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Introdução
Disse, no início, que a leitura é uma das atividades mais difíceis de serem
ensinadas na escola e, apesar dos esforços, ainda não alçamos resultados satisfatórios.
Os indicadores de desempenho que avaliam a qualidade do ensino brasileiro vêm
apontando problemas com a leitura e a formação de leitores. Os testes vêm mostrando
resultados pouco satisfatórios em relação às habilidades leitoras. O Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Básica (SAEB), um teste que visa a medir habilidades de
leitura, em 2001, por exemplo, revela que apenas 10% dos alunos de 8ª série
obtiveram resultado satisfatório na prova de Língua Portuguesa, enquanto cerca de
84% ficaram aquém do esperado para o nível de leitura da 8ª série. (cf. INEP, 2003).
Em relação ao Ensino Médio, observa-se que os indicadores são ainda piores, pois
apenas 5% dos alunos conseguiram resultado satisfatório. Ainda, no período de 1995
a 2001, registrou-se uma queda de 10% no desempenho dos alunos do Ensino Médio
na prova do SAEB (cf. INEP, 2004).
Outro indicador, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) mostra que, em
2002, apenas 2,5% dos participantes obtiveram nota entre 70 a 100 na parte objetiva
da prova que testa o conhecimento nas diversas áreas e 11,6% obtiveram nota
satisfatória na redação (cf. INEP, 2002). Os resultados de 2003 apresentam um índice
pouco mais favorável na prova objetiva – 14,9%, mas a média nas notas de redação
não revela aumento significativo - 13,7%3. Segundo relatório do ENEM 2003, os
maiores problemas referentes ao mau desempenho dos alunos vinculam-se à má
formação na área da leitura:
Do ponto de vista pedagógico, mais uma vez parece ter sido a ausência de
domínio de leitura compreensiva a causa principal de o desempenho da
maioria dos participantes situar-se na faixa de insuficiente a regular (cf.
INEP, 2003).
Os dados nos permitem observar que, no tocante ao ensino da leitura, a escola
deve aperfeiçoar-se. Estes dados nos motivaram a tomar a leitura na escola pública
como campo de investigação, em 20084. O principal objetivo do estudo foi o de
conhecer as práticas de leitura que a escola vinha desenvolvendo para, a partir da
realidade escolar, identificar as variáveis necessárias ao desenvolvimento de um
trabalho eficiente de formação de leitores, considerando as especificidades da escola
pública. Os dados desse estudo possibilitaram algumas observações importantes no
que respeita a relação entre o conceito de leitura e a prática de formação de leitores.
Do ponto de vista discursivo, os professores, direção e auxiliares de biblioteca
– profissionais da escola que participaram do estudo5 – pareciam compreender a
leitura segundo a dimensão que o conceito abrange na atualidade. Eles tinham claro,
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O ENEM estabelece a seguinte escala de conceitos: Bom a Excelente para os intervalos de nota de 70
a 100; Regular a Bom, para o intervalo 40 a 70 e Insuficiente a Regular para o intervalo 0 a 40.
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Agradecemos ao CNPq, processo nº 152032/2007-0, pelo financiamento da pesquisa Formação de
leitores em escola pública: desafios e viabilidades.
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O estudo desenvolveu-se numa escola pública central da cidade de Florianópolis. A escola reunia as
características que tipificam a escola pública brasileira: alunos as camadas sociais menos favorecidas,
mais de 50% de seu quadro de professores substitutos, salas superlotadas etc. Participaram
voluntariamente do estudo doze profissionais entre professores diretores, auxiliares de biblioteca,
alfabetizadores, e professores das diversas áreas (física, artes, geografia, história, inglês e português).
para si, o perfil de leitores que a sociedade contemporânea demanda, qual seja: o
leitor autônomo e crítico. Vejamos alguns excertos extraídos das gravações, em áudio,
da entrevista que realizamos com os participantes, em que os professores falaram
sobre o conceito de leitura e sobre as práticas que esperavam de seus alunos.
(1) PA6 - Eu esperava que meus alunos lessem sozinhos (...) trabalho com apostila + já tenho
o material para história da arte e eles sabem que devem ler em casa o texto para depois
eu explicar na aula, mas isso nunca acontece7
Novamente a autonomia é invocada como uma condição leitora eles precisam ler
sozinhos - e a compreensão parece estar na base das dificuldades apontadas pelo
professor, quando fala sobre a leitura dos alunos. Ao conceituar leitura, o professor
menciona os objetivos como constitutivos da atividade de ler - Leitura é quando você tem
um objetivo - a leitura não é desvinculada de qualquer coisa. Vai se delineando um perfil de
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Professor de artes.
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Normas da transcrição: + equivale a pausa breve; ++ pausa longa; (( )) comentários do pesquisador;
::alongamento de vogal; / ruptura brusca; LETRAS MAIÚSCULAS ênfase na entonação; (...) corte na
seqüência dos dados.
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Professor de português.
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Pesquisador.
leitor desejado no contexto escolar, que combina a autonomia à capacidade de
construir sentidos.
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(3) PF - Eu preciso fazer duas distinções + uma seria a leitura do texto escrito + e:: aquela
leitura mais geral que é a leitura de mundo ++ nós não lemos só palavra, não lemos só
texto, lemos imagens lemos é:: lemos tudo ++ a leitura reconstrói tudo que vê e através da
linguagem também + tudo aquilo que nos é::: dado ++ a nossa interação com o mundo+
ela se dá sempre através de algum tipo de leitura
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Professor de física.
pergunta em algum trecho do texto para, então, copiar a resposta. 2. A leitura como
avaliação relacionada com a aferição da capacidade de leitura, com aulas que se
reduziriam à leitura em voz alta para que o professor, ao escutar a entonação e
fluência, avaliasse a compreensão do texto. 3. A concepção autoritária da leitura, em
que haveria apenas uma maneira de abordar o texto e somente uma interpretação a ser
alcançada.
As práticas de formação de leitores na escola, observadas em 2008, estavam
bastante próximas das concepções discutidas por Kleiman em 1993. Estas concepções
aproximam-se do que foi a leitura antes da imprensa. Há, de fato, uma relação
histórica com as práticas de ensino, cristalizadas no contexto escolar, que se
prestaram a formar leitores capazes de localizar informações, de dizer um texto em
voz alta e de reconstruir “o” sentido do texto. Mas elas dificilmente levariam o aluno
à autonomia em leitura, pois ao estudantes cabe apenas o papel de passivo ouvinte.
Tais práticas tampouco formariam leitores críticos, aptos a atribuir sentidos e a
significar a si mesmos através da leitura.
Há, entre o conceito e a prática, um hiato resultante, em parte, de uma
concepção de leitura ultrapassada que, por vezes, ainda vigora no ambiente escolar,
em que se entende que o leitor é aquele capaz de decodificar a escrita, ou de falar em
voz alta o texto escrito; em parte, pelas opções política que tomamos na formação dos
nossos professores.
Desde a divulgação dos PCN, preconiza-se que a formação em leitura deve ser
compromisso de todas as áreas. Mas, sem ações concretas que viabilizem tal tarefa, o
compromisso não passa da esfera discursiva. Os professores participantes do estudo,
mesmo o de português, declararam nunca terem tido uma disciplina, quando da
graduação, específica em leitura ou em formação de leitores. Quando foram
confrontados com as incoerências entre o que esperavam dos alunos e as atividades
formadoras, começaram a dar-se conta da dimensão do problema:
(4) PP – eu sempre achei que estava ajudando ++ que estava facilitando para eles
aprenderem
Este dado nos instigou, no ano da pesquisa, a observar alguns currículos das
licenciaturas em instituições federais de ensino11. Das oito instituição observadas,
verificamos que em apenas duas Licenciaturas em Português constava uma disciplina
específica de leitura. As demais licenciaturas (em História, em Física, Biologia e em
Geografia) não possuíam qualquer disciplina voltada para a leitura e formação de
leitores.
Trouxe este dado para o debate a fim de salientar que, quando, no meio
acadêmico, não raro afirmamos que “o professor é mal formado” tendemos a entender
tal afirmação apenas do ponto de vista do professor, quase que apagando a dimensão
da instituição formadora. Antes, deveríamos afirmar “não estamos preparando
adequadamente nossos professores para a formação de leitores”12 . Pensar em como a
instituição formadora de professores poderiam contribuir para aperfeiçoar o fazer
docente, nos parece uma proposição mais proativa e, do nosso ponto de vista, mais
interessante. Estamos diante de um desafio político que é a formação de professores
capazes de estruturar, com solidez, projetos de ensino que contemple as múltiplas
práticas de letramento presentes no cotidiano social. Nossos estudos têm mostrado
que uma formação sólida do professor no campo da leitura deveria ser introduzida em
todas as licenciaturas e ainda mais aperfeiçoada na formação do professor de
Português, pois ele tem como principal objetivo, para toda a escolarização básica,
formar usuários competentes da língua escrita (cf. MEC, 1997).
5. À guisa de conclusão
As reflexões levantadas neste trabalho foram feitas com o propósito de pensar
os conceitos de leitura em suas relações com a formação de leitores. Primeiramente
revisitamos a leitura através da história com a finalidade de observar as sofisticadas
mudanças conceituais engendradas pelas também sofisticadas práticas sociais da
leitura, que foram sendo desenvolvidas pelos homens organizados em sociedade. Em
seguida, discutimos, através da multiplicidade conceitual da leitura, a existência da
pluralidade de leitores para pensar um processo formativo nas escolas que contemple
a pluralidade leitora. Enfatizamos, pois, uma compreensão do que seria a “leitura
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A pesquisa não tinha como objetivo estudar os currículos das licenciaturas, por isso não desenvolveu
um estudo aprofundado do assunto. Objetivou-se, com a observação dos currículo, confirmar uma
queixa dos professores participantes em relação à formação docente no campo da leitura.
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Apesar da generalidade proposta na premissa, estamos nos referindo especificamente à formação em
leitura e ao ensino da leitura, conforme nossos dado autorizam.
crítica”. Nas terceira parte apresentamos dados de pesquisa em que se investigou a
formação de leitores na escola pública. No ambiente escolar, pudemos verificar que a
formação de leitores críticos e autônomos era desejada, na dimensão discursiva; mas,
as práticas de formação desenvolvidas dificilmente resultariam na formação do
leitores críticos e autônomos. Por fim, na quarta parte, falamos brevemente da
formação de professores para defender ajustes curriculares, com disciplinas
inovadoras, capazes de preparar o professor para a tarefa de formar leitores
competentes.
Formar leitores, na contemporaneidade, significa trabalhar com a
multiplicidade de práticas que, para muito além do processo de decodificação e de
reconstrução do sentido, abrange a significação do mundo e do sujeito leitor do/no
mundo. Entendemos que as escolar, principal agência de formação de leitores, precisa
implementar, também no processo de formação, a multiplicidade imbricada nas
práticas sociais da leitura. Ou seja, entendemos que as múltiplas faces da leitura
demandam processos de formação múltiplos. Ao desenvolver, no contexto escolar,
práticas uniformes de uma atividade multiforme, a escola dificulta ou inviabiliza a
formação para a pluralidade demandada ao leitor contemporâneo. Por fim, urge que o
contexto escolar se aproprie das novas tecnologias para desempenhar, de fato, uma
formação em leitura coerente com a demanda social de leitores.
5. Referencias bibliográficas