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"Ondas do mar de Vigo"

TRADUÇÃO

Ondas do mar de Vigo


acaso vistes meu Amigo?
Queira Deus que ele venha cedo!

Ondas do mar agitado,


acaso vistes meu amado?
Queira Deus que ele venha cedo!

Acaso vistes meu amigo,


aquele por quem suspiro?
Queira Deus que ele venha cedo!

Acaso vistes meu amado,


por quem tenho grande cuidado?
Queira Deus que ele venha cedo!

· Tema: o apelo da donzela ao mar, pretendendo saber novas do amigo.


· Assunto: a donzela interpela as ondas sobre o paradeiro do amigo e o seu regresso, revelando o seu
sofrimento e a sua angústia pela separação.
· Estrutura interna
. 1.ª parte (2 primeiras estrofes / coblas) – O sujeito poético - a donzela - interpela / questiona as
ondas do mar de Vigo sobre o paradeiro do amigo, que se encontra ausente (tema marítimo), visível
na forma verbal “vistes” e no refrão “se verrá cedo”.
. 2.ª parte (3.ª e 4.ª estrofes / coblas) - Revelação dos sentimentos da donzela pelo amigo embarcado
(tema amoroso).
Semanticamente, cada par de coblas é muito semelhante. De facto, o segundo dístico de cada par
repete, com ligeira variação, o conteúdo / a ideia do primeiro.
A nível linguístico, observa-se a troca ou alteração de palavras ou expressões no final dos versos de
cada par, sem que tal signifique uma mudança de sentido relativamente à estrofe ímpar.
Se observarmos atentamente, concluiremos que, dentre os 12 versos que compõem a cantiga,
apenas 4 diferente em termos semânticos: o 1, o 2, o 3 e o refrão.

· Estado de espírito do “eu lírico” – a donzela


O estado de espírito da donzela é marcado pelos seguintes traços:
- saudade: “o por que eu sospiro” (v. 8);
- ansiedade: “se vistes meu amigo” (v. 2);
- agitação / inquietação;
- preocupação: “por que ei gran cuidado” (v. 11);
- amor.
A estes podem acrescentar-se a dor da separação, a tristeza e o sofrimento pela ausência, a dúvida e
a incerteza acerca do seu paradeiro, do seu regresso, do seu estado físico. Todos estes sentimentos
revelam a sua coita de amor.
· Causas do estado de espírito:
a) a separação do seu amigo;
b) a demora dele;
c) a incerteza acerca da sua chegada e estado.

· Ambiente: natural, marítimo (o mar).


· Relação entre o estado de espírito do «eu» e o ambiente
A donzela encontra-se sozinha junto ao mar (note-se que, na Poesia Trovadoresca, o trovador
designava por «mar» aquilo que atualmente chamamos «rio» ou «baía»), observando-o, mar esse
que lhe parece cada vez mais agitado, espelhando essa visão / imagem o seu estado de espírito (cada
vez mais agitado também) e as suas emoções, como se pode constatar pelo verso 11.

· Papel das ondas do mar:


            -» confidente;
            -» cenário;
            -» mensageiras.
  As ondas são um elemento essencial na construção do ambiente / cenário.
  Além disso, constituem o confidente a quem a menina se dirige, expressando os seus sentimentos e
emoções, as suas dúvidas sobre o paradeiro do amigo, e que questiona sobre a sua chegada.

· Simbologia:

a) Ondas:
- traduzem o tumulto interior da donzela;
- são o seu confidente, em substituição da mãe ou amiga.

b) Mar:
- confidente (as ondas);
- a causa da separação física, o obstáculo que se interpõe entre a donzela e o amigo;
- apresenta-se com ondas, revolto e bravo, constituindo assim um obstáculo acrescido;
- terá sido por ele que o amado da jovem terá partido, daí que ela lá se encontre, esperando o seu
regresso.
· Esquema actancial

· Esquema estrutural da cantiga


· Recursos poético-estilísticos

1.º) Nível fónico


. Estrofes
- (isométricas): dois versos hexassílabos (seis sílabas) + refrão ® terceto;
- quatro coblas em dísticos e um refrão monóstico.
. Rima     
- esquema rimático: AAR / BBR;
- emparelhada;
- consoante ("Vigo" / "amigo") e toante ("amigo" / "sospiro");
- grave;
- rica ("levado" / "amado") e pobre ("Vigo" / "amigo").
. Refrão: o refrão atesta a existência de um coro. A disposição das estrofes aos pares e a alternância
das rimas ao longo da composição (ver paralelismo) deixam antever que se alternavam dois cantores
ou dois grupos de cantores.
       No caso presente, pelo seu caráter repetitivo (a repetição de um verso exclamativo, expressivo da
saudade e da inquietação da donzela), realça o estado de espírito da donzela, acentuando o seu
sofrimento, a sua ansiedade e angústia, e sugere a espera do amigo. Neste contexto, há que destacar
o valor semântico da locução interjetiva “ai Deus”, que constitui uma espécie de desabafo e de
interpelação direta de Deus no sentido de que o amigo regresse rapidamente e bem.
       Por outro lado, o refrão possui um valor documental inequívoco, pois reflete o clima de grande
religiosidade da época e sugere a transmissão oral das cantigas, daí a sua natureza repetitiva.
. Metro: versos hexassílabos (6 sílabas).
Aliteração: som v, sugerindo o movimento das ondas do mar e o tumultuar dos sentimentos da
donzela, a sua instabilidade;
a sibilante s indica a continuidade da espera.
. Sons dominantes: os fonemas fechados transmitem sofrimento e tristeza.
. Assonância: alternância i / a.

2.º) Nível morfossintáctico


. Fórmula de juramento "ai Deus" e a interjeição "ai" revelam o sofrimento da donzela e refletem a
espiritualidade do ser medieval.
. Substantivos:
- "amigo" e "amado" remetem para o namorado ausente;
- "ondas", "mar", "Vigo", servem para localizar espacialmente os acontecimentos e para revelar o que
separa a donzela do amigo  -  o mar  - , por onde ele partiu. Semanticamente, dada a proximidade /
comunhão entre a donzela e as ondas do mar, os substantivos "ondas" e "mar" simbolizam o
seguinte:
- espelho do mundo interior da donzela, agitado pela preocupação da demora do amigo e pela grande
ânsia e saudade;
- local de refúgio (complexo da "grande-mãe"), espécie de seio ou colo maternal acolhedor.
. Adjetivo "levado" caracteriza o estado alteroso do mar.
. Verbos:
- presente: a separação da donzela do amigo e a sua inquietação e ansiedade;
- futuro: o desejo de que volte e o torne a ver.
. Advérbio "cedo" indica a ansiedade da donzela relativamente ao regresso do amigo.
. Frases exclamativas revelam a emoção da donzela: saudade, inquietação, etc. (ver caracterização).
. Frases interrogativas indirectas e exclamativas + interjeição "ai" + vocativo exprimem de forma
veemente os sentimentos da jovem; enfatizam o seu estado de espírito de dúvida e inquietação.
. Frases condicionais ("Se vistes meu amigo / Se vistes meu amado").
. Anáfora.
. Sinonímia: Vigo / levado;
amigo / amado.
. Leixa-prem.

- semântico: revela a simplicidade da jovem e apresenta variedades da mesma realidade: amigo /


amado; mar de Vigo / mar levado;
- anafórico / estrutural: revela simplicidade e espontaneidade e a obsessão da menina ("se vistes
meu...");
- perfeito.
            De facto, o número de coblas da cantiga é par; o primeiro dístico emparelha como segundo,
mudando a palavra rimante. No terceiro dístico, o 1.º verso retoma o sentido do 2.º do primeiro
dístico («leixa-prem»), acrescentando um novo. O mesmo se passa no quarto dístico: o 2.º verso do
2.º dístico é retomado e repete-se com variação no 2.º verso do 3.º dístico.
. Funções da linguagem:
-» emotiva / expressiva -> apresenta os sentimentos da donzelinha:
. adjetivos;
. exclamações;
. interrogações;
. vocativos;
. interjeições;
-» poética:
. recursos estilísticos.

3.º) Nível semântico


. Personificação das ondas atribui qualidades humanas às ondas do mar, conferindo-lhes o estatuto
de confidentes e mensageiras, funcionando o mar também como cenário.
. Apóstrofe: interpelação das ondas, reveladora da inquietação e da saudade, exprime a
espontaneidade sentimental e amorosa da donzela.
. Gradação: apresentação gradual e progressiva dos sentimentos da donzela, exprimindo a dor e o
desespero pela demora, para culminar na expressão do sentimento fundamental -> a saudade.
. Exclamação.

· Classificação: cantiga de amigo, visto que o sujeito lírico é feminino / uma mulher (a donzela) que
exprime os seus sentimentos.
a) Quanto ao tema: barcarola ou marinha (cantiga que contém referências ao mar);

b) Quanto à forma:
- paralelística perfeita;
- de refrão.
· Valor documental
            Esta cantiga pertence ao subgénero da marinha ou barcarola.
            As barcarolas ou marinhas são originárias da parte ocidental da Península Ibérica (Portugal e
Galiza) e documentam as tendências naturais e o modo de vida de um povo criado à beira-mar.
Reflectem também as necessidades de defesa costeira na luta contra os mouros.
            A sua simplicidade reflecte a verdadeira origem popular e a sinceridade e espontaneidade
emotivas das donzelas, em relação ao amado ou amigo.

[1] Paralelismo perfeito: artifício da lírica trovadoresca que consiste na construção da cantiga


através da repetição do segundo verso da primeira cobla, com o primeiro verso da terceira
cobla e assim sucessivamente.
Paralelismo anafórico ou estrutural: construção simétrica de dois versos. Exemplo: Se vistes
meu amigo / Se vistes meu amado.
Paralelismo semântico: construção de versos com o mesmo sentido ou aproximado.
Exemplo: Se vistes meu amigo / Se vistes meu amado.

CARACTERÍSTICAS DAS CANTIGAS DE AMIGO


 Voz lírica feminina.
 Tratamento dado ao namorado: amigo.
 Expressão da vida campesina e urbana.
 Realismo: fatos comuns da vida cotidiana.
 Amor realizado ou possível - sofrimento amoroso.
 Simplicidade - pequenos quadros sentimentais.
 Paralelismo (estrutura repetitiva) e refrão.
 Origem popular e autóctone ( isto é, na própria Península Ibérica ).

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