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Jeff Ferrell e Keith Hayward

Tradução de Leandro Ayres França

A criminologia cultural está interessa- além das fronteiras da criminologia con-


da na convergência de processos culturais, vencional, extraindo de estudos de mídia,
criminais e de controle do crime; como tal, antropologia, estudos sobre jovens, estudos
ela situa a criminalidade e seu controle no culturais, geografia cultural, sociologia, fi-
contexto de dinâmicas culturais e da con- losofia e outras disciplinas, e utilizando no-
trovertida produção de significado. Dessa vas formas de etnografia, análise textual e
forma, a criminologia cultural busca enten- produção visual. Em tudo isso, a criminolo-
der as realidades cotidianas de um mundo gia cultural procura desafiar as estruturas
profundamente desigual e injusto, e desta- aceitas da análise criminológica e reorien-
car as maneiras nas quais o poder é exerci- tar a criminologia às condições sociais, cul-
do e resistido entre a interação de criação turais e econômicas contemporâneas.
de regras, violação de regras e representa- Desse modo, a criminologia cultural
ção. O assunto da criminologia cultural, en- tem, desde o princípio, adotado uma orien-
tão, atravessa uma variedade de questões tação aberta, convidativa com relação à
contemporâneas: a construção mediada e análise criminológica, e tem estado menos
a mercantilização do crime, da violência e interessada na certeza definidora do que
da punição; as práticas simbólicas daque- na crítica dinâmica, emergente. A questão,
les engajados em atividades subculturais então, não é tanto o que a criminologia cul-
ou pós-subculturais ilícitas; as ansiedades tural é, quanto como a criminologia cultu-
existenciais e as emoções situacionais que ral continua – isto é, como a criminologia
animam o crime, a transgressão e a vitimi- cultural tem recorrido a perspectivas exis-
zação; os controles sociais e os significados tentes no interior e além da criminologia, e
culturais que circulam dentro de e entre continuado a reinventá-las e a re-situá-las
arranjos espaciais; a interação do controle com o intuito de desenvolver uma crimino-
estatal e da resistência cultural; as culturas logia familiarizada com o mundo contem-
criminogênicas geradas pelas economias porâneo e suas crises1.
de mercado; e uma miríade de outros ca-
sos nos quais o significado situacional e
simbólico está em causa. Para realizar essa Quando a criminologia cultural apa-
análise, a criminologia cultural adota pers- receu, pela primeira vez, em meados da
pectivas interdisciplinares e métodos alter- década de 1990 (Ferrell e Sanders, 1995;
nativos que regularmente a deslocam para Ferrell, 1999), como uma perspectiva crimi-
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nológica distinta, assim o fez sintetizando resposta a, mas também como deflexões
e revitalizando duas linhas do pensamen- de, profundas mudanças estruturais na or-
to criminológico, uma norte-americana, dem social. Como na tradição norte-ameri-
e outra britânica (ver Hayward, 2016). A cana, práticas subculturais e estilos subcul-
tradição norte americana incluía a teoria turais também estiveram em consideração,
do etiquetamento, com suas compreensões mas com uma ênfase em como tais práticas
de crime e desvio como construções sociais e estilos podem funcionar como formas de
e, mais particularmente, com seus insights resistência cultural ao mesmo tempo em
sobre as formas em que o poder é exercido que também atraem escrutínio e vigilância.
por meio da atribuição de sentido à ação Essas linhas de análises criminológi-
humana. Igualmente importante foi o tipo cas, norte-americana e britânica, já esta-
de análise subcultural desenvolvida por vam entrelaçadas de alguns modos – com,
Albert Cohen e outros, que encontrou nas por exemplo, os “novos criminologistas”
ações coletivas de grupos marginalizados britânicos das décadas de 1960 e 1970,
não simples desobediência ou autodestrui- inspirados por e comprometidos com o po-
ção, mas, ao invés, a criação de significados tencial epistêmico subversivo da teoria do
e interpretações alternativas em resposta a etiquetamento e a profundidade cultural
injustiças variadas. Nessa tradição norte- da etnografia naturalística –, mas a crimi-
-americana, também estavam os tipos de nologia cultural agora procurava criar um
abordagens “naturalísticas” ao comporta- tipo novo e distinto de criminologia a partir
mento criminal e desviante, preconizadas dessas duas correntes intelectuais. Confor-
por David Matza, e as vívidas etnografias me ela apareceu em meados da década de
empíricas que Howard Becker, Ned Polsky 1990, essa nova criminologia cultural enfa-
e outros empregaram para dar luz aos in- tizava o aspecto decisivo do significado em
sights de abordagens interacionistas e do questões de crime e justiça, argumentan-
etiquetamento. do que tanto o crime quanto seu controle
A linha de pensamento criminológi- tomavam forma por meio de controversos
co britânico que culminou na criminologia processos de interpretação e representação.
cultural ecoava essas perspectivas norte-a- Do mesmo modo, ela ressaltava as formas
mericanas, mas as situava em estruturas nas quais a política criminal e a justiça cri-
maiores de mudança social, desigualdade minal operam no reino da dinâmica cultu-
estrutural e representação cultural. Aca- ral, e as formas das quais poder e controle
dêmicos britânicos que estavam engajados cada vez mais dependem na implementa-
com novas formas de estudos culturais e ção de simbolismo, estigma e emoção. Em
com a criminologia crítica passaram a re- tudo isso, a criminologia cultural defendeu
conceituar classe social como uma expe- uma metodologia de atenção e percepção
riência vivida – como um grupo mutável cultural – isto é, modos de explorar crime
de atitudes, orientações e práticas culturais e justiça que estivessem sintonizados com
– e, assim, a entender que classe social e as nuances da linguagem e da imagem, e
desigualdade social eram amiúde policia- com a dinâmica interacional de situações
das, impostas e reforçadas por controles subculturais e espaciais.
diferenciais em atividades de lazer e em- Esse esforço em combinar as tradições
preendimentos culturais. Eles, igualmente, britânica e norte-americana em uma cri-
começaram a analisar as formas nas quais minologia cultural distinta, na década de
surgiam os pânicos morais mediados em 1990, não foi realizado, porém, simples-
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mente por uma questão de inovação inte- etc. – não apareceram num vácuo inte-
lectual. Ao invés, isso foi empreendido em lectual ou histórico. Ao invés, assim como
dois contextos específicos e para dois espe- Marx, Durkheim e Weber outrora se com-
cíficos propósitos. O primeiro desses con- prometeram a teorizar a emergência da
textos foi a ascendência de perspectivas e modernidade, esses teóricos tentaram teo-
metodologias positivistas na criminologia, rizar as profundas reviravoltas sociais que
e o desenvolvimento paralelo da pseudo- ocorreram pós Segunda Guerra Mundial na
disciplina de “justiça criminal”. Especial- Europa, nos Estados Unidos e noutros luga-
mente na América do Norte, o crescimento res, e a ligar essas convulsões sociais a mu-
de, e o suporte governamental a, progra- danças na natureza do crime e do controle
mas de justiça criminal haviam se desen- social. Conflitos sobre direitos civis e inclu-
volvido em concerto com as espécies de são social, subculturas jovens emergentes,
métodos quantitativos e as criminologias uma cultura consumista em proliferação,
administrativas que poderiam apoiar tais novos estilos de desvio e transgressão, e
programas. Da perspectiva da criminologia com eles novas formas de controle social
cultural, essas estratégias confiscavam a e legal – tudo isso constituía tanto o con-
distância crítica necessária para a análise texto quanto uma matéria mais ampla das
criminológica viável tanto do crime quan- perspectivas criminológicas alternativas
to da justiça criminal. Igualmente, essas que surgiram nas décadas de 1960 e 1970.
estratégias inter-relacionadas esvaziavam Essas perspectivas, naturalmente, perma-
o significado da matéria da criminologia, necem de grande valor, como o são aquelas
reduzindo pessoas e situações a conjuntos de Weber, Marx e dos teóricos de tempos
de dados e resumos estatísticos, e, desse anteriores. Mas, como perceberam os cri-
modo, apagando do discurso criminológico minologistas culturais, o mundo em que
as próprias dimensões que os criminolo- tais perspectivas apareceram havia muda-
gistas culturais viam como essenciais para do novamente e com essa mudança viera
compreensão e análise. Como resultado, a a necessidade de reinventar essas perspec-
criminologia cultural surgiu não somente tivas, re-situá-las na distintiva dinâmica da
como uma alternativa a essas estratégias, ordem social contemporânea. Isso, então,
mas como uma perspectiva concebida a foi o segundo contexto e propósito da cri-
confrontá-las e superá-las. Revitalizar e minologia cultural: fazer uma criminologia
reinventar as tradições britânica e norte-a- do momento presente – uma criminologia
mericana de análise cultural e crítica socio- da e para a modernidade tardia.
lógica era recuperar o que a justiça crimi-
nal e suas criminologias administrativas há
muito tempo tinham usurpado.
De modo mais amplo, os criminolo-
A modernidade tardia oferece um pa-
gistas culturais procuravam importar essas
norama global de ambiguidade e confusão,
tradições norte-americana e britânica a um
e com isso uma sensação espiralada de
novo contexto histórico. Como os crimi-
incerteza para muitos de seus habitantes.
nologistas culturais cuidadosamente têm
Para um número cada vez maior de pessoas,
demonstrado, as perspectivas às quais eles
foram soltas as velhas âncoras de estabili-
recorrem – teoria do etiquetamento, teoria
dade geográfica e ocupacional, para serem
da subcultura, criminologia crítica, a “nova
substituídas apenas por multiplicadoras
criminologia” britânica, estudos culturais
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marginalidades: contínua migração dentro meira dessas se agrupa em torno de emoção,
e entre nações, episódios imprevisíveis de expressividade e incerteza. Aqui, abundam
trabalho temporário e reinvenções seriais tensões e contradições. Significado e autoe-
do self. A matéria-prima para essas reinven- xpressão são buscados num mundo cujos
ções seriais vem de outras características da hiperpluralismo e fluidez cultural regular-
modernidade tardia: o fluxo infinito, instan- mente oprimem o self, e onde novas formas
tâneo e globalizado de imagens, informa- de vigilância e controle tornam o conceito
ções e identidades anunciadas via celulares de autonomia individual quase sem senti-
e telas de computador, tudo isso proporcio- do. Excitação, imediatismo e consumo de
nando tanto uma panóplia livremente flui- experiência são vendidos como indicadores
da de possibilidades quanto a sensação de de uma vida bem vivida, mas como a maio-
que nenhuma escolha possível jamais é a ria dos produtos de consumo, oferecem
certa. Esse hiperpluralismo de identidades e mais no pacote do que na vantagem. Para
orientações culturais, por sua vez, alimenta os afluentes, uma sensação de vertigem as-
o hiperindividualismo – a sensação de que sombra suas construções de certeza e segu-
o lugar de alguém no mundo não é defini- rança garantida, e, com isso, permanece um
do pela associação comunitária duradoura, medo de caírem de quaisquer que sejam as
mas pela construção bem sucedida de si alturas; para aqueles nas margens, a expe-
mesmo por meio do consumo apropriado riência de estar à deriva – entre trabalhos,
e da realização mediada. O mundo fluido, entre cidades, entre relacionamentos – cria
globalizado da modernidade tardia, desta uma vida de contínua intersticialidade
forma, também confunde o local e o uni- (Young, 2007; Ferrell, 2012a). Como resul-
versal, a distinção entre lugar e não-lugar, tado, raiva, pânico e humilhação circulam
de tal modo que seus deslocamentos vêm por meio do sistema social; prazer e exci-
a ser tanto geográficos como existenciais. tação permanecem geralmente apenas fora
Se a imaginação sociológica nos permite de alcance; e identidades tomam forma nas
encontrar forças sociais na experiência pes- sombras, ou, por vezes, em formas sintéti-
soal, então esses são os resíduos pessoais cas outrora imagináveis. Quanto ao crime e
da modernidade tardia: desenfreada in- à transgressão, esse mix de emoção e incer-
certeza existencial e ontológica, um senso teza significa que surgem novas formas de
precário da identidade pessoal e, com isso, criminalidade – em verdade, são buscadas
anseios amiúde desesperados por certeza e por algumas de suas promessas de valida-
definição. Na medida em que cada período ção emocional ou identidade fabricada – e
histórico pode ser caracterizado por uma que atuais modelos criminológicos de risco,
particular trajetória, então a trajetória da motivação e causalidade não mais podem
modernidade tardia – essas décadas desde se sustentar.
os insights criminológicos dos anos 1960 e Uma segunda constelação de ações e
1970 – não parece muito para cima ou para atitudes é proporcionada pelos administra-
baixo quanto lateral e à deriva. dores da modernidade tardia, que empre-
Em meio a esse fluxo tardo-moderno, gam os métodos desse mundo tardo-mo-
criminologistas culturais identificaram três derno – imaginação, engano, significado
constelações de ações, atitudes e imagens manipulado – e, ao mesmo tempo, tentam
que parecem particularmente salientes para colocar por cima de suas flutuações infini-
uma compreensão da criminalidade e do tas uma rede de certeza e controle. Para
controle do crime contemporâneos. A pri- eles, a arriscada incerteza da modernidade
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tardia é algo a ser calculado e controlado; dessas realidades, refletem continuamente
seus emergentes crimes, um problema a umas nas outras. Consequentemente, os
ser previsto e, assim, prevenido (Hayward, criminologistas culturais entendem que não
2007). Como resultado, a modernidade faz mais sentido estudar separadamente o
tardia também vem a caracterizar novas crime do “mundo real” e suas representa-
formas de exclusão social e cultural, e no- ções mediadas. Ao invés, numa sociedade
vos padrões de controle social e espacial, hiperconectada, onde proliferam imagens
tão penetrantes quanto insidiosos. Muitas mediadas em massa de crime e desvio, e
dessas novas formas são revanchistas por onde crime e controle se entrelaçam com
natureza, destinadas a recuperar aquilo entretenimento e cultura popular, são de-
que agora está perdidamente confuso; ou- mandadas formas de análise criminológica
tras estão tão instituídas que podem poli- que possam dar sentido à linha turva entre
ciar a crescente e incessante desigualdade o real e o virtual. E, como sempre para a cri-
gerada pelas economias tardo-modernas. minologia cultural, esse foco é político bem
Geralmente, esses novos controles e exclu- como teórico: na modernidade tardia, com
sões estão entremeados com a criação cul- o poder cada vez mais exercido por meio de
tural do “outro” – um outsider facilmente representação mediada e produção simbó-
identificável que pode se tornar o foco do lica, batalhas em torno de imagem, estilo
escrutínio público e o bode expiatório para e significado mediado se tornam essenciais
as vicissitudes da modernidade tardia. De na disputa por crime e controle criminal,
interesse dos criminologistas culturais por desvio e normalidade, e a emergente forma
seu escopo e alcance – que se estende da da justiça social.
utilização local de “espetos antimorador de
rua” à guerra global ao terror –, essa cons-
telação de controles é notável também por
outra razão: se não intencionalmente, ela
Adotando a imaginação sociológica e
expõe ainda mais as tensões sociais e cul-
criminológica (Mills, 1959; Young, 2011),
turais, e outras iterações da dialética entre
os criminologistas culturais entendem que
controle social e expressiva transgressão
ação humana e circunstância histórica
(Presdee, 2000; Hayward, 2002).
inevitavelmente se entrelaçam; dentro do
Essa tensão entre excitação e mani-
amplo alcance da estrutura social e da mu-
pulação está também evidente numa ter-
dança social, modelos emergentes de poder
ceira constelação, à qual podemos nos re-
e controle se infiltram na vida cotidiana,
ferir como a “mediascape2” contemporânea
para ali serem ampliados ou resistidos na
(Appadurai, 1996). Conforme a mídia de
sensualidade da experiência vivida. Con-
hoje – de movimentos rápidos, onipresen-
sequentemente, criminologistas culturais
te e cada vez mais interativa – dá forma a
não propõe que as formas contemporâneas
relações entre espaço, tempo e identidade,
de crime e justiça simplesmente “refletem”
ela também “enquadra” como o crime e
tendências tardo-modernas. Em vez disso,
seu controle vêm a ser entendidos na so-
os crimes e controles da modernidade tar-
ciedade. Para os criminologistas culturais,
dia se relacionam com sua dinâmica maior,
essa mediascape constitui uma infinita “sala
amplificando-os em certos momentos, alte-
de espelhos” (Ferrell, Hayward e Young,
rando-os e minando-os em outros. Agora,
2015), onde as realidades nuas e cruas do
daremos uma olhada mais próxima nos três
crime e do controle criminal, e as imagens
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temas esboçados acima, a título de uma in- a criminologia tem investigado sobretudo
trodução geral à criminologia cultural e a fatores antecedentes que conduzem ao
algumas de suas abordagens da moderni- crime e à criminalidade – associação dife-
dade tardia, seus crimes e seus controles. rencial, tensão, controles sociais frouxos,
classe e desigualdade social – ao passo que
ignora amplamente as situações do crime
e do controle criminal como fenômenos
emergentes por direito próprio. Todavia,
O fluxo do mundo tardo-moderno
como argumenta Katz, quando adentramos
sugere que os crimes dessa era precisa-
o imediatismo do crime (Ferrell, 1997) –
rão ser amiúde entendidos em termos de
dentro de momentos de violência interpes-
imediatismo, efemeridade e incerteza; as-
soal, furto de propriedade intelectual ou
sim como as identidades associadas com
policiamento de rua –, descobrimos algo
localização ocupacional ou espacial foram
que é, em muitos aspectos, imprevisível via
desestabilizadas, assim também o foram
teorias criminológicas existentes: um efê-
aquelas geradas na interação de crime e
mero, instável mix de emoções que apare-
transgressão. Nesse sentido, modelos mais
cem no interior da situada dinâmica social
antigos de criminalidade e de causas cri-
do momento. Essas emoções fugazes, lam-
minais, geralmente fundadas em hipóteses
pejando entre aqueles que compartilham a
de sequenciamento linear, previsibilidade
situação, por sua vez, agem como seduções
positivista e identidade criminal estável,
momentâneas que atraem participantes
bem podem necessitar uma reimaginação.
além do que as teorias de antecedentes po-
Nessa reimaginação, o significado do crime
dem prever ou do que os próprios partici-
frequentemente emerge em momentos e si-
pantes poderiam imaginar. Aqui, noções de
tuações, e então se metamorfoseia no meio
causalidade linear, estrutural, são perdidas
da reprodução infinita de sua imagem;
à efemeridade do momento, e a identidade
hipóteses essencialistas sobre a natureza
criminal é vista como sendo um fenômeno
biológica ou a determinação social desapa-
mais emergente, situado (Garot, 2010),
recem em estados fluidos de ser e devir; e
do que um estado estável de contínua au-
o sentido de uma subcultura criminal como
toconceitualização. Como outros crimino-
uma coletividade delimitada de significa-
logistas culturais já assinalaram (Ferrell,
do, ou de policiamento cotidiano como um
1992; Young, 2003; Hayward, 2004), e
manual compartilhado de práticas, abre
como nos lembra a imaginação sociológica,
caminho para entendimentos mais fluidos
fatores antecedentes ou estruturais por cer-
e rizomáticos do crime, seus participantes
to permanecem presentes em meio a esse
e seu controle.
primeiro plano do crime – agora, porém,
Uma perspectiva fundadora a esse res-
entendidos em tensão dialética com seus
peito foi proposta por Jack Katz (1988),
significados e emoções emergentes, em vez
com sua compreensão do primeiro plano
de como previsores ou causas dele. E como
do crime e das seduções emocionais que
também já notaram criminologistas cul-
ali emergem. Na visão de Katz, a crimino-
turais, esse fenômeno do crime como um
logia há muito tem sido constituída de trás
momento de frágil intensidade emocional
para frente – isto é, construída sobre uma
parece suscetível de proliferar num mundo
hipótese subjacente de que fatores estrutu-
tardo-moderno de afeto e identidade de-
rais podem prever a natureza do crime e
sestabilizados.
da criminalidade. Constituída dessa forma,
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A identidade desestabilizada também jumping e grafites. Mas, além disso, a ação-
está na base de uma segunda abordagem -limite é conceituada como uma resposta
criminológica cultural sobre autoconcep- distinta às acumuladoras degradações da
ção e transgressão. A desqualificação do modernidade tardia. O engajamento volun-
trabalho – e, com ela, a dissociação do tra- tário em atividades de alto risco reverte a
balhador com o processo de trabalho – é lógica do gerenciamento de riscos contem-
uma antiga característica de economias ca- porâneo, adotando o risco por seus praze-
pitalistas (Braverman, 1974); agora, com res sensuais e possibilidades transgressivas.
a proliferação tardo-moderna de trabalhos Por meio dos riscos da ação-limite, os par-
temporários e economias de serviço emo- ticipantes, por seu turno, recuperam algum
cionalmente gerenciadas, a alienação dos senso de identidade, aquela desenvolvida
trabalhadores quanto às situações e aos a partir de vívidas emoções e autodetermi-
processos de seu próprio labor é redobra- nação radical; em momentos de risco ex-
da. Para cada vez mais pessoas, o trabalho tremo ao self e à sobrevivência, emoções e
não oferece a promessa fordista de estabi- autopercepções escapam de sua contenção
lidade ocupacional, nem o potencial para tardo-moderna dentro de economias de
desenvolver habilidade e identidade. Do serviço e categorias burocráticas. De modo
mesmo modo, a constante burocratização significativo, porém, a ação-limite não está
da vida social na modernidade tardia con- fundamentada somente no risco; ela está o
tinua a acrescentar barras à jaula de ferro tanto quanto fundamentada na habilidade.
que Weber (1978) primeiro identificou, e A participação constante em risco extre-
assim a reduzir a identidade humana em mo exige os tipos de habilidades especia-
categorias organizacionais e constelações lizadas, há tempos praticadas, necessárias
de megadados3. Essa mesma trajetória para sobreviver a ele; tais habilidades, por
pode ser vista na proliferação de controles sua vez, possibilitam a busca, ao longo
de gerenciamento de risco na vida cotidia- do tempo, por atividades sempre mais ar-
na; por sua lógica, situações de risco ou riscadas. Nesse sentido, a ação-limite não
incerteza devem ser contidas – ou, ideal- apenas espirala seus participantes para os
mente, ser expurgadas de um mundo de limites externos da possibilidade humana;
segurança forçada, megadados e identida- ela também dá forma aos próprios tipos de
des cuidadosamente gerenciadas. Tomadas habilidades por esforço próprio e às identi-
como um todo, essas dimensões da vida dades baseadas nas habilidades que foram
tardo-moderna coalescem numa profunda apagadas das muitas ocupações dentro das
perda de identidade pessoal, numa sensa- economias tardo-modernas.
ção de contenção infiltrada e, para muitos, Conforme esse modelo de ação-limi-
numa “vasta coletividade de tédio” (Ferrell te tem sido cada vez mais empregado na
2004a: 287, 2010). pesquisa criminológica cultural ao longo
Nesse vácuo de significado e emoção, do último quarto de século, vieram à tona
flui a experiência da ação-limite. Como con- ainda outras conexões com crime, contro-
ceituado por Stephen Lyng (1990, 2005) le criminal e identidade. Grande parte da
e outros (Ferrell et al.; 2001; Lyng e Fer- pesquisa criminológica cultural inicial so-
rell, 2016), ação-limite, na sua forma mais bre a ação-limite criminal foi orientada em
simples, denota atos de voluntária e geral- torno de atividades de rua, fisicamente pe-
mente ilícita assunção de risco – atividades rigosas, que frequentemente incorporavam
como corrida de rua, paraquedismo, base a dinâmica prototipicamente masculina
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– roubos nas ruas (de Haan e Vos, 2003), nográficas de longo prazo e, mais ampla-
grafites (Ferrell, 1996), provocações de mente, com uma sensibilidade etnográfica
incêndios (Presdee, 2005), lutas organiza- sintonizada com significado, simbolismo e
das (Jackson-Jacobs, 2004) etc. Pesquisas emoção compartilhada (Ferrell e Hamm,
subsequentes, entretanto, expandiram es- 1998). Mais recentemente, contudo, cri-
sas investigações de modo a explicar uma minologistas culturais também têm desen-
variedade mais ampla de dinâmica de gê- volvido a noção de “etnografia do instante”
nero, identidades de gênero e emoções de (Ferrell, Hayward, e Young, 2015) – isto
gênero na ação-limite, e explorar formas é, a exploração etnográfica das imediatas,
de ações-limite distintas às mulheres e suas efêmeras dinâmicas sociais e culturais, que
vidas sob a modernidade tardia. Aqui as emergem em momentos de crime e contro-
pesquisas variam das atividades de ação- le criminal. Da mesma forma que teorias
-limite de prostitutas de rua (Miller, 1991) vigentes de causalidade criminal deter-
e mulheres pobres, usuárias de drogas, em minística devem ser recalibradas para um
relacionamentos íntimos abusivos (Rajah, mundo tardo-moderno de fluxo e incerte-
2007), às estratégias emocionais de gênero za, seguindo a linha de raciocínio, assim o
de equipes de resgate de montanhas (Lois, devem os modelos de pesquisa etnográfica
2005) e à mistura de risco e habilidade que que têm tradicionalmente dado ênfase a
dá forma às práticas anoréxicas (Gailey, pesquisas prolongadas em grupos estáveis
2009) e ao fisiculturismo feminino (Wor- e situações estáticas. Como no reino da
then e Baker, 2016). Pesquisas etnográficas teoria, a intenção não é abandonar essas
subsequentes também revelaram um dile- tradições de pesquisa, mas, ao contrário,
ma particularmente intratável para aqueles aumentar seu valor ao realinhá-las com a
agentes de controle que confundem ação- incerteza das condições contemporâneas.
-limite com autodestruição sem sentido, ou Dessas maneiras, uma criminologia cul-
que buscam preveni-la policiando sua cons- tural da e para a modernidade tardia não
tante ocorrência. Dado o papel essencial só denota uma atualização da matéria de
da ação-limite em preencher os vácuos de discussão da criminologia, mas uma rein-
identidade e emoção criados por condições venção da criminologia como um campo de
sociais tardo-modernas, seus participantes investigação e conhecimento.
detestam abandoná-la, mesmo sob pressão
policial. Talvez, mais concretamente, essa
pressão crie ainda outra camada de risco e,
com isso, o ímpeto pelo desenvolvimento
Como uma perspectiva crítica quanto
de habilidades adicionais – e, assim, tor-
ao crime e à justiça, a criminologia cultural
na-se menos uma dissuasão legal que um
se preocupa não apenas com formas emer-
induzimento adicional para os agentes-li-
gentes de crime e transgressão na moder-
mites (Ferrell, 1996; Garrett, 2014)4.
nidade tardia, mas com padrões em evo-
O foco da criminologia cultural na
lução de poderes, controles e vigilâncias
efemeridade situada das seduções do crime
tardo-modernas. Novamente invocando a
e nos imediatismos de risco e habilidade
dialética da imaginação sociológica e crimi-
que animam a ação-limite, por seu turno,
nológica, criminologistas culturais interro-
tem levado a uma reimaginação da meto-
gam os menores dos momentos cotidianos
dologia. A criminologia cultural tem sido
para os segredos do controle social que eles
há muito associada com investigações et-
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abrigam, enquanto também investigam os e, por consequência, a criminalidade do co-
maiores dos conflitos globais por meio das tidiano merece tanta atenção crítica quan-
ideologias, emoções e dinâmicas sociocul- to a criminalidade do excepcional (ver, por
turais que os animam. exemplo, Redmon, 2015; Ilan, 2015).
Um grande corpo de trabalho crimi- Segundo, criminologistas culturais en-
nológico cultural explora formas de crimi- fatizam um entendimento particular do po-
nalidade cotidiana, de baixa ordem, como der tardo-moderno em suas explorações da
vadiagem, execução de grafites, furtos em criminalidade e do controle cotidianos. Em
lojas, realização de espetáculos de rua e um mundo tardo-moderno inundado de co-
o vasculhamento de lixos por comida, en- municação mediada, tecnologia de vigilân-
quanto também documenta as respostas le- cia e política de identidade, sugerem eles,
gais e controvérsias públicas que cercam tal o poder é menos propenso a operar como
criminalidade (Ferrell, 1996, 2001, 2006; um instrumento contuso de violência física
Presdee, 2009; Ilan, 2011). Críticos da cri- do que de circular insidiosamente, codifi-
minologia cultural às vezes têm argumen- cado em arranjos espaciais, ocultos atrás
tado que esse foco ignora uma mais ampla de ideologias de gerenciamento de risco
economia política do crime e falha em não e segurança pública, e implementados via
dar atenção a formas mais graves de crimi- mitologias do conforto e da conveniência
nalidade (ver, por exemplo, O’Brien, 2005; diários (Raymen, 2016). Nesse sentido, o
Tierney, 2010: 357-8). Os criminologistas controle social é mais potente e mais pe-
culturais respondem a essas críticas, hoje rigosamente problemático precisamente na
um tanto clichês, de duas formas. Primei- medida em que ele vem a estar escondido
ro, desenvolvendo os insights da teoria do nos pequenos domínios da vida cotidiana –
etiquetamento, eles argumentam que a na base de dados de corporações e do car-
“importância” ou a “gravidade” de qual- tão de crédito, na calçada e na vitrine, na
quer forma de criminalidade é em grande câmera de CFTV5 e no orientador educacio-
parte determinada pela resposta legal a ela nal (Ferrell, Hayward e Young, 2015: 87-
e pela habilidade daqueles no poder em 123). Aqui jaz o controle hegemônico, ou
revesti-la com significados culturais parti- ao menos a tendência tardo-moderna em
culares e interpretações públicas. Como de- direção ao controle hegemônico: formas de
monstra a pesquisa criminológica cultural, controle social e legal, despercebidas e des-
campanhas de persecução agressiva ou in- tinadas a serem despercebidas, que operam
dignação política geralmente transformam de formas que vêm a parecer naturais se
transgressões inconsequentes em delitos não inevitáveis (Hayward, 2012). E, toda-
de primeira ordem, tanto aos olhos da lei via, como criminologistas culturais tam-
quanto na mente do público. Igualmente, bém têm documentado, os habitantes da
poder e controle fluem na outra direção; vida cotidiana por vezes percebem mesmo,
atividades que, de outro modo, poderiam e resistem mesmo – e quando o fazem, suas
ser consideradas perigosamente importan- batalhas aparentemente “pequenas” sobre
tes podem ser ocultadas atrás de constru- um muro de parque ou uma publicidade
ções ideológicas que as definem como le- urbana, portanto, também invoca questões
gais, inofensivas ou necessárias (Jenkins, maiores de poder, controle e justiça social
1999; Ferrell, 2004b). Para os criminologis- (Ferrell, 1996, 2001).
tas culturais, então, a construção cultural Essa abordagem analítica exige aten-
do crime permanece sempre em questão – ção próxima ao microcircuito de vigilância
43
e controle; ela também necessita localizar contemporâneas e policiamentos cotidia-
esse microcircuito no interior de trajetórias nos (Ferrell, 2012a).
maiores da modernidade tardia. Ao longo Nos recentes anos, criminologistas
das últimas décadas, por exemplo, cida- culturais também têm desenvolvido um
des globais têm desenvolvido estratégias entusiasmado interesse nos muitos danos
cada vez mais agressivas ao policiamento causados pelo Estado – danos que vão além
cotidiano dos sem-tetos e de outras popu- do cotidiano e para dentro do reino do con-
lações deslocadas; revestidas por ideolo- flito global – do genocídio ao terrorismo de
gias de segurança pública e civilidade, e Estado, do imperialismo ao policiamento
apoiadas pela pseudocriminologia conser- militarizado. Dentro da criminologia cul-
vadora do modelo broken windows6, essas tural, há agora um corpo considerável de
estratégias variam da instalação de siste- trabalho tanto sobre crimes de Estado (por
mas de sprinkler anti-morador de rua e da exemplo, Morrison, 2006, 2010; Hamm
constante dispersão policial de reuniões 2007; Cunneen, 2010; Klein, 2011; Bur-
públicas à privatização do espaço público rows, 2013; Linnemann et al., 2014; Wall
e à criminalização daqueles que alimentam e Linnemann, 2014a) quanto sobre vários
populações sem-teto e migrantes. Todavia, agentes do controle estatal (por exem-
consideravelmente, essas estratégias cons- plo, Kraska, 1998; Morrison, 2004; Fer-
tituem algo mais que uma simples malva- rell, 2004b; Wender, 2004, 2008; Root et
deza; elas são estratégias para policiar a al., 2013; Aiello, 2014; Wall e Linnemann,
crise (Hall et al., 2013) da modernidade 2014b; Linnemann, 2016). Ao empreen-
tardia. Cidades tardo-modernas dependem derem esse trabalho, criminologistas cul-
do motor econômico de “desenvolvimen- turais, por sua vez, têm desenvolvido uma
to urbano movido pelo consumo”, onde a posição teórica que difere do trabalho cri-
cidade é reconstruída como uma imagem minológico anterior na área de crimes de
de si mesma e vendida aos privilegiados Estado e controle estatal. Em vez de limi-
como uma constelação de preferências de tar sua análise ao direito humanitário in-
estilo de vida, propriedades de grife e ex- ternacional, à perspectiva de “dano social”
periências de varejo. Em tais ambientes, ou às contingências sócio-históricas que
populações sem-teto e migrantes vêm a ser constituem o poder estatal, a criminologia
definidas, e policiadas, como questões de cultural procura reunir a influência macro
imagem, como ameaças à estética cuida- da estrutura (na forma de governança e
dosamente trabalhada da cidade, a serem ideologia) com teorias de nível mais inter-
excluídas para que elas não se intrometam mediário da subcultura e da “transgressão
na economia consumista da cidade. Além aprendida” – uma combinação que também
disso, as vastas desigualdades econômicas permite uma análise de como crimes de Es-
da modernidade tardia, e as predações de tado e assassinatos em massa podem ser
suas indústrias de varejo e serviço, pro- “neutralizados” tanto pelo Estado como pe-
duzem profunda precariedade para mais las forças coletivas envolvidas em violações
e mais pessoas, que são deixadas à deriva de direitos humanos (por exemplo, Hamm,
entre ocupação, moradia e país. A injustiça 2007; Linnemann, Wall e Green, 2014).
está na ironia: A desenfreada desigualda- Como sempre, porém, nenhuma aná-
de das economias políticas tardo-modernas lise criminológica cultural estaria comple-
engendra o mesmo tipo de deslocamento ta sem o terceiro elemento sobre o qual
derivante no qual focam muitas legislações a criminologia cultural foi fundada: uma
44
compreensão de nível micro da dinâmica Essa abordagem multinível é igual-
experencial e fenomenológica que compele mente útil para compreender as ações
um agente a se engajar em violência trans- daqueles que procuram confrontar ou de-
gressiva e um outro, no mesmo arranjo so- sestabilizar o Estado, seja via operações
ciocultural, a desistir. Aqui, a criminologia de contrainsurgência ou campanhas ter-
cultural se vale da pequena, subterrânea roristas. Para criminologistas culturais, o
literatura em sociologia e história militar objetivo, como notoriamente expôs a es-
que ilumina intensamente as sensações e tudiosa do terrorismo Martha Crenshaw, é
emoções associadas com guerra e comba- criar abordagens que sintetizem fatores es-
te (ver Cottee e Hayward, 2011, e Cottee, truturais com uma análise de dinâmica de
2011, para úteis introduções criminológi- grupo, influências ideológicas, incentivos
cas culturais). Considere, por exemplo, a individuais e motivações pessoais (Gun-
seguinte citação do brilhante estudo mi- ning, 2009: 166). Tais abordagens também
cro-sociológico de combate, de Sebastian devem ser interdisciplinares – porque essa
Junger (2010), na qual ele tenta explicar é realmente a única maneira de garantir
a fascinação de tiroteios para soldados de um entendimento compreensivo de como
infantaria estadunidenses, servindo no Afe- se entrelaçam dinâmicas macro, médias e
ganistão: micro. Assim, por exemplo, quando olha-
A guerra é um monte de coisas e é inútil mos os dados econométricos sobre a pobre-
fingir que a excitação não é uma delas. Ela za estrutural que produz o apoio palestino
é insanamente excitante. A maquinaria da às brigadas militares Izz ad-Din al-Qassam
guerra e o som que ela faz e a urgência de do Hamas, nós também devemos aplicar
seu uso e as consequências de quase tudo métodos visuais para analisar como pôste-
sobre ela são as coisas mais excitantes que res e outdoors de mártires nas ruas de Gaza
alguém empenhado na guerra conhecerá. reproduzem e cultivam uma bizarra cultura
Soldados discutem esse fato uns com os
de celebridade, a nível de rua, que engran-
outros e eventualmente com seus capelães
dece atentados suicidas e outras formas de
e seus psicólogos e talvez até com suas es-
posas, mas o público jamais ouvirá falar
istishahad [martírio]. Do mesmo modo,
disso. Apenas não é algo que muita gen- enquanto devemos fazer amplos questiona-
te queira seja admitido. A guerra deveria mentos geopolíticos – tais como se o Iraque
causar um mal-estar porque, inegavelmen- e outros países do Oriente Médio teriam
te, coisas ruins acontecem nela, mas para sido o objeto de tantas intervenções apoia-
um jovem de dezenove anos, atrás de uma das pelos EUA se sua exportação primária
calibre .50 durante um tiroteio do qual to- não fosse petróleo, mas abacates (Stokes,
dos saem ok, a guerra é a vida multiplica- 2009) –, nós não devemos encerrar nossas
da por algum número que ninguém nunca análises aí. Ao invés, devemos embarcar
ouviu falar. De certa forma, vinte minutos em formas de pesquisas mais antropológi-
de combate é mais vida do que você po-
cas e situacionalmente sintonizadas para
deria amealhar numa vida inteira fazendo
dinâmicas de nível local e micro, tais como
outra coisa. (Junger, 2010: 144-5)
as particulares técnicas empregadas por
Novamente aqui está o imediatismo forças ocupadoras quando patrulham vi-
sensual e a sedução emocional da trans- zinhanças desconhecidas e coletam inteli-
gressão violenta – não nas ruas da cidade gência, ou, aliás, os cismas religiosos/sec-
ou no quarto, mas florescendo no meio dos tários preexistentes que possam constituir,
caprichos do conflito geopolítico. em primeiro lugar, a crua realidade espacial
45
daquelas vizinhanças (Kilcullen, 2009)7. muitos dos crimes e controles sociais do
Uma tal abordagem multidimensional ao mundo contemporâneo podem ser enten-
estudo do terrorismo espelha intimamente didos como respostas fundamentalistas ao
a abordagem mais ampla da criminologia hiperpluralismo e à incerteza ontológica da
cultural ao estudo da criminalidade – uma modernidade tardia. O policiamento espa-
que conceitualiza certos comportamentos cial de populações sem-teto, os atentados
transgressivos como tentativas de resolver às clínicas de aborto e o terrorismo de mi-
conflitos psíquicos/individuais internos ge- litantes Jihadi são decididamente fenôme-
rados pelas condições ambientais ou estru- nos diferentes – todavia, cada qual mira
turais mais amplas associadas com a mo- um outro essencializado. Assim como o
dernidade tardia (Young, 2003; Hayward, policiamento contemporâneo tenta mapear
2004: capítulo 5). e gerenciar os inevitáveis deslocamentos
O mundo de conflitos internacionais e riscos da modernidade tardia, violentos
atual é velozmente cambiante e comple- fundamentalistas de todas as matizes se
xo, assolado por problemas tais como o comprometem a colocar a explosiva plura-
desenvolvimento desenfreado de poder lidade do mundo tardo-moderno de volta
militar privado (Balko, 2014) e o perigoso na caixa da certeza cultural. Das desper-
reaparecimento do interesse em doutrinas cebidas indignidades impostas aos andari-
religiosas ortodoxas que vão de encontro à lhos sem-teto e aos migrantes em situação
pluralidade de perspectivas e experiências irregular, aos mais notórios dos ataques
da modernidade tardia. Como tal, torna-se terroristas ou enfrentamentos militares do
ainda mais importante desenvolver uma Oriente Médio, os contornos culturais do
criminologia capaz de entender a destrui- poder e controle contemporâneos estão
ção social que esses desenvolvimentos sempre em jogo. E, dessa forma, a questão
causam. Assim fazendo, argumentam os não é se a criminologia cultural focará nos
criminologistas culturais, devemos sempre detalhes da existência cotidiana ou, em vez
permanecer vigilantes ao criticar os proces- disso, documentará o largo alcance do po-
sos pelos quais crimes de guerra são defini- der econômico e político; a questão é como
dos e construídos, e o poder estatal é alcan- descobrir um no outro, como encontrar e
çado e exercido. Mas, igualmente, devemos seguir as avenidas pelas quais estruturas
nos resguardar contra a tendência de focar de injustiça se infiltram na vida cotidiana,
somente nas estruturas de poder existen- para ali serem aumentadas, mascaradas ou
tes e nas contigências sócio-históricas que contestadas na sensualidade da experiên-
constituem o poder estatal, para que nossas cia vivida (Ferrell, 2012b).
análises não se tornem grosseiras ou uni-
dimensionais. Pelo contrário, a abordagem
criminológica cultural para o estudo do po-
der é manifestamente multidimensional:
Uma característica ubíqua da vida tar-
um processo contínuo de enriquecimento
do-moderna é a “mediascape” contemporâ-
intelectual mútuo no qual cada dimensão
nea, aquela constelação de mídia que fa-
incorpora alguma coisa da outra, contribui
brica informação e dissemina imagens via
para o desenvolvimento da outra, e assim
uma expansiva variedade de tecnologias
se torna mais do que qualquer uma poderia
digitais. Nessa esfera constantemente em
ser isoladamente.
evolução, ocorreu uma inversão extraordi-
Como observou Jock Young (2007),
46
nária. Hoje, como um resultado da pervasi- relação do crime com a mídia. Claramente,
vidade da mídia digital, imagens de crime abordagens consagradas, tais como “aná-
e de seus controles estão se tornando quase lise de conteúdo”, “pesquisa de efeitos” e
tão “reais” quanto os próprios crime e justi- “observação de produção de mídia”, têm
ça criminal – se por “real” nós denotarmos lugar dentro da criminologia cultural, dada
aquelas dimensões da vida tardo-moderna a preocupação da criminologia cultural em
que produzem consequências; dão forma compreender representações mediadas do
a atitudes populares e políticas públicas; crime, seus efeitos entre o comportamento
fabricam os efeitos do crime e da justiça individual e coletivo, e suas conexões com
criminal; geram medo, esquiva e prazer; e poder, dominação e injustiça. Entretanto,
afetam as vidas daqueles que estão envol- nenhuma dessas abordagens é suficiente
vidos ou são ignorados. Esse é um mundo para decifrar as relações complexas, não
tardo-moderno onde, como têm comenta- lineares que agora existem entre crime e a
do criminologistas culturais, “a tela roteiri- mídia num mundo tardo-moderno satura-
za a rua e a rua roteiriza a tela “ (Hayward do com televisão global por satélite, blogs
e Young, 2004: 259), onde a linha entre independentes de notícias, câmeras de ce-
o real e o virtual (de Jong e Schuilenburg lulares, redes sociais e websites duelistas.
2006), entre o factual e o ficcional, se torna O que se exige agora são novos modelos
cada vez mais indistinta, se não totalmen- de análise que utilizem aspectos das abor-
te perdida. Nesse mundo, perpetradores e dagens existentes ao passo que vão além
testemunhas postam imagens de crime e dos dualismos atualmente obsoletos: mui-
violência no YouTube e no Instagram; polí- to ou pouco conteúdo de mídia a respeito
ticos elaboram políticas de justiça criminal de crime, efeitos ou não efeitos de imagens
para assegurar que elas “estarão na mídia”; violentas, cobertura midiática do crime
advogados fazem aulas de teatro e promo- democrática ou elitista. Por consequên-
vem releitura de provas para assim influen- cia, os criminologistas culturais procuram
ciar jurados imersos em dramas criminais reorientar intelectualmente e repolitizar
da televisão; e anunciantes e comerciantes radicalmente o estudo do crime e da mí-
utilizam imagens de crime e transgressão dia ao explorar as fluidezas circulantes do
para vender tudo, de bebidas energéticas a significado por meio das quais a dinâmica
carros de família (Muzzatti, 2010; Ferrell, crime-mídia “socializa e dirige nossos pen-
Hayward e Young, 2015). samentos e ações numa variedade de for-
Alguns argumentariam que isso não é mas hierárquicas, complexas, matizadas,
nada novo – que, por mais de um século, a insidiosas, gratificantes, agradáveis e prin-
“história do crime” tem sido promulgada e cipalmente imperceptíveis” (Carter e Wea-
interpretada por meio de diversas formas ver, 2003: 167).
de mídia – e que o velho interesse da cri- Para os criminologistas culturais, en-
minologia na relação crime-mídia produ- tão, consagradas abordagens de mídia
ziu importantes orentações teóricas e me- que constituem o cânone criminológico
todológicas com relação à representação demandam uma reinvenção radical, não
popular do crime. Para os criminologistas uma simples regurgitação (ver Hall, 2012).
culturais, no entanto, o conhecimento aca- Como ponto de partida, a abordagem mais
dêmico subsistente sobre o nexo crime-mí- holística da criminologia cultural para tra-
dia, embora útil, oferece apenas uma leitu- çar o fluxo de significado num mundo im-
ra relativamente banal e antiquada da atual pregnado de imagens de crime e violência
47
enfatiza, no lugar da linearidade causa-e-e- compartilhando e publicando seus atos de
feito, a dinâmica, espiralada e de loopings, desvio – tudo, desde bullying do pátio da
do crime e da mídia – isto é, a maneira na escola a momentos de tumultos e até terro-
qual diversas imagens de crime e justiça se rismo. Em si, isso não é inteiramente novo,
confrontam e reproduzem umas às outras, mas o que é interessante é a noção de que
enquanto, ao mesmo tempo, vazando para essa interseção de conteúdo gerado pelo
a sala de audiências e para a rua (Ferrell, usuário com o desejo de indivíduos de se
Hayward e Young, 2015). Além disso, os mediarem por meio da autorepresentação
criminologistas culturais destacam os pro- poderia ela própria ser um fator motivante
cessos afetivos da representação do crime, para o comportamento criminoso.
mostrando como imagens viscerais de cri- Esse tipo de “vontade de comunicar” ou
me nos afetam não somente em termos “vontade de representação” pode ser visto
de política ou prática da justiça criminal, em si como um novo tipo de induzimento
mas corporal e sensualmente (Young, causal ao comportamento de violação de
2004, 2010). E, no geral, criminologistas leis e regras. Pode ser que, na nova era
culturais vão além das antigas noções “da midiática, os termos do questionamento
mídia” para examinar a multiplicidade de criminológico necessitem ser por vezes re-
vertidos: em vez de perguntar se a “mídia”
formas representacionais enredadas com
instiga o crime ou o medo do crime, nós
crime e justiça, da reconstituição da reali-
devemos indagar como a própria possi-
dade na música rap (de Jong e Schuilen- bilidade de mediar-se a si mesmo a uma
burg, 2006) a representações de crime e audiência por meio de autorepresentação
poder em revistas em quadrinhos (Phillips poderia ser vinculada com a gênese do
e Strobl, 2013). comportamento criminoso. (Ibid.: 246)
Em meio a esse abrangente trabalho A vontade-de-representação, então,
sobre crime, mídia e representação, crimi- torna-se crucial para entender um mundo
nologistas culturais, por seu turno, estão tardo-moderno onde indivíduos “desejam
cada vez mais interessados na “vontade de ser vistos, e estimados ou celebrados, por
representação” (Yar, 2012). Essa noção as- outros por suas atividades criminosas”.
severa que aqueles interessados em estudar Consequentemente, cada vez mais agora
a relação entre crime e a mídia agora de- testemunhamos o fenômeno criminogêni-
vem ir além da ideia do público como um co de atos desviantes e criminosos sendo
internalizador passivo da comunicação de engendrados ou instigados especificamente
massa, e, em vez disso, devem reconhecer para serem gravados e depois compartilha-
que um grande número de “pessoas ordi- dos via redes sociais e outras plataformas
nárias” agora são produtoras primárias da internet. Spree killers8 como Seung-Hui
de representações mediadas autogeradas. Cho (massacre da Virginia Tech, 2007) e El-
Graças a redes sociais, câmeras portáteis, liot Rodger (massacre da University of Cali-
webcams, blogs, vlogs e outras novas for- fornia, Santa Barbara, 2014), por exemplo,
mas de mídia, o sujeito de hoje “não mais gravam confissões ex ante em vídeo ou pos-
interpreta ou assiste a representações pro- tam longos “manifestos” on-line explican-
duzidas em outros lugares, mas se torna, do sua motivação. Rodger, que tinha um
ela ou ele próprio, a fonte daquelas repre- histórico de postar vídeos on-line sobre si
sentações” (Ibid.: 248). Assim, somos con- mesmo e era bem consciente da importân-
frontados com o espetáculo de indivíduos cia de gerenciar sua autoimagem mediada
e grupos encenando, atuando, gravando,
48
após seu suicídio, chegou ao extremo de timodernos do Jihadi, que apoiadores do
até mesmo criar uma série de videoblogs medieval Califado tenham se tornado tão
bizarramente convincentes nos quais ele se adeptos do uso de novos modelos de comu-
filmou, sentado em seu carro ou ao lado da nicação digital para disseminar sua ruinosa
estrada, discutindo calmamente seu ódio mensagem. Seja o atordoante lançamento
por minorias étnicas e casais interraciais, de vídeos de decaptação, bárbaros mas cui-
sua frustração por não ser capaz de achar dadosamente coreografados, ou a propa-
uma namorada, e sua virgindade. Enquan- ganda mais sutil de posts em blogs e vlogs,
to esses vídeos atestam o abjeto narcisismo carregados por mulçumanos europeus que
de Elliot Rodger, eles também ilustram algo documentam suas vidas na Síria, como
mais – uma astuta percepção de sua “pre- uma forma de aliciar outros a se juntarem
sença” digital não degradável, seu eterno a eles, é claro que o Jihad de hoje, no Le-
ser mediado. Em outras palavras, eles dão vante e em outros lugares, conta profunda-
testemunho de sua vontade-de-representar, mente com o próprio espetáculo mediado
tanto antes quando após sua própria morte e a vontade-de-representação que de outro
física. modo ele condena.
Atiradores em massa, de destaque e Pensar criticamente sobre “crime e a
espertos em mídia, são ilustrações claras da mídia” – deixar para trás medidas simples
vontade-de-representação, mas há incon- de conteúdo de mídia ou de efeitos de mí-
táveis outros casos onde crimes violentos dia, e avançar para um sentido holístico de
não estão apenas sendo cometidos mas, em voltas e espirais, de fluidez e saturação –
vez, encenados para a câmera. No mundo não é apenas entender a dinâmica do crime
das gangues de rua dos negros americanos, e da transgressão na modernidade tardia,
por exemplo, o termo “driller” – um nome mas abrir novas avenidas de investigação
dado a membros de gangue que provocam intelectual apropriadas a essas confusas cir-
confusão no Facebook, Twitter e Instagram cunstâncias. Nesse contexto, a criminologia
– é hoje mais comum do que alcunhas de cultural se empenha em desenvolver novos
gangue das antigas como “OG” (Original modelos criminológicos e críticas crimino-
Gangster). O uso da internet como um meio lógicas que podem convergir com a cul-
para iniciar uma “beef” [discussão], au- tura tardo-moderna em geral, e isso pode
mentar a “rep” [reputação] e “call out” [in- explicar a complexa interação cultural de
sultar] outros grupos é agora tão comum crime, controle do crime e representação.
que um vídeo de um membro de gangue Abordagens etnográficas “do instante” e
“drilling” [provocando] um rival do outro “líquidas” podem sintonizar pesquisadores
lado da cidade carregado no YouTube ou à dinâmica turbilhonante, de loopings, da
Instagram na manhã pode resultar num ti- mediascape contemporânea, e ao imediatis-
roteio relacionado mais tarde naquele mes- mo afetivo de seu impacto. Formas de etno-
mo dia (Austen, 2013). Mas num mundo grafia visual e criminologia visual podem
global impregnado pela tensão entre hiper- igualmente traçar os contornos, orientados
pluralismo tardo-moderno e essencialismo pela imagem, do mundo contemporâneo,
fundamentalista, talvez a forma mais inte- e podem capturar um mundo tardo-mo-
ressante da vontade-de-representação seja derno onde crime e controle do crime são
encontrada entre terroristas e insurgentes cada vez mais inseparáveis da política de
islâmicos de hoje. É de fato uma ironia, representação (Brown e Carrabine, 2016;
dados os sentimentos anti-Ocidente, an- Ferrell, Hayward e Young, 2015; Hayward
49
e Presdee, 2010). junção e diferença na economia cultural global, In
Featherstone, Mike (org.). Cultura global: nacional-
ismo, globalização e modernidade. Petrópolis: Vozes,
1994. p. 311-27). Porém, como a expressão inglesa já
alcançou certa notoriedade, decidiu-se por mantê-la
Ao sintetizar tradições criminológicas no original. (N.T.)
norte-americanas e britânicas de longa data,
3 No original, big data. Na tecnologia de informação,
ao integrar a essa síntese perspectivas mais os megadados referem-se a grandes volumes de dados
novas de uma miríade de campos afiliados, armazenados, que necessitam de ferramentas especi-
a criminologia cultural tem, desde o início, ais para que todas as informações possam ser encon-
tradas, analisadas e também aproveitadas no tempo
tentado construir um “cânone desamarra- necessário. (N.T.)
do” (Ferrell, 2010) para a investigação crí- 4 Neste ponto, é importante destacar que o interesse
tica sobre as interseções de crime, controle da criminologia cultural nas emoções e subjetividades
do crime, representação e significado. En- associadas ao crime e à transgressão não está limitada
apenas a atividades de limite ou carregadas de risco –
quanto mantém suas raízes na análise críti- longe disso. Criminologistas culturais têm despendido
ca e cultural, a criminologia cultural, dessa considerável esforço esboçando uma variedade, diver-
forma, está destinada a permanecer aberta sa e alternativa, de emoções que são a exata antítese
do risco e da excitação. Mike Presdee (2004: 45), por
e convidativa, uma alternativa animada às exemplo, pouco se importou com risco ou excitação,
ortodoxias reducionistas da criminologia e, em vez, tratou amplamente de emoções tais como
positivista. Ela também está destinada a ser “perda”, “humilhação”, “ressentimento” e as preocu-
pações associadas com “as injúrias ocultas de classe”,
flexível – isto é, destinada a se mover com a “sensação pura de sobrevivência” e “as complexi-
a emergente dinâmica do crime e do con- dades pessoais da vida cotidiana”. Numa ocasião, ele
trole do crime na modernidade tardia. Até até dedicou um artigo inteiro ao tema da “solidão”
(Presdee, 2006). Do mesmo modo, Jonathan Wender
o momento, essa orientação tem produzido (2004), um antigo policial-de-rua-que-virou-crimi-
investigações sobre imediatismo e emoção, nologista-cultural, baseou-se em sua experiência de
campo para documentar como a violência domésti-
sobre formas contemporâneas de controle
ca é tornada burocrática e emocionalmente neutra
social e cultural, e sobre a espiralada di- pelas limitações do procedimento policial. De fato,
nâmica do crime e da representação. Essas quer sejam os relatos de David Brotherton (Brother-
ton e Barrios, 2011) sobre a justiça perfunctória, sem
investigações são hoje, elas mesmas, parte emoção, dispensada a deportados centro-americanos
do cânone criminológico cultural, mas elas pelo sistema de justiça da cidade de Nova Iorque, a
não são o encerramento dele. Ao invés, pesquisa de Kevin Steinmetz (2015) sobre o tédio e
a frustração experimentados por hackers, ou o exame
como novas interseções de crime e cultura pessoal de Carl Root (Root et al., 2013) quanto aos
emergem das iniquidades da modernidade sentimentos de vergonha experimentados após ser
tardia, a criminologia cultural permanece a uma vítima de violência policial injustificada, crimi-
nologistas culturais têm demonstrado repetidamente
ser continuada. seu interesse analítico em uma variedade de emoções
tardo-modernas.
5 Circuito fechado de televisão; no original, CCTV:
1 Para outra introdução geral à criminologia cultur- closed-circuit television. (N.T.)
al, em português, ver Hayward e Young (2015), e para 6 A expressão, traduzida como teoria das janelas que-
mais sobre a política da criminologia cultural, especi- bradas, ganhou notoriedade com o artigo de James
ficamente, ver Ferrell e Hayward (2013), também em Q. Wilson e George L. Kelling (1982) que explicava a
português. hipótese de que a repressão de comportamentos an-
2 Cunhado por Arjun Appadurai, o termo medias- tissociais, contravenções ou delitos de pequena escala
cape refere-se à paisagem midiática, ou seja, a dis- previne o crime de maior escala. (N.T.)
tribuição das capacidades eletrônicas de produzir 7 Ao desenvolver uma criminologia cultural da guer-
e disseminar informações, e também as imagens do ra ou do terrorismo, é essencial que não se colapse
mundo criadas por essas mídias. Numa publicação automaticamente religião em política. Ao invés, a re-
em português do texto que disseminou a expressão, ligião deve ser reconhecida como uma poderosa força
a tradução optou pelo termo midiapanorama (Dis-
50
modeladora em si e de si. A criminologia cultural está Mohammad: criminology, theistic violence and
afinada unicamente para capturar os potentes apelo the murder of Theo van Gogh’, British Journal
e fascinação da “violência teística” ou religiosa, e a of Criminology, 54: 6 981-1001.
promessa da felicidade transcendental e da validação
heroica que ela oferece (ver Cottee, 2014). COTTEE, Simon and Hayward, Keith J. (2011).
‘Terrorist (e)motives: The existential attractions
8 Não há tradução compatível para o português; al- of terrorism’. Studies in Conflict and Terrorism,
gumas opções utilizadas são: assassinos impulsivos,
assassinos relâmpagos. Spree killer é a designação
34 (12): 963–986.
dada a quem comete assassino contra múltiplas e CUNNEEN, Chris. (2010). ‘Framing the
aleatórias vítimas, em locais diferentes, com quase crimes of colonialism’, in Keith, Hayward and
nenhuma pausa entre os crimes. A pluralidade de lo- Mike, Presdee (eds) Framing Crime, London:
cais diferencia o spree killer do mass murderer (que Routledge.
comete o ataque num só local). E o curto período de
tempo entre os crimes diferencia o spree killer do serial DE Haan, W and Vos, J. (2003). ‘A crying shame:
killer. (N.T.) The over-rationalized conception of man in
the rational choice perspective’. Theoretical
Criminology 7(1): 29–54.
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