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07/03/2023 18:40 Lutero e a Iconografia Evangélica – Instituto Areté

Instituto Areté

- Teologia, Filosofia e Psicologia à luz do Escolasticismo Pós-Reforma -

Lutero e a Iconografia Evangélica
1 de maio de 2021 Dr. Victor Andrade
O que se segue é um excerto de um texto de Lutero contra os radicais iconoclastas. Este excerto foi editado para
a 5º sexta-feira de páscoa do lecionário diário do “Treasury of Daily Prayer“, o famoso livro de oração
publicado pela Concordia Publishing House.

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De acordo com a lei de Moisés nenhuma imagem é proibida, a não ser uma imagem de Deus que seja
adorada […]. A esse respeito eu tenho uma passagem poderosa em Lev 26:1, “Não façam ídolos para vocês,
nem levantem imagem de escultura nem coluna, nem ponham pedra com figuras esculpidas na terra de
vocês, para se inclinarem diante dela; porque eu sou o Senhor, o Deus de vocês” […]. É por conta da
adoração que ídolos e pedras com figuras são proibidas […]. Onde elas não são adoradas, pode-se muito
bem fazê-las e construí-las.

Temos também um exemplo disso no Antigo Testamento. Pois Josué (Js 24:16) erigiu um monumento em
Siquém debaixo de um carvalho, como um testemunho […]. Todavia, porque se tratava de uma pedra de
testemunho, e não para adoração, ele não pecou contra o mandamento de Deus. Depois disso, também
Samuel (1 Sm 7:12) erigiu uma pedra e a chamou Pedra de Ajuda […] Mas porque nenhuma adoração,
mas apenas um memorial era pretendido com isto, ele também não pecou […].

Ninguém é obrigado a quebrar violentamente imagens, mesmo do próprio Deus […]. Todavia, é um dever
[…] instruir e esclarecer a consciência de que é idolatria adorá-las ou confiar nelas, uma vez que se deve
confiar somente em Cristo […]. Imagens para memorial e testemunho, tais como crucifixos e imagens
dos santos, devem ser toleradas […]. E não apenas toleradas, mas por conta do memorial e do
testemunho, elas são dignas de louvor e honra.

Agora, não exigimos mais do que nos seja permitido reconhecer um crucifixo ou a imagem de um santo
como um testemunho, para memorial, como um sinal […] Imagens […] que pintaríamos nas paredes para
memorial e melhor compreensão […]. É claro, é muito melhor pintar imagens nas paredes sobre como Deus
criou o mundo, como Noé construiu a Arca, e quaisquer outras boas histórias que possam haver, do que
pintar coisas mundanas e sem vergonha. Sim, tomara Deus eu pudesse persuadir os ricos e poderosos a
permitirem que toda a Bíblia fosse pintada nas casas, dentro e fora delas, de forma que todos
pudessem ver. Isto seria uma obra cristã.

Deus deseja que suas obras sejam ouvidas e lidas, especialmente a paixão de Nosso Senhor. Mas é
impossível para mim ouvi-la e trazê-la à mente, sem formar imagens mentais em meu coração. Pois, quer eu
queira ou não, quando ouço a respeito de Cristo, uma imagem de um homem pendurado numa cruz se forma
em meu coração […]. Se não é um pecado, mas sim um bem, ter uma imagem de Cristo no meu coração,
por que seria pecado tê-la diante dos meus olhos?

MARTIN LUTHER, “AGAINST THE HEAVENLY PROPHETS” PP.85,87,91,96,99-100 IN VOL. 40


OF LUTHER’S WORKS, AMERICAN EDITION, EDITED BY CONRAD BERGENDOFF,
COPYRIGHT C 1958 AUGSBURG FORTRESS PRES.
Conclusões

(1) Qualquer tipo de iconoclastia é incompatível com a teologia de Lutero (e da Igreja Luterana). Se uma
determinada igreja sente necessidade de alterar qualquer ícone ou imagem no templo, isso deve ser discutido no
foro adequado entre a liderança eclesiástica. Ninguém jamais deve sair por aí quebrando ícones e imagens,
muito menos dos santos, de Maria Santíssima e de Nosso Senhor Jesus Cristo.

(2) Deve-se prestar certa reverência e honra para com as imagens dos santos e de Nosso Senhor, sem contudo
adorá-las. E a lógica é muito simples: Trata-se de uma imagem de uma pessoa. É impossível olhar para o retrato
de um ente querido e não ser tomado de algum sentimento de amor, carinho ou admiração. É isso que Lutero
quer dizer com “dignas de louvor e honra”. Infelizmente, palavras como “reverência”, “louvor”, “honra”,
“veneração” hoje em dia estão eivadas de um sentido pejorativo. Isto acontece porque vivemos numa sociedade
que destruiu os seus heróis. Mas até uns cem anos atrás, esses termos eram comumente utilizados para
descrever o sentimento que devíamos cultivar para com os antepassados e heróis. Algo semelhante acontece na
Bíblia, várias vezes. Porque Moisés é ordenado a tirar as sandálias quando está diante da sarça ardente na

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presença de Deus? Será que existe algo especificamente religioso em estar descalço? É óbvio que não! Mas este
era o costume daquele tempo e lugar quando se estava diante de alguém para quem se devia prestar honra e
louvor. O mesmo pode ser dito sobre o ato de se ajoelhar. Isto não tem absolutamente nada a ver com idolatria.

(3) Deve-se instruir corretamente a consciência. E aqui o coração importa muito mais do que os atos externos.
Isto fica muito evidente nos textos bíblicos citados por Lutero. São relatos de passagens em que homens de
Deus praticam o mesmo ato externo dos povos pagãos vizinhos. Eles constroem pedras, pintam-nas com
figuras, dão nomes a elas, todas práticas típicas do Oriente próximo. Veja o caso de 1 Sm 7:12. Samuel dá um
nome para uma pedra, chamando-a de Ebenézer. Ele está personificando um objeto completamente inanimado.
Isto não seria idolatria? Parece que não. Em seu coração, em momento algum ele cometeu idolatria. O caso de
Josué 24:26 é ainda mais emblemático: “Eis que esta pedra nos será testemunha, pois ouviu todas as palavras
que o Senhor nos tem dito“. Mas pedras não podem nos ouvir! Será que Josué não sabia disso? É claro que
sabia. Josué foi um homem santo, um grande herói da Fé. Mas essas pedras eram símbolos, memoriais, sinais
para a fé do povo de Deus. Da mesma forma que hoje em nossas igrejas, as imagens dos santos são símbolos.
Olhamos para uma imagem da Santa Virgem e isto nos é símbolo da perfeita recepção de Cristo que a Igreja
deve imitar. Olhamos para uma imagem de São José, e isto nos é um memorial de exemplo de nobreza que nós
homens devemos seguir. Tudo isso pode ser feito sem que pequemos contra os mandamentos de Deus.

(4) No final do texto, Lutero expressa o ethos da Iconografia Evangélica (Luterana). Nós Luteranos amamos (e
devemos amar) o uso correto das imagens e dos ícones cristãos. Alguém pode dizer “mas isto é adiáfora!”. Sim,
é verdade. Mas não devemos confundir o adiáforo com aquilo que é absolutamente indiferente. O Ano da Igreja
também é um adiáforo, mas você nunca encontrará uma Igreja Luterana que não siga o Ano da Igreja. Pois nós
luteranos sabemos que esta é a melhor forma que a Igreja de Cristo encontrou até hoje para celebrar todos os
importantes eventos da história de Jesus Cristo na salvação dos homens. E sabemos também que assim que a
Igreja abandona o calendário litúrgico, ela começa a seguir o ritmo do mundo, e não mais o ritmo da graça.
Trocam-se as festas cristãs pelas festas mundanas, e abrimos as portas para a secularização do Sagrado. O
mesmo acontece com a arte sacra – como o próprio Lutero sabia. Assim que Cristo deixa a arte, a arte deixa o
Cristo e também se seculariza. Daí vemos hoje igrejas com arquiteturas tão vazias e sem sentido, igrejas mais
parecidas com shopping centers e supermercados. Também não é coincidência que algumas igrejas protestantes
do interior de Minas Gerais tenham sido construídas por maçons que deixaram suas marcas aqui e ali.

Por tudo isso, compartilho do mesmo sentimento de Lutero, e também desejo intensamente que mais uma vez
possamos encher nossas capelas e casas com crucifixos e imagens de todos os grandes santos da história da
Igreja. “Isto seria uma obra cristã“.

FINIS

Publicado por Dr. Victor Andrade

Cristão Luterano (IELB), casado com uma linda mulher, papai da Maria, conservador na política e na moral,
médico, pós-graduando em Psiquiatria, graduando em Teologia pela Universidade Luterana do Brasil,
graduando em Filosofia pela Academia Atlântico (UNINGÁ), torcedor do Clube Atlético Mineiro e do Fußball-
Club Bayern München. Ver todos os posts por Dr. Victor Andrade

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