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CONFERENCIAS PUBLICAS

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/ MAÇONARIA P E R A N T E O SÉCULO

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CONFERENCIAS PUBLICAS

NO EDIFÍCIO DO

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/ MAÇONARIA P E R A N T E O SÉCULO

P E L O

TYPOGRAPHIC — PERSEVERANÇA —• RIJA DO HOSPÍCIO, N. 8 5 .

13-77.
CONFERENCIA Ei 18 DE AGOSTO DE 1876.

SUMMARIO.—Razão de ordem e exposição.—Porque se não pôde tecer


completo louvor á m a ç o n a r i a . — O que foi, o que é, e o que deve
ser a maçonaria.— O amor fraternal e o amor de D e u s . — A lucta
entre o bem e o m a l ; liberdade no h o m e m . — O s maçons construc-
t o r e s . — I n g l a t e r r a , berço da liberdade e da m a ç o n a r i a . — A maço-
naria nada tem de commum com as sociedades s e c r e t a s . — A guerra
á maçonaria revela ou má fé ou i g n o r a n c i a . — A authocracia e a
theocracia a combatem e p o r q u e . — I n d i f e r e n ç a completa pela poli-
t i c a . — N e u t r a l i d a d e absoluta em religião. — A crença em D e u s . — L i -
berdade de consciência e dos c u l t o s . — A apostasia importa remorso.
— A maçonaria deve levantar hospitaes civis. —Substituir a esmola
pela pensão. — E x e r c e r a caridade sem l i m i t e s . — A s y l o de mendici-
dade.—Gomo pôde concorrer para a regeneração social. Porque o
missionário levanta as m a s s a s . — A ignorancia e a superstição. — A
escola fôrma o soldado do p r o g r e s o . — A imprensa assegurâ a victo-
r i a — O s preconceitos como destruil-os. — A Bélgica e o clericalismo.
— A victoria da liberdade está l o n g e . — O púlpito, o confessionário e
a eschola r e l i g i o s a . — A s conferencias, a imprensa e a eschola civil.
— Liberdade de concurrencia; morte do p r i v i l e g i o . — N a d a de perder
t e m p o . — E r r o da politica do V a t i c a n o . — A maçonaria não pôde ter
religião nem formar seita de d o g m a s . — S e u fim é o bem estar da
h u m a n i d a d e . - S u a base o amor dos homens; sua crença a existencia
de D e u s . — O poder que a combate fará victimas mas não a ven-
c e r á . — O christianismo religião de amor, de resignação e de cari-
dade.— A maçonaria sociedade de amor, de resignação e de caridade.
— Não se pôde guerrear e sim a u x i l i a r . — O seu fim é o mesmo — a
perfeição.

Meus senhores.— Eis-me pela segunda vez em vossa presença, diri-


gindo-vos a p a l a v r a sobre questões da actualidade.
Quando pela vez primeira me coube a honra de fallar, discorri sobre
uma these vaga e ampla, qual a separação ão Estácio e ãa igreja:
tendo-se interrompido as nossas conferencias, outra occasião se me não
offereceu para continuar em tão importante assumpto.
Estando hoje claramente lançado o cartel de desafio á maçonaria;
— sendo, em pleno século XIX, chamada a maçonaria para ser julgada
- 4 -
como o fôra em séculos passados, a maçonaria deve-se levantar e produzir
a sua defesa, provando perante o século que sô uma accusaçao de ma
fé e premeditada intenção póde-lhe abalar os créditos e desconhecer os
relevantes serviços que atravez das idades tem prestado á causa da hu-
manidade {Apoiados).
Dizer-vos o que é a maçonaria perante o século e descrever os pio-
gressos do século; apresentar-vos as necessidades sociaes que devem ser
satisfeitas; é emflm, acompanhar esse historico da humanidade no seu
caminhar incessante e infatigavel para a perfeição.
O que foi a maçonaria, o que é e o que deve ser, eis a synthase
das reflexões que peço vénia para apresentar á vossa consideração e
benevolencia, benevolencia que imploro, porque, convicto de meus
fracos conhecimentos (não apoiados), sem ella não poderei descrever o
quadro que se apresenta a nossos olhos.
Tratando da maçonaria no império, e reconhecendo que apesar de
suas nobres intenções, de seas bons e proveitosos serviços, ella am da
está muito longe de ser o que pôde e deve s e . (,apoiados), nao podere s
esperar de mim um cântico de louvores como qmzera lhe afife-
recer
Acceitem-se, porém, as minhas palavras, não como censura, porque
censura não tenho que fazer, e sim como conselhos, que deste logar de
honra inicio, que outros de mais vasta mtelligencia e firme dialéctica
reforçarão, e que devem, levantando, o espirito da grande associaçao
maçónica, abrir-lhe espaço ás conquistas a que tem direito.
O que foi, o que é, e o que deve ser a maçonaria ?
E' sempre a associação fundada no grande principio do amor fraternal,
que só conhece um s u p e r i o r - o amor de Deus.
O mundo creado apresenta a lucta constante de dous princípios, de
dous elementos oppostos, o principio do bem, e o pricipio do mal ;
e o homem não é grande senão porque se acha collocado no meio desse
combate em que é vencido, ou de que sáe vencedor, revelando a sua
qualidade mais gloriosa, aquella que lhe outorga a corôa de rei da
creação — a liberdade. . ,
Nesta lucta que nasce no berço da creação, e que so se extinguira na
consummação dos séculos, a maçonaria fôrma o grande exercito, qu3 ataca

o mal e defende o bem.


Assim foi, assim é, e sempre será.
L á nesses dias remotos, quando os maçons constructores se asso-
ciavam e percorriam a Europa inteira, amparados pela igreja, e levantavam
esses monumentos, que ainda hoje despertam a contemplação dos homens
da arte, um grande principio os animava e os p r e n d i a - s e g u i r a estrada
da virtude, trilhar a senda da verdade, iuctar contra o vicio e contra o
crime (Apoiados).
Depois que na Inglaterra, a patria e berço da liberdade, se abre a
— 5 ~
esphera da associação, tornando esta, não de simples e humildes operá-
rios, e sim de todos os homens, que desejam o progresso e a perfeição
moral dos povos, não foram outras as ideias, não foram outros os prin-
cípios, não foram outros os elos, que prendiam a grande cadêa.
Por isso, ampliando o quadro, chama ao grêmio da maçonaria todos
os homens espalhados sobre a siiperficie da terra.
Cobre os seus templos com a abobada estrellada, symbolo da confra-
ternisação.
Debaixo dessa abobada qual o céu, os homens só se distinguem
pelo sentimento de amor reciproco, que os prende no caminho para a
grande obra cie sua regeneração moral.
Se uma idéa predominante de momento compelliu a associação a
abandonar a grande missão desinteressada da paz ; se delia se destaca-
ram grupos, que foram bater-se pelo principio interessado das crenças po-
liticas e religiosas, formando sociedades secretas, não se torne responsá-
vel a maçonaria de actos que não são seus.
E s s a s sociedades secretas nada têm de commum nem de semelhante
com a grande associação maçónica ; aquellas são animadas por um prin-
cipio interessado, quer se disfarce no bem estar na t e r r a — a politica;
quer se disfarce no bem estar no céu — a religião: emquanto a ma-
çonaria, sem querer ver os dogmas politicos, nem dogmas religiosos,
cada qual mais poderoso para abrir campo de lucta e de combates san-
guinolentos e destruidores, apresenta-se em nome de Deus, o Supremo
Architecto da Natureza, em nomo da Providencia que tudo vò, que tudo
julga, e marcha em uma lucta pacifica e de amor á conquista, não de
throno nem de altares, não de direitos nem de consciências, e sim ao
grande fim da creação, a redempção moral do homem, ao seu aperfeiçoa-
mento (Muito bem).
Traçado assim o grande fim da maçonaria, vos convencereis, senhores,
que se ella é batida no século XIX com tanto encarniçamento, essa
guerra só pôde ser movida ou por ignorancia, ou por perversa má fé.
Mas, emfim, o combate se trava e ha razão para que assim aconteça.
Formando a maçonaria, pelo espirito que a anima, o grande baluarte
das liberdades sociaes — o poder autocrcitico e theocratico, — que não
busca existencia nem se quer legitimar senão na vontade de Deus, ha de
consideral-a sempre como inimiga irreconciliável, porque da instrucção
que ella tem de derramar, da illustração das classes ignorantes, da
condemnação dos preconceitos e das superstições, da victoria, emfim,
da verdade, virá o abalo completo desses alicerces seculares, construídos
pela ignorancia, cimentados pela superstição, sobre os quaes se levantam
esses poderes falsos cia terra - a autocracia e a theocracia.
Tremem perante a maçonaria, espantam-se de suas conquistas, re-
ceiam-se de suas victorias, e impellidos pelo principio de conservação,
querem entorpecel-a em sua carreira. Fatal illusão !
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Não tremam-, porque a maçonaria não lhes disputa o poder.
Associação besçada no grande principio da igualdade, cultora acérrima
e excuuav* . d o m a n d o sentimento do amor dos homens - nao quer nem
aspira p o b r e s , c u j a conquista só se obtém na lucta de princípios, que
cila » m Z m t Z * * > discute, e pelo contrario prohibe expressamente
que de taes principios se cure em seu seio.
Sem drttUm.'8- .maçonaria marcha a esse grande i d e a l - a humanidade,
onde todos são creaturas do mesmo Creador.
Para-chegar esse fim, não tem que ver com as questões politicas
de f ô r m a * , * * «overno, e somente com as grandes questões sociaes; estas,
sim, estão na orbita de sua missão humanitaria e civilisadora; aqueilas
lhe é vedado discuti-las pelo codigo fundamental de sua existencia
[Apoiados).
Sem fazer cabedal das crenças religiosas de seus irmãos, porque essas
pertencem ao foro interno da consciência, que só Deus pôde avassallar,
exige que todos professem a crença de que existe um Deas, cheio de sa-
bedoria, de poder e de amor.
O maçon devo acreditar sinceramente em Deus, porque se nao acre-
ditasse não fôra homem, não seria maçon (,Muitos apoiados).
Acreditai em Deus e sereis maçon, pouco nos importando da fôrma
por que cultivaes as vossas relações para com Elie, o modo por que prestaes
adoração a essa fonte perenne de todo o bem, a esse Auctor da Natureza.
E i s a liberdade completa de consciência.
' Deus é o grande principio da crença - adorai-o, segundo os vossos
sentimentos religiosos, que vos deu a educação, • desde o vosso berço, e
que a communhão a que pertenceis sagra com as suas lições.
Os principios religiosos bebem-se, por assim dizer, com o leite ma-
terno, quando no regaço de uma mãe carinhosa aprende o menino os
cânticos de louvor ao Altissimo : essa religião do berço, arreiga-se em
nossos corações (apoiados); e se algum dia a renegamos, não admira que
no coração fique o remorso, que nos acompanha até o tumulo.
Seja como fôr, a maçonaria não abre nem alimenta as luctas de re-
ligião.
Sua missão não é formar fieis de uma communhão, respeita a todos
em sua manifestação — quer pelo culto interno, quer pelo culto externo,
porque no seu estandarte civilisador está escripto : — L I B E R D A D E D E CULTOS
E DE CONSCIÊNCIA.
Definido como se acha o nosso fim, só por má fé pôde o chefe do
catholicismo considerar a maçonaria inimiga da igreja catholica e pa-
trocinar com a sua palavra e com as suas reclamações, que o governo
do império do Brazil subscreva a actos, que só têm por fim satisfazer a
vaidade e amor proprio de homens, que em má hora levantaram questão
tão seria, qual a que ainda pende sobre nossas cabeças, e que de certo
não terá nunca solução, se ficarmos á espera da Divina Providencia.
Se, porém, os poderes do Estado são culpados pela protelação inde-
finida de uma questão que não acaba porque se não quer; os que
pertencem é maçonaria brazileira, hoje tão calumniada, não deixam de
ter também sua quota de responsabilidade, por não se levantarem com
o prestigio do seu poder moral aíim de precipitarem essa solução,
Factos e não palavras, eis o que principalmente precisamos, porque
diz o dictado : contra factos não ha argumentos, — e com factos chegaremos
promptamente ao completo dominio a que temos direito.
Tem vivido até hoje a maçonaria brazileira em um circulo louvável
de caridade e beneficencia; procurando sem duvida alguma influir já na
instrucção creando escholas, já na caridade publica creando hospitaes, já
finalmente promovendo a execução dessa lei humanitaria de liberdade do
ventre.
São esses serviços, sem duvida, dignos de nota, mas quando se com-
para a força da associação maçónica com os limites dos serviços, que
tem prestado, temos o direito de pedir que ella se levante como deve, e
dispondo do poder e da força que possue, venha disputar a outros a Vic-
toria, que por direito lhe compete.
Uma idéa religiosa congrega uma massa de fieis, que cheios de de-
dicação construem hospitaes, asylos e patrimonios, com que soccorrem a
enfermidade, com que protegem a invalidez, com que auxiliam a pobreza.
O sentimento nobre do mais sancto patriotismo cria associações de
beneficencia, levanta edifícios, fôrma caixas de protecção para o infeliz.
E nesses grupos prendidos pelo amor de Deus e pelo amor dos ho-
mens, encontram-se só maçons, que praticam a caridade sem limites — no
templo de Deus, juncto ao leito da dôr.
Levanta-se a igreja catholica e não nos quer no templo nem no hos-
pital abençoado pela devoção de cada um de nós ; o que fazer ? levan-
te-se a maçonaria brazileira e responda a esse desafio, construindo casas
de caridade para seus irmãos, sem distincção de patria, sem distincção
de crenças, verdadeiros templos de caridade, porque não conhece razão
de interesse para exercel-a (Muitos apoiados).
P a r a combater o inimigo que v o s enxovalha, para combater o inimigo
que v o s repelle e condemna, erguei-vos, sois bastante fortes para o f a -
zerdes, a . par desses hospitaes que representam uma caridade limitada
pela crença e pela patria, construi outros e muitos outros em nome do
amor puro illimitado e sem paixão, em nome da CARIDADE (Muitos apoiados).
Não temos de certo satisfeito completamente a nossa missão maçónica
pelo simples facto de entrarmos no grêmio da associação, com o fim de tirar
delia a protecção ao nosso presente, arrimo ao futuro da nossa família.
Hoje que a sciencia economica, de mãos dadas com as sciencias exac-
tas, logrou combinações portentosas, que facilitam a economia de pequenos
cap'itaes, uma renda que se recebe em virtude de um direito adquirido
deixou de ser esmola.
N ã o são de « t o . esmolas do tronco do l»
impelle â união maçónica : devem s e , os montepios as comb,nações ga
rantidoras do capital e da renda qne nos d " ™ » " ™ ' -
Pois Dem, em vez da continuarmos na senda qne temos «iinaao,
deixando J T . incúria nos accommetta, condados n a , ^
nroclamemos o amor ao trabalho e ã economia como a primeira nas
virtudes ^otiaes e depositemos no seio da associaçao <> o b n o

q „ e representa o frncto do nosso — t Z Í .


tificar e garantir o nosso futuro e o de nossas iamm
pensão á e s m o l a - o direito ao favor {Muito bem)
P a r a o exercido da caridade, da caridade que nao tem limites, porque
não indaga da crença do infeliz, nem da patria do desgraçado, campo
vasto se abre á vossa dedicação. _
E m nossas praças, por nossas ruas, vagam i n f e l i z e s , que nao podem
trabalhar, dando espectáculo, que depõe contra a nossa indtferença, que
aliás não o evita. , „,
De que precisam esses infelizes? de guarida que os acoberte do frio e
da fome, de asylos que os tirem da estrada publica, onde dão espectáculo

que escandalisa e não commove. .


E i a maçons, levantai-vos em vossa união e força e construi esse

asvlo aue a posteridade será vossa !


Tem pois a maçonaria diante de si tres meios excellentes de retem-
, perar suas forças, tros caminhos a seguir para a conquista da supre-
macia, que lhe querem contestar.
Levantar hospitaes que dêem consolo ao infeliz: levantar asylos que
abriguem ao mendigo desvalido; constituir monte-pios que garantam o
presente e o futuro da familia, eis um triplice fim que a maçonaria
deve realisar em nome da caridade sem limites, isto é, do sentimento
que no seu exercício divino não conhece nem distingue, raças, crenças,
nem patria. Curva-se perante um único p r i n c i p i o - D e u s ; segue uma
única lei—igualdade (Muitos e numerosos apoiados. Muito bem, mmto
bem).
Vejamos como a maçonaria pôde concorrer fortemente para a rege-
neração da sociedade.
Tendes lido e não sabeis explicar, talvez, como um frade envolto
em um borel, que devera cobrir o mais desinteressado amor, e que
ouasi sempre ó a veste disfarçada da m a i s refalsada hypocnsia, le-
vanta uma massa infrene de povo, a allucina e a torna refractana
á verdade, ainda sustentada e pregada pela mais robusta intelligence.
Será porque as palavras do missionário tenham o effeito do fogo
que queima até o fim, ou da luz que penetra o mais escuro antro ?
Não, meus senhores, não.
Trata-se de uma massa compacta de ignorantes, de analphabetos,
educados fóra dos princípios moraes do dever, de uma religião mystica
do amor e de misericórdia, cuja i n t e l l i g e n t está obsecada P ^ "leas
supersticiosas de uma religião falsificada, onde o amor cede o passo ao
terror, onde a falta rime-se, não pela expiaçao, e s u a pela c o n c e s s ã o
de esmolas ao especulador, onde a hypocrisia eleva-se como virtude,
beatificada nessas praticas estultas de uma religião sem consciência
O que cumpre que façam os maçons, soldados da vanguarda do
progresso e da civilisação, para combater os apostolos da ignorancia ?
Educar as massas, levar ao seu espirito a luz com que ellas pos-
sam conheeer as verdades, que lhes são negadas, levar ao coraçao essa
educação de pura e san moral que importa a consciência de que o crime
e o vicio se expiam, e não se compram pela transação deshonesta.
A imprensa seria sem duvida a arma m a i s fácil e prompta p a r a o

^ M I S em um paiz onde o império é dos analphabetos, e onde a adminis-


tração superior sustenta o direito de não lêr, em u m a terra em cuja
massa popular em sua maioria acredita-se nos effeitos da excommunhao,
de certo que a imprensa tem muito que luctar para fazer proselytos.
P a r a que a imprensa, que educa e que falia ao espirito e ao cora-
ção, possa fazer caminho, é preciso que tenha leitor, e nao tera leitor
em quanto as massas populares forem analphabetas.
Não nos illudamos, a maioria de nossa populaçao e como o cego de
nascimento, condemnado eternamente a não contemplar as grandiosas
hpllp7as da creação : vive nas trevas.
Mais feliz, J o r f m , do que esses infelizes, tudo se P ^ ^ s c o r W n
horizonte para ella, basta que saiba ler e escrever, e para saber ler

" T : ^ ^ Z i ^ o ^ escUlas é um grande dever da ma-


çonaria, se quer combater o inimigo, que triumphará emquanto estive

rem os espiritos nas trevas. nTn„rpsso.


A eschola abre o .campo, prepara e f ô r m a o soldado do progresso ,
a imnrensa depois lhe assegura a victoria [Muito bem).
A maçonaria encontra hoje, como encontrou sempre, preconceitos-

arraigados no espirito das massas.

Amincal-os da noite para o dia é um v8o desejo. E precso comba-

" " o — " ' s e m previa e d o c ^ o e i u » 4

ti,e T o " p t exemplo a i n s t i t u i ^ do casamento, contracto c Í T i.-re-


lieioso : entre nós tão somente religioso.
A reforma palpitante dessa instituição, tornando-o obrigatoriamente
civil encontra no seio da nossa população um preconceito, que precisa
ser batido, e não o será emquanto a verdade não calar, pela educaçao
e instrucção, no espirito dos povos.
E preciso imstruir o povo, fazel-o saber e conhecer, que independeu-
- 1 0 -
te da consagração da igreja, o casamento se contráe para o effeito da
mais completa legitimidade da familia : que emquanto as igrejas en-
tram em lucta em seus dogmas e disciplinas, só reconhecendo válida a
familia de seus fieis, rompendo-as no dia do desgosto pela abjuraçao e
pela apostasia, lançando a desordem na familia, o cahos na sociedade,
o Estado que nada tem que ver com essas crenças de hoje que sao rene
gadas amanhan, só sustenta corno único principio absoluto o da indissolubi-
lidade : - a'familia, uma vez constituida pelo casamento, não se dissolve
senão pela'morte de um dos cônjuges, seja hoje catholico para amanhan
ser protestante, seja hoje protestante para amanhan ser catholico.
E no entanto, quantos esforços a fazer até vingar esta salutar dou-
trina entre nós 1
Não nos illudamos de que os esforços devem ser hercúleos.
Se na Bélgica, esse paiz illustrado, torrão em que florescem sob a
unidade governamental os principios sãos da democracia moderna ; se na
Bélgica, recondito em que se encontram os homens mais eminentes do
partido liberal, a bandeira do progresso'e da civilisação se abate sob o
peso do clericalismo fanatisado, o que não deve acontecer entre nós, onde
dous terços, senão mais da população, acha-se sepultado nas trevas do
analphabetismo; onde espíritos illustrados na ordem da sciencia e das
letras não tem a coragem de se levantar contra os preconceitos que os
avassallam e escravisam ; onde, ou por disfarce hypocrita, ou por ignorancia
calculada, a administração se torna complice desses missionários indo até
á praça publica receber delles a admoestação, e até o flagello, (Sussurro).
Nestas]] condições em que se encontra a nossa sociedade, a victoria da
liberdade está muito longe.
A igreja tem elementos de vida e de conservação, que ha de explorar
por muito tempo com vantagem pelos meios de que dispõe.
A liberdade franca de pregar no púlpito contra as leis do Estado, com
consentimento tácito, senão expresso da auctoridade civilf; a exploração
segura pelo segredo do confessionário; a direcção de escholas sem inter-
venção [nem fiscalisação da auctoridade civil, quando nas suas o Estado
quer e tem toda a fiscalisação.
E o que é mais, aquelles que se mostram mais contrários a esta
ordem de cousas, são os proprios que dão vida a todos esses meios de
acção contra o progresso e a civilisação.
Assim é que, emquanto gritam contra as escholas do lazarista e da
irman da caridade, são os primeiros a confiar-lhes a educação de seus
filhos. Fatal contradicção !
A maçonaria deve combater esses meios de acção, que retardam o
progresso social e o bem estar dos povos.
Contra o púlpito, as conferencias publicas; contra a eschola religiosa,
a eschola civil; contra o confessionário, a imprensa severa e moralisada.
Abra-se essa lucta livre de concurrencias entre a igreja e o Estado, e
- 11 -
a victoria deste só espera a completa educação do povo para se pronun-
ciar como tem direito.
Tal ó a grande missão que está reservada entre nós á maçonaria.
Deixemos, meus senhores, de perder tempo {Apoiados).
Pio IX acaba de nos prestar um grande serviço, cumpre reconhecel-o.
Se Pio IX se conservasse silencioso e não se lembrasse de tocar na
maçonaria brazileira, ella por alii iria vivendo vida desconhecida e in-
glória. Se a queria matar, melhor fora que delia não tivesse jamais cui-
dado [Risadas).
Lembro-me que em outros tempos, quando os maçons eram constru-
t o r e s , na Inglaterra, a rainha Isabel os quiz perseguir, expediu ordem
de prisão, e, apesar de ser naquelle tempo, onde era principio o stc volo
sic jubeo, o executor da alta e augusta missão, ao approximar-se do
templo do trabalho, foi convidado a verificar por si mesmo de que tratavam
esses obreiros; e como visse que a rainha tinha sido illudida, tomou a
si não cumprir o, edicto, de tudo deu conhecimento á magestade, que nao
vacillou em reconsiderar a sua ordem, convertendo-se de perseguidora incon-
sciente da instituição, em protectora conscienciosa e benemerita dos maçons.
Se Pio IX tivesse imitado esse procedimento, se não tivesse dado
ouvidos a seus falsos missionários, houvera-se convencido de que a maioria
desta associoção maçónica se compõe dos mais fieis devotos, da religião
catholica apostolica romana, que não desejam senão consagrar sua vida
inteira ao esplendor do culto de sua religião.
Se entre elles ha algum desabusado, muitos mais existem por ahi
fora com quem sua sanctidade deve ajustar contas.
E , pois, estamos certos de que em vez do presente de excommunhão,
nos mandaria muitas indulgências para remissão de nossos peccados (Ri-
sadas ; apoiados).
Pensou o contrario o chefe do catholicismo ; quer por força que o
maçon não seja o que é, crente, fervoroso e dedicado aos dogmas do
christianismo, porque quer que a associação maçónica seja a associaçao
de progresso e de civilisação: rendamos pois graças a Pio I X , e acceitemos
a investidura que elle nos offerece.
Mas para que bem possamos cumprir o nosso dever, é preciso que
a maçonaria deixe de pensar em religião, qualquer que seja o seu dogma,
qualquer que seja a sua disciplina.
A maçonaria não tem igreja de que seja fiel, não tem patria de que
seja cidadão, é a communhão completa de todos os homens, ligados por
um laço inquebrantável — a fraternidade (Muitos apoiados ; muito bem).
A maçonaria, que não conhece igreja, não tem que ensinar nem de-
fênder dogmas da igreja, não tem que alimentar em seu seio sentimento
algum que só prende o fiel á igreja [Apoiados].
Sejamos o mais religiosos possiveis na família, ensinemos a nossos
filhos as crenças que recebemos e em que fomos educados; mas nesta
- 12
sociedade nada temos que ver com as crenças, nem fazer praça de nossos
• sentimentos : a nossa missão não é conquistar proselytos para uma reli-
gião em detrimento de outra; a nossa missão é o bem estar moral e
social do homem, livre e sempre livre nas convicções de sua conscieneia
em relação para com Deus (Muitos apoiados).
Precisamos cimentar a união dos homens, precisamos caminhar para a
fraternisação dos povos, para a constituição do grande todo - a humani-
dade, no gozo de direitos reaes, iguaes e completos, e portanto nao pôde
fazer praça do sentimentos religiosos quem não professa religião alguma.
Pouco importa o que foi a maçonaria, pouco importa o seu desvio
constituindo sociedades secretas, já instrumento do poder contra a líber
dade, já escrava da anarchia contra a ordem: é a maçonaria perante o
século que cimenta a união fraternal de todos os homens que creem na
existencia de um Creador — Deus, e em uma vida de além tumulo, onde se
deve encontrar a absoluta perfeição e a posse do verdadeiro bem, que
abre a entrada dessa perfeição, elevando altares á virtude, fustigando
a immoralidade, castigando o vicio, reprimindo o crime: que visa o
bem estar social e moral dos homens, defendendo a liberdade, como a
condição de todo o progresso e de toda a civilisação (Muito bem).
Esta associação maçónica que tem por crença Deus e a immortali-
dade ; por direcção a conquista da virtude e o abatimento do vicio ; que
combate pela victoria da liberdade no século, não pôde ser vencida senão
pela cobardia de seus membros.
Os poderes da terra, cegos e absolutos, que contra ella se levantam,
devem encontrar em sua existencia os cachopos inevitáveis de um nau-
fragio.
Farão victimas como já íizeram martyres; tanto melhor porque a
historia não mente quando nos offerece exemplos repetidos dos resultados
beneficos dessas hecatombes em prol do progresso e da civilisação [Muito
bem).
Devo, ao concluir, dirigir-me ao grande throno de Deus, onde se senta
a verdade, o bem e a justiça representadas por uma saneia Trindade de
fé, de amor e esperança, pedindo-lhe que illumine os sacerdotes da lei f
afim de que se dispam das paixões mundanas, renunciem ao poder sobre
a terra, condemnem a vaidade e o orgulho que os desvaira, e volvam a
esses tempos dos primeiros séculos da igreja christan, puros de costumes
como puros eram de doutrina, levantando o estandarte dessa religião de
amor, de resignação e de caridade, e quando assim façam, a maçonaria
os deve apoiar e bem dizer, e elles devem apoiar e bemdizer a maçonaria,
porque caminharão por diversos caminhos, porém com os mesmos ele-
mentos, ao mesmo fim — a perfeição.
Tenho concluido.
(Vozes. — Muito bem. Muito bem. — Applausos prolongados do au-
ditorio).
CONFERENCIA 11 25 BE AGOSTO DE 1876,

SUMMARIO.— A questão religiosa que nos agita é s e r i a . - P o r q u e se lança


cartel de desafio á maçonaria.—Procedimento do papado segundo a
h i s t o r i a . - A p o g e u e decadencia do seu p o d e r . - P e r d a do poder tem-
poral - C o n c i l i o do - V a t i c a n o . - O dogma da i n f a l i b i l i d a d e . - N o v o s e
velhos c a t h o l i c o s . - O episcopado brazileiro.— A maçonaria calum-
niada.—Facilidade da conquista para o j e s u i t i s m o . - C a r a c t e r do_ povo
b r a z i l e i r o . - A u s ê n c i a dos partidos com idóas d e f i n i d a s . - P r e l i m i n a r e s
do c o m b a t e . - G o l p e vibrado contra a m a ç o n a r i a . — O despertar do
poder civil.—Condemnação dos b i s p o s . - A a m n i s t i a . — O armistico
não traz a p a z . - C a r a c t e r de D . V i t a l . - A desobediencia aggrava-se.
-Ultimatum de D . V i t a l . - A e x c o m m u n h ã o . - P o r q u e tem effeitos
politicos e c i v i s . - A religião do E s t a d o . - O concilio de Trento -
Qual o estado da q u e s t ã o . - A maçonaria ó chamada ao combate,
recua ou c a m i n h a ? - A maçonaria e a lei de emancipaçao do escra-
vo - Contradicção da i g r e j a . - Q u e m melhor defende os privilégios e
i n d e p e n d e n t da i g r e j a . - S e p a r a ç ã o do Estado da i g r e j a ^ - Incompa-
tibilidade entre o evangelho e a c o n s t i t u i ç ã o . - A questão e prema-
tura e p e r i g o s a . - C o m o chegar á solução do p r o b l e m a . - A igual-
dade dos direitos politicos pela liberdade dos c u l t o s . - A estabilidade
perpetua da familia e a igualdade do direito civil, pede o casamento
c i v i l . - L i b e r d a d e plena emquanto a benção r e l i g i o s a . - A igreja nao
pôde dar titulos de nascimento nem de o b t i t o . - A igualdade da
morte reconquista a igualdade do n a s c i m e n t o . - A secularisaçao dos
cemiterios é consequência da igualdade e da p e r s o n a l i d a d e . - G l o r i o s a
missão da maçonaria no século X I X .

Minhas senhoras e s e n h o r e s . - C o n t i n u o a tratar do thema sobre o


qual fallei na ultima conferencia.
Não espereis de mim discurso concertado e castigado, porque nao
me sobra tempo para nelle pensar e nellle esmerar-me.
Apresento-vos reflexões que o assumpto me desperta no momento,
desculpando a fôrma, e supprindo a correcção a vossa benevola indul-
gência. .
Tratando da maçonaria perante o século, foi meu fim : dizer-vos qual
a missão benefica e civilisadora que lhe está hoje reservada no mundo,
e para que neste império ella se levante como se fora um só homem,
propugne e defenda as grandes questões sociaes que pendem sobre nós,
e de que tem de nascer o nosso porvir.
Dormia entre nós essa associação por assim dizer somno de indiffe-
rença, e descuidada, quando golpe certeiro e inesperado a vem ferir e
despertar do criminoso lethargo em que jazia.
Fallo da (questão religiosa, que procura o primeiro combate com a
maçonaria brazileira.
Pensam alguns que é uma questão de lana caprina, digna de ser
immortalisada em um novo hyssope, e apenas um pretexto; eu, porém,
direi que é uma questão muito grave, que é um cartel de desafio lançado
contra uma associação notável pela sua força e pela sua união (Apoiados).
Torna-se grave a questão, cessa o pretexto, desde que a associação,
contra a qual o poder theocratico enrista lanças, representa o grande e
formidável exerci+o que combate pelas liberdades e progressos do sèoulo .
(Apoiados; muito bem; muito bem).
Porque se lançou esse cartel de desafio inesperado contra umá asso-
ciação, em que sempre a igreja do Estado encontrou os mais dedicados
e sinceros apostolos ?
Porque se faz ressuscitar a doutrina das bulias de Clemente V I I e
Bonifacio XIV, que parecia esquecida e sepultada no meio do século XIX ?
Por uma razão muito simples e fácil de ser comprehendida. Desde
que o Vaticano perdeu o poder temporal pela unificação completa da
Italia, não confiando infelizmente no seu poder espiritual, devia vir com-
bater de sorpreza uma associação, antes que ella se levantasse e
saisse ao encontro da pretenção sempre animada, nunca esquecida, de
comprimir as vontades dos reis e escravisar todos os povos da terra
(Apoiados; muito bem).
O Vaticano não procedeu jamais de outra maneira, até galgar esse
poder com que dominou os destinos do mundo.
Ora é o vassallo humilhado que se curva e arrasta aos pés dos reis,
depositando sobre a cabeça coroas, como se, sobre a terra as coróas po-
dessem ser outorgadas por outrem que não vontade soberana de nm povó
(Muitos apoiados; muito bem).
Mais tarde, abre lueta com esses reis, os depõem e os arrasta humil-
des até ao pateo de seus palacios, expondo-os ao odio e desprezo público
(Muito bem).
Então era o papado forte pelo prestigio, dominando tudo e a todess,
e mais poderoso do que o conquistador que com a ponta do gladio pre*
tende mudar as fronteiras dos Estados, divide elle a soberania do mundo
entre duas nações que a disputavam.
Assim tocou ao seu apogeu. E' o arbitro supremo dos destinos de
uma nação : é o tribunal sem appellação que julga as testas coroadas :
é o senhor absoluto da consciência dos povos.
Os séculos, porém, caminham ; a sciencia desenvolve-se, o progresso
triumpha, e o poder falso do passado v a i pouco a pouco sendo batido
até que succumba (Apoiados).
A' proporção que se desenvolve o progresso ; á proporção que a scien-
cia se vai inoculando no espirito dos p o v o s ; á proporção que a civili-
sação vai recebendo o influxo da illustração, da intelligencia, o falso
poder theocratico vai-se abalando e acaba por não ter razão de ser.
Emquanto lhe restava o poder temporal sobre os Estados romanos
foi o Vaticano conservando-se menos innovador de disciplina, menos pro-
vocador de scisões e de desavenças com os povos ; desde, porém, que esse
ultimo poder lhe é arrancado, era preciso cogitar no meio de salvar a
supremacia e o dominio absoluto das consciências, fácil de ser alcan-
çado. entre os povos, e mais fácil entre aquelles no meio dos quaes a
ignorância sustentasse o collo mais alçado.
Daqui nasceu a idéa, a realisação do celebre concilio ecumenico de
nossos dias, conhecido pelo concilio ecumenico do Vaticano.
Dezenove séculos conta a igreja de Jesus Christo, sempre zelosa de
seus fóros, de seus privilégios, e desse grande direito de infallibilidade.
Nunca chefe algum da igreja se atrevera a arrogar para si o direito
que a igreja reservava só para ella, apesar das doutrinas do celebre De
Jvlaistre.
' A Pio IX estava reservado esse golpe oífensivo da igreja, e elle
tomou o encargo, por meio da usurpação, graças ao servilismo do epis-
copado, de tirar á igreja a qualidade que lhe deu o seu divino fundador.
Reuniu-se o concilio e subscreveu-se o attentado, para que Pio IX,
que j á não era papa e rei, ficasse sendo papa infallivel.
E a igreja, essa grande republica das consciências, aquella que
'quando congregada tem o direito de definir a verdade do dogma, por-
que só rtella reside o seu Fundador e Divino Mestre, resignou-se e aba-
teu-se perante a vontade de um homem, sagrando-o de infallivel, para
que assim completamente dominasse todas as consciências e todas as
vontades (Apoiados).
Armada a sancta sé desse immenso poder, usurpado e arrancado á
igreja pela gratidão de uns, pela condescendencia de outros e pela igno-
rância de muitos (apoiados), e o que é mais, com o assentimento do epis-
copado brazileiro (muitos apoiados), não tinha mais que vacillar, em-
bora deixasse apoz si o schisma dos velhos e novos catholicos.
E se é verdade que tivemos de passar pela decepção, vendo a igreja
gallicana abrir mão de seus foraes, tão antigos e tão valentemente con-
quistados, também vimos os bispos e profundos theologos da Allemanha
levantar um protesto energico contra a usurpação (Apoiados).
É porque o episcopado brasileiro se não uniu a esse protesto de in-
dependência, de dignidade e de saber? Porque lá não estava a vasta eru-
dição-dê um Romualdo, a dignidade e independencia de José Caetano e
- 16
o saber profundo de um Monte, porque se lá estivessem, não se torna-
riam janizaros servis da vontade caprichosa do Vaticano, e sim apostolos
da liberdade, da independencia e da autonomia da sua patria [Muitos
apoiados).
Como, porém, atacar essa patria que elles mais do que ninguém sa-
biam que era fervorosa no culto catholico ?
Como ferir o coração deste paiz, que se até então não podia dar
provas completas de adhesão aos priucipios do crucificado, fôra porque
não comprehendia os mysterios sublimes dessa religião ?
Era preciso tornar a familia brazileira serva do poder romano, e r a
preciso converter o cidadão da constituição em cidadão do pontificado.
E qual o ponto por onde deveria começar a lucta ? Qualoponto mais
fraco para dar ingresso á invasão ?
Abater o clero brazileiro, dominal-o pelo ex-informata consciência, rece-
bei' e exaltar o jesuíta e ferir a maçonaria, pondo-a fóra do grêmio da igreja.
A maçonaria era calumniada no século, em vez de sectaria como é da
virtude e perseguidora do vicio, pintavam-na perante a massa do povo
ignorante e facilmente crédulo, como obreira que conspirava nas trevas
contra o altar e contra o throno.
Quanta intriga! quanta falsidade 1
De tudo lança mão o poder theoci-atico, e fácil lhe é a vantagem,
quando tem de cathechisar uma massa entorpecida pela ignorancia, per-
vertida pela superstição : quando pôde contar com o auxilio de espíritos
que se dizem cultos, mas que por calculo, ou por liypocrisia não se
desligam da influencia aos homens da roupeta.
Vendo, porém, que ainda assim se apresentavam difficuldadss á invasão,
encontrando a maçonaria constituída 110 império, associação de amor, de
trabalho e de caridade, antes que ella podesse levantar o collo e fazer frente,
fere-a e procura abate-la, estimulando-lhe os brios, abalando-lhe os senti-
mentos, e até revolvendo o patriotismo.
Nenhum paiz do mundo, oíferece campo mais vasto de colheita para o
jesuitismo, do que o Brazil [Apoiados).
Povo de índole sem duvida pacifica, de gênio quasi que indolente, de
costumes ou pervertidos pela superstição, ou viciados pela immoralidade,
alimentando no meio de tudo isto a mais fatal das indifferenças, póde-se dizer
que os brazileiros representam um povo de cordeiros.
Se a Ian lhe cresce, o Estado toma a tarefa de a tosqnear: é o vexame pelo
imposto [apoiados); se quer levantar a voz e ter opinião, ergue-se o governo
— o tutor de ferula em punho, não dando licença para que o pupillo pense
aquillo que elle não pensou [Apoiados).
Somos, pois, um povo de bemaventurados, vivemos como quer o Estado
que vivamos, pensamos como quer o governo que pensemos [Apoiados).
Opinião publica ? . . . No Brazil é aquella que o poder forma, sem idéas,
sem convicções, no interesse de sua propria conservação (Apoiados).
— 17 ~
E senão vejamos :
Onde estão as bandeiras dos partidos?
Onde está esse partido do império que queira a liberdade em toda a
esphera da acção social, sem discrepância nem restricções?
Não é verdade que debaixo dessa generosa bandeira também se encontra
quem queira o ultramontanismo em todas as suas consequências? [Apoiados).
Para quem podem appellar nesta terra os sectários da liberdade religiosa?
para o partido liberal ? lá encontrarão no poder quem seja ainda mais con-
servador aã gloriam majorem dei. (Apoiados).
Fallo com esta linguagem, porque não sou partidario de nomes, e sim de
principios; bons ou máus, elles constituem a bandeira em que se envolve o
vencido, e com que marcha em triumpho o vencedor [Apoiados).
A sancta sé, que sabe melhor do que nós as circumstancias em que se
acha este paiz, com mais de dous terços de sua população sepultada nas trevas
da ignorancia, senão dominada pela superstição; com um terço que se diz
illustrado, batendo se em dous campos sem saber por que idéas combatem,
transigindo hoje para amanhan se inimisarem, inimisando-se hoje para
amanhan entrarem em transacção, de certo que viu logo ter encontrado o ter-
reno em que fácil era impôr o poder da thiara.
Devemos fazer justiça ao Vaticano, Tendo de travar lucta, não havia
de descobrir logo a viseira. Sondou o terreno, fez os primeiros reconhe-
cimentos, tomou emfim o pulso, e por isso começou por instruir os bispos,
que sob pretexto de falta de clero, não cumprisse o alvará das faculdades,
que chamassem a si o jus ãocendi, que reivindicassem o ex-informata cons-
cientia sem recurso á corôa, que se ausentassem de suas dioceses, e até
do paiz sem prévia licença do poder civil, que, finalmente, publicassem
bulias sem placet; e seguro de que tudo isso se praticava com indifferença
e até com tolerancia do Estado, viu chegar a occasião e vibrou o golpe.
Os maçons foram expulsos do templo como outrora os mercadores e
as irmandades foram interdictas.
Então accordou o poder temporal, e quiz reivindicar os direitos do pa-
droado, e entregou á decisão do supremo tribunal de justiça o julgar se
os bispos eram ou não criminosos, e o supremo tribunal decidiu que
eram, e os condemnou á pena da lei.
Condemnados os bispos, parece ter cessado a razão de renovar-se a
lucta.
Se não cessou, digamo-lo com franqueza, é porque a decisão do pri-
meiro tribunal do império foi completamente burlada em sua execução,
Como cumpriram os bispos a pena commutada pelo poder moderador?
Todos vós o sabeis : o grande principio da igualdade da lei, ponto car-
deal de nossa constituição, foi completamente illudido.
Se assim devera acontecer, melhor fôra que o supremo tribunal jamais
se tivesse pronunciado; ter-se-hia evitado um grande escandalo, que des-
moralisou o primeiro tribunal do império e aggravou o estudo decadente
- 18 -
das crenças de um povo, digno, sem duvida de melhor sorte, plantando-se
o terrivel precedente do privilegio do condemnado (Apoiados).
Apparece, finalmente, a inesperada politica da Divina Providencia, e
com ella a amnistia, que tudo sepulta no esquecimento, que restitua os
bispos ás suas sedes, que promette o congraçamento e a paz a igreja bra-
zileira. ,
Fatal illusSo para o espirito daquelles que tudo esperavam dessa
medida de suprema salvação publica!
Bem depressa cáe o véu. O mais audaz desses bispos recalcitrantes,
aquelle cuja nomeação deve ser eterno pesadelo para quem o indicou
(apoiados, muito bem)] que jamais podia ser bispo brazileiro, porque era
estrangeiro (apoiados), ergue-se cheio de orgulho e mata toda a esperança
de reconciliação.
Enganavam-se; aquello vulto brilhante pela audacia, seductor pela
mocidade, não podia ser instrumento da vontade de um poder, e sim a
encarnação de um poder disposto a bater e vencer outro poder (Apoiados).
Almas daquella tempera, caracteres daquella ordem, não se dobram
nem se curvam. São apostolos indomáveis de um principio, e só des-
cançam ou abatidos ou vencedores (Apoiados).
Embora com a amnistia se pretendesse sepultar no esquecimento a
discórdia e a desintelligencia, D. Vital não se curva nem obedece, le-
vanta-se orgulhoso, e sem mais licença nem satisfação, larga o império
e toma caminho ad limina apostolorum.
Assim responde o réu agraciado á mão que generosamente lhe abriu as
portas da prisão 1
Chega ao termo de sua viagem, colloca-se ao lado do Vaticano, e
não descança, emquanto não consegue annunciar pelo orgão de suas con-
fidencias que um embaixador virá ao Brazil coroar os seus esforços, e
que, portanto, ou os maçons hão de ser corridos como leprosos do tem-
plo de Deus, ou elle, D . Vital, não volta mais ao Brazil.
Se podessemos aquilatar a questão pela perda com que nos ameaça
D. Vital de sua pessoa, ella não teria graves consequências; porque so
lastimamos que um dia elle occupasse o solio episcopal* não podemos
morrer de saudades se elle com eSeito não voltar (App lausos e apoiados).
Estamos com effeito na terra com o enviado do saneto padre, que
vem, diz a encyclica que temos como verdadeira, porque não .foi ainda
contestada, firmar uma concordata com o governo brazileiro, segundo a
qual o governo ha de consentir e sanccionar, que os maçons hão do ser
excommungados e portanto expellidos do grêmio da igreja catholica.
Apreciemos seriamente essa questão da excommunhão
quer ligar aimportancia que merece.
a que sc não
«I
Com effeito ella não teria alcance algum, nem delia valia a pena
tomar nota, se a organisaçâo social no Brazil fosse outra, se neste, im-
pério a igreja fosse igreja, o Estado fosse Estado (Muito bem, apoiados).
Não é assim, porém, infelizmente. Aprofundemos a questão, e as
consequências que necessariamente se ligam ao principio, que a curia
romana pretende seja sanccionado pelo poder temporal.
A constituição do império, á excepção do direito de votar e ser vo-
tado nas assembléas parochiaes, exige como condição para o gozo de
direitos politicos a profissão da religião catholica apostolica romana, que
é a religião do Estado.
Aquelle que está excommungado está fóra do grêmio do catholicis-
mo ; bem pôde ser considerado heretico ou schismatico, e pois, quem em
ultima analyse dá o foral, a carta de cidadão brazileiro no gozo pleno
de todos os direitos politicos é a sancta sé e não a constituição do im-
pério .
Comprehondereis o alcance e consequência desta doutrina nas mãos
dos nossos partidos politicos, eivados de odios, de parcialidade e de pai-
xões 1 (Apoiados).
Consideremos a familia o o prejuizo que lhe pôde causar a doutrina
da excommunhão.
Só ó valido entre nós o casamento celebrado segundo o concilio de
Trento. A familia que não se constitue nesse regimen não pôde contar
nem com a segurança do futuro, nem com a estabilidade do presente.
A menor tempestade do casal desperta o odio do momento, ali-
menta a vingança que busca na apostasia o meio de dissolução, e ahi
temos a familia dissolvida, os filhos expulsos e abandonados. Os exem-
plos são bem recentes para que sejamos obrigados a repetil-os.
Desde que a excommunhão nos pôde levar ao schisma e á heresia,
fácil é prever, no regimen adoptado pelos cânones, quantas questões não
ameaçam a paz da familia, os direitos da legitimidade do casamento e de
herança, se consummar-se a doutrina da excommunhão, ou de privar
grande maioria de cidadãos do grêmio da igreja catholica (Apoiados;
muito bem).
Ou a igreja faila ou não falia serio nestes negocios; se falia serio,
a consequência a que nos leva a excommunhão ó muito fatal.
Aqui teremos o filho do excommungado a quem se recusam as aguas
lustraes do baptismo, alli o afilhado do excommungado a quem também
se nega o mesmo sacramento.
E como esses actos hão de ser por força praticados, sob pena de
não haver titulo legitimo de filiação, comprehendeis o chaos em que vai
ser lançado o nosso direito civil.
Ou a submissão ao capricho da igreja e o titulo de filiação legitima,
ou a desobediencia a esse capricho, e a perda dos direitos de filho
(Muito bem).
Ainda mais : quem nos dá o titulo de obito, que abre a herança ?
A igreja. Mas se a igreja fecha as portas ao excommungado — como obter
esse titulo ?
20 -
Novo chaos, nova desordem.
Taes são as consequências a que nos leva a excommunhao com que

se ameaça a maçonaria. .
Querem que ella prevaleça, quer o Estado subordina -se a igreja,
seja, e nem disso se nos dará, comtanto que o Estado tenha toda a co
ragem de constituir-se livre, e quando entenda precoce a medida de desde
j á revogar o art. 5.» da constituição e os que a elle se ligam, institua
o casamento civil obrigaíorio, crie o registro do nascimento e dos obitos,
e secularise os cemiterios (Applausos; muito bem).
T a l ó o estado em que se acha collocada a questão.
A maçonaria é chamada ao duelo, ao combate; o que lhe cumpre
faz6r ^

Recuar? nunca; acceitar o combate no terreno em que lhe é offerecido.


E l l a constituo uma associação já notável pelos serviços que tem pres-
tado à humanidade em geral e á nossa sociedade em particular.
Ainda ha bem pouco tempo a grande causa da redempção do escravo,
que separou os nossos partidos em dissidentes dentro de seus p r o p n o s
arraiaes, encontrou na maçonaria applauso unisono, esforço igual e cons-
ciencioso.
A historia quando um dia fallar a linguagem da verdade, registrara
os vossos immorredouros serviços nesta grande causa de emancipação
(Applausos).
E a igreja que mais do que ninguém deve applaudir esses serviços,
porque elles symbolisam a pratica dos preceitos do evangelho de que c
depositaria, a igreja vos calumnía e vos accusa ! (Apoiados),
Chega a hora de provar perante o mundo de que sois melhor def-
fensor da liberdade e do império das crenças, do que a igreja que vos
combate,
E i a , desfraldai o estandarte da vossa missão que ó o estandarte das
liberdades publicas, imitai vosso denodado e incansavel chefe (applamos),
elle e vós, vós e elle, não desanimeis nessa cruzada, porque a historia
um dia lia de fazer justiça a vossos esforços e dirá, com sentença que se
não revoga, quem melhor defendeu os direitos, os privilégios e as ga-
rantias da igreja, se aquelles que se curvam hoje para amanlian se rebel -
larcm, que se revoltam para se tornarem submissos, ou se os que querem
a igreja livre, independente, soberana, imperando no mundo das cons-
ciências sem o plaeet dos governos da terra.
Oh! o verdict não se fará esperar em favor da maçonaria, que hoje
se levanta para sustentar a igreja livre e o Estado livre (Applausos;
muito bem).
Não ha concordata possível senão sob a base da independencia com-
pletaDeus
dos édous
Deuspoderes.
— Cesar é Cesar.
Querem a igreja ligada ao Estado — querem a igreja dictando direitos
- 21 -
politicos e civis, e não querem o placet do poder temporal 1 Revoltante
contradicção!
O placet é, sem duvida, uma offensa ao poder que só tem acção sobre
a consciência, mas, desde que esse poder traspassa os seus limites, desde
que, pela subserviência do Estado, ó em ultima analyse quem dá direitos
politicos e civis, o placet é a garantia do Estado.
Não quereis o placet, e, no entanto, tudo quereis fazer no Estado e
pelo Estado, o que é contrasenso : não queremos o placet porqu'e queremos a
igreja livre e o Estado livre. Quem é mais logico, quem defende melhor os
íóros, a liberdade e a independencia da igreja?
Por um consorcio que só produz conflictos, confundem o evangelho
e a constituição, tornam incompatíveis os dous c o d i g o s — o do dever da
consciência e o do dever juridico.
Essa incompatibilidade não existe quando se entregue á consciência o
que é da consciência, quando se entregue ao direito o que é do direito,
quando a igreja só fôr igreja e o Estado Estado [Apoiados).
T a l é a questão projudicial a resolver, e por cuja solução devemos
trabalhar incessantemente, se quizermos salvar a igreja de nosso paiz,
se não quizermos sacrificar a independencia de nossa patria (Applausos).
Engano, dizem alguns, a vossa idéa de separação é prematura pelo
menos para nós, o dia da independencia dos dous poderes seria o ani-
quilamento da religião de nossos pais, e a patria sem religião e sem
costumes perto ficava do abysmo que a destruiria.
Sem fazer cabedal de argumentos que convencem do contrario, acom-
panhando a objecção que importa a confissão d e ' q u e a religião catho-
lica entre nós não passa de uma religião official, que gera para as ci-
dades a indiferença e para o campo a superstição — acceitemos si et in
quantum que é precoce solução tão radical.
Mas, nem por isso deve a maçonaria depor as armas para o com-
bate a que é chamada, porque precisa e deve preparar o terreno para
ganhar essa grande victoria da separação, que tornará a igreja livre e
o Estado livre.
Eis o que lhe cumpre fazer e não descançar senão no dia em que
vir os seus esforços coroados de successo.
Não descançar emquanto entre nós não fôr realidade — a igualdade
politica sem distincção de crenças, a estabilidade do casamento, não obs-
tante a divergencia do dogmas, a legitimidade da familia, independente
da religião.
No dia em que a igualdade politica e civil se tornar real e effectiva
para os brazileiros; no dia em que a lei e não o canon fôr a fonte,
como deve ser, do direito, nesse dia estará decretada a separação do Es-
tado e da igreja, com vantagem para aquelle e illimitada supremacia
para esta; e se terminará esse conflicto, em que tem tudo a perder a
fé acrysolada de nossos pais — o dogma sancto e puro do christianismo.
- 22 -
Embora sobre a nossa patria, quando tentava os primeiros passos na
vida social, soprasse já essa brisa de regeneração social que tantos mar-
tyres e sangue custúra á velha Europa, embora visse a seu lado cami-
nhando agigantadamente uma nação americana, apenas nascida e com
menos de cincoenta annos, os legisladores no nosso pacto fundamental,
não tiveram a precisa coragem de adoptar para esta terra o dogma cons-
titucional de liberdade dos c u l t o s - q u a l era dos Estados-Unidos, qual
depois foi acceito e praticado na livre Bélgica.
Confundiram a missão do Estado com a missão da i g r e j a ; aquelle
forma cidadãos de diversas crenças, esta fieis de uma só d o u t r i n a ; - l i -
mitar o Estado á esphera da igreja e tornar mediocre o que e gran-
dioso, ó tornar o Estado um composto de missionários, que devem em-
pregar seu tempo em formar proselytos da fé ; é contrariar, emfim, o
grande principio contradictoriamente acceito da liberdade de consciência,
é plantar a desigualdade do cidadão perante a patria.
Já é tempo de reconhecermos esse erro e verificar que esto paiz nao
pôde caminhar e attingir o grande fim a que é chamado na grande as-
sociação dos povos cultos ; que não povoará seus grandes desertos, que
não explorará suas grandes riquezas, senão revogando o dogma da reli-
gião do Estado, que importa a desigualdade do cidadão, substituindo-o
pelo da liberdade dos cultos - que dá essa igualdade (Aplausos).
E a familia ? O casamento é o seu fundamento. Quanta desigualdade,
quanto perigo do desorganisação, desde que a união se faz pela crença e
a desunião pela apostasia !
Não diminui de esforços até que o casamento civil obrigatorio, sem
se importar com as crenças, seja uma instituição entre nós.
Casamento civil que constitua laço eterno e só dissolvido pela morte
de um dos cônjuges, qualquer que seja a religião que cada um professe,
ou que venha a professar pela apostasia.
Assim se formará a familia, se garantirão os direitos, se legitimará
a prole, se dará estabilidade á sociedade, se conseguirá a igualdade do
direito civil.
Quem prohibe, ou quem não quer que essa união constituida pelo
direito se v á sanctificar perante o altar recebendo a benção da religião ?
O Estado o não prohibe, também o não pôde ordenar, porque para
prohibir t para o ordenar, seria avassalar o mundo da consciência ; mas
no mundo da consciência só impera Deus.
E a igreja que não precisa do Estado para obrigar o fiel ao cumpri-
mento de seus deveres religiosos, que se elevam tanto mais quanto são
dictados pelo impulso natural da consciência, robustecida no balsamo da
fé como quer o braço secular para o dever de benção religiosa, transfor-
mando o cumprimento de um dever e satisfação natural da consciência,
em um cumprimento forçado da obrigação escripta, sem mérito e nem
valor para o céo?
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Não, a igreja não pôde querer tornar forçado e sem valor o que é
livre o valioso. Quereis o direito na terra, buscai o Estado ; quereis a
graça no cóo, buscai a igreja. Eis duas espheras de acção em que o
liomem deve gozar da mais plena liberdade (Applausos).
Depois do casamento civil vem a legitimidade da familia, que tira
seus direitos de dous titulos, o registro do nascimento e o registro de obito.
Pôde a igreja ser a depositaria desses titulos como o é entre nós ?
Não — o sacerdote de qualquer communhão religiosa só pôde attes-
tar que o homem nasceu e faz parte dessa communhão, que morreu
fazendo parte da mesma communhão.
O titulo, porem, do nascimento, que pôde operar legitimidade de
direitos á successão; o titulo de obito que abro as portas á successão,
só pôde ser conferido pelo official publico do registro no Estado, e não
pelo sacerdote na igreja.
Em um paiz em que, como o nosso, tanto se quer presar a religião
do Estado e seus privilégios, a exclusão das igrejas apenas toleradas im-
porta termos cidadãos que não tem titulo valido de legitimidade á suc-
cessão, nem titulo valido com que se abra a successão ou herança.
Fóra do grêmio catholico, não têm cm seu favor quem lhes dê se-
melhantes titulos, e portanto ahi ficam cidadãos brazileiros, como outros
o são lambem, collocados fóra da esphera do direito e da lei, que deve
ser igual para todos,
O registro civil do nascimento o do obito ó o meio de plantar para
sempre essa igualdade, do garantir a legitimidade da successão e mar-
car a capacidade civil ou emancipação pela maioridade, de determinar a
curatella ou tutella para puberdade ou impuberdade.
Quanta confusão atroz, quanta injustiça revoltante, não vai por ahi
na ausência desse registro? (Apoiados).
Distinguem-se os homens no mundo pela sua intelligencia e pelas
suas paixões, as mulheres pela sua formosura e pelas suas virtudes;—
esses titulos e honras do talento e da primazia quebrám-se perante o
tumulo, nivelam-se perante a terra. E' a igualdade da morto reconquis-
tando a igualdade do nascimento.
Nesse campo da morte, em que tudo so mede por uma só medida,
rico ou pobre, nobre ou plebeu, rei ou vassallo; cm que tudo se reduz
á creatura perante o seu Greador, como tolera o Estado que uma igreja
privilegie 0.4 seus fieis guardando-lhes os restos com reverencia e saudade,
c condemne os dos demais como se fossem animaes irracíonaes expostos
á irreverência, á prôsa, e ao pasto das feras ?
N ã o - q u a l q u e r que seja o dogma religioso que professe o liomem,
elle é antes do tudo homem, creatura igual a outra creatura ; perante o
Crea tor - goza de um direito sagrado, que não é privilegio do ninguém,
porque a terra com sou pxler não o dá nem o pôde tirar - o direito de
personalidade .
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Os cemiterios religiosos importam privilégios, com flagrante violação
da personalidade — contradizem irrisoriamente a igualdade pela morte
(Applausos).
E' preciso para salvarmos a contradicção e seguir a verdade (como
ha pouco escreveu uma das nossas mais robustas intelligencias) que o
cemiterio se torne o grande campo da igualdade, onde todos se reunam
sem discriminação de crenças, e prestem culto ao Creador, venerando os
restos da creatura. .$
E bem distante desta verdade estaremos emquanto não se seculari-
sarem os cemiterios (Applausos).
Eia, maçons, não esmoreçais na cruzada quo se vos offerece.
Defendamos a igualdade dos direitos políticos, sem razão mais de se
distinguir pela crença da religião : defendamos o casamento civil-, como
a base única de fundamentar a família : defendamos o registro civil do
nascimento e do obito, como a fonte verdadeira da legitimidade e da ca-
pacidade jurídica : defendamos, enfim, a secularisação dos cemiterios.
Tal c a gloriosa missão que se abre dianto de vós no século XIX; a
lueta não será fácil, mas por isso mesmo a victoria será mais gloriosa.
A'vante.
Uma vos: Viva o orador! V i v a o Grande Oriente Unido do B r a z i l !
(Vivos e incessantes applausos cobrem essa vos).

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