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Um lugar dentro de nós
Chegara o tempo do outono à cidade do Porto, caminhávamos avô e neto engaiolados em
sobretudos e camisolões, incomodados com o frio depois do verão. Semanas mais tarde
teríamos achado irrisório este desconforto, mas é tão relativa a perceção dos homens sobre o
tempo – esta mesma temperatura que já em pleno inverno seria considerada amena, gentil,
5 luminosa, neste momento causava-nos uma inquietude sensorial, uma noção de precariedade
existencial que tornava cada opinião mais acutilante, cada ideia mais pesada e fecunda. Talvez
por isso, estávamos em desacordo.
Caminhávamos avô e neto e a cidade ainda tinha essa qualidade medieval de concentrar em
si vidas completas – gente que nascia, habitava e trabalhava toda a vida dentro dela e nela
10 morria. O meu avô era do Porto nesse sentido absoluto. Nascera numa das ruas que se
derramam a partir da Torre dos Clérigos para baixo e para sul, na adolescência aprendera a
nadar no pedaço de rio Douro do seu bairro, deslocara-se de bicicleta entre a casa e o emprego
já pai de duas gémeas, uma delas minha mãe [...]. O meu avô calcou toda a vida a toponímia
portuense.
15 Parecia-me que o outono se anunciava à bruta, com personalidade própria, uma necessidade
de autoafirmação humana, como se não aceitasse nada menos do que a rendição total dos
homens do Porto à sua chegada enquanto caminhávamos avô e neto pela linha de engraxadores
resignados em frente do Café Imperial, que hoje já não existe. [...]
CADILHE, Gonçalo, 2021. Um lugar dentro de nós. Lisboa: Clube do Autor (pp. 15-16)
Coesão textual
1. a. «(a) cidade» (l. 8); b. «avô» (l. 10); c. «(o) outono» (l. 15).
2. Coesão gramatical temporal.
3. (B); 4. (D); 5. (C). 6. (a) 3; (b) 1; (c) 2.