, 10 mmHg, do capilar glomerular para o interior da
cápsula de Bowman, direção que favorece a filtração. Contudo, conforme o sangue flui ao
longo do capilar, a PCG diminui. Isso ocorre devido à resistência ao fluxo, causada pelo
comprimento do capilar. Por outro lado, conforme o líquido vai sendo filtrado, a
concentração de proteínas aumenta no capilar glomerular, promovendo um aumento da
πCG ao longo desse capilar. Mas, mesmo com a diminuição da PCG ao longo do capilar
glomerular, esta ainda permanece maior do que as pressões que se opõem a ela,
permitindo a filtração ao longo de praticamente todo o comprimento dos capilares
glomerulares. O volume de fluido filtrado para o interior da cápsula de Bowman por unidade
de tempo é denominado taxa de filtração glomerular.

REFLITA

Em um indivíduo adulto, a taxa de filtração glomerular (TFG) é, em média, de 125 mL/min.


Considerando o volume plasmático total de cerca de três litros, a TFG indica que os rins
filtram todo o volume plasmático do nosso corpo, aproximadamente, 60 vezes por dia.
Alguns fatores, como o fluxo sanguíneo renal e a pressão arterial, podem influenciar na
TFG. Contudo, embora haja flutuações nesses fatores, a TFG permanece relativamente
constante, devido a um controle local exercido pelos rins e que envolve diferentes
mecanismos. Você sabia que esse controle local é um processo chamado de
autorregulação da TFG? Quais são os mecanismos de autorregulação da TFG e como eles
atuam? Como esse conhecimento implica a sua atuação como futuro profissional da área
da saúde?

TÚBULOS RENAIS E A FORMAÇÃO DA URINA

Após o filtrado glomerular deixar a cápsula de Bowman, ele flui para o sistema de túbulos
renais, sendo modificado ao longo deles pelos processos de reabsorção e secreção tubular,
para formar a urina. Assim, inicialmente, o filtrado drena da cápsula de Bowman para o
primeiro segmento tubular, denominado túbulo proximal, passando a ser chamado de fluido
tubular ou urina. A partir de agora, seguiremos o trajeto desse fluido através dos diferentes
segmentos tubulares.

O túbulo proximal apresenta duas porções: uma inicial mais tortuosa, denominada porção
convoluta ou contorcida, e uma porção reta, localizada mais no final desse segmento
tubular. O túbulo proximal é revestido por epitélio cúbico simples, no qual as células
apresentam duas membranas: uma apical ou luminal, voltada para o lúmen tubular e com
presença de uma borda em escova com microvilosidades, e uma basolateral, que constitui o
limite entre a célula e o interstício e os capilares peritubulares.

No túbulo proximal, ocorre a maior parte do processo de reabsorção renal, sendo


reabsorvidos nutrientes orgânicos, íons e água. A reabsorção da maioria dos solutos nesse
segmento está associada a um gradiente de concentração de Na+ entre o filtrado
glomerular e o citoplasma das células tubulares dos néfrons. A concentração de Na+ no
filtrado que entra pelo túbulo proximal é similar à composição iônica plasmática, uma vez
que quase todos os solutos são filtrados do plasma (com exceção das proteínas
plasmáticas maiores) para a cápsula de Bowman na mesma proporção que a água. Porém,
o filtrado que chega ao túbulo proximal apresenta uma concentração maior de Na+ do que
no interior das células tubulares. Assim, a favor do gradiente eletroquímico, o Na+ entra
passivamente na célula tubular, via canais de vazamento abertos ou utilizando proteínas
transportadoras. Dentro das células tubulares, o Na+ é transportado ativamente através da
membrana basolateral pela bomba Na+-K+-ATPase, o que acarreta o movimento do Na+
para o líquido intersticial (LIT) e capilares peritubulares (reabsorção) e entrada de K+ na
célula tubular. Como mencionado, o Na+ pode atravessar a membrana apical utilizando
proteína transportadora por cotransporte com outras substâncias, como glicose,
aminoácidos e íons (K+, Ca2+, Cl-, HCO3-, HPO42-).

A saída de Na+ e outros solutos do lúmen tubular para o LIT promove uma diluição do fluido
tubular e um aumento da concentração do LIT, criando um gradiente osmótico que favorece
o movimento da água do lúmen tubular em direção ao interstício. Além disso, esse
transporte de água gera um gradiente favorável ao transporte de ureia. A saída da água do
lúmen tubular resulta em aumento da concentração de ureia no fluido tubular, gerando um
gradiente de concentração para o movimento dela do lúmen tubular para o LIT. E,
finalmente, no túbulo proximal, acontece a reabsorção da maior parte das proteínas e dos
peptídeos pequenos filtrados através da membrana de filtração. A reabsorção dessas
substâncias ocorre, geralmente, por pinocitose. Assim, aproximadamente, 70% da água e
dos solutos filtrados, assim como praticamente toda a glicose, os aminoácidos e as frações
significativas de íons importantes acabam sendo reabsorvidos no túbulo proximal. Uma vez
no interstício, a água e os solutos se movem para os capilares peritubulares, retornando à
circulação sistêmica.

Além da reabsorção, no túbulo proximal, também ocorre o processo de secreção. Nesse


segmento, substâncias, como H+, amônia e vários compostos orgânicos, são secretadas no
lúmen tubular. Esses compostos incluem produtos de degradação metabólica (creatinina e
ácido úrico) ou provenientes do meio externo, como os fármacos (anestésicos, antibióticos,
morfina, entre outros) e as toxinas. Dessa forma, pelo processo da secreção tubular renal,
muitas substâncias nocivas acabam sendo eliminadas do corpo. Ao sair do túbulo proximal,
o fluido tubular apresenta a mesma concentração do filtrado glomerular e do plasma, uma
vez que os solutos e a água são reabsorvidos nas mesmas proporções (processo de
reabsorção isosmótica) nesse segmento. Desse local, o fluido tubular segue e adentra a
alça de Henle. Esta é um segmento tubular que desce até a medula e, depois, retorna para
o córtex, sendo formada por três ramos: descendente fino, ascendente fino e ascendente
grosso.

A alça de Henle é responsável pela reabsorção de cerca de 25% de Na+ e Cl- filtrados e
15% de água filtrada. O ramo descendente fino, o primeiro dessa estrutura, é altamente
permeável à água. Nesse ramo, a água é reabsorvida por osmose, a favor de um gradiente
de concentração gerado pelo interstício circundante hiperosmótico em relação ao fluido
tubular. A reabsorção da água ocorre através de canais de água, chamados aquaporinas-1
(AQP1), os mesmos presentes no túbulo proximal e que permitem a reabsorção de água
naquele local. No entanto, no ramo fino descendente, não ocorre reabsorção de Na+ e Cl-.
Assim, o fluido tubular, ao sair desse ramo, apresenta maior concentração de Na+ e Cl-,
devido à reabsorção de água.

Nos ramos ascendentes fino e grosso da alça de Henle, não há reabsorção de água, pois
esses segmentos não apresentam aquaporinas (AQP), sendo, portanto, impermeáveis à
água. Por outro lado, nesses segmentos, ocorre a reabsorção de Na+ e Cl-. No ramo
ascendente fino, a reabsorção de Na+ e Cl- é passiva, a favor de um gradiente de
concentração, uma vez que a chegada do fluido tubular concentrado em solutos, (Na+ e
Cl-), oriundo do ramo descendente fino, acaba favorecendo a difusão desses solutos do
fluido tubular em direção ao LIT. Além do processo de reabsorção de Na+ e Cl-, no ramo
ascendente fino, também se observa a secreção passiva de ureia para o fluido tubular. No
ramo ascendente grosso, a reabsorção de Na+ e Cl- é favorecida pela atividade da bomba
Na+-K+-ATPase na membrana basolateral das células tubulares, que mantém baixa a
concentração de Na+ dentro da célula tubular, gerando um gradiente de concentração que
favorece o movimento desse íon do fluido tubular para dentro da célula. O transporte do
Na+ e Cl- através da membrana apical da célula para o seu interior ocorre via proteínas
transportadoras por cotransporte de 1Na+-1K+-2Cl-, movendo o Na+, Cl- e K+ para dentro
da célula. Os K+ acabam sendo reciclados, retornando para o fluido tubular através de
canais de potássio presentes na membrana apical. O transporte de Na+ na membrana
apical também pode ser realizado por proteínas transportadoras por contratransporte de
1Na+-1H+, movendo Na+ para dentro da célula e H+ para o fluido tubular. Dessa forma,
além da reabsorção de Na+ nesse segmento, ocorre também a secreção de H+. Assim, o
resultado dos processos que ocorrem nos ramos ascendentes da alça de Henle é um fluido
tubular mais diluído em relação ao plasma e ao interstício que envolve esse segmento. Isso
acontece porque, na alça de Henle, ocorre reabsorção de maior quantidade de NaCl do que
de água, tornando esse fluido tubular hiposmótico em relação ao plasma e ao interstício
circundante. Como a reabsorção de NaCl acaba sendo o responsável por esse fluido mais
diluído e essa reabsorção ocorre no ramo ascendente da alça de Henle, este ramo é
chamado de “segmento diluidor”.

O fluido tubular deixa a alça de Henle e entra no túbulo distal, que pode ser dividido em um
segmento inicial, denominado túbulo distal convoluto, e um segmento final, chamado túbulo
distal final. O túbulo distal se inicia logo após a mácula densa (um curto segmento do ramo
ascendente espesso da alça de Henle formado quando o néfron passa entre as arteríolas
aferente e eferente que o suprem), estendendo-se até o local onde muitos néfrons se unem
e formam um único ducto coletor cortical, o qual penetra na medula renal, originando o
ducto coletor medular.

Com relação aos processos básicos renais, no túbulo distal convoluto não há reabsorção de
água, pois esse segmento é impermeável à água. Contudo, o túbulo distal convoluto
reabsorve Na+, Cl- e Ca2+, além de secretar H+ e amônia. Nesse segmento, o transporte
de Na+ e Cl- na membrana apical em direção ao interior da célula tubular ocorre através de
proteínas transportadoras por cotransporte Na+-Cl-. Por ação da bomba Na+-K+-ATPase na
membrana basolateral das células tubulares, o Na+ deixa o meio intracelular, movendo-se
em direção ao LIT. Já o Cl- é movido do interior da célula tubular para o LIT por difusão via
canais de Cl-. Dessa forma, nesse segmento, o fluido tubular perde solutos sem reabsorção
de água, diluindo ainda mais.

Do túbulo distal convoluto, o fluido tubular entra no túbulo distal final e, depois, nos ductos
coletores. Esses dois últimos segmentos do túbulo renal apresentam dois tipos celulares:
células principais e células intercaladas. As células principais são responsáveis pela
reabsorção de Na+, Cl- e água e pela secreção de K+. Já as células intercaladas
reabsorvem K+ e secretam H+. Nas células principais, a reabsorção de Na+ e a secreção
de K+ envolvem a atividade da bomba Na+-K+-ATPase, presente na membrana basolateral.
Essa bomba promove a captação de K+ a partir do LIT para a célula e o movimento do Na+
da célula para o LIT. Com isso, a concentração de Na+ intracelular diminui, gerando um
gradiente químico que favorece o movimento do Na+ do fluido tubular para o interior da
célula, via difusão por canais seletivos ao Na+, canais do tipo ENac, presentes na
membrana apical das células tubulares. A secreção de K+ ocorre por canais específicos
para esse íon presentes na membrana apical. Com a saída de Na+ do líquido tubular, este
torna-se com voltagem mais negativa, o que favorece a reabsorção passiva de Cl- por via
paracelular (entre as células). A quantidade de água reabsorvida nos túbulos distais finais e
ductos coletores é variável e dependente da presença de hormônio antidiurético (ADH), que
regula a permeabilidade à água nesses segmentos tubulares. O ADH estimula a migração
de vesículas presentes no citoplasma das células tubulares dos túbulos distal e ductos
coletores em direção à membrana apical e sua posterior incorporação a essa membrana. As
membranas dessas vesículas apresentam agregados de canais de água que são sensíveis
ao ADH, chamados aquaporinas 2 (AQP2). Quando as concentrações plasmáticas de ADH
estão baixas, as AQP2 são retiradas da membrana apical por endocitose, resultando em
pouquíssima reabsorção de água nesses segmentos tubulares e, consequentemente, em
um fluido tubular com grande volume e hiposmótico (diurese hídrica). Porém, se as
concentrações plasmáticas de ADH estão aumentadas, acaba determinando a incorporação
de AQP2 na membrana apical e, consequentemente, maior reabsorção de água nesses
segmentos, tornando o fluido tubular hiperosmótico e com menor volume. Dessa forma, a
alteração na quantidade de AQP2 incorporada na membrana apical constitui um mecanismo
rápido de controle da permeabilidade da membrana à água. Diferentemente, a membrana
basolateral desses segmentos não depende da ação do ADH, sendo livremente permeáveis
à água. Esta deixa a célula tubular em direção ao interstício hipertônico por canais de água,
chamados AQP3 e AQP4, presentes na membrana basolateral. A secreção de K+pelas
células principais para o fluido tubular é mediada pela atividade da bomba Na+-K+-ATPase
na membrana basolateral, que capta o K+do LIT para o interior da célula. Posteriormente, o
K+ deixa a célula em direção ao fluido luminal por difusão via canais de K+ presentes na
membrana apical.

Nas células intercaladas, a reabsorção de K+ e a secreção de H+ são mediadas pela ação


da bomba H+-K+-ATPase, localizada na membrana apical, que movimenta K+ para dentro
da célula e H+ para o fluido tubular. A seguir, o K+ se difunde da célula para o LIT via canais
de K+presentes na membrana basolateral. Assim, resumidamente, os túbulos distais e os
ductos coletores são responsáveis pela reabsorção de, aproximadamente, 8% de Na+ e Cl-
e de uma quantidade variável de água (8 a 17%), além da secreção de quantidades
variáveis de K+ e H+. Nesses segmentos, o ADH desempenha um importante papel na
quantidade de água presente na urina final.

Ao deixar os ductos coletores, o fluido tubular (urina) percorre sequencialmente os cálices


renais, pelve renal, ureteres, bexiga urinária, uretra, até alcançar o meio externo.

EXEMPLIFICANDO

Os rins atuam na regulação do volume, na composição e no pH dos líquidos corporais,


retirando produtos da degradação metabólica e substâncias estranhas ou em excesso do
sangue para excretá-los na urina. Contudo, os rins também contribuem de alguma forma
para o funcionamento de todos os sistemas corporais e, consequentemente, para a
manutenção da homeostase corporal. No sistema digestório, os rins auxiliam na síntese de
calcitriol, forma ativa da vitamina D, necessária para a absorção de cálcio a partir da dieta.
Dentro desse panorama, no sistema muscular, os rins contribuem para o ajuste das
concentrações plasmáticas de cálcio, essencial para a ocorrência da contração muscular. O
ajuste nas concentrações plasmáticas de cálcio também é fundamental para a síntese da
matriz óssea no sistema esquelético. As ações fisiológicas renais nos demais sistemas
corporais não se limitam a somente esses exemplos, sendo ainda mais amplas. Assim,
durante sua formação e atuação profissional, o profissional de saúde precisa ter
conhecimento de modo integrativo do funcionamento dos sistemas corporais e como
alterações, por exemplo, no sistema urinário, podem comprometer a homeostasia corporal.
Esse conhecimento se torna fundamental, uma vez que, durante o exercício de sua
profissão, poderá se deparar com indivíduos que apresentem patologias decorrentes de
alterações no funcionamento do sistema urinário.

DEPURAÇÃO PLASMÁTICA OU CLEARANCE RENAL

É o volume de plasma a partir do qual uma substância específica é totalmente removida por
minuto e excretada na urina. A depuração plasmática pode ser utilizada para medir a TFG
e, portanto, ser um indicativo da função renal. Dessa forma, uma TFG reduzida indicaria um
declínio da função renal. A depuração plasmática (D) pode ser calculada pela fórmula:

Assim, quando uma substância é livremente filtrada no corpúsculo renal, não sendo
secretada nem reabsorvida pelo néfron, sua depuração plasmática será igual à sua TFG,
pois a quantidade de substância filtrada é igual à quantidade da substância excretada. Um
exemplo seria a inulina, um polissacarídeo não fisiológico. Contudo, embora a inulina seja
ideal para a avaliação da TFG, sua utilização é tecnicamente difícil e pouco prática, o que a
torna pouco adequada para uso rotineiro na prática clínica. Clinicamente, a substância
utilizada para a medida da TFG é a creatinina, produto do metabolismo da creatina nos
músculos esqueléticos, sendo liberada no sangue em um ritmo constante. A creatinina é
livremente filtrada nos corpúsculos renais e não é reabsorvida pelos túbulos renais.
Entretanto, essa substância é secretada pelo túbulo proximal, de modo que cerca de 10%
da creatinina acaba sendo excretada pela urina, o que levaria a uma superestimação da
TFG. Mas, devido a um erro de igual magnitude do ensaio realizado em laboratório, o valor
da TFG acaba sendo compensado, validando a sua utilização na prática clínica.

MICÇÃO

É a eliminação de urina armazenada na bexiga. Esse processo é um arco reflexo simples


sujeito ao controle voluntário e involuntário exercido por centros superiores do encéfalo.
Conforme a urina começa a ser armazenada na bexiga, suas paredes se distendem,
ativando receptores de estiramento presentes nesse local, os quais produzem potenciais de
ação, que são conduzidos por neurônios sensoriais que fazem parte dos nervos pélvicos e
enviados à região sacral da medula espinal. Nesse local, a informação é integrada,
resultando em uma resposta que envolve duas ações. A primeira é a ativação de neurônios
parassimpáticos que inervam a musculatura lisa da parede da bexiga urinária (músculo
detrusor), promovendo a contração dessa musculatura. Ao mesmo tempo, os neurônios
motores somáticos que inervam o esfíncter externo da uretra são inibidos, promovendo o
relaxamento desse esfíncter. A contração da bexiga empurra a urina em direção à uretra,
exercendo uma pressão sobre o esfíncter interno da uretra, forçando a abertura dele.
Conjuntamente, o esfíncter externo da uretra relaxa e se abre, permitindo a passagem da
urina para a uretra e, em seguida, para o meio externo. Esse arco reflexo simples é
observado, principalmente, em crianças com idade inferior a 2-3 anos, que ainda não
aprenderam a exercer o controle voluntário dos esfíncteres. A partir dessa idade, o indivíduo
aprende a controlar a atividade dos esfíncteres (reflexo aprendido), mantendo a micção
inibida até que haja o desejo consciente de urinar. Para isso, fibras sensoriais oriundas da
parede da bexiga urinária, ativadas pelo enchimento dessa estrutura, enviam potenciais de
ação por vias ascendentes espinais a centros presentes no tronco encefálico e córtex
cerebral, aumentando o desejo consciente de urinar. Como resposta, por meio de vias
descendentes, são enviados potenciais de ação para a região sacral da medula espinal,
inibindo o reflexo da micção, ou seja, inibindo as fibras parassimpáticas que inervam a
parede da bexiga urinária e aumentando a contração do esfíncter externo da uretra pela
ativação dos neurônios motores somáticos que o inervam. Quando o indivíduo decide que é
o momento apropriado para urinar (vontade consciente), esses mesmos centros do tronco
encefálico e córtex cerebral retiram essa inibição, facilitando o reflexo de micção.

Agora, que você conheceu as principais características estruturais e funcionais do néfron,


bem como a respeito do reflexo de micção, você é capaz de compreender a importância do
conhecimento desse tema para uma atuação profissional adequada e segura, visando ao
bem-estar e à promoção da saúde.

SEM MEDO DE ERRAR

Agora que você conheceu e aprendeu a respeito das principais características anatômicas e
funcionais dos componentes do néfron, retomaremos a nossa situação-problema.
Consideraremos que você seja um estagiário da área da saúde na universidade de sua
cidade e, nesta etapa do seu estágio, você acompanhará a equipe multidisciplinar
responsável por um Programa de Atenção Integral à Saúde na sua instituição. Neste
primeiro momento, você está acompanhando a análise e discussão de diferentes casos
clínicos de pacientes atendidos em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) parceira do
Programa.

Durante uma das reuniões, discutiu-se o caso de um paciente que apresentava os


seguintes achados clínicos: edema facial e nos membros inferiores, aumento de volume
abdominal, dor à palpação dos flancos direito e esquerdo, hematúria, proteinúria, oligúria e
ultrassom dos rins e das vias urinárias sem alterações. Foi referida dor de garganta e febre
moderada três semanas antes, que regrediu sem tratamento medicamentoso. Assim, diante
de todos os achados, o paciente acabou sendo diagnosticado com glomerulonefrite
pós-estreptocócica.

Aproveitando o quadro clínico apresentado, o supervisor do estágio fez os seguintes


questionamentos: você saberia explicar o que é uma glomerulonefrite? Que componente
estrutural do néfron é acometido nessa patologia? Qual a importância dessa estrutura para
o funcionamento do nosso organismo?

Agora, você já é capaz de responder ao seu supervisor.


Primeiramente, devemos lembrar que o néfron é a unidade funcional dos rins, sendo cada
néfron formado pelo corpúsculo renal e um sistema de túbulos. O corpúsculo renal é
formado pelo glomérulo e pela cápsula de Bowman, enquanto o sistema tubular é composto
por quatro porções, denominadas túbulo proximal, alça de Henle, túbulo distal e ducto
coletor. No corpúsculo renal, ocorre o processo de filtração, e no sistema de túbulos, o fluido
filtrado sofre os processos de reabsorção e secreção, que variam de acordo com a porção
desse sistema. A glomerulonefrite é uma inflamação que envolve os glomérulos e pode
apresentar diferentes causas, como infecções bacterianas, virais e parasitárias. Um dos
tipos de glomerulonefrite é a glomerulonefrite pós-estreptocócica, mais comum em crianças,
surgindo entre 7 dias e 12 semanas após uma faringite ou infecção da pele ocasionada por
estreptococos beta-hemolíticos do grupo A. Neste caso, os glomérulos inflamados
tornam-se tumefeitos e ingurgitados, comprometendo a função da membrana de filtração,
permitindo a passagem de quantidades maiores do que o normal de proteínas plasmáticas
(principalmente, albumina) e células sanguíneas para o filtrado. Como consequência,
observa-se a presença de hemácias (hematúria) e proteínas plasmáticas (proteinúria) na
urina. A coloração da urina torna-se “marrom-enferrujada”, devido à presença de hemácias
intactas e hemoglobina liberada pelas células hemolisadas, e “espumosa”, devido à
presença de proteínas na urina. Em alguns casos, pode haver retenção de sódio e água,
que leva ao edema, explicando o aparecimento de edema facial e de membros inferiores,
assim como o aparecimento de aumento da pressão arterial. Geralmente, a patologia não
necessita de nenhum tratamento específico, havendo o retorno da função renal ao normal
em poucas semanas.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

HEMODIÁLISE

Nessa semana, como parte das atividades práticas de um curso da área da saúde, um
grupo de alunos acompanhará a rotina do setor de hemodiálise do hospital de sua
universidade. Assim, durante esse período, os alunos poderão acompanhar o atendimento a
pacientes renais crônicos e agudos realizado pela equipe multidisciplinar. No primeiro dia de
atividades, o diretor responsável pelo setor recebeu os estudantes para uma conversa a
respeito do tipo de atendimento realizado por eles. Nesse momento, foi mencionado que,
além da hemodiálise, os pacientes recebiam orientações nutricionais, de higienização,
acompanhamento psicológico e realizavam exercícios físicos acompanhados e
individualizados, visando à sua reabilitação. Diante disso, segundo o diretor, o setor atuava
não somente na realização da hemodiálise mas também em ações para ajudar os pacientes
no enfrentamento da pesada rotina de tratamento, buscando auxiliar na melhora da
qualidade de vida deles, bem como no tratamento de outras patologias decorrentes da
doença renal. Ainda, o setor conta com 20 equipamentos de hemodiálise para atender
pacientes internados no hospital universitário ou emergências encaminhadas pelo pronto
socorro, além de pacientes externos que apresentam comprometimento renal e necessitam
de diálise.

Como primeira atividade do grupo de alunos, o diretor sugeriu que eles continuassem o
bate-papo, discutindo alguns conceitos importantes para o melhor entendimento do tipo de
tratamento realizado no setor de hemodiálise. Nesse momento, ele levantou os seguintes
questionamentos: vocês saberiam explicar o que é uma hemodiálise? Qual a importância
desse procedimento para o bom funcionamento do nosso organismo?

Você, no lugar desses alunos, como responderia a esses questionamentos?

RESOLUÇÃO
Você já viu vários conceitos importantes a respeito dos processos de filtração, reabsorção e
secreção renal e sabe que esses processos são responsáveis pela eliminação de produtos
metabólicos e substâncias nocivas ao organismo, bem como pelo retorno à circulação
sistêmica de substâncias fundamentais ao bom funcionamento dos sistemas corporais,
como glicose, água e vários íons. Ainda, você aprendeu que alterações nesses processos
podem resultar em diferentes efeitos fisiológicos que podem ser prejudiciais ao nosso
organismo. Doenças ou lesões renais podem alterar esses processos e, nesse caso, as
funções renais precisam ser suplementadas ou substituídas por um processo artificial
chamado diálise. Esse método se baseia na difusão de solutos através de uma membrana
seletivamente permeável. Um dos métodos de diálise é a hemodiálise, procedimento no
qual o sangue do braço é direcionado para uma membrana de diálise, que apresenta poros
que permitem a passagem de pequenos solutos, localizada dentro de um aparelho
chamado hemodialisador. Ao redor dessa membrana, é bombeado um líquido, denominado
dialisado, que mantém um gradiente de difusão e, dessa forma, o sangue do indivíduo que
flui através dessa membrana é filtrado, e as escórias metabólicas, os eletrólitos e os
líquidos em excesso são removidos, bem como substâncias necessárias ao organismo são
adicionadas a ele. Também é adicionado um anticoagulante, para evitar que haja a
coagulação do sangue que está sendo depurado dentro do hemodialisador. Após passar
pela membrana semipermeável, o sangue depurado flui através de um detector de êmbolos
de ar, para a remoção de ar que possa estar presente nesse sangue e, em seguida, o
sangue retorna ao corpo do indivíduo. Todo esse processo pode durar de três a cinco horas
e, dependendo do caso, três vezes por semana.

FISIOPATOLOGIA E FARMACOTERAPIA DO SISTEMA URINÁRIO

PRATICAR PARA APRENDER

Alterações no volume dos líquidos e eletrólitos corporais representam distúrbios clínicos


comuns observados rotineiramente por profissionais da área da saúde. Por isso, nesta
seção, você conhecerá as patologias mais prevalentes que acometem o sistema urinário e
as principais características clínicas, a etiologia e o tratamento delas. Ainda, compreenderá
o mecanismo de ação dos diferentes tipos de diuréticos, como esses fármacos atuam nos
diferentes segmentos do néfron e como podem ser utilizados no tratamento de distúrbios
hidroeletrolíticos, que resultam, principalmente, em aumento do volume do líquido
extracelular e estados edematosos. Você também será capaz de reconhecer todas essas
características, tornando possível a compreensão e aplicação desses conhecimentos no
seu dia a dia profissional. Dessa forma, a partir dos conceitos abordados na seção, você
poderá identificar as principais patologias associadas ao sistema urinário, relacionando-as
com as alterações no funcionamento normal desse sistema, e saberá como essas
alterações podem influenciar no funcionamento dos demais sistemas corporais, sempre
fazendo a relação desses conceitos com o seu contexto profissional.
Para auxiliar no desenvolvimento das competências mencionadas, continuaremos a
acompanhar a rotina de um aluno de graduação na área da saúde, que realiza seu estágio
junto à equipe multidisciplinar do Programa de Atenção Integral à Saúde de sua
universidade. Nessa etapa do estágio, nosso estudante continua acompanhando as
discussões de casos clínicos de alguns atendimentos realizados no pronto socorro do
hospital de sua universidade. Durante uma das reuniões realizadas pela equipe, discutiu-se
o caso clínico do paciente W.T S., 41 anos, que procurou o serviço de emergência do
hospital com dor forte no flanco direito, a qual irradiava para a região inguinal direita,
acompanhada de náusea e vômito. Segundo o paciente, a dor era constante e aumentava
em ondas. Ele também se queixou da presença de sangue na urina, sem febre. O paciente
enquadra-se no perfil de síndrome metabólica, apresentando obesidade, hipertensão,
hiperlipidemia e resistência à insulina. Devido à obesidade, evita carboidratos e consome
grande quantidade de carne e frutos do mar e, raramente, frutas e vegetais. Não tem o
hábito de ingerir líquidos, exceto durante as refeições. O exame de urina mostrou hematúria
microscópica, presença de cristais, baixo pH e hiperuricosúria. A ultrassonografia abdominal
constatou a presença de cálculo renal localizado no ureter direito. O paciente recebeu
quantidade grande de líquidos por via endovenosa, para auxiliar na eliminação do cálculo, e
anti-inflamatório não esteroide (AINEs), para alívio da dor. Após a eliminação do cálculo, foi
realizada análise laboratorial, confirmando que se tratava de um cálculo renal de ácido
úrico. Ainda durante a discussão desse caso clínico, o supervisor do Programa aproveitou
para instigar o estagiário a relembrar alguns conceitos importantes a respeito da
fisiopatologia do cálculo renal e dos fatores de risco associados. Ele fez os seguintes
questionamentos: você saberia explicar o que predispõe o desenvolvimento do cálculo
renal? Qual a relação dos achados laboratoriais e a formação do cálculo renal na paciente?
Existe relação entre a síndrome metabólica e a formação de cálculo de ácido úrico?
Você, no lugar do estagiário, como responderia a esses questionamentos?

CONCEITO-CHAVE

Os rins, mais especificamente os néfrons, são cruciais para a manutenção da homeostase


corporal. Alterações nos processos básicos realizados pelos rins (filtração, reabsorção e
secreção) resultam em comprometimento de praticamente todos os órgãos e sistemas
corporais. Embora algumas doenças renais tenham sua origem nos rins, distúrbios
secundários, como diabetes mellitus, hipertensão, obesidade e lúpus eritematoso sistêmico,
também podem levar ao aparecimento de problemas renais.

HIPERTENSÃO ARTERIAL

É uma condição caracterizada pela elevação sustentada da pressão arterial (PA), ou seja,
PA sistólica maior ou igual a 140 mmHg e/ou PA diastólica maior ou igual a 90 mmHg. A
hipertensão arterial é uma doença crônica, multifatorial e, geralmente, é assintomática.
Contudo, ela pode evoluir, ocasionando alterações estruturais e funcionais em diferentes
órgãos e tecidos do nosso corpo, tornando-se um fator de risco para doenças
cardiovasculares, doenças renais crônicas e mortes prematuras. Assim, para garantir um
fluxo sanguíneo adequado aos diferentes órgãos e tecidos do corpo, bem como evitar
danos a essas estruturas com consequente instalação e desenvolvimento de patologias, a
PA precisa ser mantida dentro de valores considerados normais.
A hipertensão arterial é classificada, de acordo com suas causas, em: hipertensão primária
ou hipertensão secundária. A hipertensão primária, também chamada hipertensão
essencial, não apresenta uma causa específica. Porém, alguns fatores podem contribuir
para o seu desenvolvimento, como: idade (mais comum em adultos do que em crianças),
sexo e raça (mais prevalente em afrodescendentes), histórico familiar, dieta, níveis
plasmáticos de lipídios, tabagismo, etilismo, sedentarismo e obesidade. Já a hipertensão
secundária é a elevação sustentada da PA como resultado da presença de outra patologia.
Como os rins apresentam um papel predominante no controle da pressão arterial, por meio
da regulação do volume dos líquidos corporais, a causa mais comum de hipertensão
secundária envolve a diminuição do fluxo sanguíneo renal. Nesse caso, a hipertensão
secundária é denominada hipertensão renovascular. A redução do fluxo sanguíneo renal
ativa o sistema renina-angiotensina-aldosterona. Como isso acontece nos rins? Para
entendermos, precisamos, inicialmente, conhecer as características anatômicas e
funcionais do aparelho justaglomerular.
Nos néfrons, o túbulo distal contorcido encontra-se em contato com o seu respectivo
glomérulo e suas arteríolas aferente e eferente correspondentes. Essa unidade, formada
por vasos e túbulo, é chamada de aparelho justaglomerular. Na parede do túbulo distal
contorcido, parte do aparelho justaglomerular, encontramos as células da mácula densa,
que detectam tanto variação de volume do líquido tubular como na sua composição. Já na
camada média da arteríola aferente, no lugar do músculo liso, nota-se a presença de
células epiteliais chamadas células justaglomerulares ou granulares. No citoplasma das
células justaglomerulares, encontramos grânulos contendo a enzima renina, que faz parte
do sistema renina-angiotensina-aldosterona.

Figura 4.3 | Componentes do aparelho justaglomerular

Na hipertensão renovascular, a diminuição do fluxo sanguíneo renal é detectada pelas


células da mácula densa, que enviam essa informação para as células justaglomerulares,
estimulando a secreção de renina por essas células. A renina converte o angiotensinogênio
plasmático produzido no fígado em angiotensina I, que, por ação da enzima conversora de
angiotensina (ECA), é convertida em angiotensina II. As células justaglomerulares, por sua
vez, também são receptores sensíveis ao estiramento (também chamados de
barorreceptores intrarrenais) e detectam a redução do estiramento da parede vascular,
ocasionada pela diminuição do volume circulatório local. Essa diminuição do estiramento
estimula a liberação de renina por essas células e, portanto, a produção de ANG II. Uma
das ações exercidas pela ANG II é promover uma forte vasoconstrição que aumenta a
resistência periférica total e, consequentemente, a pressão arterial. Outra ação da ANG II é
ocasionar o aumento do volume do líquido extracelular, promovendo a retenção de sódio e
água pelos rins. A ANG II aumenta a reabsorção de Na+ no túbulo proximal, por estimular o
transportador apical Na+- H+. A reabsorção de Na+ no túbulo proximal é seguida pela
reabsorção isosmótica de água. A ANG II atua diretamente nas glândulas adrenais,
estimulando a síntese e liberação de aldosterona, que aumenta a reabsorção de Na+ no
túbulo distal e ducto coletor. E, ainda no ducto coletor, a ANG II estimula os canais de Na+
do tipo ENaC. A ANG II também atua no hipotálamo, estimulando a sede e a secreção de
ADH, resultando em aumento da retenção de água, aumento do volume do líquido
extracelular e consequente aumento da PA.

Diante do exposto, podemos inferir que falhas nos mecanismos de controle da PA, ou seja,
na homeostasia, podem acabar levando ao aparecimento da hipertensão arterial.

CÁLCULO RENAL OU LITÍASE URINÁRIA (UROLITÍASE)

É uma condição bastante comum das vias urinárias, caracterizada pela formação de
agregados de cristais de sais presentes na urina e que, ocasionalmente, podem se
precipitar, solidificar, tornando-se insolúveis e alojando-se nas diferentes regiões do sistema
urinário. Geralmente, são unilaterais, podendo ser únicos ou múltiplos. Existem quatro tipos
principais de cálculos renais: de sais de cálcio (oxalato de cálcio e fosfato de cálcio), de
ácido úrico, de cistina e formados por fosfato de amônio e magnésio. Contudo, os cálculos
formados de sais de cálcio são os mais comuns na prática clínica. Alguns fatores estão
envolvidos na formação dos cálculos renais, como: (1) aumento da concentração sanguínea
e urinária dos componentes que constituem os cálculos, como resultado de ingestão
excessiva de cálcio ou associados a quadros de hipercalcemia e/ou hipercalciúria
(ocasionados por ingestão excessiva de cálcio, distúrbios na absorção tubular de cálcio,
acidose tubular, hiperatividade das glândulas paratireoides, bem como presença de alguns
tipos de tumor e metástase), dieta rica em purinas ou alterações na absorção tubular de
aminoácidos (cálculos de cistina) e doenças como gota (apresentam concentrações altas de
ácido úrico na urina); (2) anormalidades anatômicas das estruturas do sistema urinário; (3)
presença de infecção no trato urinário (ocasionado por bactérias que decompõem a ureia);
(4) volume urinário baixo (baixo consumo de água).

REFLITA

Vários fatores estão envolvidos na formação dos cálculos renais, como baixa ingestão de
água, histórico familiar, distúrbios metabólicos (excesso de ácido úrico ou de cálcio), entre
outros fatores. Você sabia que a restrição dietética pode auxiliar na prevenção de formação
de cálculo renais? Quais alimentos devem ser evitados? Variam conforme o tipo de cálculo
renal? Como esse conhecimento implica a sua atuação como futuro profissional da área da
saúde?
As manifestações clínicas do cálculo renal dependem do seu tamanho, formato e
localização. Os cálculos grandes são, geralmente, assintomáticos, a não ser que estejam
associados à obstrução do fluxo urinário e a infecções. Cálculos com tamanho variando
entre 1 e 5 mm provocam dor de intensidade variável, intermitente, sendo frequentemente
acompanhada por náuseas e vômitos. A presença de hematúria é bastante comum,
ocasionada por traumatismo e ulcerações provocadas pela presença do cálculo renal ou
seu deslocamento. Os cálculos podem permanecer ao longo do trajeto do ureter e causar
obstrução desse canal e, consequentemente, do fluxo urinário, assim como podem alcançar
a bexiga, favorecendo o aparecimento de infecções. Raramente, os cálculos se alojam na
uretra. A obstrução prolongada das vias urinárias pode acarretar hidronefrose, isquemia,
necrose, além de úlceras por compressão exercida pela presença do cálculo renal. O
tratamento consiste em analgesia e medicamentos para facilitar a eliminação do cálculo,
como bloqueadores de alfa-receptores (por exemplo, tansulosina). Para cálculos
persistentes ou que causam infecções, recomenda-se a remoção completa por meio do uso
de diferentes técnicas, como a remoção ureteroscópica e a litotripsia extracorpórea por
ondas de choque.

ASSIMILE

Hidronefrose
É a dilatação da pelve e dos cálices renais causada pelo acúmulo de urina ocasionada por
uma obstrução mecânica ou funcional do trato urinário. A obstrução mecânica é a principal
causa da hidronefrose, podendo ser causada por hiperplasia da próstata, cálculos renais,
tumores na bexiga, entre outros. A obstrução do trato urinário impede a drenagem da urina,
promovendo um aumento da pressão no interior da pelve renal que leva ao achatamento e
ao encurtamento das papilas renais, dilatação e, em seguida, atrofia progressiva dos
túbulos renais. A hidronefrose pode ser unilateral ou bilateral. Devido à atrofia progressiva
do parênquima renal, a hidronefrose acarreta comprometimento da função renal e, se não
tratada ou houver demora no diagnóstico, pode levar a lesões irreversíveis no rim.

INSUFICIÊNCIA RENAL

É um distúrbio no qual ocorre a perda da função renal, ou seja, os rins perdem a


capacidade de filtrar de forma adequada os resíduos metabólicos do sangue, assim como
de controlar o conteúdo corporal de água (equilíbrio hídrico), eletrólitos (sódio, potássio,
magnésio, cálcio, fosfato) e pH sanguíneo. A causa da insuficiência renal é bastante
variada, podendo envolver doença renal, alterações sistêmicas (como diabetes e pressão
alta) ou anormalidades urológicas que não afetam diretamente os rins. Existem dois tipos de
insuficiência renal: aguda e crônica.

LESÃO RENAL AGUDA

A lesão renal aguda (LRA), antes chamada de insuficiência renal aguda, é a perda rápida
da função renal, levando ao acúmulo de escórias nitrogenadas no sangue (azotemia) e ao
desenvolvimento de distúrbios hidroeletrolíticos. A LRA, na maioria das vezes, é reversível,
desde que haja o diagnóstico precoce da lesão, bem como um tratamento adequado. Os
tipos de LRA são:
• LRA pré-renal: ocasionada por fatores extrarrenais que levam à diminuição do fluxo
sanguíneo renal. Pode ser causada, principalmente, por perda de volume do líquido
extracelular (decorrente de ingestão inadequada de líquidos, hemorragias, diarreia, sepse,
entre outros) e diminuição da perfusão renal decorrente de doenças cardiovasculares, como
insuficiência cardíaca e choque cardiogênico. Observa-se oligúria e aumento das
concentrações de ureia no sangue. Em geral, é reversível quando eliminada a causa.
• LRA intrarrenal: ocasionada por distúrbios que levam à lesão de estruturas presentes nos
rins. Os distúrbios podem envolver vasos sanguíneos, glomérulos, túbulos renais ou
interstício. As principais causas da LRA envolvem: manutenção prolongada de causas
pré-renais, ação de nefrotoxinas diretamente sobre os rins (fármacos e contrastes
radiográficos) e doenças primárias do parênquima renal, como glomerulonefrites, necrose
tubular aguda, nefroesclerose maligna, entre outros).
• LRA pós-renal: resulta da obstrução da drenagem da urina produzida nos rins, podendo
ocorrer nos túbulos coletores (hidronefrose intraparenquimatosa), no ureter (cálculos e
estenoses), na bexiga (tumores) ou na uretra (hiperplasia prostática).
O tratamento da LRA é baseado na definição e remoção da causa da lesão. Porém, quando
não é possível a manutenção sob controle das escórias nitrogenadas e do equilíbrio
hidroeletrolítico, geralmente, torna-se necessária a realização de hemodiálise.

INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA (IRC)

É a perda da função renal de modo lento e gradativo, resultando em perda irreversível dos
néfrons e consequente diminuição progressiva da filtração glomerular, da capacidade de
reabsorção tubular e das funções endócrinas dos rins, podendo evoluir para a insuficiência
renal. Inicialmente, a IRC é assintomática. Nessa fase, há destruição de cerca de 75% dos
néfrons funcionantes, porém os sinais e sintomas não costumam aparecer, pois os néfrons
funcionantes remanescentes sofrem hipertrofia e passam a realizar uma hiperfiltração
compensatória, o que contribui ainda mais para sobrecarga e lesão renal. Com o aumento
progressivo da destruição dos néfrons, instala-se de fato a insuficiência renal. Os rins
perdem a capacidade de manter o equilíbrio hidroeletrolítico, há uma redução precoce da
capacidade de concentrar a urina e eliminar ureia e creatinina (azotemia), seguida de
uremia, retenção de água e sódio, hiperpotassemia, hiperfosfatemia, hipocalcemia, acidose
metabólica e anemia. Podem ocorrer também alterações fisiológicas secundárias, como
hipertensão arterial, insuficiência cardíaca congestiva e edema pulmonar. Assim,
inicialmente, na IRC, observa-se presença de fadiga, lentidão, anorexia e diminuição da
acuidade mental. Mas, na IRC mais grave, são observados sintomas adicionais, como
aumento da pressão arterial, manifestações neuromusculares, hálito urêmico, sedimento
urêmico na pele, desnutrição e dispneia. Quando, aproximadamente, 90% dos néfrons
estão perdidos, inicia-se uma fase terminal da doença, denominada doença renal em
estágio terminal, que se caracteriza por oligúria e concentrações plasmáticas de escórias
nitrogenadas e creatinina ainda mais altas. A IRC pode ser causada por uma variedade de
distúrbios que apresentem potencial para ocasionar lesão renal, como glomerulonefrite
crônica, doença renal policística, pielonefrite, hipertensão e diabetes. O tratamento da IRC
inclui controle das doenças secundárias e outras complicações, suplementação de
bicarbonato de sódio, possível necessidade de restrição de proteína, fosfato, potássio e sal
na dieta, bem como ingestão de água. Dependendo do estágio da IRC, são indicados
tratamentos, como diálise e transplante renal.
DIURÉTICOS E SUAS AÇÕES

Os diuréticos são fármacos que atuam sobre os túbulos renais, aumentando o volume de
urina excretada. A maioria desses fármacos atua inibindo a reabsorção de Na+ e do ânion
que o acompanha (em especial, Cl-), promovendo um aumento da excreção desses íons e,
consequentemente, de água. Visto que a reabsorção de água é dependente da reabsorção
de solutos, principalmente, de Na+. Por suas ações, os diuréticos acabam sendo utilizados
para reduzir o volume do líquido extracelular via redução de NaCl corporal. Existem
diferentes tipos de diuréticos, classificados de acordo com seus efeitos nos túbulos renais,
como:

• Diuréticos de alça: atuam no ramo ascendente espesso da alça de Henle, inibindo a


reabsorção de NaCl, mais especificamente, inibindo a atividade do cotransportador
1Na+-1K+-2Cl- presente na membrana apical das células epiteliais desse segmento. A
inibição da reabsorção de NaCl resulta em diminuição do potencial positivo do lúmen
tubular, comprometendo a reabsorção de cátions divalentes, como Mg+2 e Ca+2, uma vez
que o potencial positivo do lúmen é responsável pela reabsorção desses cátions. Como
resultado, há o aumento de excreção de Mg+2 e Ca+2. São os agentes diuréticos mais
potentes disponíveis, sendo os principais representantes desse grupo de fármacos a
furosemida, bumetanida e ácido etacrínico. São indicados, principalmente, para o
tratamento de edema pulmonar agudo, edema periférico e hipercalcemia aguda.
• Diuréticos tiazídicos: atuam no túbulo distal convoluto (contorcido), inibindo a atividade do
cotransportador Na+-Cl- na membrana apical das células epiteliais desse segmento,
acarretando diminuição da reabsorção de NaCl. Os diuréticos desse grupo também atuam
aumentando a reabsorção de Ca+2. São exemplos de diuréticos tiazídicos:
hidroclorotiazida, clorotiazida, metolazona e clortalidona. São utilizados no tratamento da
hipertensão, insuficiência cardíaca leve, nefrolitíase ocasionada por hipercalciúria idiopática
e diabetes insípido nefrogênico.
• Diuréticos poupadores de potássio: promovem, simultaneamente, a redução da
reabsorção de Na+ e da secreção de K+ no ducto coletor cortical. Para tais efeitos, esses
diuréticos atuam inibindo a ação da aldosterona no ducto coletor cortical, como a
espironolactona e a eplerenona, ou podem bloquear os canais seletivos ao Na+, canais do
tipo ENac, presentes na membrana apical das células tubulares desse local, como a
amilorida e o triantereno. A espironolactona é utilizada no tratamento de aldosteronismo,
hipopotassemia induzida por outros diuréticos e pós-infarto do miocárdio. Já amilorida e
triantereno são utilizados no tratamento de hipopotassemia induzida por outros diuréticos e
síndrome de Liddle.

EXEMPLIFICANDO

Atualmente, a doença renal crônica (DRC) é considerada um problema de saúde pública


mundial, visto a sua prevalência na população. No Brasil, estima-se que 11% da população
adulta apresente algum grau de DRC, o que, em números, corresponde a cerca de 13
milhões de pessoas. Diante desse panorama, esforços vêm sendo realizados para
prevenção e tratamento precoces da DRC, que incluem a redução e o tratamento dos
fatores de risco para a doença, como visto no Plano de Ações Estratégicas para o
Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022,
elaborado pelo governo federal. Entre as propostas nesse documento, estão a redução da
prevalência da obesidade, o incentivo à prática de atividades físicas, a redução do
tabagismo e do consumo de álcool, assim como mudanças nos hábitos alimentares, que
incluem maior consumo de hortaliças e frutas e redução no consumo de sal. Já para
pacientes que apresentam a DRC, o atendimento deve ser mais humanizado, visando não
somente ao tratamento da lesão renal mas também ao acompanhamento de ordem física,
mental e social desses indivíduos. Assim, fica clara a necessidade de participação de uma
equipe multidisciplinar de saúde no que se refere a essas duas frentes, prevenção e
tratamento. A atuação do profissional de saúde frente a portadores de DRC deve não só
envolver habilidades e qualidades técnicas, incluindo amplo conhecimento teórico e prático,
como também ações que busquem melhor qualidade de vida a esses pacientes. Dentro
desse âmbito, é importante que, durante sua formação e atuação, o profissional de saúde
tenha não somente conhecimento a respeito do funcionamento do sistema urinário e
patologias associadas mas também do trabalho em equipe multidisciplinar e ações de
prevenção e controle das doenças renais. Isso se torna fundamental, uma vez que, durante
o exercício de sua profissão, poderá se deparar com indivíduos que apresentem patologias
que envolvam o sistema urinário.

Agora que você conheceu as principais patologias associadas ao sistema urinário, é capaz
de compreender a importância do conhecimento desse tema para uma atuação profissional
adequada e segura, visando ao bem-estar e à promoção da saúde.

SEM MEDO DE ERRAR

Agora que você conheceu e aprendeu a respeito das principais patologias associadas ao
sistema urinário, retomaremos a nossa situação-problema. Consideraremos que você seja
um estagiário da área da saúde na universidade de sua cidade e acompanhará a equipe
multidisciplinar responsável por um Programa de Atenção Integral à Saúde na sua
instituição. Neste primeiro momento, você está acompanhando a análise e discussão de
diferentes casos clínicos de pacientes atendidos no pronto socorro do hospital. Durante uma
das reuniões, discutiu-se o caso de um paciente que apresentava os seguintes achados
clínicos: dor forte no flanco direito, irradiando para região inguinal, náusea, vômito, sangue
na urina, sem febre. Paciente apresenta síndrome metabólica, consome grande quantidade
de proteína de origem animal e ingere pouca quantidade de líquidos por dia. O exame de
urina mostrou hematúria microscópica, presença de cristais, baixo pH e hiperuricosúria. A
ultrassonografia abdominal constatou presença de cálculo no ureter direito. O paciente
recebeu quantidade grande de líquidos por via endovenosa, para eliminação do cálculo, e
anti-inflamatório não esteroide (AINEs) para alívio da dor. Após a eliminação do cálculo, foi
realizada análise laboratorial, confirmando que se tratava de um cálculo renal de ácido
úrico.

Aproveitando o quadro clínico apresentado, o supervisor do estágio fez os seguintes


questionamentos: você saberia explicar o que predispõe o desenvolvimento do cálculo
renal? Qual a relação dos achados laboratoriais e a formação do cálculo renal na paciente?
Existe relação entre a síndrome metabólica e a formação de cálculo de ácido úrico?

Agora, você já é capaz de responder ao seu supervisor.


Primeiramente, devemos lembrar que os rins são essenciais para a manutenção da
homeostase corporal, e que alterações na sua atividade podem acarretar o aparecimento de
disfunções não somente em sua própria estrutura mas também em outros sistemas
corporais, comprometendo o funcionamento normal do organismo. Algumas patologias
podem estar associadas ao sistema urinário, como os cálculos renais. Estes são agregados
policristalinos que se formam a partir de substâncias normalmente excretadas pelos rins,
mas que se tornam supersaturadas nesse fluido. Além disso, outros fatores, como presença
de infecção, pH e estase, influenciam no desenvolvimento de cálculos renais. Alguns fatores
de risco também podem estar associados e favorecerem a formação desses cálculos,
como: baixa ingestão hídrica, dieta, anormalidades anatômicas do sistema urinário,
distúrbios metabólicos, história familiar e medicações. No caso citado, existem vários
fatores que favorecem a formação do cálculo de ácido úrico. O paciente apresenta algumas
condições (obesidade, hipertensão, resistência à insulina e hiperlipidemia) que o
enquadram em um perfil de pessoa com síndrome metabólica. A obesidade, particularmente
associada à síndrome metabólica, tem sido associada à redução do pH urinário. Nesses
pacientes, ocorre uma diminuição da excreção dos íons amônio na urina e consequente
redução do tamponamento de H+, diminuindo o pH urinário. A dieta rica em proteínas de
origem animal também contribui para a redução do pH da urina, devido à geração de
prótons durante a oxidação de radicais sulfurados presentes na proteína animal,
principalmente na carne vermelha. Além disso, carnes e frutos do mar são alimentos ricos
em purinas, precursoras do ácido úrico. Desse modo, a dieta rica em proteína animal
contribui para um aumento da concentração de ácido úrico na urina. O pH ácido da urina
contribui para a formação de cálculos de ácido úrico, pois aumenta a conversão de urato a
ácido úrico. Assim, a grande produção metabólica de ácido úrico observado na paciente
associada ao pH baixo urinário, que também favorece a formação dessa substância, resulta
em uma urina com grandes quantidades de ácido úrico, que é insolúvel e, portanto, a
formação de cálculo. Ainda, uma ingestão baixa de líquidos, resultando em volume urinário
baixo, acaba promovendo o aumento da saturação de solutos, como ácido úrico, cálcio,
fosfato e oxalato na urina, sendo mais um fator que contribui para a formação do cálculo
renal. A hematúria está associada à migração do cálculo pelo ureter, e as náuseas e os
vômitos, à intensidade da dor.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

ALDOSTERONA E FUNÇÃO RENAL

Nessa semana, como parte das atividades práticas de um curso da área da saúde, um
grupo de alunos acompanhará a rotina do ambulatório do hospital de sua universidade.
Durante esse período, eles poderão acompanhar o atendimento a pacientes da comunidade
realizado pela equipe multidisciplinar do hospital. No primeiro dia de atividades, os
estudantes acompanharam o caso da paciente V.S.N., 59 anos. Ela era hipertensa e fazia
seu acompanhamento há dez anos nesse local. Segundo a paciente, seus medicamentos
estavam sendo efetivos no controle da pressão arterial, porém, nas últimas semanas, ela
começou a se sentir cansada, com fraqueza e câimbras musculares. No exame clínico,
observou-se uma pressão arterial de 140 mmHg/102mmHg. A avaliação laboratorial
mostrou concentração plasmática normal de sódio e baixa de potássio, levando à suspeita
de uma disfunção da secreção de aldosterona. Assim, foram realizados novos exames, que
mostraram um aumento da concentração plasmática de aldosterona e baixa de renina.
Diante dos achados, a paciente foi diagnosticada com hiperaldosteronismo primário. Ela já
utilizava um bloqueador do receptor de angiotensina e o diurético furosemida, sendo
indicada a associação da espironolactona para o tratamento inicial, até que se achasse a
causa do hiperaldosteronismo primário.

Para incentivar as discussões a respeito do caso apresentado, o supervisor da equipe


sugeriu que a hipertensão arterial refratária na paciente parecia ser uma consequência do
aumento da secreção de aldosterona. Ele também levantou os seguintes questionamentos
aos alunos de graduação: vocês saberiam explicar qual a relação entre a aldosterona e a
hipertensão arterial? Por que foi associada a espironolactona ao tratamento da paciente?
Qual a ação desse fármaco?

Você, no lugar desses alunos, como responderia a esses questionamentos?

RESOLUÇÃO
Você já viu que os néfrons são responsáveis pela manutenção do meio interno, e que
alterações no seu funcionamento resultam em diferentes efeitos fisiológicos, os quais
podem ser prejudiciais ao nosso organismo, acarretando o aparecimento de patologias.
Você já sabe que alguns fármacos agem nos diferentes segmentos dos néfrons, atenuando
ou revertendo alterações no volume dos líquidos e eletrólitos corporais, como os diuréticos.
Na situação-problema, a paciente apresentava uma hipertensão refratária, ocasionada por
um aumento na produção de aldosterona, resultado do hiperaldosteronismo primário. De
fato, a aldosterona é um mineralocorticoide produzido e secretado, principalmente, pela
zona glomerulosa do córtex da glândula adrenal. Esse mineralocorticoide atua na regulação
do volume corporal, no equilíbrio eletrolítico, na pressão arterial e no pH dos líquidos
corporais. Interessantemente, essas funções da aldosterona estão relacionadas ao seu
efeito estimulatório exercido, sobretudo, sobre as células principais do túbulo distal
convoluto e ducto coletor renal, promovendo um aumento na reabsorção de sódio e na
secreção de potássio e hidrogênio nesse local. O principal fator fisiológico estimulatório para
a secreção de aldosterona é a angiotensina II (ANG II). Assim, baixas quantidades de Na+
que chegam ao aparelho justaglomerular estimulam a secreção de renina e,
consequentemente, ANG II. Esta atua nas adrenais, promovendo a secreção de aldosterona
e, dessa forma, completa o sistema renina-angiotensina-aldosterona, que participa da
regulação do volume corporal por controlar a retenção renal de Na+. Como consequência, a
aldosterona acarreta o aumento do volume do líquido extracelular e da pressão sanguínea.
No caso do hiperaldosteronismo primário apresentado pela paciente, mesmo com baixa
concentração plasmática de renina, há o aumento da secreção de aldosterona, indicando
que esse aumento de secreção não parece estar envolvido com a ação da ANG II, o que
também é reforçado pela ausência de correção na concentração de aldosterona quando
utilizado o bloqueador do receptor de aniotensina. A furosemida, utilizada no tratamento da
paciente, diminui a reabsorção de NaCl, por promover inibição da atividade do
cotransportador 1Na+-1K+-2Cl-, localizado na membrana apical das células epiteliais do
ramo ascendente espesso da alça de Henle, sem que haja aumento simultâneo na
secreção de K+. Devido ao quadro de hiperaldosteronismo, a paciente apresenta diminuição
das concentrações plasmáticas de potássio (hipocalemia). Essa redução da concentração
de K+ extracelular diminui a excitabilidade dos neurônios, das células cardíacas e das
células musculares e, se a hipocalemia for grave, pode acarretar paralisia, arritmias
cardíacas e morte. Na situação-problema, a paciente apresenta hipocalemia decorrente da
ação realizada pela aldosterona. Nos rins, a ação da aldosterona envolve a estimulação da
expressão gênica de proteínas responsáveis por aumentar a atividade ou o número de
canais do tipo ENac, na membrana apical das células epiteliais do túbulo distal convoluto e
ducto coletor, e as bombas Na+-K+-ATPase na membrana basolateral das dessas células, o
que promove aumento da reabsorção de Na+ e da secreção de K+. Assim, a
espironolactona, um diurético poupador de potássio que atua inibindo a aldosterona no
ducto coletor cortical, foi indicado no tratamento da paciente, uma vez que promove,
simultaneamente, a redução da reabsorção de Na+ e da secreção de K+ no ducto coletor
cortical e, consequentemente, causa o aumento das concentrações plasmáticas de potássio
e a diminuição de sódio, auxiliando na manutenção da pressão arterial e revertendo o
quadro de hipocalemia.

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