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28/03/2023, 13:10 Episódio 52. Curiosidades do Benê - A polêmica de “A Jardineira”.

(Parte 3)

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Episódio 52. Curiosidades do Benê - A polêmica de “A Jardineira”.


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Magno Elias
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Magno Elias · Episódio 52. Curiosidades do Benê - A polêmica de “A Jardineira”. (Parte 3)

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28/03/2023, 13:10 Episódio 52. Curiosidades do Benê - A polêmica de “A Jardineira”. (Parte 3)

Crônica de Jota Efegê, tirada do periódico “O Jornal”, de 23 de janeiro de 1966.

Sucesso legítimo do carnaval de 1939, a marchinha “A Jardineira”, lançada como sendo de autoria de
Benedicto Lacerda e Humberto Porto, suscitou à época longo debate. Uns contestavam a autenticidade
da produção dos conhecidos compositores, outros denunciando o aproveitamento de um velho tema
musical, diziam já tê-lo ouvido muito antes e por eles mesmos recolhido e adaptado com pequenas
variantes de melodia, ritmos e versos. Tudo procedente, visto que a parceria não apresentou seu trabalho
como arranjo, compilação ou "inspirado por". Apenas num sucinto e poético exórdio que inseriu na
partitura para piano, relembrava os ternos da Bahia e falava de uma "jardineira triste" integrando o
conjunto. Isso bastava para mostrar a origem e indicava de onde havia surgido a questão.

Assunto que se tornou palpitante com jornais abrindo colunas para noticiá-lo através de entrevista e
depoimentos, nos quais outros pretensos autores reivindicavam a primazia da paternidade da obra,
acabou envolvendo muita gente. Assim, pois, Almirante que, no tempo, produzia na Rádio Nacional o
programa "Curiosidades Musicais", avocou-o e fez com ele longa e excelente explanação, recolhendo
informes, subsídios capazes de esclarecer a polêmica em efervescência. Como seria de esperar entre
muitos que se manifestaram, um de nome João Batista de Madureira Silva, declarou: "tinha a certeza de
que era de um tal Hilário, que fez a música há uns 40 anos". Esse depoimento, ou melhor, essa simples
citação, que não foi devidamente investigada, pois a questão no seu rumo certo, anulando os muitos
donos da jardineira triste.

Chegado ao Rio a 17 de junho de 1872, Hilário Jovino Ferreira, que depois foi tenente da Guarda Nacional,
imprimiu no carnaval carioca nova característica aos seus divertimentos, dando-lhes a feição usual na
Bahia, sua terra. Fundou, então, o "Rei de Ouros", do qual se desligou para lançar em nossa capital outros
ranchos nos moldes dos ternos e pastoris, com suas marchas suaves e cadenciadas. Inconstante e muito
solicitado por ser o entendido desse gênero de recreação tão bem recebido pelo povo, logo se desligou
do Rei. Depois de ter feito parte de muitas agremiações similares, Hilário, com seus companheiros Avelino,
Didi, Capelani e mais alguns, formou, na Travessa do Bom Jardim (atual Rua Nabuco de Freitas) "A
Jardineira" e, em 1899, saindo pela primeira vez para ir à Lapinha, no desaparecido Largo de São
Domingos cumprimentar a tia Bebiana (cerimônia obrigatória), deveria ir cantando a música que sua
principal figura trouxera da boa terra. Ligava-se à denominação do grupo e dizia: "Oh jardineira, porque
estás tão triste?". Rancho que se tornou famoso, reuniu os baianos mais categorizados e capazes de
ensinar a organização de tais conjuntos, como o foram Maria Adamastor (Maria César), Getúlio Marinho
(Amor) e outros.

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Hilário Jovino Ferreira trouxe da Bahia a influência dos Ranchos típicos de Reis, criando o primeiro
Rancho Carnavalesco no Rio de Janeiro, o "Rei de Ouros", em 1893. Na tradição de Ternos e Ranchos de
Reis, os ranchos antigos tinham nomes de flores ou de animais. Desta raíz pastoril, Hilário cria, com seus
companheiros, Ranchos e Cordões Carnavalescoas como "A Flor da Jardineira" (1901) e "Filhos da
Jardineira" (1906).

Daí, na sua superioridade, avocou o direito de orientar e fiscalizar os co-irmãos. Razão bastante, portanto,
para que em publicação no Jornal do Brasil de 10 de janeiro de 1908, comunicasse haver visitado
"diversos ranchos desta capital" e constatado "o cumprimento das regras que são adotadas nestas
diversões oriundas do Estado da Bahia". Com todo esse renome e dentro da competição (algumas vezes
amistosa e outras feroz), reinante entre os grêmios existentes, alguns sócios já antes haviam deixado a
Jardineira. Recrutaram mais adeptos e apareciam, em 1901, integrando "A Flor da Jardineira" e entoando:
"do jardim das flores, eu sou a primeira. Bata na mão, diga, diga: Viva a Jardineira!"

Com A Jardineira destacando-se no carnaval carioca e tendo na sua trilha A Flor da Jardineira, o ciclo
continuava atraindo outros ranchos, que procuravam similitude com ambos. Surgiria, desse modo, em
1906, "Filhas da Jardineira", que teve sede na Rua Frei Caneca 199 e desfilou pela cidade cantando:
"desponta o Sol no Horizonte, as aves cantam prazenteiras, entoando o hino de glória, as Filhas da
Jardineira." Consequentemente, afora a preferência de quase todas as agremiações do gênero pela
denominação florística, a figura da jardineira passou a ser dominante. Ela estava presente nas marchinhas
que davam ritmo às passeatas dos ranchos, para suas apresentações na lapinha e visitas às redações dos
jornais.

A dificuldade de empreender uma pesquisa cabal, impede poder concluir a jardineira, mote e heroína de
tantas cantigas originadas dos entremesses natalinos e trazidas para o carnaval da Sebastianópoles, era
sempre triste e pesarosa. O certo, o incontestável, é que os parceiros Lacerda e Porto, dizendo-se autores
da marcha de rancho A Jardineira, cometeram deslize, possível de ser evitado, se houvessem feito a
declaração necessária da fonte onde a foram buscar ou encontram a sugestão. O aproveitando de
determinado tema músico-poético, de caráter folclórico, ou simplesmente popular de autoria
desconhecida, ou já de domínio público, respeitado o prazo legal, não desmerece os utilizadores, pelo
contrário, prova sua percepção artística. Isto feito, a contestação surgida em 1939, e ora aqui relembrada,
teria sido evitada. Hilário Jovino Ferreira, inovador do carnaval carioca, fundador e orientador de um
punhado de ranchos que, nos moldes dos ternos Reis da Bahia, deram graciosidade aos nossos festejos
de louvor a momo, foi, de fato, quem trouxe a Jardineira para o Rio.

Como bem disse o senhor Madureira Silva, colaborando na investigação levada a efeito por Almirante,
para o seu programa "Curiosidades Musicais", em maio de 1939, o tal Hilário, por ele citado vagamente,
sem lhe dar a importância devida, foi o primeiro. Cabia-lhe a prioridade de ter divulgado melodia e versos,
exatos ou assimilados, da marchinha que deu nome ao rancho A Jardineira por ele fundado. Recolhida
dos desfiles dos ranchos e ternos que ele via em sua terra, e como também os deve ter visto Humberto
Porto, igualmente baiano e, possivelmente, autor do exórdio acima aludido, Hilário, mais velho e de maior
tirocínio carnavalesco, o antecedeu.

Humberto diz: ""Realmente. Trata-se de uma jóia do mesmo quilate da "Casinha Pequenina", irmã do "Meu
limão, meu limoeiro", companheira da "Ciranda, cirandinha", do "Valha-me Deus sinhô São Bento, buraco véio
tem cobra dentro" - toada de capoeira. E ainda do "Rosalina mandou dizê, que agulha sem fundo não pode
cuzê; canto do samba de umbigada, melodias e ritmos que nasceram em épocas que não foram nossas,
fundiram-se, caldearam-se, atravessaram a ação dos tempos, formando um conjunto típico, que se
denomina "folk-lore" musical de um povo. Aquilo que o caracteriza, que define as raízes de suas origens.""
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Reportem-se a ilha de Paquetá, da Bahia de todos os Santos - Itaparica. É noite de Reis. Veremos, então, o
Terno da Jardineira. "Ela vem na frente. O cortejo em coro, perguntar-lhe:

"Oh, jardineira, porque estás tão triste?


Mas o que foi que te aconteceu?"

Ela, sozinha, responde:

"Foi a Camélia que caiu do galho,


deu dois suspiros
e depois morreu…"

E toda a gente:

"Foi a Camélia que caiu do galho,


deu dois suspiros
e depois morreu…"

Esse quadro maravilhoso, que se fixa na imaginação infantil de todo baiano, é lambrado gostosamente,
numa saudade cheia de amenas recordações. Quis trazê-la para o Rio. Ao público apresentei, então, A
Jardineira, vestida numa roupa nova, ajudado pelo Lacerda. Benedicto, de posse dessa melodia, deu-lhe
o cunho vivo, preciso à alegria imensa do maior carnaval do mundo. Quanto ao plágio de que fui acusado,
quero que seja desfeito o equívoco. Eu não disse que a melodia é "minha". Eu a trouxe para o Rio, com um
ritmo diferente.

Assim procedendo, tive a intenção de mostrar que não só dormem, no âmago deste Brasil intenso, pedras
preciosas de todo o quilate, mais também jóias musicais como está e as outras que me referi acima. Fiz
isso sem maiores pretensões, sentindo apenas a grande, a mesma alegria do garimpeiro, que
encontrando um belíssimo diamante, mostra-o, cheio de orgulho e vaidade, à admiração dos outros"...
(Revista "Carioca", Ed. 169. Ano: 1939)

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Humberto Porto e Benedicto Lacerda, compositores da marcha de rancho "A Jardineira", sucesso do
carnaval de 1939, se reúnem na redação da revista "Carioca" para prestarem esclarecimentos a respeito
da música.
(Imagem: revista Carioca, ed. 169. Ano: 1939)

Continuação da crônica de Jota Efegê…

… Dentro do propósito que motivou o seu programa, a maior parente do Rádio (Almirante), viu surgir
diversos donos de "A Jardineira", que se diziam os primeiros no aproveitamento do bonito e cobiçado
descante de tanto êxito no carnaval de 1939. Um padre, Frederico Mauthe, de Porto Alegre, comunicava
que o recolheu em 1922 e o incluiu em uma coleção de Hinos e Canções Escolares. No mesmo ano, o
primeiro sargento e mestre da banda do 13° Batalhão de Cavalaria de Joinville, Santa Catarina, aparecia
como arranjador da melodia. Mais tarde, em 1937, a senhora Maria das Dores também disputava a autoria
de "Adaptadora". Por fim, Candinho, velho carnavalesco que fez parte de muitos cordões e ranchos no
bairro de Laranjeiras, tendo como companheiro o Camarão (pai de um outro de igual apelido e falecido há
poucos anos), declarou honestamente que aproveitara o tema em diversas versões.

Surgiram, como viram, muitos donos para A Jardineira triste, mas nenhum líquido e certo, o verdadeiro.
Nem mesmo o tal Hilário, que a pôs em moda no fim do século passado. Tendo morrido em março de
1933, não a viu voltar como novidade em 1939, nem pôde apresentar-se como dono.

Jota Efegê, O Jornal - 23/01/1966.

Referência(s):

Revista "Carioca", Ed. 169. Ano: 1939. Disponível em:


http://memoria.bn.br/DocReader/DocReaderMobile.aspx?bib=830259&PagFis=20272;

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Jornal "O Jornal", Ed. 13597. Ano: 1966. Disponível em:


http://memoria.bn.br/DocReader/DocReaderMobile.aspx?bib=110523_06&hf=memoria.bn.br.

Fundo Musical:

Folclore Musical Baiano. Discos Marcus Pereira. 1972;


Banalidade, de Gilberto Martins. Voz de Carmen Barbosa e acompanhada pelo Regional de
Benedicto Lacerda. Gravado e lançado no carnaval de 1939, pela "Disco Colúmbia";
Brasil, samba-hino de Benedicto Lacerda e Aldo Cabral. Gravado e lançado pela "Disco Colúmbia"
no carnaval de 1939, nas vozes de Francisco Alves e Dalva de Oliveira. Acompanhamentos do
Regional de Benedicto Lacerda;
A Jardineira, de Benedicto Lacerda e Humberto Porto. Gravado em 1938 na voz de Orlando Silva e
lançado no carnaval de 1939.

FIM.

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