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SIMPEMUS 6|

simpósio
depesquisa
emmúsica2013
anais
 
SIMPEMUS 6|
simpósio
depesquisa
emmúsica2013
anais
Universidade Federal do Paraná

Reitor
Zaki Akel Sobrinho
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Edilson Sérgio Silveira
Diretora do Setor de Artes, Comunicação e Design
Dalton Razera

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação


Silvana Scarinci

Editora do DeArtes

Diretor
Norton Dudeque
anais do
simpósiodepesquisaemmúsica2013

SIMPEMUS 6

norton dudeque
(organizador)

deartes | ufpr
curitiba | 2013
anais do
simpósiodepesquisaemmúsica2013
SIMPEMUS 6

Realização

Programa de Pós-Graduação em Música da UFPR

Departamento de Artes da UFPR

Apoio

PPGMúsica – UFPR

DeArtes

© 2013 os autores listados no sumário

Anais do Simpósio de Pesquisa em Música: SIMPEMUS6 (6.:2013:Curitiba)


Simpósio de Pesquisa em Música: Anais / Organização Norton Dudeque – Curitiba: DeArtes-UFPR, 2013.
364p. : il., 29cm. x 21 cm.
ISBN 978-85-98826-24-0

1. Musicologia-Congresso-Brasil. 2. Música-Pesquisa. 3. Música-Popular Brasileira 4. Música-


Composição. 5. Música-Análise.
1. Dudeque, Norton. II.Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do
Paraná.II.Título

CDD – 780.01

DeArtes UFPR
Editora do Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná
Rua Coronel Dulcídio, 638
80420-170 Curitiba PR
www.artes.ufpr.br

impresso no Brasil
2013
SIMPEMUS 6 |
simpósio de pesquisa em música 2013
29 e 30 de novembro de 2013
Departamento de Artes | UFPR
Rua Cel. Dulcídio, 638 Batel
Curitiba PR

| programação |

SEXTA-FEIRA 29 DE NOVEMBRO DE 2013

11h00 inscrição e credenciamento

13h00 local: auditório


Abertura Profa. Dra. Silvana Scarinci e Prof. Dr. Norton Dudeque
Concerto: Grupo “Práticas Musicais para a Comunidade no DeArtes”.Coordenação:
Prof. Dr, Edwin Pitre (coordenador) e Prof. Drando. Rafael Ferronato (vice-
coordenador)

13h30 início dos trabalhos

local: auditório sessão 1A mediador: Profa. Dra. ZÉLIA CHUEKE. Monitora:


Mestranda Débora Bergamo

13h30 Avaliação de conteúdos de fonética aplicados em uma proposta de ensino da dicção no


canto na abordagem linguístico-analítica – Jeanne Rocha

14h00 Ética, semiótica e edição musical: segundo movimento sonatina para flauta e violão de
Radamés Gnattali – Solon Santana

14h30 Rosa Del Ciel, ária da ópera L’Orfeo de C. Monteverdi: pesquisa empírica e
bibliográfica para a construção de uma performance musical – José Brazil

15h00 Robert Schumann, poeta musical ou em torno de “ Zwielicht” : breves sugestões para
uma interpretação – Isaac Chueke

15h30 Ernst Mahle: obras para clarineta – Herson Amorim

local: sala 103 sessão 1B mediador: Prof. Dr. ÁLVARO CARLINI – Monitor:
Mestrando Thiago Tatsch

13h30 O conceito de “fuga” no barroco e o Kyrie de Ligeti – Ísis Biazioli

14h00 Considerações sobre a correspondência trocada entre Francisco Curt Lange e Cláudio
Santoro de 1942 a 1949 – Alice Belém
14h30 Do conceito metafísico ao fenômeno sonoro: considerações a respeito da mousike no
pensamento de Platão e de Aristóteles – Sarah Roeder

15h00 Mulheres e imigrantes: invisibilidades históricas e as práticas da música culta em São


Paulo na Belle Époque – Fernando Pereira Binder

15h30 Romualdo Suriani (1880-1943): atividade musical do maestro italiano em Curitiba, entre
1912-1940 – Alan Rafael de Medeiros

local: sala 101 sessão 1C mediador: Prof. Dr. MAURÍCIO DOTTORI – Monitor:
Mestrando Anderson Zabrocki

13h30 Ode a Benedito de Eduardo Guimarães Álvares: uma análise – Diogo Lefevre

14h00 Webern durch Stockhausen: a estética da Momentform aplicada ao Opus 11/3 – Felipe
Ribeiro

14h30 Wie bin ich froh! op. 25 nº1 para Voz e Piano de Anton Webern, possíveis associações
entre texto, estrutura e forma das séries empregadas – Ernesto Frederico Hartmann
Sobrinho

15h00 Intertextualidade em música: presença de uma citação literal na Ária (Cantiga) da


Bachianas Brasileiras n.4, de Heitor Villa-Lobos – Ana Carolina Manfrinato

15h30 Dualismo harmônico: uma revisão bibliográfica – Diego Borges

16h00–16h30 intervalo cafezinho

local: auditório sessão 2A mediador: Prof. Dr. FELIPE RIBEIRO (EMBAP) – Monitor:
Mestranda Kátia Santos

16h30 Composição de Música Textural Assistida por Computador – Wander Vieira

17h00 Liberdade Criativa: Fonética Gestual e Livre Improvisação – Christina Marie Bogiages;
Cleber da Silveira Campos

17h30 Timbre, Análise e Composição: uma proposta colaborativa – Ivan Eiji Simurra; Igor
Leão Maia

18h00 Cognição e Formalismo: algumas ferramentas conceituais para poética composicional


– Eduardo Frigatti

local: sala 103 sessão 2B mediador: Profa. Dra. SILVANA SCARINCI - Monitor:
Mestrando Anderson Zabrocki
16h30 Reconstrução da parte de viola de um quarteto e das partes de viola e canto de três
árias da ópera Precipício de Faetonte (BGUC-MM876), de Antônio José da Silva (1705-
1739) e Antônio Teixeira (1707-1774) – Gabriel de Sousa Lima; Márcio Leonel Farias
Reis Páscoa

17h00 A Música nos Teatros Cariocas: repertórios, recepção e práticas culturais – Monica
Vermes
17h30 Aspectos sócio-culturais de Curitiba, Paraná, na última década do século XIX: o Grêmio
Musical Carlos Gomes (1893-1902) – Alvaro Carlini

18h00 Entre documentos e depoimentos: análise musical e o “falar de si” na investigação


acadêmica da música popular – Sérgio Freitas

local: sala 101 sessão 2C mediador: Profa. Ms. MARGARET AMARAL DE ANDRADE
(EMBAP) Monitora: Mestranda Lizzie Lessa

16h30 Abordagem Pontes: uma pesquisa sobre a construção teórica – Vilma de O. S. Fogaça

17h00 Apresentações musicais nas escolas: interações sociais na aprendizagem pela


apreciação musical – Cristiana de Azevedo Tramonte; Katarina Grubisic

17h30 Experiências de domínio em El Sistema – Veridiana de Lima Gomes Krüger

18h00 Elaboração e validação de uma escala de autoeficácia para alunos de percepção


musical – Lílian Sobreira Gonçalves

18h30 – 19h00 intervalo

19h00 Palestra Prof. Dr. Rogério Budasz (UCR- EUA)

SÁBADO 30 DE NOVEMBRO DE 2013

local: auditório sessão 3A mediador: Prof. Dr. EDWIN PITRE – Monitora: Mestranda
Kátia Santos

09h30 Uma História da Bossa Nova na Capital Pernambucana – Fernando Torres

10h00 Um brasileiro que faz música: considerações sobre o pensamento musical de Hermeto
Pascoal – Daniel Zanella dos Santos

10h30 A segmentação do campo da música popular brasileira na década de 1950: o caso do


Trio Surdina – Rodrigo Vicente

11h00 Trajetória de Moacir Santos do rádio para o cinema: um caminho comum – Lucas
Bonetti

11h30 "Jequibau" – Daniel Vilela

local: sala 103 sessão 3B (iniciação científica I) mediador: Prof. Dr. DANILO RAMOS
Monitora: Mestranda Melody Falco

09h30 Embocadura na flauta transversal – Marina Monroy da Costa Penna

10h00 Entre a fonte e o som – Levy Oliveira e Ana Cláudia de Assis

10h30 A harmonia em “Trovas” de Alberto Nepomuceno: em busca de elementos da poética


harmônica – Heitor B. Vieira e Francisco Wildt
11h00 Semelhanças entre as propostas educacionais de Hans Joaquim Koellreutter e
Raymond Schafer – Andre Greboge

11h30 Um estudo sobre motivação de alunos estagiários, do curso de licenciatura em música,


no confronto com atividades de docência – Gabriel Silveira Pfarrius

local: sala 101 sessão 3C (Iniciação científica II) mediador: Profa. Dra. ROSEANE
YAMPOLSCHI – Monitor: Mestrando Adriano Elias

09h30 Jogo de malha: por uma poética composicional em ‘paisagem sonora mista’ – Julio
Cesar Damaceno; Fátima Carneiro dos Santos

10h00 Composição modular para obras audiovisuais interativas – Alexandre Campos Moraes
e Silva; Lucas Henrique Serpe Diaz

10h30 Pesquisa de Parâmetros Sonoros e Criação Artística – Rodrigo Enoque

11h00 Um estudo sobre experiências vicárias de músicos mediadas pela internet e sua
relação com a construção das crenças de autoeficácia – Marina Abrahao

11h30 Um estudo sobre elementos da teoria do fluxo presentes na prática musical coletiva de
músicos de grupos de música popular e bandas de rock – Marcos Aloisius Perufo
Damke

local: auditório sessão 4A mediador: Prof. Mr. TIAGO MADALOZO (FAP) Monitor:
Mestrando Anderson Zabrocki
14h00 Memorização e timbre: reflexões a partir da aplicação dos guias de execução nas
Variações ABEGG, op. 1, de Schumann – Bibiana Bragagnolo; Luciana Noda

14h30 A noção de auditório para a música contemporânea – William Teixeira da Silva

15h00 A canção pop/rock na sala de aula, um estudo de caso: problemáticas e propostas –


Jorge A. Falcón; Jetson de Souza

15h30 O Estado da Arte na Pesquisa sobre a obra para violoncelo de Kaija Saariaho:
resultados iniciais – Camila Durães Zerbinatti; Teresa Mateiro; Guilherme Sauerbronn
de Barros

16h00 o “complexo Ab‐C‐E” em “choro bandido” de Edu Lobo e Chico Buarque: um estudo de
relações entre componentes textuais e musicais – Matheus Henrique de Souza
Ferreira; Sérgio Freitas

local: sala 103 sessão4B mediador: PROFA. DRA. CARMEN CÉLIA FREGONEZE
(EMBAP) – Monitor Mestrando Jean Pscheidt

14h00 Novas possibilidades sonoras para percussão a partir de técnicas expandidas e


recursos tecnológicos em tempo real – Pedro Henrique Machado Freire

14h30 Validação de Ferramenta Analítica para o estudo de quatro variáveis da embocadura


na Flauta Transversal – Luiz Fernando Barbosa Jr e Lucas Robatto
15h00 A escolha da digitação para performance no contrabaixo: um estudo sobre o processo
de otimização das escolas de contrabaixo – Guilherme Espindula de Oliveira e
Fernando Gualda

15h30 Histórias que ouvi e coisas que aprendi com a Sonata op. 147 de Dimitri Shostakóvitch
– Isabel Pereira Duschitz e Sérgio Freitas

16h00 Considerações interpretativas sobre a obra TransFormantes III para vibrafone e live-
electronics – Charles Augusto Braga

local: sala 101 sessão 4C mediador: PROFA. DRA. ROSANE CARDOSO DE ARAUJO
– Monitora - Mestranda Micheline Gois

14h00 Construção das crenças de autoeficácia em aulas de musicalização e flauta doce –


Renata Filipak e Rosane Cardoso de Araújo

14h30 Persuasão verbal e o processo de ensino El Sistema – Veridiana de Lima Gomes


Krüger

15h00 Aquisição de habilidades rítmicas no estudo do violão – Luiz Carlos Martins Loyola
Filho

16h30–17h00 intervalo cafezinho

local: auditório - 17h00 - Concerto de encerramento: grupo “LendJazz”. Coordenação, Prof.


Dr. Danilo Ramos
Coordenação e equipe do Simpemus 6

Programa de Pós-graduação em Música – UFPR - Coordenação: Profa. Dra. Silvana Scarinci


(coordenadora) e prof. Dr. Danilo Ramos (vice-coordenador) /Secretário: Gabriel Snak Firmino.

Coordenação geral do Simpemus: Prof. Dr. Norton Dudeque e Profa. Dra. Rosane Cardoso
de Araújo

Coordenação Científica: Prof. Dr. Daniel Quaranta (UFJF) e Prof. Dr. Norton Dudeque
(UFPR)

Pareceristas: Professores doutores Daniel Quaranta (UFJF), Norton Dudeque (UFPR), Silvana
Scarinci (UFPR), Zélia Chueke (UFPR), Carmen Célia Fregoneze (EMBAP), Valéria Luders
(UFPR), Danilo Ramos (UFPR), Orlando Fraga (EMBAP), Guilherme Romanelli
(UFPR),Rosane Cardoso de Araújo (UFPR), Roseane Yampolschi (UFPR) Edwin Pitre (UFPR)

Professor Palestrante Convidado: Prof. Dr. Rogério Budasz (UCR – EUA)

Professores Mediadores: Dra Zélia Chueke (UFPR), Dr. Álvaro Carlini (UFPR), Dr. Felipe
Ribeiro (EMBAP), Dr. Maurício Dottori (UFPR), Ms. Tiago Madalozo (FAP), Dra. Silvana
Scarinci (UFPR), Ms. Margaret Amaral de Andrade (EMBAP), Dra. Roseane Yamploschi
(UFPR), Dra. Carmen Célia Fregoneze (EMBAP), Dr. Edwin Pitre (UFPR), Dr. Danilo Ramos
(UFPR), Dra. Rosane Cardoso de Araujo (UFPR).

Equipe organizadora: alunos mestrandos Anderson Zabrocki, Micheline Gois, Lizzie Lessa,
Veridiana Lima Krüger, Igor Krüger, Kátia Santos, Jean Pcheidt, Débora Bérgamo, Tiago Tatch,
Melody Falco, Adriano Elias, Elder gomes da Silva, Renata Filipack. Aluno graduação: Gabriel
Pfarrius.

Organização para divulgação/site e apoio: Dra. Desire Oliveira

Grupos musicais convidados:

1. “Práticas Musicais para a Comunidade no DeArtes” - Coordenação Prof. Dr. Edwin


Pitre e vice-coordendção Prof. Drando Rafael Ferronato

2. “LendJazz” – Coordenação Prof. Dr. Danilo Ramos.

Apoio financeiro: Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação; Programa de Pós-graduação em


Música/UFPR; Departamento de Artes/UFPR
| sumário |

xv | apresentação |

| comunicações |

| sessão 1A |
1 Avaliação de conteúdos de Fonética aplicados em uma proposta de ensino da
dicção no Canto na abordagem linguístico-analítica
Jeanne Rocha (UFU)
7 Ética, semiótica e edição musical: segundo movimento sonatina para flauta e
violão de Radamés Gnattali
Solon Santana (UFBA)
16 Rosa Del Ciel, ária da ópera L’Orfeo de C. Monteverdi: pesquisa empírica e
bibliográfica para a construção de uma performance musical
José Brazil (UFPR)
24 Robert Schumann, poeta musical ou em torno de “ Zwielicht” : breves
sugestões para uma interpretação
Isaac Chueke (UNESPAR/EMBAP)
30 Ernst Mahle: obras para clarineta
Herson Amorim (UFPA)

| sessão 1B |
37 O conceito de “fuga” no barroco e o Kyrie de Ligeti
Ísis Biazioli (USP)
43 Considerações sobre a correspondência trocada entre Francisco Curt Lange e
Cláudio Santoro de 1942 a 1949
Alice Belém (UEMG)
51 Mulheres e imigrantes: invisibilidades históricas e as práticas da música culta
em São Paulo na Belle Époque
Fernando Pereira Binder
57 Romualdo Suriani (1880-1943): atividade musical do maestro italiano em
Curitiba, entre 1912-1940
Alan Rafael de Medeiros (UFPR); Álvaro L. R. S. Carlini (UFPR)

Do

| sessão 1C |
64 Ode a Benedito de Eduardo Guimarães Álvares: uma análise
Diogo Lefévre (UNESP)
72 Webern durch Stockhausen: a estética da Momentform aplicada ao Opus 11/3
Felipe Ribeiro (UNESPAR/EMBAP)
81 Intertextualidade em música: presença de uma citação literal na Ária (Cantiga)
da Bachianas Brasileiras n.4, de Heitor Villa-Lobos
Ana Carolina Manfrinato (UFPR)
87 Dualismo harmônico: uma revisão bibliográfica
Diego Borges (UDESC); Sérgio Freitas (UDESC)

| sessão 2A |
93 Composição de Música Textural Assistida por Computador
Wander Vieira (UNICAMP); Jônatas Manzolli (UNICAMP)
105 Liberdade Criativa: Fonética Gestual e Livre Improvisação
Christina Marie Bogiages (UFRN); Cleber da Silveira Campos (UFRN)
111 Cognição e Formalismo: algumas ferramentas conceituais para poética
composicional
Eduardo Frigatti (UFPR)

| sessão 2B |
117 A Música nos Teatros Cariocas: repertórios, recepção e práticas culturais
Monica Vermes (UFES/UNESP/CNPq)
124 Aspectos sócio-culturais de Curitiba, Paraná, na última década do século XIX: o
Grêmio Musical Carlos Gomes (1893-1902)
Alvaro Carlini (UFPR)
133 Entre documentos e depoimentos: análise musical e o “falar de si” na
investigação acadêmica da música popular
Sérgio Freitas (UDESC)

| sessão 2C |
137 Apresentações musicais nas escolas: interações sociais na aprendizagem
pela apreciação musical
Katarina Grubisic (UFSC); Cristiana de Azevedo Tramonte (UFSC)
144 Persuasão verbal e o processo de ensino em El Sistema
Veridiana de Lima G. Krüger (UFPR)
152 Elaboração e validação de uma escala de autoeficácia para alunos de
percepção musical
Lílian Sobreira Gonçalves (UFPR); Rosane Cardoso de Araújo (UFPR)

| sessão 3A |
157 Uma História da Bossa Nova na Capital Pernambucana
Fernando Torres (UDESC)
164 Um brasileiro que faz música: considerações sobre o pensamento musical de
Hermeto Pascoal
Daniel Zanella dos Santos (UDESC)
172 A segmentação do campo da música popular brasileira na década de 1950: o
caso do Trio Surdina
Rodrigo Vicente (UNICAMP)
179 Trajetória de Moacir Santos do rádio para o cinema: um caminho comum
Lucas Bonetti (UNICAMP); Claudiney R. Carrasco (UNICAMP)
184 "Jequibau": algumas considerações
Daniel Vilela (UFPR)

| sessão 3B |
192 Embocadura na flauta transversal
Marina Monroy da Costa Penna UFBA)
201 Entre a fonte e o som
Levy Oliveira (UFMG); Ana Cláudia Assis (UFMG)
207 A harmonia em “Trovas” de Alberto Nepomuceno: em busca de elementos da
poética harmônica
Francisco Wildt (FAP-PR); Heitor B. Vieira (FAP-PR)
218 Semelhanças entre as propostas educacionais de Hans Joaquim Koellreutter e
Raymond Schafer
Andre Greboge (UFPR)
224 Um estudo sobre motivação de alunos estagiários, do curso de licenciatura em
música, no confronto com atividades de docência
Gabriel Silveira Pfarrius (UFPR)

| sessão 3C |
228 Jogo de malha: por uma poética composicional em ‘paisagem sonora mista’
Julio Cesar Damaceno (UEL); Fátima Carneiro dos Santos (UEL)
234 Composição modular para obras audiovisuais interativas
Alexandre Campos Moraes e Silva (UFPR); Lucas Henrique Serpe Diaz (UFPR);
Débora Opolski (UFPR)
242 Pesquisa de Parâmetros Sonoros e Criação Artística
Rodrigo Enoque (UFPR)
248 Um estudo sobre experiências vicárias de músicos mediadas pela internet e
sua relação com a construção das crenças de autoeficácia
Marina Calçado Abrahão (UFPR)
252 Um estudo sobre elementos da teoria do fluxo presentes na prática musical
coletiva de músicos de grupos de música popular e bandas de rock
Marcos Aloisius Perufo Damke (UFPR)

| sessão 4A |
255 Memorização e timbre: reflexões a partir da aplicação dos guias de execução
nas Variações ABEGG, op. 1, de Schumann
Bibiana Bragagnolo (UFPB); Luciana Noda (UFPB)
264 A noção de auditório para a música contemporânea
William Teixeira da Silva (UNICAMP); Silvio Ferraz (UNICAMP)
271 A canção pop/rock na sala de aula, um estudo de caso: problemáticas e
propostas
Jorge A. Falcón (PUCPR); Jetson de Souza (PUCPR)
281 O Estado da Arte na Pesquisa sobre a obra para violoncelo de Kaija Saariaho:
resultados iniciais
Camila Durães Zerbinatti (UDESC); Guilherme Sauerbronn de Barros (UDESC)
288 O “complexo Ab‐C‐E” em “choro bandido” de Edu Lobo e Chico Buarque: um
estudo de relações entre componentes textuais e musicais
Matheus Henrique de Souza Ferreira (UDESC); Sérgio Freitas (UDESC)

| sessão 4B |
293 Novas possibilidades sonoras para percussão a partir de técnicas expandidas
e recursos tecnológicos em tempo real
Pedro Henrique Machado Freire (Universidade de Aveiro); Cleber da Silveira Campos
(UFRN)
301 Validação de Ferramenta Analítica para o estudo de quatro variáveis da
embocadura na Flauta Transversal
Luiz Fernando Barbosa Jr(UFBA); Lucas Robatto (UFBA)
312 A escolha da digitação para performance no contrabaixo: um estudo sobre o
processo de otimização das escolas de contrabaixo
Guilherme Espindula de Oliveira (UFRGS); Fernando Gualda (UFRGS)
318 Histórias que ouvi e coisas que aprendi com a Sonata op. 147 de Dimitri
Shostakóvitch
Isabel Pereira Duschitz (UDESC); Sérgio Freitas (UDESC)
323 Considerações interpretativas sobre a obra TransFormantes III para vibrafone e
live-electronics
Charles Augusto Braga (UFMG); Fernando Rocha (UFMG)

| sessão 4C |
328 Construção das crenças de autoeficácia em aulas de musicalização e flauta
doce
Renata Filipak (UFPR); Rosane Cardoso de Araújo (UFPR)
336 Aquisição de habilidades rítmicas no estudo do violão
Luiz Carlos Martins Loyola Filho (UFPR)
| apresentação |

É com grata satisfação que apresentamos os Anais do SIMPEMUS6, Simpósio de Pesquisa em


Música 2013. O evento foi realizado nos dias 29 e 30 de novembro de 2013 no Departamento
de Artes da Universidade Federal do Paraná, através do seu Programa de Pós-Graduação em
Música.
As edições anteriores deste evento científico nacional contaram com a participação de
pesquisadores de várias universidades brasileiras, assim como com palestrantes de renome
nacional. Os Anais dos eventos passados foram publicados pela editora do Departamento de
Artes da UFPR e distribuídos a pesquisadores e instituições científicas de todo o País.
O SIMPEMUS5 permanece fiel às diretrizes que nortearam as versões anteriores, constituindo-
se em um fórum científico dedicado à discussão e reflexão de questões relevantes às áreas da
musicologia, teoria, análise, interpretação, tecnologia musical, e cognição musical.
Para esta edição foram selecionados trabalhos de pesquisadores oriundos de diversas
instituições do Brasil (FAP-PR, EMBAP, UDESC, UNESP, UNICAMP, USP, UFRGS, UFSC,
UFES, UFRJ, UFBA, UFRN, UFPR, entre outras). Ademais, realizamos o simpósio de alunos
de graduação e de iniciação científica.
Este ano tivemos a honra da presença da prof. Dr. Rogério Budasz (UCR-EUA).
Em nome da comissão organizadora do SIMPEMUS6, agradeço a todos os pareceristas,
mediadores de sessões e monitores, funcionários do DeArtes, à Pro-Reitoria de Pesquisa e
Pós-Graduação, à Coordenação do PPG-Música e ao Departamento de Artes da UFPR. Sem o
apoio de todos, a realização do evento não seria possível.

Norton Dudeque
Coordenador do SIMPEMUS5
Curitiba, novembro de 2013
1
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Avaliação de conteúdos de Fonética aplicados em uma proposta de


ensino da dicção no Canto na abordagem linguístico-analítica

COMUNICAÇÃO ORAL:

Jeanne Rocha
Universidade Federal de Uberlândia – jeannerocha@hotmail.com

Resumo: A pesquisa foi realizada na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) com 10


alunos de Canto, matriculados na disciplina Dicção 4, de agosto a dezembro de 2011, a quem
aplicamos uma proposta de ensino fundamentada em Fonética (SOUZA, 2009). Apresentam-
se resultados parciais advindos do questionário coletado ao final da disciplina, com
avaliações dos participantes sobre os conteúdos aplicados, contribuindo para investigações
sobre benefícios da Fonética no processo ensino-aprendizagem da dicção no Canto.

Palavras-chave: Dicção para Cantores. Fonética. Pedagogia Vocal.

Review content of Phonetics applied in a teaching diction in singing the linguistic-analytical


approach

Abstract: The research was conducted at the Universidade Federal de Uberlândia (UFU) with
10 students Singing, registered in the discipline Diction 4, August-December, 2011, who apply
a teaching based on phonetics (SOUZA, 2009). We present partial results deriving from the
questionnaire collected at the end of the course, with reviews from participants on content
applied, contributing to research on benefits of phonetics in the teaching-learning process in
Singing diction.

Keywords: Diction for Singers. Phonetics. Vocal Pedagogy.

1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa trata-se da abordagem linguístico-analítica, fundamentada
em Fonética, do ponto de vista da articulação dos sons – a Fonética Articulatória
(WEISS, 1980) – e da representação – o Alfabeto Fonético Internacional (AFI) (IPA,
2005) e sua prática, a Transcrição Fonética (TF) (LACERDA & HAMMARSTRÖM,
1952). Nesta abordagem, de acordo com Souza (2009), a compreensão de
descrições articulatórias favorece o aprendizado da pronúncia, uma vez que o
aprendiz passa a conhecer e saber praticar o movimento certo dos articuladores em
seus modos e pontos de articulação, com consciência da corrente de ar no processo
fonatório; já o conhecimento de um alfabeto fonético favorece no entendimento de
como os sons do discurso são transcritos ou representados.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Optamos pela pesquisa-ação, tendo em vista necessidades de mudanças


didático-pedagógicas na referida disciplina e instituição (MOREIRA & CALEFFE,
2
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

2006). Dos 10 participantes, 6 cursam Licenciatura e 4 Bacharelado; 4 homens e 6


mulheres entre 21 e 42 anos de idade, a quem aplicamos tal proposta e coletamos
dados para análises quantitativa, qualitativa e comparativa.

A coleta de dados constou: 1) Dados iniciais: coletados nas primeiras


semanas do curso (08 a 20/08/11) por meio de questionário digital, gravação digital
em áudio (cada participante gravou uma canção erudita em Português Brasileiro, de
livre escolha, antes da aplicação da proposta de ensino), partitura musical e TF; 2)
Aplicação da proposta de ensino: coletados durante o curso (16 horas/aula):
anotações de campo, exercícios e provas; 3) Dados finais: coletados nas últimas
semanas do curso (05 a 16/12/11) por meio de questionário digital; regravação
digital em áudio da mesma canção inicial e sua TF.

3. DADOS E RESULTADOS PARCIAIS

Para este artigo, selecionamos dados do questionário final com a


avaliação dos participantes aos conteúdos da abordagem linguístico-analítica:
Fonética Articulatória, Alfabeto Fonético Internacional (AFI) e Transcrição Fonética
(TF). Tal avaliação inclui também pontos de maior e menor assimilação destes
conteúdos durante a aplicação da proposta de ensino, considerando seu
desconhecimento a 60% dos participantes.

a) Fonética Articulatória

A Fonética Articulatória visa ao estudo dos sons da fala do ponto de vista


articulatório, observando como são articulados ou produzidos pelo aparelho fonador
(MATZNAUER In: BISOL, 2010, p. 11), bem como a descrição precisa desses sons
e suas possíveis coarticulações no espaço destinado ao trato vocal, sendo
importante no processo ensino-aprendizagem de línguas (SOUZA, 2009).

Na avaliação deste conteúdo, 1 participante relatou não achar decisivos


os conhecimentos de Fonética Articulatória para uma boa pronúncia do idioma ao
cantar, enquanto 9 consideram a importância deste conteúdo no sentido de:
3
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

1. Promover clareza na articulação do cantor para melhor entendimento do


público;

2. Melhorar o canto sabendo como são produzidos estes sons no aparelho


fonador;

3. Encontrar o ponto certo na articulação de cada vogal, semivogal e consoante


para cantar corretamente;

4. Conscientização da língua com maior auxílio ao canto;

5. Entender, na prática, o ponto de articulação e o movimento dos articuladores


na produção dos sons da língua cantada;

6. Entender, sentir e experimentar como os sons das palavras são produzidos;

7. Fazer com que o falante ou cantor produza sons precisos, de forma mais
autêntica.

Depoimento em destaque: “O conhecimento da estrutura anatômica e fisiológica,


tanto para o educador quanto para o aluno, torna-se fundamental na compreensão
do papel que desempenha cada órgão e suas funções na produção dos sons
fonéticos” (participante 10).

- Pontos de assimilação do conteúdo Fonética Articulatória

Neste conteúdo os participantes afirmaram maior assimilação na


articulação dos sons de consoantes, vogais e semivogais do PB; e menor
assimilação na identificação entre consoante surda (sem voz nas pregas vocais) e
sonora (com voz nas pregas vocais); a consciência de pontos e modos de
articulação em geral; memorizar o trapézio vocálico representado pelo AFI; identificar
cada termo linguístico com seu significado e aplica-los na prática.

No tocante à articulação de sons fonéticos, este resultado, considerado


satisfatório, mostra que o curso cumpriu sua meta, despertando nos participantes a
importância da Fonética Articulatória nos estudos da dicção. Acreditamos que os
4
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pontos de menor assimilação se efetivarão com o tempo e a prática destes


conteúdos.

b) Alfabeto Fonético Internacional


O AFI, conhecido como International Phonetic Alphabet (IPA), é um
sistema de notação fonética, criado em 1888, pela Associação Internacional de
Fonética, com o objetivo de propor uma representação específica para os sons da
fala. Sugere um conjunto de símbolos e diacríticos para registrar todo e qualquer
som atestado nas línguas naturais. É apresentado na literatura de Linguística
Aplicada ao Ensino de Línguas como ferramenta para o ensino e aprendizagem da
pronúncia de línguas em geral (HIRAKAWA, 2007; SOUZA, 2009). Na pedagogia
vocal, Miller (2011) considera sua importância tendo em vista o crescente número de
publicações norte-americanas que o utilizam. A literatura estrangeira sobre dicção
para cantores e as Normas do PB Cantado (KAYAMA et al., 2007) utilizam o AFI
para representar a pronúncia.

c) Transcrição Fonética
Transcrição fonética é uma tentativa de se registrar de modo inequívoco o
que se passa na fala. Em sua prática, Weiss (1980) considera ser preciso registrar
cada som, cada modificação e cada traço prosódico com símbolos específicos. Cada
traço fonético (som, combinação de sons, modificação de um som, traços
prosódicos, etc.) é representado por certo símbolo e, vice-versa, cada símbolo
representa um som, uma modificação ou um traço prosódico1.

Nas avaliações dos conteúdos AFI e TF, os participantes apontaram seus


seguintes benefícios nos estudos da dicção:

1. A padronização dos sons para que sejam reproduzidos sempre como no


original, além de tornar o estudo da pronúncia mais sério e mais prático;

2. Permite pronunciar em qualquer idioma sem conhecê-lo totalmente, além de


desenvolver a habilidade de transcrever o repertório estudado, levando o
cantor a pronunciar corretamente sempre que cantar em línguas estrangeiras
e em PB;
5
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

3. Permite representar os sons, o que ajuda o cantor a ter mais consciência dos
detalhes de cada língua, melhorando na performance vocal;

4. Por ser um sistema acessível a todos, o AFI possibilita aos cantores nacionais
e estrangeiros a oportunidade de cantar em outros idiomas com maior
precisão de pronúncia e um número menor de dúvidas;

5. Aproxima ou decodifica o modo como se fala, já que o alfabeto da escrita não


oferece esta aproximação;

6. Refina o ouvido para os mais sutis detalhes sonoros da língua;

7. Facilita o aprendizado correto da pronúncia de línguas, ampliando o senso


crítico de análise dos sons fonéticos emitidos no canto;

8. Padronização da notação para representação fonética de todas as línguas.

Depoimento em destaque: “A partir da grafia dos sons por meio do AFI é possível
cantar no idioma alvo com maior precisão e pureza sonora, evitando
estrangeirismos, maneirismos, vícios e regionalismos” (Participante 9).

- Pontos de assimilação dos conteúdos AFI e TF


Nestes conteúdos os participantes afirmaram maior assimilação da TF (na
escrita e leitura de símbolos) para os sons do PB, símbolos e sons de línguas do
alfabeto ortográfico; e menor assimilação a sons não utilizados no PB; memorizar
inúmeros símbolos; entender os sons de /r/; memorização de símbolos fonéticos,
seus respectivos sons e aplicação precisa.

No tocante à representação de sons fonéticos, nossa satisfação


concentra-se em dois pontos: 1) no cumprimento da meta do curso ao atingir tal
nível de conscientização dos participantes sobre a importância do AFI e da TF como
ferramentas nos estudos da dicção no Canto; 2) na efetivação do aprendizado
destes conteúdos em 80%, evidenciado em instrumentos avaliativos, como provas e
exercícios de TF aplicados durante o curso. Da mesma forma, acreditamos que os
pontos de menor assimilação se efetivarão com o tempo e a prática destes
conteúdos.
6
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência vivenciada com esta pesquisa nos leva a continuar na


defesa da abordagem linguístico-analítica no processo de ensino e aprendizagem da
dicção no canto, confirmando os pressupostos teóricos de Souza (2009)
apresentados na introdução deste artigo.

REFERÊNCIAS

BISOL, Leda (Org.). Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. Porto


Alegre: EDIPURCS, 2010.

HIRAKAWA, Daniela Akie. A fonética e o ensino-aprendizagem de línguas


estrangeiras: teorias e práticas. São Paulo, 2007. Dissertação (Mestrado), USP.

International Phonetic Alphabet (IPA, 2005). Disponível em:


<http://www.langsci.ucl.ac.uk/ipa>. Acesso em: 31 jan. 2012.

KAYAMA, A. et al. Normas para a pronúncia do português brasileiro no canto


erudito; OPUS; v. 13, n. 2, dezembro, 2007, p. 16-38.

LACERDA, Armando; HAMMARSTRÖM, Göran. Transcrição fonética do português


normal. Revista do Laboratório de Fonética experimental da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra. V. 1, 1952, p. 119-135.

MILLER, R. On the art of singing. NY: The Oxford University Press, Inc., 2011.

MOREIRA, H. & CALEFFE, L. G. Metodologia da pesquisa para o professor


pesquisador. Rio de Janeiro: D&A, 2006.

ROCHA, J. M. G. Contribuições da fonética no processo ensino-aprendizagem da


pronúncia de línguas no canto. Uberlândia, 2013. Dissertação (Mestrado), UFU.

SOUZA, M. O. P. de. A fonética como importante componente comunicativo para o


ensino de língua estrangeira. Revista Prolíngua. v. 2 n. 1 Jan/Jun 2009, p. 33-43.

WEISS, Helga E. Fonética Articulatória: guia de exercício. 2. Ed. Brasília: SIL, 1980.

Notas

1
Um melhor detalhamento sobre transcrição fonética apresenta-se no aporte teórico de nosso
trabalho de Mestrado (ROCHA, 2013).
7
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ÉTICA, SEMIÓTICA E EDIÇÃO MUSICAL: SEGUNDO


MOVIMENTO DA SONATINA PARA FLAUTA E VIOLÃO DE
RADAMÉS GNATTALI
Solon Santana Manica
UFBA - solonsm@gmail.com

Resumo: Esta pesquisa tem por objetivo delinear relações possíveis entre intérprete/obra/compositor,
intermediados pelo ato editorial, enfocando os aspectos éticos presentes no processo interpretativo
musical na tradição de música de concerto ocidental. A investigação desenvolve-se através do
trabalho de revisão editorial da parte de flauta do segundo movimento da Sonatina para Flauta e
Violão de Radamés Gnattali, problematizando questões teóricas sobre o ato interpretativo - que
envolvem tanto o editor como o músico - através do estudo de fontes para a obra, e as consequências
de decisões editorias para a transmissão da mesma dentro de critérios éticos.
Palavras-chave: Ética. Semiótica. Edição Musical.

ETHICS, SEMIOTICS AND MUSICAL EDITING: THE SECOND MOVEMENT OF THE SONATINA
FOR FLUTE AND GUITAR BY RADAMÉS GNATTALI

Abstract: This research aims to delineate possible relations between performer/work/composer that
are mediated by editorial actions. This approach focuses on some ethical aspects presented by those
relations in the western concert music tradition. The research is based on an editorial revision of the
flute part of the second movement of the Sonatina for Flute and Guitar by Radamés Gnatalli, and
problematizes ethical questions about the interpretative act – which touch both editor and musician –
through the investigation on the sources for the work. The ethical consequences of editorial decisions
for the transmission of the work are also perused.
Keywords: Ethics. Semiotics. Musical Editing.

1 - Introdução e apresentação do referencial teórico

Este estudo1 se desenvolveu a partir da hipótese que a relação entre


intérprete/obra/compositor, intermediados pelo ato editorial, comprova a importância
da formação de uma consciência histórico-crítica para o intérprete em suas
atividades. A investigação busca, a partir do aparato disponibilizado pelo
pensamento teórico científico, compreender o quanto a interpretação de um músico
pode ser influenciada pela do editor, presente na edição que o músico utiliza para
sua execução. Chama, assim, a atenção para a importância de uma pesquisa em
torno das fontes da obra, que foram utilizadas pelo editor, bem como busca
compreender quais os pressupostos teóricos utilizados por este. Esses, firmados em
uma postura ética do intérprete, possibilitam ao músico desenvolver uma
consciência histórico-crítica em relação à obra a ser executada.
As questões com as quais o intérprete irá se deparar em suas atividades,
partem do foco sobre a interação entre sujeito e objeto a ser interpretado e não no

1
Pesquisa orientada pelo Prof. Dr. Lucas Robatto.
8
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

sujeito, no autor ou na obra em si. Com base nessa premissa, advêm os


questionamentos que norteiam a pesquisa. As questões norteadoras são as
seguintes:
1) Todas as respostas, ao conteúdo do texto musical, estão dentro do
texto em si, ou há a necessidade/possibilidade de informações originadas além do
texto para criação de sentido deste?
2) A totalidade dos conhecimentos previamente adquiridos e o acúmulo
das experiências de vida de um músico são suficientes para que este, ao deparar-se
com um texto desconhecido, possa interpretá-lo de maneira não arbitrária ou
colaboram para colocar o intérprete em posição “pré-conceituosa” em relação ao
texto?
3) A partir dos questionamentos anteriores, qual seriam os pressupostos
que, na medida em que podem auxiliar o músico a tornar-se consciente das
escolhas tomadas diante do texto musical, afirmariam a necessidade/possibilidade
da realização de uma pesquisa em torno do texto para sua interpretação?
Estas perguntas remetem inicialmente a Hermenêutica que, segundo Ian
D. Bent (BENT, 2011), trata do estudo a respeito da interpretação dos textos, mas
pode ser expandido para as obras de arte. Este mesmo autor relata que em música
a Hermenêutica esteve relacionada tangencialmente a Filosofia da Música, dentre o
século XIX e início do século XX, após aproximou-se da Psicologia da Música e
recentemente da Sociologia da Música. Ao procurar compreender o conteúdo do
texto musical vai ao encontro da Semiótica, do Estruturalismo e da teoria da
Recepção.
Visto a abrangência dos estudos da Hermenêutica, fez-se necessário
definir alguns tópicos levantados por este campo do saber, e que possibilitam uma
visão geral do assunto e se adequam ao tema e a hipótese levantada para esta
investigação. A escolha destes tópicos procurou se fundamentar nas disciplinas
normativas, segundo Charles Sanders Peirce: a estética, a ética e a lógica ou
semiótica. Como bem descreve Santaella:
A estética, a ética e a lógica são chamadas normativas porque elas têm por
função estudar ideais, valores e normas. Que ideais guiam nossos
sentimentos? Responder a esta questão é tarefa da estética. Que ideais
orientam nossa conduta? Esta é a tarefa da ética. A lógica, por fim, estuda
os ideais e as normas que conduzem o pensamento. [...] Por isso, a lógica,
também chamada de semiótica, trata não apenas das leis do pensamento e
9
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

das condições da verdade, mas, para tratar das lei do pensamento e da sua
evolução, deve debruçar-se antes, sobre as condições gerais dos signos.
(SANTAELLA, 2010, p.2)
Uma das tarefas fundamentais de uma teoria científica é a sua
capacidade de previsão, ou seja, esta “deve constituir um conjunto de regras de
inferências que permitam a previsão dos dados de fato.” (ABBAGNANO, 1998,
p.953) De maneira que tem por finalidade normatizar um determinado fenômeno ou
prática, por isso justifica-se o uso de disciplinas normativas (a estética, a ética e a
semiótica) para estabelecer os pressupostos que devem orientar uma interpretação
musical. Nesta pesquisa dentre as disciplinas normativas elencadas acima serão
abordadas a ética e a semiótica.
O que se procura delinear aqui não é uma teoria científica, que normatize
o ato interpretativo, mas sim utilizar o aparato teórico para descrever e refletir a
respeito da atividade do intérprete, visto que no meio musical existem normas de
interpretação que são estabelecidas pelos músicos dentro uma cultura e de um dado
momento histórico, vide a ornamentação no período barroco e os vário tratados que
tentam descrever esta prática da época. Assim, pretende-se entender a atividade do
músico erudito, dentro da música de concerto de tradição ocidental, na qual o texto
musical desempenha importante papel, pois é o meio pelo qual o intérprete
desenvolve sua performance. O maior desafio não é, portanto, definir as normas de
uma interpretação musical, mas sim descrever e compreender os motivos que
movem o intérprete a estabelecer diretrizes para realização de suas atividades.
2- Ética
Antes de demonstrar as implicações éticas de uma interpretação musical,
é necessário entender o pensar ético adotado para esta pesquisa, pois assim se
pode ter clareza da causa de tais implicações. O pensamento de Hans Jonas
(JONAS, 2006), considerado um dos principais filósofos alemães contemporâneos, é
usado como base para o presente trabalho, devido à representatividade de sua obra
nesta área do conhecimento A partir do pensamento de Hans Jonas fica evidenciado
o aspecto ôntico da ética no ser humano e que, por isso, está presente em todas as
áreas do conhecimento e do fazer humano. Ao ter em mente esta premissa, a
pesquisa procura demonstrar a importância da ética para a interpretação musical.
Embora o autor se preocupe mais com as questões ambientais e tecnológicas,
10
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

também afirma sua importância para as obras de arte, que, como patrimônios
culturais da humanidade, devem ser preservadas:
Dentro desse quadro genérico, que vincula qualquer tipo de
responsabilidade à vida é possível que coisas não vivas se tornem objeto de
responsabilidade, não porque estejam subjetivamente a serviço da vida,
mas como elas próprias, e até mesmo em prejuízo do que se considera
normalmente como sendo o interesse vital. [...] A maior das obras de arte se
tornaria um pedaço mudo de matéria em um mundo sem homens. De outro
lado, sem a obra de arte o mundo habitado por homens se torna um mundo
menos humano, e a vida dos seus habitantes seria mais carente de
humanidade. Assim, a criação da obra de arte faz parte do agir humano
constituinte do mundo; e sua presença é parte do patrimônio do mundo
instituído pelos homens, o único onde os homens podem encontrar abrigo.
Não podemos imputar ao artista a preocupação em aumentar o acervo
artístico ou fomentar a cultura; é melhor que ele se ocupe exclusivamente
de sua obra. Mas, no que concerne à preservação de sua criação por parte
de outros, como patrimônio da humanidade (um dever indubitável), a obra
não se beneficia da imunidade com a qual o seu criador, responsável
apenas pela obra pode se desfazer de todos os seus outros deveres. (Ibid,
p.177-178)

A citação acima demonstra a importância do princípio responsabilidade


para a arte. Pois como o homem, afirma Hans Jonas, possui o poder de colocar em
risco a humanidade, ou seja, destruí-la, também tem o poder de destruir uma obra
de arte, que é patrimônio da humanidade e por isso deve, indubitavelmente, ser
preservada. O autor, na citação anterior, afirma ainda que a obra de arte é essencial,
pois humaniza o homem, sem ela o mundo se tornaria mais carente de humanidade.
É importante ressaltar que uma obra de arte pode ser interpretada em
diferentes momentos históricos e, consequentemente, em diferentes contextos
socioculturais, pois segundo Eros Grau:
A compreensão é um processo de aproximação em desenvolvimento que
aproxima o sujeito que compreende e o objeto a compreender até o
encontro mútuo produzindo assim uma transformação recíproca. Esse
processo se desenvolve no tempo, coloca em jogo o indivíduo com sua
história vital, e o contexto das tradições sociais. (GRAU, 2010, p.7)

Portanto, o intérprete utiliza os princípios morais de sua época, ou seja, os


costumes e valores consagrados que, como visto, podem ser confrontados pela ética
e como este confronto ocorre no tempo, a moral de uma época sempre será distinta
(em alguns ou em muitos fatores) a de um período histórico anterior ou posterior. Por
isso a importância de uma consciência histórico-crítica por parte do intérprete, para
estar ciente dos valores do seu momento histórico e dos valores presentes no texto
11
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

que podem pertencer à outra época, tal consciência advém, em grande parte, de
uma postura ética na sua interpretação.
3 – Semiótica
Em A Estrutura Ausente (ECO, 1976), Umberto Eco procura definir o
campo de estudos da semiótica e sistematizar a estrutura que subjaz do processo de
comunicação, apresenta a seguinte definição:
A Semiologia estuda todos os fenômenos culturais como se fôssem
sistemas de signos – partindo da hipótese de que na verdade todos os
fenômenos de cultura são sistemas de signos, isto é, fenômenos da
comunicação. Ao fazê-lo, interpreta uma exigência difundida nas várias
disciplinas científicas contemporâneas, que justamente procuram, aos mais
variados níveis, reduzir os fenômenos que estudam a fatos
comunicacionais. (ECO, 1976, p.3)

Ao admitir-se que a semiótica estuda como ocorre a comunicação,


através do estudo dos signos e seus significados, fica evidente que cabe a esta
disciplina estabelecer as normas de como ocorre o processo de interpretação de um
texto. Como visto, na ética o que regula uma interpretação são os princípios, por
esta estabelecidos, que devem orientar a conduta do intérprete perante o texto. Para
ter um comportamento ético deve-se respeitar o “outro” e aplicando este princípio à
interpretação de um texto, o intérprete deve, portanto, distinguir as suas posições de
outras possíveis impressas no texto, falta ver como ocorre este processo. Para
demonstrar a importância dos estudos da interpretação Umberto Eco afirma que:
[…] a interpretação – fundada na conjectura ou na abdução […] - é o
mecanismo semiósico que explica não apenas nossa relação com
mensagens elaboradas intencionalmente por outros seres humanos, mas
toda forma de interação do homem (e quiçá dos animais) com o mundo
circunstante. É através dos processos de interpretação que, cognitivamente,
construímos mundos, atuais e possíveis. (ECO, 1995, p.XX)

O autor acredita, assim, evidenciar as razões para a preocupação em


torno das condições e dos limites da interpretação. De modo que inspirado no
debate em torno da interpretação dos textos, Umberto Eco escreve Os Limites da
Interpretação, no qual após assinalar teorias anteriores e as teorias correntes na
época, aponta para a importância do sentido literal como princípio básico para a
interpretação de um texto.
Afirma que todo discurso a respeito da liberdade de interpretação deve
iniciar pela defesa do sentido literal. Esse estaria ligado ao enfoque gerativo, o qual
12
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

se refere às supostas características objetivas de um texto, que não pretendem


reproduzir as intenções do autor, mas “a dinâmica abstrata por meio da qual a
linguagem se coordena em textos com base em leis próprias e cria sentido,
independentemente da vontade de quem os enuncia.” (Ibid, p.7) Em contraposição
está o enfoque interpretativo, o qual procura no texto o que o seu destinatário nele
encontra, utilizando-se de seu conhecimento, relativo a seus próprios sistemas de
significação e/ou a seus próprios desejos, pulsões, arbítrios.
Para desenvolver estes dois enfoques, utiliza os conceitos de
interpretação semântica e interpretação crítica:
A interpretação semântica ou semiósica é o resultado do processo pelo qual
o destinatário, diante da manifestação linear do texto, preenche-a de
significado. A interpretação crítica ou semiótica é, ao contrário, aquela por
meio da qual procuramos explicar por quais razões estruturais pode o texto
produzir aquelas (ou outras, alternativas) interpretações semânticas. (Ibid,
p.12)

Através desses dois conceitos o autor procura estabelecer os limites da


interpretação e que, consequentemente, determinam o processo de distinção das
posições do intérprete de outras possíveis impressas no texto.
Portanto, o músico deve estar ciente de que a percepção do conteúdo do
texto musical de forma crítica (racional) depende intrinsecamente dos seus
conhecimentos em torno do texto. Por isso, a importância da pesquisa do universo
retórico e ideológico deste, a fim de tornar consciente a compreensão de outros
possíveis léxicos nele presentes e não apenas utilizar os léxicos mais correntes
atualmente, disponíveis ao intérprete (através de suas vivências). No caso da
música de concerto de tradição ocidental esta premissa pode remeter o músico a
buscar as fontes que foram utilizadas na edição em uso para sua execução, visto
que é a partir desta que vai desenvolver sua interpretação. Neste contexto, a
compreensão do ato editorial se torna importante para o músico, pois, como visto,
quanto maior o repertório de conhecimentos do intérprete, mais conscientes são
suas decisões diante da obra, isso evidencia a necessidade dos conhecimentos a
respeito da edição, para a compreensão do importe semiótico do texto.
4 - Segundo movimento da Sonatina para Flauta e Violão de
Radamés Gnattali
A partir do cotejamento e avaliação crítica das diferentes fontes que
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

transmitem a Sonatina para Flauta e Violão de Radamés Gnattali, pretende-se


apontar para a importância da consciência histórico-crítica na atividade do intérprete
musical. Serão abordados aqui apenas os aspectos editoriais referentes à parte da
flauta do segundo movimento da obra.
Os exemplos de comparação entre as diversas fontes encontradas para a
obra, este artigo apresenta um exemplo, explicitam as decisões tomadas pelo editor,
decorrentes do tratamento dado pelo editor ao importe semiótico do texto.
Realizado o confronto entre a edição Chanterelle e as outras fontes do
segundo movimento da sonatina, foram encontrados alguns pontos diferentes, estes
se referem a ligaduras de expressão e prolongamento, indicações de respiração, e
em apenas um caso ocorre diferença entre notas musicais, este último é o exemplo
apresentado neste artigo. Como os manuscritos praticamente não apresentaram
diferenças entre si (apenas uma ligadura de expressão), o exemplo a seguir irá
apresentar primeiro a edição Chanterelle e em seguida o manuscrito da parte de
flauta separada, feito por Radamés Gnattali.
A única diferença de nota, neste movimento, entre a edição Chanterelle e
as outras fontes, pode ser vista no exemplo abaixo. Aqui a alteração realizada pelo
editor, pode decorrer da falsa relação que o Láb (no primeiro tempo do compasso,
da imagem do manuscrito) causa em relação ao baixo, executado pelo violão, no
qual há um Lá natural (semínima, também no primeiro tempo do compasso).

Exemplo 1: Gnattali, Sonatina, 2° mov., cc. 167, diferença de nota entre edição e manuscrito

Como este Láb está presente em todas as fontes manuscritas estudadas,


apresenta-se aqui um possível erro editorial. Tal erro poderia provavelmente ser
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evitado diante de uma pesquisa a respeito do estilo composicional de Gnattali.


Para Grier (GRIER, 1996, p.28-30) dentro do contexto da pesquisa
histórica e semiótica realizada em torno de uma obra e suas fontes, a prática de
edição depende de uma forma elementar da concepção de estilo, por parte do editor,
da obra em questão. Tomados em conjunto, os símbolos, ou seja, a notação e seu
significado semiótico geram os atributos estilísticos da obra. Como a edição,
pretende a fixação dos símbolos de uma determinada peça, o estilo, neste processo,
governa muitas das escolhas editoriais. Este mesmo autor ressalta que a visão
histórica de estilo governa avaliação crítica do editor em suas leituras da obra.
Afirma, ainda, que em última análise, edição se resume na preferência de uma
leitura sobre outra e a ferramenta mais importante, que um editor tem para a tomada
destas decisões, é o seu conhecimento a respeito do estilo e do contexto histórico
da obra.
5 - Conclusão
A arte é uma manifestação da cultura, por isso a música, que é um fazer e
um bem cultural da humanidade, não pode ser olhada isolada do contexto sócio-
histórico-cultural em que está inserida. Outros saberes são de relevante valor para
compreendê-la e também a influenciam, na mesma medida em que são
influenciados pelo fenômeno musical, por isso os pressupostos teóricos ajudam a
compreender os motivos que movem o intérprete a estabelecer diretrizes para
realização de suas atividades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998.


BENT, Ian D. Hermeneutics. In Grove Music Online. Oxford Music Online:
<http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/grove/music/12871> Data de
acesso: 13/10/2011.
ECO, Umberto. A Estrutura Ausente. Trad. Pérola de Carvalho. São Paulo:
Perspectiva, 1976.
, . Os Limites da Interpretação. Trad. Pérola de Carvalho. São Paulo:
Perspectiva, 1995
GRAU, Eros. Extradição 1.085 - Caso Cesare Battisti [voto quanto ao mérito da
extradição]. Transcrição do discurso acessada em:
http://www.iabnacional.org.br/IMG/pdf/doc-2133.pdf Data de acesso: 09/07/2010.
GRIER, James. The Critical Editing in Music. EUA: Cambridge University Press.,
1996.
JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização
15
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiz Barros Montez. Rio
de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.
SANTAELLA, Lucia. Semiótica Aplicada. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Rosa del ciel, ária1 da ópera L’Orfeo de Claudio Monteverdi:


pesquisa empírica e bibliográfica para a construção de uma
performance musical.

MODALIDADE: Performance

José Brazil
Universidade Federal do Paraná – josebrazil2108@yahoo.com.br

Resumo: A pesquisa expõe um relato sobre a preparação da performance musical da ária


Rosa del ciel, da ópera L’Orfeo de C. Monteverdi, ocorrida no ano de 2012. O objetivo é
comparar este relato às reflexões encontradas em uma pequena lista de referências,
principalmente em Performance musical e suas interfaces, organizado por Sonia Ray (2006).
O trabalho não se apresenta conclusivo posto que a performance não se esgota em nenhuma
interpretação, mas traz a exposição do envolvimento na construção de uma performance
musical, podendo servir de exemplo ou paradigma na construção de estratégias em tarefas
similares.

Palavras-chave: Música vocal. Claudio Monteverdi. L’Orfeo. Ópera. Performance.

Rosa del ciel: the aria of the opera L’Orfeo by Claudio Monteverdi: an empirical and
bibliographical research in sense of building a musical performance.

Abstract: This research presents a report on preparations for the musical performance of the
aria Rosa del ciel, from the opera L'Orfeo by C. Monteverdi, which occurred in 2012. The
purpose is to compare the reflections found in a short list of references, especially in Musical
Performance and its Interfaces, edited by Sonia Ray (2006). The work does not present
conclusive since the performance is not limited in any interpretation, but brings the exposure
of involvement in the construction of a musical performance, thus it may serve as a paradigm
or example in building strategies to similar tasks.

Keywords: Vocal music. Claudio Monteverdi. L’Orfeo. Opera. Performance.

1. Construção de uma performance musical: em busca de


elementos.

O planejamento e elaboração de estratégias na construção de uma


performance musical para um cantor, a decifração de uma partitura, a verificação do
caráter, andamento, pronúncia etc., constituem pontos iniciais estratégicos, muitas
vezes esquecidos, pois são considerados como andaimes da construção principal.
Trazemos aqui os holofotes para os bastidores e salas de ensaio, focando o trabalho
de preparação do performer. Sonia Ray, organizadora de Performance musical e
suas interfaces, constata a “pouca tradição que os performers, em geral, têm em
documentar suas práticas” (RAY, 2006, p.40). Procurando preencher esta lacuna,
será exposto um relato sobre a preparação da performance da ária Rosa del ciel, a
partir de uma experiência vivenciada durante a montagem da ópera L’Orfeo de C.
Monteverdi, conduzida no Departamento de Artes da Universidade Federal do
Paraná no ano de 2012, sob a direção da Prof. Silvana Scarinci, como parte das
atividades da disciplina de pós-graduação “Os Primórdios da Ópera”.
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Ao primeiro contato com a partitura, a preocupação inicial foi com a


tessitura e, sobretudo, com o centro da escala explorado pelo compositor, que
poderia apresentar diversos graus de dificuldade, até mesmo inviabilizar sua
execução. O trecho musical Rosa del ciel, aqui denominado como ária, apresenta a
tessitura vocal mediana, indo de ré-2 ao fá-3, viável para a classificação vocal do
barítono. Em seguida foi feita a leitura das notas musicais e do texto em italiano, que
mostrou algumas dificuldades na leitura métrica. Foi preciso fazer a marcação com
linhas coloridas para que o ritmo irregular, que imita a declamação, ficasse claro.
Como parte dos estudos a Prof. Scarinci sugeriu a tradução desta ária, localizando-a
no contexto do enredo da ópera. Estes foram os primeiros passos de um trabalho
que durou algumas semanas. Eis a tradução:

Rosa del ciel, vita del mondo, Rosa do céu, vida do mundo,
E degna prole di lui digna descendente daquele
Che l’universo affrena; que domina o universo.
Sol, che’l tutto circondo e’l tutto miri Sol, que tudo circunda e tudo vê
Da gli stellanti giri, dimmi, dentre as órbitas estelares, diga-me,
vedesti mai di me já viste alguém mais do que eu,
più lieto e fortunato amante? tão alegre e afortunado amante?
Fu ben felice Il giorno, Feliz foi o dia
Mio bem, che pria ti vidi; minha querida, quando te vi pela primeira vez;
E più felice l’hora che per te sospirai, e ainda mais feliz a hora que por ti suspirei.
Poi ch’al mio sospirar tu sospirasti. Pois com o meu suspirar tu [também] suspiraste.
Felicíssimo il punto che la candida mano, Felicíssimo o momento que tua mão cândida,
Pegno di pura fede, à me porgesti, símbolo de pura fé, tu me estendeste.
Se tanti cori havessi Tivesse eu tantos corações
Quant’occhio há’l ciel eterno, quanto os olhos que há no céu infinito,
E quante chiome han questi coli ameni e quanto as copas que há nas colinas calmas
Il verde maggio, e verdes de maio,
Tutti colmi sarieno e traboccanti todos [assim] estariam plenos e transbordantes
Di quel piacer ch’oggi mi fa contento. do prazer que hoje me faz contente.

Exemplo 1: Texto da ária Rosa del ciel, trecho da ópera L’Orfeo. Tradução por José Brazil.

Nessa etapa já se pode identificar o viés sobre o que afirmam Pablo


Gusmão e Cristina Gerling (2006, p.66): “uma interpretação musical é uma atividade
complexa, pois envolve o planejamento em diversos níveis de processamento e de
hierarquização de eventos para possibilitar uma projeção convincente.” O próximo
passo foi localizar a ária dentro do contexto da ópera, recorrendo-se à leitura usual
sobre enredos de ópera: o Kobbé: livro completo da ópera:
Ato I: Pastores e ninfas se regozijam pelo casamento de Orfeo e Eurídice.
Os dois pastores e a ninfa têm estrofes soladas entre os coros, e o próprio
Orfeo canta sua primeira ária: Rosa del ciel. Segue-se uma stanza para
Euridice, e os coros são repetidos. O ato termina com um belo coro
manifestando o desejo de que a felicidade geral não traga a infelicidade dos
amantes. (1997, p.8)

Tem-se uma visão dentro da obra, que consta de cinco atos, sendo que
este trecho apenas inicia uma longa jornada dramática que passará por dissabores e
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frustrações de um resgate mal sucedido de Euridice, que morre picada por uma
serpente logo no segundo ato. Ao tomar conhecimento destas passagens
dramáticas, poderiam surgir algumas interferências na interpretação. Como parecer
convincente sem se deixar contaminar pelo conhecimento prévio do desfecho da
ação dramática? Os estudos musicais ainda estavam em andamento, portanto seria
preciso buscar mais subsídios. Um exercício de declamação sem música, proposto
pela Prof. Scarinci, ajudaria na fluência do texto. Algo já se configurava em uma
experiência de deleite como quer representar o texto. A partitura utilizada não trazia
indicações de dinâmica nem andamentos, bem como se espera para esta fase do
período barroco. Não por acaso, Gusmão e Gerling (2006, p.67) afirmam que “outros
elementos, mesmo presentes na partitura, não passam de aproximações, como é o
caso de indicações de andamentos ou dinâmica”. Assim o texto deve, de fato,
comandar a música. Sonia Ray (2006, p.8) discorre em seu tópico sobre
“Musicalidade e Expressividade”, citando Williamon: “Para que o músico possa
expandir sua capacidade de expressar musicalidade ele tem de ter boa dose de
imaginação, bem como conhecimento do contexto (estilo, forma, métrica, textura...)
que lhe nutra.” Assim, os intérpretes se voltam para o que deixou o autor como
legado de suas ideias, que sustentaram e deram a ele as regras de sua composição.
Nikolaus Harnoncourt, um pioneiro, traz o seguinte:
A palavra tornou-se a senhora absoluta, a quem a música deveria servir. A
tradição rítmica e harmônica juntamente com a condução melódico-
declamatória, adquiriram independência e valor próprios, resultando daí
uma interpretação musical do texto: uma linguagem sonora integralmente
nova, inaudita até então. (1993, p.146).

Uma nova etapa se configura a partir destas informações, que trazem


novos elementos. Mas há ainda espaço para outras indicações. Harnoncourt oferece
mais uma vez informações valiosas sobre a motivação de Orfeo:
Monteverdi faz Orfeo expressar sua alegria por meio de uma canção de
louvor à natureza, um artifício que se tornou frequente nos séculos
vindouros: a felicidade da alma abre os olhos humanos para a beleza da
natureza [...] Orfeo canta sua alegria louvando o Sol [...] Esta é uma
constatação bem plausível: os olhos de quem sofre se fecham à beleza que
nos cerca – só um homem feliz pode pode ver. (1993, p.148).

Poderia ocorrer uma espécie de armadilha interpretativa ao seguir o texto


e as imagens suscitadas como chaves para uma interpretação correta e idealista,
resultando em uma plástica artificial. Marcia Higuchi traz a seguinte observação ao
discorrer sobre a emoção e expressividade: “Para inibir, fingir ou exagerar uma
emoção, seria necessária uma concentração forçada [...] para atingir o fluxo em uma
performance musical, é necessário que essa execução ocorra isenta de
preocupações.” (2006, p.159). A pergunta de Orfeo para o Sol: “Já viste alguém mais
do que eu, tão alegre e afortunado amante?”; poderia soar ridícula se mal
interpretada. Na verdade trata-se de um diálogo entre divindades (Apolo é o Sol
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mítico), perfeitamente conhecido da plateia contemporânea a Monteverdi. Por outro


lado temos de contar com a empatia: “Causa ainda mais impressão que a empatia
pela felicidade ou sorte daqueles que amamos ternamente provoque em nós essa
mesma reação” (DARWIN, citado por HIGUCHI, 2006, p. 162). Assim constituem-se
as ferramentas para a construção da performance. O intérprete deve ter antes em
mente o sentido de felicidade que induz Orfeo ao diálogo – aparentemente insólito –,
que está pleno da real grandeza que Monteverdi e seu libretista, Alessandro Striggio,
desejaram transmitir.
Ray (2006, p.55) chama a atenção para a “interferência na performance”,
que altera o esperado, sendo um conceito positivo que muda o desenvolvimento de
forma explícita. É preciso buscar na memória a expressão corporal que suscite as
emoções mais próximas daquelas que cobrem as palavras de Orfeo. A música,
como suporte em si, pode e deve alimentar os sentidos evocados. Este movimento
de sair e retornar à obra musical cria uma dinâmica de construção interpretativa
alimentando o crescimento artístico. Não basta visitar uma página da internet,
observar interpretações e retirar uma média do que se quer como ideal de
performance. É preciso uma construção sobre alicerces enraizados no corpo do
intérprete. A voz, a interpretação vocal precisa do corpo por inteiro. Canta-se com o
corpo – reza a máxima.
As orientações sugeridas pela direção artística da Prof. Scarinci iam
reforçando e confirmando um potencial crescimento enquanto os tempos e a melodia
tornavam-se cada vez mais orgânicos com o decorrer dos ensaios. Harnoncourt
ainda oferece uma visão panorâmica inconteste da ária em questão: “O ‘canto ao
sol’ de Orfeo inciai-se por um recitativo, ou seja, é livremente declamado, para
transformar-se em seguida num arioso com uma vibrante melodia e uma estrutura
rítmica.” (1993, p.148). As notas graves prolongadas do acompanhamento deixam o
intérprete livre para a declamação inicial e logo aparece um movimento no baixo que
suscita um ajuste rítmico à melodia. Monteverdi, na verdade, alterna estes padrões
para reforçar os efeitos do texto, e o entendimento desta mecânica traria uma
espécie conforto e maior interação com os instrumentos do contínuo. Vale a pena
citar as considerações a respeito de alguns pontos assinalados por Gusmão e
Gerling (2006, p.69):
1. A partitura como registro das ideias do compositor oferece apenas
informações limitadas;
2. Cabe ao executante tomar decisões quanto aos aspectos que não estão
suficientemente definidos na partitura;
3. Muitas decisões são tomadas intuitivamente, sofrendo influências das
experiências musicais prévias do intérprete;
4. Uma abordagem sistemática da obra através de uma análise interpretativa
pode complementar as decisões tomadas a partir do conhecimento intuitivo.
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Os autores reiteram o uso da intuição, como um conhecimento que


emerge sem uma rememoração consciente, o qual inclui vasto depósito de sons
familiares, padrões de harmonia e ritmo, resgatados aos milhares durante uma
performance; fragmentos de uma primeira experiência acumulados e moldados
trazidos de forma instantânea até mesmo sob forma de julgamentos; enfim esta
intuição seria o resultado das experiências acumuladas que conferem graus de
especialização ao performer. Citando Sloboda, os autores Gusmão e Gerling (2006,
p.68-9) relatam: “A interpretação especializada [...] é o resultado da interação entre
conhecimento específico e geral através de vasta gama de vivência musical. A
distinção entre o especialista e o iniciante consiste na extensão e na disponibilidade
do uso deste conhecimento.”
Um aspecto importante do acabamento musical é o uso da voz e sua
estética. Thurston Dart (2002, p.55), fala sobre as práticas dos séculos XVI e XVII:
“O vibrato era um ornamento comparável ao mordente, ao trinado [...] e deve ser
usado nem mais nem menos frequentemente que os demais ornamentos.” Ele ainda
acrescenta algo sobre as pinturas da época que revelam “cantores tendendo cada
vez mais para a técnica moderna, de músculos relaxados e garganta aberta” (DART,
2002, p.55). Por outro lado, Harnoncourt acrescenta alguns elementos pictóricos
relativos ao ambiente em que Monteverdi vivia, como algo que lhe salta aos olhos:

A música italiana é bem melhor compreendida quando se conhece o povo, a


paisagem e o clima da Itália [...] Monteverdi foi um artista apaixonado, um
inovador completo [...] a obra de Monteverdi se mostra tão interessante para
nós, pois ela jamais é ‘antiga’. Pelo contrário, é uma música que permanece
ardente e vital [...] é essencial que não se caia em um falso purismo, uma
falsa objetividade ou autenticidade equivocada. Monteverdi jamais o
permitiria, pois é um músico puro-sangue e, ainda por cima, italiano. É
preciso não ter medo do vibrato, da interpretação vivaz, da subjetividade, do
calor mediterrâneo. (HARNONCOURT, 1993, p.31-2).

Ao longo dos ensaios, foram transmitidas orientações de uso moderado


do vibrato na voz. Inicialmente houve alguma dificuldade, porém a prática foi
tornando cada vez mais confortável seu emprego pontual assim como outros
ornamentos colocados por Dart. Mas a condução do todo artístico desta ária, de fato
suscita o calor interpretativo defendido por Harnoncourt, a amúsica ardente e vital se
revela a cada compasso indo além do sentido auditivo. Pode-se sentir o coração
acelerando aos primeiros acordes e às primeiras palavra que evocam a presença
das forças da natureza para ouvirem o discurso de um ser perplexo e maravilhado.
Chaga-se então ao ponto defendido por Higuchi: a empatia como via de transmissão
da emoção, abrindo um canal interativo entre obra, intérprete e audiência.

2. Em busca de equilíbrio técnico e artístico.


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Com a aproximação do dia da apresentação, ainda se pode buscar algo


mais, algo que contribua para a satisfação do esforço empreendido. Alguns cuidados
práticos foram observados, e constam nos tópicos desenvolvidos por Ray (2006):
são os “Aspectos Anoto-fisiológicos”, e os “Aspectos Psicológicos”. Segundo a
autora, a música pode se beneficiar da medicina do esporte. Estes aspectos, que
também estão ligados à performance de atletas, devem ser observados com
especial atenção, pois trazem interferências relevantes para a performance musical.
Segundo Ray (2006, p.46-7): “o preparo do corpo é fundamental para que se possa
cumprir as tarefas de domínio do instrumento [...] na performance a estrutura
emocional de um músico precisa ser trabalhada tanto quanto suas habilidades
motoras”. Não obstante os cuidados com o corpo buscou-se ainda os detalhes de
acabamento para além da fluência do texto, para além do domínio rítmico e
melódico, e da interação com os instrumentos e aparente segurança geral. São as
sutis interações da música com o texto. Sonia Albano de Lima (2006, p.104-5) faz a
seguinte observação:
Na sua realidade física, a música é definida como arte dos movimentos no
espaço sonoro concreto, e não apenas mental, entretanto ela se apresenta
como uma linguagem essencialmente simbólica, ou seja, estruturada em
formas puras, portadora de significados abstratos, traduzidos na consciência
do fruidor em categorias de emoções estéticas, sugestões ou impressão de
sentimentos contemplativos na sublimação lírica.

O que se pode deduzir é que há elementos musicais de ritmos e saltos


intervalares a serem computados, como quando as palavras estão destacadas
ritmicamente ou em saltos mais agudos, terminações delicadas ou frases
ascendentes exclamativas. São pequenos valores a serem acrescentados, mesmo
que não sejam enfatizados, mas que podem ser sentidos e realizados sem causar
perturbação à fluência musical. Trata-se do refinamento que pode contribuir
decisivamente no julgamento dos ouvintes. A propósito encontramos aqui o conceito
colocado por Ray (2006, p.41) sobre o que se entendo como performance musical:
“o momento em que o músico (instrumentista, cantor ou regente) executa uma obra
musical exposto à crítica de outro ou outros”. Não se pode ignorar a mudança que
ocorre com o fato de estar sendo observado – ela afirma. O aspecto da musicalidade
e expressividade é o resultado do trabalho de construção da performance: “a
reconstrução do que foi estudado, planejado, idealizado e contextualizado durante a
preparação da performance é insdispensável para que a musicalidade possa ser
percebida e transmitida.” (RAY, 2006, p.51).

3. Considerações finais.
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A preparação de uma performance musical pode gerar um tour-de-force


intelectual. A ária Rosa del ciel trouxe a oportunidade de percepção sobre a
necessidade de ampliar o universo para além dos conhecimentos técnicos de
execução de uma partitura. A pesquisa bibliográfica pode trazer subsídios valiosos à
compreensão do trecho estudado da obra, e por extensão à obra total. Por outro
lado, a pesquisa empírica, a intuição e a experimentação forneceram resultados
confirmando ou refutando as práticas adotadas. As decisões tomadas ao longo
basearam-se não só nas orientações oferecidas pela direção artística, como também
foram corroboradas pelo performer, que teve, por sua vez, a tarefa da síntese do
conhecimento e experiência adquiridos. O treino diário não oferece todas as
respostas ao diálogo entre a obra e o executante. Citando L. Pareyson, Sonia de
Lima (2006, p.101) traz a seguinte reflexão: “a obra fala a quem sabe interroga-la
melhor e a quem se põe em condições de saber escutar a sua voz [...] cabe ao
intérprete interrogar a obra de modo a obter dela a resposta mais reveladora para
ele.” De fato, a ação de interrogar é que põe a trabalho a construção da
performance, indo em busca de uma resposta que nunca satisfaz plenamente, mas
que fornece os nutrientes do contexto. A performance da música através do canto,
traz apenas as respostas provisórias no instante em que é executada, mal é ouvida
e ela já não é mais. O discurso do compositor mediado pelo intérprete será tanto
melhor percebido quanto maior for sua capacidade de compreensão e entrega que a
obra lhe propõe.
Pela dimensão sucinta, este ensaio representa não mais do que um
recorte minúsculo, como se fosse um parco olhar pelo buraco da fechadura, que
tenta (re)compor através de alguns fragmentos o universo da ópera L’Orfeo de
Claudio Monteverdi.

Referências:

DART, D. Interpretação da Música. Trad.: Mariana Czertok. São Paulo: Martins


Fontes, 2002.

HARNONCOURT, N. O diálogo musical: Monteverdi, Bach e Mozart. Trad.: Luiz


Paulo Sampaio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993.

HIGUCHI, M. K., Emoção: a essência da expressividade na performance musical.


Simpósio de Pesquisa em Música 3: anais, Curitiba, v.3, p.157-162, 2006.

KOBBÉ, G. Kobbé: o livro completo da ópera. Trad. Clovis Marques. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1997.

RAY, S. (org.); BORÉM, F.; CHUEKE, Z.; GERLING, C. C.; GUSMÃO, P. S.; LIMA,
S.A. Performance musical e suas interfaces. Goiânia: Ed. Vieira, 2006.
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Partitura:
MONTEVERDI, C. L’Orfeo. Clifford Bartlett, editor. King’s Music, 1993.
1
Tomou-se de empréstimo o termo “ária” para designar uma parte solo cantada em meio à ação
dramática da ópera. O sentido para o termo “ária”, tal qual conhecemos hoje, só seria estabelecido
anos depois da composição de L’Orfeo em 1607.
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Robert Schumann, poeta musical ou em torno de


“Zwielicht”:breves sugestões para uma interpretação

Isaac Chueke
Unespar/Embap-chuekemusic@hotmail.com

Resumo: Através da análise de sua música e letra, abordaremos o lied “Zwielicht” visando
primordialmente uma interpretação desta obra. Frequentemente encontramos em Schumann
caminhos composicionais que, pelo menos em aparência, poderiam parecer contraditórios. O
trabalho em parceria do cantor e do pianista apontando para uma perfeita sincronia,
esperamos contribuir para os estudos relativos a esta disciplina difundida e conhecida no
mundo anglo-saxão como análise para intérpretes.

Palavras-chave : Análise.Interpretação.Zwielicht.Lied.

Robert Schumann,musical poet or about “Zwielicht”:brief suggestions for a


performance

Through an analysis of its music and lyrics, we shall cover the lied “Zwielicht”, aiming mainly
a performance of this work. Quite often, we find in Schumann compositional paths that, at
least apparently, could seem contradictory. The mutual collaboration between the singer and
the pianist pointing to a perfect syncronisation, we hope contributing to the studies related to
this discipline known in the anglo-saxon world as Analysis for Performers.

Keywords: Analysis.Performance.Zwielicht.Lied.

O texto de Eichendorff. A música de Schumann.


Ao examinarmos o texto de Joseph von Eichendorff perguntamo-nos
primeiramente se é forçosamente pessimista. Diríamos que é no mínimo cauteloso
uma vez que adverte quanto aos cuidados da floresta em meio à penumbra, sendo
este último têrmo o empregado por Elrike Riedel para traduzir Zwielicht1. Na
realidade, trata-se de um momento ínfimo este proporcionado pelo crepúsculo, do
mesmo modo o alvorecer, na sua alternância entre a passagem da luz para a
sombra e inversamente. Na nossa análise salta à vista o fio contínuo das idéias,
musicais e extramusicais, bem como o papel fundamental do piano na construção
interpretativa da peça que conta ao todo com 41 compassos. Uma sensação de
suspense e angústia permeia-a notadamente graças à não acentuação dos tempos
fortes e como observado por Charles Rosen com um “deslocamento da melodia e da
harmonia essencial para Schumann no que diz respeito à representação de
ansiedade” entre a voz e o piano (ROSEN, 1995: 688) Sem uma dicção perfeita
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pode tornar-se difícil um acompanhamento do texto e aproveitamos para questionar


se, a propósito do piano, trata-se tão sómente de providenciar um acompanhamento
ou se este instrumento não estaria ao invés no centro das ações, práticamente
comandando-as; para apoiar nossa tese, observe-se a linha melódica do canto,
repetitiva e sem variações. Do ponto de vista da forma, igualmente, temos uma única
seção, sem parte B contrastante. Sem este elemento de oposição, estaríamos em
consequência mais livres em termos interpretativos ?
Uma pausa de colcheia e uma série de acordes de 5a. diminuta,
ornamentados de 7as., notas de passagem, antecipações, numerosos elementos,
todos contidos em sete compassos de uma introdução pianística onde temos o
pressentimento que mais que uma preparação à entrada da voz, o que efetua de fato
o instrumento é uma síntese do lied, o caráter miniaturista da peça, bem ao feitio do
compositor, fazendo dele um verdadeiro « ator protagonista» do drama,
particularmente no que se refere à expressão. Na voz, encontramos uma « melodia
plana », onde combinam-se graus conjuntos e notas repetidas, com o canto
mantendo-se numa região de estreito espaço sonoro, sem maiores vôos, o efeito
desejado o de uma contenção, não uma expansão ou dilatação : a nota mais aguda
é um mi 4, a mais grave um lá # 2 enquanto o centro da voz gravita em tôrno do sol
3.
As diferenças ficam por conta de alguns poucos saltos, particularmente
com este motivo recorrente que faz uso da 4a. aumentada com sua resolução, e
sempre com as mesmas notas, sol 3, dó# 4, ré 4 (comp. 8, 16, 24, 33). Ao final da
peça, no penúltimo compasso, observamos uma 7a. diminuta descendente e outro
elemento importante é a constatação de que, do início ao fim, é quase inexistente a
presença de uma dinâmica escrita separadamente para a voz.
Mencionamos no primeiro parágrafo o “deslocamento da melodia e da
harmonia”, nos agrada utilizar também o têrmo “defasagem”. Sua eficiência é bem
comprovada no compasso 15, por exemplo, quando ao final da estrofe, a mão direita
do pianista reforça o canto, a dois tempos de distância. O texto diz: « …was willst
dieses Grau’n bedeuten ? » (“O que significa este pavor ?”)

Incertezas
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Se o tecido harmônico é muito rico, continua presente o sentimento de


insegurança, provocado pelo movimento de síncopa nos baixos e a fricção das
dissonâncias ouvidas entre o canto e a linha superior do piano (c.11 e 15). Se há
uma movimentação maior por parte do piano enquanto o canto se mantém imovél,
paralisado, pode-se imaginar uma forma de ‘neutralidade’ na interpretação deste ?
Pois é onde cria-se o paradoxo e a ocasião de observar igualmente a genialidade de
Schumann na sua adequação musical ao texto de Eichendorff. Se o temor imobiliza
é necessário entretanto prosseguir na jornada…
Seguindo-se à introdução pianística, segue-se uma frase musical que
ouviremos repetidamente, sempre com a regularidade do grupamento de oito
compassos. Nela encontramos uma semelhança na adoção de um esquema que
alterna respectivamente a tensão (c.8) e a distensão (c.9). O mesmo ocorre,
respectivamente nos compassos 10 e 11 antes que a técnica sofra um processo de
aumentação pois teremos agora não apenas um mas dois compassos de tensão
(c.12-13) versus dois compassos de distensão (c.14-15).

Dinâmica e agógica
A respeito da dinâmica empregada por Schumann em Zwielicht, é muito
sutil, até o compasso 24 temos um p indicado para a linha do canto enquanto o
piano por momentos atinge um pp (c.14 e 22). Um crescendo só aparece no final da
primeira metade da peça (c.21) porém este consta apenas na parte do piano.
Um dos aspectos mais interessantes é o que trata da agógica adotada
pelo compositor, verdadeiro poeta musical. Graças à sua escolha do andamento
Langsam, discretamente mas cada vez mais presente, desde o compasso 25 faz-se
mais audível uma movimentação do baixo, por tons e semitons. A partir da
observação das correções de Schumann antes da publicação da peça, observamos
que o compositor risca o ritard. préviamente indicado no compasso 7 ; agirá do
mesmo modo mais adiante, no compasso 30, sem deixar de mencionar sua
eliminação também dos Adagio antes indicados nos compassos 14 e 22.
Qual o motivo para estes procedimentos ? Argumentamos que Schumann
poderia estar preocupado com intérpretes retardando exageradamente o tempo,
particularmente no que se refere a esta passagem do trecho únicamente
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instrumental para o trecho em que retorna a voz. Seguindo o mesmo raciocínio, se o


Adagio primeiramente indicado tivesse sido mantido, a música correria o risco de
tornar-se demasiado lenta. Ao invés, no exato momento em que adentramos uma
segunda parte da peça, temos o indício certo de uma maior intensidade expressiva.
Como um córrego que avança de modo resoluto, sem encontrar barreiras, a idéia é
de que nada aqui deveria perturbar uma fluidez voluntáriamente desejada do
discurso poético-musical.

Comparando edições
Aproveitamos o momento para analisarmos de modo mais aprofundado
as três edições a que tivemos acesso, a saber : a prova corrigida por Robert
Schumann, a edição revisada e editada aos cuidados de Clara Schumann, pianista
reputada e espôsa do compositor, por último, a edição utilizada por Charles Rosen.
No caso da prova contendo as anotações de Schumann, é notável pela sua
supressão dos Adagios e simultâneamente, pela sua adição de dois Im Tempo,
observações anotadas a lápis e que Clara Schumann se encarrega de respeitar
escrupulosamente. Já a partitura usada por Rosen destoa pelo fato duplo de nela
constarem os Adagio (c.14 e 22) e por estarem ausentes as indicações de uma
retomada do andamento inicialmente previsto, os Im Tempo que deveriam seguir-se
ao ritardando (c.16 e 24). Ou seja, em momentos bem específicos, Rosen segue
justamente o oposto do que desejava Schumann.
Outra indicação ausente tanto na prova do compositor quanto na versão
averbada por sua espôsa e cumprida à risca pela editora Breitkopf & Härtel é a
indicação de marcato para os três ultimos acordes da peça. Na prova examinada por
Schumann encontra-se o sinal de algo que poderia ser interpretado ora como um
staccato ora como uma ligeira acentuação, com certeza no intuito de tornar o som
mais curto e ‘sêco’. Bem ao estilo do típico acompanhamento ao cravo que encerra
os recitativos clássicos, deste modo dispensando o marcato que outrossim poderia
ser interpretado como um sinal para que os acordes fossem sustentados de modo
mais prolongado.

Um final dúbio ?
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Uma segunda parte de Zwielicht caracterizada a partir do compasso 24,


esta demarca-se claramente por não encontramos nela ritardandi. « Hast du einen
Freund hienienden, trau ihm nicht zu diser Stunde… » ; ao refletirmos no significado
da letra, igualmente do ponto de vista musical pode considerar-se este momento
como um ponto climático da peça ? Se fôr o caso, este, ainda que relativamente
contido, inserido numa seção que não apresenta contrastes fundamentais em têrmos
composicionais, teria que revestir-se de uma maior exigência em têrmos
interpretativos. Se a angústia parece não ter fim. É que a música procura ainda uma
saída e repare-se as dissonâncias de segundas maiores entre a linha superior do
piano e a voz nos compassos 28 e 31, e nos mesmos compassos também
encontramos, sétimas, quartas, quintas diminutas…
Um único compasso, o de número 32, efetua a transição para a Coda; nos
últimos nove compassos Schumann não atribui um papel particular ao canto que
permanece entoando a mesma melodia ouvida desde o início do lied. Logo, é
novamente o piano que opera a transformação : afirma os tempos fortes, emprega
agora acordes, não mais arpejos, com sua progressão finalmente apontando para
um finale. Acordes de Fa#9, si menor, sol #7 dim., Mi 7, lá menor, ré#7 dim., Dó
acrescido de 6a (em Nacht verloren, com a acentuação no primeiro tempo, tem-se
um efeito de apogiatura). No antepenúltimo compasso, um lá # em Hütte dich é
imediatamente transferido da voz ao piano, temos uma cadência sob forma de
‘recitativo’ e os acordes conclusivos característicos. Com esta conclusão, terá sido
dito tudo, os pavores, as dúvidas, os medos e as precauções estarão definitivamente
afastados ? Guardemos a ultima frase : « Muita coisa desaparece na noite, guarda-
te, permanece pronto e alerta ! ».

Referências:

ROSEN, Charles. The Romantic Generation. Cambridge: Harvard University Press,


1995.

SCHUMANN, Robert. Liederkreis. Op.39. First edition, proof with pencil corrections
by the composer. Vienna: Tobias Haslinger, n.d. [1842]. Plate T.H. 8760.Disponível
em http://petrucci.mus.auth.gr/imglnks/usimg/1/1f/IMSLP174917-
SIBLEY1802.5003.9625-39087012085199.pdf . Acesso em 13.01.2014.
29
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SCHUMANN, Robert. Liederkreis. Op.39. Clara Schumann, ed. Robert Schumanns


Werke, Series XIII: Für eine Singstimme mit Begleitung des Pianoforte. Leipzig :
Breitkopf & Härtel, 1879-1912. Plate R.S.127. Disponível em
http://javanese.imslp.info/files/imglnks/usimg/2/28/IMSLP51730-PMLP12741-
RS127.pdf. Acesso em 13.01.2014.

1
EICHENDORFF, Joseph Karl Benedikt von. Zwielicht. SCHUMANN, Robert. Liederkreis, Op.39,
1840. Traduzido para o português. RIEDEL, Elke Beatriz. Penumbra. 2010. Disponível em
http://www.recmusic.org/lieder/get_text.html?TextId=5279. Acesso em 13.01.2014.
30
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ERNST MAHLE: OBRAS PARA CLARINETA

MODALIDADE: COMUNICAÇÃO ORAL

Herson Mendes Amorim


UFPA – hersonamorim@gmail.com

Resumo: O presente trabalho trata-se de projeto de pesquisa que tem como objetivo um
estudo sobre a obra para clarineta de Ernst Mahle. A metodologia utilizada foi revisão de
literatura e pesquisa bibliográfica. Foi realizada uma classificação, para melhor
entendimento e referência para instrumentistas interessados na obra para clarineta de
Ernst Mahle, baseada nos catálogos de obras do compositor e chegou-se a conclusão de
que a obra, além de vasta, é bastante variada em termos de formação instrumental, e
merece pesquisa e atualizações constantes.

Palavras-chave: Ernst Mahle; Clarineta; Música Brasileira.

Ernst Mahle: Works for Clarinet

Abstract:   This present work is a research project that aims to study Ernst Mahle's works
for clarinet. The methodology used was the literature review and bibliographic research.
Was realized a classification for better understanding and reference for musicians
interested in Ernst Mahle's clarinet works, based on catalogs of works by the composer
and came to the conclusion that work, in addition to extensive, is quite varied in terms of
instrumental variety, and deserves research and constant updates.

Keywords: Ernst Mahle; Clarinet; Brazilian Music.

O COMPOSITOR

Falar sobre música brasileira é, quase sempre, falar sobre músicos e


compositores brasileiros. Entretanto, na música erudita brasileira há uma figura que,
apesar de não ter nascido no Brasil traz, ainda hoje, contribuições significativas para
esse campo da música brasileira; trata-se de Ernst Mahle.
O presente trabalho trata-se de projeto de pesquisa que tem como objetivo
um estudo sobre a obra para clarineta de Ernst Mahle. Foi realizado um panorama
geral sobre a produção do compositor para o instrumento. A metodologia utilizada foi
revisão de literatura e pesquisa bibliográfica. Foi realizada uma classificação, para
melhor entendimento e referência para instrumentistas interessados na obra para
clarineta de Ernst Mahle, baseada nos catálogos de obras do compositor e chegou-
se a conclusão de que a obra, além de vasta, é bastante variada em termos de
31
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013
 

formação instrumental, e merece pesquisa e atualizações constantes, haja visto que


o compositor ainda encontra-se em atividade.
Sua importância reside em méritos que devem-se conhecer observando
sua trajetória de vida. Ernst Mahle é alemão, natural de Stuttgart, nascido em 1929.
Iniciou seus estudos musicais aos sete anos, ainda na escola primária na Alemanha.
Mahle passou a se dedicar à composição em 1950, matriculando-se na Staatliche
Hochschule fur Musik, em Stuttgart, tendo como professor Johann Nepomuk David
(1895 – 1987), com quem estudou harmonia e contraponto. Residiu na Europa até
os vinte e um anos. Em 1951, a família Mahle deixou a Alemanha e fixou residência
no bairro do Brooklin, em São Paulo. No Brasil, a história da vida de Mahle está
intimamente ligada à cidade de Piracicaba.

A OBRA PARA CLARINETA

A obra de Ernst Mahle é uma referência na música brasileira. Esse é um


fato incomum, pois se trata de um estrangeiro, a exemplo de Walter Smetak (1913 –
1984), Bruno Kiefer (1932 – 1987) e Ernst Widmer (1927 – 1990), dentre outros, que
tantas contribuições significativas trouxeram à música brasileira. Mahle é um
estrangeiro que adaptou-se perfeitamente ao Brasil e sua obra é tida como pura
música brasileira, por suas características peculiares, que remetem à mais genuína
brasilidade.
Em número de obras, seu catálogo é vasto, compreendendo peças para
praticamente todas as formações instrumentais e vocais da música ocidental,
passando também por formações incomuns dentro da música de concerto e de
câmara. Seu catálogo de obras necessita de atualização constante, pois o
compositor permanece ativo até hoje, demonstrando assim uma capacidade criativa
impressionante, que não sucumbe ao tempo.
A qualidade das obras também é incontestável. MARIZ (2005) afirma que:

Deve ser considerado compositor brasileiro com os mesmos critérios pelos


quais aceitamos artistas plásticos estrangeiros, há muito radicados no país,
como nacionais também...e vem escrevendo em linguagem moderna, de
bom gosto e com excelente feitura técnica (MARIZ, 2005. pg. 498).
32
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013
 

A obra de Ernst Mahle também vem sendo objeto de estudo de diversos


pesquisadores que, compreendendo sua riqueza e diversidade, se debruçam sobre
elas, redescobrindo assim a importância desse compositor. GARBOSA (2002) apud
RAMOS (2011) nos diz que:

Apesar de ter incorporado diversos estilos ao longo do tempo, Mahle pode


ser considerado um compositor com tendências neoclassicistas. Para o
compositor, três fatores foram fundamentais na formação do seu estilo
composicional: os ensinamentos tradicionalistas assimilados em seu estudo
de contraponto e harmonia com J. N. David, as técnicas de vanguarda
apresentadas por H. J. Koellreutter, e o folclore brasileiro, sobretudo o
nordestino, com seus ritmos sincopados e suas escalas em modo mixolídio
(GARBOSA, 2002 apud RAMOS, 2011. pg. 21).

Todas essas características em sua obra, demonstram a profunda


assimilação da cultura brasileira por Mahle.
Em sua obra, porém, Mahle foi cada vez menos utilizando os conceitos de
vanguarda e se aproximando cada vez mais do nacionalismo brasileiro.
Os estudos sobre a obra de Ernst Mahle para clarineta são escassos.
Apesar da numerosa obra, em uma busca sobre estudos relacionados às mesmas,
constatou-se apenas um estudo aprofundado de uma obra para clarineta; a tese de
Doutorado de Guilherme Sampaio Garbosa (2002): “Concerto (1988) para Clarineta
e Orquestra de Ernst Mahle: Um Estudo Comparativo de Interpretações”, conforme
nos relata SILVEIRA (2008), em sua “Listagem comentada sobre estudos
acadêmicos e publicações sobre temas relacionados à clarineta no Brasil”. Outro
trabalho que aponta para o mesmo estudo é o de CERQUEIRA (2011)
“Levantamento de teses e dissertações sobre o ensino da performance musical no
Brasil”. Portanto, observa-se a necessidade de mais estudos com esse fim.

Segundo “Ernst Mahle - catálogo de obras” (2000), a produção para e


com clarineta do compositor foi a seguinte até então:

Clarineta Solo
c 179. Solo (1994)

Duas Clarinetas
33
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013
 

c 112. Duetos Modais (1977)

Quatro Clarinetas

c 167. Quarteto (1990)

Duos:
Clarineta e Piano

a 15. As melodias da Cecília (1972) (Vitale)

c 44. Sonata (1970)


c 50. Miniatura (1970)


c 79. Sonatina (1974)

c 110. Sonatina (1976)

Trios

b 10. Prelúdio e Fuga – fl. (cl.), vl. (ob.), pn. (1956)

c 43. Trio – fl., ob., cl. (1969)

c 44a. Trio – cl., vcl., pn. (1970)


c 53. Trio – fl., vcl. (cl.), pn. (1971)

Quartetos (Madeiras)

c 38. Quarteto – fl., ob., cl., fg. (1968)

c 165. Quarteto – fl., ob., cl., fg. (1988)

Quinteto

c 73. Quinteto – fl., ob., cl., fg., trp. (1974)

Sexteto

b 14. Divertimento – 2 cl., 2 vl., trp., pn. (1956)

Septetos

b 15. Septeto – fl., cl., fg., tpt., trp., trb, pn. (1957)

c 88. Septeto – cl., trp., fg., vl., vla., vcl., cbx. (1975)

Nonetos

c 11. Música concertante (tímpano e sopros) – fl., ob., cl., fg., trp., tpt., trb., tuba
(1958)
34
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013
 

c 97. O amor é um som – soprano, fl., cl., percussão, pn. (vibrafone), vl., vla., vcl.,
cbx. (1976)

c 116. Noneto – ob., cl., fg., trp., 2 vl., vla., vcl., cbx. (1977)

Clarineta e Orquestra de Cordas

b 20. Concertino (1972)

c 166. Concerto (1988)

Clarineta e Orquestra Sinfônica

c 166a. Concerto (1988)

Obras para Clarone

Clarone Solo

c 179. Solo (1994)

Duo:
Clarone e Piano

c 163. Sonata (1987)

Constatou-se que uma obra não está incluída no catálogo consultado para
esta pesquisa, sendo ela:

C 195a Trio – cl., vl., pn. (1998)

Apesar do número de obras brasileiras originais para clarineta ser grande,


a maioria delas, segundo FREIRE (2001) é posterior a 1950. Observada a lista de
composições para clarineta constantes no catálogo de Ernst Mahle, pode-se notar
que todas elas foram escritas no período pós 1950 citado por FREIRE (2001). Esse
período é citado por este autor como o “terceiro estágio” na formação da identidade
do clarinetista brasileiro, baseado em pressupostos de Mário de Andrade. Para
entendermos tal conceito, é preciso analisar a questão da identidade nacional,
discutida por Mário de Andrade em seu ensaio “Evolução Social da Música no
Brasil”, no qual ele afirma que a música brasileira “apresenta manifestações
evolutivas idênticas às da música dos países europeus, e por esta pode ser
compreendida e explicada, em vários casos teve que forçar a sua marcha para se
identificar ao movimento musical do mundo ou se dar significação mais funcional”
35
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013
 

(ANDRADE, 1965. pg. 15 apud FREIRE, 2001. pg. 439). Baseado nesses
pressupostos, FREIRE (2001) estabelece quatro estágios de desenvolvimento para
a música brasileira aplicada à clarineta:

Essas ideias são articuladas durante o artigo e podem ser sintetizadas em


quatro estágios de desenvolvimento: 1) Estágio Universal (Música vinculada
a religião), 2) Estágio Internacional (Música vinculada ao Teatro, cópias dos
modelos europeus), 3) Nacionalismo, e 4) Estágio Cultural (FREIRE, 2001.
pg. 440).

As composições de Ernst Mahle são criadas a partir do período que é


considerado “Nacionalista”, portanto a influência nacional na obra de Mahle é direta.

Este estudo não pretende ser conclusivo, pois o compositor permanece


em atividade e sua obra cresce dia-a-dia, necessitando seu catálogo, assim, de
constante atualização. Entretanto, pretende servir de base e referência inicial para
aqueles que desejam conhecer sobre a obra para clarineta desse importante
compositor.
36
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Mario de. Evolução Social da Música no Brasil, em Aspectos da Música


Brasileira. São Paulo – SP. Livraria Martins Editora. 1965.

CERQUEIRA, Daniel Lemos. Levantamento de teses e dissertações sobre o ensino


da performance musical no Brasil. Disponível em
http://musica.ufma.br/ensaio/publi.html. São Luís, 2011.

FREIRE, Ricardo Dourado. A formação da identidade do clarinetista brasileiro. Anais


do XII Encontro Nacional da ANPPOM. Belo Horizonte – MG. 2001.

GARBOSA, Guilherme Sampaio. “Concerto (1988)” para Clarineta e Ernst Mahle:


Um Estudo Comparativo de Interpretações. Tese de Doutorado em Música.
Universidade Federal da Bahia. 2002.

KRAUSZ, Luis Sergio. Ernst Mahle. Revista Concerto. (S.l). p. 12-13. Jan/fev. 1999.

MAHLE, Ernst. Catálogo de Obras. Instituto Educacional Piracicabano. Piracicaba.


2000.

MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 6ª edição ampliada e atualizada. 3ª


impressão. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 2005.

RAMOS, Eliana Asano. As relações Texto-Música e o Procedimento Pianístico em


Seis Canções de Ernst Mahle: Propostas Interpretativas. Dissertação de Mestrado
em Música. Universidade Estadual de Campinas. 2011.

SILVEIRA, Fernando José. Listagem comentada dos estudos acadêmicos e


publicações sobre temas relacionados à clarineta no Brasil. Revista Música Hodie.
Vol. 8 – Nº 1. pg. 115 – 127. Universidade Federal de Goiás. 2008.
37
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

O conceito de “fuga” no barroco e o Kyrie de Ligeti

MODALIDADE: Teoria e Análise Musical

Ísis Biazioli de Oliveira


CMU/ECA/USP – isis.biazioli@gmail.com

Resumo: Este trabalho pretende compreender o Kyrie (1963) de Ligeti a partir da tradição da
“fuga”. Como as principais preocupações composicionais durante o barroco (estrutura
harmônica e formal) aparecem adaptadas para uma linguagem pós-tonal? Para tal,
utilizaremos o estudo de MANN (1987) sobre a história do termo “fuga” e trabalhos analíticos
e biográficos a respeito da obra de Ligeti (CLENDINNING, 1989; TOOP, 1999). Verificaremos
como o plano harmônico do Kyrie é anunciado pelo Sujeito Christe eleison, dialogando com a
forma da peça (apresentação, afastamento e “retorno”), como propõem os tratados barrocos.

Palavras-chave: György Ligeti; Kyrie; Fuga; Alfred Mann (1987); Tradição versus
Modernidade.

The concepto of “fugue” in Barroque and the Ligeti’s Kyrie

Abstract: This work aims to understand the Ligeti’s Kyrie (1963) from the point of view of the
tradition of "fugue". How the main compositional concerns during the Baroque (harmonic and formal
structure) appear adapted to a post-tonal language? For such, we will use the study of MANN (1987) on
the history of the term "fugue" and biographical and analytical papers on the work of Ligeti
(CLENDINNING, 1989; Toop, 1999). So we will see how the harmonic plan in the Kyrie is announced
by the Subject Christe eleison, dialoguing with the formal structure of the piece (presentation, remote
and "return"), as proposed in the Baroque treated.

Keywords: György Ligeti; Kyrie; Fugue; Alfred Mann (1987); Tradition versus Modernity.

1. Introdução

Este trabalho é parte de uma pesquisa de mestrado que pretende – a


partir da análise dos elementos musicais do Kyrie (1963) de Ligeti e os processos
composicionais que os organizam no texto musical da obra – encontrar reflexos da
tensão entre a Tradição e a Modernidade na obra 1. Ampliando e aprofundando
parte das observações apresentadas no artigo intitulado “A tradição do termo ‘fuga’ e
o Kyrie de Ligeti”, pretendemos discutir aqui de que maneira as principais
preocupações composicionais durante o barroco em torno da “fuga” aparecem
adaptadas na escrita pós-tonal de Ligeti na década de 1960.
A sugestão de que esse Kyrie tenha sido construído como uma fuga é
anunciada pelo próprio compositor quando diz que, “estruturalmente falando, esse
movimento de obra [Kyrie] é uma estranha fuga a vinte vozes. (LIGETI apud
CLENDINNING, 1989: 47)”. Outros exemplos da música moderna, como o primeiro
movimento da obra de Béla Bartók, Música para Cordas, Percussão e Celesta
(1936) 2, também aparecem como uma importante releitura da fuga no século XX.
38
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Para que possamos tecer comentários a respeito da relação da obra de


Ligeti com a tradição barroca, buscaremos as discussões teóricas do período a
respeito da “fuga”. Para tal, iremos nos apoiar nos estudos apresentados por Alfred
Mann em seu livro The Study of Fugue (1987), assim como na introdução de Adam
Adrio para o compêndio Antology of Music: A collection of complete musical
examples illustrating the history of music – The Fugue.
Depois de compreendermos mais afundo a fuga barroca, poderemos
então, depreender quais características musicais puderam ser trabalhadas por Ligeti
de modo a transcender as expectativas tonais que rondam a ideia de fuga desde o
barroco, e que podem ser entendidas como paradigmáticas para a escrita de seu
Kyrie. Tal hipótese, que partira da citação do compositor a respeito desse movimento
de obra, será confirmada a partir da análise do Kyrie.

2. Os tratados barrocos sobre “fuga” e o Kyrie de Ligeti

Durante o Barroco, duas ênfases podem ser detectadas nos escritos de


seus tratadistas: a busca por um plano formal e os esforços a respeito da estrutura
harmônica (tonal) das obras. Essas duas preocupações composicionais vão estar
diretamente ligadas, também, ao termo “fuga”.
Podemos notar as buscas por um plano formal já no tratado Musices
poeticae praeceptiones (1613) de Johannes Nucius, onde o autor se atém à
conceituação de termos que ao se preocuparem com “a recorrência de uma
passagem melódica” (repetitio), em “intensificar no ouvinte a expectativa para o fim
de uma composição” (clímax) ou ainda que sugere que “a reapresentação do início
deveria formar o final de uma obra” (complexio) (Mann, 1987: 33, 33, 34), indicam
em suas ideias sugestões para a escrita de fugas baseada em um escopo formal.
Alguns anos depois, as observações de Praetorius, em 1619, também sugerem uma
preocupação formal para as fugas. É o que aponta Alfred Mann a respeito de seu
tratado Syntagma musicum: “pela primeira vez, [a larga forma] foi integrada em um
ciclo de exposição fugal, desenvolvimento e recapitulação” (Mann, 1987: 35).
Embora a fuga não tenha sido engessada em uma estrutura formal
rígida3, os estudos barrocos permitiram induzir uma expectativa quanto à exploração
composicional e auditiva de fugas que, em sua essência, pode ser compreendido
como um início, afastamento desse início e retorno a ele, a partir de sucessivas
entradas defasadas de um ou mais temas.
A reinterpretação desse princípio básico é utilizada, já na segunda metade
do século XX, no Kyrie de Ligeti. Ao observarmos as notas iniciais 4 de cada uma
das entradas dos dois sujeitos micropolifônicos que compõem a peça de Ligeti,
percebemos que elas formam, juntas, uma “falsa polifonia” 5 que sai de um uníssono
39
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

em Bb, se amplia e depois volta a se condensar (Fig. 1). De um modo bastante


peculiar, Ligeti ressignifica desta maneira a ideia genérica de um início, seu
afastamento e, ao fim, seu retorno – muito embora a última entrada no Sujeito 2 se
inicie em um B natural, também última nota da peça, mas uma 7ª maior acima da
nota inicial Bb 6.

Fig. 1: A falsa polifonia criada a partir das notas iniciais de cada um dos sujeitos dessa fuga.

Ao lado das buscas a respeito de um plano formal para as fugas, boa


parte dos tratados barrocos que tratam sobre o tema, concentra-se no estudo de
conceitos tonais. Assim, Bernhard, em 1650, trata das transposições e modulações
que poderiam ser usadas em uma fuga (Mann, 1987: 38). Algumas décadas depois,
em 1670, Reinken explora o ciclo modulatório e discute as cadências de uma
exposição fugal (Mann, 1987: 41). No ápice desse processo, Rameau (1722), pela
primeira vez, consegue explicar com seu sistema harmônico, a já usual prática de
resposta tonal, diferenciar “fugas” de “imitações” por razões tonais e ainda
diferenciar cadências fortes e fracas, sendo cada uma delas adequada a momentos
específicos de uma fuga (Mann, 1987: 50-51).
As explicações de Rameau não impõem uma maneira específica de
escrita fugal, mas compreende a prática já corrente em seu tempo a partir de um
único sistema harmônico e, assim, deixa transparecer numa construção teórica as
imposições que o próprio material musical impõe à forma musical 7. Da mesma
maneira, o material ultracromático de Ligeti também se relaciona diretamente com a
forma de seu Kyrie. A falsa polifonia que vimos organizar a superestrutura dessa
fuga é também o modus operandi de todas as diversas versões de um dos sujeitos
dessa peça, o Sujeito Christe Eleison (Fig. 2).
40
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Fig. 2: Uma das versões do Sujeito Christe eleison (sequência de alturas base para o microcânone
de mezzos, c. 13-28). Note a falsa polifonia das primeiras nove alturas que é retrogradada a partir do
Re# formando um palíndromo perfeito, quase como no plano formal do Kyrie.

Como vimos acontecer com as notas iniciais de cada uma das entradas
dos dois sujeitos desse Kyrie, aqui também uma falsa polifonia que é seguida por
seu retrógrado, nesse caso perfeito, serve de base para a exploração microcanônica
para uma das versões do Sujeito Christe eleison. Assim como nesse caso, quase
todas as outras versões desse sujeito estarão baseadas nessa falsa polifonia
(primeiras nove alturas), sua transposição ou inversão, e serão geralmente
ampliadas ao gosto do compositor por sucessivas simetrias bilaterais, formando
grandes palíndromos, por vezes sobrepostos (cf. BIAZIOLI, 2012).

3. Considerações Finais

A partir do que expusemos nesse trabalho, podemos compreender como


Ligeti relê a tradição contrapontística, de que ele era tão próximo 8, numa linguagem
condizente com as buscas estéticas de seus contemporâneos da segunda metade
do século XX. Auditivamente, as micropolifonias que compõem cada um dos sujeitos
dessa fuga estão altamente relacionadas com as experimentações sonoras do
estúdio de Colônia das décadas de 1950-60 (cf. LEVY, 2006; CATANZARO, 2005;
VITALE, 2013). Por outro lado, como vimos, a estrutura formal da peça recria as
potencialidades de fuga sugeridas pelos tratadistas do século XVII-XVIII.
Este artigo apresenta apenas um dos inúmeros exemplos onde o dialogo
com a tradição aparece contraposto às rupturas buscadas por Ligeti e sua geração,
nesse Kyrie de 1963. Nos próximos passos de nossa pesquisa, integraremos todos
os exemplos coletados durante nosso mestrado (análise da escrita linear das alturas
que trazem reflexos de Bach e Bartók, a exploração rítmica e textural que fazem
uma releitura acústica de propostas eletrônicas do estúdio de Colônia e abordagens
formais apresentadas nesse trabalho que dialogam com as fugas barrocas) dentro
de uma perspectiva filosófico-sociológico, tão cara aos estudos sobre a (pós-
)modernidade, como mostram as reflexões de Walter Benjamin, Hanna Arendt,
Antoine Compagnon e outros.

Referências Bibliográficas
41
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

ADRIO, Adam (Org.). Antology of Music: A collection of complete musical examples


illustrating the history of music – The fugue, v. I (from beginnings to Johan Sebastian
Bach). Cologne: Arno Volke Verlag, 1961.

BIAZIOLI, Ísis. A tradição do termo “fuga” e o Kyrie de Ligeti. In: Anais do XXIII
Congresso Internacional da ANPPOM. Natal, 2013. Disponível em
http://anppom.com.br/congressos/index.php/ANPPOM2013/Escritos2013/paper/view/
2221/563.

____________. Os dois sujeitos do Kyrie de György Ligeti. In: Anais da I Jornada


Discente do PPGMus da ECA/USP. São Paulo, 2012. Disponível em
http://www.pos.eca.usp.br/sites/default/files/jornada_discente/ppgmus/isis_biazioli_te
oria_analise.pdf.

CATANZARO, Tatiana. Do descontentamento com a técnica serial à concepção da


micropolifonia e da música de textura. In: Anais do XV Congresso da ANPPOM. Rio
de Janeiro, 2005, pp. 1246 – 1255.

CLENDINNING, Jane Pipper. Contrapuntal Techniques in the Music of György Ligeti.


Connecticut, 1989. 222 páginas. Tese. Yale University.

GUEORGUIEV, Martin. Traditional formal structures and 20th century sonorities: A


successfull pairing in the solo sonatas of Ligeti, Crumb and Stevens. Georgia, 2009.
93 páginas. Tese (Doutorado em Artes Musicais). The University of Georgea.

LEVY, Bejamin Robert. The electronic Works of Györgu Ligeti and their influence on
his later style. College Park, 2006. 263 páginas. Tese (Doutorado em filosofia).
University of Maryland.

MANN, Alfred. Study of fugue, 1ª Reimpressão. Nova York: Dover, 1987.

SOLOMON, Larry. Symmetry as a Compositional Determinant, revised 2002.


Disponível em hattp://www.jstor/org/stable/3685917.

STRAUS, Joseph N. Introdução à teoria pós-tonal. Trad. BORDINI, Ricardo Mazzini.


2ª ed. Upper Saddle River: Prentice-Hall, 2000.

TOOP, Richard. György Ligeti. London: Phaidon Press, 1999.

VITALE, Cláudio Horacio. A gradação nas obras de György Ligeti dos anos
sessenta. São Paulo, 2013. 339 páginas. Tese (Doutorando em Música)
Universidade de São Paulo.

1
O mestrado é realizado sob orientação do Professor Doutor Paulo de Tarso Salles no Departamento
o
de Música da ECA/USP, com financiamento da FAPESP (n de processo 2012/02240-6).
2
Bartók foi um grande referencial de pesquisador, professor e compositor no mesmo Conservatório
que Ligeti estudou e lecionou. Estando diretamente relacionado com as pesquisas de Bártok, foi Ligeti
42
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

quem transcreveu suas gravações etnomusicológicas realizadas no início do século (Toop, 1999: 33).
Além disso, Ligeti permaneceu impactado pelo Bartók-compositor desde seus anos de formação,
passando pela fase em que chega a Colônia e já como compositor maduro, como mostra Richard
Toop (1999: 19, 43-44, 79).
3
Como as criações musicais ligadas ao termo “fuga” seguem grandes variações, mesmo se levadas
em conta um mesmo período como o barroco, muitos autores preferem entender o termo “fuga” como
um “procedimento composicional” de imitação e não uma “forma musical”. Essa interpretação é,
segundo Mann, adotada por importantes musicólogos do século XX, como Bukofzer (1910-1955):
“[u]ma explicação mais concisa e bem sucedida é dada por Manfred Bukofzer, que declara que ‘fuga’
não é nem uma forma, nem uma textura, mas um procedimento contrapontístico” (Mann, 1987: 7).
Contudo, se tivermos em mente que nenhuma “forma musical” está sujeita à rigidez e esterilidade que
alguns manuais tentam sugerir, podemos, então, compreender que tantas quantas forem às
manipulações musicais em torno de uma “fuga”, todas dialogarão com o princípio básico lançado já
por Praetorius em 1619, de integrar “um ciclo de exposição fugal, desenvolvimento e recapitulação”
(Mann, 1987: 35) em meio a uma textura imitativa. Nesse sentido, adotamos a interpretação de “fuga”
como “forma musical” capaz de sugerir em si, expectativas composicionais e auditivas que, como tais,
serão seguidas também por Ligeti – como veremos mais adiante neste trabalho.
4
Utilizamos aqui o conceito de “equivalência de oitavas” (Straus, 2000: 1). Apesar de as notas reais
empregadas na peça não pertencerem, todas, a uma mesma oitava (o âmbito real das notas
selecionadas vai de um Re2 no compasso 44 até um Fa4 no compasso 40), entendendo-as como
“classes de alturas” (Straus, 2000: 2), podemos verificar melhor a nossa análise.
5
Com a expressão “falsa polifonia” (compound melody) quero me referir a um procedimento de
escrita melódica onde inúmeros saltos melódicos, dentro de uma escrita de prevalência de graus
conjuntos, impõem à linha uma descontinuidade que acaba por reforçar a percepção de outra escrita
implícita, a da intercalação de duas linhas melódicas em contraponto. Esse procedimento é bastante
recorrente nas Suítes para instrumento melódico de J. S. Bach, como fica evidente na fuga dupla da
o
Suíte para Cello n 5 BWV 1011.
6
A forma em arco em torno de uma nota também aparece na fuga do primeiro movimento de Música
para Cordas, Percussão e Celesta de Béla Bartók, como mostra a análise realizada por Larry J.
Salomon disponível no site http://solomonsmusic.net/diss7.htm.
7
Isso fica claro, por exemplo, com a necessidade da resposta tonal de um sujeito, onde alguns
intervalos são alterados para que a tonalidade seja mantida. Essa prática já é referida por Vincentino
em 1555 (Mann, 1987: 18), mas só a partir de Rameau (1722) que essa sugestão composicional pode
ser explicada por um sistema harmônico que integra a explicação harmônica de toda a peça. Os
compositores anteriores, portanto, já atendiam intuitivamente à necessidade do material, embora não
pudessem explica-la por uma teoria harmônica.
8
A ligação de Ligeti com o contraponto aparece desde seus anos de formação e é reforçada ainda
durante o período no qual lecionou a disciplina na Academia de Música de Budapeste durante a
década de 50. (Clendinning, 1989: 2).
43
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Considerações sobre a correspondência trocada entre Francisco


Curt Lange e Cláudio Santoro de 1942 a 1949

(Musicologia Histórica) Alice Belém


Escola de Música da UEMG - alicebelem@yahoo.com.br

Resumo: A correspondência do musicólogo Francisco Curt Lange apresenta grande


potencial para a pesquisa musical brasileira. O presente artigo analisa as cartas trocadas
entre Curt Lange e Cláudio Santoro no perído de 1942 a 1949, objetivando apresentar como
essa correspondência possibilitou a realização de ações relacionadas ao movimento
Americanismo Musical, liderado por Lange, e o contato de Santoro com a produção musical
contemporânea.

Palavras-chave: Curt Lange, Cláudio Santoro, correspondência, Americanismo Musical.

On the Letters between Cláudio Santoro and Francisco Curt Lange from 1942 to 1949

Abstract : The correspondence of the musicologist Francisco Curt Lange is a great potential
source for the research on Brazilian music. The paper examines the letters exchanged with
the composer Cláudio Santoro from 1942 to 1949, showing that the analysis of this set of
letters sheds light on the movement Americanismo Musical, guided by Curt Lange. The
letters express also Santoro’s interchange with the music milieu.

Keywords : Curt Lange, Cláudio Santoro, Correspondence, Americanismo Musical.

1. Apresentação da trajetória e do conjunto episolar de Curt Lange

Nascido em 1903 na cidade de Eilenburg, Alemanha, Franz Kurt Lange


desembarcou na América Latina em 1923, naturalizando-se em seguida uruguaio e
substituindo o nome de origem germânica por Francisco Curt Lange. Curiosamente,
sua formação era em Arquitetura, mas com uma sólida formação musical tornou-se
um dos musicólogos mais atuantes da América Latina.

Lange fundou centros de estudo e difusão musical como o Instituto


Interamericano de Musicologia (1938) e a Editorial Cooperativa Interamericana de
Compositores (1941), publicou periódicos musiciais como o Boletín Latino
Americano de Música – BLAM (1935-1946), a Revista de Estudios Musicales (1949-
1954) e partituras de diversos compositores americanos. Em colaboração com o
Servicio Oficial de Difusión Radio Eléctrica – SODRE (Montevideo) – trabalhou na
44
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radiofusão de obras de compositores latinos, muitas vezes realizando primeiras


audições.

Com a organização do Acervo Curt Lange, na Biblioteca Central da


UFMG, em Belo Horizonte, iniciada no ano de 1995, teve-se acesso a um dos mais
significativos conjuntos epistolares relacionados à música do século XX na América
Latina. Para compreender o significado da correspondência de Lange e sua
relevância como documentação para o estudo da música brasileira, realizaremos
uma breve apresentação do material1.

Correspondente assíduo, o musicólogo tinha o hábito de fazer cópias em


carbono das missivas enviadas, numerando-as e organizando-as por data. A
correspondência totaliza quase 100.000 cartas – 58.000 itens enviados e 40.100
recebidos – escritas entre 1929 e 19952. O material deixado por Lange abrange
missivas que, em sua maioria, têm como temática a música, e assuntos a ela
relacionados. Sua correspondência engloba diálogos estabelecidos com diversos
compositores e intérpretes. Essas cartas apresentam em comum o intuito de discutir
e viabilizar projetos relacionados à música no Brasil e na América Latina.

Curt Lange apresenta ainda a peculiaridade de ter sido colecionador.


Porque um correspondente faria cópias das cartas que enviou? A aguçada
consciência de Lange como pesquisador nos faz pensar que a carta era para ele um
documento e, portanto, deveria ser preservada como tal. É bem provável que tivesse
noção de que os diálogos ali estabelecidos um dia viriam a ser testemunhos de seus
projetos de fomento à música na América Latina.

Também é certo que a correspondência foi na vida de Curt Lange uma


ferramenta de trabalho. Através das cartas, o musicólogo realizava colaborações
para revistas européias; coordenava atividades musicais em países distintos; recebia
obras de vários compositores, estudando e conhecendo músicas de países do
continente americano. A partir daí, realizava diversos tipos de publicações sobre a
vida musical na América Latina numa época em que os meios de transporte
tornavam as distâncias mais longínquas, o acesso à telefonia ainda era restrito e
45
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013
 

nem se sonhava com as facilidades possibilitadas pelo avanço tecnológico ocorrido


nas décadas seguintes.

Por um período extenso – de 1942 a 1989 – Curt Lange manteve uma


prolífera troca epistolar com o compositor brasileiro Cláudio Santoro (1919-1989)3.
Motivada por situações de vida e épocas tão diversas, essa troca epistolar apresenta
volumes e enfoques diferenciados no decorrer do tempo. A troca se dá de forma
mais intensa, em termos de número e conteúdo, nos anos de 1942 a 1949, período
selecionado para o presente estudo.

2. A correspondência entre Curt Lange e Cláudio Santoro

Dentro do conjunto epistolar reunido no Acervo Curt Lange, 219


documentos totalizam a correspondência entre o musicólogo Curt Lange e o
compositor Cláudio Santoro, onde 115 são envios de Lange a Santoro e 104 de
Santoro a Lange. Deste total, cerca de 140 cartas (70 enviadas por cada um dos
interlocutores) foram trocadas no período de 1942 a 1949.

O mapeamento das missivas nos referidos anos indica a presença de


temáticas recorrentes: divulgação dos ideais do Grupo Música Viva; projeto de
modernização dos parâmetros do nacionalismo musical brasileiro em relação ao que
era produzido na Europa; publicações de textos e partituras do Grupo Música Viva e
do Instituto Interamericano de Musicologia; diálogos com representantes dos
movimentos musicais de renovação na América Latina; registros de radiodifusões de
obras e concertos; envio de peças de Cláudio Santoro para acompanhamento,
apreciação e crítica por parte de Lange.

A análise dessas epístolas nos permite observar a recorrência de


assuntos relacionados ao projeto Americanismo Musical, movimento liderado por
Curt Lange que propunha o aprimoramento da formação cultural, da pesquisa e da
produção musical dos países latino-americanos, promovendo a integração da
música nesse continente. Através deste movimento, o musicólogo implementou
diversas ações em prol da música na América Latina, tais como publicações acerca
46
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013
 

da música dos países americanos, pesquisa sobre novos compositores, edição de


obras e divulgação entre intérpretes. Desse modo, Lange pretendia divulgar as
principais realizações musicais da América, como discute o pesquisador César
Buscacio (2009):
Assim, para Curt Lange, era premente suscitar, através de pesquisas e
publicações acerca da produção musical contemporânea da América,
reconhecimentos mútuos das afinidades culturais existente entre essas
sociedades, pois, a escuta recíproca de seu legado musical propiciaria não
apenas uma maior valorização, como principalmente um aprimoramento das
possibilidades latentes, contidas na particularidade de cada corpus musical
nacional. (BUSCACIO, 2009: p. 11)

A consciência de que era preciso divulgar o projeto Americanismo Musical


aparece em grande parte da correspondência de Lange, como nota-se no trecho a
seguir, ocasião em que Santoro é contemplado com uma menção honrosa em um
Concurso de Composição nos Estados Unidos :

Quando você [Santoro] fizer declarações, lhe peço somente uma coisa: Diga
que o primeiro grande estímulo que você recebeu, foi dado pelo Instituto
Interamericano de Musicologia, que vem o apoiando até hoje. Isto é sempre
4
importante para nós .

Além de divulgar o Americanismo, a prática epistolar de Lange viabilizou


também parcerias com grupos interessados na renovação musical dos países latino-
americanos. As cartas possibilitaram a realização de ações do musicólogo junto ao
Grupo Música Viva, no Brasil e ao Agrupación Nueva Música, na Argentina. Nos
envios entre Curt Lange e Santoro encontramos diversas menções às ações
relacionadas a esses grupos, tais como : logística da distribuição e venda de
exemplares das publicações da revista Música Viva, planejamento para a execução
de obras em concertos do Música Viva e do Agrupación Nueva Música, escolha de
obras para publicação e de representantes para a venda das publicações.

As alianças com os referidos grupos possibilitavam a divulgação de obras


entre intérpretes de todo o mundo, a realização de concertos, a radiofusão de obras,
interligando no projeto do Americanismo Musical “atividades aparentemente
fragmentárias (tais como publicações, concertos, transmissões radiofônicas etc.),
conferindo-lhes maior coesão e consistência” (BUSCACIO, 2009: p.5-6).
47
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013
 

Assim, percebemos que as ações discutidas na correspondência entre


Lange e Santoro, atingiam propósitos diferenciados : para o compositor, era uma
maneira de se obter a divulgação da obra e o reconhecimento profissional; para o
musicólogo, uma forma de introduzir sua posição ideológica, difundir as edições e
estabelecer uma rede de sociabilidades5 (BUSCACIO, 2009 : p.147).

3. Circulação de obras na correspondência entre Lange e Santoro

Dentre as diversas ações relacionadas ao Americanismo Musical


encontradas na correspondência entre Lange e Santoro, a circulação do repertório
contemporâneo encontra lugar de destaque, sendo geralmente viabilizada pelo envio
de materias anexos ao texto epistolar. A circulação de obras percorria dois caminhos
distintos. Por um lado, Lange levava ao conhecimento de Santoro, por meio de
envios anexos às missivas, partituras de compositores contemporâneos. Por outro, o
musicólogo encarregava-se de reenviar obras de Santoro para a apreciação de
outros músicos do continente americano. Esse processo de circulação constituiu
para Santoro um estímulo ao conhecimento da produção contemporânea da
vanguarda americana, bem como a divulgação de sua obra composicional.

Curt Lange tinha o hábito de enviar a Santoro obras que trabalhassem


com aspectos também explorados por este compositor. Longe de constituir-se um
fato isolado, esse gesto aponta para uma situação que fazia parte da troca epistolar
do musicólogo: divulgar entre os compositores americanos, obras relacionadas às
suas orientações estéticas, proporcionando o contato com referências estilísticas
que poderiam vir a se refletir em suas composições.

Diversas missivas trocadas entre Curt Lange e Cláudio Santoro


exemplificam como o conhecimento das obras de vanguarda era viabilizado por
materiais anexos às epístolas. É o caso, por exemplo, dos envios com obras de Juan
Carlos Paz, um dos primeiros compositores latino-americanos a dedicar-se à
composição atonal e dodecafônica:

Caro Dr. Lange,


48
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Respondo somente hoje suas duas missivas de 29-9- e 16-10-, por falta
absoluta de tempo. Recebi tambem nesses dias a peça do “Ascone” para
canto e cordas, e, a Sonatina do Paz que indiscutivelmente é uma obra
6
prima, uma joia no genero .

Outra forma de circulação de obras identificada na correspondência entre


Lange e Santoro era o reenvio de obras do compositor brasileiro para múltiplos
destinatários. Ou seja, frequentemente, o musicólogo recebia partituras de Santoro
junto com as cartas e encarregava-se de encaminhá-las para outros músicos, que
também intervinham na análise da obra, na divulgação e no encaminhamento para
os intérpretes. O trecho abaixo menciona uma obra enviada por Santoro a Lange, a
ser encaminhada a Juan Carlos Paz:

Em todo caso a “Sonata para Piano” seguirá por estes dias, pois já está
copiada. Quero que depois de vê-la envie ao Carlos Paz, para ver se ele
pode executar. Tecnicamente não tem dificuldade. Mande-me sua opinião
sincera, pois só deste modo poderei tirar proveito. Peço-lhe também a
fineza de dizer ao Carlos Paz que envie suas impressões "sinceras" sobre
7
as cousas que lhe enviar .

Este recurso permitia a multiplicação dos músicos com quem Santoro


estabelecia um diálogo sobre a composição e a difusão da obra entre os intérpretes,
possibilitando a realização de concertos e gravações, como constatamos através de
menções na própria correspondência. Na carta escrita por Lange em 4 de março de
1942, encontramos: ‟Neste ano serão tocadas obras suas em Buenos Aires, desde
que me mande as cópias prometidas. Também será tocada, assim espero, sua
Sonata no Grupo do Paz”8. O reduzido número de partituras de Santoro hoje
catalogadas no Acervo Curt Lange e a ausência de diversos títulos cujo recebimento
foi confirmado por Lange nas cartas reforça o propósito de circulação dessas obras.

O musicólogo valeu-se dos envios epistolares para fornecer a Santoro um


rico material, sobretudo partituras, que foram importantes para que o compositor
conhecesse a produção de vanguarda da época. Estes envios constituíram uma
fonte de aprendizado informal, ampliando as referências musicais de Santoro nos
primeiros anos de sua atividade composicional e, provavelmente, interferindo no
direcionamento do compositor.
49
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4. Considerações finais

A correspondência trocada entre Curt Lange e Cláudio Santoro de 1942 a


1949 proporcionou a concretização de diversas ações relacionadas ao projeto
Americanismo Musical, dentre as quais destacamos a formulação de estratégias de
divulgação relacionadas a este movimento, o estabelecimento de uma rede de
contatos entre personagens do meio musical da época, publicações musicais e a
circulação de obras de compositores latino-americanos.

A circulação de obras proporcionada por Lange contribuiu para o


direcionamento estético de Santoro nos primeiros anos de sua produção, permitindo-
nos contextualizar suas escolhas composicionais diante do meio musical e de sua
época. Assim, ao contrário do que comumente se encontra na historiografia musical
brasileira, que reconhece unicamente o papel do Grupo Música Viva e de
Koellreutter na orientação da primeira fase composicional de Santoro, deveria-se
também destacar a atuação de Lange neste sentido, que parece ser indispensável
para a compreensão dos caminhos aos quais a música de Santoro esteve ligada.

Deve-se ressaltar também que a circulação de obras verificada na


correspondência entre Lange e Santoro confirma a inserção da troca epistolar do
musicólogo no projeto de disseminação da ideologia do Americanismo Musical, que
tinha como uma de suas principais ações a difusão da produção musical do
continente. Esta constatação é reforçada se confrontarmos o estudo das cartas entre
Lange e Santoro com estudos dedicados aos envios desse musicólogo a outros
interlocutores, como Camargo Guarnieri (Buscacio, 2009) e César Guerra-Peixe
(Assis, 2006).

Através de estratégias de difusão da produção musical contemporânea


verificadas na análise da correpondência, Lange realizava um processo de
legitimação de seus ideiais, e, em certa medida, de intervenção nos destinos
culturais latino-americanos.
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Referências :

ASSIS, Ana Claudia. Os doze sons e a cor nacional: conciliações estéticas e


culturais na produção de César Guerra-Peixe (1944-1954). Belo Horizonte, 2006.
268 f. Tese (Doutorado em Música). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
UFMG.

BUSCACIO, César Maia. Americanismo e nacionalismo musicais na


correspondência de Curt Lange e Camargo Guarnieri (1934-1956). Rio de Janeiro,
2009. 272 f. Tese (Doutorado em Historia). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

LANGE, Francisco Curt e SANTORO, CLÁUDIO. Correspondência (1942-1949).


Acervo Curt Lange, Biblioteca Universitária da UFMG: Série Correspondências.

VIEIRA, Alice Martins Belém. Diálogos de Cláudio Santoro com a produção musical
contemporânea: um estudo a partir de correspondências do compositor e da análise
musical de obras para piano. São Paulo, 2013. 254 f. Tese (Doutorado em Música).
Departamento de Música da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de
São Paulo.

________________________________
Notas
1
Grande parte dessas informações está disponível no website do Acervo Curt Lange, disponível no
endereço <http://curtlange.lcc.ufmg.br/>. Acesso em 27/11/13.
2
Idem nota anterior.
3
Compositor brasileiro (1919-1989) que desenvolveu intensa atuação profissional no Brasil e no
exterior, cuja produção percorreu diversas técnicas e linguagens musicais, incluindo obras tonais,
atonais, dodecafônicas, aleatórias e eletrônicas. Santoro contribuiu significativamente com
movimentos de renovação da linguagem musical no país, tais como o Grupo Música Viva, na década
de 1940, e a música eletroacústica brasileira, nas décadas de 60 e 70.
4
Carta enviada por Curt Lange a Cláudio Santoro em 30 de novembro de 1944.
5
Buscacio analisa como as discussões entre Curt Lange e Camargo Guarnieri sobre obras a serem
editadas no Boletín Latino Americano de Música representa o cruzamento de interesses profissionais:
“As cartas trocadas entre Curt Lange e Camargo Guarnieri estão repletas de passagens em que o
musicólogo e o compositor discutem quais obras deveriam ser impressas, seja através dos Boletíns
ou de outros meios editoriais. Essas composições entrecruzavam diferentes perspectivas estéticas e
interesses sócio-profissionais - o do compositor que poderia obter reconhecimento, através da
publicação de suas criações; o do musicólogo que, como agente mediador da edição, poderia
imprimir seu posicionamento ideológico e artístico; e o do próprio editor que priorizava a viabilidade
mercadológica da edição. Acrescente-se, ainda, que as publicações viabilizaram a promoção de
expressivo intercâmbio entre os compositores e intérpretes, propiciando o estabelecimento de uma
rede de sociabilidades” (BUSCACIO, 2009, p.147). Dada a grande semelhança dos parâmetros
descritos por Buscacio com informações encontradas nas cartas trocadas entre Lange e Santoro,
transpusemos o modelo de reflexão do autor para descrever o cruzamento de interesses também
presente na correspondência entre Lange e Santoro.
6
Carta enviada por Cláudio Santoro a Curt Lange em 22 de outubro de 1942.
7
Carta enviada por Cláudio Santoro a Curt Lange em 7 de junho de 1942.
8
Carta enviada por Curt Lange a Cláudio Santoro em 4 de março de 1942.
51
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Mulheres e imigrantes: invisibilidades históricas e as práticas da


musica culta em São Paulo na Belle Époque

MODALIDADE: Apresentação Oral


Fernando Binder
NOMADH – Núcleo de Musicologia e Desenvolvimento Humano – fernandobinder@yahoo.com.br

Resumo: este trabalho analisa alguns reflexos dos ideários nacionalista e modernista em
duas obras da historiografia musical brasileira: o compêndio História da Música Brasileira
(KIEFER, 1997) e O Coro dos Contrários (WISNIK. 1977). O objetivo é elucidar como os
critérios daqueles ideários conformaram os objetos e abordagens daqueles livros. Após uma
breve exposição sobre as práticas musicais em São Paulo concluo que, ao privilegiar um tipo
particular de Obra e de Compositor, aqueles ideários contribuíram para a inviabilidade de
mulheres e imigrantes, atores históricos decisivos na música da Belle Époque paulistana.

Palavras-chave: Historiografia. Gênero. Nacionalismo. São Paulo. Belle Époque.

Women and immigrants: historical invisibilities e the serious musical practices on São Paulo’s
Belle Époque.

Abstract: This paper examines some consequences of nationalist and modernist ideas in two
works of Brazilian musical historiography: the compendium Historia da Música Brasileira
(KIEFER, 1997), and O Coro dos Contrários (WISNIK, 1977). The goal is to elucidate how the
criteria of those ideals shaped those books’ objects and approaches. After a short exposition
of the musical practices at São Paulo, I conclude that, by favoring the creation of a particular
type of Work and Composer, those ideals contributed to the invisibility of women and
immigrants, crucial historical actors in São Paulo’s Belle Époque music.

Keywords: Historiography. Gender. Nationalism. São Paulo. Belle Époque.

1. O Nacional e Moderno na Musicologia

Este texto faz uma reflexão sobre as influências que o ideários


nacionalista e modernista tiveram na historiografia musical brasileira. Em particular
interessa-me relacioná-los à invisibilidade de mulheres e imigrantes, agentes
históricos decisivos nas práticas da música culta da Belle Époque em São Paulo.
Dentro deste período José Miguel Wisnik inscreveu o “enorme vazio de criação,
deixado pelo não surgimento de nenhum compositor importante no final do século
[XIX]” (1977: 53). Este período tinha de um lado a geração de Henrique Oswald
(1852-1931), formada de compositores maduros que escrevem aos moldes do neo-
romantismo de Camile Saint-Saëns, e a de Luciano Gallet (1893-1931), músicos que
abriam-se aos novos horizontes da música (1977: 51-53).
Uma chave para entender a este vazio criativo foi dada por Bruno Kiefer
em seu compêndio de História da Música Brasileira, onde o ápice da vida musical
do romantismo carioca é a “composição. Esta última, naturalmente, em condições
artesanais e estéticas avançadas” (1997: 66). Além disso “nem toda composição é
criação” nem o “sucesso de uma obra pode ser critério neste sentido”; “tendências
criadoras” existem quando há “seriedade, domínio técnico e formal” (idem, 75). Para
Kiefer estas qualidades desenvolveram-se à medida que a burguesia carioca se
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educava e “o melodismo fácil das óperas italianas” era substituído pela música
alemã (idem, 72). Ele não só ecoa opiniões já em voga no século XIX como também
as subscreve. Veja-se por exemplo sua opinião sobre a produção erudita de
Henrique Alves de Mesquita (1830-1906): suas óperas e aberturas “a julgar pelo que
se encontra gravado [...] pode ser perfeitamente esquecida pela história” (idem, 104).
Wisnik assume a mesma postura, trocando o modelo do compositor
artesão pelo vanguardista, pesquisador de novos técnicas de composição. Assim, no
quarto capítulo d’O Coro dos Contrários, ele coloca em paralelo as soluções para
“crise do sistema tonal” desenvolvidas por alguns dos expoentes das vanguardas
europeias1 àquelas desenvolvidas por Heitor Villa-Lobos. Postas ao microscópio, as
obras de Villa serão julgadas por suas qualidades artesanais e estéticas em relação
à superação daquela crise. O nacionalismo nesta metodologia modernista, que
valoriza a renovação técnico-estética revela-se como a identificação de um certo
grau de originalidade e autonomia a serem “afirmados e provados a respeito das
características, expressividade e estilo da música brasileira” (VOLPE, 2001: 14). O
nacionalismo de Wisnik está na busca pela originalidade de Villa-Lobos em relação à
crise da tonalidade.
Não pretendo refutar a validade ou correção das conclusões dos trabalhos
acima citados. Mesmo porque isto demonstraria minha pretensão em substituir uma
história subjetiva, e portanto falsa, por uma outra objetiva e autêntica, logo
verdadeira. Mas, como ensina Wegman, a realidade histórica não pode ser
objetivamente conhecida pois, enquanto “entidade metafísica”, ela “não pode ser
empiricamente conhecida [...] apenas postulada – isto é, novamente criada (2003:
137). Ainda assim, é importante identificar algumas das consequências que este
ideário nacional-modernista produziu. Entre elas está a desvalorização simplista da
importação da cultura musical europeia. E Bruno Kiefer, que abraçou abertamente a
“autoafirmação nacional em termos de música” (1997: 7) faz algumas menções algo
desabonadoras a vários compositores brasileiros. Para ele, Leopoldo Miguez “não
trouxe a menor contribuição para uma música de características brasileiras. A rigor
não foi criador” (idem, 126); Henrique Oswald compusera música “sedutora, mas, ao
mesmo tempo, desenraizada. Falta-lhe a força da terra” (idem, 129) e continua: “[...]
não foi uma personalidade criadora. Sentimos nele um músico deveras excepcional
[...]. Para compor, necessita de determinadas premissas estéticas, criadas por
outros” (idem, 130). Quanto à Glauco Velasquez, uma ou outra obra sua teria
“condições de resistir ao tempo, graças à força e o talento do autor; por razões de
autoafirmação nacional em termos de música certamente não será.” (idem: 136).
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2. Música, mulheres e imigrantes na Belle Époque paulistana

Nas primeiras décadas do século XX São Paulo passou por um processo


de institucionalização da música em várias esferas. Neste período foram criados o
Conservatório Dramático e Musical de São Paulo (CDMSP), em 1906; o Teatro
Municipal de São Paulo (TMSP), em 1911; a Sociedade de Cultura Artística (SdCA),
em 1912; o Pensionato Artístico do governo do Estado, em 1912; o Centro Musical
São Paulo, em 1913, e a Orquestra de Concertos de São Paulo, em 1920. Criadas
ora pelo poder público, ora pelo associativismo privado, ora de um entrelaçamento
de ambos tais instituições não devem ser vistas apenas em seu caráter utilitário,
como promotores de atividades culturais e educacionais. Olhadas em conjunto
indicam claramente a vontade da elite paulistana em ajustar as práticas musicais ao
processo modernizador de cunho europeizante que marcou o início do século XX.
Mulheres e imigrantes foram os dois principais atores nas práticas
musicais paulistanas. Entre os primeiros destacam-se os italianos e seus
ascendentes. Estes correspondiam a cerca de 70% dos 205 músicos que fundaram
o Centro Musical São Paulo (IKEDA,1989:6). O CMSP surgiu em razão da
profissionalização das atividades musicais ligadas ao cinema e ao teatro musicado;
misto entre sindicato e sociedade de auxílio mútuo (1913: 11). A instituição mostra
uma distinção de gênero entre os músicos paulistanos: entre os sócios fundadores
havia apenas uma mulher, ou seja, professoras de canto e piano, não foram
incluídas na associação. (IKEDA, 1989: 6). Esta distinção de gênero parece
corresponder à outra distinção das atividades musicais: os profissionais e amadores.
E tratar de mulheres e música em São Paulo é falar necessariamente pelo
piano. Um pequeno livro laudatório publicado em 1916 pela alunas de Luigi
Chiaffarelli deixa isso evidente. Ali foram listados o nome das alunas e os programas
dos saraus musicais e concertos que Chiaffarelli promoveu em sua escola entre
1892 a 1916. De um total de 509 discípulos, nada menos que 469 são mulheres,
cerca de 92% enquanto os homens somavam 40 alunos, cerca de 8% (AO
MAESTRO, 1916: 63-63). Pianolatria foi o termo que Mário de Andrade usou para
descrever a hegemonia do piano na educação musical em São Paulo. Foi em 1922,
no primeiro número da revista Klaxon, que saiu sua famosa reclamação contra “a
fada perniciosa que a cada infante dá como primeiro presente um piano e como
único destino tocar valsas de Chopin” (1922: 8). Nos Aspectos da Música Brasileira,
de 1939, Mário vai mostrar uma visão muito mais negativa e ácida sobre a
Pianolatria. Depois de ser demitido do Departamento de Cultura numa situação
vexatória ele diria que a “floração pianística” da “Cafelândia” era uma “excrescência”
por sua “quase nula função nacional” (1991: 12). Há muito a imagem da idolatria ao
piano foi banalizada, usada acriticamente para descrever o ensino, a execução
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doméstica e amadora do piano sobretudo entre as mulheres. Em realidade, esta


visão negativa sobre desconsidera completamente o horizonte possível das
mulheres no início do século XX, como explica Dalila Carvalho:

[...] se para compositores e instrumentistas [homens] era absolutamente


comum a convivência com estilos e ambientes musicais diversos o mesmo
não se verifica para entre as pianistas, cantoras e compositoras. [...]
Confinadas a alguns espaços sociais, as pianistas eram proibidas de se
apresentarem em público e serem remuneradas [...]. As moças de
conservatório tinham pouco contato com a “música ligeira” ou “popular”, que
chegava à sala de visitas pelas mãos dos pianeiros, pela compra de alguma
partitura, pelas melodias ouvidas na rua ou pela frequência ao teatro.
(CARVALHO,2012:82)

Gênero é “um sistema de designação de papéis sociais, poder e prestígio


que é sustentado por uma vasta rede de metáforas e práticas culturais comumente
associados ao ‘masculino’ e ao ‘feminino’”(CUSICK, 1999: 475). Portanto é
importante procurar pelo lugar dos homens nas práticas musicais paulistana na Belle
Époque. E para tano nada é mais esclarecedor que os primeiros dias de
funcionamento da Sociedade de Cultura Artística.
A SdCA foi fundada em 1912 por homens que pertenciam à elite
intelectual e política de São Paulo como Nestor Pestana, José de Freitas Valle,
Ramos de Azevedo e Vicente de Carvalho. Entre os fundadores também havia um
pequeno grupo de músicos eram eles: Luigi Chiaffarelli, Fúrio Franceschini, Agostino
Cantù, Zacharias Autuori, Felix de Otero, José Wancolle, Luiz e Maurício Levy e,
talvez, José Augusto de Souza Lima2. Uma rápida análise do quadro de sócios
fundadores revela uma situação exatamente oposta ao que ocorria na escola do
prof. Chiaffarelli. Quando a SdCA é fundada, dos 118 sócios apenas 10 eram
mulheres, cerca de 8,5%. Na lista de sócios do ano de 1917 a proporção é a mesma,
entre 596 sócios, 48 eram mulheres pouco mais de 8,22%.
Mas estes números dizem respeito aos associados e não às atividade que
a sociedade patrocinava. Pois bem, foi a literatura o motor que colocou em marcha a
criação da SdCA, como fica claro no discurso inaugural feito por Roberto dos Santos
Moreira, seu segundo secretário. Segundo ele, a associação nascia voltada
unicamente “às coisas do espírito” numa sociedade “saturada de ideais utilitários”. A
SdCA trabalharia “pelo engrandecimento da pátria” oferecendo “concertos e
conferências que tenham, de preferência, por objetos assuntos nacionais”. A
literatura era vista como o “meio mais fecundo” para o sucesso de tal empreitada,
pois era a língua “o vínculo mais forte que une uma às outras as parcelas de uma
nação”. Como então, indagava-se Moreira, “desejando fazer obra patriótica não
conceder primazia à língua e, portanto, à literatura nacional?” (MOREIRA apud
ÂNGELO,1998:245). Portanto, a música era uma atividade “sedutora mas
55
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

desenraizada” sem a “a força da terra” como a música de Henrique Oswald para


Bruno Kiefer.
Na década de 1910 foram realizadas 80 “noites de arte”3. Nelas
ocorreram 34 conferências, 74 concertos, 7 espetáculos com declamação de poesia,
1 ópera, 1 balé e 1 apresentação teatral4. Das 34 conferências, carro chefe para a
criação da associação, 23 trataram sobre temas de literatura, 5 conferências
trataram sobre as lendas e tradições populares, as famosas apresentações de
Afonso Arinos. A música foi tema de uma só conferência. Coincidência ou não, esta
foi a única das ministrada por uma mulher: a escritora Júlia Lopes de Almeida
discorreu sobre a vida e a obra do Pe. José Maurício Nunes Garcia.
A ligação entre um seleto grupo de músicos e a elite social e política
também transparece na lista de alunas de piano do prof. Chiaffarelli. Ler aquela lista
é fazer um passeio pelas atuais ruas de São Paulo. Nela aparecem os clãs
paulistanos mais tradicionais, famílias que hoje dão nome aos igualmente
tradicionais engarrafamentos da cidade. Estão mencionados ali os Prados,
Rebouças, Homem de Mello, Siqueira Campos, Toledo Piza, Tobias de Aguiar,
Lacerda Franco, Paes de Barros, Matarazzo, Klabin, França Pinto, Rudge,
Penteado, Pujol, Anhaia, Mesquita, Rodrigues Alves etc. Nos pianos de Chiaffarelli
tocaram nada menos que as filhas do Presidente da República, do Presidente do
Estado e do Prefeito de São Paulo.
Esta imbricação das esferas públicas e privadas, velha conhecida da
cultura brasileira, teve um papel importante na nomeação de José Augusto de Souza
Lima, irmão de João de Souza Lima, como professor de piano do CDMSP. José
Augusto já era próximo ao filho do governador do Estado, com quem fazia música de
câmara. O posto como professor foi conseguido através da intervenção de uma tia,
casada com um alto funcionário da Secretária de Segurança do Estado e que tratou
pessoalmente do assunto com o governador (LIMA,1981: 20).

3. Conclusão

Parece claro que o “vazio criativo” de Wisnik só faz sentido se a narrativa


histórica é construída para certo tipo composição, a de feição nacional ou moderna.
Além disso esta música deve ser composta por um tipo particular de indivíduo:
brasileiro e homem. Como os principais agentes históricos da música em São Paulo,
mulheres e imigrantes, não se encaixam nesta perspectiva eles não entram na
narrativa, ou pior, são incluídos de maneira negativa ou pejorativa, como é o caso da
associação das mulheres à Pianolatria.
No que diz respeito às práticas musicais, fica claro a existência de uma
clivagem entre atividades masculinas, femininas, profissionais e amadores. Nas
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

atividades desinteressadas, as “coisas do espírito”, a literatura foi a atividade


masculina e a música a atividade feminina. O mundo do trabalho musical é
masculino, os homens, em grande parte imigrantes ou seus descendentes, eram
responsáveis pela música em nível profissional.

Referências

Ao Maestro Luigi Chiaffarelli. [São Paulo]: s.e., 1916.


Centro Musical São Paulo [excerto do estatuto]. São Paulo: José Guzzi, 1913.
ANDRADE, Mário de. Aspectos da música brasileira. Belo Horizonte: Villa Rica,
1991.
__________________.Pianolatria. Klaxon, São Paulo, n.1, p.8, maio de 1922.
ÂNGELO, Ivan. 85 anos de Cultura, História da Sociedade de Cultura Artística. São
Paulo: Editora Studio Nobel, 1998.
CARVALHO, Dalila Vasconcelos de. O gênero da música: a construção social da
vocação. São Paulo: Alameda, 2012.
CUSICK, Suzanna G. Gender, Musicology and Feminism. In: COOK, Nicolas;
EVEREST, Mark. Rethinking Music.. Oxford: Oxford University Press, 1999. 471-498.
IKEDA, Alberto. Italianos e a música em São Paulo. O Estado de São Paulo,
Suplemento Literário, São Paulo, ano VII, n. 442, p.6-7, 7 jan. 1989.
KIEFER, Bruno. História da música brasileira: dos primórdios ao início do século XX.
4a. ed. Porto Alegre: Movimento, 1997.
LIMA, João de Souza. Moto Perpétuo: a Visão Poética da Vida Através da Música,
Autobiografia do Maestro Souza Lima. São Paulo: IBRASA, 1981.
VOLPE, Maria Alice. Indianismo and landscape in the Brazilian age of progress: Art
music from Carlos Gomes to Villa-Lobos, 1870s—1930s. Austin, 2001. 346f. Tese de
Doutoramento. University of Texas at Austin.
WEGMAN, Rob C. Historical musicology: is it still possible? In: CLAYTON, Martin;
TREVOR; Herbert; MIDDLETON, Richard. The Cultural Study of Music: a critical
introducion. Nova Iorque: Routledge, 2003. 136-145.
WISNIK, José Miguel. O coro dos contrários: a música em torno da Semana de 22.
São Paulo: Duas Cidades São Paulo, 1977.

Notas

1
São eles: Eric Satie, Arnold Schoenberg, Claude Debussy, Darius Milhaud, Anton Webern, Igor
Stravisnky e Béla Bartók.
2
A lista consta indistintamente como “Souza Lima”. Mas, nesta época, José Augusto de Souza Lima,
irmão mais velho de João de Souza Lima, já era músico renomado em São Paulo.
3
Convém notar que já no segundo ano a unidade conferência/concerto deixou de ser norma. Assim
as reuniões poderiam ter uma ou outra atividade; ou mesmo nenhuma no caso de alguns espetáculos
teatrais ou óperas.
4
As minutas dos programas das reuniões foram compiladas por Ângelo (1998, 259-269).
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Romualdo Suriani (1880-1943): atividade musical do maestro


italiano em Curitiba, entre 1912-1940
Modalidade: Musicologia
Alan Rafael de Medeiros
Universidade Federal do Paraná – alanmaestro@yahoo.com.br

Álvaro Luiz Ribeiro da Silva Carlini


Universidade Federal do Paraná - alvarocarliniufpr@gmail.com

Resumo: O presente artigo apresenta considerações sobre a atuação do maestro italiano


Romualdo Suriani em Curitiba-PR, fazendo apontamentos gerais sobre as diferentes
atividades exercidas pelo músico entre 1912-1940. Dada a escassez de materiais sobre o
assunto, esta pesquisa preliminar tem como principais fontes de pesquisa os periódicos locais
daquele contexto, assim como bibliografias que abordam a realidade sociocultural da cidade
na primeira metade do século XX.
Palavras-chave: Romualdo Suriani. Banda da Força Militar do Estado. Sociedade Sinfônica
de Curitiba.

Romualdo Suriani (1880-1943): musical activity of italian conductor in Curitiba, between 1912-
1940
Abstract: This article presents considerations about the performance of Italian conductor
Romualdo Suriani in Curitiba-PR, making general notes about the different activities performed
by the musician between 1912 - 1940. Given the scarcity of material on the subject, this
preliminary research has as main sources of local research journals, as well as bibliographies
that deal with the social and cultural reality of the city in the first half of the twentieth century.
Keywords: Romualdo Suriani. Military Band of State. Sociedade Sinfônica de Curitiba.

1. Considerações preliminares
A presente abordagem se justifica pelo fato de contribuir para com o
mapeamento da produção musical realizada em Curitiba, ao longo das primeiras
décadas do século XX, período significativo para o desenvolvimento dos espaços de
sociabilidades musicais. Do mesmo modo, auxilia no processo de verificação da
produção musical na cidade, apresentando obras que, em parte, buscaram justificar
os contextos ideológicos e políticos na capital, no momento de instauração do ideário
que tinha por objetivo valorizar a identidade regional do Paraná, conhecido como
Paranismo 1.
Em relação à prática musical desta corrente ideológica, ainda que não
haja trabalhos aprofundados sobre esta temática, sabe-se que esteve em pauta ao
longo das décadas de 1920 a 1940, buscando justificar e criar um público apreciador
alinhado à estética ambicionada pelos envolvidos no movimento, tal como o músico
e maestro italiano Romualdo Suriani (1880-1943). Entusiasta desta corrente, se
inseriu no cenário musical paranaense por meio de sua produção musical, de sua
prática musical como maestro da Banda da Força Militar do Estado, do mesmo modo
aliado ao seu trabalho de animador cultural e de divulgação da obra do compositor
Carlos Gomes.
Dada a escassez de documentação que aprofunde a análise sobre
Romualdo Suriani, neste trabalho são realizados apontamentos gerais sobre sua
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

trajetória em Curitiba, desde sua chegada, em 1912 até o início da década de 1940,
período no qual se manteve ativo na capital paranaense. Compreender esta
personagem, procurando delinear aspectos de sua trajetória social e artística,
possibilita levantar características gerais visando a considerações sobre uma
musicologia local, que, mesmo não isolada, relaciona-se a um contexto político e
ideológico específicos de afirmação da identidade local.
A temática abordada neste artigo está inserida no contexto do grupo de
pesquisa UFPR/CNPq, intitulado Música Brasileira: estrutura e estilo, cultura e
sociedade, na linha Musicologia histórica: sociedades civis vinculadas à Música no
Paraná, séculos XX.

2. Romualdo Suriani: principais atividade do maestro italiano


Romualdo Suriani nasceu em Veneza-Itália, em 1880, e veio criança para
o Brasil, tendo passado a infância e a juventude no Estado de São Paulo, na cidade
de Campinas, voltando à Itália aos 20 anos para estudar música. Em 1912, durante
o governo de Carlos Cavalcanti, no Paraná, com a reestruturação do Regimento de
Segurança, foi convidado para assumir a regência da Banda da Força Militar do
Estado.
Quando chegou a Curitiba no ano de 1912, Suriani promoveu concertos,
que incluíram eventos oficiais, homenagens, comemorações cívicas e
apresentações realizadas aos domingos. Periódicos locais situavam a tradicional
Rua XV de Novembro como palco de apresentações diversas, mencionando com
frequência o maestro Romualdo Suriani e sua Banda, em eventos rotineiros e nas
comemorações oficiais.
A Banda da Força Militar do Estado se apresentava frequentemente ao ar
livre, nas praças da cidade de Curitiba, prática conhecida como Retretas, concertos
populares de bandas em praças públicas (JUSTUS, 2002: p.49). Durante as
décadas de 1910 e 1920, as retretas eram evento constitutivo da rotina dos
curitibanos, e os coretos os principais pontos para a realização desta prática
musical.
As retretas acabaram se transformando em relevantes espaços de
disseminação musical para a maioria da população curitibana, uma vez que parte
das obras eruditas executadas pela Banda integrava a realidade pertencente à
parcela da sociedade local frequentadora do antigo Teatro Guaíra. O maestro Suriani
seguia esquema de concertos didáticos nas apresentações da Banda nas praças,
com informações sobre as principais características das obras e breve biografia dos
compositores executado, fornecendo assim “conhecimento musical informal” às
diversas camadas frequentadoras destes eventos.
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Os periódicos da época anunciavam de maneira positiva as


apresentações da banda e, do mesmo modo, o fluxo do público. O repertório
executado nas retretas era variado, misto de obras clássicas, valsas e dobrados, que
somado pela gratuidade do evento, resultava em grande presença de público.
As retretas públicas, no coreto da Praça Ozório, realizada pela Banda da
Força Militar do Estado, brilhantemente dirigida pelo maestro Romualdo
Suriani, atraem uma multidão imensa para aquele lindo logradouro [...] O
maestro Suriani é, nas praças públicas, o médico da alma popular. (IN
Diário da Tarde, 13 de janeiro de 1921. Divisão de Documentação
Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná)

Romualdo Suriani foi personagem que ganhou prestígio como musicista


atuante na cidade, tendo sido aceito pela sociedade curitibana de sua época.
Exemplo desta aceitação é o trecho da Revista Ilustração Paranaense de 1927, que
registrava momentos importantes de personalidades notórias da sociedade
paranaense, partidária do ideário paranista, divulgando a estética desta corrente
ideológica em suas edições.
De música
Suriani! Maestro do excelente conjunto musical da Força Militar do Estado, a
sua atividade é assombrosa. Organizou, por ocasião do centenário de
Beethoven, um grande concerto sinfônico, que constituiu o maior
acontecimento musical registrado em nossa terra. Podemos dizer sem
receio de errar, que o maestro Suriani é uma das mais competentes
mentalidades emotivas que o Paraná possui.
Além de regente é inspirado compositor, é um dos mais apaixonados
paranistas que vivem sob o céu da terra dos tinguis. (IN Revista Ilustração
Paranaense, Curitiba, ano I, n.12, dez/1927. Divisão de Documentação
Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná.)
A citação acima informa a existência de concerto exclusivo com obras de
Beethoven, realizado no Teatro Guaíra. O que se pode afirmar é que o evento
ocorreu no dia 27 de março de 1927, intitulado “Festival Beethoviniano em
comemoração ao centenário do artista, sob a regência do maestro Romualdo
Suriani” (COSTA, 1990: p.39). Foi através da Banda da Força Militar do Estado, ao
que tudo indica, que Curitiba pôde apreciar pela primeira vez uma obra orquestral
sinfônica completa no ano de 1925. Em artigo de periódico local é informada a
primeira apresentação de obra sinfônica completa:
Sábado, às 19 horas, a Banda da Força Militar do Estado, sob a regência do
maestro Suriani, na Praça Osório, vai proporcionar ao povo de Curitiba uma
original e primorosa audição musical. O apreciado conjunto da Força Militar
executará a partitura completa da Tosca, a mais conhecida das obras de
Puccini. É a primeira vez, em nossa capital, que teremos a satisfação de
ouvir uma ópera completa executada pelos bravos musicistas da Força
Militar. (IN O Dia, 16 de setembro de 1925. Divisão de Documentação
Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná)

Apesar da atividade da Banda da Força Militar ao longo das décadas de


1910 e 1920, foi somente a partir de 1930, após a fundação da Sociedade Sinfônica
de Curitiba (SSC) que houve maior regularidade nas apresentações de concertos
sinfônicos na cidade. Esta entidade artística foi resultado da mescla das atividades
musicais disseminadas pela banda militar do maestro Suriani, assim como dos
60
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

2
músicos formados nos diferentes instrumentos pelo maestro Leo Kessler (1882-
1924) e Antônio Melillo (1900-1966) no Conservatório de Música do Paraná (a partir
de 1916).
A única referência localizada até o momento que aborda a criação da
SSC afirma que “em 1930, Romualdo Suriani, então mestre da Banda de Música da
Força [Militar] do Estado, transformou-a em uma verdadeira banda sinfônica, criando
na ocasião a Sociedade Sinfônica de Curitiba”. Ao que tudo indica, ele uniu
instrumentistas de sopro e percussão que tinha à disposição na banda militar e
agregou músicos externos para formar a família das cordas, incluindo alunos
formados pelo Conservatório de Leo Kessler, que a esta época era dirigido por
Antônio Melillo, também colaborador da Sociedade Sinfônica de Curitiba. O concerto
inaugural da SSC foi realizado a 10 de maio de 1930, no Teatro Guaíra.
A primeira matéria jornalística localizada abordando a fundação da
Sociedade Sinfônica de Curitiba é datada de 29 de abril de 1930, entretanto não são
apresentados maiores detalhes sobre a criação deste grupo orquestral. O que se
verificou na notícia é atuação em conjunto dos maestros Romualdo Suriani, Ludovico
Seyer e Antônio Melillo, assim como o considerado “nivelamento cultural” da cidade
de Curitiba com as demais capitais brasileiras, a partir da consolidação desta
orquestra.
Este concerto é também o primeiro da Sociedade Sinfônica de Concertos,
recém organizada pelos músicos Antônio Melillo, Ludovico Seyer e
Romualdo Suriani, os quais têm a sua direção. É de esperar que o
adiantado público de Curitiba corresponda a tão nobre empreendimento, já
porque os seus organizadores só por si constituem uma verdadeira
garantia. Porque irá colocá-la em plano igual às demais capitais do Brasil.
(IN Gazeta do Povo, 29 de abril de 1930. Divisão de Documentação
Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná)

O primeiro concerto da Sociedade Sinfônica de Curitiba coincidiu, talvez


intencionalmente, com o evento intitulado “Festa da [Revista] Ilustração
Paranaense”. Esta comemoração teve como finalidade angariar fundos destinados
aos artistas paranaenses que estudavam na Europa. A página reservada às
impressões sobre o evento traz informações sobre a recém-formada orquestra,
questões técnicas relacionadas à interpretação musical do conjunto, assim como a
gratidão nominalmente expressa aos principais benfeitores e suas respectivas
contribuições.
A festa organizada pela revista Ilustração Paranaense contou com a
presença da alta sociedade curitibana, motivada por objetivo nobre: a primeira
apresentação de conjunto orquestral de grande porte na cidade coincidiu com o
evento da revista e contou com larga aceitação por parte desta elite financeira e
intelectual local. Tal apreciação pode ser verificada ao longo da sua publicação,
especialmente em frases que sugerem a “magnífica afirmação do conjunto
orquestral”, o que revela o frenesi para com o evento cultural no qual o grupo
61
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

orquestral desempenhou relevante papel. O início desta orquestra em um círculo


influente, somado ao ineditismo de uma prática contínua no campo da música
orquestral sinfônica, garantiram sua permanência ao longo da década de 1930.

A sala do velho Guaíra parecia transfigurada. Aquele público – e era


densíssimo – muitas vezes e não sempre com razão, acusado de frio e
incompreensível, no primeiro concerto da Sociedade Sinfônica de Curitiba,
foi arrebatado e exaltado pela arte de Romualdo Suriani. (IN Revista
Ilustração Paranaense, Curitiba, ano IV n.5, mai/1930. Divisão de
Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná).

Não se pode precisar o ano de encerramento das atividades da SSC. Até


o ano de 1937 é possível afirmar que Suriani permaneceu em Curitiba realizando
trabalhos a frente da Banda da Força Militar do Estado e da Sociedade Sinfônica de
Curitiba. O acervo Curt Lange da UFMG (originalmente pertencente ao musicólogo
Francisco Curt Lange, 1903-1997) preserva em arquivo duas fotografias 3
autografadas por Romualdo Suriani enviadas na época ao musicólogo alemão.
Ambas as imagens são datadas de outubro de 1937, e em uma delas Suriani
aparece em frente a orquestra, possivelmente a SSC, tendo em vista que a
fotografia apresenta como spalla o também maestro Ludovico Seyer (1882-1956).

Figura 1: Conjunto orquestral de 1937, possivelmente a Sociedade Sinfônica de Curitiba. Maestro:


Romualdo Suriani. Acervo Curt Lange, Universidade Federal de Minas Gerais, ref. 8.1.12.21

Sabe-se que em 1938 o maestro Romualdo Suriani foi à Itália, autorizado


pelo então Interventor do Estado, Manoel Ribas (1873-1946) e recebendo para tanto
seis meses de licença, para divulgar a música brasileira na Europa. O maestro
esteve em Florença, Milão e outras cidades na Itália. Regeu bandas e orquestras
locais apresentando obras de compositores brasileiros como Carlos Gomes, Alberto
Nepomuceno e do paranaense Bento Mossurunga. É possível que neste período as
atividades da SSC tenham sido interrompidas, uma vez que Romualdo Suriani, o elo
que possibilitava a fusão entre músicos oriundos da Banda da Força Militar do
Estado e aqueles provenientes do Conservatório de Música do Paraná não estava à
frente do conjunto.
O maestro Suriani era conhecedor da obra de Carlos Gomes, tendo
publicado na revista Ilustração Paranaense análises de fragmentos da obra do
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

compositor paulista. Romualdo Suriani foi o responsável pelo busto erguido em


homenagem a Carlos Gomes, na praça curitibana homônima ao compositor
campinense. Foi sua a iniciativa dos concertos em homenagem a Carlos Gomes,
executados nas principais praças de Curitiba, todos precedidos por uma conferência
sobre a importância das obras do compositor brasileiro.
Romualdo Suriani era frequentemente citado pela imprensa diária como
compositor de obras musicais escolares e cívicas, compositor da peça que a partir
do ano de 1980 foi oficializada como hino da cidade da Lapa-PR. Recentemente o
grupo de pesquisas localizou o exemplar manuscrito do poema sinfônico intitulado
Gôio-Covó, que a musicologia local informava ter sido perdido. O manuscrito de
Suriani está neste momento em fase de digitalização para posterior análise, visando
a oferecer mais dados para a comunidade acadêmica.
Ao final do ano de 1938, após seu regresso ao Brasil, o maestro Suriani
passou gradativamente a ser estigmatizado em decorrência de sua nacionalidade
italiana, sendo por vezes taxado de fascista. Ao longo da Segunda Guerra Mundial,
todos os estrangeiros residentes no Brasil nascidos nos países que integravam o
Eixo (Alemanha, Itália e Japão) passaram por severa vigilância das autoridades, a
exemplo de Romualdo Suriani. A este período a atividade artística do maestro já
havia sido reduzida consideravelmente.
Em janeiro de 1942 um decreto emitido pelo Interventor Federal do
Estado dispensava o Capitão Suriani das funções que exercia na Polícia Militar pelo
fato de ser italiano. Somente um ano após sua morte, dada em 02 de fevereiro de
1943, foi baixado decreto tornando sem efeito a sua exclusão da Polícia Militar.

3. Considerações finais
A música em Curitiba, nas primeiras décadas do século XX, era
disseminada de maneira heterogênea e vivenciada por um público heterogêneo,
devido à ausência de prática cultural solidamente constituída. Este quadro fazia com
que a vida musical na capital paranaense se movimentasse de maneira eclética,
originando diferentes espaços de sociabilidades para a apreciação da música,
verificáveis nas práticas musicais dos cineteatros, nos recitais realizados pelas
sociedades e clubes musicais, mesmo nos eventos de maior porte oferecidos pelo
maestro Romualdo Suriani à frente da Banda da Força Militar do Estado, ao longo
das décadas de 1910, 1920 e 1930.
Este levantamento preliminar sobre esta personagem relevante do ponto
de vista sócio cultural na capital paranaense, pode contribuir para o mapeamento
mais aprofundado das práticas musicais em Curitiba ao longo do século XX,
colaborando na verificação dos espaços de sociabilidade musicais locais, do
repertório disseminado, da reprodução e da fruição musical, bem como, por fim, das
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

estratégias e ideologias presentes no discurso das elites locais no contexto da


afirmação de uma identidade regional para o Paraná, servindo a música, assim
como as demais manifestações artísticas, para justificar este contexto.

Referências
COSTA, Marta Morais. Curitiba, Teatro e Euforia, 1927. Revista Letras, Curitiba,
n°39, p.21-45, 1990.

JUSTUS, Liana Marisa. Práticas, plateias e sociabilidades musicais em Curitiba nas


primeiras três décadas do século XX. Curitiba, 2002. 239f. Dissertação (Mestrado
em História), Universidade Federal do Paraná, Curitiba.

LEÃO, Geraldo V. de Camargo. Paranismo: arte, ideologia e relações sociais no


Paraná. Curitiba, 2007. 213f. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal do
Paraná, Curitiba.
Fontes de Pesquisa
Revista Ilustração Paranaense, Curitiba, ano I, n.12, dez/1927. Divisão de
Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná.
Revista Ilustração Paranaense, Curitiba, ano IV n.4, abr/1930. Divisão de
Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná.
Revista Ilustração Paranaense, Curitiba, ano IV n.5, mai/1930. Divisão de
Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná.
SURIANI, Romualdo. Análise da Sinfonia da ópera Fosca. Revista Ilustração
Paranaense, Curitiba, Ano II, n.9, set/1928. Divisão de Documentação Paranaense,
Biblioteca Pública do Paraná.

Diário da Tarde, 13 de janeiro de 1921. Divisão de Documentação Paranaense,


Biblioteca Pública do Paraná

O Dia, 16 de setembro de 1925. Divisão de Documentação Paranaense, Biblioteca


Pública do Paraná.

Gazeta do Povo, 29 de abril de 1930. Divisão de Documentação Paranaense,


Biblioteca Pública do Paraná.

SURIANI, Romualdo. Gôio-Covó. Curitiba: manuscrito, 1941.


1
De acordo com Leão (2007: p.8) é possível compreender o Paranismo como “[...] resultado de um
longo processo de formulação de uma imagem do Paraná posteriormente à sua emancipação política,
ocorrida em 1853. Um processo persistente que procurou elaborar uma visão simbólica diferenciada
da nova província em relação às outras regiões do Brasil e que se define também por sua
interpretação das formas modernas em arte”.
2
Leo Kessler nasceu na Suíça, iniciou seus estudos de piano na adolescência, tendo cursado órgão e
História da Música em Estrasburgo, de 1901 até 1904, quando se mudou para Paris, tendo aulas
particulares de órgão, piano e composição. Ao início de 1911 aceitou o cargo de diretor musical da
Companhia de Operetas Alemãs Papke, que se preparava para visitar o Chile, a Argentina e o Sul do
Brasil. Curitiba seria a última parada da Companhia, e com a dissolução deste conjunto, alguns
músicos, dentre eles Kessler, acabaram por fixar residência na cidade.
3
As referências das fotos pertencentes ao acervo Curt Lange, da UFMG, são: 8.1.12.21 e
8.1.18.103.1; em ambas segue o texto: “Ao eminente musicólogo Prof. Francisco Curt Lange,
homenagem respeitosa de Romualdo Suriani. Curitiba, 16/10/1937”.
64
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Ode a Benedito de Eduardo Guimarães Álvares: uma análise.

MODALIDADE: Teoria e Análise Musical

Diogo Lefèvre
IA-UNESP (Grupo de Pesquisa: Teorias da Música – e-mail: diogolefevre@ig.com.brl

Resumo: Este artigo aborda Ode a Benedito, de Álvares, baseada em texto de Penna. A
análise de uma peça musical composta a partir de um poema envolve um exame da estrutura
musical e do texto literário. Escritos de Motte, Lewin e Danuser reforçam tal opinião. A partir
de conceitos de teoria literária (definidos por Goldstein e Tavares) e musical (definidos por
Forte e Oliveira) se demonstra que o compositor foi sensível à seleção de palavras realizada
pela poetisa e cuidou da estrutura musical através de relações motívicas e intervalares.

Palavras-chave: Relação texto-música. Análise musical. Canção. Música contemporânea


brasileira. Eduardo Guimarães Álvares.

Ode a Benedito by Eduardo Guimarães Álvares: an analysis.

Abstract: This paper approaches Ode a Benedito by Álvares, based on a text by Penna. The
analysis of a musical piece composed taking a poem as a point of departure includes an
examination of the musical structure and of the literary text. Writing of Motte, Lewin and
Danuser supports this opinion. Concepts of literary and musical theory (as explained by
Goldstein and Tavares, Forte and Oliveira) help to prove that the composer was sensitive to
the words selection made by the poetess and cared about the musical structure by means of
motivic and intervallic relationships.

Keywords: Text-music relationship. Musical analysis. Song. Brazilian contemporary music.


Eduardo Guimarães Álvares.

1. Introdução

A presente comunicação aborda a composição Ode a Benedito, sexto


movimento da obra Pétala Petulância (1991/1992) de Eduardo Guimarães Álvares,
baseada em poemas de Alícia Duarte Penna.
Acredita-se que a análise de uma peça musical composta a partir de um
texto poético envolva, além do escrutínio da estrutura musical, um exame do texto
literário que lhe serve de base, o que muitas vezes se verifica em trabalhos teóricos
a respeito de obras vocais. Tal posição é defendida por Diether de la Motte (1968: p.
61-71), que, ao abordar a canção Nacht und Träume de Schubert, mostra como
diversos aspectos do poema de Matthäus von Collin musicado por Schubert (tais
como a ordenação das rimas, a sintaxe, a sucessão das imagens veiculadas)
sugerem diferentes articulações ou subdivisões do texto, para em seguida mostrar
como os diversos elementos da música (como por exemplo a harmonia, o
acompanhamento pianístico, a inter-relação entre as frases melódicas da linha
vocal) se relacionam com os aspectos analisados do texto. David Lewin (2006: p.
357-365), ao abordar o Op. 15/5 de Schoenberg, mostra conexões entre o esquema
de rimas do poema, as imagens veiculadas pelo texto e seu significado, e os motivos
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rítmico-métricos empregados pela linha vocal daquela canção (Saget mir). Hermann
Danuser (2004: p. 357-365), ao enfocar a peça Soupir de Ravel, mostra relação
entre a sintaxe peculiar do poema de Mallarmé e a maneira como Ravel realiza a
escrita instrumental de sua composição, de maneira que um período extremamente
extenso do poema conserva certa unidade sonora em sua versão musical através de
um ostinato igualmente duradouro.

2. Análise de Ode a Benedito

Abaixo se reproduz o poema Ode a Benedito de Alícia Duarte Penna


(198?: p. 25) (as palavras entre colchetes foram omitidas pelo compositor):

Ode a Benedito
Seu corpo, Benedito, é o corpo mais bonito!
E que olhos, que olhos!
Meu Deus, os olhos de Benedito!
Às vezes ficam verdes!
O nariz de Benedito!
A boca de Benedito!
O pescoço, o colo,
as toleimas, as tiróides,
as meias de Benedito
enternecem a quem quer que as veja!
Os pés de Benedito!
São feios, mas que falanges!
Que falácia essa ode que [por hora] a ti ofereço, meu
Benedito,
quando tu és o corpo mais bonito!
O título de “Ode” se justifica pela atitude de exaltação do eu-lírico diante
de Benedito. Tal atitude se verifica, por exemplo, pela pontuação: o poema não faz
uso do ponto final, contém apenas exclamações. O louvor a Benedito também se
manifesta pela enumeração das partes de seu corpo: os olhos, o nariz, o pescoço, o
colo. Ao se prosseguir o exame do nível lexical do poema, ou seja, verificar “de quais
palavras ele se compõe, [...] quais as categorias gramaticais presentes no poema,
qual delas predomina e como são empregadas no texto” (GOLDSTEIN: 2001, p. 60),
pode se constatar que, para um texto laudatório, a quantidade de adjetivos
empregados é relativamente pequena. Se o primeiro adjetivo que aparece no texto
inicia a glorificação característica do poema, ao dizer que o corpo de Benedito “é o
66
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corpo mais bonito”, por outro lado o eu-lírico atribui aos pés de Benedito a
característica oposta, ao dizer que eles “são feios”. O contraste entre esses dois
termos beira ao oxímoron: “a ligação entre duas ideias ou pensamentos, que, na
realidade se excluem” (TAVARES, 1991: p. 347). Além disso, causa estranheza que
os pés de Benedito não sejam belos, quando antes se afirmou que as suas meias
“enternecem a quem quer que as veja!”.
Em sua composição, Eduardo Guimarães Álvares valoriza a surpresa
causada pelo adjetivo “feios”, colocando grande ênfase nos “pés de Benedito” e
fazendo com que o momento no qual se pronuncia o referido termo soe como um
anticlímax. Assim, a cantora por duas vezes diz “Os Pés”, na primeira vez
empregando a voz falada e na segunda iniciando uma frase cantada que atinge a
mais longa e mais aguda nota vocal da Ode a Benedito até esse ponto, o Mi bemol
(ver Figura 2). Tal nota soa ao mesmo tempo em que todos os instrumentos que
participam dessa peça (clarinete em mi bemol, trombone e percussão) executam
frases formadas por notas rápidas, ao mesmo tempo utilizando grande extensão do
campo de tessitura. A densidade da escrita instrumental dessa passagem também
se reflete no aspecto harmônico, pois a reunião das classes de altura executadas
pela voz e pelos instrumentos nesse compasso 168 resulta no total cromático.
Quando no compasso seguinte se canta “são feios” todos os instrumentos silenciam,
gerando o já mencionado anticlímax. Aqui é necessário um parêntese para explicar o
conceito de classes de altura. Quando se fala em classe de altura, está se referindo
a uma nota independentemente da oitava em que ocorre e ao mesmo tempo, para
fins analíticos, notas enarmônicas estão sendo consideradas como pertencentes a
uma mesma classe de equivalência, de maneira que
“Mi sustenido seja o mesmo que Fá ou Sol dobrado bemol, por exemplo. [...]
Como consequência da equivalência de oitava e da equivalência
enarmônica qualquer altura [do sistema temperado] pertence a uma e
apenas uma de 12 classes de altura distintas” (FORTE, 1973: p. 2).

Nos dois últimos versos, entretanto, o eu-lírico se dirige de maneira terna


a Benedito, empregando a segunda pessoa do singular, e ainda utilizando o
pronome possessivo com conotação afetiva, tratando-o por “meu Benedito”. Quando
o eu-lírico adota um tom mais afetuoso, a escrita vocal se torna mais cantabile, o
que se percebe não apenas pela instrução singing, como também pelas frases
melódicas de tessitura mais ampla, nas quais as notas mais agudas se prolongam.
Tal característica da linha vocal pode ser observada na Figura 2 (na frase “Que
falácia”) e na figura 3 (na frase “quando tu és o corpo”).
Há ainda uma relação formal entre música e texto, que consiste na
recorrência de elementos do início da peça em seu final. No caso do poema, o
primeiro e o último verso do poema terminam de maneira similar: “é(s) o corpo mais
bonito!”. No caso da composição musical, o último verso é acompanhado por frases
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do clarinete em mi bemol que haviam aparecido por ocasião do primeiro verso,


inclusive com as mesmas alturas e com ritmo similar (ver Figuras 1 e 3). Além disso,
o conjunto não-ordenado formado pelas classes de altura da frase inicial da voz
(“Seu corpo, Benedito”) é novamente empregado pela linha vocal da primeira frase
do último verso (“quando tu és o corpo”), apenas se acrescentando uma nova classe
de altura (o Dó), ainda que a ordenação e o desenho melódico formados por tal
conjunto de classes de altura sejam aqui bem diferentes do que no início. Conforme
João Pedro de Oliveira, em livro no qual aborda a Teoria dos Conjuntos de Allen
Forte (além de outros desenvolvimentos teórico-analíticos posteriores),

“Um conjunto não-ordenado é constituído por qualquer coleção de


elementos pertencentes ao conjunto universal S [conjunto formado pelas 12
classes de altura da escala cromática], sem atender à sua ordenação
específica na textura musical. [...] Qualquer conjunto não ordenado tem uma
identidade sonora própria, que é definida pelas notas que o compõem e
pelos intervalos que elas formam, independentemente da sua disposição no
contexto musical. [...] É evidente que, ao reduzir-se uma superfície musical
a um conjunto abstrato de elementos, deixou de se considerar certas
características sonoras (ordem das notas, tessitura, registro, dinâmica,
orquestração, etc.), que poderão ser pertinentes para a coerência da obra”
(OLIVEIRA, 2007: p. 43).

Em termos de estrutura musical também pode ser observado um nexo


entre a frase inicial da voz e a frase do clarinete em mi bemol que lhe precede (ver
Figura 1). Assim, em se pensando em classes de altura e sem considerar os
elementos rítmicos, se percebe que as notas da primeira frase vocal são uma
transposição exata da frase do clarinete em mi bemol, mantendo inclusive a sua
ordenação. Apesar disso, a maneira diversa como as frases são dispostas em
termos de ritmo e distribuição no campo de tessitura faz com que elas soem
bastante diferentes entre si, gerando simultaneamente um contraste de perfil rítmico-
melódico e uma similaridade intervalar.

3. Conclusão

Pela análise realizada acima é possível concluir que, ao musicar o poema


Ode a Benedito de Alícia Duarte Penna, o compositor Eduardo Guimarães Álvares
se mostrou sensível à seleção de palavras realizada pela poetisa, por exemplo,
colocando em relevo a surpresa gerada pelo adjetivo “feios”. Ao mesmo tempo, ele
cuidou da estrutura musical de sua composição, utilizando similaridades entre
diversas passagens da peça e relações motívico-intervalares.

Referências:

ÁLVARES, Eduardo Guimarães. Pétala Petulância. Belo Horizonte. Partitura


manuscrita, 1991/1992.
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DANUSER, Hermann. Das Ensemblelied. In: DANUSER, Hermann (Hg.)


Musikalische Lyrik: Teil 2: Vom 19. Jahrhundert bis zur Gegenwart:
Auβereuropäische Perspektiven. Laaber: Laaber Verlag, 2004. p. 181-196. .

FORTE, Allen. The Structure of Atonal Music. New Haven and London: Yale
University Press, 1973.

GRIFFITHS, Graham (regente); Grupo Novo Horizonte; HERR, Martha; RICCITELLI,


Cláudia (sopranos): Brazil! New music! – Vol. 1: Obras de Sílvio Ferraz, Roberto
Vicotorio, Eduardo Guimarães Álvares. Santo André: Estúdio Camerati, 1993.

GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons, Ritmos. 13ª Edição. São Paulo: Editora Ática,
2001.

MOTTE, Diether de la. Musikalische Analyse. Kassel: Bärenreiter, 1968.

LEWIN, David. Studies in Music with Text. New York: Oxford University Press, 2006.

OLIVEIRA, João Pedro Paiva de. Teoria Analítica da Música do Século XX. 2a
Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2007.

PENNA, Alícia Duarte; VITORINO, Júlio Cesar. Duo Terno e Gravata. Belo
Horizonte: [s.n.], 198?.

TAVARES, Hênio Último da Cunha. Teoria Literária. 10a Edição. Belo Horizonte: Villa
Rica Editoras Reunidas, 1991.
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Figura 1: Compassos 146-148 da obra Pétala Petulância de Eduardo Guimarães Álvares (movimento
Ode a Benedito).
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Figura 2: Compassos 165-172 da obra Pétala Petulância de Eduardo Guimarães Álvares (movimento
Ode a Benedito).
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Figura 3: Compassos 175-179 da obra Pétala Petulância de Eduardo Guimarães Álvares (movimento
Ode a Benedito).
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Webern durch Stockhausen: a estética da Momentform aplicada ao


Opus 11/3

Felipe de Almeida Ribeiro


Unespar/Embap – feliperibeiro@feliperibeiro.org

Resumo: o presente ensaio propõe uma análise estética e formal da obra Opus 11/3
(1914) de Anton Webern (1883-1945) sob a ótica da Momentform encontrada em obras
como Kontakte (1958-60) de Karlheinz Stockhausen – conceito e peça elaborados na
década de 1950 pelo mesmo.

Palavras-chave: Momentform. Webern. Stockhausen.

Webern durch Stockhausen: Momentform aesthetic in Opus 11/3

Abstract: the following essay presents a formal and aesthetic analysis of Anton
Webern’s Opus 11/3 (1914) through Karlheinz Stockhausen’s Momentform theory, which
can be found in works such as Kontakte (1958-60) – both piece and concept developed
during the 1950s.

Keywords: Momentform. Webern. Stockhausen.

1. Problemática

A obra opus 11 de Webern, composta em 1914, é constituída de três


miniaturas: Mäßige, Sehr bewegt, Äußerst ruhig. A terceira peça – Äußerst ruhig
(muito tranquilo)–, objeto de estudo deste ensaio, apresenta dez compassos com
uma duração total aproximada de 50 segundos (Figura 1).

Figura 1. Partitura completa do Opus 11/3 de Webern.

A questão principal que será tratada neste ensaio é a estrutura desta


miniatura enquanto obra musical autônoma. É importante salientar a natureza desta
análise: um ensaio. Isto é, serão levantadas aqui diferentes abordagens dos
modelos já consolidados da música da primeira metade do século XX, como

1
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dodecafonismo, serialismo ou modalismo. Serão apresentadas soluções de análise


que apontem possibilidades, novas perspectivas, mas não necessariamente que
esgotem e/ou estabeleçam um novo modelo – o que banalizaria a obra em questão.
Assim como outras miniaturas, essa peça nos apresenta o desafio de extrair no
pouco apresentado materiais suficientes para traçarmos uma atmosfera, um mundo.
Há aqui uma grande responsabilidade envolvida. Este material escasso dificulta a
tomada de decisões por justamente não ocorrer com frequência – não há padrões de
repetição claros. Por outro lado, o pouco que nos é oferecido é tudo o que foi dito –
não há espaço para especulações.
Reforçando a ideia de uma peça volátil, Christopher Wintle nos alerta do
caráter experimental desta obra: “técnicas serão discutidas aqui na qual foram
previamente associadas exclusivamente com sua música mais tarde, embora elas
operam aqui de uma maneira experimental e imperfeitamente realizadas” (WINTLE,
1975: 166). Nosso objetivo maior é o de apresentar uma possível maneira de
abordar essa obra, mesmo num terreno incerto como aponta Wintle. Para isso,
partiremos da teoria da Momentform de Karlheinz Stockhausen (1928-2007)
utilizando como referencial a obra Kontakte de 1958-60. O conceito de Momentform
concentra-se em uma percepção formal diferente daquela herdada pela música
tonal. Ela propõe uma expectativa diferente. A questão principal que emerge deste
conceito é um repensar da função do material e da forma musical. A questão não é
mais de sujeito enquanto substantivo, mas do sim do sujeito enquanto verbo. Em
outras palavras, a forma-momento se concentra na ação dos materiais sônicos
enquanto entidades independentes de um contexto global. Como estratégia para
ilustrar essas ideias, analisemos o início de Klavierstück IX de Stockhausen (Figura
2):

Figura 2. Klavierstück IX

O gesto inicial desta peça é talvez um dos mais marcantes na literatura de


piano moderno e contemporâneo. As questões que levantamos aqui são: o que

2
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

determina a duração desta ideia musical? E o que define o que sucede ou


antecede? Assim como Gérard Grisey (1946-1998) afirmou em relação ao
espectralismo que não se tratava de um sistema que considerava os sons como
objetos mortos, mas sim como entidades vivas com nascimento, vida e morte
(GRISEY, 1996), o mesmo pode ser afirmado para a teoria da momentform. É muito
mais uma questão de atitude do que necessariamente de um apanhado de técnicas.

2. Momentform

A ideia de Momentform foi elaborada e desenvolvida por Stockhausen em


função de suas críticas ao sistema artístico e cultural Romântico de prática musical
herdado por seus contemporâneos. De acordo com o próprio compositor, esse perfil
não supria mais as necessidades da música moderna. Segundo o compositor e
musicólogo Gustavo Alfaix Assis:

O conceito de forma-momento, Momentform, (…) é caracterizado pelo


compositor como a unidade mínima de percepção da forma. A forma-
momento alcança um nível mais aprofundado de amadurecimento em
Kontakte, para sons eletrônicos, piano e percussão, composta entre os
anos de 1958 e 1960. (ASSIS, 2011: 26)

Ideias e conceitos, como forma e temporalidade, não se adequavam mais às


propostas que emergiram da música tonal. Stockhausen propôs uma libertação
desses paradigmas:

“(...) os concertos seriam realizados ininterruptamente da mesma maneira


que são realizadas algumas performances de cinema, (...) a apresentação
não teria começo nem fim, e o público poderia chegar ou partir da maneira
que desejasse.” (STOCKHAUSEN in HEIKINHEIMO, 1972: 119).

Isto tudo não surgiu somente de um insight do compositor. Esta é uma tendência
que vem se desenvolvendo desde o período romântico tardio até Stockhausen:
Debussy (1862-1918) com a expansão temporal utilizada em La mer, Wagner (1813-
1883) em Parsifal, Schönberg (1874-1951) em Moses und Aron, assim como o
próprio Webern – mesmo em suas miniaturas. A reflexão gerada por estes
compositores, além de muitos outros, levou a um imenso desenvolvimento da
temporalidade atingindo seu cume com a forma-momento de Stockhausen,
principalmente na obra Kontakte de 1958-60. Richard Toop (2005) define
Momentform como uma forma de escuta que se concentra no presente, no agora,
sem necessariamente criar materiais sonoros que dependam de um antes ou que
indiquem um depois. Ainda segundo Toop, na forma-momento existe uma

3
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

preocupação maior com a combinação interna dos elementos do que


necessariamente com uma direcionalidade global e/ou seccional.
A teoria da forma-momento não é apenas um repensar de como uma peça
pode ser organizada formalmente. É uma proposta de repensar a escuta musical
como um todo. Em 1951, em um evento dos cursos de férias de Darmstadt,
Stockhausen e Theodor Adorno travaram uma discussão acerca do problema da
escuta:

[Karel] Goeyvaerts e eu tocamos sua sonata para piano. [...] A peça foi
violentamente atacada por Theodor Adorno. [...] Ele criticou essa peça (...)
dizendo que era absurda [...]. Adorno não a entendia de maneira alguma.
Ele disse, não há trabalho motívico. Então eu levantei [...] e defendi esta
peça [...]. Eu disse, mas Professor, você está procurando por uma galinha
em uma pintura abstrata. (STOCKHAUSEN, 2000: 36)

O humor de Stockhausen, assim como a suposta resistência de Adorno, provam


esse choque de épocas, da herança romântica ainda presente no século XX e da
emancipação estética pós-1945. Partindo deste episódio conflituoso, Stockhausen
fala da obtenção desta suposta independência: “Para que tal ênfase seja criada,
cada momento composicional deve ser auto suficiente na sua construção, sendo que
cada um de seus elementos musicais dependa apenas um do outro dentro do
contexto temporal imediato.” (TOOP, 2005)
A figura 3 apresenta um exemplo de auto suficiência em Kontakte, mais
especificamente o momento XIIIc:

Figura 3. Momento XIIIc de Kontakte

4
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O trecho, com aproximadamente 45 segundos, nos mostra um outro fator importante


da forma-momento. Ela não alveja atingir um clímax no sentido global. Ela não
prepara o ouvinte para a expectativa do clímax. São ideias, complexos sonoros que
afetam a direção da peça localmente, não restringindo a ideia local à construção
global. Não palavras de Stockhausen: “não há necessidade de ouvir Kontakte de
uma vez, pois seus momentos são independentes e não é requerido do ouvinte
seguir a progressão da composição junto à linha de desenvolvimento”
(STOCKHAUSEN in SEPPO, 1972: 119). Finalizando, Stockhausen afirma ainda que
o critério essencial da forma-momento é o domínio de uma ideia fundamental dentro
de cada momento em questão.

3. Análise

A seguinte análise pretende realizar uma leitura do opus 11/3 usando como
filtro/ferramenta analítica as teorias de Stockhausen sobre momentform. Importante
frisar que o objetivo aqui não é de localizar similaridades técnicas e/ou gestuais
simplesmente, mas sim de verificar que a teoria por trás de Kontakte acha vida em
outros contextos também.
A primeira estratégia de análise deste ensaio foi de explorar o opus 11/3
enquanto excerto de Kontakte; ou seja, buscar na obra elementos fundamentais à
teoria da momentform. Em uma análise elementar desta peça, pode-se chegar a
seguinte conclusão: o primeiro “momento” (compassos 1-3) apresenta um envelope
dinâmico acentuado no início e seguido de uma cauda de ressonância. O segundo
momento (compassos 3-6) é um pequeno discurso contrapontístico, enquanto que o
terceiro (compassos 7-10) possui uma característica mais espectral: violoncelo
ressoa harmônicos de um material oriundo do piano. O silêncio entre cada momento
colabora para que o ouvinte segmente o trecho como três ideias distintas (Figura 4).

Figura 4 – Possíveis momentos em opus 11/3

5
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Os três recortes acima apontam possíveis momentos: são todos autossuficientes e


ao mesmo tempo todos com características diferentes. Por serem independentes,
não há necessariamente uma linearidade pré-definida, assim como aquela que
encontramos em algumas progressões harmônicas dentro da música tonal. Por
exemplo, é esperado que uma Sonata Clássica siga o desenvolvimento tradicional
de exposição (tônica), desenvolvimento (dominante), recapitulação (tônica). Nessa
música, a estrutura formal e harmônica é extremamente dependente de uma certa
temporalidade. Na miniatura de Webern, por outro lado, isso não ocorre da mesma
forma. Por mais sentido que a peça faça na sequência em que é apresentada, não
se pode negar a possibilidade da obra poder existir com permutações temporais
diferentes: ao invés de momento I, II e III, poderia se imaginar um momento II, I e III,
ou ainda III, II e I.
Como o próprio Stockhausen já afirmou, alguns momentos podem ser
constituídos de outros momentos menores, internos. No nosso caso, podemos
localizar um certo padrão na organização formal em relação à estrutura intervalar
dos grupos de notas (Figura 5).

Figura 5 – Agregados de momentos em opus 11/3

Emprestando o jargão da set theory (teoria dos conjuntos), a ilustração acima aponta
relações intervalares e tendências gestuais muito semelhantes e simétricas no
contexto global. Momento I e III, por exemplo, apresentam uma certa característica
comum separadas apenas pelo Momento II, esta enquanto estrutura contrastante.
Verifiquemos agora, em uma investigação mais comparativa, dois momentos
simultaneamente – um do opus 11/3 e outro de Kontakte (Figura 6).

6
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Figura 6 – Comparação de momento 1 (opus 11/3) com momento XIIIc (Kontakte)

Tanto um quanto outro apresentam envelope dinâmico de grande similaridade:


ambos apresentam um envelope em forma de arco (crescendo, ataque “explosão”,
decaimento).
O momento 2 do opus 11/3 em contraponto com um recorte do IF de Kontakte
(Figura 7) , assim como momento 3 com momento II (Figura 8), apresentam
encontros e similaridades no âmbito contrapontístico e polifônico.

Figura 7 – Comparação de momento 2 (opus 11/3) com momento IF (Kontakte)

7
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Figura 8 – Comparação de momento 3 (opus 11/3) com momento II (Kontakte)

Novamente, o intuito aqui não é decifrar algum tipo de mensagem comum a ambas
peças, assim como funcionam os Códigos do Torá (mensagens ocultas
supostamente inseridas na bíblia). Não, a concepção desta análise é a de entender
a momentform enquanto um conceito mais amplo, não restrito à obra de
Stockhausen somente e sim como um posicionamento, uma atitude, que possa
ressoar com obras de muitos outros compositores.

4. Conclusão

Mais do que altura e ritmo, a música no séc. XX e XXI emancipou a noção de


tempo, afetando principalmente a estrutura formal das obras. Stockhausen foi um
dos primeiros a escrever sobre isso de uma maneira sistemática e a aplicar o
conceito em suas obras, especialmente em Kontakte. É importante justificar a
escolha da Momentform enquanto ferramenta analítica para o objeto de estudo
desse ensaio: opus 11/3 de Anton Webern. É um conceito que valoriza o gestual
como princípio elementar, trabalhando com relações comparativas e referenciais que
afetam de uma maneira incisiva a estrutura formal e temporal de uma peça. Assim
como Klavierstück III de Stockhausen, o Opus 11/3 no auge de seus quase 100 anos
(1914-2014) ainda nos apresenta uma estrutura volátil; uma obra com um alto
potencial narrativo, isto é, apresenta-se como uma peça extremamente orgânica que
não sintoniza com uma análise fria e instantânea, e nem permite uma conclusão de

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ideias. Ela proporciona uma atmosfera extremamente criativa e ao mesmo tempo


misteriosa. Citando Stockhausen, em referência a Theodor Adorno, “Uma pessoa
criativa fica sempre estimulada quando acontece algo que não consegue explicar
(…)” (STOCKHAUSEN, 2000: 36). É com esse espírito que finalizo este ensaio,
sabendo “(…) pensar com as emoções e sentir com o pensamento; não desejar
muito senão com a imaginação (…).” (Pessoa, 2006: 151)

Referências

ASSIS, Gustavo Oliveira Alfaix. Em busca do som – A música de Karlheinz


Stockhausen nos anos 1950. São Paulo: Editora UNESP, 2011.

GRISEY, Gérard; BUNDLER, David. An interview with Gérard Grisey. 1996.


Disponível em ≤http://www.angelfire.com/music2/davidbundler/grisey.html≥.
03/12/2013.

HEIKINHEIMO, Seppo. The Electronic Music of Karlheinz Stockhausen: Studies on


the Esthetical and Formal Problems of Its First Phase. Helsinki: Suomen
Musiikkitieteellinen Seura, 1972.

PESSOA, Fernando. O livro do desassossego. São Paulo: Companhia das Letras,


2006.

STOCKHAUSEN, Karlheinz. Kontakte. Partitura. Londres: Universal Edition, 1966.

______________________ Stockhausen on Music. Compiled by Robin Maconie.


Marion Boyars Publishers Ltd, 2000.

TOOP, Richard. Six Lectures from the Stockhausen Courses Kurten 2002. Kurten:
Stockhausen-Verlag, 2005.

WEBERN, Anton. Opus 11/3. Wien: Universal Edition, 1924. Partitura.

WINTLE, Christopher. An Early Version of Derivation: Webern's Op. 11/3.


Perspectives of New Music, Vol. 13, No. 2 (Spring - Summer, 1975), pp. 166-177

9
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Intertextualidade em música: presença de uma citação literal na


Ária (Cantiga) da Bachianas Brasileiras n.4, de Heitor Villa-Lobos

MODALIDADE: Teoria e Análise Musical

Ana Carolina Manfrinato


Universidade Federal do Paraná – carolmanfrinato@gmail.com

Resumo: Com este trabalho, através de elementos musicais relevantes que pudessem ser
comparados entre si, teve-se a intenção de mostrar as referências feitas à obra de J. S. Bach,
à estética barroca e à música popular do Brasil do início do século XX presente na Bachianas
1
Brasileiras n. 4, de Heitor Villa-Lobos. Para isso, esta pesquisa foi baseada em conceitos e
definições da intertextualidade atrelada a estudos tradicionais de análise musical. Após sua
concretização, constatou-se a presença de uma citação literal de outra obra composta pelo
próprio Villa-Lobos: a canção Itabaiana que está presente no terceiro movimento, Ária
(Cantiga).

Palavras-chave: Bachianas Brasileiras. Itabaiana. Villa-Lobos. Intertextualidade em Música.


Citações em Música.

Music intertextuality: citation on the Ária (Cantiga) of Bachianas Brasileiras,


by Heitor Villa-Lobos

Abstract: Through relevant musical elements that could be compared, had become intent
showing references to the work of J. S. Bach, the Baroque aesthetic and popular music of
Brazil from the early twentieth century on the Bachianas Brasileiras no. 4, Heitor Villa-Lobos.
To this end, this research was based on intertextuality concepts linked to traditional studies of
musical analysis. After their completion, the presence of a literal citation from another work
composed by Villa-Lobos was noted: the Itabaiana song that is present in the third movement,
Ária (Cantiga).

Keywords: Bachianas Brasileiras. Itabaiana. Villa-Lobos. Intertextuality in Music. Music


citations.

Terceiro movimento da Bachianas Brasileiras n.4, a Ária (Cantiga), de 1935,


é dedicada a Sylvio Salema, cantor que trabalhava para Villa-Lobos como intérprete
desde a década de 1910. Assim, em 1932, esse cantor foi designado pela
Superintendência de Educação Artística e Musical – SEMA, como assistente técnico
de Villa-Lobos e professor de canto orfeônico.
Segundo o catálogo digital atualizado em 2009: Villa-Lobos: sua obra, a
canção Itabaiana2, de 1935, integra o ciclo de Canções Típicas Brasileiras,
composto por treze canções baseadas no folclore brasileiro. Entretanto, três delas
não foram impressas no ciclo, inclusive a Itabaiana que, de acordo com o referido
catálogo, foi baseada de um tema sertanejo de origem indígena da Paraíba, que é Ó
mana deix’eu ir3.
A Ária (Cantiga), por sua vez, é composta em forma ternária ABA com
introdução, coda e codeta. A seção A também é o tema Ó mana deix’eu ir; a seção
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B é um desenvolvimento feito através da variação desse tema e o A que retorna é


idêntico ao A da exposição. A coda também é uma variação do mesmo tema. A
seção A é composta por 32 compassos, correspondentes aos 32 compassos de
canto da Itabaiana. Por isso, aqui se constata uma citação literal. Na Ária (Cantiga),
Villa-Lobos utiliza a mesma distribuição de vozes de Itabaiana, além de que
tonalidade e fórmula de compasso persistem idênticas. Pode-se comparar os
exemplos 1 e 2, em que somente as notas circuladas na Ária são acréscimos ou
sofreram alterações em relação a Itabaiana. Em geral, tais notas são alteradas para
preencher a harmonia. Para não se perder na comparação, é necessário atentar-se
ao ritornello do exemplo 2.
Por essas razões, fica-nos a impressão de que a Ária (Cantiga) foi criada a
partir de Itabaiana, visto que a seção B da Ária é um desenvolvimento trabalhado
desse tema; enquanto que em Itabaiana, após apresentar o tema, a peça é
encerrada com uma pequena coda executada ao piano. Dessa maneira,
comparando-se as partituras, verifica-se a inserção literal de Itabaiana na Ária
(Cantiga).
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Exemplo 1: Tema Ó mana deix’eu ir presente na Ària- (Cantiga), c. 1- 24.


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Exemplo 2: Tema Ó mana deix’eu ir presente em Itabaiana, c. 1- 16.


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Sobre citação, Gouvêa (2007: 60-62) afirma que ela é uma das formas de
intertextualidade. Ela traz um trecho, ou mesmo trechos, de outros textos
incorporados ao novo texto. Tais trechos podem ou não ser cópias literais; em geral,
as citações tendem a levar o receptor do novo texto a se reportar ao anterior, caso
este conheça. Para Zani (2003: 123), “a citação firma-se por mostrar a relação
discursiva explicitamente e todo o discurso citado é, basicamente, um elemento
dentro de outro já existente”. Ou seja, a citação é uma maneira evidente de
intertextualidade. Entretanto, uma consideração importante de Sant'Anna deve ser
aproveitada: a intertextualidade é um fenômeno que depende do receptor (leitor,
ouvinte ou apreciador). Se o receptor não tiver a informação a priori, não
reconhecerá o texto original; logo, não poderá apreciar um recurso intertextual como
tal (NOGUEIRA, 2003: 4). Todavia, nessa peça, nota-se algumas peculiaridades em
relação aos elementos extramusicais que corroboram para a percepção dessa
intertextualidade. O nome do movimento, Ária (Cantiga), tem relação com o que, de
fato, o movimento é: uma cantiga, Ó mana deix’eu ir, disposta em forma de ária da
capo4. Outro aspecto a se ressaltar é para quem esse movimento foi dedicado; todos
os movimentos da versão original5 da Bachianas Brasileiras n.4 são para piano e
foram dedicados a pianistas; entretanto, esse movimento que faz referência a uma
canção, embora seja para piano, é o único que fora dedicado a um cantor, Sylvio
Salema.

Referências

GOUVÊA, Maria Aparecida Rocha. O Princípio da Intertextualidade Como Fator de


Textualidade. Cadernos UniFOA, Volta Redonda, ano II- n. 4, p.57-63, agosto 2007.

MANFRINATO, Ana Carolina. Bachianas Brasileiras n.4, de Heitor Villa-Lobos: um


estudo de intertextualidade. Curitiba, 2013. 110f. Dissertação (Mestrado em Música).
Universidade federal do Paraná.

NÓBREGA, Adhemar. As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. 2.ed., Rio de


Janeiro: Museu Villa-Lobos, 1976.

NOGUEIRA, Ilza. A Estética intertextual na Música Contemporânea: Considerações


Estilísticas. Brasiliana. Revista da Acadêmia Brasileira de Música, Rio de Janeiro, n.
13, p.2-12, jan. 2003.
86
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VILLA-LOBOS, SUA OBRA. Catálogo. Versão 1.0 baseada na versão de 1989.


Museu Villa-Lobos, 2009. Disponível em:
<http://www.museuvillalobos.org.br/bancodad/VLSO_1.0.pdf> Acesso em:
25/02/2012.

ZANI, Ricardo. Intertextualidade: considerações em torno do dialogismo. Em


Questão, Porto Alegre, v. 9, n.1, p.121-132, jan./jun. 2003.

1
Este artigo é excerto da minha dissertação de mestrado: Bachianas Brasileiras n.4, de Heitor Villa-
Lobos: um estudo de intertextualidade.
2
Ou Itabayana, como está no manuscrito de autoria não identificada fornecido, gentilmente, pelo
Museu Villa-Lobos. O manuscrito é dedicado a Sylvio Salema, assim como o terceiro movimento da
Bachianas Brasileiras n.4. Entretanto, Nóbrega (1976, p.73) informa que José Vieira Brandão tem
uma peça coral também denominada Itabaiana e baseada no mesmo tema Ó mana deix’eu ir. Apesar
da insistente procura, não foi encontrada nenhuma versão impressa de Itabaiana durante a realização
desta pesquisa.
3
Na pesquisa feita, não foram encontrados registros dessa canção anteriores a Villa-Lobos.
Posteriormente, entretanto, Ó mana deix’eu ir também é conhecida pelo nome de Caicó- (Cantiga)
devido a uma gravação no CD Sentinela de Milton Nascimento em 1980 e depois regravada pela
dupla Pena Branca e Xavantinho e também por Ney Matogrosso. Além disso, há a utilização do refrão
de Ó mana deix’eu ir pelo cantor e compositor pernambucano Alceu Valença na canção Porto da
Saudade de 1981 e esse mesmo refrão reaparece em uma canção interpretada por dois grupos de
forró, um cearense e outro baiano, intitulada Forrobodó, na qual introduzem esse refrão numa
espécie de “algo comum” que dá familiaridade ao regionalismo da canção.
4
Forma musical de ária em que há uma seção A, uma seção B contrastante e a repetição de A.
5
Posteriormente, em 1942, o próprio Villa-Lobos a orquestrou.
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Dualismo harmônico: uma revisão bibliográfica

MODALIDADE: Resumo expandido (apresentação oral)

Diego Borges
Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) - carta.social@yahoo.com.br

Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas


Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) – sergio.freitas@udesc.br

Palavras-chave: Dualismo harmônico. Harmonia tonal. Teoria musical.

A relação “maior-menor” faz parte do longo processo histórico, artístico e


cultural da música ocidental. Ela pode ser vista, ainda que com várias caras, em
grande parte do repertório e nos livros didáticos de teoria musical. Mas a balança
não é tão equilibrada: a sonoridade mais “consoante” da tríade maior, afiançada pela
série harmônica, e o emprego da nota sensível no modo menor pesam para o lado
do primeiro; mesmo assim, o sucesso do modo menor na prática musical é capaz
nos fazer duvidar até da mais científica das leis acústicas. De fato, alguns teóricos
desconfiaram desse desequilíbrio propondo uma visão de igual importância entre os
dois modos, que, genericamente, é conhecida como “dualismo harmônico” (também
referida como: dualismo ou bipolarismo tonal, série harmônica descendente ou
invertida, ressonância inferior, harmônicos inferiores, etc). Na teoria musical
corrente, podem ser encontrados resquícios dessa visão no vocabulário da harmonia
funcional, mas é possível notar que muito já se perdeu. A partir daí, algumas
questões podem ser levantadas: O que é dualismo harmônico? Qual é o percurso
histórico desse conceito e quem são seus principais teóricos e obras? Quais são as
críticas dirigidas ao dualismo harmônico e que podem ter causado seu abandono?
Como estão hoje as pesquisas sobre dualismo harmônico? Ainda existem traços do
dualismo harmônico no ensino de teoria musical corrente e quais são eles?
O alvo central da presente pesquisa é reunir informações básicas sobre
dualismo harmônico e sua trajetória ao longo da história. Especificamente, busca-se
organizar dados sobre as concepções mais representativas, confrontando
argumentos e contra-argumentos. O método escolhido foi a revisão bibliográfica,
que, segundo Gonçalves (2005, p.58), “consiste em um levantamento do que existe
sobre um assunto e em conhecer seus autores” e a “verificação do que já se
produziu e publicou até o momento sobre o assunto”. O tema tem reaparecido nas
pesquisas em teoria musical no âmbito internacional basicamente sob duas formas:
direta, envolvendo a disparidade entre a aceitação musical do modo menor e sua
justificação na teoria; e indireta, contido na origem da harmonia funcional, mas não
propriamente declarado e reconhecido em sua forma atual. Através de levantamento
preliminar e da notória vigência das teses da harmonia funcional em programas de
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ensino musical no Brasil, percebe-se a validade de uma revisão que, de forma


acessível, reavalie criticamente informações e referências. Tal revisão pode também
ampliar o senso crítico sobre concepções do que é o natural em harmonia e sobre a
justificação das práticas teóricas em termos científicos, racionais e numéricos.
Em síntese, três trabalhos fundamentam esta pesquisa. Em cada um
deles, a definição de dualismo harmônico se encontra nos primeiros parágrafos.
Mickelsen (1977, p.3) introduz a noção: “[...] significa que as tonalidades maior e
menor, enquanto de valor perfeitamente igual, são uma a antítese da outra e
evoluem de fontes exatamente opostas”. Segundo Jorgenson (1963, p.31), essa
“teoria é quase tão velha quanto a primazia do sistema de dois modos maior-menor
e é fundada na crença de que, como se supõe que as tríades maior e menor
produzam efeitos psicológicos opostos no ouvinte, elas devem então basear-se em
princípios opostos.” Já para Snyder (1980, p.45): “dualismo harmônico pode ser
definido como uma escola de pensamento teórico musical que sustenta que a tríade
menor tem uma origem natural diferente daquela da maior, mas de igual validade”. A
sutil discordância reflete a gradação da igualdade entre os dois modos na concepção
dos dualistas.
Princípios duais antecedem a consolidação da tonalidade harmônica.
Gioseffo Zarlino, em Le Istituzione Harmoniche (1558), aponta a proporção
1:2:3:4:5:6, conhecida como número senario, como fonte de todas as consonâncias,
extraindo as duas espécies de tríades perfeitas da divisão harmônica ou aritmética.
Diferente dos próximos dualistas, Zarlino considerava o modo menor “contrário à
natureza, de sonoridade lamuriosa” (cf. JORGENSON, 1963, p.33). Na era tonal, o
caso de Jean-Philippe Rameau é especial: apesar de ter explorado a ideia da co-
vibração de cordas mais graves para gerar a harmonia menor em Génération
Harmonique (1737), ele a descartou por influência de D’Alembert, chegando a ser
excluído da lista de dualistas. Com sua interpretação da natureza do corps sonore e
do baixo fundamental, Rameau teve papel decisivo no desenvolvimento da teoria
dualista e, ao mesmo tempo, em sua crise. Giuseppe Tartini, no Trattato di Musica
(1754), ainda utiliza as divisões harmônica e aritmética como Zarlino, mas busca
uma explicação acústica para a harmonia menor à maneira de Rameau. O
dispositivo encontrado foi o chamado terzo suono ou som de combinação. A partir da
nota dó no grave, ao dispor os intervalos na ordem do senario, com a adição da
proporção 6:7, Tartini justifica a formação descendente da tríade de fá menor.
Na Alemanha romântica, Moritz Hauptmann, possivelmente influenciado
por Goethe, agrega às explicações acústicas uma abordagem filosófica
parafraseando o modelo dialético hegeliano, em Natur der Harmonik und der Metrik
(1853), conforme Snyder (1980, p. 47-48), como “unidade, dualidade e união”. Para
Hauptmann, a formação da tríade maior ou menor depende da direção: se a primeira
89
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nota “tem” uma quinta e uma terça (relação ascendente) ou se ela “é” uma quinta e
uma terça (relação descendente). Arthur von Oettingen cria nova terminologia para
ressaltar a simetria entre os modos. Em Harmoniesystem in dualer Entwicklung
(1866), Oettingen desenvolve um princípio “dual” para a harmonia: a propriedade de
se ter uma nota fundamental comum (Tonicität) é contrastada com a propriedade de
se ter um harmônico comum (Phonicität). Este princípio é estendido a escalas e
funções harmônicas, as quais são inspiração para o próximo e mais conhecido
dualista. Hugo Riemann, em obras como Musikalische Logik (1874) e Natur der
Harmonik (1882), entre outras (cf. MICKELSEN, 1977, p.26-27), se apropria,
desenvolve ou reforma muitos dos conceitos anteriores, com destaque para a série
de subtons, baseada em múltiplos da corda.
Outros teóricos se aventuraram nos caminhos do dualismo: no âmbito
austro-germânico, após Riemann, destacam-se nomes como Sigfrid Kar-Elert,
Hermann Erpf e Sven Emanuel Svensson. Na França, o dualismo foi abordado por
autores de prestígio como Vincent d’Indy e Edmond Costère. No Cours de
Composition Musicale (1912), D’Indy trata do conceito dual de résonnance
supérieure et inférieure estendendo-o até a harmonia. Costère levou o princípio de
inversão de D’Indy para a microtonalidade em Lois et Styles des Harmonies
Musicales (1954).
De forma geral, críticas dirigidas ao dualismo estão relacionadas ao
questionamento da necessidade de validação científica para a música, à validade
acústica dos subtons, à estruturação descendente da harmonia menor, a dúvida
quanto ao título de “dualista” dado a alguns teóricos, como Zarlino e Hauptmann, e
também ao distanciamento da prática musical. Os dualistas são acusados de forçar
uma explicação natural para a harmonia menor, recorrendo a combinações
arbitrárias. Tais críticas estão ligadas à forte ideia do baixo fundamental de Rameau
como único gerador da harmonia “natural”, fazendo com que alguns dualistas
mantenham a fundamental sobre a nota mais grave mesmo na harmonia menor, e
causando discrepâncias de interpretação por parte dos monistas.
Mais recentemente, pesquisadores se propuseram a estudar, resumir,
criticar ou reforçar o dualismo harmônico. Dentre eles, incluem-se os trabalhos de
Bernstein (1993; 2006), Harrison (1994), Riley (2004), Klumpenhouwer (2006; 2011),
Rehding (2011) e Tymoczko (2011). Alguns abordam aspectos do dualismo em
pesquisas específicas sobre algum teórico, tais como Burnham (1992) e Mooney
(2000) sobre Riemann, Clark (2001) sobre Oettingen, e Moshaver (2009) sobre
Hauptmann. No Brasil, o tema perpassa trabalhos como o de Ramires (2001) sobre
Costère, Bittencourt (2009) e Taddei (2012) sobre Riemann, Freitas (2010) sobre
harmonia e Barros (2005) sobre Ernst Mahle.
90
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Até para quem não advoga o dualismo harmônico, as polêmicas ao seu


entorno são temas que continuam preocupando. Referências a outros teóricos foram
encontradas, abrindo margem para outras pesquisas para além do escopo deste
resumo. Mesmo considerando a dificuldade de um fundamento natural ou científico e
também o fato de que a própria série harmônica tenha sido um pouco “adaptada” ou
“podada”, a razão simétrica desenvolvida pelos dualistas constitui um grande
potencial estruturador das relações sonoras.

Referências:

BARROS, Guilherme Antonio Sauerbronn de. Goethe e o pensamento estético-


musical de Ernst Mahle: um estudo do conceito de harmonia. Rio de Janeiro, 2005.
Tese (Doutorado em Musicologia). UNIRIO.

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Christopher; BERNSTEIN, David W. (Ed.). Music theory and the exploration of the
past. Chicago: Chicago University Press, 1993. p. 377-­‐407.

BITTENCOURT, Marcus Alessi. Apresentação de uma reforma simbológica para a


análise harmônica funcional do repertório tonal. Anais do congresso da Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música - ANPPOM, v. 19, p. 764-770,
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theory. Music Theory Spectrum, v. 14, n. 1. p. 1-­‐14, 1992.

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Press, 2001.

COSTÈRE, Edmond. Lois et styles des harmonies musicales. Paris: Presses


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FREITAS, Sérgio Paulo Ribeiro de. Que acorde ponho aqui? Harmonia, práticas
teóricas e o estudo de planos tonais em música popular. São Paulo, 2010. Tese
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GONÇALVES, Hortência de Abreu. Manual de metodologia da pesquisa científica.


São Paulo: Avercamp, 2005.

HARRISON, Daniel. Harmonic function in chromatic music: a renewed dualist theory


and an account of its precedents. Chicago: University of Chicago Press, 1994.
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TARTINI, Giuseppe. Trattado di musica secondo la vera scienza dell’armonia.


Padua: G. Manfre, 1754.

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2011, p. 246-270.

ZARLINO, Gioseffo. Le Instituzioni Harmoniche. Veneza, 1558.


93

Composição de Música Textural Assistida por Computador


Artigo aprovado para Apresentação no Simpósio de Pesquisa em Música da
UFPR - SIMPEMUS 6

Wander Vieira Rodrigues


wv@wandervieira.mus.br

Jônatas Manzolli
jotamanzo@gmail.com

Resumo: O presente artigo apresenta um estudo sobre heurística e


formalização do processo criativo que envolve composição musical assistida por
computador e música textural. O projeto iniciou-se com uma concepção que utilizava
geometria plana para a composição de agregados sonoros, e no estágio do presente
artigo nosso enfoque está no espaço multidimensional e nos elementos musicais
dispostos em vários eixos. O artigo apresenta um projeto piloto no qual se verificam os
primeiros passos no intuito de elaborar uma ferramenta em um ambiente computacional
para dispor materiais que serão matéria prima para elaboração de texturas no contexto
de música instrumental.

Palavras-Chaves: Composição Assistida por Computador, Formalização. Música


Textural.

Computer Assisted Textural Composition


Abstract: This article presents a study on creative process that involves
computer assisted textural composition. The aim of this project is to study heuristics and
musical formalization to compose textural music, focusing on applications of projections
on a multidimensional space to design musical structures. The research intends to
elaborate strategies to develop compositional gestures and to analyze musical processes
to compose textural music. This article presents a pilot project in which the initial steps to
develop a computational tool to create textural music were tested.

Keywords: Computer Assisted Composition, Formalization, Textural Music.

Introdução.

O presente artigo pretende apresentar o estágio intermediário da pesquisa


de Doutorado que se realiza no departamento de Pós-Graduação em música
na Unicamp e no NICS (Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora). O texto
descreve os resultados de um estudo piloto no qual se utilizam algoritmos para
discriminar e categorizar os elementos musicais necessários à elaboração de
escritura musical textural.
94

Em linhas gerais, a pesquisa aqui reportada foca em estudos sobre a


formalização1 do processo criativo musical utilizando-se de parâmetros
projetados em um espaço multidimensional. O objetivo é associar os elementos
da estrutura musical como figuração rítmica, altura, articulação, dinâmica,
cortes, disposição no espaço e orquestração como parametrização para moldar
e prever o discurso sonoro.
Esse método será aplicado na elaboração da microestrutura que envolve
aspectos ligados principalmente à elaboração do que denominamos em nossa
pesquisa de “agregados sonoros”. O tratamento composicional aqui
preconizado baseia-se num processo sistemático de iteração de alturas e
ritmos superpostos formando camadas como descrito em MAIA JR. E
MANZOLLI, p.3, 2010, que em nosso estudo será expandido por meio de
outros eixos ortogonais. Este artigo faz uma abordagem sobre o
desenvolvimento de um ambiente computacional para ser utilizado em
composição assistida por computador e também numa aplicação futura da
improvisação musical como suporte para interação entre computador e violão.

Para tal, para construir um modelo no qual a composição através de


algoritmos fosse viável, foi necessário entender o processo que envolve a
escritura textural, quais os elementos estruturais estão presentes, sua
categorização e representação e como eles se relacionam em níveis de
hierarquia. Em um primeiro estágio, no intuído de explanar esse processo, é
necessária uma breve abordagem sobre esse tipo de escritura.
Nas próximas seções abordaremos de forma breve aspectos da música
textural que formam o nosso corpus de estudo seguido da seção na qual
descreveremos o modelo computacional implementado, bem como, os
resultados obtidos. Introduzimos primeiramente os fundamentos de nossa
pesquisa a partir da noção de massas sonoras apoiando nossas leituras nas
obras texturais de György Ligeti e em estudos musicológicos sobre a sua obra
(Chemellier 2001, Clendinning 1993, Bader 2003). Na próxima subseção,

                                                                                                                       
1
   
95

abordamos o conceito motriz da nossa pesquisa o qual trata da noção de


“agregados sonoros”. É esse ponto de vista composicional que nos levou a
implementar um programa piloto em Pure Data com qual geramos uma
representação de agregados sonoros que se utiliza de listas binárias, ou seja,
compostas de “zeros” e “uns”. O sistema computacional será então
apresentado na seção seguinte.

1. Referência Teórica

Faremos aqui uma rápida abordagem sobre processos texturais tratando


do aspecto microestrutural a partir de uma de nossas referências
composicionais mais importantes já citadas, György Ligeti.

1.1 Fundamentos Estruturais

Chemillier (2001) afirma que nos fins dos anos sessenta Ligeti
desenvolve uma técnica de escritura que se assemelha a estruturas próprias da
biologia, da física molecular e da matematicamente que descrevem a
evolução, multiplicação ou geração de formas por processos iterativos. Bader
(2003) já relaciona-a com a Teoria dos Fractais e com a música Amadinda
africana, além da influência dos compositores de música minimalista como
Steve Reich e Terry Riley. De forma complementar, a abordagem de
Clendinning (1993) parte do ponto de vista de que essa escritura parte do
processo que é definido como “pattern-meccanico-goup” ou “grupos de padrões
mecânicos”, que surgiu a partir das experiências de Ligeti na infância com sons
de tique-taques de relógios.
Chemillier (2001) ao descrever a escritura textural de Ligeti relaciona-a
com a textura de alguns vegetais. Para esse autor, a textura dos musgos e dos
96

líquens são bastante homogêneas, mas não são tão regulares quanto a
texturas dos cristais. Essas texturas são repletas de pequenas asperezas e
acidentes que se destacam em um contexto indiferenciável.
Em Bader (2003), esse conceito é derivado de uma estrutura rítmica
básica rápida (Grundschicht) reiterada numa sequência de pulsos regulares
não contados, mas apenas sentidos. Essa construção textural propicia a
percepção de uma camada emergente a qual é gerada por processos
assimétricos. Esses processos são reiterados em longas durações que variam
no tempo e possuem valores várias vezes menores que os do pulso. Já para
Clendinning (1993) as massas sonoras criadas por Ligeti são provenientes de
um efeito de superposição de camadas de elementos que são tratados
independentemente e nas quais nenhuma delas se destaca, há um processo
de iteração que gera micro-cânones entre as partes das camadas. Um quarto
ponto de vista é o de Roig-Francolí (1995) que expande a noção da escritura
textural de Ligeti em direção ao conceito de “net-structures”, ou estrutura de
teias.

1.2 Formulando uma Concepção.

No intuito de elaborar nosso modelo é vital estabelecer as bases para a


criação do conceito de agregado sonoro. Entendemos agregado sonoro como
uma estrutura musical composta de sons, alturas ou grãos sonoros dispostos
no tempo e em camadas sobrepostas organizadas por processos iterativos e
de forma interativa.
O agregado sonoro é formado por uma pequena célula que se multiplica
em proporção e ordem variada, criando grupos e subgrupos. Disposta em
camadas, essa célula, ou célula textural, é formada normalmente por uma
figuração rítmica rápida e de alturas que se relacionam em âmbito estreito, ou
amplo, utilizando-se de processos de expansão e contração intervalar.
Envolvendo ocultação e ressurgimento de seus elementos, pode haver perda
ou não de seu espaço, contração e expansão temporal das unidades e de cada
camada, ocorrendo processo de permutação de material entre as camadas. Há
97

vários estudos que descrevem este tipo de processo de escritura textural de


Ligeti (Chemillier (2001), Bader (2003), Clendinning (1993) e Roig-Francolí
(1995)).
A estruturação dessas camadas não pode ser cíclica ou ocorrerá a
escuta da repetição de padrões o que faz com que haja perda de resiliência da
estrutura musical. Obedecendo a esses parâmetros, o processo gerará a
formação de uma massa sonora detentora de certa plasticidade nas quais
propriedades sonoras distantes das abordas tradicionalmente passam a ter
papel mais relevante.
Na pesquisa aqui em andamento, os agregados sonoros estarão
relacionados com aspectos rítmicos, disposição das alturas, além de processos
texturais como justaposição, aglomeração, erosão e interpolação, que serão
obtidos pela interação entre dois ou mais agregados sonoros. Todos esses
mecanismos serão estabelecidos a partir de valores paramétricos os quais
determinarão o comportamento temporal dos vários elementos da estrutura
musical que poderão ser visualizados ou não por figuras geométricas
tridimensionais ou projetada no plano, como já mencionado acima.

2. Modelo Computacional

Depois de categorizar os elementos da estrutura musical textural para


criar funções e relações, realizaremos e disporemos o material sonoro
aplicando, como meio, simulações de modelos computacionais que se utilizam
de vários processos para a escolha dos materiais relacionados à construção de
agregados sonoros e sua disposição espaço-temporal. Também daremos
enfoque ao que chamaremos de transientes de decaimento e de ataques de
agregados ou cortes de agregados visando, também, ao uso desses modelos
para sua manipulação.
Com relação aos elementos sonoros que poderemos obter durante as
simulações computacionais e o conceito de multidimensão, Roads (2001)
afirma que há várias dimensões, tais como timbre, ataque, transientes e tempo
real que não são exatamente especificados pelo compositor, mas são
98

controlados pelo músico executante. Também observa que ruídos ou sons com
longas durações tendem a desaparecer da consciência do ouvinte e percebidos
novamente quando são modificados, transformados ou alocados em
terminações no discurso musical. Reside aí a justificativa da necessidade do
uso dessas simulações computacionais também para propiciar a elaboração
dos cortes ou transições dos agregados com o objetivo de proporcionar uma
escuta reiterada ao refinar-se a elaboração do material textural.
Assim, o que estamos desenvolvendo é a categorização dos elementos
da estrutura musical textural para criar funções e relações. Em seguida,
realizamos e dispomos o material sonoro através de simulações
computacionais que se utilizam de processos estocásticos2 para a escolha e
construção desses agregados sonoros, como também, sua disposição no
espaço-tempo.

2.1 Implementação do Modelo Computacional.

Após elaborarmos algumas ferramentas em ambiente interativo de


programação (e.g. Pure Data) cuja concepção está baseada nos princípios
anteriormente descritos, desenvolvemos inicialmente material computacional
para gerar o que chamamos de célula textural já anteriormente descrita. Para
isso criamos um patch onde serão geradas aleatoriamente de 1 a 16 camadas,
cada uma composta de células texturais que contêm de 1 a 9 componentes,
representadas por figuras rítmicas fixas, em um primeiro estágio, e com alguns
de seus elementos, em termo de dinâmica, acentuados.

                                                                                                                       
2
  Processos estocásticos são aqueles que têm origem em eventos não determinísticos, com origem
em eventos aleatórios.  
99

Figura 1: patch responsável pela criação das células texturais.

Na tabela abaixo, temos dois disparos3 selecionados de um total de seis,


um com 9 camadas, o primeiro “A” composta de 3, 8, 4, 6, 8, 2 e 7 elementos, e
o outro com 4 camadas, “B’ com 6, 6, 5 3 7 elementos. O número“1” aqui
representa uma semicolcheia e o “0” uma semicolcheia acentuada. Esse
material será a base que gerará o agregado sonoro a ser criado.

A B
010 011101
10001011 000110
1110 10110
101000 1110001
00010100
11
1110100
000
0
Tabela 1: disparos realizados pelo patch demonstrado na Figura 1.

O próximo passo é converter os números em estruturas musicais,


elemento básico para a construção de um agregado sonoro. Tendo como base
                                                                                                                       
3
Termo usado no Pd (Pure Data) para descrever o processo de iniciação de um patch.
100

os parâmetros estabelecidos e transpondo o que foi gerado em A e B para a


partitura teremos:

Figura 2: Material musical depois de convertido de número para elemento musical A.

Figura 3: Material musical depois de convertido de número para elemento musical B.

Podemos observar em uma primeira instância que o material gerado


pelo patch anteriormente descrito produz elementos consistentes que apontam
para a geração de agregados sonoros. Os parâmetros aplicados são os que
seguem:

Elementos Estrutura Rítmica


1 semínima
2 duas colcheias
3 uma tercina de colcheias
4 quatro semicolcheias
5 uma quintina de semicolcheias
101

6 uma sextina de semicolcheias


7 uma septina de semicolcheias
8 oito semicolcheias
Tabela 2: relação entre os elementos gerados pelo patch e estruturas rítmicas.

Depois de gerado esse material, o próximo passo é usar processos


iterativos aplicados ao material gerado pelo patch com objetivo de transformar
essas células texturais em um agregado rítmico. Assim, cada uma dessas
células será iterada e reiterada por processos estocásticos formando uma
camada composta de componentes que serão selecionados pelo compositor.

Figura 4: ferramenta responsável pela geração das camadas que irá compor o agregado rítmico.

Aqui vemos na figura 4, no topo à esquerda, o número de


elementos que comportará a camada e no topo à direita onde temos a primeira
célula composta de “0 1 0” (tercina de colcheias), ou seja, semicolcheia
acentuada, semicolcheia não acentuada e outra semicolcheia. É importante
salientar que a determinação do número de elementos de cada camada e quais
irão compor o agregado deve ser estabelecido pelo compositor e não pela
máquina.

Abaixo, o patch responsável pela iteração dos dados.


102

Figura 5: patch rand-list processará as células texturais estocásticamente.

Depois do agregado rítmico elaborado em Pure Data, implementaremos


mais patches que irão estabelecer as relações intervalares, orquestração,
disposição temporal, posição das alturas onde cada uma das células se iniciará
e que será transformada em um agregado sonoro. É importante observar que
usando o Pd em todas as nossas aplicações corremos o risco de produzir uma
estrutura musical extremamente complexa e inviável de ser tocada. O passo
seguinte após a elaboração do agregado sonoro será o corte da estrutura.

3. Resultados e Discussão

Os passos que se seguiram a esse processo nos possibilitou a criação da


peça intitulada Multiverso. Essa peça foi disposta para cordas e percussão com
a seguinte formação: 4 violinos, 2 violas, 2 violoncelos, 1 contrabaixo e três
percussões. Os desdobramentos da pesquisa apontam para a elaboração de
uma obra orquestral com um controle de mais materiais musicais usando o
Pure Data dentro da perspectiva do espaço multidimensional.
Também observamos que essa interação, homem e máquina, nos
disponibilizou formas diferenciadas de tratar o material musical abrindo um
leque maior de possibilidades onde foi possível o compositor se ater mais a
escolha do material que a sua elaboração.

Conclusão:
103

O processo aqui aplicado e os princípios aqui dispostos se mostram


viáveis e eficientes no intuito de se criar uma composição de música textural
assistida por computador. A utilização do ambiente computacional Pure Data,
através da criação de seus patchs, também se mostra uma ferramenta eficiente
e aberta a novas implementações que, num estágio futuro, pode se aplicar a
interação máquina-homem em tempo real. Assim podemos concluir que as
definições vinculadas ao referencial teórico aqui criado foram materiais sólidos
e pontuais para a construção de um modelo composicional que se utiliza de
computação assistida para a elaboração de música textural. As projeções
futuras dessa pesquisa preveem a elaboração de todo planejamento micro e
macro estrutural, o enfoque em que pontos o compositor deve ou não interferir
nesse processo e quais os espaços para uma interação homem e máquina no
intuito de gerar, desenvolver ou selecionar material composicional.

REFERÊNCIAS

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Ligeti. Musikwissenschaftliches Institut Hamburg. Hamburg. 2003.

CHEMILLIER, M. György Ligeti et la Logique des Textures. Analyse Musicale, n. 38, p.


75-85, 2001.

CLENDINNING, Jean Piper. The Pattern-Meccanico Compositions of György Ligeti.


Perspectives of New Music. v. 31, p .192-234. 1993.

HOFSTADTER, Douglas R. Gödel, Escher, Bach: an Eternal Golden Braid. New York:
Baic Books, 1999.

MANZOLLI, Jônatas; MAIA JR., Adolfo. Composição Algorítmica Através de


Functores. In Anais do XI Encontro Anual da ANPPOM, Campinas, p.169-173. Ago.
1998.

NIERHAUS, Gerhard. Algorithmic Composition: Paradigms of Automates Music


Generation. SpringerWienNewYork, Germany. 2009.

ROADS, C. Microsound. MTT Press. 2001.


ROIG-FRANCOLI, A. M. Harmonic and Formal Processes in Ligeti’s Net-Structure
Compositions. Music Theory Spectrum, v. 12, n. 2, p. 242-257, 1995.
104

VIEIRA, Wander. Aspectos da Aplicação da Geometria Plana Analítica como Elemento


de Formalização na Composição Musical. João Pessoa, 2010. 106f. Dissertação
(Mestrado em Música). UFPB.

VIEIRA, Wander; MANZOLLI, Jônatas. O Conceito de Hiperespaço na Composição de


“Estudos Texturais para Quarteto de Cordas Nº 01”. XXII Congresso ANPPOM 2012. ,
v.3, p. 1448 – 1454. 2012.
105
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Liberdade Criativa: Fonética Gestual e Livre Improvisação

Christina Marie Bogiages


UFRN – cbogiages@yahoo.com

Cleber da Silveira Campos


UFRN – cleberdasilveiracampos@gmail.com

Resumo: O objetivo desse estudo é analisar e categorizar os gestos não verbais utilizados pelos
músicos durante uma performance de improvisação livre coletiva. Para tanto, buscamos
parametrizar níveis de “liberdade criativa” a serem utilizados durante o momento da
performance. A metodologia basea-se na formação de grupos de improvisação, onde as
performances serão gravados no formato de áudio e vídeo para posterior análise. Entrevistas
semiestruturadas ainda serão feitas com os músicos e comparadas com as gravações. A
categorização dos gestos não verbais utilizados na performance foram baseados nas definições de
Davidson e Salgado Correia (2002), sendo: Regulatório, Emblemático/Ilustrativo, Adaptativo e
Demonstrativo.

Palavras-chave: Improvisação livre. Gestos não-verbais. Liberdade criativa. Improvisação dirigida.


Criatividade coletiva.

Creative Freedom: Phonetic Gesture and Free Improvisation

Abstract: The goal of this study is to analyze and categorize the non-verbal gestures used by musicians
during a performance of free collective improvisation. For this, we will attempt to parameterize levels
of “creative freedom” to be used during the moment of the performance. The methodology is based on
the formation of improvisation groups, where the performances will be recorded in audio and video
format for later analysis. Semi-structured interviews will be held with the musicians and analyzed
together with the recordings. The categorization of the non-verbal gestures used in performance is based
on the definitions from Davidson and Salgado Correia (2002): Regulatory, Emblematic/Illustrative,
Adaptive, and Demonstrative.

Keywords: Free Improvisation. Non-verbal gestures. Creative freedom. Guided improvisation.


Collective creativity.

1. Introdução

O termo “improvisação livre” tem sido utilizado para descrever um estilo


de improvisação onde uma das principais características está relacionada com a
ausência de regras pré-estabelecidas vinculado ao fazer musical. Ao improvisar
“livremente”, o músico busca trazer a tona toda sua “bagagem musical”, estando livre
106
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

para usá-la ou não numa sessão de improvisação. O performer ainda pode buscar
novos sons, gestos musicais e técnicas que estão fora da sua zona de conforto
musical (BORGO, 2002).
Esta improvisação, classificada como idiomática ou livre, é geralmente
relacionada a uma prática musical de criação espontânea. Na improvisação livre, o
processo sinérgico realizado entre os músicos no momento da performance
vinculado a ausência de parâmetros pré-estabelecidos gera analogamente a obra
como sendo o “resultado” musical durante todo o período em que o processo esteja
acontecendo (BAILEY, 1992; BORGO, 2002; MENEZES, 2010). Logo, a obra
musical torna-se “sinônimo” do processo e não o contrário.
Intérpretes com vários e diferentes backgrounds musicais podem se juntar
e realizar uma improvisação livre, pois não existe a necessidade de conhecerem um
idioma em comum como uma partitura “tradicional”, por exemplo. (BAILEY, 1992)
A improvisação livre pode ser dirigida de várias maneiras. Os parâmetros
aqui são pensados em mensagens ou estímulos para delimitar os níveis de
“controle” do processo, vindo de fontes externas ou internas. Por esse tipo de
“controle”, relacionam-se diversos e diferentes estímulos para os intérpretes no
momento da improvisação. Nesta pesquisa, os controles são divididos da seguinte
forma:
a) controle estimulo externo (CEE): imagens, símbolos, gestos
vindo dos próprios músicos ou mesmo de uma pessoa que não
esteja tocando;
b) controle estímulo interno (CEI): formas pré-estabelecidas
e/ou regras especificas dizendo o que pode ou não pode ser
feito.

Muitos desses exemplos podem ser encontrados em métodos de


improvisação livre que foram criados para encorajar a inclusão da improvisação
dentro do currículo de educação musical, tais como: Bergstrom-Nielsen (2009); Hall
(2009); Higgins e Campbell (2010). A partir da utilização desses controles,
poderíamos questionar se realmente existe ou pode existir uma improvisação
musical completamente livre? Esse estudo não pretende encontrar esta resposta
mas sim delimitar o uso da palavra “livre” a um determinado “estilo” musical.
107
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Da mesma forma que a música e a linguagem têm sido comparadas pelos


linguísticos e musicólogos, como Chomsky e Schenker (SLOBODA, 1985), a
improvisação tem sido comparada com o diálogo e a conversação (BERLINER,
1994; MONSON, 1996). Recentemente, alguns autores mencionam que os “gestos
frequentemente têm um propósito especial e que esses estão entendidos e usados
normalmente dentro de um contexto especifico social e cultural” ARGYLE (1988);
ELLIS & BEATTIE (1986) apud DAVIDSON e SALGADO CORREIA (2002). Nesse
estudo, pretendemos relacionar algumas possibilidades da aplicação de gestos não-
verbais (não-sonoros) vinculados ao contexto da improvisação “livre”.
Assim, a questão principal que permeia esta pesquisa é: a interação não-
verbal entre músicos improvisando livremente e coletivamente dentro de um grupo
poderia ser afetada pela permissão ou limitação da liberdade criativa musical?”

2. Materiais e Métodos

Durante um período de seis mêses, serão formados grupo de


improvisação livre onde as performances serão gravados em formato de áudio e
vídeo para posterior análise. Alguns situações de performance serão parametrizadas
da seguinte forma:

a) tocando para uma plateia de músicos num espaço livre;


b) tocando para a mesma plateia porém num espaço fechado;
c) tocando sem plateia nos mesmos espaços mencionados;
d) tocando para uma plateia espontânea num espaço aberto,
e) tocando para uma plateia espontânea num espaço fechado.

Os grupos serão compostos por alunos e professores universitários. O


tamanho do grupo, instrumentação, bagagem musical deverão variar. As ideias para
estabelecer os parâmetros gestuais e do controle de liberdade (externa e interna)
entre os músicos serão extraídos dos métodos para improvisação livre mencionados
anteriormente em junção com algumas idéias dos autores.
108
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Baseado nas definições de Davidson e Salgado Correia (2002, pag. 244),


classificamos quatro categorias de gestos não-verbais a serem utilizados no
momento da improvisação, sendo:

• GR – Gesto Regulatório: um intérprete pré-definido interagindo


com os demais porém buscando estabelecer um certo nível de
unificação durante a improvisação;
• GE – Gesto Ilustrativo ou Emblemático: tem a finalidade de
estabelecer a coesão musical ou ainda uma narrativa através de
elementos expressivos enquanto a obra esta sendo executada;
• GA – Gesto Adaptativo: baseado em mimesis, deve ser utilizado
pelos intérpretes para remeter a certas experiências e/ou
comportamentos individuais durante a performance;
• GD - Gesto Demonstrativo: estabelecer algum tipo de conexão
diretamente com a platéia.

Esse parâmetros deverão ser utilizados pelos músicos durante as


sessões de improvisação livre. Posteriormente, realizaremos a análise dos áudios e
vídeos das performances. Os dados levantados serão ainda relacionados a
aplicação de um questionário semiestruturado aos músicos participantes com o
intuito de entender suas perspectivas sobre as interpretações dos gestos pre-
definidos e executados.

3. Resultados e Discussões

Os resultados preliminares (baseados em alguns ensaios) apontam para


uma relação direta entre os níveis de controle e os gestos musicais utilizados,
influenciando diretamente a performance com improvisação livre. Percebemos que:

a) quando os níveis de controle externo são aumentados (como gestos e


simbolos vindo de uma fonte externa), os gestos regulatórios (GR) e os
gestos demonstrativos (GD) diminuíram;
109
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

b) quando os níveis de controle interno são aumentados (como o


estabelecimento de uma forma/estrutura musical ou um motivo ritmico),
os gestos regulatórios (GR) aumentaram e os gestos demonstrativos
(GD) também aumentaram;
c) quando ambos os níveis diminuíram (controle externo e interno), os
gestos regulatórios (GR) diminuíram, porém os gestos ilustrativos (GI) e
os gestos adaptativos (GA) aumentaram.

4. Conclusões

Enquanto a liberdade musical foi aumentada, também foram aumentados


os movimentos sinérgicos entre intérpretes, refletindo nas sonoridades resultantes.
De certa forma, os gestos narrativos e interpretativos viraram os principais aspectos
de estruturação (enquanto forma) da performance. Os gestos regulatórios foram
pouco ou quase nada identificados, talvez porque na improvisação livre, o músico
esteja ouvindo e reagindo, respondendo e criando, buscando constantemente novas
ideais e “argumentos” musicais.
Talvez esses resultados preliminares mostram que na improvisação livre,
gestos não-sonoros não encaixam tão facilmente nas quatro categorias de gestos
apresentados por Davidson e Salgado Correia (2002), porque os gestos não-verbais
na improvisação livre frequentemente se sobrepõe e/ou misturam-se uns aos outros.
Os próximos passos desta pesquisa apontam para o estabelecimento de
um novo conjunto de categorias para gestos não-sonoros a serem utilizados
especificamente no contexto da improvisação livre.

Referências:

BAILEY, D. Improvisation: Its Nature and Practice in Music. United Kingdom: The
British Library National Sound Archive, 1992. 146p.

BERGSTROM-NIELSEN,C. Intuitive Music: A Mini-handbook.


http://vbn.aau.dk/da/publications/intuitive- music%2862d5ad70-002d-11da-b4d5-
000ea68e967b%29.html.2009. 33p.

BERLINER, P.F. Thinking in Jazz: The Infinite Art of Improvisation. Chicago and
London: The University of Chicago Press, 1994. Pp.883
110
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

BORGO, D. Negotiating Freedom: Values and Practices in Contemporary Improvised


Music. Black Music Research Journal, Vol. 22, N.2, Center for Black Music
Research: Columbia College Chicago, p.165-188, Autumn, 2002.

DAVIDSON, J.W; SALGADO CORREIA, J. Body Movement. In: PARNCUTT, R. &


MCPHERSON, G.E. (Ed.) The Science & Psychology of Music Performance:
Creative Strategies for Teaching and Learning. Oxford University Press: NY,
2002. p. 237-250

HALL, T. Free Improvisation: A Practical Guide. Boston, Ma: Bee Boy Press, 2009.

HIGGINS, L; CAMPBELL, P.S.: Free to Be Musical Group Improvisation in Music.


Lanham, NY, Toronto, Plymouth, UK: Rowman & Littlefield Publishers, Inc. in
partnership with MENC: The National Association for Music Education, 2010. 123p.

MENEZES, J. Creative Process in Free Improvisation. 2010. 35f. Dissertação


(Mestrado em Psicologia para Músicos) - Departamento de Música, Universidade de
Sheffield, UK.

MONSON, I. Saying Something: Jazz Improvisation and Interaction. Chicago and


London: The University of Chicago Press, 1996. Pp.253

NETTL, B. Thoughts on Improvisation: A Comparative Approach. The Musical


Quarterly, Vol. 60, N.1, Oxford University Press, p. 1-19, Jan 1974.

PRESSING, J. Psychological Constraint on Improvisational Expertise and


Communication. In: NETTL,B e RUSSEL, M (Ed.) In the Course of Performance:
Studies in the World of Musical Improvisation. The University of Chicago Press:
Chicago e London, 1998. p. 47-67

SLOBODA, J. The Musical Mind: The Cognitive Psychology of Music. Oxford:


Oxford University Press, 1985. 291 p.
111

Cognição e Formalismo: algumas ferramentas conceituais


para poética composicional

COMPOSIÇÃO

Eduardo Fabricio Frigatti


Universidade Federal do Paraná – edufrigatti@yahoo.com.br

Resumo: O serialismo integral transformou todos os parâmetros da composição e


da escuta com uma ampla gama de novas possibilidades sonoras. Por outro lado,
sofreu duras críticas por usar sistemas herméticos para criar, que, muitas vezes,
resultavam em uma música de difícil escuta com uma discrepância entre a lógica
sensível do som e a lógica estrutural. Este artigo discute como estas
possibilidades sonoras podem ser usadas levando em conta as capacidades
cognitivas envolvidas na escuta. A observação do funcionamento do processo de
escuta pode permitir ao compositor lidar com estes sons complexos sem criar uma
forma musical caótica.

Palavras-chave: formalismo – cognição – composição

Abstract: Integral serialism movement has transformed all the parameters of


composing and listening with a wide range of new possibilities of sounds. On other
hand, it has suffered severe critics for using hermetic systems for the creativity
process that many times results a hard listening style of music with a huge
discrepancy between the real sound of the piece and its logical structure. The
article discuss how these possibilities of sounds can be used taking account the
cognitive capacities of the listening. The observation of how works these capacities
can allow composers handle these complex sounds without creating a chaotic
musical form.

Keywords: formalism – cognition –composition

Segundo Brindle (1984, p. 21-22) a gênese da concepção estética


do serialismo integral pode estar relacionada à tendência para uma
racionalização dos processos de criação artística e o desejo de começar
novamente, cujo principal obstáculo eram as memórias musicais, a tradição.
Observação corroborada posteriormente por Boulez (1992, p. 71), que, para
apagar de seu vocabulário todo vestígio do tradicional, confiou a inúmeras
organizações as responsabilidades do trabalho criativo, concedendo-lhes uma
autonomia total, sobre a qual ele apenas precisava exercer influência de uma
maneira descompromissada. Começar novamente exigiu neutralizar a memória
do compositor durante a criação, pois há no ato criativo muito do que as
memórias sugerem, trazendo resquícios da tradição (Brindle, 1984. p. 22-23).
112

Porém, ao pautar-se na dubiedade do número, a música do


serialismo integral não só anulou a memória enquanto tradição histórica do
processo de criação, eliminando a participação da memória pessoal do
compositor no ato criativo; mas desconsiderou a memória enquanto faculdade
humana que participa ativamente da experiência de escuta (Frigatti, 2013),
resultando em uma música de difícil apreensibilidade (Lerdahl, 1992; Dottori,
2005. p. 256-257) e arbitrária (Perle, 1990. p. 183-185; Boulez, 1992. p. 67-68).
Esta cisão entre lógica estrutural e material sensível na música do
serialismo integral é um exemplo extremo do tecnicismo do modernismo tardio,
que tendeu a igualar o conteúdo às inovações nos procedimentos
composicionais, colocando em segundo plano o material sensível resultante
(Buckinx, 1998, p. 57-59). Embora o serialismo tenha contribuído com novas
possibilidades sonoras, é importante não confundir a necessidade de inovar
com a anulação de princípios sem os quais não é possível música alguma
(Brelet, 1957. p. 31). Rompimento que pode levar a um esforço do ouvido
(necessário para dar forma à música) inútil, pois a forma possível é a do caos
(Dottori, 2005, 256-257). A admoestação válida, sobretudo, se há por parte do
compositor o desejo de aproximação com o ouvinte (por evitar o caos) sem
abandonar os materiais sonoros e as inovações técnicas propostas pelos
modernistas.
Quando, no classicismo, a música instrumental ganhou igualdade de
importância com a música vocal, a idéia de ‘audibilidade’ formal foi fundamental
para a organização do discurso (Rosen, 1990, p. 93-94). Isto porque, conforme
observa Brelet (1957, p. 41-42), a sensação sonora é dependente da forma e
saber criá-la é essencial para conceber uma obra inteligível, que confira sentido
à escuta. Então, pode-se supor que as investigações sobre forma musical
podem auxiliar na resolução deste impasse. E, como, atualmente, as questões
que estavam na base do formalismo musical se tornaram tópicos centrais da
pesquisa musical em ciência cognitiva contemporânea, com especial atenção
aos processos mnemônicos (Nogueira, 2010), a intersecção entre memória e
forma em música poderia oferecer reflexões mais precisas, auxiliando o
compositor que se propõe este desafio.
De acordo Vernon Gregg (1976, p. 15-17), a palavra memória refere-
se a uma vasta gama de sistemas e processos cognitivos fundamentais para
113

nossa interação com o mundo. Envolve desde a capacidade de reter


informações por milésimos de segundos, a fim de serem categorizadas no
limiar do processo de conscientização dos estímulos, à imensa cadeia de
esquemas que nos permite executar ações complexas. Por esta razão, a
memória está intimamente relacionada a outras faculdades cognitivas, como:
percepção, atenção e consciência (Rose, 2006, p. 285). Privilegiando os
aspectos mnemônicos que permitem discutir a forma musical e seu
processamento cognitivo, pode-se segregar duas categorias de ferramentas
conceituais: as relacionas à percepção dos eventos sonoros; e as que elucidam
o funcionamento da memória.
Segundo Snyder (2000, p. 21), os agrupamentos dos sons podem
ser divididos em: pitch event, agrupamento de um evento sonoro (por exemplo,
uma nota); e um agrupamento de eventos sonoros (por exemplo, uma
sequência de sons). Como demonstra Bregman (1990, p. 24-36), estes
processos de agrupamentos permitem que o indivíduo perceba se diferentes
sons provêm de uma mesma fonte sonora ou não. A distinção entre fontes
sonoras de distintos agrupamentos formam streams, representações
perceptuais que fornecem centros de descrição que conectam características
sensoriais, de modo que certas combinações possam servir para reconhecer
eventos ambientais (1990, 44). Em música, o stream é responsável, por
exemplo, pela percepção da polifonia oculta.
De acordo com Tenney (1988, 29-44) e Snyder (2000, 43), os
agrupamentos tendem a formar-se devido a fatores de coerência. Os autores
distinguem fatores não-aprendidos (proximidade, similaridade, continuidade,
intensificação, paralelismo) e aprendidos (‘objective set’, agrupamentos
estabelecidos em e unicamente para uma peça; ‘subjective set’, agrupamentos
que são parte de um estilo). Todos estes fatores agem (em maior ou menor
grau) na determinação do nível de fechamento dos agrupamentos, denominada
closure — qualidade que permite ao agrupamento parecer relativamente
autossuficiente e separado de outro agrupamento (Meyer, 1956, p. 128-130;
Snyder, 2000, p. 32-33).
Entre as várias possibilidades de distinção das memórias (Pasher;
Carrier, 1996, p. 8-13), há a memória de curto prazo, que dura poucos
segundos se a informação não é reiterada, e está relacionada à vivência do
114

presente (informações sensoriais e outras memórias ativadas no momento


corrente); e a memória de longo prazo, maior temporalmente que a MCP e que
pode ser evocada em diferentes momentos. Dependo do nível de fechamento
dos agrupamentos, o compositor poderá enfatizar a vivência do ouvinte no
presente se, por exemplo, inviabiliza a formação de chunks – pequenos
agrupamentos, frequentemente ligados um ao outro e capazes de forma
unidades maiores (Cowann, 2009, p. 337); ou na relação passado-presente-
futuro, se, por exemplo, criam-se agrupamentos mnemonicamente
‘pregnantes’, facilmente identificáveis não importando sua localização temporal.
Também é possível obter ênfases temporais distintas pela
manipulação do fenômeno de pattern recognition, processo de correspondência
entre a experiência perceptiva e o conteúdo da MLP (Snyder, 2000. p. 23); e a
habituação, tendência a ignorar estímulos redundantes (Walker, 1987. 39-40).
Snyder (2000, p. 234) propõe que estes tratamentos da experiência
do tempo são dois polos possíveis, que podem ou não estar presentes em uma
mesma obra, e que se diferenciam por tentar explorar a MLP através da
construção hierárquica e associativa de representações mentais em grandes
estruturas temporais; ou por tentar sabotar o reconhecimento e a expectativa,
pela frustação da recordação e antecipação, intensificando assim o presente.
Embora existam outros conceitos que possam auxiliar as decisões
durante o processo de composição, os citados nos parágrafos precedentes já
oferecem sugestões para o controle das materialidades sonoras oriundas do
serialismo integral — usando ou não os procedimentos técnicos desta escola
composicional. Por exemplo, caso o compositor empregue técnicas de
serialização, pode tentar-se controlar streams de altura originando contornos
perceptivelmente relacionados. Ou criar um acompanhamento que sature as
possibilidades de reconhecer agrupamentos recorrentes, e, quando ocorrer a
habituação desses agrupamentos, evidenciar um agrupamento que se
desenvolverá linearmente sobre o fundo familiarizado.
Assim, a pesquisa em cognição pode oferecer ferramentas
conceituais que auxiliem o compositor a realizar suas escolhas durante o ato
criativo, tornando possível a proposição de uma poética que se aproxime do
ouvinte a partir da reflexão sobre os processos cognitivos envolvidos no ato da
115

escuta, pois tais conceitos podem auxiliar no controle de materialidades


sonoras complexas e na criação de formas que procuram evitar o caos.

Referências

Boulez, Pierre. A música hoje 2. trad. Geraldo Gerson de Souza. São Paulo
Perspectiva: 1992.

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117
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

A Música nos Teatros Cariocas: repertórios, recepção e


práticas culturais (1890-1920)

MODALIDADE: MUSICOLOGIA

Mónica Vermes
UFES / IA-Unesp / CNPq – mvermes@gmail.com

Resumo: A intensa vida cultural do Rio de Janeiro na virada do século XIX para o século XX
tinha os teatros como um de seus espaços principais. A tradição da historiografia musical
brasileira, que trata música erudita e música popular como entidades isoladas, tem registrado
as atividades musicais desenvolvidas nos teatros cariocas desse período de forma parcial. O
projeto aqui apresentado propõe um levantamento do repertório musical praticado nos
principais teatros da cidade do Rio de Janeiro entre 1890 e 1920.

Palavras-chave: Rio de Janeiro – música, Rio de Janeiro – teatros, gêneros do teatro


musical, práticas culturais.

Music in the Theaters of Rio de Janeiro: repertoires, reception and cultural practices (1890-
1920)

Abstract: Theaters were one of the main venues of the intense cultural life of Rio de Janeiro
at the turn of the twentieth century. The traditional Brazilian musical historiography, dividing
the activities as either related to classical music or to popular music as isolated entities, has
recorded musical activities on Rio theaters’ of this period partially. The present project
proposes a survey of the musical repertoire performed in major theaters in the city of Rio de
Janeiro between 1890 and 1920.

Keywords: Rio de Janeiro – music, Rio de Janeiro – theaters, musical theater genres, cultural
practices.

Esta comunicação se constitui na apresentação de um projeto de


pesquisa em andamento, intitulado A Música nos Teatros Cariocas: repertórios,
recepção e práticas culturais (1890-1920). O projeto está sendo desenvolvido na
UFES – Universidade Federal do Espírito Santo; no Instituto de Artes da Unesp,
como estágio de pós-doutorado; e conta com um financiamento do CNPq, no Edital
Universal de 2012. Além disso, o trabalho se beneficia dos intercâmbios
proporcionados pela participação em alguns grupos de pesquisa: o NEM – Núcleo
de Estudos Musicológicos, que lidero e que está sediado na UFES; o NOMADH,
Núcleo de Musicologia e Desenvolvimento Humano, liderado por Paulo Castagna, no
IA-Unesp; o Grupo História e Música, liderado por Tânia Garcia e José Adriano
Fenerick, vinculado ao programa de pós-graduação em História da Unesp-Franca; e
o MusiMid, Centro de Estudos de Música e Mídia, liderado por Heloísa Araújo
Valente.
118
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

O propósito inicial que deu origem ao projeto foi traçar um mapa da cena
musical carioca do corte cronológico estabelecido, que permanece como pano de
fundo que orienta a reflexão deste trabalho. Daí, que o assunto mais geral deste
projeto sejam as atividades musicais realizadas na cidade do Rio de Janeiro entre
1890 e 1920. Capital da recém-proclamada República, o Rio era palco de uma
atividade musical fervilhante e variada. Tais atividades tinham lugar em vários
espaços: teatros, clubes, residências, salões, cinemas e na rua. O repertório musical
incluía óperas italianas, modinhas, lundus, música de câmara, maxixes, sambas,
música sinfônica pautada nos moldes centro-europeus dos séculos XVIII e XIX,
vários gêneros de teatro musical. As personagens envolvidas nessas atividades
incluíam músicos profissionais e amadores, empresários, afinadores de piano,
professores de música, proprietários de estabelecimentos comerciais musicais,
editores de música, críticos, público. A movimentação das pessoas pela cidade e o
trânsito dos repertórios para além de seus espaços de origem ou destinos
preferenciais tornam essa rede musical complexa e interessante. A apreensão dessa
totalidade, das relações entre essas várias personagens, repertórios, práticas e
instituições, sujeitas ainda aos estímulos e choques com forças políticas,
econômicas e culturais mais gerais, exige uma abordagem que leve em
consideração essa polifonia e exige também recortes precisos que a tornem
abordável. Mas, como fazer esse recorte preciso de forma a não perder de vista a
dinâmica de trânsitos e trocas do conjunto?

Com o propósito de superar as típicas dicotomias popular/erudito e


profissional/amador, constantemente atravessadas e deformadas nas práticas
musicais cariocas do período em questão, escolhi como ponto fixo os teatros para,
estabelecendo como eixo as atividades ali realizadas, explorar outros espaços.

Tipicamente o tratamento dado às práticas musicais é submetido a uma


clivagem em duas grandes categorias: música erudita (associada a uma educação
musical formal e à prática dos gêneros musicais do repertório europeu dos séculos
XVIII e XIX) e música popular (abarcando grosseiramente todas as outras práticas
musicais urbanas). Essa organização preliminar em duas grandes categorias tende a
sugerir uma distribuição da vida musical em círculos mais ou menos estáveis e
119
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

independentes constituídos em torno de camada social, gênero musical e espaço


(por exemplo, elites – ópera – teatro).

Trabalhos recentes realizados principalmente na área de História Cultural


têm evidenciado quanto essa ideia de uniformidade e independência é ilusória.
Fernando Antonio Mencarelli, em A Voz e a Partitura: teatro musical, indústria e
diversidade cultural no Rio de Janeiro (1868-1908), ao analisar a composição dos
repertórios das companhias teatrais de fins de século XIX no Rio, aponta para a
adoção de um repertório eclético, visando a atingir um espectro mais amplo de
público:
Mesmo as companhias que se especializaram em operetas, mágicas e
revistas vez ou outra encenavam dramas e comédias. Quando não o faziam
com seu próprio elenco, abriam as portas dos teatros que ocupavam para
outras companhias e atrações, imprimindo às casas de espetáculo o perfil
eclético que ampliava sua penetração junto à população de espectadores.
(MENCARELLI, 2003, p. 39)
Essa variedade de repertório dirigia-se a um público também variado.
Andrea Marzano analisa a frequência aos teatros tendo como fonte a forma como
estes eram retratados nos romances da segunda metade do século XIX e,
identificando o retrato sofisticado que se fazia de algumas dessas casas, conclui:
Não podemos ignorar que os romancistas da segunda metade do século
XIX estiveram engajados no debate e nos projetos de civilização do Império,
que se refletiram na defesa de um teatro elegante e europeizado. O mais
provável é que tal engajamento tenha influenciado suas descrições dos
espetáculos e plateias, contribuindo para a construção de uma memória
glamourosa a respeito sobretudo dos teatros Lírico e São Pedro.
(MARZANO, 2010, p. 112)
E prossegue evidenciando as possibilidades de acesso, mesmo aos
teatros considerados mais exclusivos da elite, por um público que não tinha
condições de pagar seus próprios ingressos, como era o caso dos cativos, ou que
tinha uma renda limitada. Além disso, sugere que “os frequentadores dos teatros
considerados mais elegantes, como o São Pedro, também lotassem as plateias dos
circos e similares, cujos espectadores tinham origens sociais muito diversificadas”
(p. 113, 115, 118-21).

Esse ecletismo de repertório e de público (em termos de origem social e


poder aquisitivo) e o trânsito de um mesmo público entre teatros e espetáculos de
gêneros muito distintos sugere, entendemos, uma complexidade e pluralidade
compatíveis com aquelas encontradas por Martha Abreu (1999) nas festas do Divino
120
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Espírito Santo ao longo do século XIX. Esta obra, O Império do Divino: festas
religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900, serve-nos também como
referência metodológica, pelo tipo de fontes empregadas (literatura de ficção, jornais,
relatos de memorialistas, cronistas e folcloristas, documentos oficiais) e pelos
pressupostos, expressos nesta passagem:
Cabe ao historiador evidenciar o envolvimento dessas manifestações
[festivas das classes populares] com as lutas sociais mais amplas e com a
dinâmica entre o sentido por vezes comunitário das festas e as diferentes
versões, significados e apropriações dos seus variados participantes, seus
modos e tempos. Os modelos simplistas e dualistas de oposição entre
cultura popular e erudita ou entre cultura dos dominados e dominantes
devem ser revistos. (ABREU, 1999, p. 29)
Neste caso, escolhi os teatros da cidade do Rio de Janeiro como eixo
para o levantamento e análise de repertórios e práticas. Privilegiando um recorte por
espaço, ao invés de selecionar determinado gênero musical ou trajetória de um
indivíduo ou grupo, pretendemos observar a variedade de manifestações que tinha
lugar nesses espaços.

Os principais teatros em funcionamento no Rio de Janeiro no período de


nosso recorte e que são contemplados neste projeto são:1 Teatro São Pedro de
Alcântara, Teatro Lírico, Teatro Fênix Dramática, Teatro Sant’Anna, Teatro
Polytheama Fluminense, Teatro Lucinda, Teatro Recreio, Teatro Eden Lavradio,
Cassino Nacional, Parque Fluminense, Teatro Maison Moderne, Teatro da
Exposição de Aparelhos a Álcool, Cinematógrapho Pathé e Teatro Apollo.2 Alguns
deles aparecem frequentemente na literatura identificados com repertórios
específicos. Tal é o caso, por exemplo, do Teatro Fênix Dramática, associado por
Luiz Heitor Corrêa de Azevedo a “cenas de operetas e peças musicais ligeiras”
(AZEVEDO, 1956, p. 70), associação reprisada mais adiante na mesma obra e à
qual se somam outros teatros, “música de peças ligeiras que eram representadas
nos teatros Sant’Ana, Lucinda, Fênix, Apolo, Variedades e outros do gênero” (p.
205). No entanto, Cernicchiaro identifica o Teatro Fênix como palco de um recital do
pianista virtuose Tommy Thomson (Cernicchiaro, 1926, p. 450). Outros casos como
esse, nos quais verificamos a identificação prioritária de certos teatros com um
repertório específico em aparente contradição com o registro de eventos com
gêneros musicais “incompatíveis” nos mesmos teatros, nos leva a considerar – para
121
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

além da possibilidade de erros nas fontes – um uso menos rigorosamente


homogêneo desses espaços.

Um dado que reforça essa hipótese é o fato de os recitais ou concertos de


música erudita ocorrerem de forma mais irregular e esporádica que outros tipos de
espetáculo musical, não contando ainda com um circuito próprio, fazendo com que
se “encaixassem” nos espaços existentes. Essa irregularidade pode ser também
observada nas queixas relativas à formação das orquestras no Rio em três
momentos diferentes. Roberto Kinsman Benjamin (1853-1927), fundador do Clube
Beethoven, queixa-se em artigo publicado a 15 de outubro de 1886 na Gazeta de
Notícias:
[...] não possuímos número suficiente de professores capazes de formar
uma boa orquestra. A vida de um professor de orquestra no Rio é dura e
para alguns mesmo cruel; quase todos com famílias que sustentar,
manietados pelos contratos com os teatros, obrigados a executarem
durante todo o ano música de um gênero trivial, forçados a assistir durante
o dia a constantes ensaios de música de toda a espécie, menos de caráter
elevado; se desejosos de tomar parte em algum concerto, tendo de caçar
quem os substitua nos teatros – admira pouco que tenham escasso tempo e
ainda menos inclinação para estudar, nem ocasião de alargar o
conhecimento que têm das produções dos grandes mestres. Daí provém
uma indiferença pelos intuitos mais elevados da arte musical, o mero
interesse na música como meio de vida, e com isso aparece
incontestavelmente uma negligência tanto de estilo como de forma, a qual,
uma vez contraída, é difícil senão impossível desarraigar [...] (BENJAMIN
apud PEREIRA, 2007, p. 47-48)
Também o crítico Oscar Guanabarino (1851-1937) apresenta seus
comentários sobre as práticas dos músicos de orquestra, ao fazer sua avaliação das
condições de apresentação das óperas italianas no Rio, em artigo de 26 de outubro
de 1895:
Não é nem podia ser numerosa a sua orquestra; não só por motivos de
ordem econômica como pela necessidade de manter certo equilíbrio com as
forças de cena; assim como não foi fácil arregimentar todos os elementos
orquestrais para o desempenho de grandes óperas, sabido, como é, que os
nossos professores passam muitos meses sem se reunirem para a
execução sinfônica e que vivem desanimados pelos teatros tocando
enfadonhas partituras de mágicas e revistas.
Vincenzo Cernicchiaro (1858-1928) registra também sua queixa sobre o
destino profissional de jovens virtuoses:

Provando-o, que valha a história destes últimos tempos. Virtuoses eméritos


de piano, de violino, etc., depois de um triunfo juvenil regular, são
condenados ao exercício da música inferior, executada, sem convenções,
em lugares públicos, para suprir as necessidades naturais da vida.
3
(CERNICCHIARO, 1926, p. 612)
Os objetivos do projeto compreendem: a) um levantamento sistemático
das obras apresentadas nos teatros cariocas; b) a análise da recepção dessas
122
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

obras; c) a análise das práticas relacionadas à vida teatral/musical e d) a reflexão


sobre o(s) significado(s) atribuído(s) a esses repertórios, atentando para as
sobreposições, choques e atritos entre grupos sociais, gêneros musicais e projetos
estéticos (culturais e políticos) que não se resolvem, constituindo uma rede dinâmica
e tensa. Pretendo, assim, contribuir para o conhecimento de vários aspectos da vida
musical no Rio de Janeiro, incluindo a formação de um cânone/programas, os
hábitos de frequência a atividades musicais, a formação de público, a educação
musical, as fronteiras culturais sociais e étnicas, a ideia de uma identidade
carioca/brasileira e, em termos mais gerais a reflexão sobre uma maneira muito
própria de fazer música, resultado dessa rede dinâmica e que precisa de categorias
próprias para ser entendida.

Referências:

ABREU, Martha. O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de


Janeiro, 1830-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fapesp, 1999.

AZEVEDO, Luiz Heitor Corrêa de. 150 Anos de Música no Brasil. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1956.

CERNICCHIARO, Vincenzo. Storia della Musica nel Brasile: dai tempi coloniali sino
ai nostri giorni. Milano: Fratelli Riccioni, 1926.

MARCONDES, Marcos Antônio (Ed.) Enciclopédia da Música Brasileira: popular,


erudita e folclórica. 2 ed. revisada e atualizada. São Paulo: Art Editora; Publifolha,
1998.

MARZANO, Andrea. “A magia dos palcos: o teatro no Rio de Janeiro no século XIX”
In MARZANO, Andrea & MELO, Victor Andrade de (Orgs.). Vida Divertida: histórias
do lazer no Rio de Janeiro (1830-1930). Rio de Janeiro: Apicuri, 2010.

MENCARELLI, Fernando Antonio. A Voz e a Partitura: teatro musical, indústria e


diversidade cultural no Rio de Janeiro (1868-1908). 2003. Tese (Doutorado em
História) – Departamento de História, Instituto Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.

Notas

1
A partir de um levantamento inicial que tomou como referência os teatros listados no Anexo “Teatros do
Brasil” na Enciclopédia da Música Brasileira (Marcondes, 1998, p. 863), complementado a partir das
informações tomadas dos trabalhos de Andrea Marzano, particularmente o artigo “A magia dos palcos: o teatro
no Rio de Janeiro no século XIX” (2010), e do site “Teatros do Centro Histórico do Rio de Janeiro”
http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/bibliografia.asp?acao=A&, chegamos a esta versão final após consulta ao
recém-publicado Teatros do Rio de José Dias (2012).
123
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

2
Muitos destes teatros mudaram de nome (em alguns casos várias vezes) ao longo de sua existência.
Registramos aqui os nomes com que apareceram pela primeira vez dentro do período compreendido pelo projeto
(1890-1905).
3
Esta e as demais traduções são nossas.
124

SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Aspectos culturais e artísticos de Curitiba na última década do século XIX:


a1) Grêmio Musical Carlos Gomes (1893-1902)
Modalidade: Musicologia

Álvaro Luiz Ribeiro da Silva Carlini


Universidade Federal do Paraná - alvarocarliniufpr@gmail.com

Resumo: Apresenta-se neste artigo os resultados preliminares de pesquisa relacionada ao Grêmio


Musical Carlos Gomes (1893-1902), no que se refere às fontes primárias de investigação,
constituídas principalmente por hemeroteca: publicações periódicas editadas por órgãos de
imprensa diária então existentes em Curitiba, PR, como o jornal A República ou o Diário do
Commercio. Além desses, considerou-se de maneira privilegiada o conteúdo de álbum de recortes
contendo matérias jornalísticas e programas de eventos diversos pertencente ao maestro Alberto
Monteiro (1855-c.1930). A pesquisa possibilitou a elaboração de listagem cronológica das
atividades do Grêmio Musical Carlos Gomes em Curitiba, iniciando série de artigos relacionados a
esta entidade civil musical do Paraná.
Palavras-chave: História sócio-cultural. Grêmio Musical Carlos Gomes (GMCG). Curitiba (PR).
maestro Alberto Monteiro. Entidades civis musicais do Paraná.

Cultural and artistic aspects of Curitiba in the last decade of the nineteenth century:
1
a ) Grêmio Musical Carlos Gomes (1893-1902)
Abstract: This paper presents preliminary results of research related to the Grêmio Musical Carlos
Gomes (1893-1902) as regards primary sources of research, formed mainly by newspaper library:
periodicals edited by daily press organs then existing in Curitiba, PR, as the newspaper A República
or the Jornal do Commercio. Besides these, it was considered privileged way the contents of
scrapbook containing newspaper articles and various events programmes belonging to the maestro
Alberto Monteiro (1855-c. 1930). The research makes possible the drafting timeline, Grêmio's
Musical Carlos Gomes activities in Curitiba, starting series of articles related to this music-related
civilian agency in Paraná.
Keywords: Socio-cultural History. Grêmio Musical Carlos Gomes (GMCG). Curitiba (PR). Alberto
Monteiro. Civil entities musicals of Paraná.

1. Fontes primárias da pesquisa sobre o Grêmio Musical Carlos Gomes


O presente artigo constitui-se no primeiro de uma série que é dedicada à temática
exposta no título e está relacionado especificamente à pesquisa sobre o acervo
documental remanescente do Grêmio Musical Carlos Gomes (GMCG), entidade civil
musical atuante na capital do Paraná entre 1893-1902. O acervo está constituído
principalmente pelo material escrito e publicado na imprensa diária da capital paranaense,
disponibilizado pela Biblioteca Nacional Brasileira, seção Hemeroteca Digital, sediada no
Rio de Janeiro, RJ, através de sítio na internet. Além disso, considerou-se de maneira
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

privilegiada álbum de recortes de jornais, sem identificação complementar alguma,


localizado na Casa da Memória, da Fundação Cultural de Curitiba.
O conteúdo deste álbum de recortes foi registrado em fotografia digital e assim foi
possível proceder a transcrição dos textos de imprensa ali anexados: 72 reportagens
(somente textos, sem imagens e sem identificação precisa - de local, de data ou de
denominação de periódico) e 28 programas de eventos artísticos (somente textos, sem
imagens e também sem identificação precisa - de local, de data ou de artistas
participantes). Tal documentação indicava particularmente a realização de eventos
musicais (de recitais e de concertos), de eventos cênico-musicais (como operetas e
revistas) ou de eventos solenes ou comemorativos (como exéquias, homenagens e
benefícios). No processo de transcrição destes materiais foi possível deduzir que o álbum
de recortes pertenceu à personalidade do mundo musical curitibano de então: ao maestro
português Alberto Monteiro (1855-c.1930), sobre quem não foram localizadas
informações precisas.
O álbum de recortes do maestro Alberto Monteiro possui características específicas:
os textos da imprensa foram recortados e depois fixados nas folhas de papel-cartão do
álbum com algum tipo de colai, e a maioria absoluta, como constatado, sem apresentar
nenhuma especificação. Tais características se apresentam também com a maioria
absoluta dos programas dos eventos, o que pode ser observado nas figuras 1 e 2.
126

SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Figura 1: Página de álbum do maestro


Alberto Monteiro com recortes de jornais
sem identificação.

Figura 2: Página de álbum do maestro Alberto Monteiro com programa de concerto sem identificação.

Com os objetivos de identificar origens e datas dos recortes de jornais e dos


programas dos eventos artísticos e musicais que contaram com a participação do GMCG
ou que foram promovidos por ele, e também de ampliar e de contextualizar historicamente
as atividades culturais na capital paranaense nos anos de atuação do grupo, foram
consultados, em acervo digital pertencente à Biblioteca Nacional, seção Hemeroteca,
localizada no Rio de Janeiro, cinco jornais diários de Curitiba, do período compreendido
entre 1890-1900:
a) A República, período 1888-1900;
b) Jornal do Commercio, período 1891-1894;
c) A Tribuna, período 1895-1896;
d) O Município, período 1897-1898;
e) Almanach do Paraná, nos anos 1896, 1899, 1900-1902.

Foi particularmente importante na pesquisa o jornal A República, que se encontra


digitalizado de maneira regular e sem lacunas de tempo. Já o Jornal do Commercio, que
embora digitalizado somente nos anos supramencionados, se destacou pela posição
política assumida, a de republicanos federalistas, favorável aos movimentos do exército
libertador do general Gumercindo Saraiva, líder dos chamados maragatos, e será objeto
127

SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

de estudos posteriores.
O álbum de recortes pertencente ao maestro Alberto Monteiro foi classificado por
três assuntos distintos: a) atividades do Grêmio Musical Carlos Gomes; b) atividades do
Grêmio Musical Orpheon Paranaense (fundado em 1906); e c) atividades profissionais
diversas desempenhadas pelo maestro, em especial, aquelas desenvolvidas ainda no
século XIX, entre 1891 a 1900. Tanto o item b quanto o item c serão abordados em outras
oportunidades.
Do acervo digital, seção Hemeroteca, da Biblioteca Nacional, além do jornal A
República e do Jornal do Commercio, foram consultados outros órgãos da imprensa de
Curitiba referentes aos últimos anos do século XIX, como o A Tribuna, o O Município, e o
Almanach do Paraná, entre outros. Nenhum desses periódicos se encontra digitalizado de
maneira regular e, portanto, foram consultados esporadicamente e quando houve a
necessidade de maiores esclarecimentos.

2. O Grêmio Musical Carlos Gomes (1893-1902)


O Grêmio Musical Carlos Gomes (GMCG) foi fundado em 09 de maio de 1893, em
Curitiba, Paraná, constituindo-se como entidade civil musical sem fins lucrativos e assim
participando ativamente da vida cultural e artística de sua época. Inicialmente, o GMCG
foi formado por 12 músicos liderados pelo maestro português Alberto d'Oliveira
Monteiro (1855-c.1920): Gabriel Monteiro, Antenor Monteiro (ambos irmãos mais novos
do maestro), Gabriel Ribeiro, Álvaro Barbosa, Augusto Stresser, Alberto Leschaud,
Athanasio Leal, Júlio Bellini, Bellarmino Vieira, Frederico Lange e Annibal Requião ii. Em
1895, o GMCG foi ampliado e passou a ser composto também por grupo cênico,
habilitando-o a realizar, além de números exclusivamente instrumentais, também operetas
e revistas em suas apresentações.
128

SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Figura 3: Fundadores do GMCG: (de cima para baixo, esquerda para direita) maestro Alberto
Monteiro, Álvaro Barbosa, Gabriel Monteiro, Antenor Monteiro, Alberto Leschaud, Frederico Lange,
Athanásio Leal, Augusto Stresser, Júlio Bellini, Belarmino Vieira, Annibal Requião, Gabriel Ribeiro.

Alguns dos eventos patrocinados pelo Grêmio Musical Carlos Gomes, como o
concerto dramático e baile para os feridos do conflito da Lapa, em 1893, no mesmo ano
de sua fundação, ou as exéquias realizadas por ocasião do falecimento do compositor
Carlos Gomes, em 1896, ou ainda a revista cômica e burlesca Lord Bung, também 1896,
angariaram elogios e, por vezes, críticas da imprensa local curitibana, conforme pode ser
observado nos periódicos da época:

Realizou-se anteontem com extraordinária concorrência de sócios e


convidados o sarau musical do acreditado grêmio que perpetua o nome
glorioso de Carlos Gomes. A muitas parecia que se achava adormecida
para sempre essa agremiação, que tantos louros já têm colhido em
nosso meio social e que teve a felicidade de agrupar uma plêiade distinta
de consumados amadores da divina Euterpe. Felizmente para a nossa
bela e adolescente Capital, ressurgiu ontem a laureada associação
festejando o quarto aniversário de sua fundação. A orquestra, regida pelo
distinto sr. Alberto Monteiro, executou o programa com o seu habitual
esmero sendo muito aplaudida e, principalmente quando tocou o
Preludio, composição do talentoso paranaense, sr. Augusto Stresser,
que foi coroada por uma retumbante salva de palmas.
O sr. Alberto Monteiro recebeu das mãos de duas belas meninas um
lindo bouquet que lhe foi oferecido em nome do Clube dos Puritanos.
O teatro Hauer achava-se ornamentado de folhagens, dísticos, bandeiras
de diversas nacionalidades e estandartes de algumas associações. O
belo sexo fez-se representar brilhantemente.
Após o concerto seguiu-se animado baile, que prolongou-se até alta
madrugada, tendo os sócios do Grêmio posto em prática a mais fidalga
gentileza para com os convidados.
129

SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Enviando as nossas felicitações à nova diretoria do Grêmio Musical


Carlos Gomes desejamos que continue a proporcionar à sociedade
curitibana os esplêndidos saraus, que como os de ontem, constituem
uma das melhores notas dos nossos meios social e artístico.
(IN álbum de recortes de Alberto Monteiro: CG013-5 periódico sem
identificação; 1897: quarto aniversário GMCG)

O Grêmio Musical Carlos Gomes finalizou-se em 1902, quando a associação foi


encerrada de maneira abrupta e algo lacônica. Foram nove anos de realizações artístico-
musicais na capital paranaense, obtendo reconhecimento e apoio da população local. O
estudo e devida análise deste processo de encerramento das suas atividades serão
objeto de pesquisas posteriores.
A listagem cronológica das atividades do GMCG apresentada a seguir tem o
propósito principal de oferecer aos interessados os primeiros resultados desta pesquisa, e
será referência para as futuras abordagens relacionadas a esta pioneira entidade civil
musical do Estado do Paraná.
130

SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Cronologia das atividades do Grêmio Musical Carlos Gomes entre 1893-1899 estabelecida em pesquisa
nos jornais A REPÚBLICA (em negrito), DIARIO DO COMMERCIO (em itálico) constantes na Hemeroteca
digital da Biblioteca Nacional e somadas aos PROGRAMAS DE CONCERTOS (em rubrica sublinhada e
indicada por números ordinais) e por REPORTAGENS SEM IDENTIFICAÇÃO (em rubrica sublinhada e
indicadas por CGXX-X) ambas constantes no álbum de recortes pertencente ao maestro Alberto d'Oliveira
Monteiro (período 1893-1899)

1893
09mai - fundação do GMCarlosGomes (artigo de Sebastião Paraná de 1923 com histórico GMCG)
07dez - 2 - Convite 07dez1893 - concerto GMCarlosGomes 10dez1893)
09dez - 1 - Convite 09dez1893 - concerto GMCarlosGomes 10dez1893
10dez - GMCarlosGomes - 1º concerto na Sociedade Saengerbund (artigo S.Paraná 1923 histórico GMCG)
10dez - 3 - Programa do concerto GMCarlosGomes 10dez1893 na Sociedade Saengerbund

1894
10fev - 4 - 20fev1894 (Reportagem concerto GMCarlosGomes) para vítimas da Revolução Federalista
22fev - GMCarlosGomes - Programa para os feridos da Lapa
25fev - 5 - Programa GMCarlosGomes 25fev1894 - para vítimas da Revolução Federalista
03mar - GMCarlosGomes - sarau dançante - Beneficio do maestro Adolpho Corradi
10mar - GMCarlosGomes - Oficio de donativos aos feridos da Lapa
01mai - 6 - Programa 01mai1894 (sem indicação local)
19ago - GMCarlosGomes - sarau musical íntimo [estréia de discípulos musicais]
20ago - 7 - Programa 20ago1894 - Sarau íntimo estréia discípulos musicais
21nov - 8 - Programa 21nov1894 (sem indicação local)
[21nov] CG015-1 - GMCarlosGomes - sarau (vide programa 8 Concerto Santa Cecilia]
22nov - GMCarlosGomes - Cathedral de Curitiba - 1º concerto de Santa Cecilia
28nov - Escola de Artes e Indústrias do PR estabeleceu acordo com GMCarlosGomes
10dez - 9 - Programa 10dez1894 (sem indicação local)

1895
20jan - GMCarlosGomes - Sarau musical e dramático
02fev - 10 - Programa 02fev1895 (sem indicação local)
[02fev] CG015-2 - artigo em alemão – “Einakter”: Um quarto duas camas
05fev - GMCarlosGomes - sarau musical dançante
[05fev] CG005-1 CGCarlosGomes - sarau musical
24abr - GMCarlosGomes - 2º aniversário do GMCG
26abr - GMCarlosGomes - Eleição nova diretoria
09mai - 11 - 09mai1895 - Concerto de 2º ano instalação do GMCG
[11mai] CG0011-3 - GMCarlosGomes [Segundo aniversário do GMCG]
11mai - GMCarlosGomes - 2º aniversário do GMCG
[11mai] CG007-3 - GMCarlosGomes [Segundo aniversário do GMCG]
26jun - GMCarlosGomes - Nova diretoria - três irmãos Monteiro (Alberto, Antenor, Gabriel)
11jul - 13 - Programa 11jul1895 (sem indicação local)
18jul - 14 - Programa 18jul1895 (sem indicação local) Concerto para Alberto Monteiro
25jul - GMCarlosGomes - Soirèe para Alberto Monteiro
10ago - GMCarlosGomes - Programa para Alberto Monteiro
12ago - GMCarlosGomes - concerto-baile
12ago - Conservatório de Bellas Artes dedicou 7º concerto para GMCarlosGomes
18ago - Conservatório de Bellas Artes dedicou 7º concerto para GMCarlosGomes
20ago - Conservatório de Bellas Artes dedicou 7º concerto para GMCarlosGomes
07set - GMCarlosGomes realizou festa íntima Antonino Correia
18set - 15 - Programa 18set1895 (sem indicação local)
24set - GMCarlosGomes - sarau
26set CG005-5 - coluna Painéis, de Cecy – [Jornal] A Tribuna
[26set] CG005-6 - Artigo escrito em alemão
27set - GMCarlosGomes - Sarau dançante
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13out - GMCarlosGomes - Festa de caridade para cego Antônio Ferreira


17out - GMCarlosGomes - comentário beneficio para cego Antônio Ferreira
20nov - 16 - Programa 20nov1895 (sem indicação local)
[20nov] CG015-3 - GMCarlosGomes - Missa Santa Cecilia e Sarau [vide Programa 16)
24nov - GMCarlosGomes – Missa Santa Cecilia
26nov - Anteontem - GMCarlosGomes (Missa Santa Cecilia) - Praça de Touros
03dez - GMCarlosGomes - Serenata Passeio Público
05dez - GMCarlosGomes - Serenata Passeio Público (comentários)

1896
07jan - Agradecimento Ex-cego Antonio Ferreira para GMCarlosGomes
08jan - convocação GMCarlosGomes para Lord Bung
[08jan] CG021-3 - Lord Bung
06mar - GMCarlosGomes – Lord Bung - 2º apresentação
[06mar] CG021-1 - GMCarlosGomes - Lord Bung - [A República ms]
[06mar] CG021-4 - GMCarlosGomes - Lord Bung - [Diário da Tarde ms]
[06mar] CG021-4 - GMCarlosGomes - Lord Bung - [Gazeta do Povo ms]
07mar - GMCarlosGomes – Lord Bung - revista Curitybana
07mar - GMCarlosGomes – Lord Bung - benefício para a Biblioteca Pública
08mar - GMCarlosGomes - comentário sobre Lord Bung - revista Curitybana
10mar - GMCarlosGomes - comentário sobre Lord Bung
[06mar] CG021-2 - GMCarlosGomes - Lord Bung - [A República]
12mar - GMCarlosGomes - Alberto Monteiro recebeu batuta
[12mar] CG017-6 - GMCarlosGomes sarau [Operário Livre: batuta p/ Alberto Monteiro por Nestor Castro]
19mar - GMCarlosGomes - sobre Lord Bung (comentário Azevedo Macedo)
08abr - GMCarlosGomes - sobre Lord Bung (comentário Azevedo Macedo)
09abr - GMCarlosGomes - sobre Lord Bung (comentário Azevedo Macedo)
26abr - GMCarlosGomes - assembléias
28abr - GMCarlosGomes - comunicado: ingressos extras para sócios somente membros familiares
09mai - 17 - Programa 09mai1896 (sem indicação local) 3º. aniversario fundação
12mai - GMCarlosGomes – ‘Quadro negro’ sobre Lord Bung (protesto de Brazílio de Carvalho)
12mai - GMCarlosGomes - Concerto
17mai - GMCarlosGomes - Nova Diretoria
[18ago] CG017-4 GMCarlosGomes
19ago - 18 - Programa 19ago1896 (sem indicação local)
21ago - GMCarlosGomes - sarau dramático musical
25ago - GMCarlosGomes - “Clube mais popular Curityba”
16set - GMCarlosGomes - para Claudino dos Santos
19set - 19 - Programa 19set1896 (sem indicação local)
19set - GMCarlosGomes - Carlos Gomes - Homenagens póstumas
[22set] CG09-1 e CG09-2 Homenagens Carlos Gomes [por Nestor de Castro]
[22set] CG011-1 e CG011-2 Homenagens Carlos Gomes [por Nestor de Castro]
22set - GMCarlosGomes - exéquias de Carlos Gomes
26set - GMCarlosGomes - para Claudino dos Santos
15out - GMCarlosGomes - Club Curitybano - exéquias de Carlos Gomes
22out - GMCarlosGomes - festa para Major Arthur Lopes
11nov – compositor Carlos Gomes - programação das exéquias
03dez – Programa conjunto de GMCarlosGomes e da Sociedade São Vicente Paula
08dez - 20 - Programa 08dez1896 (sem indicação local)
[08dez] CG007-1 GMCarlosGomes (vide programa do dia 08 de dezembro de 1896)
[08dez] CG007-2 GMCarlosGomes (vide programa do dia 08 de dezembro de 1896)
10dez - GMCarlosGomes - Concerto
11dez - GMCarlosGomes - Quadro GMCG para Leôncio Correia
27dez - GMCarlosGomes – revista Fui a Curityba, de Claudino Santos

1897
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04mai - 21 - Programa 04mai1897 (sem indicação local) para Gabriel Ribeiro


10mai - GMCarlosGomes - 4º aniversário – coluna Rosal de Saul
[10maio] CG13-1 GMCarlosGomes - 4º aniversário – coluna Rosal de Saul
[10maio] CG13-2 GMCarlosGomes - 4º aniversário - Prelúdio de Augusto Stresser
[10maio] CG13-3 GMCarlosGomes - 4º aniversário - Prelúdio de Augusto Stresser
02out - GMCarlosGomes e Bento Menezes - Beneficio pistonista Benedicto N. Santos
09out - 22 - Programa 09out1897 (sem indicação Local)
[nov] CG13-6 GMCarlosGomes - sarau
09out - GMCarlosGomes - Salão Saengerbund - Sarau programa
[nov] CG13-4 GMCarlosGomes - Ensaio para concerto Santa Cecilia
28nov - 23 - Programa 28nov1897 (concerto Santa Cecilia) (na Catedral)

1898
12fev - 24 - Programa 12fev1898
09mar - GMCarlosGomes - ameaça dissolução
09mai - 25 - Programa 09mai1898 (sem indicação local)
09mai CG017-2 GMCarlosGomes - 5º aniversário – Alberto Monteiro apresentou a abertura 9 de maio
11mai - GMCarlosGomes - 5º aniversario – Alberto Monteiro apresentou a abertura 9 de maio
[11mai] CG005-4 GMCarlosGomes - 5º aniversário
29mai - GMCarlosGomes - retrato Sant’Anna Gomes
01nov - 26 - Programa 01nov1898 (sem indicação local)
18dez - 27 - Programa 18dez1898 (sem indicação local)

1899
13jul - GMCarlosGomes - Sarau
[16jul] CG017-3 GMCarlosGomes - sarau
16jul - 28 - Programa 16jul1899 (sem indicação local)
08set - 29 - Programa 08set1899 (sem indicação local)
[08set] CG019-4 - [Vide Programa 29] - [Jornal] Diário da Tarde
[17set] CG019-3 - [Vide Programa 29] - [Jornal] O Sapo
26nov - 30 - Programa 26nov1899 (sem inicação local)
[26nov] CG019-1 - [Vide Programa 30] reg. Joaquina Ferreira - [Jornal] O Município
[26nov] CG019-2 - [Vide Programa 30] reg. Joaquina Ferreira - [Jornal] Tribuna do Paraná
26nov - GMCarlosGomes - Festa Santa Cecilia programa

i Um tipo de goma arábica que, de maneira surpreendente, não deteriorou o material com o passar dos
anos e também não possibilitou a presença de insetos como traças.

ii Augusto Stresser, Annibal Requião e Frederico Lange talvez sejam os únicos integrantes do GMCG
sobre os quais foram localizadas referências de pesquisa, em forma de artigos científicos e
dissertações. Sobre todos os demais integrantes, inclusive, sobre o maestro Alberto Monteiro, não há
informação, até o momento, de nenhum estudo realizado e publicado.
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Entre documentos e depoimentos: análise musical e o “falar de si”


na investigação acadêmica da música popular

MODALIDADE: Resumo expandido (apresentação oral)

Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas


Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) – sergio.freitas@udesc.br

Palavras-chave: Análise e crítica da música popular. História oral. Metodologia de pesquisa


em música popular.

Com a crescente expansão dos estudos críticos e analíticos acerca da


música popular em âmbito acadêmico em nosso país, algumas questões conhecidas
no universo das humanidades (cf. ANGROSINO, 2009; BOURDIEU, 1996;
BRANDÃO, 2004; FAULKNER e BECKER, 2011; PRINS, 1992) estão se tornando
notórias também em nossas rotinas de investigação musicológica. Questões afins
que, de modo genérico, podem ser resumidamente reapresentadas assim: Como
lidar com depoimentos dos músicos a respeito de sua própria obra, de seus projetos,
processos e intenções? Como e em que medida seria possível contrapor
metodologias de história oral aos dados obtidos via rotinas de análise musical? As
operações analíticas sancionadas pela musicologia estariam suficiente e
legitimamente autorizadas a sustentar contra-argumentações ou mesmo objeções
aos relatos pessoais destes músicos? O artista criador será sempre o mais confiável
informante acerca de sua própria obra? Seria viável conciliar dados obtidos via
declarações auto-referenciadas com dados observados via outros mecanismos de
crítica visando a elaboração de uma interpretação densa e de ampla abrangência?
Seria possível medir a isenção de um investigador frente ao depoimento de um
informante de indiscutível autoridade musical, cultural e mercadológica? Seria
factível consociar a validade e a confiabilidade da investigação científica com a
pronta agregação de um admirável capital simbólico acumulado em outro campo e já
plenamente assegurado? Delegar ao músico poeta, ao cancionista ou ao compositor
a tarefa de analisar tecnicamente a sua própria produção seria, ou não, uma espécie
de transferência de tarefas, de responsabilidades ou mesmo de competências que
cabem ao crítico, ao professor e ao analista musical? Para estimular uma reflexão
provisória, em parte ética e em parte metodológica, acerca de questões assim, o
presente estudo propõe um exercício comparativo de dois casos que podem ser
considerados ilustrativos. Em cada caso confronta-se o depoimento de um músico a
um documento em partitura, todos já públicos.
O primeiro caso retoma trechos da entrevista do violonista, arranjador,
cantor e compositor Dori Caymmi (1943-) concedida à Smarçaro (2006, p. 181) em
outubro de 2005. Nesses trechos, Dori Caymmi rememora a criação de um
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

segmento musical que, por fim, se tornou o refrão da canção “Amazon River” que
ganhou versos do poeta Paulo César Pinheiro (1949-) e foi lançada no álbum
“Brasilian Serenata” de 1991. Recortando o relato de Dori Caymmi encontramos
declarações como: “é inexplicável”, “sei lá. É um momento em que, de repente tem
um click, bate, que de repente você tem uma música”, “eu pedi ao [contrabaixista
estadunidense] Jimmy Johnson pra fazer um solo e ele não sabia, e eu dei uma
cagada que eu fiz o... (canta melodia do refrão de “Amazon River”)... e descobri um
triângulo que eu não sabia que existia em música, porque eu não tenho técnica
nenhuma”. “E aí descobri essa triangulação da mesma melodia que sai de Láb
menor, Dó menor, pra Mib menor e Láb menor outra vez... espontânea”. “E foi pura
sorte, eu fiz na cagada... não foi nada pensado”.
Contudo, estudando “Amazon River” a partir das gravações comerciais já
lançadas pelo artista e do documento em partitura disponibilizado em seu sítio na
internet (CAYMMI, 1991), é possível sustentar conclusões analíticas que oferecem
um nítido contraste complementar aos informes e apreciações fornecidas pelo
próprio compositor nesta entrevista. Assim, considerando referências do campo da
teoria de escola – tais como Bribitzer-Stull (2006), Cinnamon (1986, p. 6-12), Gauldin
(2009, p. 534-542 e 631-645), Kinderman e Krebs (1996, p. 17-33), Kopp (2002, p.
230-234), Lerdahl (2001, p. 89-104), Salzer e Shachter (1999, p. 182-188 e 190-191)
e Taruskin (1996, p. 265-267 e 280-283) – bem como do campo da jazz theory – tais
como Boling e Coker (1993, p. 16-17), Delamont (1965, p. 269-275), Herrera (1995,
p. 117-121), Mangueira (2006, p. 72-73) e Nettles e Graf (1997, p. 162-165) –, a
audição e leitura deste documento musical evidencia escolhas, razões e raciocínios
harmônicos, melódicos e fraseológicos como: o emprego do ciclo de teças maiores
coligando as áreas tonais de Si maior, Mib maior e Sol maior e o emprego de um
nítido encadeamento melódico apoiado nas terças e sétimas de acordes que se
sucedem por progressões de quintas diatônicas. Constatações desta ordem
permitem então observar o refrão de “Amazon River” como uma espécie de
paráfrase, ou recriação, que seleciona e combina soluções musicais salientes em
dois Standards jazzísticos de grande prestígio – a saber: “All the things you are”, a
exitosa canção de Jerome Kern (1885‐1945) e Oscar Hammerstein II (1895‐1960) já
chamada de a “apoteose do ciclo de quintas” (FORTE, 1995, p. 75) e de “a canção
perfeita” (SCHWARTZ apud FORTE, 1995, p. 73) e “Giant Steps”, a influente
composição do saxofonista e compositor estadunidense John Coltrane (1926‐1967)
gravada em 1959.
O segundo caso faz uma espécie de caminho inverso. Partindo de uma
análise da lead sheet publicada por Chediak (1992, p. 148-149), podemos destacar
alguns traços da canção “Refazenda” lançada em 1975 pelo violonista, cantor e
compositor Gilberto Gil (1942-). Digamos, esquematicamente: trata-se de uma
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

canção dividida em dois segmentos de 8 compassos. O primeiro está na tonalidade


de Ré maior e intercala duas harmonias que, a cada compasso, se repetem: o
acorde de Ré maior e o acorde de Lá maior com sétima, nona e quarta suspensa
harmonizam uma melodia apoiada quase que exclusivamente nas notas ré, lá e fá#.
O segundo segmento está na área tonal de Ré menor, e também intercala duas
harmonias a cada compasso: o acorde de Ré menor e o acorde de Lá menor com
sétima harmonizam uma melodia apoiada quase que exclusivamente nas notas ré, lá
e fá natural. Verificações assim, de ordem objetiva ou mensuráveis nesta versão em
pauta, poderão afiançar algum argumento crítico valorativo. Contudo, estudando o
depoimento técnico e instrumental gravado pelo próprio Gilberto Gil na seção de
extras do “DVD Bandadois” lançado em 2009, constata-se que este documento em
partitura, embora tenha sido publicado com a chancela do compositor, pode ou
necessita ser reescrito. E que, com isso, as considerações e avaliações analíticas
poderão se modificar substancialmente.
Em conclusão, argumenta-se que casos deste tipo podem ilustrar
particularidades para as quais também a investigação acadêmica da música popular
deve estar atenta: nosso objeto de estudo requer “descrição densa” (GEERTZ,
1989), estimula consultas diversas e a confrontação criteriosa de dados obtidos em
diferentes fontes, posto que, por vezes, pode existir uma grande discrepância entre
aquilo que um músico diz acerca de sua obra e aquilo que a própria obra informa
sobre si mesma.

Referências:

ANGROSINO, Michael. Etnografia e observação participante. Bookman, 2009.


BOLING, Mark e COKER, Jerry. The jazz theory workbook. Rottenburg: Advance
Music, 1993.

BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta


Moraes (Org.) Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação
Getulio Vargas, 1996. p. 183-191.

BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Introdução à análise do discurso. Campinas:


Ed. da Unicamp, 2004.

BRIBITZER-STULL, Matthew. The Ab–C–E complex: the origin and function of


chromatic major third collections in nineteenth-century music. Music Theory
Spectrum, v. 28, p. 167–190, 2006.

CAYMMI, Dori. Rio Amazonas [Amazon River], partitura manuscrita, 1991.


Disponível em <http://www.doricaymmi.com/letras.php>. Acesso em: 03 abr. 2012.
136
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

CHEDIAK, Almir (Ed.). Songbook Gilberto Gil. Volume 2. Rio de Janeiro: Lumiar
Editora, 1992.

CINNAMON, Howard. Tonic arpeggiation and successive equal third relations as


elements of tonal evolution in the music of Franz Liszt. Music Theory Spectrum, v. 8,
p. 1-24, 1986.

DELAMONT, Gordon. Modern harmonic technique. The advanced materials of


harmony. Volume 2. Delevan, NY: Kendor Music, 1965.

FAULKNER, Robert e BECKER , Howard. El jazz en acción: la dinámica de los


músicos sobre el escenario. Editorial Siglo Veintiuno, 2011.

FORTE, Allen. The American popular ballad of the golden era 1924-50. Princeton,
NJ: Princeton University Press, 1995.

GAULDIN, Robert. La práctica armónica en la música tonal. Madrid: Ed. Akal, 2009.

GEERTZ, Clifford. Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura.
In: ______. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989, p. 13-41.

HERRERA, Enric. Teoria musical y armonia moderna. Barcelona: Antoni Bosch,


1995.

KINDERMAN, William e KREBS, Harald. The second practice of nineteenth-century


tonality. Lincoln: University of Nebraska Press, 1996.

KOPP, David. Chromatic transformations in nineteenth-century music. Cambridge:


Cambridge University Press, 2002.

LERDAHL, Fred. Tonal pitch space. New York: Oxford University Press, 2001.

NETTLES, Barrie e GRAF, Richard. The chord scale theory & jazz harmony.
Advance Music, 1997.

PRINS, Gwyn. História oral. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo: Ed. da UNESP, 1992. p. 163-198.

SALZER, Felix e SHACHTER, Carl. El contrapunto en la composición: el estudio de


la conducción de las voces. Barcelona: Idea Books, 1999.

SMARÇARO, Júlio César Caliman. O Cantador: a música e o violão de Dori Caymmi.


Dissertação (Mestrado em Música) - Instituto de Artes, Universidade Estadual de
Campinas, 2006.

TARUSKIN, Richard. Stravinsky and the russian traditions. Berkeley: University of


California Press, 1996.
137
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Apresentações Musicais nas Escolas:

Interações sociais na aprendizagem pela apreciação musical

MODALIDADE: Cognição musical

Katarina Grubisic
Universidade Federal de Santa Catarina – kataviola@hotmail.com

Cristiana Tramonte
Universidade Federal de Santa Catarina – tramonte@ced.ufsc.br

Resumo: Este artigo analisa as interações sociais na aprendizagem pela apreciação musical
ocorridas em apresentações musicais em escolas municipais de Florianópolis, Santa
Catarina, promovidas pelo projeto social “Orquestra Escola”. Verificou-se, entre outros
resultados, que a interação entre Orquestra Escola e alunos das escolas públicas pode
incentivar e promover a aprendizagem musical.

Palavras-chave: Educação musical. Projetos sociais. Apresentações musicais.

Musical performances at schools: social interactions on learning in music appreciation

Abstract: This paper seeks to analyze the social interactions on learning in music
appreciation that occurred in musical performances at public schools in Florianópolis, Santa
Catarina, that was promoted by the social project “School Orchestra." It was found, among
other results, that the interaction between School Orchestra and students of public schools
can encourage and promote musical learning.

Keywords: Musical education. Social project. Musical performances.

1. Introdução

Este artigo analisa as interações sociais na aprendizagem pela


apreciação musical ocorridas em apresentações musicais em escolas municipais de
Florianópolis, Santa Catarina, promovidas pelo projeto social “Orquestra Escola”.
Este projeto consiste em oferecer gratuitamente aulas e promover ensaios para
crianças e jovens de comunidades periféricas a fim de que constituam uma
orquestra e realizem apresentações públicas. A Orquestra Escola foi objeto de
pesquisa de mestrado de Grubisic (2010) na qual verificou-se, entre outros
resultados, que a interação entre Orquestra Escola e alunos das escolas públicas
pode incentivar e promover a aprendizagem musical.
A pesquisa objetivou analisar aspectos cognitivos da aprendizagem
musical realizada a partir das apresentações e da interação entre os estudantes das
escolas públicas e o grupo musical da Orquestra Escola.
Essas apresentações musicais aconteceram no espaço escolar da rede
municipal de Florianópolis no segundo semestre do ano de 2011 em cinco escolas.
O grupo musical possuía de dez a vinte integrantes e se apresentava para três
turmas de alunos acompanhadas do professor de música das escolas. Essas turmas
138
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

das escolas já possuíam aulas de música como parte do currículo e objetivou-se


relacionar as apresentações didáticas da Orquestra Escola com os conteúdos que
os professores estavam trabalhando com as classes.
Com a sanção da Lei nº. 11.769, em agosto de 2008, que promove a
obrigatoriedade do ensino de música na educação básica “os educadores musicais
vêm discutindo sobre a presença da música na escola para que o Estado garanta a
todos o acesso a um ensino sistemático de qualidade” (PENNA, 2008, p. 10). A
apreciação e contato com grupos musicais formais tais como a Orquestra Escola
dentro do espaço escolar pode ser uma atividade que contribui para a educação
musical.
O objetivo dessa pesquisa foi analisar aspectos da aprendizagem musical
ocorrida nas apresentações musicais da Orquestra Escola nas escolas públicas e a
produção de novos conhecimentos provindos dessa articulação entre escolas
públicas e a Orquestra, de forma a verificar como as apresentações da Orquestra
influíram na aprendizagem dos conteúdos ensinados nas escolas e,
especificamente, nos sujeitos envolvidos na experiência - membros da Orquestra e
alunos das escolas.
A este processo transformador dos sujeitos envolvidos poderíamos
chamar, como define PORCHER (1982) de um processo de reeducação, que se
materializa por meio da atividade musical, e não simplesmente pela audição. Diz
PORCHER (p.71): "mais do que formar o ouvido trata-se de permitir à criança a
integração de seu esquema corporal, domínio do gesto, noção de movimento,
intercomunicação... apropriação de si mesma " (grifo nosso).
A metodologia da pesquisa foi uma abordagem qualitativa exploratória
através de observações participativas, entrevistas e reuniões com alunos e
professores.

2. Os projetos sociais e a inserção social através da música

Os projetos sociais musicais fazem parte de um movimento de educação


musical no Brasil e no mundo, que vê na música uma ferramenta de inserção social
e ao mesmo tempo um meio de desenvolvimento pessoal.
Segundo Cruvinel (2005), o ensino coletivo e gratuito de música em
projetos sociais promove a transformação na vida dos indivíduos do ponto de vista
singular e também social. O fazer musical em grupo promove a atuação dos
integrantes como sujeitos em um processo educacional e artístico. Bastide (1974)
vai ainda mais longe: segundo ele, a arte não se caracteriza como um jogo sem
consequência mas age sobre a vida coletiva e pode transformar o destino das
sociedades, ao mesmo tempo em que é, também um produto da vida coletiva.
139
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

De acordo com Vigotski (2010), o desenvolvimento cultural se constitui


pelas interações dos sujeitos com o seu contexto histórico e cultural. O intercâmbio
social entre o educando e o que o meio lhe oferece, pode criar situações de
aprendizagem gerando mais conhecimento. Nesse sentido o meio social atua na
formação musical e educacional do estudante.

3. O Projeto Orquestra Escola

O Projeto Orquestra Escola constituiu-se em um projeto social que


ensinava crianças e jovens a tocar em uma orquestra de cordas e sopros cujo
objetivo principal era o desenvolvimento musical e integral destes. O Projeto
oferecia gratuitamente aulas, ensaios semanais e apresentações para cerca de cem
crianças e jovens da grande Florianópolis.
A concepção de ensino/aprendizagem musical desse projeto não
contemplava a idéia de “talento inato”, mas de educação para o exercício do fazer
artístico a partir do interesse do educando. Nos ensaios o repertório era diverso,
apresentando músicas eruditas, populares, folclóricas e da mídia. Havia uma
constante interação entre estudantes mais experientes e iniciantes em um processo
de estreita colaboração em torno do objetivo comum. A Orquestra Escola realizou
apresentações públicas em teatros, praças e escolas.
Porcher (1982) afirma o caráter de socialização e ao mesmo tempo de
individualização da pessoa por intermédio da música: "utilizar a comunicação
musical para expressar-se, para dar a auto-expressão um valor de comunicação,
quer dizer, uma espécie de universalidade sensível através do diálogo musical, da
improvisação feita por várias crianças - a criação coletiva - que implica o surgimento
de um código mais explícito e estruturante" (1982: p.76).
Ao lado dos valores de auto-expressão e de criação de uma
"universalidade sensível" como aponta PORCHER, a música possibilita ainda uma
ação de resistência não-violenta nos processos de exclusão e marginalização de
grande parcela da população. Pode-se afirmar que a atividade musical soma-se a
outras nem uma estratégia de "educação para a paz" como descrevem Bayada e
Boubalt ( 2004). Os autores examinam uma experiência de educação para a paz em
uma escola de um subúrbio de Paris, Belleville, cujo contexto de violência era
alarmante. Eles analisam a transformação dos alunos, de origem árabe, no processo
e após a constituição de um grupo de "comédia musical". Alguns jovens manifestam-
se a respeito de sua transformação através do teatro e da música e as
consequências positivas sobre a escola, as famílias e o bairro como um todo.
Segundo Fleuri e Souza (2003), "à medida em que os sistemas de
significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma
140
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma


das quais poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente". (p.56). Daí a
importância da existência de “alguns locus congregadores e articuladores das
diversas identidades, principalmente quanto se trata de jovens” (TRAMONTE,
GRUBISIC, 2012, p. 293). Estes locus podem representar espaços de congregação
identitária e, portanto, contribuírem para uma educação para a paz e para a não-
violência.

4. As apresentações musicais nas escolas

As apresentações musicais nas escolas foram precedidas por um contato


com as escolas selecionadas. Entre os critérios adotados para a seleção estava a
localização mais distante do centro da cidade e, portanto o acesso escasso dos
estudantes a concertos públicos e gratuitos.
Segundo Benedetti e Kerr (2009) a prática musical coletiva proporciona
situações de aprendizagem ao “oferecer práticas musicais dos diferentes grupos
instrumentais, das orquestras infanto-juvenis (...) podem ser oportunidades efetivas
para o desenvolvimento de novas escutas, de novas vivências musicais” (p.92).
Após as apresentações havia tempo para os alunos das escolas
interagirem e fazerem perguntas. A Orquestra tocava uma música e o maestro fazia
algum comentário sobre a peça tocada ou sobre os instrumentos e seu papel no
grupo. Em algumas apresentações, as crianças e adolescentes que assistiam
puderam ter um contato maior com os instrumentos tocando neles. Observou-se que
a tendência dos estudantes que assistiam foi de observar e tentar imitar os músicos.
Esse processo de ver e ouvir o outro para tentar fazer da mesma maneira estimula o
que os neurocientistas chamam de “neurônios-espelho que são ativados quando
alguém observa uma ação de outra pessoa.” (LAMEIRA; GAWRYSZEWSKI;
PEREIRA JUNIOR, 2006, p.129).

5. A apreciação e o fazer musical

Em uma das escolas a professora de ensino regular propôs um trabalho


aos estudantes durante a aula de música curricular após a apresentação musical da
Orquestra. A professora pediu que os alunos manifestassem suas impressões sobre
o concerto em 3 níveis de expressão: comentário, texto e após, desenho. Uma aluna
destacou os instrumentos que mais lhe interessaram como a “viola de arco”, a flauta
doce e o violoncelo enfatizando a diversidade física dos participantes e a unidade
do grupo na questão rítmica: “vi muitas pessoas num ritmo só”. O resultado sonoro
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

da atividade em grupo foi descrito por "um som muito bom” Sobre o trabalho em
grupo declara: “aprendi que em um grupo nós conseguimos fazer muita coisa”.
Este caso confirma que conforme (KLEBER, 2005) as práticas musicais
são resultantes de experiências socioculturais de “caráter coletivo e interativo dos
sujeitos, ou seja, cada um traz ao grupo suas próprias experiências e dentro das
vivências musicais vão se formando novas noções de valores pessoais e sociais”.

Figura 1. Trabalho realizado numa escola após um concerto didático. (fonte: Arquivo Pessoal da Professora
Bárbara Hass/ 2011).

Como encerramento da série de Apresentações nas Escolas foi


programado um concerto num teatro no centro de Florianópolis com a participação
dos alunos das escolas. Cada professor com os estudantes organizou em sua
escola uma obra musical para ser apresentada. Nesse momento os estudantes que
antes apenas assistiam agora também formariam um grupo musical. Algumas
turmas tocaram instrumentos como flauta doce e violão e outras cantaram. O
concerto foi encerrado com o grupo do Projeto Orquestra Escola.
A apreciação e contato com grupos musicais dentro do espaço escolar foi
uma significativa atividade com crianças e adolescentes do ensino fundamental para
incentivar o ensino musical. Dessa forma, a música passa a ser uma atividade social
“contribuindo para que a educação musical não seja privilégio de uns poucos, mas
oportunidade para muitos, se não para todos” (FIGUEIREDO; SCHMIDT, 2008, p. 6).
A aprendizagem faz o estudante buscar de seu cotidiano referências que
através da ação pedagógica ele pode relacionar com os novos conhecimentos. A
apreciação musical (ouvir) bem como a produção musical (tocar) são formas de
promover o desenvolvimento dos estudantes. Para Souza (2008), a educação
musical não deve ficar na “mera transmissão de conhecimentos, mas a produção de
uma consciência verdadeira que exigiria a participação de pessoas emancipadas”
(SOUZA, 2008, p. 179). O contato com o grupo musical de orquestra foi um meio
142
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

que possibilitou essas interações e desenvolvimento na direção de uma consciência


grupal e integradora.

6. Considerações finais

A interação entre Orquestra e alunos das escolas públicas pôde criar


situações que promoveram a aprendizagem musical e, para além desta, a
consciência cidadã de construção de uma sociedade mais dialógica. Verificou-se que
para os alunos das escolas públicas, a observação de uma orquestra em sua
estrutura despertou interesses pelos instrumentos musicais, diferentes sonoridades
em diferentes tipos de músicas e também a projeção para fora de sua
individualidade para a possibilidade de construção de novas coletividades. A postura
dos músicos da Orquestra e suas interações foram observadas pelos alunos das
escolas públicas, possibilitando a vivência da atividade musical como uma ação não
somente artística, mas também social.
Quanto à constituição dos integrantes da Orquestra o contato com o
público, alunos das escolas públicas, gerou um sentido maior de responsabilidade
artística e social reforçando-lhe o sentido de cidadania através do fazer musical.
No contraponto dos alunos das escolas publicas a vivencia pedagógica
com o grupo da Orquestra despertou interesses diversos que puderam ser
apropriados pelos professores da escola em suas aulas de música Portanto, os
pares, - Orquestra e alunos e professores das escolas públicas - puderam, a partir
do encontro, verem refletidos e promovidos seus interesses artísticos, sociais e de
valores de cidadania, ultrapassando a arte como jogo individual, de que fala Batide
(1974) e promovendo-a a promotora de vida coletiva passível de influir no destino
das sociedades.
143
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Referências:

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2012. http://www.artenaescola.com/links/documentos/Marcelina3_80-97.pdf

FIGUEIREDO, Sérgio L. F.; SCHMIDT, Luciana. 2008. “Refletindo Sobre o Talento


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Fontes, 2010.
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Persuasão verbal e o processo de ensino em El Sistema

Veridiana de Lima Gomes Krüger


UFPR/CAPES – PROFCEM/CNPq – limaveridiana@yahoo.com.brl

Resumo: Este artigo aborda o projeto de ensino musical venezuelano mundialmente


conhecido como El Sistema sob o ponto de vista motivacional, tendo como base teórica a
Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura. O objetivo deste trabalho foi relacionar a prática de
ensino/aprendizagem do referido projeto com as fontes de desenvolvimento de autoeficácia.
Por meio de uma pesquisa bibliográfica de caráter exploratório e interpretativo foi possível
considerar que em El Sistema as persuasões verbais que ocorrem por parte dos professores
e demais músicos que assistem os concertos das orquestras, fortalecem as crenças de
autoeficácia dos alunos.

Palavras-chave: El Sistema. Processo de ensino/aprendizagem. Persuasão Verbal.


Pesquisa bibliográfica.

Title of the paper in English (fonte Helvetica, tamanho 10, negrito, espaço simples,
centralizado)

Abstract: This article discusses the Venezuelan musical education project known worldwide
as El Sistema under the motivational point of view, the theoretical based for the Social
Cognitive Theory of Albert Bandura. The aim of this work was to relate the practice of
teaching/learning of this project with the sources of self-efficacy development. Through a
literature search and exploratory and interpretative character was possible to consider that in
El Sistema verbal persuasions that occur on the part of teachers and other musicians who
attend the concerts of orchestras, strengthen self-efficacy beliefs of students.

Keywords: El Sistema. Teaching / learning process. Verbal persuasions. Bibliographic


search.

1. Introdução

O desenvolvimento musical geralmente é marcado por uma grande


dedicação por parte do aprendiz. É necessário do aluno/instrumentista grande
esforço físico, mental e emocional para superar longas jornadas de estudo. Jornadas
estas, que muitas vezes não apresentam resultados imediatos, podendo levar
semanas, meses e até anos para que o aluno perceba o seu progresso no
instrumento. Muitas vezes esse processo é interrompido por parte do aluno antes
mesmo que este tenha obtido algum progresso, levando educadores e
pesquisadores a questionarem-se a respeito dos fatores que levam um aluno a
desenvolver ou não o desejo de prosseguir o estudo de um instrumento e superar os
desafios que este apresenta.
Com o intuito de compreender como as crianças desenvolvem o desejo de
iniciar e prosseguir o estudo de um instrumento musical, nos últimos anos
educadores e pesquisadores tem buscado estas respostas a partir de pesquisas que
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

envolvem fatores psicológicos, como a motivação. As teorias atuais apontam a


motivação como parte integrante do processo de aprendizagem dos estudantes,
auxiliando a adquirir a gama de comportamentos adaptativos que irá proporcionar a
estes melhores chances de alcançar seus objetivos pessoais. (O’NEILL &
McPHERSON, 2002).
Pesquisas que propõe um diálogo entre psicologia/educação/música tem
discutido questões cognitivas, sociais e afetivas dos indivíduos a partir de teorias
significativas no campo dos estudos motivacionais. Segundo Araújo (2010) dentre as
abordagens cognitivistas pode-se destacar o estudo da autodeterminação,
expectativa-valor, teoria do fluxo, as crenças de autoeficácia, dentre outras.
Nesta pesquisa o enfoque é dado à questões sociais e cognitivas, portanto,
utilizo como suporte teórico a Teoria Social Cognitiva (1986) proposta por Albert
Bandura.
No Brasil, pesquisas sobre música e motivação com base nas teorias de
Bandura (1997), apresentam subsídios importantes para a investigação da
motivação com enfoque em diversas áreas do ensino, aprendizagem e
desenvolvimento musical. Como por exemplo, os trabalhos de (CAVALCANTI, 2009);
(ARAUJO, CAVALCANTI & FIGUEIREDO 2009; 2010); (CERESER, 2011).
Um projeto que utiliza a prática musical coletiva como ferramenta para
inclusão social que vem obtendo bons resultados nos campos artístico, social e
educacional, e que tem conseguido manter seus alunos envolvidos na prática
musical, fazendo com que os mesmos consigam obter grandes resultados artísticos
é o Sistema Nacional de coros y orquestas infantiles e juveniles de Venezuela,
projeto venezuelano mundialmente conhecido como El Sistema. Foi criado em 1975
por José Antonio Abreu com o objetivo de adaptar a metodologia de ensino musical
existente em outros países a realidade venezuelana através da prática coral e
orquestral (FESNOJIV, 2012). Atende atualmente cerca de 400 mil crianças em todo
território venezuelano e vem sendo considerado por diversas instituições
internacionais como um modelo de educação musical e inclusão social digno de ser
implementado em todas as nações (TUNSTALL, 2012).
Tendo em vista os resultados obtidos em El Sistema, surge um
questionamento em torno da metodologia utilizada neste e a forma como esta
contribui com o êxito que o projeto vem obtendo.
Nossa hipótese é que o modelo de ensino e aprendizagem do sistema
garante alto nível de motivação. Nesta pesquisa El Sistema é investigado sob o
ponto de vista motivacional tendo como base teórica a Teoria Social Cognitiva de
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Albert Bandura, mais especificamente o que concerne a Teoria da Auto-


eficácia(1997), que refere-se às percepções do indivíduo sobre suas próprias
capacidades de desenvolver determinada atividade.
Segundo Bandura (1997), os julgamentos de autoeficácia de uma pessoa
determinam seu nível de motivação, pois é a partir desses julgamentos que a
pessoa decide quanto esforço e tempo dedicará a uma atividade e o quando será
resistente frente à situações adversas. Por exemplo, um aluno que está aprendendo
a tocar violino, se ele não acreditar que possui capacidade para aprender a tocar o
instrumento provavelmente o seu nível de dedicação para superar os desafios e
alcançar um bom desempenho musical será reduzido. Se ao contrário, o aluno
acreditar que possui capacidade de aprender a tocar, a dedicação deste para
superar a jornada de estudos necessárias para que se alcance um bom
desenvolvimento musical será elevada.

Ressalta-se nessa definição que se trata de uma avaliação ou percepção


pessoal quanto a própria inteligência, habilidades, ou conhecimentos etc.,
representados pelo termo capacidade. Não é questão de se possuir ou não
tais capacidades; não basta que estejam presentes. Trata-se de a pessoa
acreditar que as possua. Além disso, são capacidades direcionadas para
organizar e executar linhas de ação, o que significa uma expectativa de “eu
posso fazer” determinada ação. (BZUNECK, 2004, p. 116).

De acordo com Bandura (1997), estas crenças podem ser formadas pelo
indivíduo a partir da interpretação de quatro fontes principais: experiência de
domínio, experiência vicária, persuasão verbal e estados físicos e emocionais.
Assim, nosso objetivo neste trabalho é investigar a relação entre a prática de
ensino em El Sistema e as crenças de autoeficácia propostas por Bandura. Aqui
enfocaremos no aspecto denominado por Bandura como persuasão verbal.
Para dar conta do objetivo deste estudo uma pesquisa bibliográfica de caráter
exploratório e interpretativo foi desenvolvida com base em material já elaborado,
conforme indica Gil (2002), principalmente a partir de livros, documentos e artigos
científicos para delinear a relação entre o processo de ensino em El Sistema e as
persuasões verbais propostas por Bandura. “Embora em quase todos os estudos
seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas
exclusivamente a partir de fontes bibliográficas”. (GIL, 2002, p. 44). A próxima etapa
desta pesquisa consiste na realização de um estudo multicasos a ser realizado nos
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núcleos de El Sistema com a finalidade de coletar dados mais detalhados a cerca da


utilização da metodologia no campo empírico por meio de observações e entrevistas
com alunos e professores.

2. Persuasão Verbal e as características de ensino em El Sistema

Segundo Bandura (1997) uma das fontes de desenvolvimento das crenças de


autoeficácia é através da persuasão verbal.
Persuasão verbal: Os alunos podem desenvolver a autoeficácia quando, de
alguma forma lhes for comunicado que eles têm competência para desenvolver a
atividade em questão. Persuasores desempenham papel importante no
desenvolvimento das crenças dos indivíduos, mas não devem ser confundidos com
elogios ou louvores vazios. Os persuasores devem cultivar as crenças do indivíduo
em suas capacidades, transmitindo confiança verbalmente, estabelecendo ou
fortalecendo o senso de confiança do individuo em suas capacidades pessoais.

Uma forte característica que se observa em El Sistema, é o apoio verbal aos


alunos e músicos, tanto por parte dos professores, músicos, colegas como por parte
da sociedade, que valoriza o trabalho feito pelas orquestras e os incentiva a
continuar desempenhando as atividades orquestrais. (BORZACCHINI, 2010;
SANCHEZ, 2007; TUNSTALL, 2012).

O objetivo principal de El Sistema é proporcionar diariamente a seus


estudantes um lugar seguro, alegre e divertido que fomente a autoestima e
um sentido de valor em cada criança. Existe disciplina sem ser
excessivamente rigorosos e a assiduidade não é um problema: as crianças
estão motivadas por si próprias, por seus professores e colegas.
(FESNOJIV, 2012).

Outra característica que foi possível observar em El Sistema é o


reconhecimento do professor em forma de feedback positivo ao trabalho que está
sendo desenvolvido pelo aluno. Garantindo assim, que este se mantenha
determinado a alcançar as metas estabelecidas nos núcleos. Este feedback parte do
professor do núcleo, da sociedade e também de músicos que assistem as
apresentações das orquestras de El Sistema. Alguns exemplos destes feedbacks
serão demonstrados à seguir:

Quando entrei aqui no Teatro Teresa Carreño, não esperava entrar no céu e
ouvir estas vozes celestiais. A verdade é que nunca havia sentido uma
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emoção tão grande, e senti não só pela emotividade deste momento, mas
devo dizer também pela qualidade (DOMINGO, 2005).

A citação acima, é de um comentário que o cantor Plácido Domingo fez aos


integrantes de um Coro/Orquestra de El Sistema ao assistir um concerto realizado
no Teatro Teresa Carreño.

Vimos uma orquestra em que os pés de seus músicos não tocavam o solo
(literalmente). Escutei a menor orquestra do mundo dirigida por um dos
maiores diretores do mundo... Gustavo, tocando a Marcha Eslava e guiados
por um menino de oito anos e não entendo como uma criança de sua idade
tenha tanta técnica no violino. E especialmente vi no rosto de todos eles o
que sempre acreditei que é a música: alegria, comunicação e alegria
(RATTLE, 2005).

O comentário transcrito acima foi feito pelo regente titular da Orquestra


Filarmônica de Berlim, Sir Simon Rattle ao assistir um concerto de uma das
orquestras infantis de El Sistema.

Eu tocava corneta porque no núcleo onde eu estava me deram por causa do


meu tamanho e minha idade... e depois fui a um seminário de trompete
onde conheci um trompetista da Filarmônica de Berlim, Thomas Klamur...
que me escutou, disse que minha sonoridade era boa e me trouxe este
trompete (RONY, 2005).

O depoimento acima é de Rony, 11 anos aluno do núcleo de Güira de la


Costa.
Se alguém me perguntar onde está acontecendo algo importante para o
futuro da música... eu simplesmente diria, aqui, na Venezuela. Vocês não
estão vendo isto, porque já está acontecendo aqui há quase 30 anos e
vocês estão acostumados. Mas para alguém de fora como eu, é uma força
emocional de tal poder, que precisaremos de um tempo para assimilar o que
estamos vendo e escutando... e nos dias atuais eu digo, estamos vendo o
futuro da música na Venezuela e isso é uma ressurreição (ABREU, 2005).

O transcrição acima é do depoimento sobre El Sistema que o foi feito pelo


regente titular da Orquestra Filarmônica de Berlim, Sir Simon Rattle, e que José
Antonio Abreu leu para os integrantes da Orquestra Juvenil Simon Bolívar.
Os recortes apresentados acima, são alguns dos depoimentos que músicos
de diferentes formações fazem a respeito de El Sistema e que são repassados para
os alunos.
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Acreditamos que este envolvimento com a sociedade que El Sistema


conseguiu construir ao longo de seus 38 anos de existência, bem como o feedback
positivo que os alunos recebem por parte dos professores e músicos de todas as
partes do mundo fortalecem suas crenças de autoeficácia, o que proporciona a
motivação necessária para que estes acreditem em suas capacidades e continuem
desempenhando as atividades, fazendo com que os mesmos permanecem no
projeto por um longo período (em media dos 2 aos 18 anos). Estes fatores
possibilitam um grande desenvolvimento artístico das orquestras e coros, uma vez
que a prática coletiva depende do trabalho e desempenho de todos que estão
envolvidos no projeto.

Considerações Finais

A análise do referencial sobre o processo de ensino em El Sistema sugere


que fatores motivacionais - aqui destacamos as persuasões verbais - podem ser
considerados como aspectos importantes que contribuem com o êxito que o projeto
vem obtendo.
Espera-se que o desenvolvimento desta pesquisa proporcione uma discussão
em âmbito acadêmico sobre estes aspectos motivacionais e a forma como os
mesmos podem ser utilizados para alcançar resultados satisfatórios no campo da
educação musical. Contribuindo assim, com professores e gestores educacionais na
elaboração de estratégias de ensino que levem em consideração aspectos
motivacionais como uma das possibilidades de despertar o interesse, e enfrentar os
obstáculos que a aprendizagem de um instrumento musical apresenta.

Referências:

ABREU, José Antonio. El Sistema. In: ARVELO, Alberto. Tocar y luchar . Caracas,
Venezuela: Fundación Musical Simón Bolívar, 2005. Vídeo, 1,11m.
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152
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Elaboração e validação de uma escala de autoeficácia para alunos


de percepção musical
MODALIDADE: Cognição

Lílian Sobreira Gonçalves


UFPR – lilian_sgoncalves@yahoo.com.br

Rosane Cardoso de Araújo


UFPR – rosanecardoso@ufpr.br

Resumo: O objetivo neste trabalho foi a criação de uma escala para avaliação das crenças
de autoeficácia de alunos de percepção musical, matriculados em cursos de graduação em
música de uma IES de Curitiba. Nesta pesquisa procurou-se seguir as orientações apontadas
por Bandura (2006) para construção do instrumento de medida (escala de autoeficácia). Os
resultados mais significativos desta pesquisa mostram uma relação direta entre o tempo de
estudo de música e as crenças de autoeficácia em relação à disciplina de Percepção Musical.

Palavras-chave: Motivação. Autoeficácia. Percepção Musical. Treinamento auditivo.

Elaboration and appraisal of an auto-efficacy scale addressed to musical perception


students

Abstract: The present work aims at creating a scale to assess the auto-efficacy beliefs of the
Curitiba IES musical perception students. Our research follows the Bandura (2006) guiding
addressed to build a measurement tool (auto-efficacy scale). The research most significant
results show a direct relation between the time periods students spent studying music and
their auto-efficacy beliefs concerning Musical Perception.

Keywords: Motivation. Self-efficacy. Musical Perception. Ear training.

1. Introdução

O objetivo neste trabalho foi a criação de uma escala para avaliação das
crenças de autoeficácia de alunos de percepção musical, matriculados em cursos de
graduação em música de uma IES de Curitiba. Uma vez que a autoeficácia é um
constructo que não pode ser observado de forma direta, só podendo ser revelada
pelo próprio participante da pesquisa, faz-se necessária a aplicação de um
instrumento particular de medida que possa revelar esta variável interna (MACEDO,
2009).
As crenças de autoeficácia, segundo Azzi & Polidoro (2006, p. 16) são
crenças referentes “às convicções do indivíduo sobre suas habilidades de mobilizar
suas faculdades cognitivas, motivacionais e de comportamento necessárias para a
execução de uma tarefa específica em determinado momento e dado contexto”.
Bzuneck (2001), por sua vez, explica que a crença de autoeficácia é uma percepção
pessoal (ou avaliação) que o indivíduo tem sobre suas habilidades, seus
conhecimentos, enfim, suas capacidades. Cavalcanti (2009) explica que as crenças
de autoeficácia devem ser medidas como capacidades de enfrentar tarefas que
representem uma dificuldade, um desafio ou um obstáculo a ser transposto para que
esta tarefa venha a ser realizada com êxito.
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Nesta pesquisa procurou-se seguir as orientações apontadas por Bandura


(2006) para construção do instrumento de medida (escala de autoeficácia), a fim de
que houvesse a maior aproximação possível dos conceitos desenvolvidos por ele.
Algumas pesquisas em música e educação apresentam processos semelhantes
para a elaboração desta escala, como a tese de doutorado de Cereser (2011), as
dissertações de mestrado de Macedo (2009), Cavalcanti (2009) e Silva (2012).
De acordo com as orientações de Bandura, a construção da escala seguiu
três etapas distintas: (a) na primeira etapa foram levantadas as dificuldades e
desafios de alunos de graduação quanto à disciplina de percepção musical; (b) na
segunda etapa, foi construído um questionário piloto a partir dos dados obtidos na
etapa anterior. Este questionário foi testado e validado pelo coeficiente Alfa de
Cronbach; (c) finalmente na última etapa foi aplicado o questionário definitivo,
composto por 22 itens em escala Likert.

2. Primeira etapa

Segundo Bandura, o procedimento inicial da construção da escala trata de


investigar os desafios/dificuldades (ou obstáculos) que os alunos enfrentam na
execução da atividade em questão. Desta forma, na primeira fase foram coletados
dados para a elaboração do questionário para a avaliação das crenças de
autoeficácia dos alunos. Um grupo de 10 alunos (N=10) de diversos cursos de
graduação em música, matriculados no 1º e 2º ano da graduação, responderam por
escrito a questões que indagavam sobre os desafios e dificuldades que eles
encontravam na disciplina de percepção musical. Todos estavam cursando
regularmente a disciplina de percepção musical e eram provenientes dos seguintes
cursos de graduação: 1) Licenciatura em Música, 2) Superior de Instrumento, 3)
Superior de Canto e 4) Superior de Composição e Regência.

3. Segunda etapa

Os dados obtidos nesta primeira etapa da investigação forneceram os


elementos para a construção de uma escala, baseada no levantamento de desafios
e dificuldades apontados nas respostas deste primeiro grupo de alunos. Para fins de
análise, estes dados foram organizados em seis subescalas tratando de aspectos
específicos dentro da disciplina. As subescalas geradas pela organização destes
dados foram:

a) Subescala 1 – Percepção melódica;


b) Subescala 2 – Percepção harmônica;
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c) Subescala 3 – Percepção Rítmica;


d) Subescala 4 – Organização do estudo;
e) Subescala 5 – Outros conteúdos.

Na segunda etapa do processo, o questionário resultante dos dados


obtidos na fase anterior foi aplicado em um grupo de onze alunos (N=11), estudantes
de graduação em música dos cursos Superior de Canto e Licenciatura em Música.
Todos os participantes estavam regularmente matriculados na disciplina de
Percepção Musical. O objetivo da aplicação do estudo piloto foi identificar e corrigir
eventuais falhas na construção do inventário.
Neste estudo piloto, a consistência interna dos itens da escala foi testada
e avaliada estatisticamente. De acordo com as orientações de Bandura (2006) foi
utilizado o “alpha de cronbach” para verificação da consistência interna dos itens.
Segundo Cavalcanti (2009), o alfa de Cronbach (α) é um importante indicador
estatístico e por vezes é denominado de coeficiente de fidedignidade de uma escala.
Quanto maior a correlação entre os itens de um instrumento, maior será o valor do
alfa. Pesquisadores em geral consideram satisfatório um questionário que obtenha
um alfa > 0,70 (FREITAS & RODRIGUES, 2005; CAVALCANTI, 2009). Na presente
pesquisa a média do coeficiente alfa de Cronbach para todo o questionário foi de α =
0,90. Este valor de alfa indica uma alta consistência interna entre os itens do
questionário, ou seja, os itens do questionário guardam homogeneidade entre si e o
mesmo apresenta-se como um instrumento de medida de alta confiabilidade.

Subescalas Questões Alfa de Média por


Cronbach subescalas
Percepção A – Perceber intervalos melódicos 0,89
melódica C – Transcrever ditados melódicos 0,90
D – Solfejar 0,90 0,90
Percepção B – Perceber intervalos harmônicos 0,89
harmônica H – Perceber e transcrever acordes ou
cadências 0,90 0,90
Percepção E – Ler ou transcrever ditados rítmicos
rítmica (binários ou quaternários) 0,91
F – Ler ou transcrever ditados rítmicos
(ternários) 0,91
G – Ler ou escrever ditados compostos 0,91 0,91
Organização K – Manter uma prática constante de
de estudo exercícios 0,88
L – Desenvolver a percepção auditiva 0,89
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N – Elaborar um método de estudo 0,89 0,89


Outros I – Perceber intervalos, acordes ou
Conteúdos melodias em instrumentos diferentes do
piano 0,89
J – Escrever partituras 0,89
M – Compreender melhor a música como
um todo e não apenas em partes 0,89
O – Utilizar conhecimentos prévios de 0,89
teoria musical 0,89

Média do coeficiente alfa de Cronbach em todo o questionário 0,90

TABELA 1 – VALORES DO ALFA DE CRONBACH PARA TODAS AS QUESTÕES E SUBESCALAS


Fonte: Dados da pesquisa

4. Terceira etapa

Na terceira e última fase desta pesquisa, o questionário (revisado e


validado após o estudo piloto) foi aplicado para uma população de trinta e oito
estudantes do 2º ano de diferentes cursos de graduação em música de uma IES de
Curitiba – Superior de Canto, Superior de Instrumento, Composição e Regência e
Licenciatura em Música - regularmente matriculados na disciplina de Percepção
Musical.
O instrumento de coleta de dados possibilitou a verificação de que as
crenças de autoeficácia dos alunos estão vinculadas a conteúdos específicos da
disciplina de Percepção Musical e não a disciplina de modo geral. Os resultados
mais significativos desta pesquisa são os que relacionam as crenças de autoeficácia
com o tempo de estudo de música: em 89% da amostra total há uma relação direta
entre o tempo de estudo e as crenças de autoeficácia em relação à disciplina de
Percepção Musical. Também foi verificado que os alunos dos Cursos Superiores de
Canto e Licenciatura em Música possuem significativamente menores crenças de
autoeficácia do que alunos dos cursos Superiores de Instrumento e Composição e
Regência.
Algumas pesquisas em música e educação apresentam processos
semelhantes para a elaboração de escala de autoeficácia, como a tese de doutorado
de Cereser (2011), as dissertações de mestrado de Macedo (2009), Cavalcanti
(2009) e Silva (2012).
Considerando que a pesquisa foi realizada em uma única IES de Curitiba,
sugere-se a aplicação desta pesquisa futuramente em outros contextos para que
sejam ampliados os estudos relacionando crenças de autoeficácia e Percepção
Musical.
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Referências:

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In: Boruchovitch, E.; Bzuneck, J.A. (Org.) A Motivação do Aluno: Contribuições da
Psicologia Contemporânea. Petrópolis: Editora Vozes; 2001, p. 116-133.

CAVALCANTI, C. R. P. Crenças de autoeficácia: uma perspectiva sociocognitiva no


ensino do instrumento musical. Revista da ABEM. Porto Alegre, v.21, p.93-102,
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________. Auto-regulação e prática instrumental: um estudo sobre crenças de


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de Ciências Humanas Letras e Artes. UFPR, Curitiba, 2009b. Disponível em:
http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/19468/Dissertacao%20-
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CERESER, C.M.I. As crenças de autoeficácia dos professores de música. Tese de


doutorado, Programa de Pós graduação em música, UFRGS, Porto Alegre, 2011.
Disponível em:
http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/31429/000781480.pdf?sequence=1

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Educação) – Centro de Educação, Comunicação e Artes, UEL, Londrina, 2009.
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SILVA, R. R. Consciência de Autoeficácia: uma perspectiva sociocognitiva para o


estudo da motivação de professores de piano. Dissertação (Mestrado em Música) -
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, UFPR, Curitiba, 2012. Disponível em:
http://www.artes.ufpr.br/musica/mestrado/dissertacoes/2012/Disserta%E7%E3o%20-
%20Rudiany%20Reis%20da%20Silva%20-%202012.pdf
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Uma história da Bossa Nova na capital pernambucana

ETNOMUSICOLOGIA/MUSICOLOGIA

Fernando Torres
UDESC – saxcia@gmail.com

Resumo: Este trabalho é consequência de projeto de pesquisa que se transformará em


dissertação de mestrado apresentada ao programa de pós-graduação em música da UDESC
(Universidade do Estado de Santa Catarina). O objetivo da pesquisa é reunir e analisar
documentação que permita compreender o lugar do gênero Bossa Nova no contexto musical
do Recife (1950/1960) e a ação dos envolvidos neste contexto. Busca compreender os nexos
locais do horizonte simbólico relacionado à Bossa Nova, e como este horizonte incidiu sobre
o Recife, quem foram os personagens, autores e atores, os lugares e sua forma de ação nos
anos 1950 e 1960. Existem evidências de uma documentação não consolidada e tampouco
analisada sobre a história da Bossa Nova fora do eixo Rio/São Paulo. Nossa intenção é
enquadrar nossa linha de pesquisa através de perspectivas mais descentralizadas e
relacionais da conformação dos gêneros musicais.

Palavras-chave: Bossa Nova. Recife. Anos 1950 - 1960.

A history of Bossa Nova in Recife

Abstract: This work is the result of a research project that turns into dissertation presented to
the graduate in music UDESC (State University of Santa Catarina) program. The purpose of
the survey is to gather and analyze documentation allowing an understanding of the place of
gender in the Bossa Nova musical context of Recife (1950/1960) and the action of those
involved in this context. Seeks to understand the local nexus of symbolic horizon related to
Bossa Nova, and how it focused on the horizon Recife, who were the characters, authors and
actors, places, and its mode of action in the 1950s and 1960s. There is evidence of an
unconsolidated nor analyzed on the history of Bossa Nova axis outside Rio / Sao Paulo
documentation. Our intention is to frame our research line through more decentralized and
relational perspectives conformation of musical genres.

Keywords: Bossa Nova. Recife. Years 1950 - 1960.

1. A Bossa Nova

Dentre os vários movimentos da música popular brasileira, a Bossa Nova


se destacou, e se destaca, por sua abrangência internacional. Embora outros
gêneros como a Modinha e o Lundu também tenham ido além de nossas fronteiras
(MENEZES BASTOS, 1997), a Bossa Nova abriu veios para uma nova estética e
inicia uma linha evolutiva no discurso literomusical brasileiro (COSTA; MENDES,
2014). Há apenas pouquíssimos anos comemoramos o cinquentenário do
movimento e algumas de suas músicas estão ainda entre as mais executadas ao
redor do mundo (O GLOBO, 2012).
Existe um consenso entre vários autores, tais como José Ramos
Tinhorão, Joaquim Aguiar e Ruy Castro, de que o movimento surgiu no Rio de
Janeiro. Existe apenas uma discrepância de onde exatamente naquela cidade e que
personagens foram os pioneiros. Alguns sugerem que o instrumentista Johnny Alf já
trazia a levada e as harmonias da Bossa Nova em suas composições e
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

instrumentações (CASTRO, 1990). Já outros defendem o pioneirismo de João


Gilberto em conseguir sintetizar samba, jazz, valsa e outros estilos, de uma forma
peculiar e genial (GARCIA, 1999).
Mesmo sabendo que o movimento se solidificou enquanto gênero musical
carioca é fato que o movimento se propagou pelo Brasil e pelo mundo, e que Recife,
a capital pernambucana, sendo um centro de cultura bastante ativo no país, foi
atingido pelo impacto “Bossa Nova”. Existe uma documentação, ainda não
analisada, que apresenta evidências de que o movimento “bossanovista” também
tenha feito parte da vida dos artistas atuantes nas décadas de 1950 e 1960 naquela
cidade. Estas evidências existem, mesmo que quase toda a literatura se atenha a
falar dos acontecimentos na capital carioca e em São Paulo.
Como assinala o documento da secretaria de cultura do Recife sobre a
história da cidade entre 1945-1964, citando o livro “O Recife, histórias de uma
cidade”, de Antonio Paulo Resende:

A criação da SUDENE contribuiu para aprofundar os debates, depois do


relatório do Grupo de Trabalho do Desenvolvimento do Nordeste (GTDN)
sugerir saídas para resolver questões econômicas, antes vistas só na
perspectiva climática, que condenava a região ao subdesenvolvimento.
Havia esperança no ar, muita movimentação cultural, projetos, cinema novo,
bossa nova (grifos nossos) delírios nacionalistas, a televisão anunciando
novos tempos, futebol campeão do mundo em 1958 (REZENDE, 2002: p.
126).

Em 1960 foram inauguradas duas emissoras de TV em Pernambuco (A TV


Rádio Clube e a TV Jornal do Commercio). Esta foi uma ação pioneira em todo
norte-nordeste. A TV Jornal possuía equipamentos importados da Inglaterra e
superava em estrutura os canais de televisão em funcionamento no resto do país.
Com uma programação repleta de atrações de auditório, possuía programas
veiculados em todo o estado de Pernambuco, além dos estados da Paraíba, Rio
Grande do Norte, Alagoas e parte do Estado de Sergipe (CASTELÃO: p: 119-126).

Sobre esse ponto Othon Jambeiro destaca:

Mas o carro chefe das produções da TV Jornal do Commercio na década de


60, sem dúvida, eram os programas de auditório. Dentre eles, destacamos
os programas Você faz o show, Bossa 2 (grifos nossos), e Noite de Black
Tie. Esses programas eram transmitidos ao vivo, direto dos estúdios da
televisão e eram líderes de audiência em seus horários de exibição
(JAMBEIRO, 2001: p. 206).
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A Bossa Nova, do ponto de vista histórico, durou bem pouco. Com apenas
quatro anos de atuação decisiva, os seus expoentes, Tom Jobim e João Gilberto,
logo foram procurar em outras terras novos mercados para suas canções (CASTRO,
1990). Porém as músicas do movimento continuam sendo executadas, por músicos
profissionais e estudantes da música, em várias formações instrumentais ou vocais,
até os dias de hoje. Segundo Almir Chediak, devido a uma aceleração no processo
de conscientização das harmonias. Já não era mais possível anotar os acordes das
músicas da Bossa com as posições tradicionais, tanto músicos quanto professores
tiveram que estudar mais. A única maneira era através das cifras, hoje um sistema
predominante na música popular (CHEDIAK, 1986).
A Bossa Nova acontece como um clímax de um movimento que para
alguns começa desde os anos 30, com uma busca pela modernização. Ary Barroso,
Custódio Mesquita e Noel Rosa, já semeavam harmonizações e letras inusitadas
para sua época. E é no sentido da harmonia que a Bossa Nova irá se destacar
(AGUIAR, 1993). A complexidade das harmonias nas composições da Bossa Nova é
sua grande identidade, acompanhada da sua batida de violão característica. Tanto
que muitas vezes a letra é preterida. Sobre a importância da harmonia na Bossa
Nova, Chediak cita:

A Bossa Nova foi o mais importante movimento da nossa música e teve


fundamental função: acelerar o processo de conscientização, principalmente
na harmonia. Tanto músicos como professores tiveram que estudar mais,
descobrir novos acordes e novos caminhos harmônicos. Já não era mais
possível anotar os acordes, por exemplo, de Samba de uma nota só e
Desafinado apenas com as tradicionais posições... A partir daí, a única
maneira de notação seria através da cifra, hoje sistema predominante na
música popular para qualquer instrumento (CHEDIAK, 1986, p. 03).

Segundo Menescal (2005), é por causa disso que surge no Rio de Janeiro
um número considerável de academias de violão, que é o principal instrumento da
Bossa Nova. Carlos Lyra e Roberto Menescal (que estão entre os músicos-
compositores principais e fundadores da Bossa Nova) figuram entre os professores
de violão dessas academias, e passam a transmitir seus conhecimentos para
aqueles que desejam aprender as harmonias inusitadas daquele movimento. Ainda
segundo Menescal, dentre seus alunos estão músicos que iriam influenciar não só a
Bossa Nova como toda a música brasileira. São alguns exemplos: Edu Lobo, Nara
Leão e Marcos Valle.
Em contrapartida, Távola (1999) e Tinhorão (1974), entendem que a
Bossa Nova não revolucionou em nada, apenas modernizou aspectos do jazz e do
movimento impressionista, juntando um ritmo que fica entre o samba e o próprio
jazz. Além de Tom Jobim, que é talvez o compositor mais importante do movimento,
com sua formação acadêmica em piano, que trouxe consigo as harmonias
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

assimiladas nas composições eruditas. “Na verdade, os fundadores do movimento


denominado Bossa Nova haviam chegado à música popular através do jazz, ou,
como foi o caso de Antônio Carlos Jobim, pela frustração das ambições no campo
da música erudita.” (TINHORÃO, 1978, p.223).

Já Artur da Távola, comenta:

A bossa nova possui influências do jazz branco na harmonia impressionista,


contudo, a concepção rítmica é peculiar ao Brasil, baseia-se no samba-
canção com a síncope alterada. Tal tensão interna transforma-se em objeto
de eterna polêmica e discussão. Conforme a ótica de quem analisa.
Quarenta anos após sua eclosão, a polêmica lhe não retira qualidade,
legitimidade e aceitação universal como produto brasileiro, talvez até mais
de exportação que de consumo interno (TÁVOLA, 1999, p.07 - 08).

Como objeto de pesquisa, a Música Popular Urbana é neófita nos meios


acadêmicos. Resultado de um academicismo voltado quase que exclusivamente à
música ocidental considerada “erudita”. Com o surgimento da Etnomusicologia aos
poucos ela se torna tema de abordagem científica, mas ainda de forma tímida e
incipiente. A Bossa Nova deixou, além de muitos legados, uma espécie de efeito
colateral, abrindo veios que deram um ponto de partida para uma nova música
popular brasileira (COSTA; MENDES, 2014).
Nos últimos tempos temos visto o desenvolvimento de uma Musicologia
muito menos separada (e por que não dizer e mais próxima) da Etnomusicologia.
Mesmo que ainda existam (no meio acadêmico) defensores dessa separação, existe
uma tendência nas novas pesquisas de se utilizar as ferramentas de conhecimento
de todas as áreas da ciência que possam auxiliar no esclarecimento das questões.
Essa aproximação, fruto da interdisciplinaridade, utiliza métodos empregados em
outras ciências (principalmente as humanas) que tem se mostrado eficientes na
construção de um saber científico. No fim do século XX a música popular urbana
receberá atenção de pesquisadores tais como Middleton (1990), Sheperd (1991) e
Monson (2007). Uma discussão crescente surge então sobre a necessidade ou não
dessa separação e sobre a qual Piedade destaca: “Após as revoluções
epistemológicas do chamado pós-modernismo, no final do século XX, temos que
admitir que atualmente não há consenso sobre se há ou não profundas diferenças
entre etnomusicologia e musicologia” (PIEDADE,2010: p. 63).
O crescimento das pesquisas relacionadas ao campo da música popular
urbana é proporcional à diminuição do preconceito em relação à mesma. Como
afirma José Jorge de Carvalho:
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Neste sentido, não só as classes suburbanas que consomem diariamente


os produtos inferiores das rádios e das TVs do país poderiam estar
alienadas do todo em que vivem; também aquela parte (considerável,
atualmente) da classe média e da intelectualidade, que vive presa quase
exclusivamente de um tipo único de padrão cultural e que se vê cada dia
menos disposta a abrir-se para a cultura tradicional brasileira, se encontra
pobre de referências coletivas, ou alienada da complexidade simbólica da
nação em que vive (CARVALHO,1991).

2. A Bossa Nova em Pernambuco

A literatura sobre a Bossa Nova em Pernambuco não é extensa. Como o


movimento surgiu no Rio de Janeiro quase todas as pesquisas e livros se focam
naquela região. Mas isso não quer dizer que ela foi inexistente ou que não houve
pernambucanos no processo de criação e divulgação do movimento. Em seu livro
Chega de Saudade, (1990) Ruy Castro cita o recifense Normando Santos várias
vezes sem, no entanto, esclarecer de quem se trata. O escritor e jornalista Nelson
Motta, em seu livro Noites Tropicais, referindo-se à famosa noite do show na
Faculdade de Arquitetura do Rio de Janeiro diz:

Cantou até Normando Santos, um pernambucano muito alto e muito magro,


com uma voz grave e sotaque carregado e um estilo meio antigo de cantar.
Cheio de sorrisos e simpatia, ele abriu o vozeirão em ‘Jura de Pombo’,
primeira parceria de Roberto Menescal com Ronaldo Bôscoli (MOTTA,
2000: p.15).

Normando foi colega de classe de Roberto Menescal no colégio, no Rio.


Mais tarde, estaria nas lendárias reuniões no apartamento dos pais de Nara Leão,
na Avenida Atlântica em Copacabana, ou na Boate Plaza onde tocava com Johnny
Alf. João Gilberto frequentava seu apartamento. Foi parceiro de Vinícius de Moraes e
Ronaldo Bôscoli. Por fim, mas não menos importante, participou da célebre noite da
bossa nova no Carnegie Hall em 1962 (CASTRO, 1990) (MOTTA, 2000), (MELO,
2008).
Outro pernambucano que se destacou na Bossa Nova foi Walter
Wanderley. Walter é praticamente um desconhecido no Brasil, mas gravou mais de
25 LPs nos Estados Unidos, além de ter participado ativamente do início do
movimento gravando discos com as estrelas da Bossa Nova como Menescal, Tom
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Jobim e até Elis Regina. Em seu livro, Eis aqui os Bossa – Nova, Zuza Homem de
Mello reproduz o depoimento de Marcos Valle: “Em agosto de 1966, ‘Samba de
Verão’ foi gravado pelo Walter Wanderley nos Estados Unidos, chegando a
segundo lugar nas paradas de sucesso (MELLO,2008: p.213). Já Ruy Castro
assinala: ““(...) desde a explosão de ‘Summer Samba’ que vendera um milhão de
cópias na gravação de Walter Wanderley e já fora editada pela Duchess Music”
(CASTRO, 1990: p.390).
Na capital pernambucana existia uma gravadora, a ROZENBLIT, que
possuía alguns selos, dentre eles o Mocambo (mais direcionado à música local) e o
AU (artistas unidos), esse considerado por alguns como um dos esteios da Bossa
Nova. Em sua dissertação de mestrado Leonardo Saldanha entrevista o maestro
DUDA, que faz o seguinte relato sobre o disco: VELHOS SUCESSOS EM BOSSA
NOVA, gravado no Recife pela Rozenblit:

Quando começou aquele 'zunzunzum' de João Gilberto no sul do país, aqui


a Rozenblit representava diversas fábricas e gravadoras norte americanas.
E os americanos quando souberam da história pediram ao Sr. José [José
Rozenblit o dono da gravadora] para mandar alguma coisa de bossa nova
para lá. Foi quando então nos chamou e disse: “Duda, Clóvis, inventem aí
um negócio aí, grava esse negócio de bossa nova”, então gravamos
músicas neste LP, que foi lançado nos EUA e que aqui, ninguém nem tomou
conhecimento. Gravamos (canta: “aos pés da Santa Cruz”.. .) tanta música
antiga, porque o repertório da bossa nova ainda estava muito curto. “Garota
de Ipanema” ainda não existia, gravamos músicas que não eram bossa
nova, sambas velhos para completar o disco". SALDANHA (2001).

3. Considerações

Estas e outras evidências denotam a necessidade de uma pesquisa mais


apurada e criteriosa da relação do movimento da Bossa Nova com a capital
pernambucana (nos anos 1950 – 1960, momento em que a Bossa Nova surgiu e se
disseminou pelo Brasil e pelo mundo). Contudo é preciso levar em consideração o
processo de recepção do público pernambucano, possuidor de uma rica cultura,
muitas vezes exportando suas manifestações tradicionais (como o Frevo) ou de
movimentos recentes (como o Manguebeat). A pesquisa ajudará a esclarecer como
essas relações se deram e de que forma a Bossa Nova e os pernambucanos, mais
especificamente os recifenses, interagiram.
163
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Referências:

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“UM BRASILEIRO QUE FAZ MÚSICA”: CONSIDERAÇÕES SOBRE O


PENSAMENTO MUSICAL DE HERMETO PASCOAL

MODALIDADE: Comunicação

Daniel Zanella dos Santos


Universidade do Estado de Santa Catarina – danielsantos.sc@gmail.com

Resumo: Neste artigo é realizada uma revisão de literatura sobre o pensamento musical de
Hermeto Pascoal, principalmente do conceito de música universal utilizado pelo compositor.
São identificados e discutidos quatro temas principais recorrentes tanto em entrevistas de
Hermeto quanto na literatura acadêmica sobre ele. Conclui-se que que a música universal e o
pensamento que a rege estão subordinados à prática musical do compositor.

Palavras-chave: Hermeto Pascoal. Música universal. Revisão de literatura. Música popular.

“A BRAZILIAN THAT MAKES MUSIC”: CONSIDERATIONS ON THE MUSICAL THOUGHT OF


HERMETO PASCOAL

Abstract: This paper reviews a literature about the musical thought of Hermeto Pascoal,
specially about the concept of universal music used by the composer. We identify and discuss
four main recurring themes both in Hermeto’s interviews and in the scholar literature about
him. We conclude that the universal music and the thought that governs it are subordinate to
the composer’s musical practice.

Keywords: Hermeto Pascoal. Universal music. Review of literature. Popular music.

Hermeto é reconhecido com frequência, principalmente no exterior, como


um músico jazzista. Certamente isto se deve às afinidades de sua música com o
estilo estadunidense que se espalhou pelo globo, como por exemplo, o espaço
dedicado à improvisação e o experimentalismo. Este último na música popular é
geralmente associado ao free-jazz. No Brasil, sua obra é identificada mais
comumente como música instrumental brasileira, mas ainda pode aparecer descrita
como música popular brasileira ou jazz brasileiro.
No entanto, o compositor sempre foi avesso a estes rótulos e a qualquer
outra tentativa de encaixar sua obra em algum estilo musical. Como tentativa de fugir
destas classificações ele criou o termo “música universal”, o único que ele aceita
para definir a sua música (COSTA-LIMA NETO, 2009: 181). Mais do que isso, pode
ser percebido em suas declarações que a música universal abarca toda uma visão
de mundo, e hoje é encarada por Hermeto, e também por músicos influenciados por
ele, até mesmo como uma espécie de filosofia musical.
As ideias que formam a música universal acompanham Hermeto há um
longo tempo; o compositor considera inclusive que seu trabalho é realizado desde a
infância (PASCOAL, 1973). O período de desenvolvimento destes ideais não é um
assunto recorrente na bibliografia sobre o compositor, o que torna as declarações de
Hermeto especialmente importantes para sua compreensão. Contudo, ao se deparar
com a fala de Hermeto, o pesquisador encontra uma elaboração de pensamento à
primeira vista confusa, descontínua e com inúmeros paradoxos, coerente inclusive
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com o resultado sonoro de suas músicas. Isto se deve em parte pela maneira
intuitiva e improvisada em que ocorre o desenvolvimento e a exposição de seu
pensamento, a exemplo de como acontece o processo de criação em sua música
(COSTA-LIMA NETO, 2009: 173).
É possível perceber em suas declarações que a década de 70 foi o
período em que Hermeto amadureceu as ideias que ele afirma carregar desde
criança. Em uma entrevista de 1973, Hermeto demonstra a preocupação em não
vincular sua música a nenhum local específico:
[...] Eu acho que um músico nem deve se preocupar em fazer música
brasileira, ou americana, ou isto, ou aquilo. Deve é se preocupar em fazer a
sua própria música. [...] Agora, eu não me preocupo se a música é
brasileira, ou argentina, ou alemã, ou o que é, porque eu acho que a música
supera qualquer fronteira, a música não vive arraigada num chão. Ela vem
por cima, ultrapassa tudo o que tem por baixo. Cai na cabeça de cada um,
de quem captar (PASCOAL, 1973).
No mesmo ano desta citação pode ser encontrada a primeira referência a
uma ideia de universalidade em títulos na sua obra: o nome do seu primeiro disco
autoral gravado no Brasil, A música livre de Hermeto Pascoal (1973). O termo
“música livre” provavelmente é um dos primeiros que o compositor elaborou para
tentar definir sua música. Ele reflete a tentativa de se desvincular de qualquer rótulo
comercial e também de qualquer ligação regional, e demonstra que Hermeto ainda
não chamava sua música de música universal.
A tentativa de desterritorializar sua música está ligada ao fato de ele
acreditar na tendência de as músicas dos mais distintos lugares se juntarem para
criar algo novo. Neste ponto, suas idas e vindas aos Estados Unidos parecem ter
contribuído para o desenvolvimento deste pensamento. Parece ter sido naquele país
que o compositor confirmou seus ideais de que a música não tem fronteiras. Nesta
declaração de 1975 ele já fala da universalidade da música:
[...] Lá [nos Estados Unidos] eu acho que a música está cada vez se unindo
mais. Não só a brasileira, mas de outros países que também têm muitos
ritmos. [...] E isto está caminhando para um negócio universal. A música
está cada vez mais universal (PASCOAL, 1975, grifo meu).
Ao afirmar que a música está cada vez mais universal, Hermeto parece se
referir à maneira como ele vê a tendência geral da música na época, e não somente
de sua obra. Em outro trecho da mesma entrevista ele se inclui neste zeitgeist:
A música é uma só, e não quero nunca que digam que sou um músico de
jazz, que eu sou um músico de não sei o que, disso ou daquilo. Quero
apenas continuar, quero ser um músico, um cara universal (PASCOAL,
1975).
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que nos Estados Unidos ele
confirma sua visão de que as músicas estão se juntando, ele acredita que é no Brasil
que o campo estaria mais fecundo para este tipo de pensamento: “Nos EUA eles
estão apavorados. Estão procurando uma maneira diferente de fazer as coisas. Eles
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estão só no jazz e no rock. Não saem disso.” (PASCOAL, 1973). Em uma entrevista
de 1975 ele complementa:
Aqui [no Brasil] estão sendo feitas as coisas mais novas e mais importantes,
enquanto lá fora todos estão esgotados. [...] Mas isso não quer dizer que eu
vou sair brandindo as raízes ou fazendo afirmação de nacionalismo musical.
Folclore? O que é isso? Pra mim só existe música. Ela é universal e está
acima de rótulos ou marcas. Eu nunca digo que sou um “músico brasileiro”,
mas um brasileiro que faz música. Porque, como músico, sou universal
(Hermeto apud COSTA-LIMA NETO, 2010: 46).
A próxima referência encontrada em títulos de obras à sua ideia de
universalidade da música aparece no nome disco Brasil Universo em 1986, com um
lapso de treze anos entre este e o disco de 1973 citado anteriormente. O título reflete
parte do pensamento de Hermeto com relação à diversidade cultural brasileira, uma
das fontes para o surgimento do termo música universal em sua carreira. Para ele o
Brasil é um universo, “o país mais colonizado do mundo”, onde “não poderia ter outra
coisa que não música universal” (Hermeto apud ARRAIS, 2006: 7).
A diversidade cultural aparece constantemente como um dos assuntos
que fazem parte do pensamento musical de Hermeto. Suas declarações
frequentemente trazem à tona itens que remetem a diversidade de estilos, de fontes,
de materiais: “Compus esta música pensando nas bandinhas de música das cidades
do interior de todas as partes do mundo. Porque elas são grandes fontes
cristalinas de música.” (PASCOAL, 2004: 280, grifo meu).
O compositor realiza este pensamento em forma de música misturando
elementos de diversas influências, que para ele podem abarcar todas as músicas e
sons do mundo. Hermeto considera que grande parte do saber fazer artístico
consiste em saber misturar (ARRAIS, 2006: 7):
As pessoas pensam que evoluir é fazer uma harmonia cada vez mais
pesada. Para mim evolução é saber mexer com misturas. O mais difícil
nessa música que eu chamo de universal é justamente saber misturar...
Evolução é saber misturar (Hermeto apud ARRAIS, 2006: 7).
Nesta mistura da música universal de Hermeto estão inclusos tanto
elementos de tradições musicais, principalmente populares, assim como sons que
são considerados habitualmente como “não musicais”: sons de animais (como
porcos, cigarra, papagaio, pássaro); vozes humanas faladas (que podem ser
empregadas tanto em gravações que são manipuladas em estúdio, quanto tratadas
como um tipo de melodia que é arranjada e trabalhada pelo compositor, no caso da
“música da aura”); a utilização de variados objetos como recursos sonoros, dentre
outros. Costa-Lima Neto (2008) atribui esta atitude de Hermeto a uma práxis que ele
realiza desde sua infância.
Os ruídos da natureza são parte fundamental do pensamento musical de
Hermeto, aparecendo como um dos elementos que contribuem para que sua música
receba o status de experimental. Dentre estes ruídos, é proeminente o uso de sons
de animais como pássaros, cigarra, porcos, entre outros, que aparecem de variadas
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formas. Outro aspecto da música de Hermeto que contribui para o seu status
experimental é o uso da voz falada, que tem papel importante na obra do compositor
apesar de sua música ser considerada instrumental. A mais característica
manifestação do uso da voz em sua música acontece no que ele denomina de
“música da aura”, onde o compositor reproduz em algum instrumento musical o
contorno melódico de uma fala pré-gravada, criando posteriormente uma harmonia e
um arranjo. Além da música da aura, a voz é utilizada de diversas outras maneiras
na música do compositor: em melodias sem letra dobrando temas e solos e ainda:
[Hermeto] também canta (O Galho da roseira, Quebrando Tudo! Nem um
talvez, Mestre Mará) e utiliza a sua voz e a de outros intérpretes de maneira
não convencional (Velório, Missa dos Escravos, Cannon, Igrejinha). As
palavras são muitas vezes desmembradas em sílabas e letras sem
conteúdo semântico, com valor apenas sonoro (COSTA-LIMA NETO, 2010:
56).
Além dos sons (de animais e da voz falada) que não são tradicionalmente
considerados musicais, Hermeto também inclui em sua música diversos objetos, que
são tratados como instrumentos musicais. Somente no disco Mundo Verde
Esperança (2002) a lista já é grande: panela com água (batendo no fundo), frigideira,
tamancos, pilões, bonecos, serrote, bacia com mola, rói-rói, calota com água, pele
solta, apito e balas mastigadas dentro do copo. Em geral estes objetos fazem parte
da seção percussiva, enriquecendo a paleta de timbres sem altura definida
disponíveis em seu grupo. Com menos frequência, alguns outros objetos são usados
como instrumentos melódicos ajudando a ampliar a gama de timbres nas melodias,
como a chaleira com bocal de trompete que ele usa repetidamente em suas
apresentações.
Partindo para os sons tradicionalmente musicais que Hermeto inclui na
música universal, as principais fontes sonoras são os mais diversos gêneros1 de
música popular. O esforço dele para não ter sua obra encaixada dentro de nenhum
rótulo convencional, parece denotar não a negação dos gêneros musicais, mas
justamente a inclusão deles como possibilidades dentro da sua música. Referências
podem ser encontradas até mesmo nos títulos das músicas, como alguns ritmos
nordestinos em Forró Brasil e Forró em Santo André, Arrastapé alagoano e Frevo
em Maceió. Outras referências a gêneros podem ser encontradas nas músicas
Chorinho Pra Ele e Aquela Valsa, Suíte Paulistana e Suíte Norte, Sul, Leste, Oeste,
Suíte Mundo Grande e Chorinho MEC.
No entanto, Hermeto não se considera um músico de um estilo musical
específico, apesar de estar frequentemente no repertório de grupos tradicionais de
choro ou de jazz, como por exemplo, a música Bebê, “que originalmente, é um
baião, mas é tocada em rodas e por grupos de choro.” (CAMPOS, 2006: 54). Esta
citação ilustra a maneira como Hermeto pensa a inclusão de ritmos tradicionais em
sua obra:
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[...] A gente faz muita misturada; você não escuta um ritmo predominando o
tempo todo. Sempre muda, muda, muda. Rápido. A harmonia nem se fala.
Então isso é o que eu chamo de música universal (Hermeto apud ARRAIS,
2006: 7).
Esta mudança rápida de ritmos da qual Hermeto fala pode ocorrer dentro
de uma mesma música – variando de um segmento para outro – assim como de
uma música para outra. Com a numerosa produção do compositor, mesmo que em
uma música um ritmo predomine, num curto espaço de tempo ele irá compor outra,
provavelmente com inúmeros outros elementos. Desta maneira, para ele a mistura
de estilos não está apenas dentro de cada composição, mas também na sua obra
como um todo.
Ao longo de sua carreira pode ser percebida uma predileção por gêneros
musicais de tradições que estão fora do eixo do mass media. Os critérios de
qualidade musical de Hermeto não parecem estar vinculados somente a aspectos
estritamente formais, mas principalmente aos valores culturais que certas
manifestações carregam. A música difundida nos grandes meios de comunicação,
com todos os seus processos mercadológicos, está em profundo desacordo com os
ideais de Hermeto, que sempre rejeitou qualquer possibilidade de intervenção da
indústria cultural em sua obra. Sendo assim, a participação das músicas ditas
“comerciais” parece estar restringida dentro da música universal.
Na música de Hermeto a mistura tem como um de seus objetivos
proporcionar novidade. Hermeto sobrepõe e justapõe elementos muitas vezes
contrastantes, que resultam geralmente em uma música descontínua, cheia de
transformações.
Na música de Hermeto Pascoal, a mistura deve favorecer fortes contrastes:
variações acentuadas de andamentos, timbres contrastantes, densidades
distintas, fortes mudanças entre as partes de suas composições. Todos
seus fortes contrastes, bem como as transformações e incessantes
mudanças que sofrem suas músicas, são motivadas por sua amizade pelo
novo. Contrastes e mudanças devem surpreender pela novidade e pelo
impacto (ARRAIS, 2006: 9).
É possível observar nas declarações do compositor, que ligado a esse
anseio pelo novo, há uma busca por evolução. Este conceito de evolução não está
ligado necessariamente a um anseio por uma música melhor e mais válida, mas
apenas que as músicas devem ser feitas sempre de uma maneira inusitada,
diferente. Em vários momentos Hermeto comenta sua busca por evolução,
procurando realizá-la principalmente através das misturas.
Todas estas ideias estão subordinadas ao modus operandi intuitivo e
improvisado que caracteriza o processo de criação de Hermeto. Parte deste
processo é descrito por Costa-Lima Neto (1999), que estudou a metodologia de
trabalho de Hermeto e Grupo entre 1981 e 1993.
De acordo com Costa-Lima Neto, o que distingue improvisação de
composição para Hermeto parece ser mesmo a escrita; depois que a música era
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anotada “o devir improvisatório passava a ser composição” (COSTA-LIMA NETO,


1999: 74). Neste ponto aparece o papel que a escrita, e também a teoria musical,
possui na concepção de Hermeto. Para ele a criação é tratada como algo quase
divinizado, que se materializa através de sua intuição ao obedecer ao que sua mente
pede, sem nenhum tipo de premeditação. Sendo assim, a escrita adquire um papel
secundário, ficando subordinada, e posterior, ao processo intuitivo de criação.
Esta maneira intuitiva de criar, presente tanto em sua música quanto na
exposição de seus ideais, está relacionada a uma visão religiosa que aparece
constantemente em sua fala. As temáticas religiosas estão presentes das mais
variadas formas em sua música: em títulos de composições e discos, nas suas
declarações e também em forma de som nas suas gravações. O prefácio do
Calendário do Som demonstra um pouco de seu lado religioso:
[...] perto de completar meus 60 anos de idade, comecei a receber
mensagens intuitivas que diziam assim: - Hermeto, você tem que compor
uma música por dia, durante um ano sem parar! Eu respondi no ato que já
fazia uma música por dia, e às vezes até mais! Recebi então outra
mensagem de volta dizendo: - Hermeto, você tem que compor no papel
porque não é obrigação, e sim devoção (PASCOAL, 2004: 17).
É através da música que ele parece sintetizar e expor seus pensamentos
religiosos, os quais se manifestam através da criação intuitiva, como que recebendo
a inspiração de um plano superior, e também transparecendo musicalmente como
elementos rituais em suas gravações. A visão religiosa aparece em sua obra de
maneira sincrética, misturando rituais de diversas manifestações como “catolicismo,
espiritismo, umbanda, meditação e ritos indígenas” (BORÉM; GARCIA, 2010: 64).
Contudo Hermeto não se considera religioso:
Quem vê eu falar assim diz “esse cara é um religioso”. Não, eu sou um
músico, que através da música eu tenho todas essas percepções. Porque
receber as intuições, que [...] é o que eu respeito demais é a minha intuição,
em primeiro lugar a minha intuição (PASCOAL, 2012c).
Este sincretismo religioso transparece como mais um elemento – a
exemplo dos gêneros musicais tradicionais e dos ruídos da natureza – a ser incluído
nas misturas de sua música, ficando integrado de tal maneira em seu pensamento
que música e religiosidade já não são mais tratadas de maneira distinta por
Hermeto.
De fato, assim como a religiosidade, todos os aspectos do pensamento de
Hermeto comentados até agora parecem estar subordinados à música. Eles
aparecem como resultado de um trabalho prático, fundado na oralidade e no
empirismo, através de experiências musicais concretas. Sua postura integradora
abre margem, em sua obra, para a inclusão dos variados objetos, dos sons de
animais, dos elementos de variadas tradições musicais, etc., o que para Hermeto
não passa de uma coisa natural, considerando sua visão de que tudo é música. A
partir da inclusão sonora, o compositor lança mão de seu pensamento, regido pela
mesma práxis oral e empírica de sua música.
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Referências:

ARRAIS, Marcos Augusto Galvão. A música de Hermeto Pascoal: uma abordagem


semiótica. 2006. 176 p. (Dissertação de Mestrado em Música) – Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2006.

BORÉM, Fausto; GRACIA, Maurício Freire. Cannon de Hermeto Pascoal: aspectos


musicais e religiosos em uma obra-prima para flauta. Per Musi, Belo Horizonte, n.22,
p. 63-79, 2010.

CAMPOS, Lúcia Pompeu de Freitas. Tudo isso junto de uma vez só: o choro, o forró
e as bandas de pífanos na música de Hermeto Pascoal. 2006. 143 p. (Dissertação
de Mestrado em Música) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2006.

COSTA-LIMA NETO, Luiz. A música experimental de Hermeto Pascoal e grupo


(1981- 1993): concepção e linguagem. 1999. 222 p. (Dissertação de Mestrado em
Música) – Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.

______. Da Casa de Tia Ciata à Casa da Família Hermeto Pascoal no Bairro do


Jabour: Tradição e Pós-Modernidade na Vida e na Música de um Compositor
Popular Experimental no Brasil. Música e Cultura, No. 3, 2008. Disponível em: <
http://www.musicaecultura.ufba.br/artigo_costa-lima_01.htm> Acesso em: 05 jun.
2012.

______. O Calendário do Som e a estética sociomusical inclusiva de Hermeto


Pascoal: emboladas, polifonias e fusões paradoxais. Revista USP, São Paulo, n.82,
p. 164-188, jun./ago. 2009.

______. O cantor Hermeto Pascoal: os instrumentos da voz. Per Musi, Belo


Horizonte, n.22, p.44-62, 2010.

PASCOAL, Hermeto. Calendário do Som. 2. Ed. São Paulo: Editora Senac São
Paulo, 2004. 414 p.

______. Entrevista com Hermeto Pascoal. Disponível em <http://www.youtube.com/


watch?v=jdXw4OvrsbU> Acesso em: 30 mai. 2012c.

______. Hermeto Paschoal: não gravo mais no Brasil. Entrevista a Valdir Zwetsch.
Revista Pop, out. 1975. In: VELHIDADE. Website. Disponível em: <
http://velhidade.blogspot.com.br/search/label/Hermeto%20Pascoal> Acesso em: 10
jun. 2012.

______. Hermeto Pascoal. Revista Super Pop, jun. 1973. Entrevista. In:
VELHIDADE. Website. Disponível em: < http://velhidade.blogspot.com.br/
search/label/Hermeto%20Pascoal> Acesso em: 10 jun. 2012.
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Notas

1
Neste trabalho, as palavras gênero, estilo e ritmo terão um uso fluído, significando aquilo que se
percebe de imediato na música, como o que a faz ser uma valsa, ou ter um ritmo de maracatu, etc.
Assim como acontece na fala de Hermeto, não se tenta aqui estabelecer uma definição estanque
para cada um destes termos.
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A segmentação do campo da música popular brasileira na década


de 1950: o caso do TRIO SURDINA

MODALIDADE: Etnomusicologia

Rodrigo Aparecido Vicente


Instituto de Artes da UNICAMP – rodrigovicente86@gmail.com

Resumo: A partir de um estudo da produção fonográfica do Trio Surdina, discute-se em que


medida a obra do conjunto aponta para o processo de segmentação do campo da música
popular brasileira na década de 1950, época em que emergem novas tecnologias,
sonoridades, modos de escuta e espaços de atuação para os músicos populares.
Acompanhando o fenômeno da urbanização e a reestruturação da sociedade de classes, o
cenário sociocultural que envolve a trajetória do Trio Surdina é marcado pela reconfiguração
da hierarquia de legitimidades e gostos que pauta o campo da música popular.
Palavras-chave: Música Popular Brasileira. Década de 1950. Trio Surdina. Segmentação.

The segmentation of the field of brazilian popular music in the 1950s: the case of Trio Surdina

Abstract: From a study of the phonography of Trio Surdina, we discuss to what extent the
work of the group indicates the segmentation process of the field of brazilian popular music in
the 1950s, a time when new technologies, sonorities, modes of listening and fields of activity
for popular musicians to emerge. Integrating the phenomenon of urbanization and the
restructuring of class society, the socio-cultural scenario that involving the trajectory of Trio
Surdina is characterized by the reconfiguration of the hierarchy of legitimacy and tastes, which
guides the field of popular music.
Keywords: Brazilian Popular Music. 1950’s. Trio Surdina. Segmentation.

1. Música Popular Brasileira em Surdina

O argumento central deste trabalho é o de que uma fase do processo que


resultou na segmentação do campo da música popular brasileira pode ser
investigada a partir da produção do Trio Surdina, conjunto formado por volta de 1951
pelos músicos Garoto (violão), Fafá Lemos (violino) e Chiquinho do Acordeon. Esses
instrumentistas se reuniram a partir de um programa da Rádio Nacional (Rio de
Janeiro) intitulado Música em Surdina, idealizado e produzido à época por Paulo
Tapajós. Conforme sugere o nome do programa, a intenção era reproduzir no rádio
uma música mais “suave” e “intimista”, tal qual se ouvia nas pequenas boates que
estavam em voga na zona sul do Rio de Janeiro (SAROLDI & MOREIRA, 1984: 75).
Prova disso era a faixa de horário em que a atração era veiculada: nos “finais de
noite” do rádio. Nesse sentido, a música e o ambiente que esses agentes buscavam
representar iam ao encontro das preferências de grupos de classe média, haja vista
os preços altos que muitas boates cobravam pelos seus serviços, restringindo o
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acesso a uma camada mais ampla da população. Vale lembrar, bairros como
Ipanema e Copacabana, entre outros, já haviam se constituído enquanto espaços
turísticos relativamente elitizados (MATOS, 1997; SARAIVA, 2007).
Nessa fase, parece se configurar de modo mais evidente uma cisão entre
uma produção denominada como “comercial” ou “massiva”, voltada para o grande
público, e outra mais “intelectualizada” ou “sofisticada”, que atendia às expectativas
de frações da classe média. Esta tendência se caracterizava pelos programas de
música de concerto e música instrumental. Já a primeira era representada pelos
programas de auditório e radionovelas, atrações que alcançavam índices de
audiência mais expressivos. Aliás, como os auditórios permitiam a participação
ostensiva do público, e sendo este composto predominantemente pela população de
baixa renda, ocorreu, de acordo com José Ramos Tinhorão (1981), uma espécie de
“reação elitista” por parte dos segmentos médios. Eram frequentes, por exemplo, a
veiculação na imprensa de críticas de caráter preconceituoso, como no caso em que
chegaram a definir o público feminino e afrodescendente com a expressão “macacas
de auditório”.1
Como “resposta” ao fenômeno dos auditórios, surge entre os anos 1940 e
1950 programas que buscavam dar um tratamento mais “digno” e “elegante” (esses
termos são correntes na imprensa daquela época) à música popular como, por
exemplo, Quando os maestros se encontram, que contava com os arranjos de
maestros como Radamés Gnattali, Léo Peracchi, Alceu Bocchino, Alberto Lazolli
etc.; ou ainda, o programa Ritmos do Copacabana, transmitido diretamente do hotel
Copacabana Palace.2
Em síntese, esses dados indicam a relativa segmentação da programação
radiofônica e da própria música popular, posto que os produtores buscavam atender
faixas específicas do público consumidor de acordo com seus modos de vida,
hábitos, ideias, gostos etc. Aliás, a tendência dos pequenos conjuntos coincidiu com
a emergência de uma nova geração da classe média no segundo pós-guerra, que
fez das pequenas boates da zona sul o seu espaço de entretenimento. Conforme
aponta Gilberto Velho, entre as décadas de 1930 e 1960 o bairro de Copacabana,
por exemplo, cresceu num ritmo maior que o da cidade do Rio de Janeiro, resultado
da migração intensa de habitantes oriundos de bairros como Botafogo, Tijuca, entre
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outros (VELHO, 1975: 21-24). Esse processo se intensificou entre 1940 e 1950 e, de
acordo com o autor, sob a alegação de que estavam à procura de um lugar
“moderno”, com “divertimentos” e “facilidades”, a maioria das pessoas se deslocava
para Copacabana em função do “prestígio social” e “status” que essa mudança
implicava. Em outras palavras, no imaginário de certas frações da classe média, a
simples mudança para o bairro significava uma forma de ascensão social, “mesmo
não havendo alterações na ocupação ou na renda das pessoas” (Ibidem: 89).
Ao inserir esse processo particular numa conjuntura mais ampla, observa-
se que não apenas o Rio de Janeiro, mas o país todo atravessava uma fase de
transformações sociais e econômicas significativa a partir dos anos 1940. A indústria
nacional se modernizava e se expandia num ritmo acelerado. A este fenômeno se
somam o crescimento vertiginoso das cidades e a consequente reestruturação da
sociedade de classes, uma vez que o movimento migratório para os centros urbanos
se acentua num espaço de tempo relativamente curto, intensificando o processo de
estratificação social. Vale lembrar, a maior parte da população que se dirigia às
grandes cidades pertencia às classes menos favorecidas economicamente,
deslocando-se do meio rural e de regiões de extrema pobreza. Em função da falta de
planejamento urbano, entre outros fatores, tem-se a marginalização de parte
significativa desses contingentes nas metrópoles em formação, haja vista sua baixa
escolaridade, não especialização (profissional), taxa de natalidade elevada etc.
(MELLO & NOVAIS, 1998: 560-586). Assim, o acesso ao mercado de trabalho e ao
consumo se dava de forma parcial entre as classes subalternas. Nesse momento, o
campo de produção cultural, a indústria e o comércio se articulam de maneira cada
vez mais orgânica, atuando no sentido de transformar a nova “massa” em
“consumidores” - o papel do rádio foi decisivo nesse aspecto -, bem como criar e
atender suas expectativas nos planos material e simbólico, por mais ilusórias e
mistificadoras que sejam as relações que começam a se instituir (MICELI, 2005:
125-156). Em suma, pode-se dizer que a reconfiguração do campo da música
popular e o fenômeno das pequenas boates da zona sul do Rio de Janeiro não se
dissociam do processo de estratificação social que se acentua entre as décadas de
1940 e 1950.
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No entanto, é preciso estar atento às contradições e ambivalências


inerentes a esse contexto. Isso porque o Trio Surdina apresenta um repertório
bastante variado, que inclui o samba, samba-canção, choro, bolero, beguine, fox-
trot, baião e música folclórica. Daí a hipótese de que a produção do conjunto se situa
num momento em que o processo de segmentação do campo musical popular se
encontrava num estágio ainda incipiente. Há diversas tendências musicais em voga
no campo do entretenimento e, ao mesmo tempo, emergem disputas simbólicas
significativas visando legitimar ou depreciar muitas dessas tendências,3 apontando
para a configuração de uma hierarquia de legitimidades e gostos no interior do
campo.
A música do Trio Surdina, caracterizada pelo intimismo e contenção (em
termos de dinâmica); recorrência de passagens virtuosísticas, especialmente em
introduções e interlúdios; organização e variação das funções de cada instrumento
nas exposições dos temas (solo, acompanhamento, contracantos etc.); emprego de
progressões harmônicas conduzidas por meio de movimentos mínimos entre as
vozes; variações ou improvisações sobre os temas, enfim, é uma música que exige
atenção especial quanto ao estilo interpretativo do conjunto, independentemente da
variedade do repertório que pauta seus discos. Dito de outro modo, a construção de
sentidos e valores em torno da sua produção pode estar relacionada menos aos
diversos gêneros musicais presentes em seu repertório que ao estilo interpretativo
que caracteriza a sua sonoridade. É possível ainda que, num sentido mais amplo, a
valorização ou depreciação de determinados conjuntos e artistas - prática então
muito comum entre os críticos musicais -, fosse orientada em grande parte por esse
aspecto, ou seja, pelo o que alguns chamavam de “roupagem”, “vestimenta”,
“tratamento orquestral”, “qualidade artística” - em contraposição à “qualidade
técnica”, relativa à qualidade sonora da gravação - ou simplesmente “arranjo”.4
Além disso, a produção do Trio Surdina se insere numa época em que
novas escutas e tecnologias estão emergindo no campo do entretenimento.
Acredita-se que o seu estilo interpretativo estabelece uma relação de
interdependência com os novos meios de registro sonoro que caracterizaram a era
da “Alta Fidelidade” ou do Hi-Fi;5 com o ambiente e os modos de escuta
característicos das pequenas boates do Rio de Janeiro, apontando para uma
176
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

tendência à “contenção” e ao “intimismo”, apropriada a uma recepção mais


individualizada, em contraposição à “estridência” e à recepção “coletiva” que então
caracterizavam os programas de auditório.6

Considerações finais

Em resumo, o contexto no qual a produção do Trio Surdina se insere é


marcado pela emergência de novas escutas, mediadas pelas novas tecnologias,
bem como pelos sentidos de “progresso”, “modernidade” e “distinção” que estas
adquiriram; escutas que se constituem numa época em que o campo da música
popular se encontrava em vias de segmentação, processo este que responde, de
certa forma, pela tendência a polarizações estético-ideológicas - “nacional x
internacional”, “tradição x modernidade”, “autêntico x comercial” - que passam a
orientar a geração de sentidos e valores em torno de gêneros e estilos musicais
diversos, apontando para uma “estratificação do gosto”; escutas que se relacionam,
em suma, com as mudanças sociais em curso no Rio de Janeiro entre as décadas
de 1940 e 1950, período em que a estratificação da sociedade de classes se
acentua.

Bibliografia

BARBOSA, Valdinha & DEVOS, Anne Marie. Radamés Gnattali: o eterno


experimentador. Rio de Janeiro, Funarte, 1984.

BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento de gosto. São Paulo:


Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2008.

Coleção Revista da Música Popular (1954-1956). Rio de Janeiro: FUNARTE: Bem-


Te-Vi Produções Literárias, 2006.

MAMMÍ, Lorenzo. “João Gilberto e o projeto utópico da bossa nova”. In: Novos
Estudos CEBRAP, nº34, 1992.
MATOS, Maria Izilda Santos de. Dolores Duran: experiências boêmias em
Copacabana nos anos 50. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
177
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

MELLO, João Manuel Cardoso de & NOVAIS, Fernando A. “Capitalismo tardio e


Sociabilidade moderna”. In: História da vida privada do Brasil: contrastes da
intimidade contemporânea - Lilia Moritz Schwarcz (Org.). São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.

MELLO, Jorge. Gente Humilde: Vida e Música de Garoto. São Paulo: Edições SESC-
SP, 2012.

MICELI, Sérgio. A noite da madrinha e outros ensaios sobre o éter nacional. São
Paulo: Companhia das Letras, 2005.

SARAIVA, Joana Martins. A invenção do sambajazz: discursos sobre a cena musical


de Copacabana no final dos anos de 1950 e início dos anos 1960. Rio de Janeiro:
Dissertação de Mestrado, PUC, 2007.

SAROLDI, Luiz Carlos & MOREIRA, Sônia Virginia. Rádio Nacional, O Brasil em
Sintonia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1984.

TINHORÃO, José Ramos. Música Popular: do gramofone ao rádio e TV. São Paulo:
Ática, 1981.

VELHO, Gilberto. A utopia urbana: um estudo de antropologia social. Rio de Janeiro:


Zahar Editores, 2ª ed., 1975.

Fontes documentais

Revista Carioca. Rio de Janeiro, dezembro de 1952 a dezembro de 1953. Acervo de


Periódicos microfilmados da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Revista do Disco. Rio de Janeiro, março de 1953 a setembro de 1953. Acervo de


Periódicos impressos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Revista Flan. Rio de Janeiro, janeiro de 1953 a janeiro de 1954. Acervo de


Periódicos microfilmados da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Notas

1
O termo “macacas de auditório” foi cunhado pelo jornalista Nestor de Hollanda. Ver: “Auditórios viciados”.
Revista Rádio Visão, nº 2, 15 de maio de 1947 (apud TINHORÃO, 1981: 75-84).
2
Acervo Rádio Nacional, MIS-RJ.
3
Uma das principais fontes para se conhecer uma parcela dos debates estético-ideológicos aflorados em meados
dos anos 1950, é a Revista da Música Popular (1954-1956), editada por Lúcio Rangel e Pérsio de Moraes. A
defesa da música nacional, “autêntica” e tradicional é a tônica dos discursos que pautam o periódico, os quais se
opunham aos chamados “estrangeirismos” e “comercialismos” que haviam supostamente “invadido” o Brasil
naqueles anos - como o jazz, o bolero, a rumba etc.
4
Esses parâmetros eram compartilhados por críticos musicais contemporâneos (1951-1955) como Claribalte
Passos (Revista Carioca), Vinicius de Moraes (Revista Flan), Lúcio Rangel (Revista da Música Popular, Mundo
Ilustrado e Lady), Silvio Túlio Cardoso (O Globo, Revista da Música Popular), Paulo Medeiros (Última Hora) e
Jaime Negreiros (O Jornal), por exemplo. Com exceção da Revista da Música Popular, reeditada recentemente
178
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

pela FUNARTE (2006), os demais periódicos podem ser encontrados nos acervos da Biblioteca Nacional e
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
5
Toda a produção fonográfica do Trio Surdina fora registrada pela gravadora Musidisc, uma das primeiras
especializadas em long-playing a atuar no país. Além desta, destacavam-se a Sinter, uma subsidiária da norte-
americana Capitol, e a Radio, pertencente a Ovídio Grottera.
6
Tomamos de empréstimo aqui as reflexões de Lorenzo Mammì acerca da Bossa Nova e dos novos modos de
escuta instituídos no campo da música popular brasileira com o advento deste “movimento” (1958), representado
inicialmente pelo estilo interpretativo de João Gilberto, pelas composições de Tom Jobim e letras de Vinicius de
Moraes. A “contenção de excessos”, o “intimismo” e a “escuta interessada” são algumas das características
centrais da música bossa-novista (MAMMI, 1992).
179
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Trajetória de Moacir Santos do rádio para o cinema: um caminho


comum

MODALIDADE: Resumo expandido/comunicação oral

Lucas Zangirolami Bonetti


Universidade Estadual de Campinas – lucas@lucasbonetti.com.br

Claudiney Rodrigues Carrasco


Universidade Estadual de Campinas – carrasco@iar.unicamp.br

Resumo: O presente trabalho é um resultado parcial de uma pesquisa em andamento


intitulada “A trilha musical como gênese do processo criativo na obra de Moacir Santos”, onde
pretende-se delinear a linguagem de Moacir Santos (1926-2006) como compositor para
audiovisual, no recorte temporal de 1963 a 1966, em suas produções ainda no Brasil, e
mostrar as relações com sua obra composicional posterior, lançada em seus discos a partir
de 1965. Durante a pesquisa sócio histórica sobre a vida de Santos foi constatado que sua
trajetória tem pontos de similaridade com outras figuras de peso do cenário musical entre as
décadas de 1940 e 1970, dentre as quais podemos citar os principais nomes como Radamés
Gnattali, Guerra-Peixe, Leo Peracchi e Remo Usai.

Palavras-chave: Moacir Santos. Trilha musical. Maestros de rádio

Trajectory of Moacir Santos form radio to cinema: a common path

Abstract: This work is a partial result of an ongoing research named “The film scoring as
genesis of the creative process in the work of Moacir Santos”, which aims to delineate a
language of Moacir Santos (1926-2006) as an audiovisual composer, between 1963 and
1966, in his Brazilian productions, and show the relations with his posterior compositional
work, recorded after 65. During the socio-historic research about the life of Santos it was
known that his trajectory has points of similarity with other important musicians of the 40’s -
70’s musical scenario. Among them, the top names are Radamés Gnattali, Guerra-Peixe, Leo
Peracchi e Remo Usai.

Keywords: Moacir Santos. Film music. Radio composers/arrangers/conductors

Pudemos constatar até o presente momento que Moacir Santos faz parte
de uma segunda geração de maestros-arranjadores que trabalharam nas principais
rádios e que acabaram se deparando com a composição para cinema e televisão. É
possível enquadrar em uma primeira geração os compositores que atuaram durante
as décadas de 1940 e 1950 nas duas principais companhias cinematográficas
brasileiras do período, a Atlântida e a Vera Cruz. Na Atlântida, os seguintes músicos
trabalharam em trilhas musicais1: Lírio Panicalli (1906-1984), Alexandre Gnatalli
(1918-), Léo Peracchi, Lindolpho Gaya (1921-1987), Radamés Gnatalli, Guerra-
Peixe, Guio de Moraes (1916-) e Waldir Calmon (1919-1982) (FERREIRA, 2010: 58),
já na Vera Cruz a lista de compositores é formada por: Radamés Gnattali, Francisco
Mignone (1897-1986), Gabriel Migliori (1909-1975), Guerra-Peixe e Enrico Simonetti
(1924-1978) (ONOFRE, 2005: 16). Pesquisas já demonstraram que esse grupo de
180
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

compositores tinha larga experiência com o rádio e naturalmente passaram a


contribuir com a música de cinema a medida que as mídias se renovavam.
Por terem essa trajetória anterior, suas trilhas musicais carregavam
intrinsecamente toda a influência da sonoridade radiofônica da época. Ou seja, entre
os anos 1940 e 1950 a música de rádio foi marcada por uma sonoridade orquestral,
em que os maestros e arranjadores traduziam, cada qual com suas próprias
diretrizes estéticas, um estilo de orquestração advindo tanto de cânones da música
europeia como da tradição radiofônica norte americana e obviamente isso se refletiu
na contribuição dada posteriormente ao cinema (ONOFRE In: FREIRE, 2009: 43-44).
Pelo fato de Moacir Santos ser mais jovem, nascido em 1926, ele seguiu
esses passos com uma década de defasagem, atuando na Rádio Nacional somente
a partir do fim dos anos 1940, como instrumentista. Tendo se tornado maestro,
compositor e arranjador da mesma instituição apenas na década seguinte, período
que trabalhou também na TV Record. Sendo que sua incursão como compositor de
trilhas musicais para cinema se deu somente a partir da década de 1960. A
produção de Santos como “trilhista” abrange duas fases, uma ainda no Brasil,
quando compôs a música dos filmes: Seara Vermelha (1964), de Alberto d'Aversa
(1920-1969); O Santo Módico (1964), de Sacha Gordine (1910-1968) e Robert
Mazoyer (1929-1999); Ganga Zumba (1964), de Carlos Diegues (1940-); Os Fuzis
(1964), de Ruy Guerra (1931-); O Beijo (1964) e de Flávio Tambellini (1925-1976);
além de ter sido produtor musical de A Grande Cidade (1966), também de Carlos
Diegues. E uma segunda fase quando o compositor se muda para os EUA em 1967
e trabalha como ghostwriter na equipe de Henry Mancini (1924-1994) e Lalo Schifrin
(1932-), especialmente no seriado Mission: Impossible (1966-1973), além de ter sido
compositor nos filmes: Love in the Pacific (1970) e Jungle Erotic: Happening in Africa
(1970) de Zygmunt Sulistrowski (1922-) e Final Justice (1985), de Greydon Clark
(1943-).
Outro compositor importante que iniciou sua atuação aproximadamente no
início dos anos 1960 é Remo Usai. Como vimos, todos os outros músicos vieram da
rádio e se adaptaram ao audiovisual, já Usai pode ser considerado como o primeiro
compositor brasileiro especializado em música de cinema e isso se deve a sua ida
aos EUA em 1958 para se especializar em um curso na University of Southern
California, escola que formou diversos nomes importantes que atuaram em
Hollywood e, quando retornou, assumiu a produção de diversos filmes. Contudo,
antes de rumar para a América do Norte, Usai estudou composição, orquestração e
arranjo com Claudio Santoro (1919-1989) e Leo Peracchi, ambos importantes
compositores de rádio e cinema entre os anos 1940 e 1950 (EIKMEIER, 2010).
181
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Tendo em vista a exposição feita até aqui, é necessário saber que a


transposição de profissionais do rádio para o cinema não foi um caso exclusivo dos
compositores, mas de toda uma gama de técnicos e artistas que se encontraram em
uma posição de mercado em transição. Conforme a tradição radiofônica deixava de
ser a principal atividade de lazer da população e a televisão ganhava mais e mais
adeptos, assim como o cinema se popularizava entre as diferentes classes sociais,
toda a lógica de produção da indústria da comunicação precisou ser revista,
inclusive em relação à infraestrutura, como aparato técnico e maquinário. Muitos
estúdios cinematográficos não tinham nem ao menos uma locação para suas
produções, no que tange à gravação das trilhas, FERREIRA comenta que “como os
músicos, contratados para compor e organizar a trilha, tinham vínculo com as rádios,
(...), muitas das canções dos filmes da Atlântida tiveram seus playbacks gravados
em estúdios de rádio” (2010: 53). Ainda segundo a autora, somente no final da
década de 1940 que a Atlântida conseguiu atingir autossuficiência de produção
nesse sentido.
Contudo, o fluxo de profissionais não pode ser pensado apenas
unilateralmente, durante boa parte da década de 1940 a rádio e o cinema se
retroalimentavam de artistas e técnicos, pois eles transitavam entre as duas mídias,
não sendo incomum grandes nomes do cinema alcançarem sucesso de audiência
nos programas de dramaturgia das rádios (ADAMI, 2003: 131).
Já no que concerne à televisão brasileira, instaurada apenas na década
de 1950, as concessões de produção foram assumidas pelas emissoras de rádio,
sendo que todo o modelo de produção foi adaptado para o novo veículo nos
primeiros anos, como se a TV fosse uma espécie de “rádio com imagens”. Alguns
pesquisadores chegam a afirmar que “nossa TV nasceu do rádio” (ADAMI, 2003:
132). Sendo assim, a televisão brasileira em seus primórdios também se utilizou dos
compositores, arranjadores e orquestradores para refinarem sua programação. Para
os produtos teledramatúrgicos, o que se viu foi uma adaptação do modo de
utilização da música proveniente do rádio, porém se enveredando mais para uma
lógica de mercado, que culmina na venda de discos-coletâneas e com menor espaço
para inserções musicais compostas especialmente para determinadas sequências.
Prevalece inclusive o uso de canções, em suas versões cantadas e adaptações
182
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

instrumentais, além do uso, apesar de reduzido, de música instrumental orquestral,


proveniente de bancos de repertório dentro das emissoras. Atualmente, se tem a
composição de temas instrumentais originais para algumas obras, que inclusive são
comercializados em coletâneas prensadas ou disponibilizadas online2. Porém não há
a figura do maestro-arranjador específico e não se tem a possibilidade de compor
para cada cena, cabendo as decisões de uso da música ao sonoplasta de cada
obra.
Naturalmente, a partir do fim dos anos 1960, a figura dos maestros-
arranjadores passou a ser cada vez menos presente na produção audiovisual
brasileira, muitas vezes por questões financeiras, não sendo possível estabelecer,
por exemplo, outras gerações de músicos advindos da “era de ouro das rádios”. Isso
se deve principalmente ao declínio das grandes companhias cinematográficas no fim
dos anos 1950, quando o cinema precisou se reinventar com orçamentos mínimos.
O Cinema Novo, por exemplo, reflete essa mudança, que foi incorporada à
linguagem audiovisual dos autores, esses, cada vez mais determinantes no
direcionamento estético de suas produções, que tendiam a paralelizar o momento
social e político turbulento em que viviam. E foi nessa condição que Moacir Santos
trabalhou em suas primeiras trilhas, apesar de que nem todos os filmes que
participou como compositor se enquadravam explicitamente na estética
cinemanovista. Já na década de 1960 se tornou muito comum utilizar gravações pré-
existentes de música erudita e música pop contemporânea às produções
cinematográficas. Logo, a partir dessa ruptura com a linguagem da década anterior
cada vez mais só podemos encontrar casos isolados de músicos com esse perfil na
música de cinema e TV, fazendo de Moacir Santos um dos últimos compositores de
audiovisual advindos do rádio.

Referências:
183
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

ADAMI, Antonio. “O cinema em casa”: uma era do rádio. In: Antonio Adami et al
(Orgs.). Mídia, cultura e comunicação 2. São Paulo: Arte & Ciência, 2003, p. 125 -
136.

ANTONIETTI, Andre Checchia. A música da minissérie brasileira no exemplo de


Anos Rebeldes. Dissertação de Mestrado. Campinas, SP: Universidade Estadual de
Campinas, 2012.

EIKMEIER, Martin. A música de Remo Usai no cinema brasileiro. Tese de


Doutorado. Campinas, SP: Universidade Estadual de Campinas, 2010.

FERREIRA, Sandra Cristina Novais Ciocci. Assim era a música da Atlântida: a trilha
musical do cinema popular brasileiro no exemplo da Companhia Atlântida
Cinematográfica. Dissertação de mestrado. Campinas, SP: Universidade Estadual
de Campinas, 2010.

ONOFRE, Cintia Campolina de. A trilha musical da Companhia Cinematográfica


Vera Cruz. In: Rafael de Luna Freire. (Org.). Nas trilhas do cinema brasileiro. 1 ed.
Rio de Janeiro: Tela Brasilis, 2009, p. 35-48.

__________. O zoom nas trilhas da Vera Cruz. Dissertação de mestrado. Campinas,


SP: Universidade Estadual de Campinas, 2005.

Notas

1
Aqui, levamos em consideração apenas as composições instrumentais das trilhas musicais,
excluindo-se do escopo do trabalho as diversas canções contemporâneas às produções que eram
inseridas nas trilhas, na forma de números musicais ou não.
2
A existência da música instrumental original foi solidificado no produto teledramatúrgico,
principalmente na telenovela, no início da década de 1970. Uma figura importante para a
determinação e definição dos modos de utilização de músicas instrumentais e canção é o maestro
Júlio Medaglia. Para saber mais, veja o trabalho de ANTONIETTI (2012).
184

Jequibau: algumas considerações


ETNOMUSICOLOGIA:

Daniel Vilela
UFPR - danielvilela_cata@hotmail.com

Resumo: Através de uma abordagem interdisciplinar, levanto algumas hipóteses


acerca do gênero musical paulistano denominado ‘Jequibau’, que ficou
conhecido também como “Samba em Cinco” e “Bossa em Cinco”. Assim, são
associados aspectos extras e intramusicais, a fim de elucidar alguns pontos
referentes à criação, difusão, recepção e consolidação do gênero. Para tanto,
conto com aporte bibliográfico, além de entrevistas que realizei ao longo de
minha pesquisa.

Palavras-chave: Jequibau; “Samba em cinco”; “Bossa em cinco”.

Jequibau: a few considerations

Abstract: Through an interdisciplinary approach, I develop a few hypotheses


about the musical genre originated in São Paulo called "Jequibau", also known as
"Samba in Five" and "Bossa in Five". Thus, additional and musical points are
associated in order to elucidate a few aspects regarding the origin, diffusion,
reception and consolidation of this genre. In order to make this possible, I make
use of bibliographic support in addition to interviews I'll conduct throughout my
research.

Keywords: Jequibau; “Samba in Five”; “Bossa in Five”.

Introdução

A etnomusicologia surgiu através da necessidade de se estudar as


manifestações musicais não calcadas na tradição ocidental e eurocêntrica.
Ensejou também a aproximação de pesquisadores de outras áreas, que
vislumbraram na música um novo campo a ser estudado. Sociólogos,
historiadores e antropólogos contribuíram com ferramentas advindas das mais
diversas áreas na constituição dessa disciplina, antes denominada como
musicologia comparada. Dessa forma, esta vertente de estudiosos derramou
luz sobre aspectos que por muitas vezes foram negligenciados. Os dados
contextuais tomaram novos valores e passaram a contar com relevantes
reflexões sobre temas como aculturação, transculturação, interculturalidade e
hibridismo. Assim, a principal crítica apontada sobre a linha musicológica
factual foi justamente a ausência deste tipo de conteúdo extramusical.

Por outro lado, a chegada de pesquisadores não habituados à


linguagem teórica específica fez com que o discurso musical fosse relegado,
185

em diversos trabalhos, ao segundo plano. Atentos a esta questão,


musicólogos indagaram a validade e a carência do teor intramusical nestes
estudos, argumentando que este conteúdo é indispensável a pesquisas sobre
música. O fato é que ambas as vertentes trazem a tona diferentes vieses e
que, ao serem unidos, podem produzir resultados mais substanciais.

A época marcada pelo positivismo científico foi responsável pelo


surgimento de um acervo acadêmico que, embora criticado, pode ser visto de
maneira otimista por fornecer aos estudiosos rica fonte de consulta. O
problema é que mesmo os trabalhos factuais e de coleta e edições de
documentos musicais são escassos no Brasil. Paulo Castagna (2008)
argumenta que na década de noventa:

(...) surgia um dos maiores dilemas na musicologia brasileira dessa


época: sem uma produção resultante da concepção positivista que
orientou a musicologia europeia na segunda metade do século XIX e
primeira metade do século XX, não haveria suficiente material para
abordagens mais reflexivas ou interpretativas. (CASTAGNA, 2008: 48)

Percebe-se que a musicologia teve, desde então, que primar por


estudos mais reflexivos, mas que, por outro lado, se viu na necessidade de
reassumir os trabalhos técnicos através de metodologias mais conscientes
(CASTAGNA, 2008). Essa nova guinada deve ser acompanhada também por
etnomusicólogos, a fim de colaborar para a formação de trabalhos
musicológicos, evitando os resultados meramente musicográficos (IKEDA,
1998).

É através dessa abordagem que elaborarei algumas hipóteses acerca


do gênero musical paulistano denominado Jequibau. Ou seja, considerando
aspectos endo e exo-semânticos da música (MUKUNA, 2008), discorrerei, no
espaço limitado a este trabalho, sobre algumas características deste gênero
que serão tratadas mais minuciosamente no decorrer de meu mestrado.

1. No Balanço do Jequibaui

O Jequibau surgiu na cidade de São Paulo em meados da década de


sessenta, mais precisamente no dia 13 de Agosto de 1965, data de sua
186

primeira gravação. É consequência da idealização em parceria de Mário


Albanese e Cyro Pereira, que o criaram e o fundamentaram em um compasso
quinário peculiar e inovador. Isso porque sua fórmula não pode ser subdivida e
não é resultante de quaisquer alternâncias de compassos. Além disso, soma-
se ao resultado sonoro o swing tipicamente brasileiro.

O período no qual se insere o Jequibau foi marcado pela


experimentação no que tange também as fórmulas de compasso.
Compositores como Herbie Hancock (1940) e Wayne Shorter (1933),
influenciados pela música africana, lançaram músicas como Footprints (1966),
em 6/4, e Succotash (1963), em 12/8. As músicas Take Five (1959) e Missão
Impossível (1966), de Paul Desmond (1924-1977) e Lalo Schifrin (1932)
respectivamente, foram compostas em 5/4 e, ambas, são resultado da
alternância de um compasso ternário e outro binário.
Este contexto propiciou a idealização do Jequibau, que é decorrente de
um processo de mistura em que acontece o que Acácio T. Piedade (2013)
chama de “fricções de musicalidades”. Ou seja, coexistem dentro de seu
resultado sonoro características advindas da música norte-americana e afro-
brasileira, que promovem o diálogo entre questões como globalização,
identidade e regionalismo.

A interculturalidade está presente nas práticas culturais brasileiras e,


com o Jequibau não é diferente, haja vista que diversos estilos musicais
nacionais e estrangeiros alicerçaram a sua formação. No entanto, o Jequibau
mostra sua identidade através de uma linha rítmica padrão que é grafada da
seguinte maneira:

Figura 1 - Linha rítmica do Jequibau desenvolvida pelo contrabaixo.


187

Embora esta linha padrão esteja sujeita a modificações ao longo de sua


interpretação, configurando o que Tiago de Oliveira Pinto (2001) denomina
como “micro-rítmicas”, ela serve como orientação aos executantes, ou seja,
como uma linha a qual os músicos devem recorrer ao longo do processo
interpretativo.

Para facilitar a assimilação desta linha rítmica padrão, Mário Albanese


elaborou uma maneira de vocalizá-la, se aproximando do que é definido como
onomatopeia. Esta foi a forma encontrada para transmitir o gênero a pessoas
não habituadas com a teoria musical tradicional. Vejamos o trecho retirado da
entrevista a mim cedida pelo maestro:
Para que você interiorize os cinco tempos, incorporando-os
definitivamente, mentalize a linha do baixo fora do seu
instrumento:(1 2e 3 4e 5e 1 2e 3 4e 5e) Um, dois e
trêsquatro e cinco e Um dois e três quatro e cinco e (...)Você
sabe dar valor às notas e não terá dificuldade de repetir esse
desenho sempre em qualquer lugar. O Macumbinha tinha
quinze anos e não lia música. O jeito foi invetar uma palavra
que sonorizasse esse desenho do baixo e, o que me veio à
cabeça, foi: Kon para o som e Tiss para o
silêncio. KONTISSKOKONTISSKONKO KON etc. [ALBANESE,
entrevista 13/04/2010]

Sem a exposição desta linha padrão, a música tocada não caracteriza


um Jequibau. Dessa forma, os epítetos “Samba em Cinco” ou “Bossa em
Cinco”, apesar de lisonjeiros por associarem o gênero a respeitadas
manifestações musicais, se esgotam na medida em que um Samba ou uma
Bossa Nova articulados sobre um compasso quinário que não apresente a
linha rítmica específica do Jequibau, não possam ser classificados como tal.
Nestes casos, a utilização das alcunhas parece ser mais adequada.

Ainda há muito para ser investigado acerca do conteúdo musical deste


gênero, que hoje é considerado parte do folclore paulista. Além disso, no
espaço limitado deste trabalho, tratei do assunto de maneira superficial. Mas,
análises mais minuciosas podem ajudar no entendimento acerca do “Balanço
do Jequibau”.

2. Contexto e Contribuições
188

Pensemos agora no momento político vivido nos idos da década de


sessenta. O cenário era delicado e podemos dividi-lo em duas grandes
vertentes. Uma de esquerda, que representava a oposição e estava
estreitamente ligada a movimentos socialistas. E outra de extrema direita, que
decretou a censura através da implantação da ditadura militar no que ficou
conhecido como o golpe de 1964. Dentro do campo artístico, mais
precisamente do musical, os envolvidos se posicionavam contra o governo ou
de forma alheia. No primeiro caso, temos os representantes da chamada
Canção de Protesto (constituída pela frente considerada mais engajada) e no
segundo, a Jovem Guarda (acusada de arremedar o Rock americano).

Com este cenário montado, surge um dilema vivido pelos músicos e


que de certa forma é ainda atual. Vejamos as palavras de Marcos Napolitano
(2001):

Tem-se, por tanto, dois vetores opostos: por um lado, a tendência da


MPB de tornar-se uma instituição sociocultural, ensejando uma
autonomização relativa deste campo de expressão artística; por
outro, uma nova forma de articulação da indústria cultural com as
artes, tornando-a relativamente heterônoma, pois dependente de
uma dinâmica mercantil que escapa ao criador e ao público fruidor
(...). (NAPOLITANO, 2001: 14)

O Jequibau não surgiu a partir de engajamento político e não tinha o


apelo comercial desejado pela indústria fonográfica da época, que assistiu e
projetou nos anos sessenta o aumento do consumo da música internacional, e
que teve na MPB o principal representante da música nacional. (VICENTE,
2008). Esses fatores dificultaram a difusão do gênero, muito embora o caráter
inovador inerente a ele tenha alcançado o respeito de muitos músicos da
época (nacionais e estrangeiros) que com ele tiveram contato. Leonard Feather
(autor da enciclopédia do Jazz) opinou da seguinte forma: “Jequibau, novo e
excitante ritmo do Brasil, é um 5/4 que revela com incrível simplicidade e
charme um novo entendimento métrico desse compasso”.ii

Contudo, o gênero criado por Mário Albanese e Cyro Pereira passou um


período limitado a poucas gravações e a matérias de jornais e revistas que o
apontavam como o estilo reverenciado em outros continentes, mas que ainda
189

procurava se firmar em seu próprio país. Vejamos o trecho retirado do Jornal


Shopping News de São Paulo (1971):

O Jequibau surgiu logo depois da Bossa Nova, mas, enquanto vai


conquistando cada vez mais admiradores no Exterior; é pouco
divulgado em nosso país. Mário Albanese e Wilson Curia têm planos
para conquistar os brasileiros também. (SANTOS, 1971: p. 12)

Mesmo com todos os obstáculos, este gênero de compasso quinário foi


gravado por artistas brasileiros renomados como Hermeto Pascoal, Olmir
Stocker (Alemão), Os Três Morais, Sílvio Santisteban, Altemar Dutra, Agnaldo
Rayol, Moacir Franco, Zimbo Trio, Predrinho Mattar, Jair Rodrigues, entre
outros. Já em âmbito internacional, esteve presente em discos de interpretes
como Vic Damone, Percy Faith, Charlie Byrd, Al Caiola, Sadao Watanabe
(Japão), Rita Reys e Sarah Cheretien (Holanda), Susana Colonna (México) e
muitos outros, tendo atingido mais de 20 países.

Além disso, o Jequibau foi abordado em métodos como os de


Christiano Rocha (2001) e Wilson Curia (1971). Este último, após uma pequena
descrição, apresenta a transcrição da música Gamboa, também presente no
álbum Brazilian Octopus, de 1969.

iii
O gênero também marcou presença no disco intitulado “Paulicéia”
(2010) através da gravação da composição “Duo n. 14” do maestro Eduardo
Escalante, com interpretação do trompetista Paulo Ronqui e do violonista
Clóvis Barbosa. Além disso, fez parte do repertório composicional de Paulo
Bellinati com a música Carlo`s Dance (2006), gravada no álbum do grupo
Quaternaglia que leva o título de Jequibau (2012).

Considerações Finais

As evidências nos dão uma nova perspectiva acerca do período que foi
o pano de fundo no qual surgiu e se desenvolveu o Jequibau. Pois, apontam
para o fato da existência de outra manifestação musical além das já
conhecidas e estudadas. Também nos mostram um gênero que perdurou,
mesmo com pouca divulgação, de maneira significativa até os tempos atuais.
190

Nota-se que, da participação ativa do Jequibau dentro de seu ambiente


cultural surgiu uma produção valorosa e digna de pesquisa acurada. No que
tange o caráter colaborativo do gênero, é perceptível que ele traz em sua
essência reflexões sobre temas como identidade, interculturalidade,
hibridação, folclore e acerca do conceito de compasso misto.

Atualmente, existe um processo de retomada do Jequibau e de outras


manifestações musicais e que deve ser examinado de forma minuciosa e
reflexiva, uma vez que pode significar uma preocupação de músicos
estudiosos com a manutenção de tradições num período em que a
globalização aproxima diversas culturas e acelera o processo que Stuart Hall
(2011) denomina como “pluralização de identidades”.

Através deste trabalho procurei mostrar que a abordagem


interdisciplinar pode clarear diversas questões acerca da música brasileira,
mais precisamente sobre o Jequibau, que ainda necessita de estudos
etnomusocológicos exploratórios e de divulgação mais substancial para se
consolidar no vasto repertório musical nacional, bem como para ser
compreendido de forma mais satisfatória. Dessa forma, expus alguns pontos
da pesquisa que venho empreendendo desde 2010 e que ainda explorarei
mais afundo no decorrer de meus estudos no mestrado.

Referências

ALBANESE, Mário. Mário Albanese: depoimentos [abr.; jul. 2010].


Entrevistador: Daniel Vilela. São Paulo, 2010. Entrevista realizada via e-mail.

CASTAGNA, Paulo. Avanços e Perspectivas na Musicologia Histórica


Brasileira. Revista do Conservatório de Música da UFPel. Pelotas, 2001, n. 1, p.
32 – 57.

CURIA, Wilson. Moderno Método para Piano Bossa Nova. 1 ed. São Paulo:
Edições Sidomar, 1971.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de


Janeiro: DP&A, 2011.
191

IKEDA, Alberto. Musicologia ou Musicografia? Algumas reflexões sobre a


pesquisa em música. In.: ANAIS DO I SIMPÓSIO LATINO-AMERICANO DE
MUSICOLOGIA. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 1998, p. 63 – 68.

MUKUNA, Kazadi wa. Sobre a busca da verdade na etnomusicologia: um


ponto de vista. Revista USP, São Paulo, n. 77, p. 12 – 23, março/maio 2008.

NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a Canção: engajamento político e indústria


cultural na MPB (1959-1969). 1. Ed. São Paulo: Editora ANNABLUME, 2001,
370p.

PERPÉTUO, Irineu Franco. Cyro Pereira, Maestro. 1. ed. São Paulo: DBA Artes
Gráficas, 2005, 118 p.

PIEDADE, Acácio. A teoria das tópicas e a musicalidade brasileira: reflexões


sobre a retoricidade na música. El Oído Pensante, Buenos Aires, v.1, n.1, p.1 –
23, 2013.

PINTO, Tiago de Oliveira. As Cores do Som: estruturas e concepção estética


na música afro-brasileira. África: Revista do Centro de Estudos Africanos. USP,
S. Paulo, 22-23: 87-109, 1999/2000/2001.

ROCHA, Christiano. Bateria Brasileira. São Paulo: Edições do Autor, 2007.

SANTOS, Waldemar. Jequibau é Sucesso no Exterior. Shopping News, São


Paulo, n. 1.001, Ano XX, p. 12, 1971.

VICENTE, Eduardo. Segmentação e Consumo: a produção fonográfica


brasileira – 1965/1999. Revista ArtCultura, Uberlândia, v.10, n. 16, p. 103-121,
jan.-jun. 2008.

Notas

                                                                                                                       
i
 ‘No Balanço do Jequibau’ é o título do Jequibau mais gravado.  
ii
 Disponível em <www.jequibau.com.br>. Acessado em 11/12/2013.  

iii
Paulicéia – Obras para trompete solo. Gravadora: Tratore. Selo: Fábrica Discos. 2010.

 
192
SIMPEMUS  6  |  Simpósio  de  Pesquisa  em  Música  da  UFPR  |  2013  

Embocadura na flauta transversal: análise de descrições teóricas

MODALIDADE: Performance

Marina Monroy da Costa Penna


Universidade Federal da Bahia – UFBA – mamacostapenna@hotmail.com

Resumo: Essa pesquisa pretende identificar diferentes abordagens à modelos de


embocadura na flauta transversal, tal como apresentados e/ou sugeridos por diversos
autores de métodos pedagógicos de flauta de variadas épocas, visando traçar, a partir
disso, uma alternativa de definição do conceito de embocadura, assim como identificar
os diferentes perfis técnicos mais recorrentes, e a sua relação com a prática flautística.
Esta pesquisa parte de uma revisão bibliográfica de variadas obras flautísticas influentes
nos dias atuais para o ensino de flauta transversal (livros-textos e métodos publicados
desde o século XVIII, de autores como Taffanel & Gaubert, Altès, Wye, Debost, Moyse,
Quantz, Hotteterre, Scheck e Mather).

Palavras-chave: Flauta transversal. Embocadura. Escolas. Técnica. Performance

Embouchure on the flute: analysis of theoretical descriptions

Astract: This research intents to identify approaches of the models presented


embouchure and / or suggested by the authors, in order to draw from this, an alternative
definition of what it is really embouchure and technical profiles most frequent used,
initiating a process of definition and distinction between technical models in flute practice.
It consists of a literature review of various flute works influential nowadays to teaching
flute (textbooks and methods published since the eighteenth century, from authors like
Taffanel & Gaubert, Altes, Wye, Debost, Moyse, Quantz, Hotteterre, Scheck and Mather).

Keywords: Flute. Embouchure. Schools. Technique. Performance

1. Introdução

Compreender e descrever o funcionamento da embocadura na flauta


transversal constitui-se como tentativa constante e desafiadora para os flautistas e
autores de métodos ao logo dos séculos. A transmissão de orientações escritas
lança-se desde muito tempo atrás como alternativa complementar (ferramenta de
ensino) para flautistas profissionais e amadores. As descrições de como se dá o
funcionamento anatômico facial e de como obter controle da emissão de ar tornam-
se também uma forma de registrar a existência de diferentes estratégias (perfis
técnicos). Este registro é importante, pois historicamente diferentes estratégias são
adotadas por grupos diferentes de indivíduos, e mesmo dentro de cada grupo,
ocorrem desenvolvimentos e mudanças nestas estratégias. Com isto, pode-se falar

 
193
SIMPEMUS  6  |  Simpósio  de  Pesquisa  em  Música  da  UFPR  |  2013  

de “correntes” ou “escolas” de embocadura na flauta, “correntes” estas que convivem


temporalmente, mas também se influenciam mutuamente e modificam.
Apesar da homogeneização cada vez mais intensa, a flauta ainda continua
a ser um dos instrumentos que mais permitem e encorajam a diversidade.
Além disso, apesar da adição do mecanismo para as chaves [na evolução
do instrumento], o som é sempre resultado direto da interação entre a boca
e o bocal, sem palhetas ou qualquer acessório “intermediário”. Isto constitui
ao mesmo tempo um charme e um problema. Com a variedade infinita de
possibilidades de combinação, se torna difícil estabelecer regras para uma
embocadura perfeita. Este é, portanto, um dos grandes desafios de
qualquer método de flauta. RÓNAI, 2008, p. 44

Tendo em vista a dificuldade e imprecisão geralmente encontrada nos


flautistas para descrever os mecanismos usados por eles para tocar e até mesmo
para delimitar quais os processos que constituem a embocadura, surge o
questionamento primordial de qual é realmente a definição que marca o que é
especificamente a “embocadura na flauta transversal”. ¹
Justamente por ser complexo descrever e definir embocadura, bem como
delimitar as ações componentes desse processo, ressalta-se a necessidade de
estudos que possibilitem tornar esse aspecto da técnica como algo mais claro.
Assim sendo, cria-se uma alternativa viável de estudo que torna o entendimento
técnico como algo objetivo e acessível, além de evitar dúvidas – que podem ser
danosas para a prática – e principalmente, abrir espaço para o surgimento de novos
estudos no assunto, em campo tecnológico, educacional ou de performance.

2. Embocadura

É importante definir os limites do que realmente é embocadura,


justamente para que seja possível estudar e descrevê-la satisfatoriamente, porém,
não existe descrição teórica precisa que contemple a magnitude do tema.
Segundo o Dicionário Groove de Música: “Aparelho oral para se tocar um
instrumento de sopro consistindo de lábios, músculos faciais inferiores, e da
estrutura formada por mandíbulas e dentes.”.
Vê-se, todavia, que essa definição anatômica não traz total consistência
ao processo descritivo do tocar flauta, pois há uma lacuna grande no que realmente
é feito para a produção sonora. É preciso conhecer as partes envolvidas na ação,
mas igualmente importante compreender a forma como agem.

 
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SIMPEMUS  6  |  Simpósio  de  Pesquisa  em  Música  da  UFPR  |  2013  

A ação da embocadura não se restringe à capacidade de produzir e manter


um único som através de determinado posicionamento de lábios, mas
influencia toda a produção do som: a emissão, a articulação e as alterações
durante sua manutenção. FUCHS, 200, p.31
Conforme Fuchs, a embocadura constitui-se como um conjunto de ações
relacionadas interdependentemente culminando no resultado sonoro que se deseja
obter. Isso se deve ao fato de que não se pode deixar de salientar que para cada
fluxo de ar que se expele (entrando como variáveis, velocidade e intensidade da
vazão) necessita-se de uma forma diferente de lábios para saída, de modo a manter
a proporcionalidade nas variáveis que geram o resultado matemático condizente
com as condições acústicas de um som desejado (LA QUADRA, 2006).
Assim sendo, complementar ao afirmado por Fuchs, a embocadura é a
ação não apenas restrita a essa capacidade de produção e sustentação sonora de
um posicionamento muscular facial (pois nesse processo são usados feixes
musculares além de exclusivamente do lábio), mas influencia toda a produção de
som entre emissão, articulação e alterações durante sua manutenção.
A embocadura é resultado de um processo que envolve uma complexa
relação entre lábios, postura e posicionamento da flauta – todas as variáveis que
resultam na sonoridade – elas constantemente mutáveis por serem diretamente
relacionadas com variações do fluxo de ar (tanto em velocidade como vazão),
preliminar para emissão de som e condições internas como posicionamento da
língua e abertura de palato e glote.

3. Discurso técnico

Desde o século XVIII, a literatura flautística buscou de maneiras diferentes


descrever no que consistia o processo da embocadura. Contudo, essa busca pela
embocadura esbarra com a necessidade da ter conhecimento de qual o ideal sonoro
que se almeja. Frequentemente encontram-se descrições desse ideal de qualidade
sonora de forma totalmente subjetivas, com uso de diversos adjetivos imprecisos tais
como: redondo, cheio, viril, doce, dentre outros.

Em geral, o som mais agradável na flauta se parece mais com a voz de uma
contralto do que de uma soprano, e imita os sons da voz humana

 
195
SIMPEMUS  6  |  Simpósio  de  Pesquisa  em  Música  da  UFPR  |  2013  

provenientes do peito, o que se pode chamar tons de peito. Tem que ser
feito todo o possível para imitar o som dos flautistas que sabem produzir
com seu instrumento um som claro, penetrante, sonoro, redondo, masculino
e ainda, agradável. QUANTZ, 1752, p. 53 ²

O que pode ser para uns considerado como um som “cheio e belo” pode
para outros ser “ruidoso e áspero”. Isso porque, o som que se considera bonito é
uma questão de gosto estético individual ou de corrente estética coletiva, podendo
haver grandiosas diferenças de tendências de um flautista para outro. Não há o certo
ou errado, porém a busca da embocadura se volta para que tipo de tendência se
almeja seguir.
Justamente essa subjetividade do ideal sonoro, agregada com a
dificuldade de visualização do funcionamento físico e anatômico da embocadura,
permite lacunas nos discursos de descrição teórica da técnica. Essas lacunas
facilmente provocam questionamentos e polêmicas seculares.
A escassez de traduções de textos e métodos de flauta para o português,
aliada a essa subjetividade, ampliam a dimensão das abordagens diversas, por
vezes contraditórias em alguns pontos já existentes no cenário flautístico e realça a
necessidade da construção de um discurso teórico coerente e engajado com a física
e anatomia humana.
A subjetividade em descrições pedagógicas, juntamente com a escassez
e dificuldade de acesso a materiais de referência pode influenciar diretamente na
velocidade e qualidade de assimilação do aluno. A dificultosa visualização da ação
da embocadura amplia as dúvidas decorrentes da subjetividade nas descrições, por
se tratar de movimentos faciais pequenos que ocasionam grande variação sonora,
isso sem falar da coluna ar, condição primordial, que não tem como ser visualizada,
assim como abertura do palato e da garganta. O aluno, com isso, tem dificuldade em
descrever o que faz para obter uma boa sonoridade. Futuramente, no papel de
professor, esse antigo aluno permanece com as mesmas dúvidas, possivelmente
gerando na geração seguinte de flautistas o mesmo quadro da sua geração.
Para mudar essa situação, algumas ações no campo de pesquisa devem
ser feitas, como traduções das obras mais comumente usadas ao português, com
isso as descrições teóricas dos autores se tornam mais acessíveis, e definição de

 
196
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limites entre os diferentes discursos técnicos apresentados pelos autores mais


recorrentemente usados, de modo a evitar que discursos por ventura antagônicos
não sejam misturados gerando comandos contraditórios no tocar.
O acesso a um discurso claro, juntamente com disponibilidade de material
de referência, onde haja consciência precisa das diferentes estratégias de
embocadura (o que podemos chamar de escolas de embocadura) e noção básica da
anatomia como alternativa para a difícil visualização, possibilita ao flautista maior
consciência das ações que realiza na embocadura. Com isso, é possível descrever
melhor o processo e, com maior segurança, transmitir as futuras gerações de
flautistas um discurso claro, onde é maior a chance de esclarecimento de dúvidas
possivelmente otimizando o tempo empregado em estudo para obtenção da
sonoridade desejada.

3.1 . Contradições

De modo geral, encontram-se divergências entre os diferentes discursos


sobre embocadura em diversos aspectos, estes refletidos no resultado global da
embocadura e sonoridade de forma direta ou até mesmo indireta. Os
posicionamentos encontrados em escritos tradicionais sobre esse tema apresentam
discrepâncias tanto no que se diz respeito à veemência do discurso (alguns são
taxativos com indicações inflexíveis e outros bastante permissivos) como também
em aspectos notadamente subjetivos e de medidas de grandezas ínfimas ou em
combinações diferentes e improváveis de comandos.
Seguindo exemplos de casos citados por Scheck (1981) e Mather (1980)
em suas obras, seguem-se alguns dos tópicos mais recorrentes nessas contradições
e comumente presentes nas discussões entre flautistas que refletem no resultado da
embocadura e consequentemente construção do som:
Inclinação do instrumento no eixo horizontal dos ombros; posicionamento
da abertura propriamente dita da embocadura nos lábios (centralização ou não);
alinhamento das partes componentes do instrumento no ato da montagem (ou não);
posicionamento do instrumento no queixo no eixo vertical ou na pele rosada dos
lábios; uso ou repúdio dos ruídos sibilantes no período transiente da nota, e; rotação

 
197
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consciente da flauta para fora ou para dentro no ato de tocar e cobertura do orifício
do bocal com os lábios.
Reunidos esses diversos pontos divergentes (pois são diversas
estratégias diferentes para obtenção do resultado final) na prática e propagação da
técnica da flauta transversal, averigua-se a total validade de um estudo que
catalogue e defina fronteiras entre modelos diferentes. Desse modo evitando a
perpetuação destas aparentes contradições que podem resultar em modelos
desconexos e ineficientes de produção sonora.

3.2. Abordagens de embocadura

Essa revisão bibliográfica permitiu agrupamento em quatro abordagens


sobre embocadura mais comuns na literatura de flauta, agrupamento esse baseado
principalmente nas descrições indicadas por Mather (1980) e Scheck (1981) em
suas obras, esses quatro nomeados de maneira didática no processo de pesquisa
como: embocadura dos lábios franzidos ou protuberantes (Puckering Embouchure);
embocadura sorriso ou larga (Smiling Embouchure); embocadura pinçada (Chench
Lips), e; embocadura solta (Die Moderne Ansatztechnik).
a) O modelo que adota lábios franzidos baseia-se no ato de pressionar os
lábios um contra o outro, buscando afastar os lábios dos dentes,
consequentemente com simultâneo puxar das bochechas para dentro,
sem permitir o aumento do escape de ar (aumento do fluxo de ar)
Utiliza-se do afastamento dos lábios para obter notas de registro agudo
através de encurtamento da distância percorrida pela coluna de ar da
boca até a quina do orifício do bocal.
b) A forma de embocadura baseada no sorriso, por sua vez, é uma
imitação do ato expressivo do sorrir, um repuxar dos lábios para trás e
para cima, movimento oposto ao da embocadura franzida. Existe
variável em que o repuxar é para baixo, em ambos os casos os lábios
aproximam-se dos dentes. Aqui pressão que a flauta exerce contra o
queixo é alta quando comparada com as outras abordagens. A
mudança dos registros é obtida com a variação da tensão dos lábios

 
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(estreitamento através do ato de estirá-los para os lados) em conjunto


com variação da coluna de ar.
c) O pinçar (pressionar, clipar...) dos lábios nos cantos para formar o
orifício da embocadura constitui uma abordagem onde se busca tocar
com aumento gradual da área pinçada dos lábios de forma a reduzir o
orifício de escape do ar para obtenção de notas de diferentes alturas,
seguindo a lógica de que quanto mais pinçado o lábio mais agudas as
notas obtidas. Essa variação de registros pode ser feita com auxílio do
maxilar, em movimento conjunto, para frente (há divergências quanto
ao uso de acordo com cada autor).
d) Por fim, a embocadura solta, baseia-se no relaxamento muscular facial
e mudança de registro baseada no direcionamento (variação da
angulação) do jato de ar através de movimentos dos lábios para frente
com pouca tensão, longe dos dentes. Utiliza tensão sutil no lábio
superior para baixo (mas busca relaxamento especial na região
central), que acompanha a movimentação do lábio inferior e participa
no molde da coluna de ar. A escola preza pela livre mobilidade dos
lábios, com pouca pressão da flauta no queixo. Ainda sim, esses
movimentos devem ser pequenos, discretos e podem contar com
auxílio do maxilar, evitando ao máximo qualquer compressão dos
lábios nas notas agudas.

4. Conclusão

A partir disso, o agrupamento e diferenciação de abordagens proposto


pela pesquisa surge como possibilidade de esclarecimento das contradições mais
recorrentes no ensino da flauta transversal. Objetiva apresentar um aparato teórico
(bibliográfico) que permita o início de um trabalho aprofundado e com comprovações
práticas por meio de modelos físicos, estudo físico de fluxo de ar, escrita de literatura
embasada da área, desenvolvimento de novas técnicas de ensino, melhoria da
qualidade sonora emitida pelos profissionais intérpretes, otimização do tempo de

 
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estudo de instrumentistas, dentre outras aplicações, todas essas que permitam um


acesso facilitado de informações cientificamente comprovadas aos flautistas.
A busca pela embocadura é um processo longo e complexo para jovens
instrumentistas, que geralmente não conhecem diferentes técnicas, conhecem
apenas a linha utilizada por seu professor, que não necessariamente é a mais
adequada para si. Ter conhecimento das diferentes abordagens permite uma maior
possibilidade de escolha ao flautista, bem como evita problemas decorrentes da
mistura entre técnicas diferentes, por vezes incompatíveis entre si.
Também se pode atestar que grande parte do processo da construção da
embocadura depende exclusivamente da formação anatômica de cada indivíduo e
de seu gosto estético de sonoridade. Assim, as abordagens apontam apenas
formatos gerais que possibilitam esse desenvolvimento técnico, mas regras
específicas engessadas não podem ser formuladas, uma vez que as variáveis
presentes no cálculo físico da dinâmica do fluido (ar) variam em cada flautista e em
alterações enormes para pequenos movimentos. Porém, o conhecimento das
diferentes abordagens apresenta possibilidades modeladas de caminhos para seguir
na construção sonora do flautista evitando que a mesma se baseie em tentativa e
erro, mostrando-se como orientação inovadora que forneça em que dimensão de
movimentos posturais e intensidade da coluna de ar que a busca pela sonoridade
pode variar para o ideal funcionamento da flauta transversal.

Referências:

FUCHS, Bernhard. A Produção Sonora na Flauta Transversal. 2000. Dissertação


(Mestrado em Música) – Faculdade de Música Carlos Gomes, São Paulo.

LA QUADRA, Patricio de. The Sound Oscillating Air Jets: physics, modeling and
simulation in fluete-likes instruments. 2006. 165 f. Dissertação (Doctor of Philosophy)
– Department of Music and the Committee on Graduate Studies of Stanford
University.

MATHER, Roger. The Art of Playing The Flute. Iowa City: Romney, 1980. V.2

QUANTZ, Johann Joachim. Versuch einer Anweisung die Flöte transversière zu


spielen. Berlim: Johann Friedrich Voss, 1752. (tradução para o espanhol por Rodolfo
Murillo) Ann Arbor: UMI, 1997.

 
200
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RÓNAI, Laura. Em Busca de um mundo perdido: métodos de flauta do Barroco ao


século XX. Rio de Janeiro: Topbooks, 2008.

SADIE, Stanley. Dicionário Groove de Música. Ed. Concisa. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1994, 1048p.

SCHECK, Gustav. Die Flöteund Threr Musik. Mainz: Schott, 1981. Tradução Lucas
Robatto.

Notas
______________________________
¹ Diferentemente dos outros instrumentos de sopro, a flauta não possui nenhuma parte que adentre
ou cubra os lábios do instrumentista, tornando mais difícil explicar em que se baseia o processo de
produção sonora, tanto visualmente como acusticamente.
² Em general, el sonido más agradable de la flauta se parece más a la voz de una contralto que a la
de una soprano, imita lós sonidos de la voz humana que provienen del pecho, a los que les puede
llamar tonos de pecho. Hay que hacer todo lo possible por imitar el sonido de los flautistas que sabem
producir con su instrumento un sonido claro, penetrante, sonoro, redondo, masculino y sin embargo
agradable.

 
201

Entre a fonte e o som:


Um estudo sobre as técnicas estendidas para pianoi
Levy Oliveira
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – pacheco.levy@gmail.com

Ana Cláudia Assis


Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – anaclaudia@ufmg.br

Resumo: Este trabalho apresenta resultados parciais da pesquisa de Iniciação


Cientifica intitulada “Entre a fonte e o som”. Dentre nossos objetivos busca-se
investigar a forma como as técnicas estendidas vêm sendo empregadas no
repertório pianístico dos séculos XX e XXI e como os instrumentistas respondem
às questões impostas por estas novas técnicas, visando a composição de um
conjunto de peças para nível iniciante e intermediário utilizando algumas técnicas
catalogadas.

Palavras-chave: Performance, Composição Musical, Didática do Piano.

Between source and sound:


A research on piano extended techniques
Abstract: This paper presents partial results of a scientific initiation research
named “Between source and sound”. Our main objective is investigate how
extended techniques have been employed in piano repertoire of the XX and XXI
centuries and how the performers react to the difficulties imposed by those new
techniques, through the composition of a set of easy and intermediate pieces using
some catalogued techniques.

Keywords: Performance, Musical Composition, Piano pedagogy.

1. Introdução

Técnicas estendidas, ou técnicas expandidas, é toda forma não


tradicional de se utilizar o instrumento respeitando suas possibilidades físico-
acústicas (Pontes, 2010). Ao longo do século XX devido ao interesse crescente
pelo timbre no campo da criação musical as técnicas estendidas tem se
revelado preciosos agentes sonoros. É interessante observar que algumas
técnicas outrora consideradas não usuais - como é o caso do pizzicato - foram
sendo incorporadas de tal forma ao idiomatismo dos instrumentos de corda que
hoje em dia são consideradas como parte da tradição do instrumento.

No artigo intitulado Proto-história, evolução e situação atual das


técnicas estendidas na criação musical e na performance, Padovani e Ferraz
(2011) traçam, sob uma perspectiva historiográfica, o processo de surgimento e
consolidação de diferentes técnicas. Segundo os autores, a primeira aparição
do pizzicato coincide com a primeira aparição de legno battuto que ocorre em
202

uma peça para Viola da Gamba intitulada Harke, harke do compositor escocês
Tobias Hume (aproximadamente 1569 – 1645). Já o tremolo de cordas é
indicado pela primeira vez na ópera Il Combattimento di Tancredi e Clorinda
(1624) de Monteverdi (1567-1643). Outra técnica rara para esta época e
também encontrada nesta obra de Monteverdi é o Strappare que, devido às
indicações do compositor na partitura e ao contexto de batalha em que foi
utilizado, obtém um caráter expressivo semelhante ao que é conhecido hoje
como pizzicato Bartok.

Além do tremolo, esta mesma peça (Il Combattimento di Tancredi e


Clorinda) traz a indicação para que ’se deixe o arco e puxam-se as
cordas com dois dedos’ (parte do alto secondo, p. 15), de modo a
especificar o que viria a se estabelecer tradicionalmente como
pizzicato. Levando em conta, porém, que a indicação ocorre no
momento do duelo entre Tancredi e Clorinda, que ela requer
utilização de dois dedos para puxar a corda e que o verbo utilizado
pelo compositor é strappare– que aqui traduzimos por ‘puxar’ mas
que também pode significar ‘rasgar’ ou ‘arrancar’ – pode-se dizer que
a técnica indicada é muito próxima daquela que hoje se conhece por
pizzicato Bartók. (PADOVANI e FERRAZ, 2011: Pág. 12-13)

Além disso, é destacado no mesmo artigo o aparecimento de


diferentes tipos de pedais do piano no período pós-revolução industrial, dentre
eles o una corda - que foi incorporado ao uso comum do instrumento - e outros
que não se consolidaram, como o pedal fagote que adicionava ruídos ao timbre
do instrumento. Tom Beghin (2006) propõe uma interpretação do allegretto Alla
Turca – terceiro movimento da Sonata K.331 em Lá Maior de Mozart -
utilizando um papel sobre as cordas graves para gerar ruído, ou seja, um efeito
parecido com o do pedal citado acima. Esta proposta interpretativa de Beghin
nos mostra que, além do pizzicato bartok, outra técnica que se tornou comum
no século XX com John Cage, o piano preparado, pode ter sido previamente
utilizada no século XVII com Mozart.

No decorrer do tempo, todos os instrumentos sofreram avanços no


campo técnico-tímbrico. Para as madeiras surgiram os multifônicos, para os
metais surgiram válvulas, para cordas – além das já citadas – tipos diferentes
de harmônicos etc. No caso particular do piano, foco desta pesquisa, algumas
das possibilidades existentes são: clusters, pressionamento silencioso de
203

algumas teclas para que as cordas vibrem por simpatia, execução direta nas
cordas do piano utilizando a mão, dedos ou outros objetos, realização de
harmônicos pressionando os pontos nodais das cordas, abafamento, utilização
de sons produzidos no corpo do instrumento, interação com eletrônica (pré-
gravada ou Live electronic) e utilização da voz.

2. Técnicas estendidas na disciplina Piano Complementar

A atual pesquisa de Iniciação Científica iniciou quando, em 2012, no


âmbito da disciplina Piano Complementarii, cinco alunos de composição que
cursavam esta disciplina foram orientados a compor uma peça para piano. A
única condição imposta é que deveriam ser os próprios alunos a interpretarem
suas peças, ou seja, o limite de dificuldade foi definido pelo maior ou menor
grau de capacidade técnica para realizar de forma satisfatória as peças. Foram
compostas seis peças ao decorrer do semestre e três delas, Nada Mais!, Tupã
e Talvez, Amarelo, fizeram o uso de técnicas estendidas.

O contato direto com as técnicas estendidas que, por muitas vezes,


se apresenta difícil para o aluno iniciante - como é apontado por Akbulut (2010)
– podem ser vistas também como um jogo lúdico e dinâmico. A título de
exemplificação, a peça Nada Mais! foi idealizada após a audição integral das
Sonatas e Interlúdios para Piano preparado de John Cage e para sua
preparação foi utilizado borracha (elásticos), arruela, plástico e parafuso. Os
materiais escolhidos são de fácil aquisição e não apresentam grandes
problemas no momento da preparação (até porque é uma peça voltada para
iniciantes). O inicio da peça é uma contraposição de notas com o timbre
alterado devido à preparação (quatro primeiras semicolcheias) e um rápido
ataque que possui uma nota preparada e outra não (sexta semicolcheia). Esta
ideia é repetida e desenvolvida, como pode se ver no segundo compasso
(Exemplo 1).
204

Exemplo 1: Levy Oliveira, Nada Mais! (comp.1-2)

Já em Tupã, a segunda das três peças, sua concepção é resultado


de improvisos onde um percussionista, posicionado na cauda do piano,
utilizava baquetas e parafusos para percutir as cordas do instrumento enquanto
um pianista fazia uso do piano de forma tradicional. No desenvolvimento da
peça, foram utilizados glissandos e frases melódicas nas cordas, clusters feitos
na parte interna do piano e bowed-piano iii.

Compositor Título Característcas


Nathália Fragoso Talvez amarelo Piano preparado em duas regiões;
clusters; notação proporcional; uso
de claves adicionais. Dur. 3’
Levy Oliveira Nada Mais! Alternâncias de andamento. Com e
sem preparação do piano. Dur.
1’40’’
Levy Oliveira e Tupã (para dois executantes) Piano preparado em diversas
Alex Fraga regiões; clusters, tremolos,
glissandos nas cordas; predomínio
de gestos escalares; notação
proporcional; exploração das
ressonâncias. Dur. 3’
Exemplo 2: Características das peças.

Visando subsidiar a segunda fase desta pesquisa, que é a criação


de um conjunto de peças didáticas com objetivo de introduzir os alunos de
Piano Complementar no universo das técnicas estendidas, estamos
trabalhando na catalogação do maior número possível de técnicas estendidas
que vem sendo empregadas por compositores brasileiros e estrangeiros.
Nossa proposta vai ao encontro do trabalho de Daldegan e Dottori (2011), o
qual apresenta proposta similar a nossa ao propor a criação de peças para
205

flauta com técnicas estendidas voltadas a crianças ainda em processo de


musicalização.

Acredita-se que o trabalho com técnicas estendidas – técnicas não-


tradicionais, a partir das quais são produzidas novas sonoridades no
instrumento – possa contribuir para ampliar o universo estético dos
instrumentistas. O aprendizado de técnicas estendidas, juntamente
com a exposição ao repertório contemporâneo e, especialmente, a
execução de peças que explorem este material sonoro pode vir a
quebrar um ciclo vicioso com relação à música contemporânea “não
conheço, não gosto e não toco” que afeta e prejudica inclusive
músicos profissionais, que muitas vezes são também professores de
instrumentos. (DALDEGAN e DOTTORI, 2011: Pág.114)

A presente pesquisa pretende, portanto, fomentar um repertório


didático para alunos de piano propiciando-lhes um contato ao mesmo tempo
lúdico e rico em descobertas tímbricas, bem como com técnicas instrumentais
não usuais tradicionalmente. Aliado a isso, recursos rítmico-harmônicos
comuns em obras representativas do século XX e XXI serão privilegiados – tais
como a Pitch-Class Theory - para que o conjunto de peças a ser criado possa
ser ainda uma oportunidade para que estes alunos iniciantes tenham contato
com técnicas composicionais muitas vezes privilegiadas num contexto musical
de grande complexidade.

Referências

AKBULUT, S. The use of extended piano techniques at conservatories in


Turkey. Procedia social and behaviors sciences 2. Bursa, v. 2, n. 2, p. 3080-
3087, 2010.

ASSIS, A. C. O Timbre em Ilhas e Savanas de Almeida Prado. Rio de Janeiro,


1997. 177 p. Tese de Mestrado. UNI-RIO.

____________ Transformações sonoras na interpretação da música brasileira


contemporânea. Anais do PERFORMA 2007. Aveiro, 2007. Disponível em
www.performa.pt. Acesso em 13/09/2013.

____________; FRAGA, A.; FRAGOSO, N.; FRICHE, L.; OLIVEIRA, L.;


SACRAMENTO, L.; SILVA, M. Composição e performance na prática do piano
complementar. Anais do PERFORMA 2013. Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
Disponível em http://abrapem.org/performa/.

CAGE, J. Sonatas and Interludes. Nº 6755. New York: Edition Peters, 1960.
206

CASTELO BRANCO, C. O Piano preparado e expandido no Brasil. In: Anais do


décimo sexto congresso da ANPPOM, 2006, Brasília. P. 770-774.

CARDASSI, L. O Piano do Desassossego: Técnicas Estendidas na Música de


Felipe Almeida Ribeiro. Música Hodie, v. 11, n. 2, 2012. P. 59-78.

DALDEGAN, V.; DOTTORI, M. Técnicas estendidas e música contemporânea


no ensino do instrumento para crianças iniciantes. Música Hodie, v. 11, n. 2,
2012. P. 113-127.

DIETEL, G. 'Spectrum 3', 25 contemporary works for solo piano from around
the world. Metronome-MET-CD-1053 (Myers). 2001.

GRELA, D. Piano Contemporáneo: estudios progressivos. 1ª Ed. Santa Fe:


Universidad Nacional Del Litoral, 2007.

ISHII, R. The Development of Extended Piano Techniques in Twentieth-Century


American Music. Tallahassee, 2005. 114 p. Tese de doutorado. Florida State
University.

PADOVANI, J. H.; FERRAZ, S. Proto-história, Evolução e Situação Atual das


Técnicas Estendidas na Criação Musical e na Performance. Música Hodie, v.
11, n. 2, 2012. P. 11-13.

PONTES, V. E. Técnicas expandidas – Um estudo de relação entre


comportamento postural e desempenho pianístico sob o ponto de vista da
ergonomia. Florianópolis, 2010. 134 p. Tese de mestrado. Universidade do
Estado de Santa Catarina.

TOFFOLO, R. B. G. Considerações sobre a técnica estendida na performance


e composição musical. In: Anais do vigésimo congresso da ANPPOM, 2010,
Santa Catarina. P. 1280-1285.

i
Este trabalho tem o apoio do CNPq/Pró-Reitoria de Pesquisa da UFMG.
ii
A disciplina consiste em aulas individuais de piano com carga horária de 15 aulas semestrais.
Dentre seus objetivos está o aprendizado e/ou aprimoramento da técnica básica aliada às
“habilidades funcionais do piano” (Corvisier 2008) bem como o desenvolvimento de
potencialidades ligadas à expressividade que permitam ao aluno realizar de forma satisfatória
um determinado repertório. (Assis 2013)
iii
Técnica onde cordas de pesca são utilizadas para simular um arco de violino acionando as
cordas do piano.
207

A HARMONIA EM TROVAS OP. 29 No 1 DE ALBERTO


NEPOMUCENO: EM BUSCA DE ELEMENTOS DA POÉTICA HARMÔNICA

RESUMO EXPANDIDO:

Francisco Koetz Wildt


Faculdade de Artes do Paraná – franciscowildt@gmail.com

Heitor Bonifácio
Faculdade de Artes do Paraná – email?

Resumo: O presente texto realiza uma breve análise harmônica da canção Trovas de Alberto
Nepomuceno (1864-1920), com o objetivo principal de estabelecer fundamentos para a solução
da seguinte problemática de pesquisa: quais elementos harmônicos podem ser destacados de
modo a contribuir para uma compreensão da construção da linguagem harmônica da peça? A
metodologia empregada foi a identificação de três elementos, com base na sua definição por
tratados práticos de harmonia: cadências, emprego de inversões e acordes cromáticos.
Conclui-se que a identificação de elementos de linguagem harmônica, bem como um exame de
como tais elementos são empregados, pode contribuir para uma leitura não só técnica, mas
também expressiva da obra.

Palavras-chave: Música brasileira. Alberto Nepomuceno. Harmonia tonal.

o
Abstract: This article presents a brief harmonic analysis of Trovas n 1, by composer Alberto
Nepomuceno (1864 – 1930), aiming at the solution of the following question: what harmonic
elements should be identified in order to better comprehend the harmonic language of a piece?
Methodology was focused in the identification of three different aspects of harmony: cadences,
chord inversions and chromatic chords. Conclusions point to the fact that the identification of
such elements, as well as an analysis of how they are used, can contribute to an understanding
of the musical work not only from a technical point of view, but also expressive.

Keywords: Brazilian music. Alberto Nepomuceno. Tonal harmony.


208

1. Introdução

Alberto Nepomuceno compôs canções ao longo de toda a sua carreira, de modo


que elas têm importância cabal em sua obra e para música brasileira em geral, como
atesta Vasco Mariz: “Embora não tenha sido o primeiro a fazer cantar em português...
Alberto Nepomuceno implantou definitivamente o gosto pelo o que é nosso, imprimiu à
canção brasileira, afinal, alguns traços da nacionalidade” (MARIZ, 1983: p. 99). E Bruno
Kiefer afirma: “Nepomuceno foi um compositor de grande talento e de sólida formação
artesanal. Esteticamente um lírico. Daí o fato, sobretudo no terreno da canção artística
uma das partes mais preciosas de seu legado” (KIEFER, 1977). Dante Pignatari, em sua
tese sobre as canções de Nepomuceno, diz:

Nepomuceno compôs canções com acompanhamento de piano ao longo de toda a


vida, totalizando cerca de 70 peças. A primeira, Ave Maria, é de 1887, e encontra-
se entre primeiras obras que publicou; a ultima, Jangada, foi escrita no leito de
morte em 1920 (PIGNATARI, 2009: p. 16).

Para Pignatari, as canções de Nepomuceno têm como objetivo a criação de uma


música brasileira. Entretanto, o nacionalismo musical de Nepomuceno seria de ordem
diversa daquele defendido pelos modernistas, uma vez que para ele a música brasileira
seria criada não pela apropriação do folclore nacional, mas através da língua portuguesa.
Já Souza, no prefácio da edição de Pignatari das canções de Nepomuceno, apresenta
outro detalhamento dessa questão, afirmando que a polêmica lançada por Nepomuceno
teria se dado em trono não apenas do uso do português na música, o que já havia sido
feito, mas da inserção da questão da língua no contexto da discussão acerca da forma da
canção. Segundo Souza, “O que estaria em jogo naquele conflito seria sobretudo um novo
projeto de canção brasileira, inspirado no modelo do lied alemão e da mélodie francesa,
em que a importância do poema se equipara à da música, em contraste com o estilo
operístico italiano e a estética do bel-canto” (SOUZA in PIGNATARI, 2004: p. 16).
O presente estudo tem como objetivo realizar uma análise harmônica da canção
Trovas, com base em três tópicos da harmonia: cadências, inversões e acordes
cromáticos

2. Cadências

Walter Piston define a cadência como “...a mais importante fórmula usada para
209

finais de frase. Ela marca os pontos de respiração, estabelece a tonalidade e dá coerência


a estrutura formal” (PISTON, 1930: p. 125). Cadências são fórmulas usadas nas
terminações de frases, ou finais de secções e que estabelecem a tonalidade e os limites
formais de uma peça. Segundo Koentopp, “Um dos objetivos de se afirmar uma cadência
é realmente proporcionar ao ouvinte uma segurança de que a música pertence a
tonalidade a qual se faz propósito” (KOENTOPP, 2010: p. 108). Piston enfatiza
novamente a importância da cadência na música tonal, ao afirmar que as principais
fórmulas cadenciais permaneceram praticamente inalteradas ao longo de toda a prática
comum do tonalismo.

Em Trovas, as cadências demarcam mudanças de textura do acompanhamento


para piano, sendo que as três primeiras estrofes do texto são delimitadas por cadências.
A primeira cadência finaliza a introdução, na qual o piano executa acordes arpejados em
estilo violonístico. A mudança radical na textura do acompanhamento e da fórmula de
compasso marcam a entrada do canto. A cadência autêntica conclui a introdução do piano
(cc. 1 a 5 e sua repetição nos cc 25 a 29) e cada seção, sendo que na primeira vez – c.
25 – o acorde da tônica só aparece no início da frase seguinte (início da repetição da
introdução), tendo sido por isso classificada aqui como semicadência. No final da peça, a
resolução se dá apenas com a nota da tônica na melodia.

A semicadência é recorrente na canção. É usada no final das duas frases que


compõem primeiro período (cc. 8 e 12), no final da segunda estrofe (c. 24) e nos
compassos 33 e 37, após uma reapresentação do material da introdução.

A primeira frase do canto (c. 5 – 8) chega numa tríade da dominante com a terça no
baixo:
210

Exemplo 1: início do canto.

E na segunda frase desse período, a frase conclui no VII invertido, como substituto da
dominante. Essa semicadência marca uma mudança de textura junto com o verso “O
amor pertubou-me tanto”:
211

Exemplo 2: análise da segunda frase do canto.

No compasso 24, a melodia conclui a frase com uma apojatura sobre o V7 (fá# -
sol), que vem precedido do ii6/5. Aqui, devido ao desenho da melodia, a semicadência
não soa tanto como uma chegada no V, mas como uma cadência autêntica que teve sua
conclusão expressivamente omitida.

Exemplo 3: nova ocorrência da semicadência.

O trecho dos compassos 29 a 37 é uma repetição do primeiro período, apenas com a


modificação da figuração do acompanhamento. Até o c. 33, há o acréscimo de um
ostinato sincopado numa voz interna (oitavada) e nos compassos 34 a 37, o
212

acompanhamento se torna um arpejo ascendente.

Na passagem do compasso 21 para o compasso 22 (a mesma cadência dos


compassos 46 – 47) é empregada uma cadência de engano. No compasso 22, a pausa
no canto produz uma ambiguidade no entendimento da cadência como semicadência ou
cadência de engano, mas a mão direita do piano dá continuidade à frase que, conduzindo
ao acorde do VI e à continuação da frase no canto, parece confirmar o uso da cadência de
engano. A mesma cadência é usada para o final da última estrofe e seu efeito expressivo
é acentuado pela textura a qual explora a amplitude do registro pianístico:

Exemplo 4: cadência de engano que antecede o final da primeira seção.

3. Inversões

Apesar de ser um recurso usual para quebrar a monotonia, e conceder ao baixo


um caminho mais melódico, Schoenberg atesta que as inversões devem ser usadas com
cuidado, uma vez que não representam o acorde na sua sonoridade mais estável: “... toda
disposição do acorde com a fundamental no baixo imita, da forma mais perfeita, a relação
de um som fundamental com seus harmônicos.” (SCHOENBERG, 1940: p. 101). Por isso,
sua análise nos mostra algumas das intenções de um compositor quanto ao tratamento
harmônico dado a uma peça. Piston, sobre a tríade na primeira inversão, nos diz:
“Harmonicamente considerando a sonoridade vertical, a tríade em sua primeira inversão é
mais brilhante e menos poderosa, menos conclusiva, do que a tríade em seu estado
213

natural.” (PISTON, 1930: p. 88). Sobre o acorde de segunda inversão, o autor afirma:
“Uma vez que a quarta é um intervalo dissonante e o de sexta uma consonancia
imperfeita, o acorde seis quatro é um acorde instável.” (PISTON, 1930: p. 117). Koentopp
comenta sobre a segunda inversão: “... o uso do acorde da segunda inversão será
limitado a três opções: acorde de passagem, no momento de uma cadência, e como
bordadura.” (KOENTOPP, pg.42, 2010). Além das três situações mencionadas, o acorde
de sexta e quarta pode ser empregado pelo seu caráter de tensão e ambiguidade à
medida que isso for um efeito desejado pelo compositor. No início da canção, quando
é apresentado o canto, a segunda frase (compassos 9 – 12) é harmonizada com uma
progressão usando acordes na seguna inversão, o que gera um movimento descendente
por graus conjuntos na linha do baixo:

Exemplo 5: progressão usando acordes na segunda inversão.

E em seguida, na passagem dos compassos 13-14, é explorada a sonoridade de um


acorde maior com a quinta no baixo. Nessa passagem, a sonoridade do acorde na
segunda inversão dá um sentido de incerteza tonal, de abertura, o qual, além de
expressivo por si só, favorece a introdução de um acorde cromático (analisado aqui como
primeira inversão de uma dominante com décima terceira) que toniciza o iv grau:
214

4. Acordes cromáticos

O princípio da dominante secundária pode ser apresentado da seguinte forma:

“Todo os acordes de uma escala menor ou maior podem ter a sua própria
dominante chamada de dominante secundária, exceto pelos acordes formados por
tríades diminutas como VIIº grau da escala maior e o IIº e o VIIº graus da escala
menor. As tríades diminutas não servem como Tônicas porque elas podem ser
encaradas como um acorde de dominante incompleto”. (KOENTOPP, 2010: p.
141)

Cabe acrescentar ainda que as harmonias dominantes de função secundária os


acordes de dominantes secundárias são compreendidas aqui como acordes que ocorrem
no interior de uma frase, sem que estabeleçam uma modulação ou novo centro tonal
duradouro. Na análise da peça foi constatado o uso de dois desses acordes: uma
dominante do quarto grau (V do iv) nos compassos 15 e 16 e um V7 do V no compasso
20. Ambas as passagens são reiteradas na segunda seção da canção. Abaixo, pode-se
ver a primeira passagem citada:
215

Exemplo 6: passagem com a resolução do V do iv.

O acorde de sexta napolitana é um acorde formado sobre o segundo grau da


escala maior onde a fundamental é “abaixada” em um semitom e tem função de
subdominante na cadência. A denominação sexta napolitana deve-se à aparição desse
acorde se dar originalmente na primeira inversão, mas o acorde pode aparecer também
em estado fundamental ou na segunda inversão, casos em que alguns teóricos o chamam
simplesmente de acorde napolitano. Na peça trovas, o acorde aparece com a quinta no
baixo, em meio a uma progressão que atinge o acorde do sétimo grau diminuto (ver
exemplo 5).
216

5. Conclusão

É impossível separar as conclusões da análise harmonia desta canção sem nos


determos por um instante ao texto, como afirma Dante Pignatari em sua tese. Sobre a
poesia, Alvez afirma:

O texto poético é de autoria do poeta brasileiro Joaquim Osório


Duque-estrada (1870-1930) e traz versos de sete silabas que são chamados de
heptassilabos ou rededondilho maior. (2007, p. 28)

E ainda:
O poema está na primeira pessoa do singular, Nas duas primeiras
quadras, o poeta idealiza o sofrimento amoroso, se sentenciando à solidão ou
mesmo à morte como podemos dizer a partir dos dois últimos versos “... minha
alma não sendo tua, não será de mais ninguém”. O poema se estrutura
basicamente em torno de antíteses( morto, vivo ; canto, choro; de dia sonhando,
de noite acordado) e através delas o poeta dá expressão formal às contradições
causadas pelo sentimento amoroso em sua alma atormentada. (2007, p. 28)

Este sentimento de sofrimento amoroso é transmitido pela harmonia, que se


utiliza de acordes invertidos, cadências de engano e acordes cromáticos, elementos os
quais, pelo grau de ambiguidade que introduzem, podem contribuir para o sentido
expressivo da música. Conclui-se que a análise harmônica constitui um possível caminho
para se compreender melhor a estrutura de uma obra musical, não só em seus aspectos
técnicos, mas também expressivos. Por isso, pode contribuir também como auxílio para a
sua performance.

Referências:

ALVEZ, Poliana de Jesus, Cinco canções sinfônicas de Alberto Nepomuceno: um olhar


interpretativo. Campinas, 2007. 129f. Dissertação de mestrado. UNICAMP.

PISTON, Walter. Harmony. Londres: Norton and Company, 1987.

PIGNATARI, Dante. Canto da língua: Alberto Nepomuceno e a invenção da canção


brasileira. São Paulo, 2009. 151f. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo.

SCHOENBERG, Arnold. Harmonia. São Paulo: Editora da Unesp, 2001.


217

MARIZ, Vasco. História da musica no Brasil. 2a edição. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 1983.

KIEFER, Bruno. História da música brasileira: dos primórdios ao inicio do séc. XX. Porto
Alegre: Editora Movimento, 1977.

KOENTOPP, Marco Aurélio. Métodos de Ensino de Harmonia nos Cursos de Graduação


Musical. Curitiba, 2010.180f. Dissertação de mestrado. UFPR.
218
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Semelhanças entre as propostas educacionais de Hans Joaquim


Koellreutter e Raymond Murray Schafer

MODALIDADE: Cognição

André Luiz Greboge


UFPR – andregreboge@ufpr.br

Resumo: Este trabalho diz respeito a uma pesquisa teórica em andamento referente a duas
propostas educacionais de música surgidas no séc. XX, sendo elas as propostas de
Raymond Murray Schafer e a de Hans Joaquim Koellreutter. Tendo em vista a necessidade
de sugestões de propostas pedagógicas frente às necessidades da educação musical no
Brasil, a pesquisa final visa criar um panorama de utilização das ideias dos autores, partindo
dos pontos de vista semelhantes até então apreendidos, que serão expostos neste texto.

Palavras-chave: Educação musical. Murray Schafer. Hans Joaquim Koellreutter. Métodos


ativos. Séc. XX.

Similarities between the educational proposals of Hans Joachim Koellreutter and Raymond
Murray Schafer

Abstract: This paper concerns a theoretical research in progress regarding two proposals for
musical education emerged in the twentieth century, these being proposed by Raymond
Murray Schafer and by Hans Joachim Koellreutter. Considering the need of suggestions for
pedagogical proposals that meet the needs of musical education in Brazil, this research aims
to create a panorama of utility and range of the principal ideas of the authors, based on the
similar views so far seized, that will be exposed in this text.

Keywords: Musical education. Murray Schafer. Hans Joaquim Koellreutter. Active methods.
th
20 Century.

1. Introdução

Este trabalho é parte de uma pesquisa teórica em andamento que visa


reunir ideias, atividades e sugestões pedagógicas provenientes dos métodos ativos
em relação ao ensino musical brasileiro. Mesmo com a aprovação da lei 11.769/08,
que obriga o ensino do conteúdo de música nas aulas de artes, falta mão de obra
qualificada (profissionais licenciados em música), a estrutura necessária para o
ensino (aparelhagem de reprodução de áudio e instrumentos, por exemplo) e uma
rede de pesquisa pedagógica que adapte e crie metodologias e propostas funcionais
ao Brasil e seus múltiplos contextos. Do ponto de vista pedagógico, a adaptação e
utilização de métodos ativos aparece como uma solução para parte desses
problemas. Deve-se ter claro que, boa parte dos métodos ativos precisa de uma
reestruturação frente à diferença de contexto e época de criação, sendo que, a partir
219
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

de modificações e reflexões de âmbito teórico e prático, essas ideias se justificam no


panorama de ensino musical brasileiro.
Este presente trabalho visa, portanto, relacionar duas propostas de
ensino, a de Hans Joaquim Koellreutter (1915 - 2005) e a de Raymond Murray
Schafer (1933). O objetivo aqui é apontar pontos concordantes que foram levantados
até o momento, de modo que se extraiam sugestões de trabalho que estejam
baseadas em ambas as propostas, uma vez que se perceberam semelhanças nas
ideais dos dois autores.

2. Os autores

O trabalho educacional do compositor canadense Raymond Murray


Schafer começou no momento em que na década de 60, o compositor foi convidado
para atuar em duas escolas do Canadá. As suas experiências na educação, mesmo
que sem formação como educador, o fizeram refletir o ensino da música tradicional,
tanto nas escolas como nos conservatórios e sugerir novas abordagens para o
ensino da música. Deve-se ter mente que o ensino de música no Canadá faz parte
da formação dos alunos, porém, mesmo que no Brasil não seja o mesmo, parte de
suas experiências relatadas podem ser adaptadas (FONTERRADA, 2010, p. 291 -
292).
Do mesmo modo que o trabalho educacional de Schafer, as propostas do
também compositor Hans Joaquim Koellreutter foram formuladas partir de suas
críticas ao ensino tradicional de música. Koellreutter nasceu na Alemanha, mas fugiu
para o Brasil em 1937, sendo que aqui atuou como compositor, musicólogo,
educador e crítico musical. Além de ter saído do Brasil por mais um período,
Koellreutter retornou em 1975, quando ficou no país definitivamente. Para citar
algumas de suas atuações no Brasil consta que foi professor de Edino Krieger, Tom
Zé, Camargo Guarnieri e Cláudio Santoro, por exemplo, que ajudou a criar a
Orquestra Sinfônica Brasileira e a Escola de Música da Universidade Federal da
Bahia em 1954.
Mesmo que haja diferenças estéticas entre as obras composicionais dos
autores, ambos afirmam que suas ideias, tanto educacionais como composicionais
são reflexos do séc. XX e das constantes quebras de paradigmas e do surgimento
220
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

cada vez mais rápido de novos movimentos artísticos pelo mundo (FONTERRADA,
2008, p. 178 - 179). Portanto, a primeira semelhança é a crítica dos autores em
relação aos métodos de ensino tradicionais, tendo em vista que, com o mundo cada
vez mais dominado pela indústria fonográfica e marcado pela ramificação cada vez
maior das artes e seus estilos, havia a necessidade de novas propostas de ensino,
tão abrangentes quanto flexíveis o possível, para atualizar os modos de ensino e
poder assim, contemplar as novas artes.

3. Crítica aos métodos e flexibilidade de conteúdos

Como fruto da ideia de flexibilidade e abrangência, os autores criticam a


ideia de método, a qual é entendida como um modo de ensino que prevê conteúdos
fixos ensinados e avaliados de modo inflexível, independentemente do contexto em
que se inserem. Segundo eles, os métodos são pouco criativos, fechados em
questões de repertório e muitas vezes, acabam por não atender as necessidades
musicais reais dos alunos (BRITO, 2001, p. 32). Deve-se saber que, mesmo
implicitamente, qualquer modo ou método de ensino carrega em si uma resposta
frente a uma necessidade educacional, e segundo Schafer e Koellreutter, a
necessidade educacional mudou radicalmente no séc. XX. De acordo com os
autores, suas ideias devem ser agrupadas como propostas, uma vez que tendem a
ser flexíveis em relação aos contextos, aos conteúdos e aos modos de avaliação.
Isto é algo que pode ser aproveitado no Brasil frente a grande heterogeneidade de
situações em que o docente pode se envolver.
Em relação aos conteúdos, existe uma semelhança entre os autores que
é a ideia de flexionar a ordem em que são trabalhados e apresentar conteúdos à
medida que os alunos necessitem deles. Para tanto, as propostas sugerem que o
docente precisa avaliar e fazer os alunos pensarem no que estão aprendendo, de
modo que, o professor sugira ideias, faça questionamentos e note quais são as
necessidades imediatas dos alunos, o que interliga os conteúdos musicais. Por
exemplo, se um grupo de alunos compôs uma melodia, e ao avaliar e discutir a
melodia, os alunos notaram que, por exemplo, faltou um trabalho composicional
levando em conta o âmbito das dinâmicas, o professor é levado a trabalhar
conteúdos relacionados à dinâmica, para suprir a necessidade dos alunos. Ou seja,
221
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

o docente deve ser capaz levantar dúvidas e questionar os alunos para que estes
lhe demonstrem o que precisam aprender.
A ideia da flexibilidade da ordem de conteúdos se enquadra no panorama
brasileiro uma vez que o ensino musical voltou a ser obrigatório muito recentemente
e em muitos casos não está sendo adequado por falta de mão de obra qualificada.
As atividades de discussão e reflexão frente a ideias musicais podem ser
consideradas uteis principalmente em turmas mais avançadas no ensino musical.
Mas para que ambas as propostas de conteúdo funcionem, é necessário que o
professor esteja aberto para aprender com seus alunos. Os autores classificam o
professor como uma pessoa com conhecimentos maiores e mais profundos, mas
que nem por isso, tem todos os conhecimentos musicais. Para as propostas, o
professor ideal é o que é capaz de indagar e guiar a criação das respostas.

4. A audição como ponto de partida do ensino

Ambos os autores sugerem também que o primeiro contato com um novo


conteúdo deve se dar a partir da audição, mesmo porque toda música composta e
executada tem como objetivo final a audição. Retomando o exemplo anterior, para o
professor apresentar o conteúdo das dinâmicas, por exemplo, é necessário que este
mostre uma música que lhe seja útil para exemplificá-las e que ele discuta o
conteúdo, recorrendo à audição sempre que necessário. Ambos os autores se
diferenciam das abordagens tradicionais de ensino musical por sugerirem o uso de
repertório o mais variado o possível, o que faz jus a função de levantar novas
questões que o professor tem. Entre outros objetivos, os autores buscam criar
indivíduos que levem em conta que qualquer som tem uma identidade própria
justamente por carregar em si uma série de características que o delimita
(SCHAFER, 1991, p. 299).
A partir da audição, em que o docente apresenta novos conteúdos, as
propostas sugerem que os alunos devem ser levados a produzir com o que
aprenderam, ou seja, compor, executar e refletir. Os autores levam em conta que o
docente deve sugerir limites e materiais composicionais, para que o aluno tenha um
plano de ação delimitado e que permita a avaliação. Uma característica comum às
222
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

propostas é justamente o uso massivo de atividades de composição e execução,


para que o aluno trabalhe ativamente o conteúdo recém-apresentado.

5. Considerações finais

Deste modo, a partir do que foi possível averiguar da bibliografia até então
consultada, notaram-se semelhanças entre as propostas em aspectos de conteúdo,
do papel do docente, de avaliação, de repertório, de audição, de execução e
composição, de ensino e da prática musical. Portanto, conclui-se que com as
adaptações necessárias nos diversos contextos educacionais de música, nos quais
o professor pode ter de atuar, as semelhanças até agora levantadas podem servir
como ponto de partida para o ensino musical que vise formar indivíduos críticos e
musicalmente independentes, com um conhecimento derivado da escuta e
exercitado através de práticas composicionais e interpretativas.

Referências:

Livros:

BRITO, Teca. Alencar. Koellreutter educador: o humano como objetivo da educação


musical. São Paulo: Peirópolis, 2001.

FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre


música e educação. São Paulo: Editora UNESP, 2008.

KATER, C. Música viva e H. J. Koellreutter: Movimentos em direção à modernidade.


São Paulo: Musa Edições, 2001.

SCHAFER, M. O ouvido pensante. 1. Ed. São Paulo: Unesp, 1991

____________. A afinação do mundo. 1. Ed. São Paulo: Unesp, 2001.

Capítulo de Livro:

FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. Raymond Murray Schafer: O educador


musical em um mundo em mudança. In: MATEIRO, Teresa; ILARI, Beatriz (Org.).
Pedagogias em educação musical. Curitiba: Ibpex, 2010. P. 276 – 303.

Legislação:

BRASIL. Decreto 11.769, de 18 de agosto de 2008. Dispõe sobre a obrigatoriedade


do ensino de música na educação básica. Diário oficial da união da República
223
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Ato2007-


2010/2008/lei/L11769.htm>. Acessado em 21/10/2013.
224
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Um estudo sobre motivação de alunos estagiários, do curso de


licenciatura em música, no confronto com atividades de docência:

MODALIDADE:

Gabriel Silveira Pfarrius


Universidade Federal do Paraná – gpfarrius@gmail.com

Resumo: Esta pesquisa de iniciação científica, em andamento, traz como objetivo geral
verificar níveis de crenças de autoeficácia de alunos em fase de estágio, do curso de
licenciatura em música, no confronto com atividades de docência. Nesse sentido procuramos
verificar a motivação conforme os níveis de crenças de autoeficácia (Bandura, 1986) dos
sujeitos a serem pesquisados, professores em formação no curso de licenciatura em música
da UFPR, na fase de estágio.

Palavras-chave: motivação. crenças de autoeficácia. professores estagiários.

A study about motivation of student trainees, of the graduation in musical education on


confrontation with teaching activities

Abstract: This scientifics iniciation research, which is in process, has the general objective of
verify levels of self-efficacy judgements of student trainees graduating in musical education on
confrontation with teaching activities. This way we’re searching for verify the motivation
according as levels of self-efficacy judgements (Bandura, 1986) of the population about to be
researched, forming teachers in graduation on musical education of UFPR, in the trainees
phases.

Keywords: motivation. self-efficacy judgements. Trainees teachers.

1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa de iniciação científica1, em andamento, traz como objetivo
geral verificar níveis de crenças de autoeficácia de alunos em fase de estágio, do
curso de licenciatura em música, no confronto com atividades de docência.
Começadas as atividades com leituras de publicações sobre motivação e música,
para reconhecimento do “estado da arte” deste foco de pesquisas na literatura
nacional e internacional, já tem sido possível verificar o valor que as contribuições do
construto central da Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura (1977) traz para esta
pesquisa: as crenças de autoeficácia. As crenças de autoeficácia se referem a uma
avaliação que o sujeito faz sobre suas capacidades para enfrentar diferentes ações.
Nesse sentido procuramos verificar a motivação conforme os níveis de
crenças de autoeficácia dos sujeitos a serem pesquisados, professores em formação
no curso de licenciatura em música da UFPR, na fase de estágio. Para tal também
se apresenta como objetivo específico a própria compreensão do referencial teórico
com que estamos a abordar essa questão da motivação, e as práticas de ensino e
aprendizagem musicais desenvolvidas pelos participantes da pesquisa.

2. REFERENCIAL TEÓRICO:
225
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

A ideia de motivação, como sendo um elemento gerador de uma ação,


que move as realizações das pessoas, segundo Bzuneck (2001), remete à raiz
mesma do vocábulo, verbo original do latim, movere, de que também deriva o
substantivo motivum, “motivo”, em português, ou “tudo aquilo que impulsiona a
pessoa a agir de certa forma. Um motivo gera uma ação (origem da palavra); esse
impulso é gerado por um fator externo (provindo do ambiente) e do raciocínio do
indivíduo. Está relacionado com a cognição (conhecimento) das pessoas e seus
paradigmas formados durante a vivência.” (PIMENTA; SANTINELLO, 2008, p. 3).
Nesta pesquisa, sobre motivação, buscamos abordar a Teoria Social
Cognitiva desenvolvida por Albert Bandura (2008), valendo-nos de sua ideia central,
a das “crenças de autoeficácia”, que representa uma possiblidade de análise com
enfoque cognitivista.
Por volta dos anos 80 é que Albert Bandura elabora a Teoria Social
Cognitiva, de acordo com Azevedo (1993):
Bandura (1969) começou por defender teorias de modificação
do comportamento muito próximas do comportamentalismo e
mais próxima das teorias cognitivas, que designou por teoria da
aprendizagem social (Bandura, 1977) e revelou ainda maior
aceitação do paradigma cognitivo quando designou a sua teoria
como teoria cognitiva social (Bandura, 1986). (AZEVEDO,
1993, p.1).
As “crenças de autoeficácia” estudadas por Bandura na base dessa teoria
são fatores que condicionariam o funcionamento humano, definidas pelo próprio
autor (1986), como: “julgamento das próprias capacidades de executar cursos de
ação exigidos para se atingir certo grau de performance.” (BANDURA apud
BZUNECK, 2001, p.116).

3. METODOLOGIA:
Esta pesquisa, que ainda está em andamento, tem sido desenvolvida em
duas fases distintas. A primeira (fase atual) é o estudo do referencial teórico – Teoria
social cognitiva de Albert Bandura – e o estudo sobre motivação e práticas musicais
em geral. A segunda fase compreende o estudo de campo, cuja metodologia,
descrevemos abaixo.
3.1 Método: Será utilizado o estudo de levantamento (ou survey) como
método para esta pesquisa. De acordo com Gil (2008) e Babbie (1999), o estudo de
levantamento é um delineamento exploratório que permite verificar dados sobre
comportamento de determinado grupo, por meio da interrogação direta.
226
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

3.2 População: Estudantes dos cursos de licenciatura em música que


estejam cursando estágio (último período) e que concordem em participar desta
pesquisa, respondendo um questionário de forma anônima, uma vez que a
identidade dos participantes será preservada. Será elaborado termo explicativo e de
livre consentimento para os participantes.
3.3 Instrumento de coleta de dados: Será adaptada para este estudo a
escala de avaliação das crenças de autoeficácia de professores de música,
desenvolvida por Cereser (2011). A partir deste instrumento, originalmente
elaborado para professores já atuantes na educação básica, serão feitas adaptações
necessárias para população desta pesquisa – alunos em período de estágio, dos
últimos anos da licenciatura em música. A escala será testada, inicialmente, em um
estudo piloto para análise da confiabilidade e coerência interna das questões. Após
o estudo piloto, a escala será aplicada para a população definitiva.
3.4 Análise dos dados: os dados serão analisados estatisticamente e
servirão para caracterizar o grupo e para verificar os níveis de crenças de
autoeficácia dos participantes no confronto com as atividades de docência
vivenciadas durante o estágio (do curso de licenciatura em música).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Esta pesquisa traz implicações para os estudos sobre motivação e música
especialmente para os estudos que tratam da formação de professores de música e
para os estudos sobre processos motivacionais e prática musical. Uma abordagem
sobre o tema das crenças de autoeficácia do aluno licenciando estagiário favorece a
compreensão de fatores psicológicos envolvidos na prática deste aluno e pode
auxiliar na reflexão sobre formação docente nas instituições que trabalham com
cursos de licenciatura em música.

Referências:

AZEVEDO, M. Percepção de autoeficácia: a motivação na teoria cognitiva social.


Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, 1993.

BANDURA, Albert. A evolução da teoria social cognitiva. In: A. Bandura, R.G. Azzi &
S. Polydoro (Orgs.). Teoria social cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 43-67.

BABBIE, Earl. Métodos de pesquisa de Survey. Belo Horizonte: Editora UFMG,


1999.

BZUNECK, José A. A motivação do aluno: aspectos introdutórios. In: Boruchovitch,


E.; Bzuneck J. A. (Orgs.). A motivação do aluno: Contribuições da Psicologia
Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 09-36.
227
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. - São Paulo:
Atlas,
2008.

PIMENTA, S. M.; SANTINELLO, J. Relacionamento humano e motivação no trabalho


docente. Revista eletrônica lato senso - UNICENTRO, Chopinzinho, Vol. 6, 2008.

CERESER, Cristina, M.I. As crenças de auto-eficácia de professores de música.


Tese de doutorado. Proto Alegre: UFRGS, 2011, 179p.

1
Este texto tem vínculo com o grupo de pesquisa PROFCEM/CNPq/UFPR
228

Jogo de malha: por uma poética composicional


em ‘paisagem sonora mista’

MODALIDADE: INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Julio Cesar Damaceno


UEL – julio_damaceno@hotmail.com

Fátima Carneiro dos Santos


UEL – fsantos@uel.br

Resumo: Esta comunicação é fruto de uma pesquisa realizada em nível de


iniciação científica, que teve como objetivo o exercício de uma poética
composicional em paisagem sonora, aqui denominada de ‘paisagem sonora mista’,
dada a partir da inter-relação entre a composição musical acústica e a soundscape
composition. As questões éticas e estéticas implícitas nesta poética composicional
são o que lhe garante uma marca de contemporaneidade neste início de século, e
acreditamos que e vivenciar outras possibilidades composicionais em paisagem
sonora pode contribuir para a ampliação da própria ideia de soundscape
composition.

Palavras-chave: escuta, paisagem sonora, paisagem sonora mista.

Jogo de malha: a compositional poetic in ‘soundscape mixed’

Abstract: This paper is the result of a survey conducted at the level of scientific
research, which aimed to experience a compositional poetics in soundscape , called
by us 'mixed soundscape', given from the inter-relationship between the musical
acoustic composition and the soundscape composition , a compositional poetics that
emerged in the 1970s in Canada, and that keeps expanding nowadays. The ethical
and aesthetic issues that are implicit on this compositional poetics are what
guarantee a brand of contemporary in the beginning of this century, that has been
discussed, with some emphasis, the relationship between the individual and the
soundscape around him. Furthermore, thinking in other ways of compositions in
soundscape can contribute to expand the own idea of soundscape composition.

Keywords: listening, soundscape, mixed soundscape .

1. Introdução

Nos anos 70 surgia, no Canadá, um movimento intitulado World


Soundscape Project, que reunia pesquisadores de diversas áreas entorno de um
novo campo de estudos: o ambiente sonoro. No âmbito de tal movimento, que
tinha como objetivo principal a investigação e mesmo a re-configuração do
continuum sonoro que permeia nosso cotidiano, constituiu-se a ideia de
229

paisagem sonora, que pode ser definida, sinteticamente, como “qualquer porção
de um ambiente sônico visto como um campo de estudos” (SCHAFER, 1997, p.
366).
Devido à própria natureza de seu objeto de estudo, uma das
principais atividades do WSP consistiu no registro (gravação) de sons
ambientais em diferentes contextos. A partir desses materiais, alguns
pesquisadores e compositores engajados no projeto desenvolveram uma poética
composicional, denominada por Barry Truax como soundscape composition
(TRUAX, 1996, p. 54).
O que parece caracterizar a composição de paisagem sonora “é a
presença de sons ambientais em contextos reconhecíveis”, cujo propósito é
“invocar associações, memórias e a imaginação do ouvinte relacionadas à
paisagem” (TRUAX, 1996, p. 54-55). Além disso, outra intenção do compositor
de paisagem sonora seria a promoção da conscientização do ouvinte em relação
ao som ambiental. Neste sentido, Truax (1996) aponta para o fato de que
enquanto o uso de fontes concretas, por parte do compositor, faz com que o
ambiente permaneça o mesmo (pois o compositor simplesmente capta seus
elementos do ambiente), a composição de paisagem sonora bem-sucedida tem
o propósito de mudar a consciência do relacionamento entre o ouvinte e o
ambiente.
Ainda de acordo com os princípios estéticos e composicionais da
soundscape composition, o compositor não “usa” os sons a seu bel-prazer, pois,
como observa Truax, em tal composição, o som “usa” tanto o compositor quanto
o ouvinte, “naquilo que ele (o som) evoca em cada um deles: a riqueza ou a
dificuldade em verbalizar imagens e associações e tudo aquilo que guia a
composição e sua recepção”. Nessa poética composicional é o som que faz a
mediação do relacionamento entre compositor/ouvinte e o contexto ambiental e
social, “refletindo-o, comentando-o, imaginando sua forma ideal, investigando
seus significados internos”; o som é o foco, ele “guia a composição”: é como se
alguém estivesse “compondo e sendo composto através do som” (TRUAX, 1996,
p. 60).
230

Assim, tendo como foco os princípios estético/composicionais


propostos pelos compositores ligados ao WSP, mas com o intuito de ampliar tais
princípios, a poética composicional desenvolvida durante nossa pesquisa refere-
se a um modo de composição em paisagem sonora, baseado na inter-relação
entre sons captados do ambiente (paisagem sonora ambiental) e estruturas/
sonoridades acústicas características da música ocidental (paisagem sonora
acústica), ao qual denominamos ‘paisagem sonora mista’.

2. Materiais e métodos

Nosso estudo teve o campo da criação como norteador das reflexões


teórico-conceituais. Ao mesmo tempo em que realizamos um “mergulho”,
através da escuta e da composição, tanto no que se refere às sonoridades
ambientais, quanto às sonoridades de instrumentos acústicos, refletimos e
repensamos tanto ideias de música, quanto ideias de composição de paisagem
sonora. O ato de “mergulhar” nas paisagens sonoras implicou em um contato
direto com o campo a ser investigado, possibilitando o exercício de criação
sonora e o exercício reflexivo/conceitual.
O desenvolvimento das atividades ocorreu em duas etapas. A
primeira consistiu em um estudo teórico, dado através da leitura de textos
referentes à escuta, composição de paisagem sonora e composição musical,
além da escuta de repertório musical específico. Na segunda etapa,
desenvolvemos um estudo prático, através da escuta e captação de ambientes
sonoros do campus da Universidade Estadual de Londrina, utilizando gravador
digital, microfone estéreo e fone de ouvido. A edição das paisagens sonoras
ambientais foram realizadas a partir da utilização do editor Audacity. A criação,
execução e registro das paisagens sonoras acústicas, compostas para
instrumentos acústicos, foram gravados digitalmente e a composição final
(‘paisagem sonora mista’) foi realizada através da inter-relação dos materiais
sonoros ambientais e acústicos, utilizando o referido editor de som.
231

3. Resultados e Discussão

Partindo do princípio de que a principal característica da soundscape


composition é a utilização de sons ambientais em contextos reconhecíveis, cujo
propósito é “invocar associações, memórias e a imaginação do ouvinte
relacionadas à paisagem” (TRUAX, 1996, p.60), optamos por adotar como “guia”
composicional a ideia de Westerkamp (1999), segundo a qual na composição de
paisagem sonora o compositor age como um pintor, um fotógrafo, ou um
caricaturista, ou seja, aquele que delineia contornos sonoros e evidencia sons
que poderiam passar despercebidos na paisagem.
Seguindo tal ideia, e levando sempre em consideração a questão da
referencialidade sonora, a poética que desenvolvemos procura apresentar o som
ambiental sem qualquer tipo de manipulação. Além disso, os materiais musicais
compostos pelo compositor, a partir de sua escuta das paisagens sonoras
captadas do ambiente, agem sobre esta, com o objetivo de realçar sonoridades
e evidenciar significados simbólicos que os sons destas paisagens possam
conter.
Ou seja, através da escuta, o compositor busca possíveis relações
entre os sons e/ou materiais sonoros das paisagens sonoras (ambientais e
acústicas), como, por exemplo, uma possível semelhança timbrística entre o
som emitido por um objeto ou uma voz qualquer, dada por uma determinada
fonte sonora e a sonoridade de um determinado instrumento musical. Além
disso, o significado simbólico que um som possa trazer em si, no contexto da
paisagem sonora ambiental, pode sugerir uma textura, uma “cor” harmônica ou
mesmo um perfil melódico revelado pela paisagem sonora acústica que, de
alguma forma, se relacione com o possível simbolismo do som em questão.
O processo criativo vivenciado durante o projeto culminou na
composição intitulada Jogo de Malha, criada a partir de registros sonoros
realizados durante a prática de um jogo de malha, realizado regularmente por
servidores no campus da UEL. Nesta composição, as sonoridades reveladas
pelo processo de escuta das paisagens sonoras ambientais, em especial o som
232

dos discos metálicos lançados ao chão pelos jogadores e as vozes dos


participantes, guiaram nossas escolhas na criação das paisagens sonoras
acústicas. A primeira possibilidade de relação que observamos entre as
sonoridades do ambiente e as possíveis sonoridades acústicas foi uma
semelhança timbrística entre os sons dos discos metálicos e a sonoridade do
glockenspiel, instrumento musical da família dos idiofones. Tal percepção nos
levou a optar por essa instrumentação na composição das paisagens sonoras
acústicas. Em um segundo momento, o que chamou-nos a atenção nas
paisagens sonoras ambientais, foi a presença de um sotaque
caracteristicamente nordestino nas falas dos jogadores, o que nos levou a
realçar este aspecto sonoro na composição das paisagens sonoras acústicas,
através da utilização de estruturas musicais (melódicas e rítmicas) que fizessem
referência à cultura do nordeste.

4. Considerações finais

Na composição Jogo de Malha, acreditamos nos aproximar da


concretização da ideia de um processo composicional que integra a composição
de paisagem sonora e a composição musical acústica, culminando no que
denominamos de ‘paisagem sonora mista’. Pode-se observar que na poética
composicional proposta as paisagens sonoras acústicas tendem a se revelar a
partir das próprias paisagens sonoras ambientais, através de uma escuta atenta
e de relações feitas pelo compositor; ou seja, as paisagens sonoras compostas
com instrumentos acústicos são reveladas pelas próprias paisagens captadas do
ambiente, e pretende, como função essencial, comentar e re-significar os
próprios sons ambientais, procurando não tomar a frente em relação a estes,
mas, pelo contrário, buscando, dentro do possível, integrar-se aos mesmos,
comentando-os.
Assim, o que temos denominado de ‘paisagem sonora mista’ é um
tipo de composição que se aproxima da ideia de composição de paisagem
sonora, tal qual definida por Truax (1996, p. 54), incorporando, porém, a
233

possibilidade de um diálogo com sonoridades instrumentais e/ou vocais,


características da música acústica ocidental. Pretende-se, sob tal perspectiva,
que a ideia de soundscape composition se veja ampliada, uma vez que a
composição de ‘paisagem sonora mista’ integra em seu corpus sonorus outros
sons para além daqueles presentes nas paisagens sonoras ambientais que a
compõem, mas sem deixar a referencialidade de lado, ou, como diria Truax
(1996), sem deixar de “invocar associações, memórias e a imaginação do
ouvinte relacionadas à paisagem”.

Referências:

SCHAFER, Murray. A afinação do mundo. São Paulo: Editora da UNESP, 1997.

TRUAX, Barry. Soundscape, acoustic communication and environmental sound


composition. Contemporary Music Review, London, v. 15, n. 1, p. 49-65, 1996.
London, v. 15, n. 1, p. 49-65, 1996.

WESTERKAMP, Hildegard. Soundscape composition: linking inner and outer


worlds. 1999. Disponível em www.sfu.ca/~westerka/writings.html. Acesso em: 25
jul. 2012.
234

COMPOSIÇÃO MODULAR PARA OBRAS AUDIOVISUAIS


INTERATIVAS

MODALIDADE: INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Alexandre Campos
UFPR - alexmesilva@gmail.com
Débora Opolski
UFPR - deboraopolski@gmail.com
Lucas Diaz
UFPR - luque.ufpr@gmail.com

Resumo: Este trabalho tem o intuito de discutir questões sobre a trilha sonora em narrativas
audiovisuais não lineares, relatando um dos experimentos da pesquisa de iniciação
científica Produção sonora para audiovisual interativo. Com o intuito de resolver a questão
da continuidade e interação entre os fragmentos de vídeos não lineares, o trabalho
apresenta uma estratégia de composição baseada nas idéias da música aleatória e em
exemplos de interatividade em jogos eletrônicos.

Palavras-chave: Trilha Sonora. Narrativas Audiovisuais Interativas. Composição modular.

Modular Composition in interactive audiovisual works

Abstract: This paper aims to discuss issues about the soundtrack in non-linear audiovisual
narratives, reporting one of the experiments of the the research Sound production for
interactive audiovisuals. In order to solve the question of continuity and interaction between
fragments of non-linear videos, the work presents a compositional strategy based on the
ideas of aleatory music and examples of interactivity in video games.

Keywords: Soundtrack. Audiovisual Interactive Narratives. Modular composition.

1. Introdução

Ao longo da história do cinema, o desenvolvimento musical e sonoro


acompanhou aquele da imagem, ao passo em que as estruturas cinematográficas
foram sendo consolidadas. A concepção de trilha sonora evoluiu com as narrativas
lineares, semelhantes ao sentido tradicional do processo composicional, trabalhando
com motivos, andamentos e cortes precisamente definidos pela narrativa apresentada.
235

Com a evolução dos mecanismos de criação e reprodução, tornou-se


possível investir em obras interativas, em que o fluxo não é mais definido pelo artista,
mas sim pelo espectador. A primeira obra audiovisual concebida dentro da idéia de
narrativa interativa veio com Raduz Cincera em seu filme Kinoautomat de 1967. Na
projeção da obra, o filme parava em momentos chave para um narrador perguntar à
platéia qual decisão deveria ser tomada.
Ainda que a obra tenha sido pioneira em seu campo, foi com a expansão do
mercado de jogos eletrônicos que o gênero de obras interativas ganhou espaço. Títulos
como Dragonʼs Lair (1983) e Heavy Rain (2010) caminharam no limiar entre obras
cinematográficas e jogos virtuais, apresentando experiências de jogo com
características da narrativa audiovisual. Nos filmes, obras como Late Fragment (2007)
e Last Call (2010) trazem a interatividade para o cinema, enquanto nos tablets,
computadores e smartphones, artistas como Joe Penna trazem conteúdo visual
interativo na forma de vídeos e aplicativos.
Esta mudança de paradigma permite ao espectador maior interação e
participação com a obra e, ao mesmo tempo, ao artista explorar uma maior variedade
de aspectos da própria obra, que antes poderiam ficar ocultos ou em segundo plano
pela estrutura do modelo linear. Entretanto, pouco se fala sobre as implicações técnicas
destas produções sob o ponto-de-vista artístico e musical. É preciso saber como
submeter as artes às novas possibilidades reveladas pelas tecnologias, de modo a
integrar os aspectos internos da obra, assim como produzir novas formas de interação
artística, ainda pouco exploradas, como é o caso da manipulação do conteúdo pelo
espectador.

2. A Narrativa na obra audiovisual

O discurso musical deve ter uma coesão condizente com o desenvolvimento


da obra através dos elementos: motivos, seções e outras divisões, que delimitam uma
argumentação sonora e permitem, independente da corrente estética em questão, uma
configuração apropriada, que diferencia trilhas sonoras de  obras musicais.
236

No cinema, a retórica musical está diretamente relacionada ao ritmo e à


narrativa do filme. Carrasco (2003) afirma que questões específicas do audiovisual,
como a coloração da imagem, o ritmo dos cortes, os diálogos etc, são os propulsores
dramáticos da composição, que não apenas sugerem direções para a música, mas
também, implicam diretamente na organização estrutural da trilha sonora.
Na narrativa tradicional, o andamento e corte de cada cena mostram ao
compositor sinais de transição, que facilitam as mudanças, guiando o processo com
relação à macro-estrutura do filme. No entanto, nas obras interativas, deve-se assumir
que, assim como o cineasta, o compositor não está no controle da direcionalidade da
obra. Sabe-se das cenas que existem, mas nem sempre se pode prever o fluxo da
narrativa, assim como o momento de corte de cada cena. Surge a necessidade de
pensar em um modelo composicional adequado às questões da imprevisibilidade e
aleatoriedade dos vídeos interativos.

3. Aleatoriedade

A música aleatória surgiu na metade do século passado, em meio a crises


estéticas, correntes divergentes e antagônicas. A música serial, por exemplo, buscava
em certo sentido uma organização mais ou menos rígida na composição musical
(GRIFFITHS, 1978: p.159). Já o trabalho de John Cage, na década de 50, mostrava
uma abordagem oposta. Music of Changes e Imaginary Landscape n. 4 foram
composições importantes dentro do movimento da música aleatória. Entre as diversas
tendências do modernismo, a musica aleatória surgiu como uma possibilidade de incluir
o acaso como elemento de composição.
A aleatoriedade como ferramenta composicional pode ser aplicada em
diversos parâmetros. Os experimentos com música aleatória começaram com o uso do
acaso no próprio material musical. As obras de Morton Feldman e Earle Brown
apresentam partitura gráfica com indicações de materiais sonoros vagos. O manuscrito
da Projetion I de Feldman consiste em uma folha quadriculada, com eventos musicais
mais ou menos determinados escritos em uma ordem temporal específica (harmônicos
237

de violino no registro superior, ou um acorde pizzicato de duas notas no registro


médio).
Depois destes primeiros experimentos, a indeterminação começa a surgir
em outros parâmetros. No nível da forma, Twenty-Five Pages de Brown propõe uma
obra com eventos não-lineares. A peça é executada com suas páginas ordenadas por
um ou mais intérpretes, abrindo a possibilidade de sobreposição dos eventos musicais.
O ponto convergente entre a música aleatória e a criação musical para vídeo
interativo segue a proposta da Terceira Sonata de Boulez: o uso de materiais fixos,
porém com ordem livre. A partitura desta peça apresenta setas com diferentes
ordenações dos fragmentos (que são integralmente anotados em partitura
convencional). Desta forma, as opções do intérprete geram muitas combinações de
narrativas.

#
4. Processo composicional do experimento I

Afim de atender as peculiaridades da narrativa sonora dentro da poética


audiovisual, foi necessária a definição de uma linguagem musical específica, que
abrangesse as estratégias de criação para o vídeo interativo. Por linguagem musical
compreende-se qualquer conjunto de regras musicais ou método para obter unidade,
ou ainda as ferramentas para o controle da concepção e percepção das idéias (SIGAL,
2009: p.15). Baseado nesta idéia, uma abordagem coerente da linguagem musical ira,
portanto, ajudar a criar um “caminho musical” que guiará o ouvinte na escuta da peça,
determinando possibilidades de foco e níveis de complexidade em determinados
momentos. Keane comenta a respeito desta coesão e controle no contexto da música
eletroacústica:

“Quando alguém se vê sozinho em meio à uma imensa floresta, sem nenhuma


idéia do caminho para sair, este alguém dificilmente achara as flores bonitas ou
o canto dos pássaros fascinante. Entretanto, com a adição de apenas uma
trilha ou uma sinalização, será possível caminhar com uma sensação
completamente diferente. Os recursos eletroacústicos oferecem o potencial de
criar exóticas florestas de sons, e por este motivo há uma necessidade
238

obrigatória de referências. É importante entender que um ponto de referência


não precisa necessariamente timbres familiares ou ritmos, mas um processo
que é compreendido pelo ouvinte. Uma pessoa na floresta encontra segurança
na utilidade das trilhas e da sinalização, não nas trilhas e sinalizações em
si.” (KEANE, 1986: p.110).1

Segundo Sigal, o planejamento de uma linguagem é conduzido pelas


necessidades específicas do compositor, e que este planejamento começa com a
escolha do material musical e a análise de seu potencial. Para esse experimento,
decidiu-se usar os sons originais do video como material musical primário. A partir
deles, a trilha sonora se desenvolveria por processamentos eletrônicos, gerando novos
materiais. Foram usados quatro sons primários: sons de ficha, falas, background e
ruído da câmera de video.
Com a ausência de parâmetros musicais mais reconhecíveis, como a
harmonia ou melodia tradicionais, foi necessário trabalhar o discurso da peça por
outros parâmetros. Neste aspecto, o trabalho de composição do experimento I se
aproxima muito da composição eletroacústica. A escolha dos materiais primários e a
exploração de suas possibilidades se configura como uma das etapas de maior
importância. Para este fim, uma primeira divisão dos materiais musicais foi pensada,
visando as suas características intrínsecas e futuras utilizações.
Sigal propõem três maneiras de considerar as características de um objeto
sonoro: Espectral (o interesse tímbrico que existe no objeto sonoro, bem como sua
tessitura), morfológico (movimentação do som em determinado espaço de tempo, o seu
formato) e gestual (evento musical pontuado, com uma característica intervalar,
dinâmica ou rítmica especifica). Pensados estes três parâmetros, o planejamento de
um discurso musical foi melhor organizado.
A partir destes materiais originais e processados, foi criada uma sintaxe
musical para dialogar com as cenas. Por exemplo, os elementos gestuais (fichas,

1 Tradução do autor: “Discovering oneself in the midst of a large forest with no idea of the way out, one is
hardly likely to find the flowers beautiful or the bird calls fascinating. However with the introduction of only
a marginal trail or signpost, one can move around with a completely different sensation. Because
electroacoustic resources offer the potential to create particularly exotic forest of sound there is a
compelling need for references. Itʼs important to understand that a point of reference need not be familiar
timbres rhythms, but a process that is comprehended by the listener. A person in the forest finds security
in the function of the paths and signposts, not in the paths or posts themselves”.
239

recortes de falas) foram agrupados formando estruturas rítmicas, elementos texturais


(vozes, respirações) foram processados afim de formar estruturas harmonias   e as
cadencias entre os módulos foi possível pelo uso de um material musical recorrente,
um recorte de uma respiração especifica.
Como estratégia para a resolução da continuidade e interação entre os
fragmentos, utilizou-se uma organização musical modular aleatória: blocos sonoros
intercambiáveis que se alternam conforme o andamento da obra. Porém, isso não foi
suficiente para tratar dos esvaziamentos das tensões sonoras causadas pelo silêncio,
resultante do término de um módulo e do início de outro. Na narrativa linear, o som é
um elemento importante para a continuidade da obra audiovisual, pois existem
backgrounds que ultrapassam os cortes da imagem (PURCELL, 2007: p.34).
Trabalhou-se então com 3 categorias de módulos sobrepostos, alguns aleatórios e
outros fixos: módulos de encadeamento visual; textura continua unificadora e
elementos de transição.
Por módulos de encadeamento visual, definiu-se fragmentos composicionais
que tivessem sincronia com a imagem do vídeo. Neste sentindo, optou-se por utilizar
materiais gestuais e texturais relacionados diretamente à cena.
O módulo da textura unificadora entra como um background para facilitar a
ligação dos módulos de encadeamento visual. No audiovisual, a utilização de trechos
de silêncio, pode indicar mudanças de tensão na cena, assim como a continuidade ou
expansão de idéias musicais pode aumentar a dramaticidade através do ritmo sonoro
relacionado ao ritmo da imagem, portanto, para evitar esta quebra, optou-se por manter
uma textura que interligasse a narrativa.
Os módulos de transição possuem o objetivo de manter a continuidade da
narrativa, encobrindo eventuais cortes na trilha e, ao mesmo tempo, reforçar para o
espectador a mudança da narrativa. Assim garante-se ao novo trecho uma determinada
autonomia sonora, evitando que soe como uma continuação ou corte de câmera da
cena anterior. Neste sentido, sem nenhum corte, pode-se acrescentar uma nova
camada ao arranjo, que estabeleça relações dinâmicas com a composição. Assim
sendo, por mais que uma cena seja modificada bruscamente, esta transição deverá
240

soar natural para o ouvinte e a trilha acompanhar a imagem sem precisar de recortes e
sem perder a sincronia.
Abaixo, uma sistematização estrutural sobre a pesquisa relatada, aplicada
ao experimento I:

Exemplo 1: Sistematização estrutural do experimento I

O próximo passo da pesquisa consiste em aplicar essa estruturação modular


na composição da trilha sonora de outros vídeos, para verificar se ela pode ser descrita
como uma possibilidade funcional para o gênero audiovisual interativo. No momento,
parece plausível e funcional. Entende-se a estruturação apenas como uma forma de
lidar com as questões da aleatoriedade do vídeo interativo. Porém, serão as opções
estéticas do compositor que definirão a funcionalidade da trilha sonora com relação ao
filme. A proposta é estabelecer uma linguagem para aplicação de trilha sonora
interativa, que possa ser utilizada independente da opção estética escolhida pelo
compositor.  

REFERÊNCIAS:

CARRASCO, Ney. Sygkhronos: A formação da poética musical do cinema. São Paulo:


Via lettera, 2003.

GRIFFITHS, Paul. A música moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
241

PURCELL, John. Dialogue Editing for motion pictures. Focal Press publications, 2007.

SIGAL, Rodrigo. Compositional strategies in electroacoustic music. Saarbrücken: VDM,


2009.

CINCEROVA, Alena. Disponível em: <http://www.kinoautomat.cz/> Acesso em: 5 de


out. 2013
242
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Pesquisa de Parâmetros Sonoros e Criação Artística

MODALIDADE: Teoria e Composição Musical

Rodrigo Leite Souza Enoque


UFPR – rodrigo.enoque@yahoo.com.br

Resumo: O século XX viu florescer uma grande quantidade de gêneros e formas artísticas.
Em muitos casos, como na arte sonora, essas formas trouxeram uma transformação dos
modos convencionais de criação. Por se tratar de uma nova forma de uso do som em
criações artísticas e por estabelecer relações com outras áreas de criação, além de uma nova
forma de trabalho com o material sonoro, essa pesquisa pretende abordar essa vertente
artística, a arte sonora, através do conceito de dialogismo do linguista e filósofo russo Mikhail
Bakhtin, tendo em vista que essa perspectiva considera um tipo de relação dialógica entre
várias disciplinas, no campo artístico e conceitual. Essa perspectiva fundamenta a criação de
uma obra original envolvendo vídeo-arte e música eletroacústica.

Palavras-chave: Arte Sonora. Dialogismo. Música Eletroacústica. Composição Musical.

Search of Sound Parameters and Artistic Creation

Abstract: The twentieth century saw the flowering of genres and art forms and in many cases,
as for example in the sound art, they searched for transforming the conventional ways of
creating. Having in mind that it is a new way of using sound in artistic creations and of
establishing relationships with other areas of creation, this research aims to address this
artistic movement – sound art – through the concept of dialogism of the Russian linguist and
philosopher Mikhail Bakhtin, considering that this view considers a kind of dialogic relationship
between the various disciplines, in the conceptual and artistic fields. This perspective grounds
the creation of an original work involving video art and electroacoustic music.

Keywords: Sound Art. Dialogism. Electroacoustic Music. Musical Composition.

1. Arte Sonora: uma reunião de manifestações artísticas sob uma perspectiva


dialógica

O presente trabalho consiste em uma pesquisa em andamento aceita para


uma bolsa de Iniciação Científica. O objetivo deste trabalho é investigar na prática
composicional formas que permitam a criação de um projeto de arte sonora para
música e vídeo. Do ponto de vista teórico, este trabalho se fundamenta no conceito
de dialogismo proposto pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895 – 1975). A
importância desse conceito é que ele ajuda a compreensão das possíveis formas de
interação entre as áreas artísticas no âmbito composicional em questão. Também
serão realizadas pesquisas e análises de obras do gênero, além de uma pesquisa
prática em plataformas de criação e processamento sonoro digital.
Segundo Bakhtin todo discurso – compreendido como um enunciado – é
produzido através de uma relação dialógica com outros discursos. Disso resulta a
ideia de que nenhum discurso, para o autor, ocorre concretamente de maneira
isolada. Em uma situação sócio-comunicativa, por exemplo, há um dialogismo
presente que se estabelece por meio de um enunciado e das respostas direcionadas
a esse enunciado. Nesse contexto, o ouvinte é sempre um participante ativo que
243
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

responde ao seu interlocutor. Em um contexto histórico, mais global, Bakhtin


considera que todo enunciado já se encontra envolvido em uma cadeia de outros
enunciados, para os quais ele é uma resposta.

O próprio locutor como tal é, em certo grau, um respondente, pois não é o


primeiro locutor, que rompe pela primeira vez o eterno silêncio de um
mundo mudo, e pressupõe não só a existência do sistema da língua que
utiliza, mas também a existência dos enunciados anteriores – emanantes
dele mesmo ou outro – aos quais seu próprio enunciado está vinculado por
algum tipo de relação (fundamenta-se neles, polemiza com eles), pura e
simplesmente ele já os supõe conhecidos do ouvinte. Cada enunciado é um
elo da cadeia muito complexa de outros enunciados (Bakhtin, 2000: 291).

Para Bakhtin, as relações entre os enunciados, em contextos sócio-


comunicativos, geram uma camada de significados que está na base de todo
discurso. De maneira semelhante, a criação de um trabalho artístico pressupõe uma
relação dialógica deste com outras obras e, conjuntamente com outros trabalhos que
estão inseridos em um contexto específico de criação (SCHROEDER e
SCHROEDER, 2011: p.133 - 134). Desse modo, naquela perspectiva mais global,
dialógica bakhtiniana, uma obra se insere em um contexto histórico a partir dos
sentidos que ela projeta em relação a uma tradição sociocultural. Ou seja, ela abre
caminhos para novas relações e criações futuras. Bakthin se refere ao conceito de
polifonia para definir o processo dialógico que ocorre entre camadas de “vozes” ou
de enunciados. Assim, de maneira semelhante, a ideia de polifonia, em um âmbito
artístico, serve para ampliar a compreensão daquela inserção dialógica, do ponto de
vista histórico, de uma obra artística em seu tempo.
Para o propósito deste trabalho, essa visão comunicativa, dialógica, entre
enunciados serve para definir, em parte, formas de interação e correspondência
entre as artes, visão esta que está implícita na investigação prática, composicional,
deste projeto.
Durante o século XX, importantes artistas que buscaram refletir sobre seus
processos de trabalho, processos esses que direcionaram as suas práticas,
buscaram em parte novas formas de expressão artística que tinham por base certa
correspondência entre áreas artísticas distintas. Alguns desses artistas, por
exemplo, produziram ambiências sonoras que ultrapassaram as formas tradicionais
de relação entre meios distintos, desse modo gerando trabalhos em que aquela
correspondência afetava de maneira global a percepção da obra. As animações
sonoras do artista escocês Norman McLaren (1914 – 1987), por exemplo, se
apoiavam em imagens desenhadas na própria película do filme. Esse processo
contribuiu para a criação de uma forma de composição musical derivada de outro
meio, nesse caso, o filme. Já o artista mexicano Manuel Rocha Iturbide (1963) tem
feito uso de diversos materiais, como vídeo, poesia, fotografia, objetos do cotidiano,
para trabalhar o som com a imagem. Por meio de suas pesquisas, Iturbide gera
244
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

formas mais ou menos complexas no que diz respeito ao uso dos materiais e modos
de relação entre esses materiais no contexto de uma obra artística.1 Nesses casos,
o dialogismo presente nas relações dinâmicas entre materiais, nos valores que
marcam as fronteiras significativas de cada meio, e nos padrões de uso de cada
meio, em particular – consiste em um jogo de interferências mútuas que afetam a
percepção desses trabalhos, no tempo e no espaço, em complemento, gerando uma
expansão das formas tradicionais de trabalho artístico sem anular as características
individuais de cada meio, ou seja, obras que mantém uma unidade em sua
composição gerada a partir de conceitos diversos da criação artística.
A partir de uma perspectiva dialógica, então, é que entendemos o conceito de arte
sonora. Conforme Lílian Campesato e o compositor Fernando Iazzetta
(CAMPESATO e IAZZETTA, 2006: p. 776), o termo se refere a uma reunião de
gêneros artísticos em que o som é o material de referência para uma forma
expandida de composição, uma forma em que tanto os sons como o espaço e o
tempo se misturam para efetuar uma nova forma de expressão. Devido a essa
característica “multidisciplinar”, a arte sonora, segundo Campesato e Iazzetta,
estaria situada na “borda” entre a música e as outras artes. Desse modo, o processo
composicional que dá sentido a essa pesquisa teórica tem por princípio que o
conceito de arte sonora apresenta uma dimensão dialógica que implica certa
autonomia e definição dos limites de uma obra, enquanto se distingue como tal
presença.
Os trabalhos de arte sonora em geral enfatizam o uso de materiais e aspectos
composicionais que não se empregam regularmente na música tradicional, como a
espacialidade, a performance e a plasticidade do som. Justamente por ser fruto de
uma relação dialógica entre meios e formas artísticas distintas, a trama de fatores
estruturais que geram caracteristicamente uma estética própria não se conforma
com procedimentos composicionais que em geral estão associados às formas
artísticas convencionais. Em “arte sonora” se observa uma dimensão nova relativa à
temporalidade e espacialidade dos materiais, além de processos de criação
mediados pelas novas tecnologias de áudio, pelo tratamento do som como objeto de
escultura ou pela ideia de uma experiência multissensorial do trabalho
composicional, como um todo.

Por arte sonora entendemos a reunião de manifestações artísticas que


estão na fronteira entre a música e outras artes, nas quais o som é material
de referência dentro de um conceito expandido de composição, gerando um
processo de hibridização entre som, imagem, espaço e tempo. Entre outras
questões, a concepção estética desse repertório vai ao encontro da reflexão
e inclusão de elementos não usados regularmente na criação musical
tradicional, tais como a espacialidade, a visualidade, a performance e a
plasticidade. (CAMPESATO, 2007, p.57)
245
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Portanto, esta pesquisa teórica tem o propósito de fundamentar o processo de


criação de um trabalho artístico que pretende criar formas de integração e
correspondências entre a imagem em vídeo e a música eletroacústica. Nesse
sentido, a perspectiva dialógica de Bakhtin implica, para a pesquisa em questão,
uma nova qualidade de abordagem criativa para esse gênero. Mesmo não sendo
objetivo deste trabalho propor uma definição para as formas de criação em arte
sonora, a perspectiva dialógica bakhtiniana permite ampliar a compreensão de seu
repertório e então, somete a partir daí, apontar para um enriquecimento dessa
experiência estética.

2. Processo de criação: aplicação dos conceitos na produção de uma obra


original de arte sonora.

Conforme essas ideias, o projeto de criação de um trabalho para música e


vídeo se apoiará no conceito de dialogismo proposto por Bakhtin, tendo em vista
aquela dimensão contextual e histórica do termo, que permite situar e definir em
parte o trabalho composicional em sua autonomia estética e em sua natureza
composta, concreta. Esta natureza é responsável em parte pelos limites que ajudam
a constituir certa representação de sua realidade própria. A cadeia dialógica que
situa esta obra no tempo contribui então para gerar sentido e justificar a sua inserção
em um contexto global, que funciona nesse sentido tal como uma “polifonia”.
Assim, as possíveis relações da música com outras artes, durante o
processo de criação, serão exploradas a partir de uma estratégia global que abarca
certas formas de correspondências e divergências entre os materiais artísticos e
suas formas no tempo-espaço. Essas formas de relação entre esses materiais são
importantes para articular os elementos compositivos, gerando sentido, e para definir
perceptivamente a autonomia de cada meio enquanto é parte interativa de uma
composição artística. Esse dialogismo que fundamenta este trabalho – e que
apresenta, por sua vez, uma perspectiva de contextualização histórica – é que
poderá gerar então, do ponto de vista estético, um sentido de “abertura” para o
ouvinte deste trabalho conforme explica a compositora Roseane Yampolschi, ao se
referir ao termo “a-obra-que-se-abre” (2002, p. 44-52).
Para a concepção e elaboração de um trabalho de arte sonora para música
e vídeo, será necessário, então (1) um planejamento de materiais básicos e de sua
inserção em um contexto estético; (2) um levantamento de estratégias estruturais
para a espacialização sonora; (3) a realização de pesquisa e a seleção, em bancos
de sons, de possíveis materiais sonoros, para edição e processamento; (4) uma
pesquisa e gravação de sons “concretos”, tendo em vista aquele contexto estético e
as estratégias já elaboradas; (5) a manipulação dos materiais sonoros selecionados
246
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

e a sua exploração por meio de síntese sonora.


Nesta última etapa do projeto de criação, serão usados softwares de
produção sonora digital, necessários principalmente para a produção e
processamento dos materiais, sendo dada preferência a programas de uso irrestrito
encontrados em diversas comunidades na internet, como softwares de síntese
sonora (ex: Pure data, VSTs etc.) e programas de produção multipista (ex: Reaper,
Ardour etc.). Outro fator importante a ser abordado neste projeto, como um todo, é a
questão da espacialização sonora através de aparelhos difusores de som. Nesse
sentido, parte da pesquisa nesse campo de trabalho será destinada à busca, tanto
em referências bibliográficas, quanto em outras experiências profissionais, de
modelos de alto falantes, e à utilização do espaço físico como parte do objeto
artístico. E finalmente, para finalizar o trabalho serão realizadas as tarefas de edição,
mixagem e masterização dos materiais sonoros.
As pesquisas e processos de trabalhos em arte sonora têm se ampliado e se
aprofundado à medida que instituições artísticas e de pesquisa abrem espaço para
essas novas produções. Assim, o Encontro Internacional de Música e Arte Sonora –
EIMAS2, o Centro de Arte Contemporânea Inhotim3, ambos no Brasil, ou o Encontro
Visiones Sonoras4, realizado no México, por exemplo, se dedicam ao estudo,
exposição e produção de obras do gênero.
Ao buscar outros conceitos não muito abordados pela música, como o
espaço ou a plasticidade, e relacionar o uso do som à imagem, as obras de arte
sonora constituíram um campo bastante criativo para a pesquisa e produção
artística. Assim pode-se relacionar diretamente o conceito de dialogismo
apresentado anteriormente com essa perspectiva de criação. O objetivo desse
projeto de Iniciação Científica, nesses termos, é criar uma obra de arte sonora em
música e vídeo que esteja embasada conceitualmente em uma perspectiva dialógica
entre a música eletroacústica e as artes visuais.

Referências:

Livros:

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 3ª Edição. São Paulo: Martins


Fontes, 2000.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 4ª Edição. São Paulo: Martins


Fontes, 2003.

Dissertações:
247
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

CAMPESATO, Lílian. Arte Sonora: Uma Metamorfose das Musas. São Paulo, 2007.
[173p.]. Dissertação (Mestrado em Música). Universidade de São Paulo.

Artigos em Anais de Periódicos:

SCHROEDER, Sílvia C. N. e SCHROEDER, Jorge L. Música como discurso: uma


perspectiva a partir da filosofia do círculo de Bakhtin. Música em Perspectiva,
Curitiba, vol. 4, nº 2, p. 127 – 153, 2011.

YAMPOLSCHI, Roseane. A forma-que-se-abre: um modelo interpretativo para a


composição interdisciplinar. Revista Modus, jun. p. 44-52, 2002.

Trabalhos em Anais de Eventos:

CAMPESATO, Lílian e IAZZETTA, Fernando. Som, espaço e tempo na arte sonora.


In: Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música
(ANPPON), XVI, 2006, Brasília. Música em Contexto. Brasília: UNB, 2006. p. 775 –
780.

YAMPOLSCHI, Roseane. Uma compreensão dialógica da atitude transdisciplinar


fundamentada no conceito de interdisciplinaridade artística. Vitória: II Congresso
Mundial de Transdisciplinaridade, 2005.

1
http://www.artesonoro.net/ManuelRochaIturbide.html (Acessado pela última vez no dia 13/10/2013).
2
http://www.ufjf.br/eimas/ (Acessado pela última vez no dia 13/10/2013).
3
http://www.inhotim.org.br/ (Acessado pela última vez no dia 13/10/2013).
4
http://www.visionessonoras.org/ (Acessado pela última vez no dia 13/10/2013).
248
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Um estudo sobre experiências vicárias de músicos mediadas pela internet e


sua relação com a construção das crenças de autoeficácia*

MODALIDADE: Cognição musical

Marina Calçado Abrahão


Universidade Federal do Paraná – mah_abrahao@hotmail.com

Resumo: Este trabalho se trata de uma pesquisa de Iniciação Científica que se encontra em
andamento. Tem como base a Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura, com foco principal
nos aspectos de motivação e das crenças de autoeficácia (BANDURA et al., 2008), que estão
presentes ao longo do aprendizado de estudantes de música. O objetivo deste estudo é
verificar a construção das crenças de autoeficácia de estudantes de música por meio de
experiências vicárias vivenciadas no processo de aprendizagem musical mediado pela
internet.

Palavras-chave: Teoria Social Cognitiva. Motivação. Crenças de autoeficácia. Estudantes de


música. Aprendizado através da Internet.

A study on vicarious experiences of musicians Internet-mediated and its relation to the


construction of self-efficacy beliefs

Abstract: This paper is about an in progress scientific initiation study. Is based on Albert
Bandura's Social Cognitive Theory, focusing primarily on the motivation aspects and self-
efficacy beliefs (BANDURA et al., 2008), which are present throughout the music students
learning. The objective of this study is to investigate the construction of self-efficacy beliefs in
musics students through vicarious experiences in the music learning process mediated by the
internet.

Keywords: Social Cognitive Theory. Motivation. Self-efficacy beliefs. Music students.


Learning through the Internet.

1. Teoria Social Cognitiva

A Teoria Social Cognitiva foi desenvolvida por Albert Bandura, em meados


de 1980 e ainda segue em processo contínuo de construção. Estuda o
comportamento humano, entendendo o homem como um ser que desempenha
ações de acordo com sua auto percepção da realidade, proativo, por meio da
relação entre os seus fatores pessoais (cognição e afetos/pensamento e
sentimento), o contexto social (ambiente) em que está inserido, e o seu
comportamento em si. Esses três fatores têm influencias sobre as pessoas,
dependendo de cada um, em maior ou menor escala (Cavalcanti, 2009).
Desta forma, os interesses e objetivos na realização de tarefas, dependem
das experiências do indivíduo em paralelo com seu meio e sua auto reflexão,
regulando assim as suas motivações, que auxiliam diretamente no seu desempenho
(Cavalcanti, 2009).

2. Motivação
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

“Motivação, ou ato de motivar, é a existência de motivos que provocam a


ação de se mover em busca de algo” (Silva, 2012, p. 19). Segundo Bandura (2008),
a motivação determina o grau de interesse e a intensidade do esforço
desempenhado em determinada ação, que varia de pessoa a pessoa, de acordo
com a relação entre o indivíduo com ele mesmo e o ambiente em que está
envolvido. Por isso, o comportamento motivacional acontece por fatores intrínsecos
e extrínsecos. Os primeiros se referem à autonomia, interesses pessoais (cognitivos
e afetivos). Já os extrínsecos buscam recompensas do meio externo para apoiar
suas ações. Deste modo, a motivação para realizar atividades pode tanto ser
fortalecida como desestimulada, na relação direta entre os fatores internos e
externos e a influência deste resultado na formação das crenças de autoeficácia do
sujeito.

3. Crenças de autoeficácia

A partir do momento em que, diante de uma situação, o indivíduo se


pergunta “eu consigo fazer isso?” é que se dá o início de uma crença de auto
eficácia. Não depende exatamente da pessoa ter mesmo capacidade ou não para
executar uma ação, mas sim do quanto ela se acredita apta para tal (Bzunek, 2002).
Pajares e Orlaz (2008) explicam que as crenças de autoeficácia são
construídas por meio de diferentes fontes (ou fatores), como as experiências
pessoais de êxito, as experiências vicárias, as persuasões verbais, e reações
afetivas. Nesta pesquisa o foco para a construção das crenças de autoeficácia,
portanto, são as experiências vicárias, isto é, a observação que o indivíduo faz sobre
o desempenho de outras pessoas e que lhe motiva a agir, espelhando-se no outro.
Como em todo aprendizado, na área da música também se encontra relevante o
estudo desta teoria, pois antes do estudante de música começar a tocar qualquer
instrumento, ele tem o desejo de estudar música. Neste momento ele já inicia a
construção das suas crenças de autoeficácia, que, por sua vez, fará parte de todo o
seu processo de aprendizado musical.
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

4. Metodologia

Será utilizado o estudo de levantamento (ou survey) como método para


esta pesquisa. De acordo com Gil (2000) e Babbie (1999), o estudo de levantamento
é um delineamento exploratório que permite verificar dados sobre comportamento de
determinado grupo, por meio da interrogação direta.
A população participante do estudo será composta por estudantes dos
cursos de bacharelado em música e licenciatura em música que se utilizem de
práticas de aprendizagem musical mediadas pela internet e que concordem em
participar desta pesquisa, respondendo um questionário de forma anônima, uma vez
que a identidade dos participantes será preservada. Será elaborado termo
explicativo e de livre consentimento para os participantes.
Será elaborado, como instrumento de coleta de dados, um questionário
composto em duas partes: a primeira, para exploração de dados que caracterizem o
grupo participante da pesquisa por meio de questões abertas, fechadas e de múltipla
escolha. Na segunda etapa, irá conter uma escala tipo Likert, de 5 ou 7 pontos, para
verificação dos dados sobre as relações entre experiências vicárias de
aprendizagem musical mediadas pela internet e a aquisição das crenças de
autoeficácia dos participantes. O questionário será testado, inicialmente, em um
estudo piloto para análise da confiabilidade e coerência interna das questões. Após
o estudo piloto, o questionário definitivo será aplicado com os participantes.
Posteriormente, os dados serão analisados estatisticamente e servirão
para caracterizar o grupo e para verificar as relações entre as crenças de
autoeficácia e as experiências viárias vivenciadas pelos participantes nos processos
de aprendizagem musical dos estudantes por meio da internet.

4. Considerações finais

Os estudos sobre motivação tratam de questões cognitivas, afetivas e


sociais dos indivíduos. Segundo Bandura, “a autoeficácia possui uma função
reguladora que atua como mediadora da cognição, emoção e motivação”
(Cavalcanti, 2009, p. 25). Todas essas questões fazem parte do desenvolvimento da
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

aprendizagem musical e do desenvolvimento das habilidades musicais. Neste


sentido, considera-se a importância do meio como um fator que influencia o
comportamento social cognitivo do estudante de música e, consequentemente, as
suas ações.

Referências:

BABBIE, Earl. Métodos de Pesquisa de Survey. Belo Horizonte: Editora da UFMG,


2001.

BANDURA, Albert; AZZI, Roberta; POLYDORO, Soely. Teoria Social Cognitiva:


conceitos básicos. São Paulo: Artmed, 2008.

BZUNECK, J. A. As crencas de auto-eficacia e seu papel na motivacao do aluno.


Petropolis: Vozes, 2002.

CAVALCANTI, C. R. P. Auto-regulação e prática instrumental: um estudo sobre


crenças de autoeficácia de músicos instrumentistas. Curitiba, 2009. 159f.
Dissertação (Mestrado em Música). Universidade Federal do Paraná.

GIL, Antônio C. Métodos e técnicas de Pesquisa Social. 5.ed. São Paulo: Atlas,
1999.

PAJARES, F.; ORLAZ, F. Teoria Social Cognitiva e auto-eficácia: uma visão geral.
In: BANDURA, A.; AZZI, R.; POLYDORO, S.. Teoria Social Cognitiva: conceitos
básicos. São Paulo: Artmed, 2008.

SILVA, R. R. Consciência de autoeficácia: uma perspectiva sociocognitiva para o


estudo da motivação de professores de piano. Curitiba, 2012. 146f. Dissertação
(Mestrado em Música). Universidade Federal do Paraná.

1 Notas

*Este texto tem vínculo com o Grupo de pesquisa PROFCEM/CNPq.


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Um estudo sobre elementos da teoria do fluxo presentes na prática


musical coletiva de músicos de grupos de música popular e
bandas de rock.
PESQUISA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Marcos Aloisius Perufo Damke


Universidade Federal do Paraná – marcosdank@hotmail.com

Resumo: Esta pesquisa pretende investigar por estudo de levantamento ou survey, os


elementos do fluxo presentes em músicos de grupos de música popular ou rock, sejam eles
de música autoral (compositores) ou de bandas “cover” (intérprete).

Palavras-chave: Fluxo, pesquisa, música, rock.

Freqüentemente observamos que músicos de grupos independentes não se


consideram como profissionais da música, mas categorizam essa atividade como
“hobbie”. Mas o que os motiva para no final de um dia duro de trabalho ainda terem
forças para carregar os seus instrumentos e amplificadores, a fim de fazer uma
atividade informal como tocar em uma banda independente e ter pouca ou muitas
vezes nenhuma remuneração econômica? Ou a comprar instrumentos caros afim de
simplesmente ter uma atividade prazerosa? Os próprios músicos muitas vezes não
sabem responder a estas perguntas. Através do estudo da teoria do fluxo
(Csikszentmihalyi, 1999) é possível ter as respostas a esse tipo de pergunta.
O presente texto traz, portanto, dados de uma pesquisa de iniciação científica
que se encontra em andamento, cujo principal objetivo é verificar elementos
descritos por Csikszentmihalyi (1999) como componentes da experiência do “fluxo”
em grupos de música popular e bandas de rock de Curitiba, nas situações de ensaio
e desempenho. Para este fim, são consideradas as seguintes categorias de análise:
emoção, metas, desafios, operações cognitivas (concentração), motivação, na
relação com o repertório (seja ele de músicas autorais ou não) e personalidade
autotélica.
Segundo Csikszentmihalyi (1999) o nosso tempo é dividido em três tipos de
atividades, as que são produtivas (quando estamos trabalhando, estudando), as
atividades de manutenção (cuidar da casa, tomar banho, etc.) e atividades de lazer
(televisão, hobbies, esportes, etc.). Esses três tipos de atividades absorvem nossa
energia psíquica. Muitos músicos amadores acabam deixando o “hobbie” tomar
conta das suas vidas dedicando mais tempo livre e mais energia psíquica a estudar
um instrumento e se dedicar a uma banda.
1. A experiência do Fluxo

O trabalho de Mihaly Csikszentmihalyi em A descoberta do Fluxo


destinou-se a descobrir os elementos-chave que levam o ser humano a encontrar
253
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

prazer nas suas atividades cotidianas e não simplesmente em vivê-las. Para realizar
este estudo o autor se apoiou em pesquisas feitas com várias pessoas de todo o
mundo.

É o envolvimento pleno do fluxo, em vez da felicidade, que gera a


excelência na vida. Quando estamos no fluxo, não estamos felizes, porque
para experimentar a felicidade precisamos focalizar nossos estados
interiores, e isso retiraria nossa atenção da tarefa que estamos realizando.
Só depois de completada a tarefa é que temos tempo para olhar para trás e
ver o que aconteceu, e então somos inundados com a gratidão pela
excelência da experiência – desse modo, retrospectivamente, somos
felizes. (CSIKSZENTMIHALYI, 1999, p 39).

A citação acima explica que não somos felizes enquanto estamos


praticando tal atividade, porém, quando terminamos a atividade e temos tempo de
olhar pra trás e sentir quão bom foi o desempenho e nos sentirmos satisfeitos.
Existem atividades de lazer que não são consideradas atividades de fluxo,
um exemplo é ver televisão, pois é considerada uma atividade passiva, não é
necessário concentrar energia psíquica para realizar tal atividade. Normalmente o
fluxo acontece quando a pessoa está realizando uma de suas atividades favoritas
como tocar algum instrumento ou praticar algum esporte, mas mesmo praticando
atividades assim, existe a possibilidade de não se concentrar totalmente, quando
repetidamente fazemos algo que já conseguimos realizar antes. Deste modo sua
atenção não fica completamente na atividade realizada e assim o fluxo não é
atingido.
O fluxo é descrito pelos esportistas como o momento em que se atinge o
auge, o limite do corpo e segundo Csikszentmihalyi (1999) o fluxo tende a ocorrer
quando as habilidades de uma pessoa estão totalmente envolvidas em superar um
desafio que está no limiar de sua capacidade de controle. Um exemplo bem claro e
que será usado para estudo neste trabalho é de quando o músico estuda
incessantes horas do dia para atingir a perfeição do que está tentando executar.

2. Metodologia

Para desenvolver este estudo a metodologia escolhida foi o estudo de


levantamento (ou survey). De acordo com Gil (1999) e Babbie (2001), o estudo de
levantamento é um delineamento exploratório que permite verificar dados sobre
comportamento de determinado grupo, por meio da interrogação direta. A população
participante é composta de músicos que atuam na cena musical curitibana.
O instrumento para coleta de dados é um questionário composto de duas
partes. A primeira para exploração de dados que caracterizem o grupo participante
da pesquisa por meio de questões abertas, fechadas e de múltipla escolha. A
254
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

segunda etapa conterá uma escala tipo Likert, de 5 ou 7 pontos, para verificação das
categorias dos elementos da experiência do fluxo presentes na prática musical dos
entrevistados. O questionário testado inicialmente em um estudo piloto, será
analisado sobre a confiabilidade e coerência interna das questões. Após esta análise
será aplicado com a população definitiva.
A análise dos dados, por sua vez, será feita por meio de tratamento
estatístico e trazendo elementos para caracterização do grupo e para a verificação
da incidência dos elementos do fluxo presentes (ou não) na prática dos músicos
participantes.

3. Considerações Finais

Por meio do presente estudo busca-se a contribuir para os estudos sobre


música e motivação em contexto brasileiro. Muito já se tem pesquisado sobre a
teoria do fluxo e as práticas musicais, como é possível observar nos estudos de
Araujo e Pickler (2008); Araujo & Andrade (2011); Stocchero (2012). No entanto a
abordagem sobre práticas musicais em contextos não formais no país, como neste
estudo sobre músicos de bandas no confronto com a teoria do fluxo, ainda demanda
muitas investigações.

4. Referências
Livro
CSIKSZENTMIHALYI, M. A descoberta do fluxo. Psicologia do envolvimento com a
vida cotidiana. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
255

Memorização e timbre: reflexões a partir da aplicação dos


guias de execução nas Variações Abegg, Op. 1, de Schumann

MODALIDADE: COGNIÇÃO

Bibiana Bragagnolo
UFPB - bibi_bragagnolo@hotmail.com

Luciana Noda
UFPB - lucnoda@gmail.com

Resumo: O presente artigo apresenta a aplicação e teste do modelo de memorização


através de guias de execução (CHAFFIN et al, 2002) nas Variações Abegg de Robert
Schumann, tendo o timbre como parâmetro de seleção dos guias utilizados na
performance de memória da peça. Os resultados parciais aqui apresentados
evidenciaram a potencialidade do timbre como parâmetro de seleção de guias de
execução, no restauro de informações da memória e também na otimização da
interpretação.
Palavras-chave: Memorização. Guias de execução. Timbre. Variações Abegg.

Memorization and timbre: reflections about the application of the performance


cue’s memorization model in the Abegg Variations, Op. 1, from Schumann

Abstract: This paper presents the application and test of the performance cue’s
memorization model (CHAFFIN et al. 2002) in Robert Schumann´s Abegg Variations.
The timbre was the parameter chosen for the selection of the performance cues used
to memorize the piece for performance. The partial results of this research reveal the
potentiality of the timbre as criteria to select performance cues for rescue of
information from memory and also in the optimization of the interpretation.
Keywords: Memorization. Performance cues. Timbre. Abegg Variations.

1. Introdução

A manipulação do timbre é um dos principais aspectos com os quais


intérpretes lidam ao fazer música e está diretamente envolvida com a
expressividade e personalidade musical. De acordo com Neuhaus, o trabalho
com a sonoridade deveria ser a preocupação maior de qualquer intérprete, uma
vez que música é som (NEUHAUS, 1985, p. 63). Sobre timbre e
expressividade, Holmes acrescenta que “a variedade de timbres é um dos
principais meios pelos quais performers comunicam a estrutura musical, ideias,
emoções e personalidade musical” (HOLMES, 2012, p. 301). Além disso, o
piano como instrumento, aliado à habilidade do intérprete, oferece a
possibilidade da criação de diversos timbres, sendo que inúmeros intérpretes e
256

compositores se referem ao piano como capaz de recriar tantos timbres quanto


uma orquestra (BERNAYS, 2012, p. 13). Também relevante é a questão de que
o timbre, apesar de ser um dos componentes essenciais da música, é pouco
abordado na música para piano anterior ao século XX (BERNAYS, 2012, p. 8),
o que justifica a realização desta pesquisa na medida em que ela acrescenta
conhecimento na subárea das práticas interpretativas.
O objetivo principal desta pesquisa é aplicar um modelo de
memorização (através de guias de execução) nas Variações Abegg, Op. 1, de
Robert Schumann, tendo o timbre como parâmetro para a seleção dos guias de
execução utilizados na performance de memória da peçai. Como referencial
teórico principal sobre memorização em música selecionamos o livro
“Practicing Perfection: Memory and Piano Performance” de Chaffin, Crawford e
Imereh (2002). Neste trabalho, Chaffin sistematizou o processo de
memorização por guias de execução através da observação da prática de
estudo e memorização de uma pianista de alta performance (a também autora
Gabriela Imreh). O modelo desenvolvido propõe ao intérprete elencar pontos
chave da peça para criar uma espécie de mapa mental da mesma, que estará
disponível em sua memória de longo prazo para quando for preciso (CHAFFIN;
CRAWFORD; IMREH, 2002). Segundo Chaffin, para os músicos a memória
envolve a recuperação de pontos cruciais através do emprego de guias
instituídos no momento do estudo, ou seja, aspectos da peça nos quais o
intérprete focaliza deliberadamente sua atenção sem perturbar a sequência
automática dos movimentos (CHAFFIN; IMREH; CRAWFORD, 2002 apud
AQUINO, 2011, p. 26).
Chaffin propõe a classificação dos guias de execução em quatro
tipos: (1) guias básicos, que dizem respeito à questões técnicas da peça,
podendo envolver dedilhados, movimentos do braço necessários para realizar
determinada passagem, etc; (2) guias interpretativos, que se aplicam à
mudanças dinâmicas, de som e de andamento; (3) guias expressivos, que se
referem ao caráter da peça, como sentimentos, atmosferas, etc; e (4) guias
estruturais, que delimitam as sessões e subsessões da peça e incluem também
os pontos estruturais chamados “switches” ou “pontos de troca”, que são
257

aqueles nos quais o intérprete deve focar sua atenção, pois com eventual falha
podem levar à outra sessão da obra. (CHAFFIN, CRAWFORD, IMREH, 2002,
p. 170). Nos guias expressivos reside a possibilidade da inclusão do timbre
como parâmetro para seleção dos guias de execução. A premissa é que ao
aliar o timbre, que é um aspecto ligado à expressividade e individualidade, à
memorização, esta se torne mais eficaz e, possivelmente, mais expressiva.
O conceito de timbre aqui adotado combinará os conceitos de
McAdams e Seashore apresentados por Holmes (2012). De maneira mais
genérica, o timbre é definido por McAdams como “o atributo da sensação
auditiva que distingue dois sons que são iguais em afinação, duração e
intensidade” (McADAMS apud HOLMES, 2012, p. 303). Esta definição é
perfeitamente aceitável do ponto de vista físico, porém não representa as
propriedades artísticas e potencial expressivo do timbre. Seashore, por sua
vez, utiliza o termo “sonância” (sonance) e o define como “as sucessivas
mudanças e fusões que tomam lugar em um som de momento para momento”
e recomenda esta definição como o entendimento do termo em um contexto
musical (SEASHORE apud HOLMES, 2012, p. 303). Neste trabalho o
entendimento de timbre levará em conta as perspectivas destes dois autores,
abrangendo tanto o aspecto físico quanto o expressivo de tal parâmetro
musical.
A metodologia para a realização desta pesquisa contou com duas
etapas principais: (1) seleção dos guias de execução para a performance de
memória da peça, com base no timbre, juntamente com a descrição e
justificativa de decisões interpretativas que envolvem manipulação do timbre
nos guias selecionados; (2) teste dos guias selecionados em três performances
públicas onde a peça foi executada de memória. A metodologia desta pesquisa
envolveu a utilização de um diário de estudo, onde foram anotadas questões
sobre as sessões de estudo (o que foi estudado, como foi estudado, falhas de
memória ocorridas e suas respectivas localizações na partitura) e também
impressões subjetivas sobre o processo de aplicação do modelo de
memorização através de guias de execução nas Variações Abegg de
Schumann. Além disso, as sessões de estudo e os três recitais realizados
258

foram registrados em áudio e vídeo. Todos estes suportes metodológicos foram


utilizados com a finalidade de auxiliar na análise posterior do processo de
aplicação dos guias e de seu resultado nos recitais.

2. Seleção de guias de execução expressivos vinculados ao


timbre nas Variações Abegg de R. Schumann

Os guias expressivos selecionados vinculados à manipulação do


timbre fazem referência a pontos importantes na interpretação da peça e foram
selecionados de acordo com as decisões interpretativas tomadas ao longo do
processo de aprendizado, justificadas através da análise musical. A análise
realizada se inclui na categoria de análises para performance, caracterizada
por sua natureza prescritiva, “possivelmente servindo de base para uma
performance em particular” (RINK, 2007, p. 27). Esta modalidade de análise
preconiza que “os intérpretes estão constantemente engajados em algum
processo de análise” e que esta “não é um procedimento independente
aplicado à interpretação, mas parte integral do processo da performance”
(RINK, 2007, p. 27).
Os guias expressivos foram pensados como focos de atenção
durante a performance em tempo real. Entretanto, muitos guias básicos,
estruturais e interpretativos continuaram a ser contemplados nas sessões de
estudo, para que estivessem sempre disponíveis em caso de falhas de
memória. Ao fim da seleção foram contabilizados um total de 8 guias de
execução expressivos vinculados ao timbre nas Variações Abegg de
Schumann. Neste artigo serão apresentados dois exemplos destes guias de
execução, um deles referente à uma citação do tema e o outro relativo à um
momento de mudança de caráter/textura na peça.
259

Exemplo 1 - Mudança de caráter/textura na Variação I (c. 45 - 48) utilizada como guia de


execução expressivo vinculado ao timbre

O primeiro guia exemplificado se situa na Variação I e está no


compasso 45 (exemplo 1), momento que marca de forma decisiva o fim da
citação do tema e o retorno ao caráter energico inicial da Variação I. Este é um
importante momento de transição, que solicita mudança de atitude por parte do
intérprete devido à mudança de toque pianístico, caráter e, consequentemente,
da sonoridade, em relação ao trecho que o precede. Por estas razões, a
decisão na performance foi a de realizar uma grande diferença sonora no
compasso 45, tanto no que diz respeito à dinâmica, quanto à articulação
utilizada, gerando um timbre mais brilhante e articulado.
O segundo guia de execução a ser apresentado se encontra no
Cantabile (terceiro tempo do compasso 108, exemplo 2) e é um dos momentos
na peça onde ocorre uma citação do tema. O tema aqui aparece na tonalidade
de Mi bemol maior e com uma leve variação em sua construção melódica (o
primeiro intervalo da melodia é uma segunda descendente e não ascendente
como no tema original). Nesta ocasião o tema é apresentado em um contexto
bastante polifônico: a mão esquerda realiza um baixo em semibreve e um
acompanhamento em acordes enquanto a mão direita executa na voz inferior
um trinado e na voz superior o tema. Por opção expressiva, a atmosfera
musical ligada ao tema inicial foi evocada, mas criando uma sonoridade
distinta, com a finalidade de evocá-lo como um evento passado, situado na
memória de maneira quase apagada. A sonoridade vinculada a ele traz consigo
a ideia de que, na maioria dos casos, quando um evento passado agradável é
lembrado, o fazemos de maneira com que pareça ainda melhor na memória do
260

que fora na realidade. Assim, a sensação é que nesta rememoração do tema


ele aparece com uma sonoridade ainda mais bela e expressiva do que
originalmente.

Exemplo 2 - Citação do tema na voz aguda da mão direita no Cantabile (c. 108.3 – 112) como
guia de execução expressivo vinculado ao timbre
3. Teste dos guias de execução selecionados em
apresentações públicas

Os guias de execução expressivos de timbre selecionados foram


testados em três apresentações públicas, que ocorreram no mês de março de
2013, nos quais as Variações Abegg de Schumann foram executadas de
memória. A primeira delas se passou no dia 11 no Auditório Onofre Lopes na
Escola de Música da UFRN, a segunda no dia 14 de março no Auditório da
Unidade Acadêmica de Arte e Mídia na UFCG e por fim, o Recital de Mestrado,
ocorrido no dia 27 na Sala de Concertos Radegundis Feitosa, no Departamento
de Música da UFPB. O repertório executado nestas três apresentações contou
com a Dança das Bonecas de Dmitri Shostakovich, Sonata KV 570 de
Wolfgang Amadeus Mozart, Variações Abegg de Robert Schumann, Dança
Brasileira de Camargo Guarnieri, Mini Suíte das Três Máquinas de Aylton
Escobar e as peças Mazurka, Ballade e Danse de Claude Debussy. Deste
repertório apenas a peça de Shostakovich não foi tocada de memória. Estes
três recitais foram integralmente gravados em áudio e vídeo.
O total de falhas de memória nas Variações Abegg contabilizadas
nestes três recitais foi de uma falha de memória, ocorrida no recital do dia 27
de março. A referida falha de memória ocorreu na Variação I da peça, nas
261

oitavas da mão esquerda (compassos 49-50). O número de falhas de memória


quase inexistente evidencia a eficácia do modelo de memorização nas
Variações Abegg de Schumann, bem como dos guias de execução
selecionadosii.
O resultado expressivo e interpretativo das três apresentações
públicas foi bastante satisfatório. A utilização dos guias de execução
expressivos selecionados como pontos de atenção na performance em tempo
real contribuíram para evidenciar estes pontos da peça, vinculados às decisões
interpretativas relacionadas à manipulação expressiva do timbre, contribuindo
de maneira efetiva para a realização sonora destes intentos. Tais conclusões
sobre a influência dos guias de execução utilizados na performance das
Variações Abegg se deram através da escuta posterior das gravações de áudio
e vídeo realizadas e também levando em consideração as percepções
subjetivas da intérprete sobre a sua própria performance.
4. Considerações Finais

Os resultados obtidos com esta pesquisa revelaram o parâmetro


timbre como um critério possível para escolha dos guias de execução
expressivos nas Variações Abegg de Schumann. O número de falhas de
memórias praticamente nulo (uma falha de memória em um recital e nenhuma
nos outros dois) comprova a eficácia da utilização de guias relacionados ao
timbre na recuperação de informações da memória. A memorização focada
neste parâmetro permitiu uma perfomance mais efetiva no sentido de
comunicabilidade expressiva, sob o ponto de vista pessoal da intérprete. A
utilização de guias expressivos vinculados ao timbre também potencializou a
interpretação de maneira significativa, de modo que as decisões interpretativas
relacionadas à manipulação do timbre nos guias selecionados se salientaram,
evidenciando aspectos expressivos importantes da peça.
A seleção de guias de execução aliada ao parâmetro timbre trouxe
consigo contribuições que foram além da memorização em si, já que os guias
de execução selecionados atuaram não só no restauro de informações da
memória, mas também na condução da interpretação, trazendo à tona
262

momentos expressivos da peça. Em pesquisa anterior, o timbre já havia se


mostrado como um parâmetro possível na seleção de guias de execução em
uma peça do séc. XX (BRAGAGNOLO, 2012, p. 242). Esta pesquisa vem
somar resultados, mostrando que o timbre foi também um parâmetro válido
quando aplicado à memorização de uma peça do repertório tradicional. Estes
resultados parciais abrem espaço para a verificação de outros parâmetros
vinculados à expressividade como possíveis guias de execução para serem
utilizados na performance de memória e também para uma maior investigação
da potencialidade do timbre em peças anteriores ao século XX.

Referências:

AQUINO, Selva Viviana Martinez. Guias de execução na memorização do


segundo movimento da Sonata N. 2 de Dmitri Shostakovich. 2011. Dissertação
(Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. Porto Alegre 2011.

BRAGAGNOLO, Bibiana. Memorização para performance da “Máquina de


Escrever” da Mini Suíte das Três Máquinas de Aylton Escobar: uma abordagem
a partir do timbre. DaPesquisa, n. 9, p. 234 – 245, 2012.

BRAGAGNOLO, Bibiana; NODA, Luciana. Memorização através de guias de


execução do Tema e da Variação I das Variações Abegg de R. Schumann:
uma abordagem com base na manipulação temporal. In: Performa 2013, Porto
Alegre. Anais. Porto Alegre: Instituto de Artes da UFRGS, p. 96 – 103, 2013.

BERNAYS, Michel. Expression et production du timbre au piano selon les


traités: conception du timbre instrumental exprimée par les pianistes et
professeurs dans les ouvrages à vocation technique et pédagogique.
Recherche en Éducation Musicale, v. 20, 2012, p. 7 – 27.

CHAFFIN, Roger; IMREH, Gabriela; CRAWFORD, Mary. Practicing perfection:


memory and piano performance. Mahwah: Erlbaum, 2002.

GERBER, Daniela Tsi. A memorização musical através dos guias de execução:


um estudo de estratégias deliberadas. 2012. Tese (Doutorado) - Programa de
Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2012.

NEUHAUS, Heinrich. El arte del piano: consideraciones de um professor.


Madrid: Real Musical, 1985.
263

RINK, John. Análise e (ou?) performance. Cognição e Artes Musicais. Vol. 2,


N.1, 2007. p. 25-43.

WILLIAMON, Aaron. Memorizing Music. In: RINK, John. (Ed.). Musical


Performance: A Guide to Understanding. Cambridge: Cambridge University
Press, 2006, p. 113 - 126.

HOLMES, Patricia A. An exploration of musical communication through


expressive use of timbre: The performer’s perspective. Psychology of
Music, v. 40, n. 3, 2012, p. 301-323.
 

                                                                                                                       
i
Os resultados parciais apresentados neste trabalho fazem parte de uma pesquisa de
mestrado, onde a manipulação do tempo também foi escolhida como critério para seleção dos
guias de execução utilizados na performance de memória das Variações Abegg de Schumann.
ii
 Em pesquisa anterior o timbre foi utilizado como parâmetro de seleção de guias de execução
expressivos em uma peça do século XX, a Mini Suíte das Três Máquinas de Aylton Escobar
(BRAGAGNOLO, 2012). Em outro trabalho, guias de execução expressivos foram escolhidos a
partir de outro parâmetro, a manipulação do tempo, e serviram de suporte na performance de
memória do Tema e Variação I das Variações Abegg de Schumann (BRAGAGNOLO; NODA,
2013).  

 
264
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

A noção de auditório para a música contemporânea

MODALIDADE: Cognição

William Teixeira da Silva


UNICAMP/FAPESP – teixeiradasilva.william@gmail.com

Silvio Ferraz
UNICAMP – silvioferrazmello@gmail.com

Resumo: O trabalho promove uma reflexão sobre a entidade receptora do discurso musical,
através da acepção de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tytec no Tratado da
Argumentação: a Nova Retórica. Esse referencial permitirá a discussão sobre o papel do
auditório e sua influencia no fluxo discursivo. Para que a discussão seja devidamente
transposta ao campo musical, foram elencados como objetos de análise a Sequenza XIV, de
Luciano Berio e Maknongan, de Giacinto Scelsi.
Palavras-chave: Retórica musical. Recepção. Discurso musical. Música contemporânea.

The concept of audience for contemporary music

Abstract: This paper hosts a reflection about the receiver entity of the musical discourse
through the concept written by Chaïm Perelman and Lucie Olbrechts-Tyteza in The New
Rhetoric: a Treatise on Argumentation. This reference allow discussing on the role of the
audience and its influence in the discursive stream. To transfer this issue for music, they are
chosen as objects of analisys, both Luciano Berio’a Sequenza XIV and Giacinto Scelsi’s
Maknongan.
Keywords: Musical rhetoric. Reception. Musical discourse. Contemporary music.

1. Introdução
“Well I prefer that, I must say I prefer that, that what, oh you know, who you,
oh I suppose the audience, well well, so there’s an audience...” (BECKETT,
The Unnamable, p. 381 apud. BERIO, Sinfonia, III mov.)

A questão da recepção dentro do estudo musicológico tem sido estudada


pelos mais distintos vieses. Da cognição à sociologia, cada interface efetuada tem
trazido importantes contribuições para a compreensão dos fenômenos acarretados
pela escuta da música quando executada. No presente estudo, prosseguiremos com
essa reflexão a partir de um dispositivo, hoje, pouco utilizado para tal finalidade: a
retórica.
Apesar de trazer já em seu escopo inicial o conhecimento do público para
o qual determinado discurso é proferido, da retórica pouco se é lembrada essa
propriedade que sempre lhe foi essencial. Mesmo seus aspectos mais recordados
dentro da aplicação em música, como a forma e as figurações, foram concebidos a
partir da proposta de aproximação entre orador e audiência.
O auditório, enquanto construção do orador é, desde Aristóteles o primeiro
fator a ser pensado ao se produzir um discurso. Naquele contexto, os gêneros
deliberativos, judiciário ou epdítico eram selecionados a partir das intenções
identificadas no auditório, fossem elas deliberar, julgar, ou apenas o prazer frente ao
proferir1. Na Renascença, a própria entrada da música dentro do trivium, através da
retórica, foi acarretada por contingências sociais e tal evento modificou a linguagem
musical drasticamente, sobretudo na Seconda Pratica e na tratadização alemã.
Desde então, mudanças sociais interagiram com mudanças na música,
chegando à realidade que vivemos hoje, onde o estudo da retórica é bastante
reduzido e sua importância foi praticamente esquecida fora dos círculos da
musicologia histórica. Entretanto, a música ainda hoje demanda uma compreensão,
seja em que nível for, das interações entre compositor/intérprete, discurso musical e
ouvinte.
265
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

2. Metodologia

Para a aplicação coerente de tal reflexão à música contemporânea,


nomearemos como objetos de análise a Sequenza XIV, de Luciano Berio (1925-
2003) e Maknongan, de Giacinto Scelsi (1905-1988), para que tenhamos uma
abrangência maior nas abordagens feitas. As peças foram selecionadas tendo em
vista a disparidade da escuta demandada, que Solomos (2013, p. 236) divide, em
linhas gerais, como escuta discursiva e escuta de imersão. Além disso, textos dos
próprios compositores sobre o assunto serão também discutidos.
Estando o conceito de retórica distante da compreensão geral, não nos
bastaria para tal esforço utilizarmos apenas a Retórica, de Aristóteles, e nem mesmo
suas atualizações latinas, por isso, adotaremos a obra crucial para a retomada
desse pensamento no século XX, o Tratado da Argumentação: a Nova Retórica,
escrito por Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca em 1958, reforçando dessa
maneira o referencial teórico que estruturará o estudo.

3. Os auditórios de Perelman

A legitimação do discurso cientifico próprio do século XX, acabou por


provocar a desligitimação dos demais discursos e seu arcabouço teórico, porém, já
em meados desse século, começaram a serem evidenciados os primeiros indícios
da superação do positivismo puro e simples, o que resultou em algumas lacunas por
serem preenchidas, entre elas, a questão do auditório, antes totalmente coagido pelo
fato cientifico.
Ao se deparar com tal questão, Chaïm Perelman retoma como próprio a
qualquer discurso as contingências que o levam a existir. As relações resultantes de
seu estudo foram bastante precisas, identificando a ação retórica utilizada na
deliberação com outros, a dialética no diálogo com apenas um outro e a lógica,
ferramenta de estruturação do pensamento do homem consigo mesmo.
Assumindo que “a argumentação efetiva tem de conceber o auditório
presumido tão próximo quanto o possível da realidade” (PERELMAN; OLBRECTHS-
TYTECA, 1996, p. 22), o Trratado classifica a entidade receptora de acordo com a
quantidade de interlocutores do discurso, resultando em três categorias: a
argumentação consigo mesmo, a argumentação perante um único ouvinte e o
auditório universal, essa última, sem dúvida, a mais polêmica e mais fértil concepção
da qual podem derivar inúmeras visões, no presente caso, considerando a aplicação
do conceito na realidade do objeto musical.
O auditório universal se estrutura a partir do fato de que um discurso
dirigido a um auditório particular tende a se adaptar de maneira efetiva apenas a
esse estrato receptor, resultando em uma provável ineficácia diante dos demais.
Desse modo, tomando-se primeiramente o discurso filosófico como exemplo,
conclui-se que devem ser estabelecidos parâmetros mínimos de interação, axiomas
unificadores. Dentro dessa concepção, ainda, não há a expectativa de se obter o
consentimento efetivo de todos os homens, mas a adesão de todos aqueles que
compreenderem as razões do emissor, o que resulta no postulado de que “O acordo
de um auditório universal não é uma questão de fato, mas de direito” (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 1996 [1958], p. 35).
Essa definição, é claro, habita apenas a realidade discursiva e parte do
fato de que acontece quando a recepção é de alguma forma presumida. Ele se
diferencia, então, do auditório particular, por não depender de especificidades até
mesmo ideológicas, que em última instancia poderiam levar o discurso a conter
proposições que nem mesmo o orador seria favorável, mas que seriam usadas pelo
efeito persuasivo local, como era, e por vezes ainda é, o caso da sofística. Por outro
lado, pode ocorrer como quando um auditório particular é legitimado como
encarnação do auditório universal, por exemplo, o auditório de elite, quando nele é
reconhecido o papel de vanguarda e de modelo2, embora ele tenha seu alcance
266
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

sempre limitado, já que seu mero papel particular permanecerá assim avaliado por
um remanescente.
A heterogeneidade do auditório não difere, se levada às últimas
conseqüências, da heterogeneidade existente em cada ser, que é passível de
mudanças, dialeticamente falando, e contém um grande número de pressupostos e
paradoxos interiores. Desse modo, o estabelecimento de um estatuto do auditório
favorece o processo de construção do discurso, pois traça um plano definido de
negociação de seus significados, diferente do racionalismo, que conferiu toda a
autoridade para o espírito abstrato desse auditório.
Em uma realidade do saber que lida com colapsos da visão racionalista
de mundo, a retórica volta a ser relevante como ferramenta (organon [ὄργανον]) que
opera além das relações lógicas, que é o estado em que ainda jaz muito da
discussão sobre significação musical. Nesse estado prévio, tal discussão teria
resultados generalizantes ilegítimos, que apenas tautologizariam uma intuição
particular3. Sendo assim, não se pretende estabelecer a ideia de um discurso
totalizante, que se dirija ao “espírito divino”, mas a compreensão da imagem que
cada orador (compositor, intérprete) faz de seu auditório universal, baseado em seu
conhecimento prévio, e resultando no fechamento da tríade orador – discurso –
auditório. O discurso tem seu sentido em função de seu auditório e mesmo o
auditório, assume essa condição em função das presunções do orador, sendo essa
cadeia contínua e dinâmica.

Exemplo 1: O triângulo retórico

A retro-alimentação dos papéis ocorre quando, por exemplo, um orador se


dissocia radicalmente de uma ordem estabelecida, formando, ao seu ver, toda a
velha ordem um único auditório, mesmo que dentro de uma realidade multi-facetada,
aspecto característico ao discurso revolucionário. A relação do orador com o
auditório pode explicar certas propriedades da música quando vista sob esse foco,
pois para Perelman:
“O grande orador, aquele que tem ascendência sobre outrem, parece
animado pelo próprio espírito de seu auditório. Esse não é o caso do
homem apaixonado que só se preocupa com o ele mesmo sente [ou pensa].
Se bem que este último possa exercer certa influência sobre as pessoas
sugestionáveis (...) O que parece explicar esse ponto de vista é que o
homem apaixonado, enquanto argumenta, o faz sem levar suficientemente
em conta o auditório a que se dirige: empolgado por seu entusiasmo,
imagina o auditório sensível aos mesmos argumentos que persuadiram a
ele próprio (...)” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 27)

A impossibilidade de se conhecer o real não impede a busca pelo


significado mais imediato, aquele que é dado a partir da projeção feita pelo orador.
Nesse caso a adesão a esse discurso com maior intensidade só comprovaria a
importância do bom conhecimento do auditório.
No contexto atual, essa relação possui uma linha muito tênue com o
mercadológico e pode facilmente ser lida como uma concessão que poucos estariam
dispostos a fazer. Todavia, o elemento básico do discurso, que é a intenção de se
alterar algo no auditório, traz consigo a necessidade do conflito, esclarecendo o
267
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

porquê da retórica ser companheira da democracia e não da demagogia, como é a


sofistica ou, pelo contrário, a erística.

4. O auditório para Berio

Ao se transpor essa discussão de modo mais cercado ao objeto musical,


devem ser pontuados alguns fatores que poderiam ser colocados como obstáculos
para que tal discussão se desenvolvesse. Quando se fala em música como discurso,
não é necessário adotar o pressuposto de que esse discurso estabeleça a mesma
relação de significâncias que o discurso verbal o faria. Essa é uma questão que
sequer existira na retórica clássica, pois antes mesmo de sua sistematização por
Aristóteles, ela era amplamente empregada na arte grega, dentro de padrões de
ornamentação e figuração, questão essa que se une a outras evidencias de sua
origem multidisciplinar, não circunscrita ao discurso verbal4. Mesmo a retórica
musical é muito mais que um sistema de representação figurativa, como ela é
conhecida hoje por alguns que só esse aspecto dela aprenderam na música
renascentista e barroca, sendo ela de fato um sistema que abrange desde a
concepção até a emissão da música.
Desse modo, fica claro que a discussão sobre a audiência da música não
objetiva descrever o modo o qual necessariamente o discurso musical será recebido,
mas auxiliará no conhecimento da entidade receptora, possibilitando a compreensão
do que possivelmente será efetuado pelo meio expressivo.
Essa visão auxilia na compreensão do que Luciano Berio efetivamente
nos diz quando define que seu trabalho na dimensão morfológica do som manipula a
imagem que ele próprio tem de determinada fonte sonora5. O orador parte de seu
conhecimento acerca de seus próprios pressupostos quando necessita encarar um
auditório não especificado para seu discurso. Sendo assim, o universal ao qual a
obra se dirige necessita que sejam conhecidas primeiramente as premissas
receptoras, antes mesmo das criadoras, daquele que a produz.
Ainda em uma música que não prima pelo auditório, o processo retórico
permanece mais ou menos eficaz, pois mesmo a deliberação consigo próprio
demanda uma espécie particular de argumentação. Mas esse não é o caso aqui.
Luciano Berio é bem específico quanto a algumas proposições acerca da
audiência. Inicialmente, esse aspecto fica claro quando identificado seu papel na
concepção do material musical. Apesar de sua formação e produção serial, ele não
se atém ao procedimento e busca interferir, modificar o próprio ato da escuta à sua
música, nesse caso, a saber, de suas Sequenze, cujo propósito é “desenvolver
melodicamente um discurso essencialmente harmônico e sugerir, especialmente (...)
uma audição do tipo polifônico.” (BERIO, 1988, p. 84, grifo nosso). É o caso do
trecho a seguir, na Sequenza XIV, onde uma linha melódica aparentemente
monódica e modal, na verdade contém através de elaborações nos planos
dinâmicos e morfológicos uma potencialidade de escuta polifônica.

Exemplo 2: BERIO, 2002, p. 2, linha 1.

O valor da tradição para Berio é inestimável, pois ele parte dela, não
como entidade histórica, mas como elemento de comunhão com o auditório. Como
foi dito, ele parte dela, não se limitando, mas superando-a e muito, adquirindo,
contudo, um vínculo comunicativo dentro do discurso, realizando a tarefa de
transformar objetos simbólicos e conceituais em objetos passíveis de serem
sentidos. A música, então, não comunica por si só, mas cria a possibilidade de se
comunicar no espaço criado. Como fora afirmado em outro trabalho “música é um
268
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

espaço de escuta virtual esperando para ser atualizado, mesmo quando ninguém
não quer ouvi-la” (FERRAZ, 2001, p. 6)
Assim, a obra de Berio é condicionada para ser aberta ao público
permitindo “que o ouvinte ‘escolha’ e eleja ‘seus’ elementos formais” (BERIO, 1983,
p. 19), proporcionando uma escuta ativa ao auditório, incluindo-o no processo
discursivo, como é definido no esquema retórico. Ele faz uso de figurações que
consigam alterar a expectativa do público, trazendo figuras rítmicas de danças do Sri
Lanka e construindo um gesto no violoncelo que não corresponde a nada antes
escrito no repertório do instrumento, ao mesmo tempo em que, no exemplo anterior,
constrói uma linha bastante próxima à linguagem tradicional.

Exemplo 3: BERIO, 2002, p. 1, linha 1.

Berio afirma sua posição frente ao que foi acima exposto, sobre a tensão
entre o refletir sobre a audiência e se render incondicionalmente a ela:
“Hoje, o ouvinte tem uma tendência a fazer uso de toda a música passada
como se ela fosse um bem de consumo. Isso faz sentido, porque, para o
ouvinte, o passado é a mais disponível fonte de conhecimento musical,
embora essa tendência freqüentemente carregue sinais de uma frustração
ideológica inconsciente, pois está enraizada não em um código de valores
musicais plausíveis, mas na forma como nós somos condicionados pelo
mercado.” (BERIO, 2006, p. 61)

5. O auditório para Scelsi

Indo para o outro extremo da discussão, é possível explorar agora os


pensamentos do também italiano Giacinto Scelsi e verificar de que modo as
mudanças de concepção sobre o assunto se revertem no material musical, já que
“poder-se-ia (...) caracterizar cada orador pela imagem que ele próprio forma do
auditório universal” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p 37).
Primeiramente, é preciso notar o modo assertivo com que Scelsi intenta
fazer uma música que não dependa da meta-linguagem. Para tal feito, ele parte de
seus conhecimentos em psicologia e trabalha o som a partir dos quatro elementos
fundamentais que o homem seria capaz de perceber no som: o ritmo, a melodia, a
construção e a arquitetura e harmonia, elementos que dialogariam com as
capacidades humanas, respectivamente, da ritmicidade, da afetividade, da
intelectualidade e do psíquico.
A partir do tríptico retórico, fica claro que, por mais ensimesmado que seja
o trabalho discursivo, como no caso de Scelsi, de quem a música nasce do “centro
do som”, tem-se como plano de fundo certos pressupostos a respeito da
receptividade desses materiais e suas combinações. As definições dos elementos
acima mencionados são bem específicas, provando que Scelsi tinha uma clara
imagem da audiência e de fato espera que o detalhamento de ataques, articulações
e timbres tenham impacto público, como no caso a seguir:
269
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Exemplo 4: SCELSI, 1986, p. 1, linha 1.

A expectativa de um discurso compreendido universalmente, no sentido


global do termo é, além de totalitária, injusta, pois delega os esforços significadores
a uma propriedade possivelmente unívoca do discurso. Mesmo para Scelsi, a busca
pelo Oriente lhe agregou profundamente, mas ele reconhece que sua produção só
poderia se dar em uma perspectiva européia. Ainda que por razões religiosas, o
ímpeto de Scelsi ao criar é a crença de que sua música pode alterar algo no
ouvinte6.

6. Considerações finais

Tanto a Sequenza quanto Maknongan possuem temáticas conectadas ao


oriente, evidenciando a busca por elementos estranhos a seu público. Entretanto fica
claro que o nível de percepção e compreensão esperado por cada um deles influi na
distinção do resultado sonoro entre ambas. Assim, entender o conceito de auditório
que o compositor possui é uma informação fundamental para o estudo do texto
musical.
A ênfase no Auditório, contribuição de Perelman para o estudo da retórica,
permite a aplicação dessa leitura na interpretação de todo e qualquer discurso, o
que, na verdade, acaba esclarecendo a qual regime de signos determinada obra
pertence, como defendido por Deleuze e Guattari (1997).
A correspondência entre a imagem que compositor tem do auditório e a
realidade, através dos recursos cognitivos, sociais, ou outros, influirá no nível de
adesão latente ao discurso e poderá denotar sua efetividade quando emitido ou, no
nosso caso, executado, fenômeno esse que será discutido em trabalho posterior. A
adoção de tal concepção de auditório se torna, assim, possível no estudo da música,
sem que haja dano ao entendimento do que é o discurso musical contemporâneo.

Referências:

ALVES, Marco Antônio Sousa. Balanço crítico da noção de auditório universal de


Chaïm Perelman. Revista Páginas de Filosofia, v. 1, p. 61 – 78, 2009.

ARISTÓTELES. Retórica. 2a ed. Revista. Lisboa: Imprensa Nacional, 2005. 318p.

BERIO, Luciano. Remembering the future. Cambridge: Harvard University Press:


2006.

_____________. Entrevista sobre a música contemporânea. Entrevista realizada por


Rossana Dalmonte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.

_____________. Contrechamps. Vol. 10. Paris: L’Age D’Homme, 1983

_____________. Sequenza XIV: per violoncello. Viena: Universal Edition, 2002.


270
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Felix. Mil platôs. Tradução de Suely Rolnik. Volumes
1-4. São Paulo: Ed. 34, 1997.

FERRAZ, Silvio. Music and communication: does music want to communicate at all?
In. MikroPolyphonie. Australia, v. 7, p. 1, 2001.

KOSSOVITCH, Léon. Estética: figurações ocidentais e orientais. São Paulo:


FFLCH/USP, 17 de maio de 2013. Anotações de aula.

MOSCA, Lineide Salvador. Velhas e novas retóricas: convergências e


desdobramentos. In: Retórica de ontem e hoje. São Paulo: Editora Humanitás, 2001.

PERELMAN, Chaïm, OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a


nova retórica. Tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.

PERELMAN, Chaïm. Retóricas. Tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São


Paulo: Martins Fontes, 1997.

SCELSI, Giacinto. Les anges sont ailleurs.... Edição de Sharon Kanach. Paris: Actes
Sud, 2006.

______________. Maknongan : pour un instrument grave ou voix de basse. Paris :


Éditions Salabert, 1986.

SOLOMOS, Makis. De la musique au son: L'émergence du son dans la musique des


XIXe-XXIe siècles. Paris: PU Rennes, 2013.

1
ARISTÓTELES, 2005, p. 104.
2
PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 38.
3
PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 37.
4
KOSSOVITCH, 2013.
5
BERIO, 1988, p. 86.
6
SCELSI, 2006, p. 151.
271
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

A canção pop/rock na sala de aula


Um estudo de caso: problemáticas e propostas
MODALIDADE: Teoria e Análise Musical

Jorge A. Falcón
PUCPR – jorge.falcon@pucpr.br

Jetson de Souza
PUCPR - jetsonsouza15@hotmail.com

Resumo: Este paper descreve o processo utilizado para o reconhecimento de estruturas


rítmicas, melódicas, tímbrísticas e acentuais como ferramenta para desenvolver critérios para
o reconhecimento e transcrição de peças musicais. O recorte do repertório escolhido foi feito
a partir da ementa da matéria que indicava o trabalho de estruturas musicais a partir dos
modos maior e menor (o maior foi usado neste caso). A partir disso sugerem-se formas de
inter-relação entre diferentes dimensões sonoras para a compreensão do fenômeno musical
como um todo
Palavras-chave: percepção musical, canção pop/rock, análise musical.

The pop/rock song in the classroom. A case: problems and proposals

Abstract: This paper describes the process used for the recognition of rhythmic, melodic,
timbral and accentual structures as a tool for developing criterias for the recognition and
transcription of musical pieces. The framework was selected by the menu of the discipline,
indicating the work of musical structures in major and minor modes (major scale was used in
this case). From this we suggest ways of inter-relationship between different sound
dimensions for understanding the musical phenomenon as a whole.
Keywords: musical perception, pop/rock song, musical analysis.

Introdução e problemática :
Às vezes os desafios na educação musical aparecem nos lugares menos
esperados. Nesta caso, um de nos (Falcón) deparou-se, como professor, com a
tarefa de dar sentido á ideia de percepção musical dentro da disciplina Treinamento
Perceptivo, na grade curricular do PPC da PUCPR. Havendo os alunos trabalhado
anteriormente com um outro professor, à minha função cabia integrar as práticas das
habilidades paramétricas que haviam sido desenvolvidas na turma, objetivando uma
compreensão multidirecional e multifuncional da música. Ao fazer uma avaliação do
estado do treinamento auditivo da turma foi observado que:
• Alguns exercícios atendiam necessidades específicas, como leitura e ditados
rítmicos não estavam relacionados a estruturas musicais ou a contextos
musicais reais, sendo apenas exercícios abstratos e distantes da realidade
musical dos alunos
• A literatura é desatualizada, ou quase “ginástica”. A literatura disponível na
nossa língua é exígua e antiga, enquanto boa parte da literatura que
analisamos da área de outras línguas (basicamente inglês) é pouco
integralizadora parecendo exercícios técnicos ginásticos e unidimensionais.
• Falta da compreensão da música desde um ponto de vista amplo ou
integrador.
272
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

• Falta de prática de escrita, ou do conceito de como escrever em função do


objeto de estudo.
Justificativa do recorte e da metodologia:
Para este trabalho foi necessário fazer um recorte que estava imposto
pela ementa da disciplina: trabalhar com o sistema tonal, devido á altura do processo
de formação dos alunos (correspondente ao segundo ano da carreira). Para poder
ter uma organização que inclua a percepção musical desde o modo mais prático
possível, decidimos nos orientar por Levitin (2007) que sugere que há parâmetros ou
dimensões que podem ser percebidos com mais facilidade que outros, alguns deles,
como contornos, alturas e ritmos são estudados aqui. A Dissertação de Mestrado de
um de nos (Falcón, 2011) desenvolve uma leitura da superfície musical a partir do
autor antes citado para tentar tirar proveito de regularidades, homo/heterogeneidade
de materiais, além do reconhecimento de padrões e estudo dos diferentes planos
sonoros de uma obra musical, com o objetivo de criar, desenvolver e aplicar novos
critérios ou ferramentas para manipular informações que podem fazer parte de
peças/obras musicais que modelos analíticos convencionais não conseguem
abordar. As práticas desenvolvidas neste trabalho foram:
Reconhecimento de timbres, planos sonoros ou correntes
1
auditivas . O reconhecimento dos planos sonoros dentro de um trecho
musical e suas relações nos faz compreender a textura, e a maneira de como ela se
comporta no tempo pode nos dar chaves para a compreensão da forma musical.
Reconhecimento de ritmos.
Dentro da dimensão do ritmos analisaram-se:
• Percepção de estruturas métricas subjacentes (compasso).
• Estudo e análise de frases rítmicas (propositalmente excluídas da
grade métrica e posteriormente inserida nela)
Reconhecimento de alturas.
O reconhecimento de alturas está composto de que há uma série de
processos para alcançar os objetivos:
• Estudo do perfil melódico e do arco de frase,
• Reconhecimento das relaciones funcionais tonais – graus da escala,
melodicamente falando (próprias do recorte do sistema tonal obrigatório
imposto pela ementa da disciplina)
• Reconhecimento de acordes (tríades e tétrades), individualmente e dentro do
contexto tonal em que são apresentados (campos harmônicos e funções
tonais), Por último, se fez um processo de junção dos processos, mais o:
Reconhecimento acentual: a partir do trabalho de Lerdahl e Jackendoff
(1983) faz-se uma análise acentual que relaciona vários parâmetros ou critérios.
273
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Finalmente relacionou-se todos os parâmetros estudados e se situou o


objeto estudado dentro de uma grade geral contendo todos os instrumentos. Desta
maneira passou-se a fazer o reconhecimento de parâmetros, com a intenção de
estabelecer os vínculos materiais-funcionais, isolando algumas dimensões para
poder trabalhar nelas com mais precisão. Segundo Miller e Anderson (em Falcón,
2011), há limites para o processamento de quantidade de informação e de
processamento simultâneo de eventos, o que nos obriga a isolar parâmetros para
poder integrá-los posteriormente, fazendo da reconstrução o objeto de nossa
compreensão integral do fenômeno sonoro.
De que maneira interagem (ou não) planos sonoros próximos entre sim
como bumbo e baixo, quais as relações melódico - harmônicas? Qual a relação da
rítmica dos instrumentos? Qual a importância dos acentos no total do discurso?
Como podemos trabalhar o controle (ou o não controle) sobre os materiais em
função da necessidade composicional, de arranjos, mixagem ou qualquer das
situações do fazer musical.
O trabalho foi realizado sobre a música Who’ll stop the rain do grupo
Creedence Clearwater Revival, básicamente na primeira frase da primeira estrofe,
que para este caso mostrou-se adequada por atender todas as características
necessárias do trabalho. Porém, este trabalho é apenas uma forma de gerar
metodologias que atendam outros gêneros e estilos, sempre que tenhamos
capacidade de dominar os elementos estruturais, gramaticais e simbólicos do objeto
de estudo escolhido.

O processo
Níveis rítmicos – grade métrica
O primeiro passo foi o reconhecimento de infraestruturas, ou neste caso
específico algum tipo de grade métrica que organize a distribuição dos eventos
sonoros no tempo, para todos os instrumentos. Em um trabalho anterior de um de
nos (Falcón e Nicknich, 2013) estudaram-se os níveis rítmicos a partir de matrizes
binárias e ternárias. Desta maneira, uma matriz binária (absoluta, por ser totalmente
binária) representa-se assim:
274
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Exemplo 1 Matriz binária absoluta

Nesta configuração métrica todos os níveis (de Ni-2 – semicolcheias a Ni2


semibreve) cada unidade é subdividida em dois. O nível 0 (Ni-2) correspondendo ao
pulso, podemos então subir ou descer níveis, tendo assim, um nível acima, um outro
pulso que corresponde ao dobro da “distância temporal” do pulso Ni0, e um nível
acima ainda, um pulso Ni2 correspondendo a quatro vezes o valor do pulso regular
Ni0. A mesma lógica de deslocamento do pulso pode ser feita a níveis inferiores,
como mostra a figura 1. Toma-se como nível 0 (Ni0, o nível do pulso) como
referência porque o pulso rege nossa dança, serve para contabilizar “distâncias
temporais”, unifica ou separa movimentos entre executantes e é a base do sistema
de aprendizado musical de base ocidental. É a unidade temporal musical mais fácil
de “gerenciar”. Tendo reconhecido o compasso da música como um 4/4 regular,
homogêneo e contínuo, com velocidade média/alta e bastante estável, observamos
que entre 01:16 e 01:24 minutos encontramos uma configuração rítmica que é um
Cross-rhythm2 do tipo 3-3-2, que é o único momento em que pode-se alterar a
percepção estável do 4/4.
Ritmos
A percepção do ritmo está diretamente relacionada com a percepção temporal
de eventos. Uma definição mais específica sobre ritmo (em singular) poderia ser,
agrupações ou padrões de eventos sonoros que podem relacionados por algum
sistema de mensuração ou medida, ou por algum tipo de relação perceptiva-
275
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

sensível. No nosso sistema musical podemos observar que os ritmos estão


basicamente estruturados a partir de som – pausa, e no caso do som em curtos e
longos.

som pausa

curto longo

Para identificar o momento em que percebemos um novo ataque (e é a


relação entre os ataques que produzirá a sensação de ritmo) utilizar-se-á o tipo de
escrita que parte da Unidade Mínima de Divisão da Rítmica (UMDR). No casso da
primeira frase cantada da música sendo, cada quadradinho uma colcheia (Ni-1)
seria:
. . . . . .

Long as I re mem ber

Exemplo 2 Representação rítmica a partir do UMDR

O próximo passo será colocar os valores rítmicos de cada nota de


maneira absoluta (Ex. 3, sem grade métrica) e na grade correspondente à música
(Ex. 4, em 4/4):

Exemplo 3 Representação rítmica tradicional absoluta (sem grade rítmica)

Exemplo 4 Representação rítmica tradicional adaptado ao compasso de 4/4

Alturas:
Para o trabalho de reconhecimento e posterior escrita das alturas, os
alunos já tinham habilidades para o reconhecimento dos graus da escala maior (1 a
7) e a construção de acordes dentro dos modelos da harmonia funcional tradicional.
Para evitar a complexidade desnecessária (devido aos limites do cérebro segundo
observado acima), procedemos a simplificar os primeiros passos e ir acrescentando
276
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

informações progressivamente. O primeiro passo foi o reconhecimento dos


contornos melódicos da primeira frase da voz.

Exemplo 5 Representação do contorno melódico da primeira frase cantada

O próximo passo é reconhecer os graus da escala da melodia, sem


atentar aos ritmos, mas reconhecendo as estruturas fraseológicas, marcadas com
uma ligadura.

Si Ré Ré Ré Ré Si

Exemplo 6 reconhecimento das notas (como graus da escala –em números- de Sol, neste caso)

O terceiro passo foi juntar o resultado da parte rítmica com a parte das
alturas.

Exemplo 7 A melodia, com ritmo já na grade e contornos melódicos

Por último analisamos os acordes que “sustentam e fazem de base ou


sustento harmônico, como o fundo faz numa pintura do período realista, dando
marco mas interagindo com a figura principal.

Exemplo 8 A melodia e sua relação com os acordes usados


277
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Acorde base (baixo e guitarra): Sol Maior, ou sol-si-ré. Percebe-se a


correspondência entre as notas da melodia e os acordes (em realidade, nem sempre
é tão claro...)
Acentos
Como última parte do processo vamos a considerar um fenômeno
relativamente descuidado no processo de percepção tradicional que é a percepção
acentual. Os acentos são de vital importância na música, toda vez que nosso
sistema é hierárquico em muitos aspectos. Nem todos os eventos dentro de um
contexto musical tem igual hierarquia ou importância perceptiva. Segundo Lerdahl e
Jackendoff (1987, p.17) há três tipos de acentos: (1) métrico: depende dos acentos
próprios da grade métrica, (2) estrutural: depende das funções e graus da escala,
por exemplo a tônica tem tendência a se acentuada por ser o eixo “atrativo” dos
outros graus ou funções, e (3) fenomenológico, no qual algum fator como
intensidade, duração, mudança de timbre ou articulação, entre outros, permitem
reconhecer auditivamente um som como mais intensos ou acentuados. Aplicado a
um trecho musica como a primeira frase cantada da primeira estrofe, teríamos uma
leitura acentual assim
ac. fenomenológico (por duração neste caso)
ac. estrutural
ac. métrico

resultado: Tempo mais acentuado

Exemplo 9 aplicação dos modelos de acentuação segundo Lerdahl e Jacendoff

Assim, conseguimos fazer um mapa de acentos, que nos permitirá inserir


nosso objeto analisado dentro da grade final. Sendo o primeiro evento acentuado por
dois motivos, o acento métrico e o fenomenológico (notas longas são mais
acentuadas que notas curtas) nos permite entender qual a relação da frase com a
estrutura métrica de 4/4, completando o ciclo de interpretação de fenômenos.3
Conclusão
278
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È possível resumir a modo de conclusão o processo realizado: descobrimos


os ritmos, reconhecemos as alturas e os acentos e consideramos a interelação dos
resultados. A compreensão de cada parâmetro individual não fornece elementos
para a compreensão do total da obra, porém, o cruzamento das informações faz
mais fácil tanto a compreensão, quanto a transcrição. A base rítmica da bateria se
funde facilmente com os ritmos de baixo e violão (as semelhanças são enormes),
baixo e violão se alinham pelo uso das mesmas harmonias. A notas da melodia se
alinham com os acordes. O ritmo e os acentos de cada plano sonoro se encaixam
dentro da grade métrica que serve como infraestrutura. Múltiplas interrelaçãoes
podem se construir a partir desta visão integradora para a prática da percepção
musical. A parte mais significativa ainda vem quando ao avançar no processo
começamos a trabalhar com estruturas maiores na procura de relações que possam
ajudar a estabelecer uma forma, que, dito seja de passo, nesta música é muito
simples. O seguinte gráfico de fluxo mostra o resumo do processo com todas suas
possíveis conexões

Exemplo 10 Gráfico de fluxo que representa as inter-relações entre os parâmetros estudados


Este trabalho, curto e relativamente reduzido e simplificado, não pretende
mostrar como deve ser feito o trabalho de análise e percepção musical, apenas
pretende delinear um caminho possível frente a uma problemática específica,
propondo alguns olhares particulares, e que por sua vez possa gerar
279
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

desdobramentos ou melhoramentos que nos permitam a cada dia aprender,


entender e fazer melhor música.

Referências:

BREGMAN, Albert. Auditory scene analysis. London: The MIT Press, 1999.

FALCÓN, Jorge A. “Aplicação das leis da Gestalt para a detecção de padrões


rítmico-melódicos na música Kashmir de Led Zeppelin e seu uso como ferramenta
analítica”, 2010. Revista eletrônica de musicologia, Volume XIII. Janeiro. Disponível
em http://www.rem.ufpr.br/_REM/REMv13/04/gestalt_led_zeppelin.htm. Acesso em:
10 de outubro de 2013.

FALCÓN, Jorge A. Quatro Critérios Para a Análise Musical Baseada na Percepção


Auditiva. 2011. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
177 p. Disponível em
http://www.academia.edu/599464/QUATRO_CRITERIOS_PARA_A_ANALISE_MUSI
CAL_BASEADA_NA_PERCEPCAO_AUDITIVA Acesso em: 10 de outubro de 2013.

FALCÓN, Jorge A. e NICKNICH, Fernando. “O DNA do rock: um estudo sobre cross


rhytmhs Dissonâncias métricas no rock”. Anais do 1ro. Congresso Internacional de
estudos sobre rock . Disponível em
http://www.academia.edu/4611679/O_DNA_do_rock_um_estudo_sobre_cross_rhytm
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LADZEKPO C. K.. Rhythmic principles. Disponível em


https://home.comcast.net/~dzinyaladzekpo/Foundation.html. Acesso: 18 de Agosto
de 2013

LERDAHL Fred, e JACKENDOFF Ray. A generative theory of tonal music.


Cambridge: The MIT Press, 1983.

MONFORT, Mattew. Ancient traditions – future possibilities.Rhytmic training trougth


the traditions of Africa, Bali and India. California, Panoramic Press, 1985.

PEREZ FERNANDEZ, Raul A. La binarización de los ritmos ternarios africanos en


América latina. La Habana, Ediciones Casa de las Américas, 1987.

Discografia:

FOGERTY, John. in Creedence Clearwater Revival, Cosmo’s Factory, Who’ll stop


the rain. Columbia, 1970
1
2
Para mais informações ver Bregman, 1999, e Falcón, 2011
Para uma definição prática de cross-rhythm, poderíamos dizer que é a sobreposição de eventos
sonoros que representam algum tipo de estrutura acentual contrastante, durante um período
determinado de tempo. Ver (Falcón e Nicknich, 2013) para mais informações sobre Cross-rhythms,
Monfort (1985) para uma compreensão técnica do fenômeno, Lazkdepo (sem data), para uma
280
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

compreensão emic do fenômeno, e Pérez Fernández (1987) para uma compreensão do sincretismo
rítmico
3
em América Latina.
Embora não seja o escopo deste e trabalho, é bom salientar que os acentos próprios da língua do
texto “Long as I remember...” ajudam também como quarto elemento acentual, porém, é impossível
aplicar uma regra, toda vez que a liberdade criativa do compositor pode propositalmente desvirtuar a
relação acentos musicais – acentos linguísticos.
281
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

O Estado da Arte na pesquisa sobre a obra para violoncelo da


compositora Kaija Saariaho: resultados iniciais

MODALIDADE: Teoria e Análise Musical

Camila Durães Zerbinatti


UDESC – camiladuze@gmail.com

Guilherme Antônio Sauerbronn de Barros


UDESC – guisauer@gmail.com

Resumo: Este artigo apresenta os resultados iniciais da investigação sobre o Estado da Arte
na Pesquisa sobre a obra para violoncelo de Kaija Saariaho e integra pesquisa de mestrado
em curso sobre a obra Sept Papillons, para violoncelo, de Saariaho. Os referenciais teórico-
metodológicos são FERREIRA (2002), KERR & CARVALHO (2005) e ARROYO & JANZEN
(2007). Verificou-se a predominância de abordagens que dialogam com, ou, partem de:
técnicas espectrais, processos da música eletroacústica e a área de música e tecnologia.

Palavras-chave: Kaija Saariaho. Violoncelo. Estado da Arte. Música e Tecnologia.

The State of Art in the research on Kaija Saariaho´s cello compositions: initial results

Abstract: This paper presents the initial results of the research on the State of Art in the
research on Kaija Saariaho´s cello compositions and integrates an ongoing masters research
on Saariaho´s cello piece Sept Papillons. The theoretical and methodological frameworks
used are FERREIRA (2002), KERR & CARVALHO (2005) and ARROYO & JANZEN (2007).
We verified the predominance of approaches that dialogue with, or depart from: spectral
techniques, processes of electroacoustic music and the music technology area.

Keywords: Kaija Saariaho. Cello. State of the Art. Music and Technology.

1. Introdução

A obra da compositora Kaija Saariaho para violoncelo é relevante para o


repertório do instrumento, pelas inovações técnicas e expressivas exploradas, e,
pela quantidade de peças escritas até o momento (23 obras no total, sendo 6 para
violoncelo solo, 4 peças concertantes e 13 obras camerísticas). (MOISALA: 2009)
Apesar disso, há raros exemplos de produção acadêmica que ofereçam críticas e
contribuições a respeito da obra violoncelística de Saariaho, e, há falta de estudos
que listem e analisem essa produção de conhecimento. Para o musicólogo Tim
Howell “Qualquer ideia de ‘Estudos sobre Saariaho’ está apenas em sua infância
dada à falta de experts bem estabelecidos nesta área (...).” 1 (HOWELL, 2011)
O presente artigo apresenta os resultados iniciais da investigação sobre o
Estado da Arte na pesquisa sobre a obra para violoncelo de Kaija Saariaho e integra
a pesquisa de mestrado em música Sept Papillons, de Kaija Saariaho: Proposta
de análise musical e contribuições para a compreensão e interpretação, em
andamento. A pesquisa pretende analisar a peça Sept Papillons (2000), para
violoncelo solo, da compositora finlandesa Kaija Saariaho (1952), bem como levantar
282
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materiais, procedimentos composicionais, técnicas expandidas utilizados na obra e


elementos de contextualização histórica, social e filosófica da obra.
A pesquisa de estado da arte se justifica por “indicar os temas mais
abordados (...) conhecer as diferentes perspectivas, abordagens e metodologias
empregadas. Em suma, visam à elaboração de uma revisão crítica da produção de
uma determinada área.” (KERR & CARVALHO, 2005) Oferecem neste caso
subsídios, contribuições e aspectos norteadores à pesquisa de mestrado
supracitada, e, esclarecimentos sobre o panorama de pesquisa sobre a compositora
Kaija Saariaho. Consideramos os resultados encontrados até aqui ‘resultados
inicias’, sem caráter conclusivo, pois a presente revisão de literatura se estenderá
até fevereiro de 2015.

2. Referenciais Teórico-Metodológicos

Os referenciais teórico-metodológicos desta pesquisa foram Ferreira


(2002), Kerr & Carvalho (2005) e Arroyo & Janzen (2007). Catálogos produzidos na
academia (resumos, títulos e palavras-chave) foram tomados “como fontes básicas
de referência para realizar o levantamento de dados e suas análises (...)”, pois
“permitem o rastreamento do já construído, orientam o leitor na pesquisa
bibliográfica de produção de uma certa área [de conhecimento].” (FERREIRA, 2002)
A metodologia compreendeu dois momentos que, de acordo com Ferreira,
o pesquisador do “estado da arte” enfrenta ao lidar com os catálogos bibliográficos.
O primeiro momento empreendeu busca, coleta, e listagem descritiva de textos
acadêmicos a respeito da obra de Saariaho, com ênfase no repertório violoncelístico.
Para a localização de material consultamos o portal da Capes (Bancos de Teses e
Dissertações, busca por assunto, busca por periódicos, busca por livro). A procura
se restringiu à produção de conhecimento em línguas portuguesa, inglesa e
francesa. As palavras-chave utilizadas na busca foram Kaija Saariaho, violoncelo,
violoncelle e cello. O objeto desta investigação foi delimitado à produção acadêmica
sobre a obra de Kaija Saariaho compreendida por artigos científicos, periódicos e
livros, dissertações e teses. O período no qual a produção acadêmica aparece nos
levantamentos realizados configurou o recorte temporal – 1983 a 2013.
O segundo momento da pesquisa buscou oferecer contribuições através
de reflexões críticas e interpretativas sobre os aspectos e dimensões valorizados na
produção de conhecimento descrita, analisando “tendências, ênfases, escolhas
metodológicas e teóricas, aproximando ou diferenciando trabalhos entre si”
(FERREIRA, 2002). Baseamos-nos no modelo de mapeamento oferecido por Arroyo
& Janzen, 2007.
283
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

3. Resultados Iniciais

Entre abril e novembro de 2013 foram localizados 49 trabalhos


relacionados à temática “Kaija Saariaho”, entre artigos científicos e resenhas sobre
livros acadêmicos. Destes trabalhos, 24 apenas citam a compositora, suas obras ou
algum de seus próprios artigos, por no máximo 2 vezes, sem apresentar as palavras
descritoras no título, resumo ou entre as palavras-chave. Outros 05 textos são
resenhas sobre um dos livros acadêmicos escritos sobre Saariaho. Entre os 05
trabalhos que apresentam apenas uma palavra descritora nos catálogos (02 teses
de doutorado citam o nome de Saariaho no resumo, 03 examinam processos de
música eletroacústica e com eletrônicos, citando algumas obras de Saariaho,
nenhuma delas escrita para violoncelo - Io, Lichtbogen e Maa). Estes 34 textos não
serão considerados no mapeamento por se relacionarem sem a profundidade e
especificidade necessárias à pesquisa em andamento.
Do montante total, 15 textos apresentaram as palavras Kaija Saariaho no
título, resumo ou palavras-chave, e focalizam a obra musical e a trajetória da
compositora, sendo que apenas 2 artigos abordam peças para violoncelo. Entre os
15 textos, escritos em língua francesa ou inglesa, 11 são artigos científicos
publicados em periódicos, congressos ou simpósios, 01 é um volume de um
periódico inteiramente dedicado à Saariaho e 03 são livros acadêmicos produzidos a
partir de pesquisas acadêmicas e financiados por fundos de apoio à pesquisa ou por
editoras que se dedicam à publicação de pesquisa acadêmica em música, nos
Estados Unidos, Finlândia, França e Inglaterra. Ainda não tivemos acesso a 02
publicações* que, apesar de serem incluídas na etapa de listagens e análises, não
puderam ser analisadas nos mapeamentos. O Quadro 1 apresenta os textos
divididos entre artigos, periódicos e livros, em ordem cronológica.

Ano Artigos
1983 SAARIAHO, Kaija. Using the computer in a search for new aspects of timbre organization and composition.
Proceedings of the Rochester 1983 International Computer Music Conference. Eastman School of Music.
International Computer Music Association, 1983, p.269-73. San Francisco.
1985 SAARIAHO, Kaija. Shaping a Compositional Network with Computer. Proceedings of the 1984 International
Computer Music Conference. IRCAM, Paris. International Computer Music Association, 1984, p.163-5. San
Francisco.
1987 SAARIAHO, Kaija. Timbre and Harmony: Interpolations of timbral structures. Contemporary Music Review, Vol.
2, Part 1, p. 93-133. Harwood Academic Publishers, Switzerland.
1993 CHABOT, Xavier; SAARIAHO, Kaija; BARRIÈRE, Jean-Baptiste. On the Realization of NoaNoa and Près, Two
Pieces for Solo Instruments and Ircam Signal Processing Workstation. Proceedings of the 1993 International
Computer Music Association. Waseda University, Japan. University of Michigan Library, p. 210-213. Michigan.
2000 POUSSET, Damien. The Works of Kaija Saariaho, Philippe Hurel and Marc-André Dalbavie – Stile
Concertato, Stile Concitato, Stile Rapresentativo. Translated by Joshua Fineberg and Roman Hyancinthe.
Contemporary Music Review, Vol. 19, Part 3, p. 67-110. Harwood Academic Publishers, Switzerland.
2000 KANKAANPÄÄ, Vesa. Displaced time: transcontextual references to time in Kaija Saariaho´s Stilleben.
Organised Sound, Vol. 1, Issue 2, p.87-92. Cambridge University Press. United Kingdom.
2003 SIVUOJA-GUNARATNAM, Anne. Desire and distance in Kaija Saariaho´s Lohn. Organised Sound, Vol. 8, Issue
1, p.71-84. Cambridge University Press. United Kingdom.
2003 RIIKONEN, Taina. Shaken or stirred – virtual reverberation spaces and transformative gender identities in
Kaija Saariaho´s NoaNoa (1992) for flute and electronics. Organised Sound, Vol. 8, Issue 1, p. 109-115.
Cambridge University Press. United Kingdom.
2004 LORIEUX, Grégoire. Une analyse d´Amers de Kaija Saariaho. Revue DÉMéter, revue électronique du Centre
d'Etude des Arts Contemporains de l'Université Lille 3, Novembre 2004, p. 1-34. Villeneuve-d'Ascq, France.
2005 RIIKONEN, Taina. Shared sounds in detached movements: flautist identities inside the ´local-field´spaces.
Organised Sound, Vol. 9, Issue 3, p.223-242. Cambridge University Press. United Kingdom.
284
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

2010 O´CALLAGHAN, James. EIGENFELDT, Arne. Gesture transformation through electronics in the music of
Kaija Saariaho. Proceedings of the Seventh Electroacoustic Music Studies Network Conference, Shangai, 21-24
June 2010, p. 1-24. Shangai.
Periódicos
*2013 MAO-TAKACS, Clement. 2
Kaija Saariaho: l’ombre du songe. Tempus Perfectum - Revue de Musique, Nr. 11, abril
2013. Symétrie, Paris.
Livros
2009 MOISALA, Pirkko. Kaija Saariaho. Women Composers Collection. University of Illinois Press, Urbana and Chicago.
2011 HOWELL, Tim; HARGREAVES, Jon; ROFE, Michael; Ed. Kaija Saariaho: Visions, Narratives, Dialogues.
Ashgate Publishing Limited. Farnham, United Kingdom.
3
*2013 SAARIAHO, Kaija; ROTH, Stéphane. Le passage des frontières. Écrits sur la musique. Musica Falsa, Paris.
Quadro 1: Textos Acadêmicos que focalizam a temática da obra de Kaija Saariaho.

A produção de conhecimento especificamente relacionada à obra de


Saariaho foi intensificada a partir de 2000, correspondendo a 73,32% do total:

Período Número de Trabalhos Porcentagem


Década de 1980 03 20%
Década de 1990 01 6,66%
Década de 2000 07 46,66%
Década de 2010 04 26,66%
Quadro 2: Distribuição quantitativa de produção de conhecimento entre as 4 últimas décadas.

Levando em consideração os locais de atuação dos autores chegamos à


distribuição geográfica da produção de conhecimento sobre a obra musical de Kaija
Saariaho. Observamos a expressiva produção de conhecimento acadêmico sobre a
compositora na França, local de atuação de 07 dos 16 pesquisadores:

País Número de Pesquisadores Porcentagem


Canadá Arne Eigenfeldt 02 12,5%
James O´Callaghan
Finlândia Anne Sivuoja-Gunaratnam 04 25%
Pirkko Moisala
Taina Riikonen
Vesa Kankaapää
França* Clement Mao-Takacs 07 43,75%
Damien Pousset
Grégoire Lorieux
Jean-Baptiste Barrière
4
Kaija Saariaho
Stéphane Roth
Xavier Chabot
Reino Unido Jon Hargreaves 03 18,75%
Michael Rofe
Tim Howell
Quadro 3: Distribuição Geográfica dos pesquisadores da produção de conhecimento listada.

No que se refere à publicação de artigos, que totalizam 11 dos trabalhos


listados, observamos a quantidade proporcionalmente significativa de textos sobre a
obra de Kaija Saariaho publicada por associações e periódicos específicos da área
de estudos em Música e Tecnologia e Música Eletroacústica: 72% do total (em itálico
no Quadro 4). Este é um importante dado para a pesquisa em andamento, por
revelar tendências, direções e abordagens frequentes na pesquisa sobre obras de
Saariaho.

Publicação Número de Trabalhos Porcentagem


Contemporary Music Review 02 18,18%
Electroacoustic Music Studies 01 09,09%
Network
International Computer Music 03 27,27%
Association
5
Organised Sound 04 36,36%
Revue DEMéter 01 09,09%
285
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Quadro 4: Distribuição Quantitativa de Artigos nas Publicações Listadas

De acordo com o foco da pesquisa de mestrado em andamento, os textos


selecionados para mapeamento foram aqueles localizados na sub temática “obra
para violoncelo da compositora Kaija Saariaho”. Para o mapeamento, nos baseamos
no modelo oferecido por ARROYO (2007), adaptado ao presente contexto.

4. Mapeamento

Os únicos artigos que abordam obras de Kaija Saariaho para violoncelo


são os textos de Xavier Chabot, Kaija Saariaho e Jean-Baptiste Barrière (1993), que
aborda a peça Près (1992), para violoncelo e eletrônicos, e, de Grégoire Lourieux
(2004), que analisa a peça Amers (1992), para violoncelo solista, ensemble e
eletrônicos. Nenhum dos dois textos apresenta palavras-chave. A fim de que seja
possível acompanhar o mapeamento, transcrevemos abaixo os títulos e resumos:

“Sobre a realização de NoaNoa e Près, duas peças para instrumentos


solistas e a Estação de Processamento Sonoro do Ircam, por X. Chabot,
K. Saariaho e J-B. Barrière.
Resumo: NoaNoa e Près são duas peças solo, uma para flauta, outra para
violoncelo, compostas durante 1992 por6 Kaija Saariaho com a Estação de
processamento sonoro do Ircam (EPSI , baseada no computador Next), e
com Xavier Chabot, do Departamento de Pedagogia do Ircam, sob a
perspectiva pedagógica de explorar as potencialidades do Max na EPSI, e
especialmente, sua ligação com softwares usados para preparar os dados e
os arquivos. Nas duas peças, a parte para electrônicos amplifica e
desenvolve a estrutura sonora do instrumento solo, exemplifica a estreita
relação entre os materiais sonoros e a estrutura musical, e explora
estratégias em tempo real para o controle sobre várias sínteses [sonoras] e
7
os algoritmos de processamento de sonoro.” (CHABOT et al, 1993)

“Uma análise de Amers de Kaija Saariaho, por Grégoire Lorieux.


Resumo: Amers (1992) >> << concerto para violoncelo, ensemble e
eletrônicos de Kaija Saariaho, retoma princípios espectrais, tão caros à
compositora. Entre eles, o uso de seu gestual ártico, frio, um trinado de
violoncelo vertical sobre o Mi bemol 1, que é a origem da evolução
harmônico- timbrística e formal da peça: os princípios derivados da
notação/escrita dos trinados regem toda a obra, do todo aos seus mínimos
8
detalhes." (LORIEUX, 2004)
Itens do mapeamento Artigos
Autores CHABOT, Xavier; SAARIAHO, Kaija, LORIEUX, Grégoire.
BARRIÉRE, Jean-Baptiste.
Ano de produção 1993 2004
Título Sobre a realização de NoaNoa e Près, duas Uma análise de Amargura de Kaija
peças para instrumentos solistas e a Saariaho
Estação de Processamento Sonoro do Ircam
Área de conhecimento de Musicologia Musicologia
realização da pesquisa
Sub área(s) de Processos Composicionais, Música Análise Musical, Música Espectral e
concentração Eletroacústica e Performance Processos Composicionais
Instituição financiadora da Ircam, Paris l'Université Lille 3, Centre d'Etude des Arts
pesquisa Contemporains
Meio de publicação da Proceedings of the 1993 International Revue DÉMéter, revue électronique du
pesquisa Computer Music Association. Waseda Centre d'Etude des Arts Contemporains de
University, Japan. University of Michigan l'Université Lille 3, Novembre 2004, p. 1-
Library 34. Villeneuve-d'Ascq, France.
País de residência dos França França
pesquisadores
Obras para violoncelo Prés, 1992, para violoncelo e eletrônicos Amers, 1992, para violoncelo, ensemble e
focalizadas eletrônicos
286
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Objetivos Descrever os processos composicionais que Realizar uma análise da obra Amers, com
originaram a peça, em especial a utilização foco nos princípios da técnica espectral
da Estação de Processamento Sonoro do utilizados pela compositora e que serviram
Ircam e as possibilidades de interação entre de material básico para diversos níveis da
meios acústicos (instrumentos solistas) e estrutura musical.
eletrônicos (os processadores e sons
processados pré-gravados ou gerados em
tempo-real)
Problematização Investigar as possibilidades de interação A análise musical pode mostrar que
entre a prática musical e os meios princípios da técnica espectral podem
eletrônicos nos processos composicionais e servir como elementos geradores de uma
durante a performance instrumental. Isto é composição inteira? Caso possa, de que
possível? Até que ponto? Quais são os forma acontece?
resultados deste processo?
Procedimentos Descrição dos processos composicionais e Análise musical e Análise espectral.
Metodológicos de situações de performance e recepção
estética.
Resultados Segundos os autores: “Nas duas peças, a Segundo o autor: “o uso de seu gestual
parte para electrônicos amplifica e ártico, frio, um trinado de violoncelo
desenvolve a estrutura sonora do vertical sobre o Mi bemol 1, que é a
instrumento solo, exemplifica a estreita origem da evolução harmônico- timbrística
relação entre os materiais sonoros e a e formal da peça: os princípios derivados
estrutura musical, e explora estratégias em da notação/escrita dos trinados regem
tempo real para o controle sobre várias toda a obra, do todo aos seus mínimos
sínteses [sonoras] e os algoritmos de detalhes”
processamento de sonoro.”
Quadro 5: Mapeamento dos artigos de Chabot et al (1993) e Lorieux (2004), através dos títulos e
resumos.

5. A guisa de considerações finais

Como afirmado anteriormente, vemos a presente pesquisa como busca e


análise iniciais, diante das quais entramos em contato com características e
tendências gerais da bibliografia que se refere à obra para violoncelo de Kaija
Saariaho, sem caráter conclusivo. Certamente há outras considerações e análises a
serem feitas, assim como outros textos a serem coletados, que porventura não
constaram dos resultados de nossas buscas.
Nesta aproximação foi possível observar: o crescimento significativo da
produção de conhecimento sobre Kaija Saariaho a partir dos anos 2000; a presença
significativa de literatura publicada por e sobre a área de Música Eletroacústica e
Tecnologias; a forte influência das técnicas espectrais nos processos composicionais
de Saariaho, determinante inclusive de procedimentos aplicados à escrita para
violoncelo solo; a indicação de que o contato de Saariaho com a tecnologia não
incentivou apenas composições eletroacústicas e com uso de dispositivos
eletrônicos e a apropriação das técnicas espectrais pela compositora (que em um
primeiro momento se valeram muito dos programas de síntese, processamento e
análise do espectro sonoro), mas, também, interações entre a escrita para meios
eletrônicos e acústicos; a pequena quantidade de pesquisas sobre as obras para
violoncelo de Saariaho em especial para violoncelo solo.
Esperamos que esta primeira investigação possa nortear a continuidade
da revisão de literatura e os respectivos mapeamentos e análises para a pesquisa
de mestrado em andamento. Procuramos também trazer contribuições ao panorama
de pesquisas sobre a obra musical de Kaija Saariaho.
287
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Referências:

ARROYO, Margarete; JANZEN, Thenille Braun. O Estado do Conhecimento do


campo temático juventude, música e escola: Resultados iniciais. In: CONGRESSO
DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA,
XVII, 2007, São Paulo. XVII ANPPOM. São Paulo: Editora da Anppom, 2007, p. 1-
12.

CHABOT, Xavier; SAARIAHO, Kaija; BARRIÈRE, Jean-Baptiste. On the Realization


of NoaNoa and Près, Two Pieces for Solo Instruments and Ircam Signal Processing
Workstation. In: PROCEEDINGS OF THE 1993 INTERNATIONAL COMPUTER
MUSIC ASSOCIATION, 1993, Waseda University, Japan. ICMC Proceedings.
Michigan: University of Michigan Library, 1993, p. 210-213.

FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. As pesquisas denominadas “estado da arte”.


Educação e Sociedade, São Paulo, no. 79, p. 257-272, agosto, 2002.

HOWELL, Tim; HARGREAVES, Jon; ROFE, Michael; Ed. Kaija Saariaho: Visions,
Narratives, Dialogues. Farnham, United Kingdom: Ashgate Publishing Limited, 2011.

KERR, Dorotéa Machado; CARVALHO, Any Raquel. A pesquisa sobre órgão no


Brasil: estado-da-arte. Per Musi, UFMG, Belo Horizonte, MG, Vol.12, p.25-38, 2005.

LORIEUX, Grégoire. Une analyse d´Amers de Kaija Saariaho. Revue DÉMéter,


revue électronique du Centre d'Etude des Arts Contemporains de l'Université Lille 3,
Villeneuve-d'Ascq, France, p. 1-34, Novembre 2004.

MOISALA, Pirkko. Kaija Saariaho. Illinois: Board of Trustees of the University of


Illinois, 2009.
Notas
1
“Any notion of ‘Saariaho studies’ is only in its infancy given a lack of well-established experts in this area
(…).” (HOWELL, 2011)
2
Obra à qual ainda não tivemos acesso.
3
Obra à qual ainda não tivemos acesso.
4
Kaija Saariaho nasceu na Finlândia, mas reside em Paris desde 1982. Considerando que suas pesquisas listadas
nesta investigação foram realizadas por ela na França, financiadas por uma instituição francesa (Ircam), sua
produção em pesquisa foi incluída na lista de pesquisadores da França.
5
Segundo o editorial deste periódico, a Organised Sound é uma revista internacional revisada por pares que
focaliza nos métodos de acelerado desenvolvimento e nas questões que estão surgindo com o uso da tecnologia
na música de hoje.
6
EPSI é a sigla em português para Estação de Processamento Sonoro do Ircam. No texto original em inglês:
ISPW, Ircam Signal Processing Workstation.
7
“On the Realization of NoaNoa and Près, Two Pieces for Solo Instruments and Ircam Signal Processing
Workstation. Abstract: NoaNoa and Près are two solo pieces, one for flute, the other for cello, realized during
1992 by Kaija Saariaho with the Ircam Signal Processing Workstation (ISPW, based on the Next Computer), and
with Xavier Chabot from the Ircam pedagogy department, in the pedagogical perspective to explore the
potentialities of Max on the ISPW, and specially its connexion with Patchwork used to prepare data and patches.
In the two pieces, the electronic parts amplify and develop the sonic structure of the solo instrument, exemplify
the close relationship between sound material and musical structure, and explore real-time strategies for control
over various synthesis and signal processing algorithms.” (CHABOT et al, 1993)
8
"Une analyse d´Amers de Kaija Saariaho, Grégoire Lorieux. Résumé: Amers (1992), <<concerto>> pour
violoncelle, ensemble et électronique de Kaija Saariaho, reprend des principes spetraux chers à la compositrice.
Parmi eux, l´utilisation polaire d´un geste-son, un trille vertical du violoncelle sur mi bémol 1, qui est à l´origine
de la comstruction de l´évolution harmonique-timbrale et formelle de la pièce: des principes d´écriture dérivés du
trille régissent ainsi l´oeuvre, de sa globalité jusqu´à ses moindres détails." (LORIEUX, 2004)
288
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O “Complexo Ab-C-E” em “Choro Bandido” de Edu Lobo e Chico


Buarque: um estudo de relações entre componentes textuais e
musicais

MODALIDADE: Resumo expandido (apresentação oral)

Matheus Henrique de Souza Ferreira


Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) – mhsferreira@hotmail.com

Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas


Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) – sergio.freitas@udesc.br

Palavras-chave: Complexo Ab-C-E. Ciclos de terças maiores. Análise e crítica da canção


popular.

Inserido em uma pesquisa mais ampla que, com a referência do estudo


de Meyer (2000), investiga possíveis vínculos entre valores de fundo romântico e
escolhas composicionais observáveis em determinado repertório da música popular
da segunda metade do século XX, este trabalho apresenta considerações analíticas
acerca da canção “Choro Bandido”, fruto da parceria entre os cantores e
compositores Edu Lobo (1943-) e Chico Buarque de Hollanda (1944-). A hipótese
primariamente investigada aqui é a de que, considerando o “imbricamento entre
texto literário e texto musical” (RÓNAI, 2010, p. 18) flagrante em “Choro Bandido”, a
noção de “tonalidade associativa” pode ser contributiva à interpretação e crítica
desta canção. Por tonalidade associativa compreende-se “um tipo de tonalidade
referencial na qual um uma área tonal específica (p.ex., a tônica Db maior), uma
sonoridade (p.ex., a tétrade meio-diminuta), ou uma função tonal (p.ex., a
Napolitana) são consistentemente associadas a um elemento dramático específico”
(BRIBITZER-STULL, 2006b, p. 322). Trata-se de uma noção sugerida pelo
musicólogo estadunidense Robert Bailey (1985) em seus estudos sobre a música de
Wagner.
Em cena, no espetáculo músico teatral “O Corsário do Rei” (BOAL, 1985)
escrito e dirigido entre aproximadamente 1982 e 1985 pelo dramaturgo e ensaísta
brasileiro Augusto Boal (1931-2009) no ensejo do seu retorno aos palcos brasileiros
após 14 anos no exílio, a canção “Choro Bandido” é cantada por DuGuay-Trouin, o
temível corsário que sitiou o Rio de Janeiro (cf. DU GUAY-TROUIN, 2003) que, com
esta canção, pretende seduzir uma bela moça chamada Nancy. O corsário tenta
persuadir Nancy com palavras que, astuciosamente, louvam sua falsidade e
deslealdade confundido-as com virtudes. DuGuay se vale de metáforas que remetem
289
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a extraordinárias situações da mitologia grega (ALMEIDA, 2008), recitadas através de


uma melodia tortuosa que, de maneira subliminar, percorre um plano tonal traçado
através daquilo que Bribitzer-Stull (2006a) aborda como o “complexo Ab-C-E”.
Considerando estes comentários introdutórios, este estudo levanta as
seguintes questões: é possível traçar um mapeamento harmônico e formal de
acordo com a leitura das etapas retóricas de “Choro Bandido”? É possível
reconhecer relações entre o discurso verbal e o musical em “Choro Bandido”? Como
o complexo Ab-C-E participa dessas possíveis relações poéticas entre texto e
música?
Para responder tais questões emprega-se uma metodologia híbrida que
concilia revisão bibliográfica e dados de análise musical obtidos através de rotinas
de descrição harmônica e operações de redução livremente baseadas em
procedimentos schenkerianos. As fontes materiais deste estudo são as duas lead
sheets de “Choro Bandido” publicadas por Edu Lobo (CHEDIAK, 2009, p.64; LOBO,
1994, p. 115-119), algumas gravações comerciais e a versificação disponibilizada no
site oficial de Chico Buarque.
Para apoiar o mapeamento e a análise aqui propostos estão sendo
utilizadas as seguintes referências: o artigo de Bribitzer-Stull (2006a) acerca da
construção histórica do valor do ciclo de terças maiores. Tal artigo permite contrapor
o plano tonal de “Choro Bandido” a diversas ocorrências do complexo Ab-C-E no
repertório de concerto produzido na Europa ao longo dos séculos XVIII e XIX.
Tratando das relações entre letra e música, o trabalho de Tatit (1996) apresenta
critérios para caracterizar a “gestualidade oral” através do conceito de “dicção”, ou
seja, o modo como alguns cancionistas brasileiros, dentre os quais Chico Buarque e
Tom Jobim, associam unidades linguísticas a suas escolhas musicais. Trechos do
estudo de Agawu (2012) sugerem a aplicação de outros dois “critérios para análise”
que podem ser úteis para o reconhecimento de um discurso musical nesta canção: o
modelo formal de “começo, seção central e final” e a noção de “pontos culminantes”
(AGAWU, 2012, p.97-137). Em relação à harmonia, a partir de Agawu, podemos
dizer que, no caso do plano tonal de “Choro Bandido” (Exemplo 1), o começo
expressa um movimento prolongado da progressão ii-V-I na tonalidade principal (Dó
290
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

maior), enquanto o engenhoso personagem DuGuay estabelece as premissas de


sua abordagem persuasiva.

Exemplo 1: Plano tonal da canção “Choro Bandido” de Edu Lobo e Chico Buarque.
291
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

A seção central, compreendendo a etapa argumentativa em que o


corsário evoca a mitologia grega, pode ser entendida como aquilo que Agawu
caracteriza como “ausência e promessa” pois, neste caso, trata-se de um
afastamento literal da tônica e da prolongação de harmonias das áreas tonais de
Mediante (Mi maior) e de Mediante da Mediante (Sol# maior). O final é uma espécie
de “cadência ampliada” que encerra a canção reapresentando materiais anteriores
enquanto o texto reitera artimanhas de sedução afirmando que "mesmo miseráveis
os amantes, seus amores serão bons!", verso realçado pela prolongação de uma
veemente cadência plagal.
A maneira como o complexo Ab-C-E é explorado em “Choro Bandido”, o
caminho C-E-G#-E-C, permite o reconhecimento de uma espécie de ponto
culminante na seção argumentativa quando, arrematando os versos “fez das tripas a
primeira lira que animou todos os sons” e “saiba que os poetas, como os cegos,
podem ver na escuridão”, a canção alcança a região de Sol# maior, no caso, a mais
distante área tonal em relação à tonalidade principal (Dó maior).
Assim, a conotação “poderosa” (BRIBITZER-STULL, 2006a, p.173)
associada ao complexo Ab-C-E desde século XVIII é ressignificada em “Choro
Bandido”, estabelecendo uma espécie de diálogo entre os autores desta canção e os
demais harmonistas que, de diferentes maneiras, repetindo e conservando-as,
souberam tirar efeitos das célebres “vizinhanças de terceira que envolvem
transformações cromáticas” (KOPP, 2002). Não é por acaso, então, que as principais
áreas tonais atingidas em “Choro Bandido” transitam pelo “expressivo” complexo Ab-
C-E: a solução tonal a associar-se com a argumentação de Du Guay-Trouin deve
mesmo ter um sentido poeticamente tão surpreendente e interessante quanto as
imagens mitológicas evocadas, e o ciclo de terças maiores, por sua cultura e
capacidade expressiva cultuadas tanto na música de concerto quanto na música
popular, mostra-se como uma maneira engenhosa de atender a este requisito. Então,
a partir das rotinas de análise e apontamentos bibliográficos aplicados à canção
“Choro Bandido”, conclui-se que o material musical e a poesia estão relacionados de
modo simbiótico, de forma a não só reforçarem o sentido um do outro, mas sim
formarem, juntos, um sentido único, que se perde na separação entre texto e música.

Referências:

AGAWU, Kofi. La música como discurso: Aventuras semióticas en la música


romántica, 1ª ed., Buenos Aires: Eterna Cadencia Ed., 2012.
292
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

ALMEIDA, André Albino de. A mitologia greco-latina na canção Choro Bandido.


Revista Crítica & Companhia, v. 4, 2008.

BAILEY, Robert (Org.). Richard Wagner: Prelude and Transfiguration from Tristan
and Isolde. New York: Norton & Comp, 1985.

BOAL, Augusto. O Corsário do Rei. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1985.

BRIBITZER-STULL, Matthew. The Ab–C–E complex: The origin and function of


chromatic major third collections in nineteenth-century music. Music Theory
Spectrum, v. 28, p. 167-190, 2006a.

BRIBITZER-STULL, Matthew. The end of Die Feenand Wagner's beginnings: An


early example of double-tonic complex and associative theme. Music Analysis, n. 25,
v. 3, p. 315-340, 2006b.

CHEDIAK, Almir. Songbook Bossa Nova 5. São Paulo: Lumiar, 2009.

DU GUAY-TROUIN, René. O corsário: Uma invasão francesa no Rio de Janeiro. Rio


de Janeiro: Ed. Bom Texto, 2002.

KOPP, David. Chromatic transformations in nineteenth-century music. Cambridge:


Cambridge University Press, 2002.

LOBO, Edu. Songbook Edu Lobo. Rio de Janeiro, Lumiar Ed., 1994.

LOBO, Edu e BUARQUE, Chico. Choro Bandido. 1985. Disponível em:


<http://www.chicobuarque.com.br/construcao/mestre.asp?pg=choroban_85.htm>.
Acesso em: 15 jul. 2013.

MEYER, Leonard B. El estilo en la música. Teoria musical, história e ideologia.


Madrid: Ed. Pirámide, 2000.

RÓNAI, Laura. Poema, lied e variações: as metamorfoses de um ciclo. Cadernos do


Colóquio - Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes da
UNIRIO. Rio de Janeiro, CLA/UNIRIO, p. 17-33, 2000.

TATIT, Luiz. O cancionista, composição de canções no Brasil. São Paulo, Edusp,


1996.
293
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Novas possibilidades sonoras para percussão a partir de técnicas


expandidas e recursos tecnológicos em tempo real.

PEFORMANCE

Pedro Henrique Machado Freire


Universidade de Aveiro – pedrohenriquemfreire@gmail.com

Cleber da Silveira Campos


Universidade Federal do Rio Grande do Norte – cleberdasilveiracampos@gmail.com

Resumo: Este artigo faz uma exposição de algumas das novas possibilidades sonoras
surgidas no repertório de percussão desde a década de noventa até os dias atuais. A
pesquisa tem como objetivo a execução e posterior análise crítica de obras pré-selecionadas
para percussão com expansões sonoras por processos diversos. A metodologia é
compreendida desde o processo de estudo técnico e interpretativo das peças pré-
selecionadas, passando pela exploração das possibilidades timbrísticas dos instrumentos
convencionais e não-convencionais, até os resultados obtidos em oficina de experimento com
processos de interação tecnológica.

Palavras-chave: Expansão sonora. Percussão. Técnica Expandida. Interação Tecnológica.

New possibilities for percussion sound from expanded technical and technological resources
in real time.

Abstract: This paper makes an exhibition of some new sonic possibilities arising in the
percussion repertoire since the nineties until today. The research aims to performance and
subsequent critical analysis of pre-selected pieces for percussion with sound expansions by
various processes. The methodology is understood from the interpretation studies of selected
pieces, exploring the possibilities of sounds of the conventional instruments and non-
conventional instruments, to the results obtained in experiments with processes of
technological interaction.

Keywords: Sound Expansion. Percussion. Expanded Technique. Technology interaction.

1. Introdução

Este artigo refere-se ao estudo realizado no ano de 2011 durante o curso


de Pós-Graduação em Praticas Interpretativas em Música dos Séculos XX e XXI da
Escola de Musica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde
abordamos novas possibilidades de expansão sonora surgidas na transição dos
séculos XX e XXI dentro do repertório para percussão solo.
A percussão é considerada um instrumento, relativamente, novo no que
diz respeito a solos. As primeiras peças que vieram a apontar indícios dessa
característica surgem já em meados do século XX. Uma das mais importantes obras
neste contexto é a “Historia do Soldado” de Igor Stravinsky, que contem um trecho
solo para percussão no final da obra. Sobre a “Historia do Soldado” Hashimoto
(2003) comenta que, essa peça fomentou nos compositores o interesse pela
capacidade solista da percussão.
Para o decorrer deste estudo foram escolhidas quatro obras onde
identificamos diferentes formas de expansão sonora:
294
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

a) Velocities, de Joseph Schwantner, para Marimba solo, onde


detectamos o processo de expansão por técnica expandida.
b) A Cidade Encantada, de Liduino Pitombeira, para Percussão Múltipla,
onde a expansão foi constatada a partir de um processo que
chamamos de Variação Timbristíca.
c) Canção Simples de Tambor, de Carlos Stasi, para Caixa Clara, que
dentre algumas formas de expansão presentes na peça destacamos o
uso de aparatos não-convencionais.
d) Tractus Mobilis III, de Marcílio Onofre, para Vibrafone e dois
Triângulos, onde aplicamos uma nova proposta de expansão à peça,
através de interação tecnológica.
A Metodologia referiu-se as oficinas de experimentação com as obras pré-
estabelecidas e a aplicação de elementos eletrônicos através de processos
computacionais. Boulez (1977), afirma que, apesar de equipamentos eletrônicos
como o computador não terem sido inventados para se criar música, suas funções
podem ser transformadas para permitir o seu uso musical. (apud TRALDI, CAMPOS
e MANZOLLI, 2006). O experimento com sons eletrônicos foram feitos a partir do
software “Pure Data” e aplicados a peça Tractus Mobilis III (Onofre, 2010), a qual foi
escrita apenas para vibrafone e triângulos, sem prever nenhuma intervenção
eletrônica.

2. Velocities para Marimba Solo (1991).

Composta em 1991 pelo americano Joseph Schwantner, Velocities é uma


das grandes obras do repertório contemporâneo para marimba solo. Em forma “Moto
Perpetuo”, com linhas constantes e métrica irregular, exige bastante preparo do
interprete, pois não há espaço para descanso físico ou mental durante a execução
da obra, que tem em media oito minutos de duração.

2.1 Expansão Sonora por Técnica Expandida.

Velocities (Schwantner, 1991), está registrada em uma partitura toda


baseada na escrita tradicional, sem complexidades estéticas e apenas com
indicações de expressão e interpretação. A expansão sonora que caracteriza a peça
refere-se ao uso do cabo da baqueta para percutir as extremidades das teclas da
marimba, notada por uma simbologia que substitui a nota real pela nota expandida
(Figura 1).
295
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Figura 1: Notação da peça Velocities com o uso de “x” substituindo a nota real pela nota expandida.

Neste caso, percebemos a expansão sonora pela expansão da técnica

“tradicional” utilizada na marimba, a qual resulta em sonoridades completamente

particulares. Esta nos parece ser a forma de expansão sonora mais comum e

utilizada pelos percussionistas, pois algumas delas já fazem parte do repertório dos
instrumentos de percussão. Outra possibilidade muito usada refere-se ao uso de

arcos (utilizados nos instrumentos de cordas) associados aos instrumentos de

percussão, produzindo harmônicos em parciais de frequência variadas. No que se

refere a execução dessas técnicas expandidas, percebemos que as escolas

“tradicionais” como os conservatórios e as universidades de uma forma geral, não

abarcam esse tipo de repertório, porém essas obras acabam exigindo certa

maturidade por parte do instrumentista, para estabelecer uma relação direta entre a

escrita/simbologia e reproduzir a sonoridade resultante com clareza.

3. A Cidade Encantada, para Percussão Múltipla (2002).

A Cidade Encantada do compositor brasileiro Liduino Pitombeira, foi


escrita em 2002 e dedicada ao percussionista americano Charles Brooks. A obra é
baseada em uma lenda brasileira da região norte do país. Sobre esta lenda, o
compositor explica:

No estado do Maranhão (Brasil), há uma grande pedra escura submersa no


rio Gurupi. Os barcos nunca se atrevem a aproximar dela à noite. Esta
pedra tem uma caverna grande. A lenda diz que há muito tempo atrás havia
uma cidade neste lugar que afundou no mar. Apenas parte desta pedra
permaneceu descoberta pela água. À noite, pode-se ouvir sons de música,
instrumentos e até sinos vindos da pedra. (PITOMBEIRA, 2002)

Composta para um vasto setup de percussão múltipla, contendo;


vibrafone, antique cymbals, bombo de bateria com pedal, caixa clara, bongôs,
296
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

pandeiro, temple blocks, prato suspenso, small crash cymbal e triangulo. O


compositor também indica que devem ser usadas baquetas de teclados “meio
duras”.
Diferente da outras peça mencionada na qual o instrumento de teclado
funciona como “solista”, aqui o vibrafone se comporta apenas como mais um
instrumento do setup de percussão múltipla.

3.1 Expansão Sonora por Variação Timbrística.

Neste caso o compositor usa a expansão por meio da múltipla percussão


que consequentemente vai gerar múltiplas sonoridades, é uma forma de composição
bastante comum para percussão.
A particularidade desta peça esta na grande possibilidade de timbres.
Diferente da maioria das obras para percussão múltipla que partem de uma coesão
enquanto ao setup, ou seja, tentando convencionar os sons entre os instrumentos,
sejam eles de peles, metal, madeira ou outros, “A Cidade Encantada” é um exemplo
de composição onde já se parte de um instrumental que propõe uma vasta gama de
sons resultantes, desta forma, a expansão acontece por meio das múltiplas
sonoridades, sem técnicas características ou, até mesmo, voluntárias.

4. Canção Simples de Tambor (1990).

Composta em 1990 pelo compositor e percussionista Carlos Stasi, a


“Canção Simples de Tambor”, peça para caixa clara, trás uma nova concepção
enquanto a postura interpretativa, isto está diretamente ligado com a forma como a
sonoridade desta obra vai se expandir.

4.1 Expansão sonora por intervenções de aparatos não-


convencionais.

Primeiramente, o compositor expande as sonoridades através da técnica


expandida, que no inicio da obra é explorada em toda sua forma mais tradicional, a
começar pelas definições de regiam de toque na pele; centro, região mediana e
borda; toque no aro da caixa (agudo e grave) e o uso do rim shot.
Mas o que caracteriza esta obra como novas possibilidades de expansão
sonora é o uso de aparatos não-convencionais, ou seja, objetos não comuns ao
contexto que, agora, são tratados como instrumentos musicais. Nesta peça, são
297
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

utilizados os seguintes aparatos: a) uma bola de tênis de mesa; b) uma vara de


pescar; c) um Temple Bell.
a) A bola de tênis de mesa é girada na superfície da pele e controlada pelo
interprete ao inclinar o corpo da caixa clara, esse ato provoca uma sonoridade
que serve de “pedal” enquanto são executadas algumas frases. Por vezes,
enquanto a bola gira o interprete pressiona a pele com o intuito de controlar
os harmônicos deixando-os mais agudo ou mais grave. O interprete também
usa a bola para percutir a caixa, pressionando a bola na pele ou apenas
soltando-a na superfície;
b) O intérprete apanha a vara de pescar com a mão esquerda segurando em
uma das extremidades, se distancia da caixa e coloca a outra extremidade da
vara apoiada na superfície da pele e executa uma frase rítmica , que está
escrita na partitura, com a mão direita percutindo a esquerda. O interprete
passa a improvisar as frases rítmicas. O resultado da vara percutida da caixa
deve ser totalmente aleatório.
c) O temple Bell é usado na superfície da pele em um único momento da peça
em que a caixa se encontra com a esteira ligada, resultando numa sonoridade
bastante interessante principalmente no uso do rim shot. Ele é percutido com
a baqueta de caixa e tem uma duração sonora longa. Na ultima nota da obra
o compositor faz tocar um rim shot e logo em seguida o temple Bell, ambos
em forte, fazendo fundir as duas sonoridades.
Stasi também expande a sonoridade de “Canção Simples para Tambor”
através da mudança de baqueta, quando combina uma vassourinha junto com a bola
de tênis de mesa girando na caixa e algumas vezes tocando com os dedos na pele.
Em um momento o interprete assopra em direção a caixa e no buraco lateral de
saída de ar do instrumento.

5. Tractus Mobilis III, para Vibrafone e Triângulos (2010).

Tractus Mobilis III, de Marcilio Onofre, foi composta no ano de 2010. Esta obra
apresenta uma gama de novas possibilidades sonoras utilizando um vibrafone e dois
triângulos de diferentes tamanhos. Segundo o compositor, a intenção nessa obra foi
fundir os parciais harmônicos do vibrafone com os do triangulo, em diferentes
regiões de alturas. Para tanto, o compositor utiliza técnicas expandidas de diversas
formas, desde as mais comuns como o uso do arco ou rattan, até expansões
técnicas como encostar suavemente a ponta do cabo da baqueta sobre a ponta da
tecla enquanto ela vibra, provocando leve ruído e ainda tocar o vibrafone com
baquetas de xilofone, com notas articuladas e glissandos.
298
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Neste estudo, se propõe uma nova forma de expansão, a qual utiliza uma
peça que tem suas expansões e estéticas estabelecidas pelo compositor, mas que
agora será expandida por processamentos eletrônicos. Segundo CAMPOS e
MANZOLLI (2010) a maioria dos processamentos sonoros atuais referen-se a três
tipos de ambientes de programação computacional, sendo: MAX/MSP; SuperCollider
e Pure Data (Pd).

5.1 Expansão Sonora por Interação Tecnológica em Tempo Real.

A expansão sonora a partir de interação tecnológica foi introduzida na


obra Tractus Mobilis III através da realização de oficinas de experimentação, onde
utilizamos um processamento randômico com a programação feita em “Pure Data”,
utilizando assim o processamento sonoro em tempo real.
Desta forma, temos agora uma nova forma de expansão implementada na
obra, que consiste basicamente em transformar o som analógico em digital. O
processamento randômico é responsável por reproduzir as informações capitadas
aleatoriamente.

Através da interação computacional, agora como novo elemento da obra,


percebemos a necessidade de uma nova postura interpretativa em relação a
performance anterior. Agora, o intérprete se encontra em uma situação de dialogo
analógico/digital, ou seja, assim como os processamentos eletrônicos serão gerados
a partir da captação sonora das ações do interprete, o mesmo também irá reagir aos
estímulos eletrônicos resultantes.

Com isto, a música de Onofre (2010) ganha uma nova estética, pois
agora, o interprete dispõe de um ambiente com outras noções de tempo e duração.
Sobre a colocação do interprete neste contexto, CAMPOS (2008) comenta que, ao
se utilizar da improvisação como processo de mediação, passa a desempenhar a
função de elemento de coesão na estrutura da obra. Em nossa pesquisa, mesmo a
obra sendo composta fora deste contexto, o intérprete toma uma característica
improvisatória diante do novo ambiente e passa a ser um elemento fundamental na
estrutura do produto final.
299
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

6. Metodologia

Partindo da proposta de pesquisar as novas possibilidades de expansões


sonoras surgidas no repertório de percussão na transição do século XX para o
século XXI, propõe-se a seguinte metodologia:

a) Oficinas de experimentação vinculadas às obras pré-selecionadas;


Velocities; A Cidade Encantada; Canção Simples de Tambor; Tractus
Mobilis III.

b) Utilização da improvisação e processamento sonoro em tempo real a


partir do software Pure Data.

O objetivo é a execução e documentação destas obras para posterior Análise dos


resultados.

7. Conclusão

A partir da realização deste estudo, concluímos que diversos recursos


podem ser utilizados para a expansão das possibilidades sonoras, trazendo assim
um novo universo, tanto composicional quanto para o intérprete. Detectamos
também a eficiência do processamento eletrônico como forma de nova possibilidade
de expansão, mesmo aplicado a uma obra que não presumia este recurso.
300
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Referências:

CAMPOS, Cleber da Silveira. Percussão Múltipla Mediada por Processos


Tecnológicos. Campinas-SP, 2008. 161 páginas. Dissertação (Mestrado em Música).
Universidade Estadual de Campinas.

CAMPOS, Cleber, MANZOLLI, Jônatas. Sistemas Interativos Musicais Aplicados a


Percussão Mediada. XX Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Música (ANPPOM), Florianópolis, 2010.

HASHIMOTO, Fernando. Análise de “Estudo para Instrumentos Percussão” 1953,


M.Camargo Guarniere. Campinas-SP, 2003. 144 páginas. Dissertação (Mestrado em
Música). Universidade Estadual de Campinas.

ONOFRE, Marcílio. Tractus Mobilis III. Para Vibrafone e Triângulos. João Pessoa,
Paraíba: Obra registrada em programa computacional de edição de partitura
“Sibelius,” 2010.

PITOMBEIRA, Liduino. A Cidade Encantada. Opus 69. Louisiana, USA: Obra


Registrada em programa computacional de edição de partitura “Finale,” 2002.

Schwantner, Joseph. Velocities. For Marimba Solo. Valley Forge, Pennsylvania:


Helicon Music Corparation, 1991.

STASI, Carlos. Canção Simples de Tambor. São Paulo: Obra registrada em partitura
manuscrita, 1990.
301
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Validação de Ferramenta Analítica para o estudo de quatro


parâmetros variáveis da Embocadura na Produção do Som da
Flauta Transversal

MODALIDADE: Performance

Luiz Fernando Barbosa Jr


Universidade Federal da Bahia – lfernandojr@gmail.com

Lucas Robatto
Universidade Federal da Bahia – robattolucas@gmail.com

Resumo: Este trabalho aborda a técnica flautística como uma série de ações
interdependentes que buscam determinados resultados sonoros desejadas no
instrumento. Tais ações são numerosas, e o grau de interdependência entre elas permite
muitas variações em cada aspecto isolado, resultando em diferentes abordagens e
estratégias de execução para uma mesma tarefa musical. O objetivo principal deste
estudo é verificar o grau de acuidade e a aplicabilidade prática deste método de
verificação visual no estudo das relações de interdependência destes parâmetros
variáveis, apontando um possível caminho para futuros estudos em performance.

Palavras-chave: Performance. Acústica Musical. Flauta Transversal

Validation of Analytical Tool for the study of four embouchure variables in the Sound
Production of Flute

Abstract: The present work addresses the flute technique as a series of interdependent
actions aiming a desired function of the instrument. Such actions are numerous and the
level of interdependency among them allow many variations in each single aspect,
resulting in different performance approaches and strategies for the same musical task.
The main purpose of this research is to verify the level of accuracy and practical
applicability of this visual method on the study of the relationship and interdependency of
those variables parameters in flute playing, opening a possible path to future studies in
flute performance.

Keywords: Performance. Musical Acoustics. Flute

1. Introdução

As questões levantadas nesta pesquisa abordam a técnica flautística


como uma série de ações interdependentes que produzem um resultado desejado
ao instrumento. Dentre inúmeras ações técnicas possíveis, este trabalho vai tratar da
embocadura na flauta transversal investigando separadamente suas ações variantes
constituintes.
Como a estrutura dos lábios e a forma interna da boca de cada pessoa
são diferentes, o número de variáveis que influenciam no resultado sonoro da
embocadura é incontável (RÓNAI, 2008: 135). Esta pesquisa procura apresentar
uma nova metodologia de abordagem à embocadura, contribuindo para tornar este
sistema um pouco mais visível e mensurável.
302
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Recentemente estudos conseguiram isolar e mensurar parâmetros que


são fundamentais na construção da sonoridade na flauta1. Contudo, tais estudos têm
por objetivo principal isolar e comprovadamente mensurar cada um dos parâmetros
e a suas inter-relações, não se preocupando em constatar/mensurar as diferentes
estratégias para a produção sonora. Já as publicações que descrevem
especificamente técnicas de embocadura, partem do ponto de vista pedagógico, não
apresentando um consenso entre os autores, professores e interpretes de como um
som deve ser gerado.
Este trabalho propõe avaliar/validar uma ferramenta da medição visual
para a embocadura da flauta transversal com o intuito de identificar e mensurar
essas diferentes estratégias adotadas pelos flautistas, tendo como objetivo
comprovar se este método de medição consegue detectar diferenças entre as
diferentes estratégias de embocadura adotadas por flautistas.
Os resultados das medições são apresentados de forma individual de
cada variável, apresentando em termos de hipótese para futuros estudos em
performance.

2. Produção de som na Flauta: Discurso do Flautista e da Acústica

Ao longo dos séculos produziram-se diversas publicações sobre flauta,


mais precisamente com o intuito da prática do instrumento. Grandes flautistas têm
publicações e ideologias diversificadas pelo mundo. Essa visão do artista sobre a
embocadura como produção sonora ainda é muito discutida no estudo prático
individual e/ou coletivo.
Considerando as diferenças individuais de anatomia, estas refletem uma
particularidade que faz com que cada músico estabeleça a sua identidade sonora.
Segundo Laura Rónai em seu livro “Em busca de um mundo perdido – Métodos de
flauta do Barroco ao século XX”, afirma:
Apesar da homogeneização cada vez mais intensa, a flauta ainda continua
a ser um dos instrumentos que mais permitem e encorajam a diversidade.
Além disso, apesar da adição do mecanismo para as chaves [na evolução
do instrumento], o som é sempre resultado direto da interação entre a boca
e o bocal, sem palhetas ou qualquer acessório “intermediário”. Isto constitui
ao mesmo tempo um charme e um problema. Com a variedade infinita de
possibilidades de combinação, se torna difícil estabelecer regras para uma
303
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

embocadura perfeita. Este é, portanto, um dos grandes desafios de


qualquer método de flauta. RÓNAI, 2008: 44

Essa variedade infinita de possibilidades de combinação que a autora


trata, são as diferenças e características de cada músico em relação à embocadura.
Contudo, essas diferenças não são descritas integralmente na literatura do
instrumento. Cada autor, quando cita maiores detalhes sobre a embocadura na
flauta, geralmente acaba descrendo a sua própria maneira de execução.
A Acústica é a ciência que se ocupa do estudo das excitações mecânicas
no domínio exclusivo do som. Considerando a Acústica Musical estuda
cientificamente todos os aspectos relacionados à produção, propagação e recepção
do som. Possui como característica o seu campo interdisciplinar que envolve ciência
e arte. Os campos da música e da acústica musical são relativamente
independentes porque abordam o som com propósitos diferentes (LIMA JUNIOR et
al, 2012).
O funcionamento da flauta pode ser descrito como uma ligação entre os
modos hidrodinâmicos de um jato com o modo acústico de um ressonador. O jato de
ar é laminar quando as condições de sopro são satisfatórias (Cossette et al, 2010:
657). Para essas condições, deve-se ter o controle das variáveis da embocadura.
A abordagem do flautista pretende determinar pragmaticamente como
uma sonoridade deve ser reproduzida. Este discurso somente descreve aquilo que é
necessário para a reprodução prática de um som, sem se preocupar em explicar em
detalhes o funcionamento deste processo. Em oposição ao discurso mais
pragmático do flautista, que está preocupado em produzir um som de “qualidade”, o
cientista está frequentemente interessado em identificar os parâmetros físicos
relevantes na flauta, determinar as relações causais estabelecidas entre esses
parâmetros e em testar experimentalmente os modelos teóricos propostos.
Apresentaremos nesta pesquisa uma ferramenta de medição visual com o
intuito de verificar se é possível identificar e mensurar as diferentes estratégias
adotadas pelos flautistas com as variáveis: altura (h) e largura (H) da embocadura,
distância desta embocadura até a aresta do bocal (W), ilustradas na Imagem 1, além
do ângulo formado por esta distância com a flauta (Ө) (Imagem 2) que define a
posição da flauta em relação ao flautista.
304
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Para visualizarmos a lateral da embocadura, foi utilizado um espelho em


torno de 45º para facilitar a visualização da imagem lateral na mesma imagem frontal
da embocadura.
Para encontrarmos o ângulo de posição Ө foi alterado da semirreta x do
eixo, tangenciando à flauta. O ponto de encontro da distância W (reta b) com a
semirreta tangente a flauta (reta a), formam um ângulo que chamamos de “Ângulo
de Posição θ”.

Imagem 1 - Variáveis altura (h) e largura (H) da embocadura, distância desta embocadura até a
aresta do bocal (W). Imagem frontal produzida através de gravação em vídeo da embocadura e a
visão lateral foi reproduzida com o auxilio de um espelho fixo a lateral

Aresta do bocal

y
Saída de ar
x

θ θ

Imagem 2 – Figura ilustrativa da Imagem refletida lateralmente. Eixo tangente à flauta e a distância
W formam duas semirretas dando origem ao ângulo de posição θ.

3. Métodos e Procedimentos

O experimento desenvolvido teve como objetivo medir as variáveis da


embocadura tais como: altura (h) e largura (H) da abertura, distância da saída do ar
305
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

até a flauta (W) e o ângulo de posição desta distância em relação à flauta (θ) com o
intuito de conhecer distintas estratégias e verificar se estas medições conseguem
identificar e mensurar alguns parâmetros variáveis presentes nas diferentes
abordagens para a produção de som.
Os procedimentos utilizados nesta pesquisa foram baseados nos dados
obtidos na publicação “The Sound of Oscillating Air Jets: Physics, Modeling and
Simulation in Flute-Like Instruments” de Patrício de La Cuadra (2005).
A Imagem 3 apresenta o equipamento utilizado para a montagem do
experimento.

Imagem 3 - Foto do experimento montado nos Laboratórios de Ensino da Física do Instituto de


Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IF/UFRGS).

Os procedimentos foram realizados por três flautistas profissionais,


executando um trecho musical comum visando à avaliação de diferentes intenções
interpretativas de cada músico. Isso nos permitiu observar distintas estratégias dos
flautistas para o mesmo exemplo musical.
Foi solicitado aos participantes executarem o arpejo em sol maior
ascendente e descendente em mf com uma fermata no início e final do arpejo,
conforme Exemplo Musical 1:
306
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Exemplo Musical 1 - Arpejo em sol maior ascendente e descendente.

Neste exemplo musical averigua-se o comportamento das variáveis


observadas no contexto do arpejo em sol maior ascendente e descendente
executando a nota sol em três oitavas diferentes.

4. Análise dos vídeos e as Funcionalidades do Software

Após a gravação do exemplo musical com cada flautista, os vídeos foram


analisados pelo software Tracker versão 4.80. Este software de código aberto é uma
ferramenta de análise de vídeo e de modelagem, desenvolvido originalmente para
ser usado no ensino de Física. Apresenta também um dispositivo automático de
identificação de imagem permite localizar automaticamente ao longo do vídeo
posições, distâncias e ângulos determinados pelo operador.
O software retorna diversos valores através desses pontos como: as
coordenadas x e y, distância e posição angular do ponto de massa em relação a um
plano cartesiano, com sua interseção definida pelo usuário. Essa interseção entre os
eixos de x e y têm como referência a aresta do bocal. Com esse procedimento, a
semirreta x, fica paralela por toda a imagem da embocadura gerada pela câmera e a
semirreta y perpendicular ao eixo x a partir da interseção, e, para o registro do
ângulo de posição θ, o eixo x é alterado, ficando perpendicular à flauta.
Para encontrar a variável da altura da abertura da embocadura (h) é
subtraído o valor referente ao eixo y de dois pontos, um ponto encontra-se na aresta
acima da abertura da embocadura, e outro na aresta abaixo da abertura, com o
intuito de encontrar o valor referente a distancia destes dois valores.
A largura da abertura da embocadura (H) foi definida pela subtração dos
eixos x dos pontos da lateral da abertura da embocadura do flautista.
A análise do ponto que define a distância W foi efetuada através da
imagem refletida pelo espelho. Desta maneira, conseguimos encontrar os valores da
distância W, registrando o valor da variável. O ponto final dessa distância W – a
aresta do bocal – é onde o usuário define a localização no software da interseção
dos eixos.
307
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O procedimento para determinar o ângulo de posição θ também leva em


consideração a visão lateral da embocadura (imagem refletida no espelho). A partir
dessa imagem lateral, realizamos os mesmos passos que a variável W, modificando
apenas o eixo x, deixando perpendicular à flauta.

5. Resultados e Discussão

As evidências produzidas neste trabalho partem do pressuposto de que,


em certas situações, flautistas adotam estratégias diferentes para alcançar um
mesmo resultado artístico (por exemplo, executar uma frase musical). A pesquisa
buscou selecionar flautistas que declaram estratégias diferentes em seus discursos.
A partir dessa seleção, foi solicitado que cada sujeito de pesquisa executasse um
determinado trecho musical, e, com isso, foram medidas algumas variáveis da
embocadura. Gráficos foram produzidos através dos dados recolhidos pelo
experimento.
No exemplo, solicitamos aos flautistas executar um arpejo em sol maior
ascendente e um descendente. O referido estudo quer observar quais estratégias
que os flautistas têm ao executar um exemplo o qual parte de uma determinada nota
(sol), e, em saltos (ascendentes ou descendentes), seguem por duas oitavas até
que, consequentemente, toquem a nota “sol” três vezes, uma vez em cada oitava.
A linha mais clara representa o arpejo ascendente e a linha mais escura o
arpejo descendente, conforme o Gráfico 1 do flautista #01:
308
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Gráfico 1 - Gráficos do arpejo em sol maior do flautista #01.

Percebemos que neste exemplo musical, o flautista #01 apresentou um


comportamento semelhante nas variáveis h, H e θ. Acreditamos que ao executar
este exemplo musical, em um intervalo grande de duas oitavas, o flautista utilizou de
alguma estratégia que esteja interligada ao fluxo do ar e/ou com a mudança da
distância W para concluir estes exemplos.
Conforme o Gráfico 2, o flautista #02 apresenta a mesma estratégia de
espelhamento nas variáveis h, H, W e θ. A linha clara está representando o arpejo
ascendente e a linha escura o arpejo descendente.
309
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Gráfico 2 - Gráficos do arpejo em sol maior do flautista #02.

O Gráfico 3, o flautista #03 apresenta em seus gráficos um pequeno


cruzamento dos dados referente a execução ascendente (linha clara) em relação a
execução descendente (linha escura). A maior variação é apresentada pela variável
W.

Gráfico 3 - Gráficos do arpejo em sol maior do flautista #03.


310
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6. Considerações Finais

A produção sonora num instrumento de sopro é dependente de diversas


variabilidades, pois toda uma estrutura física de músculos influencia no resultado
musical. Nesta pesquisa, procurou-se observar esse caminho entre o músico e o
instrumento, neste caso, a flauta transversal. Para produzir som na flauta, o músico
utiliza a embocadura como “chave” de conexão, resultando em um som. Esta
pesquisa buscou testar um método de medição visual dessas ações externas: a
embocadura.
Esta pesquisa buscou mensurar e analisar o mecanismo da embocadura.
Medimos através de um experimento esse meio de refinamento da coluna (ou do
fluxo) de ar em busca de identificar e observar o que muda quando um flautista toca
um mesmo trecho musical de forma diferente de outro flautista. Para este efeito,
observamos quatro variáveis mutáveis da embocadura: altura e largura da abertura,
distância da saída do ar até a flauta e o ângulo de posição desta distância em
relação à flauta.
O que observamos nos resultados obtidos foram padrões - ora
semelhantes, ora contrastantes - entre os músicos analisados. A variável com maior
singularidade neste estudo foi o ângulo de posição θ.
O presente trabalho mensurou e observou as variáveis individualmente ao
executar um mesmo exemplo musical. Ainda não foi possível observar o
comportamento do ar, essa verificação permitirá estudos futuros que examinem as
diferentes estratégias adotadas por diferentes flautistas e o desenvolvimento de
ferramentas pedagógicas, como um “espelho expandido” com o intuito de uma
melhor compreensão destas ações em todas as suas consequências.

Referências:

COSSETTE, Isabelle, et al. From Breath to Sound: Linking Respiratory


Mechanics to Aeroacoustic Sound Production in Flutes. Acta Acustica United with
Acustica, v. 96, n. 4, p. 654-667, 2010.

CUADRA, Patricio de la, et al. Analysis of flute control parameters: A


comparison between a novice and an experienced flautist Control parameters and
experimental setup Comparison between players Sound production. Forum
Acusticum 2005 Budapest, p. 27-31, 2005.
311
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

CUADRA, Patricio de la, et al. Gesture synthesis: basic control of a flute


physical model. The Journal of the Acoustical Society of America, v. 123, n. 5, 2008.

CUADRA, Patricio de la. The sound of oscillating air jets: Physics,


modeling and simulation in flute-like instruments. Tese de PhD, Stanford University,
2005.

FABRE, B; HIRSCHBERG, A. Physical modeling of flue instruments: a


review of lumped models. Acta Acustica United with Acustica, v. 86, p. 599-610,
2000.

LIMA JUNIOR, Paulo et al. Sobre a não-linearidade de Fenômenos


Acústicos e o Funcionamento da Flauta Transversal: Uma incursão pela acústica.
Caderno Brasileiro de Ensino de Física. Florianópolis, v. 29, n. 1, p. 156-179, 2012.

RÓNAI, Laura. Em Busca de um mundo perdido: Métodos de flauta do


Barroco ao século XX. Rio de Janeiro, 2008.

1
COSSETTE, Isabelle, et al. From Breath to Sound: Linking Respiratory Mechanics to
Aeroacoustic Sound Production in Flutes. Acta Acustica United with Acustica, v. 96, n. 4, p. 654-667,
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between a novice and an experienced flautist Control parameters and experimental setup Comparison
between players Sound production. Forum Acusticum 2005 Budapest, p. 27–31, 2005.
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models. Acta Acustica United with Acustica, v. 86, p. 599–610, 2000.
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A Escolha da Digitação para Performance no Contrabaixo: Um


estudo sobre o processo de otimização das escolas de contrabaixo

MODALIDADE: PERFORMANCE

Guilherme Espindula
UFRGS – guilhermespindula@gmail.com

Fernando Gualda
UFRGS – fernandogualda@hotmail.com

Resumo: Esta pesquisa busca identificar como contrabaixistas podem estar sendo influenciados
pelas duas principais escolas de digitação de contrabaixo. A revisão cronológica de métodos de
técnica de contrabaixo, artigos e teses revela crescente citação de ambas digitações ao longo da
história. Foi desenvolvido um questionário online, através do qual podem ser escolhidos trechos do
repertório que possibilita várias soluções de digitação. Com os resultados obtidos será possível
propor novas metodologias de execução e ensino utilizando as tecnologias disponíveis do século XXI.

Palavras-chave: Contrabaixo. Pesquisa. Digitação. Escolas.

THE CHOICE OF FINGERING FOR DOUBLEBASS PERFORMACE:


A study about the process of optimization of Schools Double Bass

Abstract: This research aims to identify how double bass players may have been influenced by the
two main schools of fingering. Chronological review of literature on methods for double bass playing,
research articles and academic dissertations reveals increasing number of works citing both
approaches. An online questionnaire has been developed, through which players can select fingerings
for excerpts of repertoire for double bass that enables multiple solutions. Results may help developing
new methodologies for playing and teaching double bass using XXI century technologies.

Keywords: double bass, research. Schools. Fingering.

1. Diferentes digitações1 e diferentes contrabaixos

O contrabaixista pode escolher diferentes digitações para executar uma obra. Essas
escolhas podem ser representadas tanto por um padrão técnico próprio derivado de
sua experiência musical, quanto por padrões estabelecidos previamente por outros.
Historicamente, possibilidades de técnica foram organizadas de acordo com a
preferência pessoal de contrabaixistas que se perpetuou seja por tradição oral,
através de alunos, ou pela publicação de métodos. Esse desenvolvimento de
técnicas levou à formação de escolas. Essas escolas de contrabaixo são, portanto,
generalizações tanto de soluções de digitação, quanto de outras questões técnicas.
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Devido à maior demora na padronização dos contrabaixos nas orquestras europeias,


o desenvolvimento da técnica do instrumento ocorreu tardiamente em relação aos
outros instrumentos de arco. No período barroco, poderia ser utilizado qualquer
instrumento grave, como por exemplo Violone, Bassetto, Violone basso, Viola da
gamba e a Viola da gamba basso. Com isso, o aprimoramento técnico não foi
contínuo, haja vista a variedade de instrumentos utilizáveis de acordo com
preferência de estética, composicional ou acústica.

2. As duas principais escolas2: Gênesis, afirmação e combinação

As escolas de digitação mais difundidas atualmente são a Alemã (1-2-4) e a Italiana


(1-3-4), ambas criadas durante a metade do século XIX. A escola denominada
Alemã, fundada pelo tcheco Wenzel Hause, difundiu-se inicialmente na Alemanha.
Hause foi professor do Franz Simandl, que publicou em 1881 o primeiro método para
contrabaixo. A partir dele outros contrabaixistas seguiram sua metodologia de
técnica de digitação como Nanny (1920), Prunner (1955), Montag (1962), Streicher
(1977), Portnoi (1978), Rabbath (1980), Rollez (1980), Reike (1993) e O’brien (2012).

A escola Italiana originou-se com Giovanni Bottesini, sendo difundida por Isaia Bille.
Embora o método do Bottesini (1887) tenha sido o primeiro a divulgar a escola
italiana, foram os sete volumes publicados por Bille (1922) que a disseminou. Sua
visão sobre a técnica de digitação, a escola teve poucas republicações.

Ao refletir sobre a escolha dessas escolas de performace, deve-se questionar quais


fatores podem influenciar nos dias de hoje na decisão de utilizar uma ou ambas. Ao
fazer revisão cronológica dos métodos, foram constatado três momentos distintos:

Um primeiro momento, da afirmação, que se inicia na publicação dos primeiros


métodos em 1881 e 1887, quando cada escola começa a se difundir de forma
independente. A escola Alemã disseminou-se principalmente com as publicações
dos métodos de Simandl (1881), Nanny (1920), Prunner (1955), e Montag (1962),
enquanto que a escola a Italiana; com Bottesini (1887) e Bille (1922).
314
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Um segundo período, do diálogo, a partir de 1968 ond foi publicado e explorado a


possibilidade de usar ambas as escolas. Dentre esses métodos, se destaca a
reedição do método do Simandl pelo americano Stuart Sakey (1968), que acrescenta
opção com o dedo 3 para certos trechos. A consequência dessa nova visão é
observada em outros métodos que citam a outra escola como alternativa, como
Murray (1968), Petracchi (1982), Koehler (1990), Wolf (1991), Salles (1997),
Kestenbaum (1997), Gale (2000), Morton (2002), Levinson (2002), Dalla Torre
(2002), Bradetich (2009).

Escola Alemã (1-2-4) Ambas Escola Italiana (1-3-4)

Simandl (1881) Bottesini(1887)


Nanny (1920) Bille (1922)

Prunner (1955)

Montag (1962)
Sankey (1968) *
Murray (1968)
Streicher (1977)

Portnoi (1978)
Rabbath (1980)
Rollez (1980)
Petracchi
(1982)
Koehler (1990)

Wolf (1991)

Reike (1993)
Salles (1997) Kestenbaum (1997)
Gale (2000)

Morton (2002) *
Levinson (2002)

Dalla Torre (2002)

Bradetich (2009)

Lago (2010)

Borém (2011)
OʼBrien (2012)

Figura 1: Revisão cronológica de métodos de técnica de contrabaixo, artigos e teses que revela
crescente citação de ambas digitações ao longo da história.
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O terceiro momento está sendo caracterizado pela abordagem científica, na qual as


escolas de contrabaixo têm recebido maior enfoque em pesquisa. As teses de dois
contrabaixistas brasileiros, Borém (2011) e Lago (2010), estudam as características
de ambas as escolas de digitação, abrindo um novo caminho de análise e
comparação que aprofunda as discussões sobre as opções que cada escola oferece.

3. Interface para verificar a digitação de contrabaixistas atuais

Este estudo busca verificar de forma os contrabaixistas atuais abordam as diferentes


técnicas de digitação no contrabaixo. Como o avanço de novas tecnologias de
comunicação possibilitou acesso ubíquito e generalizado à informação, deve-se
refletir sobre como contrabaixistas atuais, tanto profissionais quanto estudantes,
pensam e executam o instrumento, assim como de que forma ainda estariam
seguindo cada uma dessas escolas tradicionais de técnica, ou mesmo se novas
escolas podem estar sendo desenvolvidas.

Para verificar essas tendências, foi desenvolvido um questionário online, com uma
interface para que os contrabaixistas marquem a digitação que melhor satisfaça a
execução de um trecho musical. Essa interface possibilita a verificação empírica da
tendência para uma, ou outra escola de digitação. Foram escolhidos exemplos de
escalas, arpejos e padrões melódicos que possibilitem várias soluções de digitação.
O questionário também inclui listas dos métodos estudados para identificar influência
de escolas específicas durante a formação do músico, assim como questões
discursivas para que se possa descrever detalhadamente preferências de digitação.

Figura 2: Escala de dó maior e interface através da qual contrabaixistas selecionam suas digitações.
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4. Conclusão e trabalho futuro

Durante a revisão bibliográfica, puderam ser percebidas mudanças na maneira de


pensar dos contrabaixistas que escreveram métodos, artigos e teses. Essa mudança
gradativa pode ser observada em três períodos distintos. Portanto, é possível que
contrabaixistas contemporâneos apresentem diversas maneiras de compreender a
técnica de digitação.

Espera-se que as divergências entre digitações ou demonstrem uma grande


coerência com as escolas tradicionais de contrabaixo (o que indica sua perpetuação)
ou apontem para uma grande influência de escolhas pessoais. Com os resultados
desse questionário será possível mapear a utilização de ambas as escolas seguindo
as abordagens científicas iniciadas em Lago (2010) e Borém (2011).

Logo, com os resultados obtidos em pesquisa futura, será possível observar se há


mudança ou manutenção de ideias técnicas dos contrabaixistas visando uma melhor
performance profissional, assim como propor novas metodologias de execução e
ensino do contrabaixo utilizando as tecnologias disponíveis do século XXI.

Referências:

BENFIELD, Warren. The art of double bass playing. Miami, Florida 33014: Cummy-
Birchard Inc, 1973.

BILLE, Isaia. Nuovo Metodo per Contrabasso. V. 1 - 7. Milano: RICORDI, 1922.

BORÉM, Fausto. Um sistema sensório-motor de controle da afinação no contrabaixo:


contribuições interdisciplinares do tato e da visão na performace musical. Belo
Horizonte. 2011

BOTTESINI, Giovanni. Metodo per Contrabasso. Milano: G.RICORDI & C. Editori,


1991.

BRADETICH, Jeff. Double Bass: Ultimate Challenge. Idaho: Music For Ali To Hear,
lnc, 2009.

BRUN, Paul. The New History of the Double Bass. Villeneuve dAscq - France: Pau
Brun Productions, 2000.
317
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

KESTENBAUM, Milton. (1977). Extension and 3rd finger. USA.Bass World: The
Journal of the International Society of Bassists. v.3, n.2, Winter, p.259.

KOEHLER, William K.(1990). Left hand technique and the use of the four finger-
system and cello extensions.USA. The Journal of the International Society of
Bassists. V. 16, n.3, Fall, p. 16 – 20.

LAGO, Mauricio. Aspectos biomecânicos posturais e estratégias em otimização de


performace para contrabaixista. São Paulo, 2010.

LEVINSON, Eugene. The school of agility. New York: Carl Fischer, 2002.

MACTIER, Duncan. Daily Exercises for Double Bass. London. Mctier Music, 1994.

MORTON, Mark. Dr. Morton's double bass technique: concepts and ideas.
Columbus, OH: Basso-Profondo Publications, 1991.

NANNY, Edouard. Methode Complete pour La Contrebasse à quatre et cinq cordes -


1ª, 2ª, Partie.Paris: Editora Alphonse Leduc et Cie.: 1920.

PEDROSA, Mayra. Abordagem de Estudos em métodos de contrabaixo com vistas á


execução de obras do repertório orquestral. Curitiba.2009

PETRACCHI, Francesco. Simplefied higher technique for double bass. London:


Yorke edition, 1982.

RABATH, Fraçois. Nouvelle technique de Ia contrabasse, vols i ii iii & iv. Paris:
Alphonse Leduc, 1980.

REINKE, Gerd. Carl Flesch. Scale System. Berlin: Verlag Von Ries & Erler, 1994.

SIMANDL, Franz. New Method for String Bass Vol. I e 11. New York: International
Music Company.

STREICHER, Ludwig. Scale and Chords Studies for Double Bass. Müchen: Ludwig
Doblinger, 2000.

WOLF, Michael. Grundalagen der kontrabass – Technik – Principles of Double bass


technique. Verlag Die Blaue Eule,Germany. Mainz. 1991.

1
Digitações no contrabaixo são indicadas por números que representam os dedos da mão esquerda:
1- Indicador, 2-Médio, 3-Anelar e 4-Mínino.
2
Durante o Brasil colônia, o contrabaixista Lino José Nunes escreveu um método para contrabaixo
que utilizava somente os dedos 1 e 4. Como somente foi encontrado na Biblioteca Nacional em 2012,
não configura uma escola de contrabaixo.
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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Histórias que ouvi e coisas que aprendi com a Sonata Op. 147 de
Dmítri Shostakóvitch

MODALIDADE: Resumo expandido (apresentação oral)

Isabel Pereira Duschitz


Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) – ipduschitz@yahoo.se

Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas


Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) – sergio.freitas@udesc.br

Palavras-chave: Apreciação musical. Dmítri Shostakóvitch. Performance informada.

Existe uma sonata para viola que estava destinada a ser a última
composição musical de alguém que trabalhou até seus últimos dias, consciente da
iminência de sua própria morte. A última obra do compositor russo Dmitri
Shostakóvitch (1906-1975) é também sua única obra dedicada à viola: a Sonata
para Viola e Piano Op. 147, de 1975. Personagem controverso, Shostakóvitch
inspirou pesquisas, biografias e debates, especialmente acerca de sua postura
colaborativa diante do regime stalinista vigente na Rússia a partir de 1924 (cf.
COELHO, 2006; FAYE, 2000; ROSS, 2009). Vivendo um século de transformações
intensas e impactantes (cf. COTANDA, 2009), Shostakóvitch trabalhou no limiar
entre o abstracionismo e as prescrições estéticas dos líderes de seu país numa
permanente e criativa negociação política e musical que, entretanto, em diferentes
níveis e maneiras, atinge aos músicos em geral (cf. FISCHERMAN, 2011).
Shostakóvitch consagrou-se como um dos grandes do século XX, produziu uma obra
vasta e variada em diversos gêneros musicais (cf. HULME, 2010; RILEY, 2004) e foi
aclamado tanto pela cultura dissidente quanto pela cultura oficial (cf. McKAY, 2000).
Na fase inicial, que coincidiu com o futurismo, experimentou a música industrial e
mecanicista (cf. COUTO JÚNIOR, 2004; MAIA, 2008). Mais tarde, com o stalinismo,
se viu monitorado por um programa estatal que denegria o formalismo e restringia a
música experimental em prol de uma música simplificada e supostamente
identificada com valores populares apregoados pelo realismo socialista que
explorava o potencial propagandístico das artes (cf. ACS, 2011; GAY, 2009;
HARTMANN, 2010; MARON, 2004). Aqui vale notar que, como observam diversos
comentaristas, ao contrário do que acontecia com sua visada produção sinfônica (cf.
COELHO, 2006; RADICE, 2012), foi na música de câmara que Shostakóvitch
encontrou maior espaço para a expressão autoral e o experimentalismo.
319
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

É significativo para o repertório da viola contar com uma obra escrita por
um compositor no auge da maturidade e com o prestígio de Shostakóvitch. A viola é
um instrumento de conotações especiais para alguns compositores que chegaram a
elegê-la como voz solista por sua capacidade de expressar sentimentos de grande
beleza ou melancolia. Excetuando Paul Hindemith, a viola não foi exatamente a
primeira opção em obras para instrumento solista e, para alguns outros
compositores, a escolha da viola solista ocorreu somente ao final de suas vidas (cf.
MAURICE, 2000). A Sonata para Viola de Shostakóvitch foi dedicada ao violista
Fiódor Drujínin (1932-2007), integrante do Quarteto Beethoven, com o qual
Shostakóvitch manteve estreita relação chegando inclusive a consultá-lo sobre
detalhes técnicos do instrumento, como a possibilidade de execução, em tempo
rápido, dos incomuns intervalos harmônicos de quartas paralelas ligadas. Com a
meticulosa exploração artística deste recurso, até então pouco usual no repertório da
viola, Shostakóvitch estimulou um significativo desenvolvimento técnico instrumental
(cf. ROXBURGH, 2013). Sob o ponto de vista composicional, a utilização de
intervalos de quartas justas é ostensiva na Sonata para Viola, tratando-se de uma
característica motívica que, portanto, unifica a obra como um todo (cf. MAURICE,
2000). A sonata estreou um mês após a morte do compositor e seu sucesso
conquistou repercussão internacional sendo executada em vários países em questão
de meses. A obra despertou o interesse da comunidade musical estimulando
transcrições para violoncelo e versões alternativas para viola e orquestra (cf.
DINERCHTEIN, 2008; FAYE, 2000; HULME, 2010). As razões ou motivações do
compositor para escrever esta sonata nos momentos finais de sua vida conformam
uma espécie de tema correlato que estimulou a imaginação e a criação de mitos.
Sobre tal tema, Dinerchtein (2008) compilou depoimentos que fundamentam duas
principais linhas de interpretação: uma delas, construída quase que inteiramente em
bases precárias, reúne conjeturas e especulações sustentando que o compositor
teria assumido uma postura deliberada de despedida, assim, o Op. 147 seria algo
como um auto-réquiem. Outros atestam o oposto, Shostakóvitch demonstrou
otimismo e ânimo para novos projetos até seus últimos momentos. Dinerchtein
conclui que não há, de fato, nenhuma evidência genuína de que uma mensagem de
320
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

despedida seja realmente intrínseca à peça, deixando tal conclusão ao encargo da


nossa própria interpretação.
Nos três movimentos de sua Sonata para Viola, Shostakóvitch se valeu de
um procedimento composicional bastante conhecido desde a Idade Média: a
estratégia do empréstimo, ou seja, a recriação de um material musical pré-existente
em um novo contexto. A obra evidencia duas formas de empréstimo, alusão e
citação, empregadas em níveis e propósitos diferentes, que referenciam obras do
próprio Shostakóvitch e de outros compositores (cf. LEE, 2010). No primeiro
movimento da sonata ouvimos uma referência ao Concerto para Violino de Alban
Berg e ao contexto de sua criação através do emprego de uma melodia
dodecafônica. No segundo, destaca-se a transcrição da abertura da ópera Os
jogadores, de Shostakóvitch, revelando uma recriação adaptada a outro meio fônico,
viola e piano, que preserva parâmetros formais da obra original (cf. BOTA, 2008). O
terceiro movimento mantém relações com os demais movimentos da peça, à
maneira de uma sonata cíclica, cuja estrutura é unificada pela repetição ou retomada
de temas ou motivos apresentados ao longo de toda a obra. Este último movimento
referencia a Sonata ao Luar de Beethoven e o Dom Quixote de Richard Strauss,
conciliando-os, em auto-empréstimo, a materiais oriundos da Suíte para dois pianos
de Shostakóvitch.
Estudar uma música é uma oportunidade de aprender bem mais do que o
domínio exclusivamente técnico. A Sonata para Viola de Shostakóvitch é uma obra
que propõe questões técnicas interessantes e inerentes ao instrumento, pela
desafiadora ênfase dada aos intervalos de quartas e pela riqueza de timbres que a
obra explora. É uma música rica em melodias novas e outras agregadas por alusão
ou citação que se entrelaçam e que trazem consigo suas próprias bagagens. Para o
intérprete, focar o aspecto da construção técnica do discurso ou sintaxe musical (cf.
NOGUEIRA, 2010) é tão significativo quanto conhecer, por diferentes ângulos, as
histórias que envolvem uma obra. Tal conhecimento orienta e auxilia a performance,
sensibilizando e humanizando a expressão artística, e subsidia informações que,
com o devido zelo ético, poderão interferir na fruição e apreciação pública da obra.
321
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Referências:

ACS, Patrícia Dayane. O foco proletário: processo narrativo da obra A mãe de


Maksim Górki. Dissertação (Mestrado em Literatura) - Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. 2011.

BOTA, João Victor. A transcrição musical como processo criativo. Dissertação


(Mestrado em Música). Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista. 2008.

COELHO, Lauro Machado. Shostakóvitch: vida, música e tempo. São Paulo:


Perspectiva, 2006.

COTANDA, Fernando Coutinho. A sociedade no século XX. Revista Brasileira de


História & Ciências Sociais, São Leopoldo, v.1, n. 2. 2009.

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323
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Considerações interpretativas sobre a obra TransFormantes III para


vibrafone e live-electronics

Charles Augusto Braga


UFMG – charles.augustus@hotmail.com

Fernando Rocha
UFMG - fernandorocha70@gmail.com
Resumo: Este trabalho pretende discutir possibilidades interpretativas da obra
TransFormantes III para vibrafone e live-electronics, tendo como base os conceitos de
conexão e direccionalidade (Menezes, 2013: 70) e (Bitondi, 2012, ), bem como algumas
peculiaridades e dificuldades da execução do repertório misto com eletrônica em tempo
real.

Palavras-chave: performance, interpretação, vibrafone, live-electronics

1. Introdução
A presente comunicação é parte da pesquisa que desenvolvo no curso de
mestrado em performance musical, na qual são discutidas algumas possibilidades
de interpretação de obras para vibrafone e live-electronics, focalizando o estudo das
peças TransFormantes III (1997), do compositor brasileiro Flo Menezes e Sequitur XI
do compositor austríaco Karlheinz Essl. Este texto pretende apresentar e discutir
questões de interpretação relacionada a certos fragmentos da obra TransFormantes
III.
A performance de obras mistas, em geral, requer uma logística mais
elaborada para sua execução do que as obras acústicas convencionais, uma vez
que exige uma série de equipamentos apropriados. Freire (2007) discute essas
peculiaridades do repertório misto, salientando a importância de condições
favoráveis para que o intérprete possa preparar com maior qualidade a interpretação
de uma obra eletroacústica. O autor menciona materiais com os quais o
instrumentista deve contar como, por exemplo, computador de alta qualidade, alto-
falantes, pedais, entre outros equipamentos. Estas condições sugerem que o
intérprete considere outras questões além da performance propriamente dita.
No mesmo contexto, Rocha (2008) menciona que é essencial estudar a
obra com o setup completo, ou seja, instrumentos de percussão e equipamentos
eletrônicos necessários. Assim, podemos compreender que esta o ensaio com a
eletrônica completa é fundamental, pois torna viável ensaiar o repertório e
determinar as possibilidades de interpretação de maneira mais profunda. Além disso,
esse preparo confere ao intérprete o maior domínio dos resultados da eletrônica em
324
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

tempo real.
No que diz respeito à obra TransFormantes III (1997) para vibrafone e
live-electronics, de Flo Menezes, a música foi concebida em sete breves
movimentos, cada um com aproximadamente um minuto de duração, denominados
pelo compositor de “formantes”, em menção metafórica ao conceito acústico de
mesmo nome. Estes provêm a forma estrutural da obra, sendo uma características
marcante desta composição. Os sete formantes devem ser apresentados de maneira
fragmentada durante o concerto. Ou seja, deve-se intercalar os formantes com as
outras obras contidas no concerto, sendo necessário que sua ordem seja mantida.
Assim, enquanto o Formante 1 será apresentado ao início do concerto, o Formante 7
deverá encerrá-lo. A fragmentação gera dificuldades para que o performer consiga
amalgamar a obra durante sua execução. Essa questão reforça as justificativas para
que sejam definidas a seguir escolhas interpretativas que possam tornar a obra mais
conectada.

2. Fundamentação teórica e metodologia


Para auxiliar no estudo das escolhas interpretativas da obra, será utilizada
a análise harmônica (Braga, 2010) que, juntamente com o conceitos de conexão e
direcionalidade (Menezes, 2013) e (Bitondi, 2012), podem revelar aspectos da
organização composicional. Segundo Rink (2007), esse entendimento permite uma
interpretação mais fundamentada da obra musical. Portanto, faz-se necessário
elucidar os conceitos acima mencionados, situando-os diante de sua fundamentação
teórica.
O conceito de “conexão” é um aspecto fundamental na composição de Flo
Menezes. O compositor procura desenvolver em suas obras estratégias que possam
ser reconhecidas durante o tempo da execução musical, através da projeção e do
entrelace, de antecipações ou reverberações de materiais musicais, fornecendo
assim uma maior coesão no discurso composicional (Menezes, 2013, p. 76). Já as
direcionalidades são as mudanças do material musical sofridas no tempo
cronológico, em especial aquelas que podem ser identificadas pelo público como,
por exemplo, alterações de estados acústicos, ou mesmo transformações de textura
(Bitondi, 2012).
Estes conceitos servirão como ferramentas metodológicas para a
apresentação das soluções interpretativas que encontram-se na sequência deste
resumo. Passaremos, portanto, a um maior detalhamento de trechos de
TransFormantes III.
325
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

3 Considerações interpretativas
Durante toda a obra identificamos trechos delimitados por estruturas
harmônicas (ver figura 1, retângulos amarelo, verde e vermelho), que não coincidem
com quase nenhuma possibilidade de fraseado ou gesto musical (ver figura 1,
gestos em cinza). Contudo, estes fraseados não sincrônicos podem atuar como
conectores das seções harmônicas, evitando rupturas entre as transições dos
materiais harmônicos identificados. O intérprete pode se apoiar no reconhecimento
desta elaboração composicional para obter fraseados contínuos e com maior fluidez.

Figura 1: partitura do formante 1de Transformantes III de Flo Menezes, com marcações de fraseado,
estruturas harmônicas e entrada de processo eletrônico em tempo real (time freezing)

Pode-se observar também que os processos eletrônicos convergem para


a mesma idéia de conexão. Um exemplo pode ser localizado na entrada da
eletrônica do formante 1, que apresenta um processo de time freezing (ver figura 1,
retângulo azul), efeito de prolongamento artificialmente da duração de uma
determinada nota, fazendo com que a mesma dure artificialmente até o final deste
mesmo formante.
O processo de time freezing nesta peça é um importante exemplo de
direcionalidade, já que valoriza uma nota artificialmente, que segue até o final do
formante 1. Esta nota é inserida após um gesto musical que percorre toda a tessitura
do vibrafone pela primeira vez na peça, culminando num rulo1 na região mais aguda
do instrumento, com dinâmica ff (ver primeiro retângulo vermelho e retângulo azul da
figura 1).
Outro exemplo de conexão a ser destacado é o procedimento shuffling
ocorrido no formante 2. O shuffling é um efeito que consiste em gerar vários “ecos”
326
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

irregulares advindos do som do vibrafone. Este efeito de “eco” eletrônico cria um


maior adensamento textural, possibilitando ao instrumentista uma maior liberdade
nos seus gestos musicais, pois os “ecos” preenchem o som temporalmente durante
todo este formante. Entretanto, pode ser difícil para o performer controlar esta
textura, mantendo-a numa proporção que seja possível perceber a sonoridade do
vibrafone e da electrónica. Com isso confirma-se a necessidade da preparação e
logística discutida na primeira parte deste texto, já que o ensaio com o setup
completo possibilita o maior controle da densidade textural resultante dos “ecos” e
com o próprio vibrafone, conferindo maior clareza da interação entre os meios
acústico e eletroacústico.
Já no formante 6, o instrumentista precisa-se atacar e sustentar um
acorde por mais ou menos vinte e cinco segundos, conforme solicitado na partitura.
Segundo Chaib (2007) a ressonância do vibrafone é de aproximadamente dez
segundos. Entretanto, se fecharmos os tubos de ressonância do instrumento é
possível aumentar a duração da ressonância para aproximadamente quarenta
segundos, o que pode solucionar este problema, sendo o excesso de ressonância
minimizado pela troca de pedal.

A obra TransFormantes III possibilita ainda diversas outras questões


sobre conexão e direccionalidade, apresentando um rico material para a pesquisa de
soluções interpretativas.

4 Considerações finais
Podemos concluir que a de preparação de obras mistas em tempo real,
quando realizada com boa qualidade, ou seja provida de equipamentos electrónicos
necessários, nos possibilita não apenas ensaiar a performance, como também
compreender procedimentos eletrônicos envolvidos na composição. Portanto, pode-
se considerar que a performance está subordinada à compreensão destes
processos.
A compreensão dos conceitos inerentes a obra TransFormantes III pode
proporcionar uma performance mais coesa, unindo os meios acústicos e eletrônicos,
os processos composicionais perceptíveis no momento da performance e
valorizando elementos para a percepção do público.

Referencias bibliográficas:
BITONDI, Matheus. Direcionalidade em duas melodias do século XX: Syrinx, de
Clause Debussy e a primeira das Três peças para clarinete solo, de Igor Stravinsky.

1
Recurso muito utilizado nos instrumentos de percussão, no qual o músico toca figuras muito rápidas que
simulam uma nota longa.
327
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

PER MUSI, Revista acadêmica de música, Belo Horizonte, n. 26, p. 47. 2010

BRAGA, Charles A. TransFormantes III para vibrafone e live-electronics: análise dos


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Instituto de Artes da UNESP, São Paulo, 2010.

CHAIB, Fernando M. de C. Exploração tímbrica no vibrafone: Análise Interpretativa


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em Música). Universidade de Aveiro, Aveiro, 2007.

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MENEZES, Flo. Matemática dos afétos: Tratado de (Re)composição musical. São


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Schulich School of Music, McGill University Montreal, Canada, 2008.

Partitura:
MENEZES, Flo. TransFormantes III. São Paulo: [s/ed.], 1997. Partitura de execução. 1 partitura (9 p.).
Vibrafone e eletrônica em tempo real.
328
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Crenças de autoeficácia em aulas de musicalização e flauta doce

MODALIDADE: Resumo expandido

Renata Filipak
UFPR – refilipak@gmail.com

Rosane Cardoso de Araújo


UFPR – rosanecardoso@ufpr.brl

Resumo: O presente trabalho apresenta uma pesquisa sobre as crenças de autoeficácia


realizada em aulas de musicalização e flauta doce em grupo. O Objetivo foi verificar se as
indicações das fontes que constituem as crenças de autoeficácia, a saber: experiência
pessoal de êxito, experiências vicárias, persuasão verbal e reações afetivas, tinham influência
e/ou fortaleciam essas crenças nos alunos participantes daquelas aulas. O que pode-se
perceber com a pesquisa realizada foi que as crianças fortaleceram suas crenças de
autoeficacia por justamente realizar o aprendizado em grupo.
Palavras-chave: crenças de autoeficácia; musicalização; flauta doce

Self-efficacy beliefs in introductory music and recorder

Abstract: This paper presents partial results of a research on self-efficacy beliefs developed in
introductory music and recorder lessons and group workshops. The aim was to verify if the indicators
of the sources that constitute the self-efficacy beliefs – namely, personal experience of success,
vicarious experiences, verbal persuasion and emotional reactions – had influence and/or strengthened
those beliefs in those students participating in classes and workshops. The survey indicates that
children strengthened their self-efficacy beliefs precisely by performing the group learning exercises.
Keywords: self-efficacy beliefs; introduction to music; recorder

1. Introdução

Pensando na obrigatoriedade do ensino de música nas escolas e também


na sua importância enquanto ferramenta de sensibilização e desenvolvimento
musical, é que se propôs a musicalização como atividade extracurricular para os
alunos do 3.º ao 5.º ano do Ensino Fundamental II da Escola Realeza. Essa escola
está situada no município de Palmeira/PR.
A partir das atividades realizadas, os alunos têm se desenvolvido
musicalmente de forma satisfatória e prazerosa, atingindo os objetivos de executar,
apreciar, e criar música mesmo que ainda em nível iniciante. Pôde-se perceber que
as crianças estão desenvolvendo suas capacidades musicais, aperfeiçoando-se
cognitivamente e tornando-se mais interessados, mais atentos e concentrados em
todas as áreas, além de disciplinados e sociáveis.
Verificando estes resultados, uma das hipóteses que encontramos para que
o desenvolvimento do aprendizado dessas crianças seja efetivo é justamente o
modelo da aprendizagem em grupo. Uma vez que o processo de
ensino/aprendizagem proposto na Escola Realeza é realizado em grande grupo,
observamos que aqui existe um fator motivacional forte, que estimula as crianças.
329
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Assim, ao abordar a questão da motivação para aprendizagem num


contexto social, nos remetamos à Teoria Social Cognitiva, de Albert Bandura (2008).
Por meio desta teoria, encontramos elementos que nos ajudam a entender fatores
motivacionais que auxiliam o desenvolvimento musical num contexto coletivo. O
principal enfoque desta teoria é a construção das crenças de autoeficácia, isto é, a
confiança que o sujeito deposita em suas capacidades para determinada ação. O
objetivo geral para esta pesquisa, portanto, foi investigar a construção das crenças
de autoeficácia dos alunos da Escola Realeza nas aulas de musicalização e flauta
doce.

2. Crenças de autoeficácia

Vieira e Coimbra (2006) explicam que o questionamento do sujeito sobre


suas capacidades diante de uma determinada situação indica um pensamento sobre
suas crenças de autoeficácia: “Quando o indivíduo pergunta: ‘Será que eu vou
conseguir fazer?’ está a questionar-se acerca de suas crenças de auto-eficácia face
a algo (VIEIRA e COIMBRA, 2006, p. 30).
Assim as crenças de autoeficácia podem ser entendidas como uma
percepção do indivíduo a respeito de suas capacidades. Neste sentido, novamente,
Vieira e Coimbra (2006) enfatizam:
[...] as crenças de auto-eficácia ajudam a determinar as escolhas do
indivíduo relativamente a actividades e meios, assim como o esforço, a
persistência, os padrões cognitivos e as reacções emocionais [...] (idem).

De acordo com Pajares e Olaz (2008), as crenças de autoeficácia são


adquiridas pelo sujeito por meio de diferentes fontes. Estas fontes envolvem
experiências vivenciadas no cotidiano e podem ser identificadas como: reações
afetivas; experiências pessoais de êxito; experiências vicárias; e verbalizações
persuasivas. Neste estudo estas fontes foram usadas para orientar a elaboração do
instrumento de coleta de dados junto às crianças.

3. Metodologia
3.1. Método
Para dar conta do objetivo deste trabalho, optamos por realizar uma Survey
de pequeno porte. Machado (2007, p. 62) descreve a survey como um método que
“envolve a realização de uma pesquisa de campo, na qual a coleta de dados é
330
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

efetuada através da aplicação de questionário ou formulário junto à população


investigada”.

3.2. Instrumento de Coleta de Dados


A fim de levantar dados sobre as experiências de aprendizagem e crenças de
autoeficácia no grupo dos alunos de musicalização e flauta doce elaboramos uma
escala contendo 10 questões com base no estudo de Kruger e Araujo (2013). Cada
pergunta foi pensada para verificar a autoeficácia das crianças a partir de três fontes:
experiências pessoais de êxito, experiências vicárias e reações afetivas. Optamos
por não incluir no escala perguntas relacionadas com a fonte “verbalizações
persuasivas” por ser, uma das pesquisadoras, docente desse projeto.
Para cada questão havia uma escala Likert de 5 pontos a fim de que os
participantes pudessem escolher a resposta que melhor condizia com a questão:

Nunca Raramente Às veze Quase sempre Sempre

Os participantes da pesquisa foram alunos da Escola Realeza (Palmeira/PR)


inseridos no projeto de musicalização e flauta doce oferecido como disciplina
extracurricular na mesma escola. Onze (n=11) crianças, com idades entre 07 e 11
anos, responderam espontaneamente o questionário.

4. Resultados
Os resultados mais significativos da análise da escala seguem apresentados
por categorias. Cada categoria foi observada em diferentes questões:
a. Reações afetivas (RA), questões 1, 4 e 5.
b. Experiências vicárias (EV), questões 2, 3, 6, 7, 8 e 9.
c. Experiências de êxito (EE), questão 10.
331
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Questão 1 (RA) - Você se sente bem nas aulas de flauta? Nessa Questão não
apareceram as opções “Nunca”, “Raramente” e “Às vezes”, ficando a maioria na
opção “Sempre”. (Ver Tabela 1)
Questão 1 Número de Respostas Percentual
5 (Sempre) 9 81,81%
4 (Quase sempre) 2 18,18%
3 (Às vezes) 0 0%
2 (Raramente) 0 0%
1 (Nunca) 0 0%
Tabela 1: Questão 1

Questão 4 (RA) - Você se sente bem tocando sozinho? Nas respostas


relacionadas a essa questão apareceram as opções “Nunca” e “Às vezes” em
poucas respostas. A maioria ainda permanece nos quesitos “Sempre” e “Quase
sempre”. (Ver Tabela 2)

Questão 4 Número de Respostas Percentual


5 (Sempre) 5 45, 45%
4 (Quase sempre) 3 27,27%
3 (Às vezes) 1 9,09%
2 (Raramente) 0 0%
1 (Nunca) 1 9,09%
Tabela 2: Questão 4

Questão 5 (RA) - Você se sente bem tocando em grupo? Nessa questão a


grande maioria respondeu “Sempre”. (Ver Tabela 3)

Questão 5 Número de Respostas Percentual


5 (Sempre) 10 90,90%
4 (Quase sempre) 1 9,09%
3 (Às vezes) 0 0%
2 (Raramente) 0 0%
332
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

1 (Nunca) 0 0%
Tabela 3: Questão 5

Questão 3 (EV) - Quando a professora corrige os erros dos seus coleguinhas


você procura não repetir o mesmo erro quando é a sua vez de tocar? As respostas
em sua maioria mantiveram-se nos quesitos “Sempre” e “Quase sempre”. (Ver
Tabela 4)

Questão 3 Número de Respostas Percentual


5 (Sempre) 7 63,63%
4 (Quase sempre) 4 36,36%
3 (Às vezes) 0 0%
2 (Raramente) 0 0%
1 (Nunca) 0 0%
Tabela 4: Questão 3

Questão 6 (EV) - Quando você vê alguém tocando uma peça difícil, você
tem vontade de tocar da mesma forma? Ainda as respostas em sua maioria ficam
nas escolhas “Sempre” e “Quase sempre”. (Ver Tabela 5)

Questão 6 Número de Respostas Percentual


5 (Sempre) 9 81,81%
4 (Quase sempre) 3 27,27%
3 (Às vezes) 0 0%
2 (Raramente) 0 0%
1 (Nunca) 0 0%
Tabela 5: Questão 6

Questão 10 (EE) - Tocar na frente de seus coleguinhas faz você querer


tocar sem errar? Nessa questão apenas um participante respondeu “Quase sempre”
sendo que os demais responderam “Sempre”. (Ver Tabela 6)
333
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Questão 5 Número de Respostas Percentual


5 (Sempre) 10 90,90%
4 (Quase sempre) 1 9,09%
3 (Às vezes) 0 0%
2 (Raramente) 0 0%
1 (Nunca) 0 0%
Tabela 6: Questão 10

4. Análise de Dados e Discussão


Por meio da escala aplicada foi possível verificar que os alunos, por meio de
experiências vicárias, experiências de êxito e reações afetivas, estão fortalecendo
suas crenças de autoeficácia para atividades de musicalização e execução da flauta
doce. O contexto coletivo, portanto, é identificado neste estudo como facilitador
desse processo.
Para o grupo das Reações afetivas (RA) a maioria das respostas, foi
“Sempre”. Isto quer dizer que em 73% das respostas o sentimento em relação às
aulas coletivas são positivos. (Ver Gráfico 1)

Respostas  RA
0% 2;  6%
1;  3%

5  (Sempre)
4  (Quase  sempre)
6;  18%
3  (Às  vezes)

24;  73% 2  (Raramente)


1  (Nunca)

Gráfico 1: Reações Afetivas (RA)

Para o grupo das Experiências Vicárias (EV), a maioria das respostas foi
“Sempre” e “Quase sempre” indicando, novamente, a reação positiva em relação à
334
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

aprendizagem nas aulas por meio de observação e imitação de seus pares. (Ver
Gráfico 2)

Resposta  EV
1;  1 % 0;  0%

5;  8 %

5  (Sempre)
4  (Quase  sempre)
3  (Às  vezes)
34;  52%
26;  3 9% 2  (Raramente)
1  (Nunca)

Gráfico 2: Experiências Vicárias (RA)

Para o grupo das Experiências Pessoais de Êxito (EE), mais uma vez as
respostas “Sempre” e “Quase sempre” apareceram, sugerindo um retorno positivo
em relação ao êxito próprio perante o grupo. Essas respostas totalizam os 100%.

Resposta  EE
0;  0% 0;  0 %
0;  0 %

1;  9%

5  (Sempre)
4  (Quase  sempre)
3  (Às  vezes)
2  (Raramente)
1  (Nunca)
10;  91%

Gráfico 3: Experiências Pessoais de Êxito (EE)


335
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Estes resultados, portanto, corroboram com as indicações de Bandura (2008)


ao sugerir que as crenças de autoeficácia são construídas por meio de diferentes
experiências que o indivíduo vivencia no contexto social. As crianças deste estudo
demonstraram fortemente este processo, na aprendizagem musical e em aulas
coletivas.

5. Referências
KRUGER, I; ARAÚJO, R.C. O Processo de aprendizagem da composição musical
em aulas coletivas por meio das experiências vicárias. Anais do IX Simpósio de
Cognição e Artes Musicais. Belém: UFPA, 2013.

MACHADO, L. M. et all. Pesquisa em Educação: Passo a Passo. Marília SP:


Tecnologia e Educação, 2007.

PAJARES, F.; ORLAZ, F. Teoria social cognitiva e auto-eficácia: uma visão geral
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Porto Alegre: Artmed, 2008, p.97-114.

BANDURA, A. (2008). A evolução da teoria social cognitiva. In: BANDURA, A.;


AZZI , R.G.; POLYDORO, S. (Orgs.). Teoria social cognitiva . Porto Alegre: Artmed,
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VIEIRA, D. ; COIMBRA, J. L. A auto-eficácia na transição para o trabalho. In: R.G.


Azzi, & S.A.J. Polydoro (Orgs). Auto-eficácia em diferentes contextos Campinas:
Editora Alínea, 2006, p.25 - 58.
336
SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

AQUISIÇÃO DE HABILIDADES RÍTMICAS NO ESTUDO DO VIOLÃO

COGNIÇÃO

Luiz Carlos Martins Loyola Filho


UFPR – lcmartinsloyola@gmail.com

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo o levantamento de dados acerca dos fatores
relacionados à aquisição de habilidades rítmicas no aprendizado do violão. O objetivo foca-se
especialmente na identificação dos problemas e dificuldades encontrados no aprendizado do
violão, as causas e possíveis soluções para estas questões, em especial por meio do
treinamento rítmico. O instrumento utilizado foi o questionário, respondido por 20 professores
de violão de Curitiba/PR. Constatou-se que os professores apontam o ritmo como a principal
dificuldade no aprendizado/execução do violão, corroborando com os teóricos revisados
neste trabalho. Fatores como falta de treinamento, dificuldades de percepção, dificuldades
motoras, etc. são apontados para a explicação da dificuldade rítmica.

Palavras-chave: habilidades rítmicas. violão. treinamento rítmico. aprendizagem/execução.

RHYTHM SKILLS ACQUISITION IN ACOUSTIC GUITAR STUDY

Abstract: The current study aims to survey data about factors related to the acquisition of
rhythmic skills in acoustic guitar learning. The objective focuses on the identification of
problems and difficulties in learning the guitar, the causes and possible solutions to these
issues, in particular through the rhythmic training. The instrument used was a questionnaire,
which was answered by 20 guitar teachers from Curitiba/PR. It was found that teachers
pointed out the rhythm as the main difficulty in learning / playing of the acoustic guitar, which
corroborates the theorists reviewed in this study. Factors such as lack of training, difficulties in
perception, motor difficulties, etc. are pointed to the explanation of rhythmic difficulty.

Keywords: rhythmic skills. acoustic guitar. rhythmic train. learning/playing of the acoustic
guitar.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo é um recorte da monografia1 “Aquisição de Habilidades


Rítmicas no estudo do Violão”, realizada como pré-requisito para conclusão do curso
de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Paraná – UFPR, e foi
motivada por questionamentos surgidos em minha experiência lecionando violão há
mais de 12 anos.
A constatação das diferenças de desempenhos entre os alunos,
principalmente no quesito habilidades rítmicas me levou a questionar os verdadeiros
fatores responsáveis e também como outros professores de violão percebem a
aprendizagem rítmica de seus alunos.
Neste sentido, a questão de pesquisa apresentada para este estudo pôde
ser sintetizada pelas perguntas: Como professores de violão percebem a
aprendizagem rítmica dos seus alunos? Os professores percebem diferenças
significativas na aprendizagem rítmica de um estudante para outro? Se sim, quais as
causas que os professores identificam para os diferentes desempenhos? Os

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Trabalho orientado pela Professora Dra. Rosane Cardoso de Araújo (UFPR).
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professores consideram possível desenvolver habilidades rítmicas por meio do


treinamento rítmico?
Assim o presente trabalho trouxe como objetivo geral investigar, por meio
de um estudo de levantamento – utilizando o questionário como instrumento para
tanto -, a concepção e percepção de professores de violão sobre a aprendizagem
rítmica de seus alunos. Como objetivos específicos, busquei: a) verificar se os
professores percebem diferenças significativas na aprendizagem rítmica de um
estudante para outro; b) averiguar se os professores atribuem diferentes causas
para a variação de desempenhos na execução rítmica de seus alunos; c) analisar se
os professores consideram possível melhorar as habilidades rítmicas de seus alunos
por meio do treinamento rítmico.
A revisão bibliográfica deste trabalho foi realizada com base nas ideias de
Sloboda (2008), Gordon (2000), e Hargreaves & Zimmerman (2006).

2. APRESENTAÇÃO, INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS


PESQUISADOS

O questionário foi aplicado para 20 professores de violão da cidade de


Curitiba/PR que atuam em escolas livres de música e também atendem em
domicílio. Este instrumento de coleta de dados possui 9 questões do tipo objetivas
de múltipla ou de única escolha.
A primeira questão pergunta aos professores sobre a faixa etária dos
alunos para os quais lecionam violão (ver tabela 1: Faixa Etária). A menor idade de
alunos encontrada nas respostas foi de 5 anos e a maior de 70 anos, o que
demonstra uma faixa etária geral bastante extensa que engloba crianças, jovens,
adultos e idosos. As respostas foram classificadas em: Faixa 1 (de 5 a 12 anos),
Faixa 2 (dos 13 aos 20 anos), Faixa 3 (dos 21 aos 59) e Faixa 4 (dos 60 aos 70
anos).

QUESTÃO  1  
Nº  de  prof  que  
lecionam  p/  a  faixa  
FAIXA  ETÁRIA   etária  
FAIXA  1   15  
FAIXA  2   20  
FAIXA  3   16  
FAIXA  4   5  
Tabela  1:  Faixa  Etária  

Nota-se que todos os professores dão aula para a “Faixa 2”; 16 dos 20
dão aula para a “Faixa 3”; 15 dos 20 dão aula para a “Faixa 1” e apenas 5 dos 20
lecionam para a “Faixa 4”. O que demonstra que a maior demanda de professores é
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para alunos de 13 a 20 anos. Tal fato permite a constatação de que, segundo


Gordon (2000: 17), a maioria dos alunos – de 13 a 20 anos – está na fase de
aptidões musicais estabilizadas e que os alunos em geral da pesquisa não estão
iniciando o aprendizado de violão, ou talvez o aprendizado musical, na primeira
infância, como recomendado pelo autor.
Segundo Gordon (2000), as crianças desenvolvem os alicerces para o
aprendizado até os 5 anos de idade, logo se um aluno não desenvolveu o alicerce
para aquisição de determinada habilidade, o professor deverá aplicar uma educação
compensatória, que, segundo o autor, nunca será suficientemente eficiente. Porém
uma explicação para o fato é a dificuldade mecânica na execução do violão, que
exige bastante coordenação, precisão, força para pressionar as cordas, etc. e, como
visto na teoria de Rainbow e Owen (apud HARGREAVES & ZIMMERMAN: 255), a
dificuldade de execução rítmica está diretamente ligada à dificuldade do movimento.
Logo, recomenda-se aos indivíduos com idade situada na primeira infância, iniciar
seu aprendizado musical em um instrumento que ofereça menos dificuldades
mecânicas, o que contribuirá para evitar sua desmotivação.
Segundo Sloboda (2008), estes alunos estão iniciando seu aprendizado
no 3º estágio – de 5 a 10 anos –, estágio esse que, segundo o autor, emerge nas
crianças uma consciência reflexiva sobre as regras e estilos os quais a música se
classifica e também melhora-se o desempenho nas tarefas de memória e percepção,
ou seja, é uma idade propícia, em diversos aspectos, para o início do aprendizado
musical.
De acordo com Gardner (apud HARGREAVES e ZIMMERMAN), a maioria
dos alunos da pesquisa está no período de “desenvolvimento artístico posterior”, que
é a partir dos 9 anos de idade. Porém uma parte dos alunos da pesquisa ainda está
no período do uso de símbolos, que é dos 2 aos 7 anos, e que, segundo o autor, é o
período das “janelas de oportunidade”. A faixa etária da pesquisa correspondente a
esse período é de 5 a 7 anos, na qual, segundo o autor, a criança já desenvolveu
alguma precisão no ato de contar (tempos, eventos), ou no canto, de alturas e
intervalos e está a desenvolver a capacidade de usar sistemas de símbolos culturais,
como a notação musical.
A questão de número 2, que é objetiva do tipo múltipla escolha, faz o
levantamento da concepção dos professores quanto às principais dificuldades que
os alunos enfrentam no aprendizado do violão (ver Gráfico 1 – Principais
dificuldades).
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É possível notar que a grande maioria – 18 dos 20 professores – aponta a


execução correta de ritmos como uma das principais dificuldades, o que também é
um dos fatores presentes na problemática citada no início deste trabalho e que me
levou a escolha deste tema. A segunda opção mais votada – 9 dos 20 professores –
demonstra que os professores apontam a execução de mudanças de acordes como
uma das principais dificuldades, o que corrobora com a ideia de Taborda (2011)
sobre o violão ser um instrumento com grande dificuldade técnica e também com a
teoria de Rainbow e Owen (apud Hargreaves e Zimmermann, 2006) sobre a
dificuldade rítmica estar diretamente associada à dificuldade do movimento. A
terceira opção mais votada – 6 de 20 professores – os professores apontam a leitura
rítmica dentre as mais difíceis; empatadas em penúltimo lugar – 2 dos 20
professores – a leitura melódica e o dedilhado são apontadas pelos professores.
Apenas um professor indicou outra habilidade como uma das mais difíceis e que não
constava na questão, que é a de percepção harmônica.
A terceira questão é idêntica à anterior, alterando apenas o seu tipo,
deixando de ser de múltipla para ser do tipo única escolha, ou seja, os professores
deveriam indicar, dentre todas as anteriores, a principal dificuldade encontrada pelos
seus alunos de violão (ver Gráfico 2 – Principal Dificuldade).
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É possível notar no gráfico que a opção mais votada – 10 dos 20 professores


– continua sendo a execução rítmica correta. A execução de mudanças de acordes
e a leitura melódica ficam empatadas em segundo lugar – 3 dos 20 professores,
cada – como principal dificuldade. Em terceiro lugar, com 2 votos, está a leitura
rítmica e em último lugar, com apenas 1 voto, está o dedilhado.
A quarta questão, que é do tipo objetiva de única escolha, indaga os
professores quanto à identificação de diferentes desempenhos, de um aluno para o
outro, na aquisição de habilidades rítmicas. A resposta foi unânime – todos os
professores identificam diferenças de desempenhos desse tipo entre os alunos (ver
Tabela 2 – Diferença de desempenho). O que corrobora com as teorias de todos os
autores citados nesta pesquisa.

QUESTÃO  4  
SIM   20  
NÃO                            0    
NÃO  SEI                            0  
Tabela  2  -­‐  Diferença  de  desempenho  

A questão de número 5, que é do tipo objetiva de múltipla escolha,


questiona os professores sobre os fatores que eles apontam como responsáveis
pelas diferenças de desempenhos na aquisição de habilidades rítmicas, citadas na
questão anterior (ver Gráfico 3 – Principais responsáveis pelas diferenças de
desempenhos).
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Percebe-se no gráfico que a grande maioria dos professores – 14 dos 20 –


aponta como fator principal, para as diferenças entre alunos nos desempenhos na
aquisição de habilidades rítmicas, a falta de estudo por parte dos alunos, ou seja, a
quantidade de horas dedicadas ao estudo do instrumento, o que corrobora com a
teoria de Sloboda (2006) sobre o treino (repetição) e desenvolvimento de hábito. O
segundo fator mais votado – 12 de 20 – apontado como principal responsável é a
dificuldade de percepção rítmica, o que corrobora com todos os autores citados e
com o primeiro conceito e habilidade rítmica. O terceiro fator mais votado – 8 de 20 –
é o pouco tempo de estudo no instrumento. Na quarta colocação – 5 de 20 – estão
os problemas relacionados com a habilidade motora, corroborando mais uma vez
com a teoria de Rainbow e Owen (apud Hargreaves e Zimmerman, 2000: 255).
Empatados em 5º lugar – 4 de 20 votos – estão a falta de vivência musical no
contexto familiar e a falta de vivência/escuta musical no cotidiano. E em último lugar
está outro fator, alheio à lista, que é citado por 2 professores que é a
aptidão/vocação musical, que corrobora com a teoria de Gordon (2000), que diz que
16% dos indivíduos possuem aptidões musicais abaixo da média ou reduzidas.
A questão 6, que também é do tipo objetiva do múltipla escolha, pergunta a
concepção dos professores sobre os fatores que mais contribuem para o
desenvolvimento das habilidades rítmicas no estudo do violão (ver Gráfico 4 –
Principais fatores para o desenv. de habilidades rítmicas).
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Por meio do gráfico é possível notar que o treino cotidiano é o fator mais
apontado pelos professores – 14 dos 20 – na contribuição para o desenvolvimento
de habilidades rítmicas, corroborando, mais uma vez, com a teoria de Sloboda
(2006) sobre a repetição e desenvolvimento de hábito. Sloboda afirma que para uma
habilidade complexa como tocar um instrumento são dedicadas centenas de horas
para se alcançarem graus moderados, e milhares de horas para tornar-se expert. O
segundo fator mais apontado dentre os principais – 12 de 20 – são os exercícios
práticos de rítmica. Em terceiro lugar – com 10 apontamentos – está o solfejo
rítmico. Em quarto lugar – com 9 apontamentos – está a audição diária de música. O
quinto fator mais apontado como principal fator é a formação musical na infância e
em último lugar estão outros dois fatores citados por professores que são a prática
de conjunto e a escuta de gêneros musicais diversificados.
A questão de número 7 restringe as opções da questão 6 a uma só,
tornando-a do tipo objetiva de única escolha, e pede que os professores elejam o
principal fator para o desenvolvimento de habilidades rítmicas (ver Gráfico 5 –
Principal fator para o desenv. de habilidades rítmicas).
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Percebe-se que o fator mais apontado como principal para o


desenvolvimento de habilidades rítmicas – 8 de 20 apontamentos – é o treino
cotidiano. Com 6 apontamentos, os exercícios práticos de rítmica são o segundo
fator mais apontado como principal. O fator formação musical na infância vem em 3º
lugar com 2 votos e empatados em último lugar estão o solfejo rítmico e ouvir música
diariamente.
A questão 8, objetiva de única escolha, busca saber se os professores
consideram a escuta musical cotidiana importante para a aquisição de habilidades
rítmicas, e a grande maioria respondeu “sim” (ver Tabela 3 – Importância da escuta
musical cotidiana).

QUESTÃO  8  
SIM   18  
NÃO   1  
NÃO  SEI   1  
                               Tabela  3  -­‐  Importância  da  escuta  musical  cotidiana  
O professor que assinalou a opção “não sei”, justificou sua escolha afirmando
que a influência na aquisição de habilidades rítmicas depende do tipo de repertório
escutado.
A última questão, de número 9, perguntou aos professores se eles acreditam
que a família e o contexto familiar influenciam na aquisição de habilidades rítmicas,
e, mais uma vez, a grande maioria respondeu que “sim” (ver Tabela 4 – Influência da
família e contexto familiar).

QUESTÃO  9  
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SIM   16  
NÃO   4  
NÃO  SEI   0  
Tabela  4  -­‐  Influência  da  família  e  contexto  familiar  

3. CONCLUSÃO

A partir da pesquisa realizada e analisada à luz do referencial teórico, foi


possível concluir que o problema da dificuldade da aquisição das habilidades
rítmicas, em especial a percepção e a execução rítmica ao violão, e talvez na música
em geral, é comum e que varia de indivíduo para indivíduo. Neste trabalho, fatores
são apontados por teóricos e professores – que corroboram mutuamente mesmo
sem conhecimento prévio das teorias por parte dos professores – como
responsáveis pela dificuldade de aquisição de habilidades rítmicas. Dentre eles:
fatores genéticos (HARGREAVES E ZIMMERMAN, 2006); aptidão musical abaixo da
média ou reduzida (GORDON, 2000); falta de estímulos e orientações na primeira
infância para desenvolvimento de alicerces responsáveis por essa habilidade
(GORDON, 2000); dificuldade de percepção rítmica, que, inicialmente, compreende
a identificação de diferenças ou similaridades entre dois padrões rítmicos
(SLOBODA, 2008), falta de repetição e falta de desenvolvimento de hábito
(SLOBODA, 2008), falta de motivação e falta de retorno ou “feedback” (SLOBODA,
2008), falta de horas de estudo dedicadas para atingir um grau moderado ou expert
(SLOBODA, 2008), dificuldade de entendimento no processo de passagem do
conhecimento factual para o conhecimento procedimental (SLOBODA, 2008),
dificuldade do movimento (dificuldade mecânica ou motora) que está diretamente
ligada à dificuldade de execução rítmica (RAINBOW e OWEN apud HARGREAVES
e ZIMMERMAN, 2006), falta de vivência musical cotidiana e no contexto familiar,
entre outros.
Por meio do questionário foi possível identificar que os professores de
violão da cidade de Curitiba/PR, participantes desta pesquisa, reconhecem que seus
alunos encontram dificuldades na aprendizagem rítmica. Este fator pode estar
associado ao fato de que muitos alunos não estão iniciando o aprendizado de violão,
ou talvez o aprendizado musical, na primeira infância ou nas primeiras fases e
estágios de desenvolvimento. Segundo Gordon (2002), é preciso uma consciência
por parte da sociedade de que as fases iniciais do indivíduo são as que mais
desenvolvem o aprendizado e tal característica diminui gradativamente ao longo dos
anos. Logo, a educação e as orientações, sejam elas estruturadas ou não-
estruturadas, devem ser planejadas e aplicadas o mais cedo possível, respeitando,
obviamente, as características e limitações que fazem parte de cada estágio no qual
o indivíduo se encontra. Porém, segundo Sloboda (2008), a aquisição de uma
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habilidade dependerá principalmente – além da motivação e do retorno (feedback) –


da quantidade horas dedicadas ao treinamento, variando de um indivíduo para o
outro apenas em quantidade, desconsiderando a idade como fator primordial.

Referências:

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. - São Paulo:
Atlas, 2008.

GORDON, Edwin G. Teoria da Aprendizagem Musical para recém-nascidos e


crianças em idade pré-escolar. Lisboa: Gulbenkian, 2000.

HARGREAVES, D.; ZIMMERMAN, Marilyn. Teorias de desenvolvimento da


aprendizagem musical. In: ILARI, Beatriz Senoi. Em busca da mente musical -
ensaios sobre os processos cognitivos em música - da percepção à produção.
Curitiba: UFPR, 2006.

SLOBODA, John A. A Mente Musical: A psicologia cognitiva da música. Londrina:


EDUEL, 2008.

TABORDA, Márcia. Disponível em


<http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?id=1141760>.
Acessado em: 10 de maio de 2013. O instrumento do Brasil. Veiculado em
29/06/2011.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DeArtes | UFPR
PPGMÚSICA

ISBN 85-98826-24-0

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