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SUPEREXPLORAÇÃO NA TEORIA
DO IMPERIALISMO
JOHN SMITH
Monopólio e superexploração
Antes de nos aprofundarmos na natureza da exploração capitalista e da
superexploração imperialista, é válido considerar como essas duas
categorias estreitamente relacionadas se colocam em relação a outro
elemento constitutivo essencial do capitalismo: o monopólio. O monopólio
está inscrito no DNA do capitalismo, os capitalistas individuais não se
empenham tanto para concorrer quanto para encontrar uma maneira de
evitar a concorrência, obter uma vantagem sobre os rivais, exercitar alguma
forma de monopólio que lhes dará lucros acima da média. A lei do valor,
que em sua forma mais simples explica que as mercadorias compradas e
vendidas livremente são vendidas pelo seu valor, resulta dos esforços
incessantes dos capitalistas individuais para violar essa lei. Sua compulsão
selvagem só pode ser contida por uma força externa, daí a necessidade de
um Estado e de um sistema de leis independentes dos capitalistas
individuais e, portanto, também as tentativas incessantes de capitalistas
individuais e grupos de capitalistas de fugir destas leis ou de aparelhar o
Estado para obter uma vantagem sobre seus rivais.
O monopólio se apresenta de várias formas. Alguns dizem respeito à
produção, inovações tecnológicas que permitem que um capitalista
individual produza uma determinada mercadoria de forma mais eficiente
que outros; outras à distribuição, marca ou outras formas de monopólio no
mercado, como barreiras a novos participantes no mercado, captura do
Estado, acesso privilegiado a insumos baratos etc.); tudo isso pode ter vida
curta ou duradoura. Para cada instância de monopólio corresponde uma
renda, um rendimento não derivado do trabalho, um lucro extra pelo
monopólio à custa de lucros mais baixos para o restante. O monopólio,
portanto, redistribui a mais-valia entre os capitais, mas não agrega nada a
ela.
Isso vale mesmo para inovações tecnológicas que reduzem a quantidade de
trabalho necessária para produzir bens de consumo para os trabalhadores,
somente quando essa inovação se generaliza, ou seja, quando deixa de ser
monopolizada por um capitalista individual – em outras palavras, quando
deixa de ser uma inovação – se traduz em uma redução do valor da força de
trabalho e em um aumento correspondente na taxa de mais-valia. Somente
então, e se os trabalhadores não obtiverem nenhuma porção destes lucros
por meio de salários reais mais altos, a taxa de mais-valia aumenta.
Embora o monopólio esteja relacionado à distribuição da mais-valia, a
exploração está relacionada com sua extração. E assim como todo
capitalista sonha em se tornar um monopolista, também está no DNA de
todo capitalista procurar maneiras de maximizar a extração da mais-valia.
Como acabamos de ver, n’O capital, Marx analisa detalhadamente duas
maneiras pelas quais os capitalistas fazem isso – estendendo a jornada de
trabalho para além do “tempo de trabalho necessário”, isto é, o tempo
necessário para substituir os valores consumidos pelo trabalhador e sua
família, que Marx chamou mais-valia absoluta; e alterando a proporção
entre o tempo de trabalho necessário e o tempo excedente de trabalho em
um dia de trabalho inalterado por meio de avanços na produtividade que
barateiam os bens de consumo dos trabalhadores, que ele chamou de mais-
valia relativa. Ambas são totalmente distintas da redução do tempo de
trabalho necessário ao “empurrar salário do trabalhador abaixo do valor de
sua força de trabalho” a definição padrão de superexploração, criticada mais
adiante neste ensaio.
Resulta do exposto que a renda e a superexploração imperialistas são
conceitualmente distintas, mesmo que na realidade elas estejam
intimamente relacionadas. Samir Amin estava, portanto, errado ao
confundir os dois: “a parte visível da renda imperialista [...] surge do grau
dos preços da força de trabalho [...]. A parte submersa da renda [surge do]
acesso aos recursos do planeta” (Samir Amin, 2018, p. 110).
Agora podemos juntar os dois elementos constitutivos do capitalismo –
monopólio / concorrência e exploração / superexploração. Todo capitalista
sonha em se tornar um monopolista, mas para os capitalistas do Vietnã,
Camboja, México e outras nações do Sul, seus sonhos permanecem
somente isso, sonhos; eles não têm escolha senão depender exclusivamente
da extração da mais-valia de seus próprios trabalhadores, ao explorá-los
além dos limites, ou mais precisamente, retirar deles o que resta depois que
os monopolistas e imperialistas tenham tomado sua parte.29 Em contraste, o
capital monopolista imperialista tem a opção de compartilhar parte de suas
rendas monopolistas e rendas imperiais com seus próprios trabalhadores,
comprar a paz social e expandir o mercado de seus bens , junto com
recursos para financiar o gasto estatal com poder duro e brando, a fim de
reforçar sua dominação imperialista sobre as nações subordinadas.
Se os conceitos de mais-valia absoluta e relativa de Marx são insuficientes
para explicar as realidades da exploração nas redes de produção globais
contemporâneas, de que mais precisamos? Em poucas palavras, de um
conceito teórico de superexploração. Mas antes que possamos
conceitualizar a superexploração, precisamos de um conceito mais profundo
e rico de exploração.
Conclusão
O impulso dos capitalistas ao monopólio, ou seja, seu desejo de capturar
mais-valia às custas de outros capitalistas, junto ao seu desejo insaciável
por trabalho superexplorável, se combinam para definir a trajetória
imperialista inata e inexorável no capitalismo. O imperialismo e a
superexploração estão, portanto, inseperavelmente ligados. Uma teoria do
imperialismo do século XXI deve explicar como a superexploração
modifica a relação de valores. Uma teoria do imperialismo que não o faça é
inútil, nula e, necessariamente, uma negação do imperialismo, mesmo se
aqueles que o negam continuem a usar “imperialismo” como um termo
descritivo.
Referências
ENGELS, F. The Communists and Karl Heinzen, in: Marx and Engels
Collected Works, vol. 6. Moscou: Progress Publishers, [1847] 1977.
SMITH, J. La ilusión del PIB: valor añadido frente a valor capturado. 2012.
<https://www.monthlyreviewencastellano.com/numero-13>
14
“Vemos, cotidianamente, ‘sair’ o Sol, dar uma volta à Terra, para depois
se esconder. Sabemos, não porque o vemos, mas por conhecimentos, que
não é o Sol que gira em torno da Terra, mas o contrário” (Osorio, 2019, p.
2).
15
“O que é uma hipótese para a ‘análise geral do capital’, isto é, ao nível do
modo de produção, é assumido por algumas correntes marxistas como uma
lei de ferro. Se assume com isso que hipótese deve prevalecer no
capitalismo em todos os níveis de análise, em todos os lugares e espaços e o
tempo todo” (Osorio, 2018, p. 157).
16
O outro livro criticado por Vasudevan é Amin, 2018.
17
Esta citação é da epígrafe que antecede o artigo de Vasudevan. Não está
claro se as palavras são dos editores do Catalyst ou de Vasudevan.
18
Não é minha intenção fazer uma comparação loquaz entre a opressão
imperialista e a opressão das mulheres, que em qualquer caso não pode ser
medida pelo acesso relativo a bens materiais. É verdade que as mulheres
contribuem com uma vasta quantidade de trabalho doméstico não
remunerado – mas o ponto relevante aqui é que os níveis de consumo,
acesso à saúde e educação etc. dependem muito mais da nacionalidade do
que do gênero.
19
Diz Lenin: “O movimento espontâneo da classe trabalhadora é o
sindicalismo [...], e o sindicalismo significa a escravização ideológica dos
trabalhadores pela burguesia. Portanto, nossa tarefa [...] é combater o
espontaneísmo e desviar o movimento da classe trabalhadora do
sindicalismo espontaneísta que se esforça para ficar sob o controle da
burguesia, e colocá-lo sob o controle da social-democracia revolucionária”
(Lenin, [1902] 1978, p. 50).
20
“Dependência” é um eufemismo para o imperialismo, uma concessão feita
ao desejo da burguesia nacional e “elites modernizadoras” das nações
sujeitas para o desenvolvimento capitalista independente, e para as partes
falsamente chamadas de “comunistas”, que procuravam formar um bloco
com aqueles nessa base. O termo agora passou para a história e não pode
ser reescrito, mas pode ser e está sendo preenchido com novo conteúdo
revolucionário, especialmente no renascimento vívido e em rápida expansão
do marxismo e da teoria da dependência na América Latina.
21
Callinicos voltou brevemente neste tema em seu livro: “Da perspectiva da
teoria do valor de Marx, o erro crítico [dos teóricos da dependência] é não
levar em conta a importância dos altos níveis de trabalho produtividade nas
economias avançadas” (Callinicos, 2009, p. 179-180).
22
A participação do trabalho no PIB nos países imperialistas caiu
aproximadamente 60%, enquanto o gasto em educação no Reino Unido, em
2019, consumiu 4% do PIB, ou aproximadamente 7% da receita bruta do
trabalho. Esta aproximação indica a magnitude relativa dos custos de
educação diante dos custos totais de reprodução da força de trabalho. A
“participação do trabalho” fica distorcida pelos supersalários dos CEOs das
principais empresas. Por outro lado, o gasto com educação dos
trabalhadores compõe apenas uma parte do gasto total em educação, pois a
proporção real entre eles não se distanciará de 7%. Com relação aos custos
de treinamento... a maioria dos trabalhadores não recebe treinamento.
23
Estas conquistas estão agora sob grave ameaça já que o imperialismo do
Reino Unido se afunda cada vez mais na crise e seus governantes procuram
acelerar a destruição do contrato social posterior à Segunda Guerra
Mundial.
24
Ele afirma que Marini “sempre” concordou com isso e também afirma que
“este diagnóstico é aceito também pelos defensores contemporâneos do
conceito de superexploração”. Infelizmente, ele não apoia essas afirmações
com uma única citação de qualquer uma das fontes por ele mencionadas.
25
A sentença da qual isso se derivou: “os melhores pontos em meu livro
são: 1) o caráter duplo do trabalho, segundo o modo com que é expresso em
valor de uso ou valor de troca (toda a compreensão dos fatos depende disso)
[...] 2) o tratamento da mais-valia, independentemente de suas formas
particulares, como lucro, juros, aluguel de terreno etc.”.
26
Ao contrário, a dispersão salarial internacional e intranacional aumentou
durante a era neoliberal. Se a China ficar fora da cena, há pouco evidência
de convergência salarial ou de entradas, e a hipótese de convergência fica
ainda mais débil. Durante a crise financeira mundial, quando as taxas de
crescimento nos países imperialistas ruíram, ao mesmo tempo, se produziu
um “superciclo de matérias-primas” alimentado pela especulação que
melhorou temporalmente os termos de troca e o crescimento econômico em
uma franja de nações do Sul.
27
Como apontou Amanda Latimer (2016, p. 1.142), “o trabalho de Marini
mina o mito de que a mudança para a mais-valia relativa na Inglaterra foi
inteiramente o produto da luta de classes nacional”.
28
Como em seus outros escritos, Sweezy desconsidera a distinção entre
trabalho produtivo e improdutivo, uma distinção que é sem dúvida muito
mais importante nos países imperialistas desenvolvidos do que em suas
colônias e neocolônias.
29
A China é uma exceção extremamente importante, mas ainda parcial, e é
por isso que está em rota de colisão com as potências imperialistas em
exercício, principalmente o Japão e os Estados Unidos
30
“Quando Marx afirma que as empresas que operam com uma
produtividade abaixo da média obtêm menos do lucro médio [...] tudo isso
[...] significa que o valor ou mais-valia realmente produzido por seus
trabalhadores é apropriado no mercado pelas empresas que funcionam
melhor. Isso não significa, em absoluto, que eles tenham criado menos valor
ou mais-valia do que o indicado pela quantidade de horas trabalhadas nelas”
(Mandel, 1975, p. 101).
31
Ou melhor, vender a preços que correspondam à forma modificada de seu
valor, que Marx chamou de “preços de produção”, preços consistentes com
a equalização da taxa de lucro entre diferentes capitais.
32
Com base nisso, Claudio Katz argumentou que “a teoria da dependência
não precisa de um conceito de superexploração omitido por Marx” (Katz,
2017, p. 15); Jaime Osorio respondeu que a proposta de Katz de
“reformulação da teoria marxista da dependência nada mais é do que um
chamado ao seu repúdio” (Osorio, 2018, p. 179).
33
Em A dialética da dependência, Marini argumenta: “o conceito de
superexploração não é idêntico ao de mais-valia absoluta, já que inclui
também uma modalidade de produção de mais-valia relativa – a que
corresponde ao aumento da intensidade do trabalho. Por outra parte, a
conversão do fundo de salário em fundo de acumulação de capital não
representa rigorosamente uma forma de produção de mais-valia absoluta,
posto que afeta simultaneamente os dois tempos de trabalho no interior da
jornada de trabalho, e não somente o tempo de trabalho excedente, como
ocorre com a mais-valia absoluta. Por tudo isso, a superexploração é melhor
definida pela maior exploração da força física do trabalhador, em
contraposição à exploração resultante do aumento de sua produtividade, e
tende normalmente a se expressar no fato de que a força de trabalho se
remunera abaixo de seu valor real (Marini, 1973, p. 93). Citado conforme a
edição brasileira “Sobre a dialética da dependência”. In: Stedile, J. P;
Traspadini, R. Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão
Popular, 2011.