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A BESTA

São Paulo, 7 de setembro de 1822.


O monstro sedento de sangue observava impotente o nascimento da criança-nação. Seus olhos
reptilianos faiscavam de ódio e ressentimento e suas entranhas se contorciam de frustração, pois não
tinha forças suficientes para saciar seus desejos malignos.
"Aqueles malditos que cercam o recém-nascido são fortes demais..." - ruminava a criatura.
Haviam planejado tudo muito bem e desvelavam-se incansavelmente na proteção ao nascituro.
Nunca antes o asqueroso ser sofrera tal revés. Todas as outras nações nascidas na região estavam
sob seu domínio diabólico. Com a subserviência e colaboração de prepostos privilegiados no seio
destes países, alimentava-se a besta com a miséria de suas populações. Estas castas parasitárias, em
troca de benesses, não hesitavam em sacrificar o presente e o futuro de seus patrícios no altar da
besta. Tudo seria diferente com aquela nova sociedade?
"Não! Em nome de seu negro criador, não! Mais cedo ou mais tarde, os melhores projetos podem
ser arruinados e assim seria com o Brasil. Eu juro!"

Rio de Janeiro, 18 de julho de 1841


Mas as fundações da jovem nação eram sólidas. A tarefa de solapar suas bases não seria fácil, mas a
besta era incansável em seu intento. O projeto desenhado para conduzir o novo país e seu povo a
destino brilhante era único entre as nações do continente. Baseava-se na Religião e ao mesmo
tempo na Ciência. Teria a conduzi-lo alguém iluminado, preparado desde a mais tenra infância para
guiar seu povo. Um Império!

"preciso destruír esse projeto de Nação... Esse exemplo não pode prosperar. E em nome de meu pai,
não prosperará! Por onde começar? Seu monarca é adorado pelo povo... Onde vai é aclamado em
delírio.. A forma cono acabou com o belo banho de sangue no Rio Grande... Maldito! Um guerra!
Sim, uma longa e desgastante guerra internacional, é algo a se pensar. A falta de caráter das Elites
brasileiras é similar a dos vizinhos. Sim... estes me adorarão como em toda a parte... "

Rio de Janeiro, 13 de maio de 1888


"A maldita princesa, essa carola ridícula, acaba de libertar os escravos! Minha carta na manga...
Uma sangrenta revolta de cativos destruindo a Nação, como aconteceu no Haiti... Tão lindo... Mas o
Brasil não perde por esperar. Será destruído também e justamente pela Abolição! Em mais um ano
tudo estará acabado e então... poderei me alimentar do futuro desse povo. Juro em nome de meu
negro pai!! "

Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1889.


Chegara finalmente o momento do golpe fatal na experiência de construção de uma grande Nação.
O plano bestial necessitara de 67 anos para frutificar. Precisara da combinação de ingredientes os
mais sórdidos, da participação dos piores elementos e da profunda ignorância e ingenuidade do
povo, incapaz de perceber a aproximação inexorável da besta.
Na madrugada de 15 para 16 de novembro, uma chuva fina amortalhava a Praça da Aclamação,
futura Praça da República. Escondidos do povo, os adoradores da besta arrastavam o velho
Imperador e sua família para a morte no exílio. Nada pode carregar consigo o lider da Nação, mais
do que um punhado de terra brasileira , que dois anos depois levaria para o caixão. O pano caía
sobre a pátria e um pesadelo de mais de um século iria começar.

Brasília, 7 de setembro de 2019.


São decorridos cento e trinta anos do golpe militar republicano que libertou a besta que passou a
nutrir-se do sangue do povo. A fera, ao longo desse tempo, disfarçou-se de tudo, simulou ideologias,
fingiu e enganou, não interrompendo jamais o banquete de sangue. Sempre contando com a
adoração dos mesmos seres rasteiros e de sua descendência, sempre mantendo a maioria do povo
num torpor próximo à morte. Até um dia...
"Que e som é esse lá fora? Não fosse no Brasil pareceria um povo enraivecido... Hehehe. Não, não é
possível! É isso mesmo! A Nação se levanta... É o fim. À frente.... O Império!
Fim (ou o recomeço)

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