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N AT I O N A L G E O G R A P H I C .

P T | MAIO 2020
ONAIS
F IS S I DE
RO S
P


S
AO

DE
OBRIGADO,
HERÓIS!

A LUTA PARA GANHAR O COMBATE AO

CORONAVÍRUS
N.º 230 MENSAL €4,95 (CONT.)
00230

603965 000006

PA R A O N D E C H E GA R TOM P K I N S
F O R A M TO D O S A A D U LTO C O N S E RVAT I O N :
O S I N S E C TO S ? C OM AU T I S MO UM A I D E I A AU DA Z
5
T E XTO D E ELIZABETH KOLBERT

F O T O G R A F I A S D E D AV I D L I I T T S C H WA G E R

2
Para
onde foram
todos os
insectos?
O S I N S E C TO S E S TÃO A D E S A PA R E C E R
A UMA VELOCIDADE ALARMANTE
E I S S O P O D E R Á S E R C ATA S T R Ó F I C O
PA R A O P L A N E TA .

A extinção da borboleta
Glaucopsyche xerces, de três
centímetros de envergadura,
vista pela última vez nas
dunas dos arredores de São
Francisco há quase 80 anos,
poderá ter sido um
prenúncio do que os
cientistas temem: uma
extinção global dos insectos.
ESPÉCIME PRESERVADO. FOTOGRAFADO NA
ACADEMIA DE CIÊNCIAS DA CALIFÓRNIA
Um lençol retroiluminado
recolhe grande
abundância de insectos
nocturnos numa estação
de campo da Amazónia
equatorial. Em locais
menos isolados, armadilhas
luminosas e até
os pára-brisas dos
automóveis revelam uma
diminuição acentuada
do número de insectos.
As alterações climáticas,
a perda de habitat e
os pesticidas são
responsáveis pela situação.
FOTOGRAFADO NA ESTAÇÃO IYARINA,
EM GOMATAON
O que se
perdeu
Entomólogos de
Krefeld, na Alemanha,
recolheram insectos
voadores durante
duas semanas de
Agosto de 1994 (à
esquerda) e no mesmo
local, com armadilha
idêntica, em Agosto
de 2016 (esta imagem).
Dados semelhantes
recolhidos em 63
áreas de paisagem
protegida da Alemanha
forneceram resultados
chocantes: uma
diminuição de 76% da
biomassa dos insectos
entre 1989 e 2016.
FOTOGRAFADO NA SOCIEDADE
ENTOMOLÓGICA DE KREFELD
4
3

1 2

11

10

19 22

18 20
21

29
27 28
26

35 37

36
38

40

39
O vasto mundo dos
insectos: No Arizona (EUA)
e no Equador, o fotógrafo
David Liittschwager
captou retratos de deze-
nas de criaturas de uma
classe (Insecta) que inclui
5
milhões de espécies. Na
6
idade adulta, todas possuem
7 seis patas, corpo com três
regiões e um exosqueleto
rígido. Para lá disso, a diver-
sidade é a regra.

Encontram-se aqui representados


17
dez grupos: os escaravelhos
12 14 15 (Coleoptera); as baratas e as
térmitas (Blattodea); as borboletas
e as traças (Lepidoptera); as
moscas (Diptera); os percevejos e
cigarrinhas (Hemiptera); as
abelhas, as vespas e as formigas
(Hymenoptera); os bichos-pau
(Phasmida); os megalópteros
(Megaloptera); os neurópteros
(Neuroptera); os gafanhotos e os
13 grilos (Orthoptera).
16 1. Stenelytrana emarginata
2. Cryptocercus wrighti 3. Cicindela
sexguttata 4. Pantherodes
unciaria 5. Orthosoma brunneum
6. Holcocephala 7. Megalopyge
8. Dryocampa rubicunda
9. Dichorda iridaria 10. Hypoprepia
miniata 11. Chauliodes
pectinicornis 12. Anotia uhleri
13. Myrmeleontidae (larva)
24 25 14. Megalopyge (lagarta)
23 15. Telamona 16. Halictidae:
Augochlorini 17. Noctuidae
18. Serratitibia 19. Neotibicen
20. Limenitis arthemis 21. Archips
purpurana 22. Erotylus onagga
23. Mesothen petosiris 24.
Paraponera clavata 25. Leptoscelis
26. Laphria 27. Megalodacne heros
28. Pucaya pulchra 29. Lyces fornax
(lagarta) 30. Gibbifer 31. Erotylus
dilaceratus 32. Homeomastax
dereixi 33. Dysschema dissimulata
(lagarta parasitada) 34. Hemiptera:
Pentatomidae (ninfa)
33
35. (larva parasítica nascida de
uma lagarta Geometridae)
36. Lophocampa (pupa)
37. Ichneumonidae: Ophioninae
30 38. Callophrys spinetorum
(lagarta) 39. Bertholdia trigona
32 40. Hypercompe permaculata
34 41. Automeris abdominalis
(lagarta)
42. Megaceras philoctetes
43. Oreophoetes topoense

31

41 43

42
A
meiro aos milhares, depois às dezenas ou mesmo

vam. O cenário era maravilhoso, inspirador de


admiração e até um pouco desconcertante.
Encontrei a nuvem de borboletas (tecnicamen-
te falando, uma irrupção de Nymphalis califor-
nica) num dia de Verão, de céu azul luminoso,
na Sierra Nevada. Passeava a pé por Castle Peak,
uma montanha a noroeste do lago Tahoe, na com-
panhia do biólogo Matt Forister, da Universidade
pri-
A S B O R B O L E TA S N ÃO PA R AVA M D E C H E G A R ,

centenas de milhares. As suas asas eram castanhas


por baixo e de um tom cor de laranja por cima, pare-
cendo pedacinhos de raios de sol enquanto voa-

de Nevada. As borboletas de Castle Peak são uma


das populações de insectos mais estudadas do
mundo: há quase 45 anos que, todos os verões, Junto do rio Mosela,
são submetidas a um recenseamento quinzenal. na Alemanha, Martin
A maior parte dos dados foram recolhidos pelo Sorg, curador-chefe
da Sociedade
mentor de Matt, Art Shapiro, entomólogo dedica- Entomológica de
do e professor da Universidade da Califórnia, que Krefeld, segura um
registou a informação em fichas. frasco com amostras
recolhidas numa
Depois de introduzirem os dados do recensea- armadilha Malaise,
mento em computador e de os analisarem, Matt um dispositivo
Forister e a sua equipa concluíram que as borbo- semelhante a uma
tenda para capturar
letas de Castle Peak começaram a entrar em declí- insectos voadores.
nio em 2011. Estávamos a discutir os motivos des- Os membros da
se declínio quando nos aproximámos do cume e Sociedade monitorizam
estas armadilhas desde
nos vimos envolvidos na névoa cor de laranja. a década de 1980.
“A ideia de os insectos estarem a sofrer é cho-
cante e eu percebo isso”, disse Matt, acrescentan-
do: “Os insectos fazem isto, pelo que parece extra-
vagante” a ideia de um declínio.

10 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Vivemos no Antropocénico, uma era definida existia há dez mil anos”. Mas “se os insectos desa-
pelo impacte dos seres humanos sobre o planeta. parecessem, o ambiente colapsaria”.
Apesar disso, em vários sentidos, são os insectos Por conseguinte, é alarmante que, na maioria
que dominam o mundo. Estima-se que dez triliões dos locais recentemente observados pelos cientis-
de insectos voem, rastejem, pairem, marchem, es- tas, se tenha descoberto que o número de insectos
cavem e nadem por todo o lado. Em variedade, os está a diminuir. Isto acontece em zonas agrícolas
números são igualmente impressionantes: cerca e em locais selvagens, como Castle Peak. Muito
de 80% de todos os diferentes tipos de animais são provavelmente, também ocorre no seu quintal.
insectos. São eles que mantêm o mundo tal como
o conhecemos: sem insectos para as polinizarem, a de Krefeld, na Ale-
A S O C I E DA D E E N T O M O L Ó G I C A
maioria das plantas com flor morreria. manha, armazena as suas colecções no edifício de
Segundo o famoso comentário do biólogo uma antiga escola. As salas de aula contêm agora
Edward O. Wilson, se os seres humanos desapa- caixas cheias de frascos e esses frascos encontram-
recessem de repente, a Terra “regeneraria, recu- -se, por sua vez, cheios de aglomerados de insectos
perando o abundante estado de equilíbrio que mortos flutuando em etanol.

PA R A O N D E F O R A M TO D O S O S I N S E C TO S ? 11
Há várias espécies de
escaravelhos do género
Pseudoxycheila nas
terras altas do Equador
(e mais de 350 mil
espécies em todo o
mundo). Este alimen-
Se existisse um ponto de partida ta-se provavelmente de de Krefeld foi inundada de pedidos
para a crescente preocupação com o outros insectos existen- de depoimentos da comunicação
declínio dos insectos, seria esta escola. tes no solo da floresta. social, situação que se mantém até
As manchas amarelas
“Não contamos os frascos, porque podem enganar os hoje. “Não existe, simplesmente, um
o número muda todas as semanas”, predadores, tornando o fim”, suspirou Martin Sorg.
disse Martin Sorg, o curador princi- escaravelho parecido Desde o estudo de Krefeld que os
com vespas, cujas
pal da colecção. Ele estima que “exis- picadas são terríveis. entomólogos de todo o mundo exa-
tam várias dezenas de milhares”. FOTOGRAFADO NA ESTAÇÃO minam registos e colecções. Alguns
BIOLÓGICA DE YANAYACU
No fim da década de 1980, Martin cientistas argumentam que os estu-
e os colegas decidiram averiguar a dos que apresentam referências a
situação dos insectos em diferentes alterações dramáticas têm mais pro-
tipos de áreas protegidas da Alemanha. Para tal, babilidade de publicação do que os que não o fize-
montaram armadilhas Malaise, um dispositivo rem. Mesmo assim, os resultados são sugestivos.
que parece uma tenda triangular inclinada. As Investigadores que estudam uma floresta prote-
armadilhas capturavam tudo o que voasse para o gida no estado de New Hampshire (EUA) desco-
interior, incluindo moscas, vespas, traças, abelhas, briram que o número de escaravelhos diminuiu
borboletas e neurópteros. Todas as capturas eram mais de 80% desde meados da década de 1970 e
acondicionadas em frascos. que a diversidade dos insectos como um todo so-
A fase de recolha durou mais de vinte anos até frera uma redução de quase 40%.
acumular dados sobre 63 áreas protegidas, sobre- Num estudo sobre borboletas realizado nos Paí-
tudo no estado da Renânia do Norte-Vestefália, ses Baixos, apurou-se que o número de insectos di-
onde se situa Krefeld. Em 2013, os entomólogos minuíra ali quase 85% desde finais do século XIX,
regressaram a dois locais onde tinham recolhido enquanto um estudo sobre efemerópteros realiza-
amostras pela primeira vez em 1989. A massa de do na zona superior do Centro-Oeste dos EUA con-
insectos capturados nas armadilhas foi uma pe- cluiu que as populações de insectos tinham sido
quena fracção do conjunto recolhido 24 anos an- reduzidas para menos de metade desde 2012. Na
tes. Voltaram aos mesmos locais em 2014 e reco- Alemanha, uma segunda equipa de investigadores
lheram novas amostras em mais de uma dezena confirmou os resultados de Krefeld, concluindo
de outros. Independentemente da localização, os que, entre 2008 e 2017, o número de espécies de in-
resultados eram semelhantes. sectos nas pradarias e florestas do país – com base
Para interpretar os resultados, a Sociedade mo- numa recolha repetida de amostras em centenas
bilizou a ajuda de outros entomólogos e especia- de locais em três zonas protegidas distantes entre
listas em estatística, que analisaram meticulosa- si – sofrera um declínio superior a 30%.
mente os dados. A análise confirmou que, entre “É assustador, mas é compatível com o cenário
1989 e 2016, a biomassa de insectos voadores em apresentado num crescente número de estudos”,
áreas protegidas da Alemanha diminuíra 76%, resumiu Wolfgang Weisser, professor da Universi-
uma percentagem gigantesca. dade Técnica de Munique.
Esta conclusão, publicada na revista científica
“PLOS One”, desencadeou manchetes em jornais O S S E R E S H U M A N O S podem adorar borboletas e
de todo o mundo. O “The Guardian” falou num detestar os mosquitos, mas, na verdade, desco-
“Armagedão ecológico”, o “New York Times” num nhecem a maior parte dos insectos. Isto diz muito
“Armagedão dos insectos”. O “Frankfurter Allge- mais sobre as criaturas de duas pernas do que
meine Zeitung” declarou que “estamos no meio sobre as criaturas de seis patas.
de um pesadelo”. Segundo o Altmetric, um sítio na Os insectos são, de longe, as criaturas mais
Internet que acompanha o número de referências diversificadas do planeta, de tal forma que os
online a investigações publicadas, o estudo foi o cientistas ainda hoje desenvolvem esforços para
sexto ensaio científico mais discutido de 2017. A apurar quantas espécies diferentes existem. Já fo-
outrora desconhecida Sociedade Entomológica ram identificadas cerca de um milhão de espécies

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de insectos, mas deverão existir muitas mais por Os insectos encontram-se em quase todos os
descobrir. Uma estimativa recente propôs um to- tipos de habitats terrestres. Foram observados
tal de cinco milhões. plecópteros nos Himalaia, a altitudes de 5.600
Uma única família de vespas parasitóides, Ich- metros, e peixinhos-de-prata em grutas mais de
neumonidae, engloba cerca de cem mil espécies, 900 metros abaixo da superfície terrestre. A mos-
um número superior ao total de espécies conheci- ca Ephydra thermophila vive à beira de escaldan-
das de peixes, répteis, mamíferos, anfíbios e aves. tes fontes geotérmicas em Yellowstone, enquanto
Aliás, a simples existência desta família, disse Belgica antarctica sobrevive ao frio revestindo
Charles Darwin a um amigo, era suficiente para os ovos com uma espécie de gel anticongelante.
provar que a teoria bíblica da criação estava erra- O mosquito Polypedilum vanderplanki, oriundo
da, pois nenhum “Deus bom e omnipotente” con- de regiões semiáridas de África, tem larvas que
ceberia um parasita tão macabro e assassino. Há encolhem em épocas muito secas, formando flo-
outras famílias de insectos igualmente diversifi- cos desidratados e entrando num estado de ani-
cadas: crê-se que existirão sessenta mil espécies mação suspensa do qual pode recuperar passados
de Curculionidae, conhecidas como gorgulhos. mais de 15 anos. (Continua na pg. 18)
PA R A O N D E F O R A M TO D O S O S I N S E C TO S ? 13
ORDEM Odonata Lepidoptera
As populações de espécies pertencentes a 27%
cinco grandes ordens de insectos sofreram
perdas. Das 2.200 espécies acompanhadas
em termos de tendências populacionais pela 71% 63
União Internacional para a Conservação da
Natureza, quase metade estão em declínio. 36
2% 1%
Em perda Estável Em crescimento Libelinhas e donzelinhas Borboletas e traças

Vitais e em desaparecimento
Os insectos podem picar-nos ou assustar-nos, mas mantêm o planeta habitável. Os cientistas
estão a esforçar-se por perceber a que se deve a rápida diminuição de algumas populações
e a tentar identificar algumas espécies desconhecidas antes que desapareçam de vez.

Chapim-azul
(Cyanistes caeruleus)

Um casal de chapins-azuis Os escaravelhos bosteiros


pode capturar 100 contribuem para a decom-
lagartas por dia para posição dos excrementos
alimentar uma única cria. dos animais de pasto.

Lagarta de
borboleta nocturna
(Operophtera
brumata)

OS INSECTOS NÃO
ESTÃO À ESCALA

Cinco funções
essenciais dos Escaravelho-bosteiro
(Canthon imitator)

insectos CADEIA ALIMENTAR


Os insectos estão presentes em
DECOMPOSIÇÃO
Os consumidores de detritos disponi-
Todos os insectos que zumbem, quase todas as cadeias alimenta- bilizam nutrientes ao ecossistema que,
rastejam e voam fazem parte res. Muitos animais de maior porte de outra forma, ficariam retidos nos
da engrenagem de uma comem insectos antes de serem, excrementos e em plantas e animais
eles próprios, consumidos por mortos. Os bosteiros processam os
máquina ecológica. predadores. Suspeita-se que a excrementos do gado (que eliminam
O conjunto dos seus esforços escassez de insectos seja uma das ervas e permitem a multiplicação de
minúsculos e individuais principais causas para os recentes parasitas) em 23 meses, em contraste
garante enormes benefícios declínios nas populações de aves. com os 28 necessários na sua ausência.
para a vida na Terra. AS ESPÉCIES QUE OCUPAM OS RESÍDUOS E CARCAÇAS DE
POSIÇÕES MAIS ALTAS NA ANIMAIS MORTOS PERDURAM
O QUE PODERÁ ACONTECER CADEIA ALIMENTAR SOFREM NOS ECOSSISTEMAS, IMPEDIN-
NUM MUNDO SEM INSECTOS: PERDAS DEMOGRÁFICAS. DO O FLUXO DE NUTRIENTES.
Hymenoptera Coleoptera Orthoptera

12
42 57 61 37

85
1% 2% 3%
Abelhas, vespas e formigas Escaravelhos Gafanhotos e grilos

20% identificadas
O GRANDE DESCONHECIDO

5 MILHÕES
Os cientistas acham que existem
quase mil vezes mais espécies
de insectos do que de
mamíferos (dos quais conhece-
mos 5.500) e identificaram TOTA L E STI MA D O D E
apenas um quinto destas. E SPÉCI E S DE I NSECTO S

Abelhão Um abelhão pode visitar


(Bombus affinis) e ajudar a polinizar três
mil flores por dia.

Os percevejos presentes
em 0,4 hectares de terra
agrícola podem comer um
milhão de afídeos por dia.

Percevejo
(Nabis americoferus)

Térmitas
(Macrotermes natalensis)

Uma colónia de térmitas


pode escavar mais de
250 quilogramas de solo
todos os anos.
Afídeos
(Acyrthosiphon pisum)

CONTROLO DE PRAGAS POLINIZAÇÃO ENGENHARIA DO SOLO


Ao alimentarem-se de pragas que Quase 90% das espécies de plantas As térmitas (e as formigas) têm
ameaçam as culturas, os insectos angiospérmicas e 75% das espécies capacidade para transformar o solo
predadores actuam como pesticidas agrícolas dependem dos animais em climas quentes e secos. Os seus
sem químicos. Isto reduz os custos para a sua polinização. No total, túneis arejam os solos duros,
dos sistemas de controlo de pragas e uma em cada três porções de contribuindo para a retenção de
aumenta o rendimento das colheitas, comida consumida pelos seres água e acrescentando-lhes nutrien-
poupando milhões às indústrias humanos depende da polinização tes. Em algumas regiões, a introdução
agrícolas e reduzindo os resíduos de por animais ao longo do seu de térmitas transformou terras não
pesticidas tóxicos nas colheitas. processo de produção. aráveis em terras agrícolas num ano.
AS PRAGAS PROLIFERAM, AS CULTURAS NÃO CONSEGUEM OS SOLOS DAS REGIÕES ÁRIDAS
CAUSANDO DANOS ÀS CULTURAS REPRODUZIR-SE: SERES HUMA- TORNAM-SE ESTÉREIS, AS
E ÀS FLORESTAS, PROVOCANDO NOS E ANIMAIS PERDEM FONTES COLHEITAS PERDEM-SE E OS
MAIOR USO DE PESTICIDAS. DE ALIMENTO ESSENCIAIS. DESERTOS EXPANDEM-SE.

MANUEL CANALES; SCOTT ELDER. ARTE: DANIEL SOLANO. FONTES: SCOTT BLACK E MATTHEW SHEPHERD, SOCIEDADE XERCES PARA A CONSERVAÇÃO DE VERTEBRADOS.
TENDÊNCIAS DAS ESPÉCIES DE INSECTOS: LISTA VERMELHA DE ESPÉCIES AMEAÇADAS DA UICN; GRÁFICO ADAPTADO DE RODOLFO DIRZO, SCIENCE, 2014.
NÚMEROS DAS ESPÉCIES: BRETT SCHEFFERS, TRENDS IN ECOLOGY & EVOLUTION, 2012
No “jardim zoológico”
formado por sacos cheios
de folhas do Posto de
Investigação de La Selva, na
Costa Rica, alojam-se
centenas de lagartas… e as
vespas parasitas que vivem
dentro delas. Os investiga-
dores tentam estudar estas
espécies antes que desapare-
çam. “É ciência desesperada”,
resume o ecologista Lee Dyer.
O que justifica esta variedade tão gigantesca? folhas e outros alimentam-se das raízes. Este tipo
Muitas explicações têm sido propostas e a mais de “repartição de recursos”, como lhe chamam os
simples delas é: os insectos são antigos. Muito ecologistas, permite que muitas espécies de insec-
antigos. Contam-se entre os primeiros animais a tos habitem mais ou menos o mesmo espaço.
colonizar regiões terrestres, há mais de quatro- Além disso, existe outro facto: pelo menos em
centos milhões de anos, ou seja, quase duzentos termos históricos, os insectos têm tido taxas de
milhões antes do aparecimento dos primeiros extinção baixas. Há alguns anos, investigadores
dinossauros. Esta história tão longa permitiu examinaram o registo fóssil da maior subordem
que a diversidade dos insectos se fosse acen- de escaravelhos, a Polyphaga, um grupo que in-
tuando ao longo do tempo. clui famílias como Scarabaeidae, Elateridae e
No entanto, a capacidade para ocupar diferentes Lampyridae. Concluíram que nenhuma família
nichos ambientais também deverá ter sido impor- do grupo se extinguira ao longo da sua história
tante. Os insectos são tão pequenos que uma única evolutiva, nem sequer durante a extinção em
árvore pode alojar centenas de espécies, na medi- massa ocorrida no final do Cretácico, há 66 mi-
da em que alguns perfuram as cascas, outros as lhões de anos. Também por isso, esta conclusão

18 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Numa folha de La Selva,
vespas parasíticas na
fase de pupa
amontoam-se sobre a
lagarta moribunda que
as nutriu e cuja
população mantêm sob
sugere que os declínios agora detec- controlo. “O declínio “Já não os encontramos”, disse
tados se afigurem mais sinistros. das vespas parasíticas é David Wagner. Ele explicou que
catastrófico para existe outra espécie, o Bombus bohe-
qualquer ecossistema
T O D O S O S O U T O N O S , milhares de terrestre”, diz Lee Dyer. micus, cujo modo de vida é invadir
investigadores juntam-se na reunião O local perdeu muitas os ninhos de outros abelhões, in-
anual da Sociedade Americana de espécies de ambos os cluindo o Bombus affinis, comendo
tipos de organismos.
Entomologia. No Outono de 2019, a FOTOGRAFADO NO POSTO DE as larvas deste e substituindo-as pe-
reunião decorreu em Saint Louis e a INVESTIGAÇÃO DE LA SELVA
las suas. “Essa abelha também está
sessão com maior influência intitula- a desaparecer”, afirmou.
va-se “Declínio dos Insectos no An- Perguntei qual a sua opinião sobre
tropocénico”. Um após outro, os sucessivos oradores a causa do declínio dos insectos. De certo modo,
apresentaram as dolorosas provas. Martin Sorg dis- disse ele, a resposta era óbvia: “Com sete mil mi-
cutiu o trabalho do grupo de Krefeld, Matt Forister lhões de pessoas no planeta, era de esperar que
documentou a diminuição de borboletas nas Sierras. houvesse organismos a entrar em declínio.” Para
Toke Thomas Høye, um investigador da Universi- se alimentarem, vestirem, alojarem e transporta-
dade de Aarhus, na Dinamarca, relatou o declínio do rem, os seres humanos estão a alterar o planeta de
número de moscas que visitam as flores no Nordeste formas profundas – arrasando florestas, lavrando
da Gronelândia e a entomóloga May Berenbaum, da pradarias, plantando monoculturas, despejando
Universidade de Illinois, referiu-se a uma “crise glo- poluentes na atmosfera. Cada uma destas acti-
bal dos polinizadores”. vidades é um factor de stress para os insectos e
David Wagner, entomólogo da Universidade de outros animais. As populações de quase todos os
Connecticut, organizara a sessão. Chegada a sua grupos animais estão a diminuir.
vez de falar, chamou a atenção para um “enigma”. “Sabemos que estamos a viver uma crise de bio-
Os oradores tinham-se mostrado praticamente to- diversidade”, resumiu David Wagner.
dos de acordo quanto às dificuldades enfrentadas Mesmo assim, o ritmo de desaparecimento
pelos insectos, mas não havia consenso quanto à dos insectos documentado por estudos recen-
causa. Alguns culpavam as alterações climáticas, tes é intrigante. Resultados como os de Krefeld
outros as práticas agrícolas ou outras agressões do sugerem que os insectos estão a diminuir sig-
habitat dos insectos. “É fenomenal que tenhamos nificativamente mais depressa do que outros
tantos cientistas a estudar este problema, mas grupos de animais. Porquê? Os pesticidas são
ainda não existam certezas quanto aos factores de uma das possibilidades. Embora se destinem às
stress”, comentou. espécies consideradas “pragas”, os químicos não
Algumas semanas após a sessão, encontrei-me fazem distinção entre os insectos que danificam
com David no Museu Americano de História Na- as culturas e aqueles que as polinizam. As pró-
tural, em Nova Iorque. O museu tem uma das co- prias áreas protegidas da Alemanha podem ser
lecções de insectos mais abrangente do mundo. afectadas por pesticidas, uma vez que muitas
De forma mais ou menos aleatória, ele abriu um são adjacentes a regiões agrícolas. No entanto,
armário de Bombus, os abelhões. Numa gaveta, em alguns locais onde têm sido relatados declí-
havia Bombus dahlbomii, uma das maiores abe- nios acentuados – como as montanhas White em
lhas do planeta, que costumava ser comum em New Hampshire – o uso de pesticidas é mínimo.
grande parte do Chile e da Argentina. Nos últimos Daí o enigma.
anos, as suas populações caíram a pique. “Neste preciso momento, há que averiguar até
Outra gaveta estava cheia de Bombus affinis, que que ponto os insectos estão mais em perigo do
se distinguem pela presença de uma marca aver- que outras espécies”, disse David Wagner. “É ur-
melhada no dorso. Endémicos do Centro-Oeste e gente. Pela primeira vez, creio que os seres huma-
Nordeste dos EUA, também costumavam ser co- nos estão de facto preocupados com os serviços
muns, mas o seu número é agora tão reduzido que ecossistémicos e com tudo o que os insectos fa-
estão classificados como espécie ameaçada. zem para manter o planeta.”

PA R A O N D E F O R A M TO D O S O S I N S E C TO S ? 19
Uma armadilha luminosa
montada nas montanhas
Chiricahua, no estado
do Arizona (EUA),
exibe uma presença
predominante de grandes
borboletas nocturnas
da espécie Hyles lineata
e percevejos. A equipa
de Lee Dyer não registou
declínios das lagartas
neste local. Em anos
anteriores, porém, esta
armadilha capturou muito
mais insectos e mais raros.
FOTOGRAFADO NO POSTO DE
INVESTIGAÇÃO DO SUDOESTE, MUSEU
AMERICANO DE HISTÓRIA NATURAL

21
Esta libelinha vive junto
de ribeiros rodeados
por árvores no Leste da
América do Norte. Este
espécime de cinco
centímetros é oriundo
das montanhas Great
Na sua variedade quase infinita, os Smoky. Alimentan- É difícil atribuir um valor mone-
insectos executam uma miríade de do-se de mosquitos, é tário a este trabalho, mas dois ento-
tarefas, muitas das quais não lhes são devorado por aves e rãs. mólogos tentaram fazê-lo em 2006.
É uma de quase três mil
creditadas. Cerca de três quartos de espécies conhecidas de Examinaram quatro categorias de
todas as angiospérmicas dependem libelinhas, da mesma “serviços prestados por insectos”
de insectos polinizadores: as abelhas ordem que as libélulas. (“enterro de excrementos, controlo
Ao contrário de muitas,
e abelhões são os mais populares, mas não está em perigo. de pragas, polinização e alimento de
as borboletas, as vespas e os escarave- FOTOGRAFADO NA ESTAÇÃO DE animais selvagens”) e estimaram um
CAMPO DE BIOLOGIA DA
lhos também pertencem a este grupo. UNIVERSIDADE DE TENNESSEE valor de 52,4 mil milhões de euros
A maior parte das culturas de fruto por ano, só nos EUA.
precisa de insectos polinizadores.
Os insectos também são essenciais para a dis- O P O S T O D E I N V E S T I G AÇ ÃO de La Selva dista ape-
persão das sementes. Muitas plantas equipam as nas 56 quilómetros da capital da Costa Rica, San
suas sementes com pequenos apêndices, conhe- José, mas, para chegar lá, é necessária uma viagem
cidos como elaiossomas, que estão repletos de de automóvel de duas horas.
gorduras e outros nutrientes. As formigas trans- Antigamente, um dos mais animados locais
portam a semente, consomem apenas o elaiosso- nocturnos de La Selva era um pequeno pavilhão
ma, e deixam o resto a germinar. equipado com um lençol branco e uma lâmpada
Os insectos, por sua vez, servem de alimen- de luz negra acesa para atrair insectos. O núme-
to aos peixes de água doce e a praticamente a ro de insectos capturado no lençol era tão grande
todos os tipos de animais terrestres. Os répteis que os visitantes do posto ficavam acordados até
insectívoros incluem as osgas, os anolis e os es- de madrugada para observá-los. Nas duas últi-
cíncidos. Os musaranhos arborícolas e os papa- mas décadas, porém, o espectáculo tem perdido
-formigas são mamíferos insectívoros. As ando- brilho. Na verdade, já nem sequer há espectáculo.
rinhas, os parulídeos, os pica-paus e as carriças Duas viagens até ao pavilhão em noites quentes
são algumas das aves que se alimentam essen- e húmidas no passado mês de Janeiro renderam
cialmente de insectos. três traças, um gorgulho, um percevejo e alguns
Até as aves que são omnívoras na idade adulta mosquitos. “Quando aqui vim pela primeira vez,
dependem frequentemente dos insectos enquan- era um autêntico ponto de encontro”, confessa
to juvenis. Alguns chapins, por exemplo, criam Lee Dyer, ecologista da Universidade de Nevada,
os seus pintos exclusivamente com lagartas e são referindo-se ao pavilhão. “Agora, vemos poucos
necessárias mais de cinco mil lagartas para uma insectos: talvez um ou dois.”
ninhada atingir a idade da muda da pena. Um es- Lee trabalha em La Selva desde 1991. A sua
tudo recente sobre as aves da América do Norte investigação concentra-se na interacção entre
concluiu que o seu número também tem diminuí- insectos e as suas plantas hospedeiras. Vários
do acentuadamente: quase um terço desde 1970. insectos dependem de outros insectos para vi-
As espécies com dietas maioritariamente à base ver. A maioria das vespas parasitas, por exemplo,
de insectos têm sido das mais atingidas. põe ovos nos corpos de lagartas, usando os hos-
Os insectos intervêm igualmente de forma pedeiros como uma despensa viva: as larvas das
decisiva na decomposição, mantendo a roda da vespas devoram gradualmente as lagartas a partir
vida a girar. Ao ingerirem excrementos, os esca- do interior. Outros insectos, conhecidos como hi-
ravelhos-bosteiros ajudam a devolver nutrientes perparasitóides, põem os ovos no interior dos cor-
ao solo. As térmitas fazem o mesmo ao consumi- pos dos parasitóides ou sobre estes. Até existem
rem madeira. Sem insectos, a matéria orgânica insectos que parasitam hiperparasitóides.
morta começaria a acumular-se. Reunidas as Com a ajuda de alunos e voluntários, Lee Dyer
condições certas, as larvas das moscas varejeiras tem recolhido lagartas em La Selva, criando-as
podem consumir 60% de um cadáver humano para ver o que delas emerge: traças, nalguns ca-
numa semana. sos, e parasitóides noutros. À semelhança dos

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membros da Sociedade Entomológica de Krefeld, aumentar, apesar de a maioria das lagartas se en-
ele não se predispôs a encontrar evidências sobre contrar em declínio. A diminuição das interacções
o declínio dos insectos. Foram estas que o encon- entre lagartas e parasitóides também significa que
traram. Uma das suas alunas de pós-graduação, cadeias alimentares inteiras poderão desfazer-se,
Danielle Salcido, examinou recentemente duas antes de os seres humanos terem oportunidade de
décadas de dados e descobriu que a diversidade as descobrir. “Licenciei-me em Inglês”, disse Lee
das lagartas em La Selva diminuiu quase 40% Dyer. “E este tipo de interacções, estas histórias,
desde 1997. A diversidade dos parasitóides dimi- são como poemas.” Quando se perdem tantas, “é
nuiu ainda mais: cerca de 55%. como um incêndio numa biblioteca”.
Os parasitóides ajudam a manter sob contro- A maioria dos dados de longo prazo relativos a
lo muitas lagartas que se alimentam de culturas insectos foram obtidos em zonas temperadas da
agrícolas, pelo que é expectável que os prejuízos Europa ou dos EUA. No entanto, cerca de 80% do
agrícolas possam aumentar com o seu declínio. total de espécies de insectos vivem nos trópicos,
Danielle descobriu que alguns grupos de lagartas o que torna as conclusões de Lee Dyer e Danielle
propensas a explosões demográficas estavam a Salcido potencialmente mais importantes.

PA R A O N D E F O R A M TO D O S O S I N S E C TO S ? 23
No sector das
montanhas Great Smoky
sob jurisdição do estado
do Tennessee, Graham
Montgomery,
doutorando da UCLA,
recolhe insectos na
folhagem, na tentativa
de reproduzir um
levantamento feito
há 70 anos. Como os
dados sobre insectos
a longo prazo são raros,
é difícil apurar a
dimensão do seu
declínio. No passado,
não era frequente
os entomólogos
contarem insectos.
Havia sempre muitos.

La Selva está rodeada de unidades agrícolas, o A paisagem circundante é muito diferente da


que gera problemas como a fragmentação de ha- de La Selva. Aqui predomina a floresta tropical
bitats e uso de pesticidas, mas Lee acredita que seca e, no alto das montanhas, floresta nebulosa
os principais motivos para o declínio são as alte- em vez da floresta húmida das zonas baixas. No
rações climáticas. Ele aponta para o aumento de entanto, também ali Dan e Winnie constaram um
eventos climáticos extremos, como as cheias. Mui- declínio dramático dos insectos. Winnie recordou
tas espécies de insectos “são susceptíveis a condi- que, em meados de 1980, quando adquiriram o
ções climáticas extremas, sobretudo nos trópicos”, primeiro computador pessoal, o ecrã atraía tantos
disse. “Não estão adaptadas a grandes flutuações.” insectos durante a noite que tiveram de montar
Dan Janzen e Winnie Hallwachs são especia- uma tenda dentro de casa e trabalhar lá dentro.
listas em ecologia tropical da Universidade de “Agora estou num estado em que qualquer in-
Pensilvânia. Passam parte do ano em Filadélfia e secto que atravesse a minha secretária, à noite, vai
parte a norte da cidade de Liberia, na região oci- parar a um tubo de plástico com álcool”, juntou
dental da Costa Rica, numa casa que partilham Dan. Ele tinha voltado à Costa Rica há duas sema-
com qualquer animal selvagem que ali se instale, nas e recolhera apenas nove insectos.
incluindo amblipígios e morcegos. Quando um Esta equipa também atribui grande parte do
visitante vindo de La Selva lá chegou, Winnie declínio às alterações climáticas. Dan Janzen, de
apontou para uma barata com sete centímetros 81 anos, disse que, quando começou a visitar a
de comprimento que estava sob o lava-loiça. “Eu Costa Rica em 1963, a estação seca durava quatro
digo às pessoas que os livros são apenas comida meses. “Actualmente, temos uma estação seca de
para térmitas”, acrescentou Dan, gesticulando em seis meses, pelo que todos os insectos cujas vidas
direcção a um pequeno monte de papel desfeito estavam organizadas para uma estação seca de
numa das estantes. quatro meses recebem agora dois meses extra.

24 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Recentemente, um grupo de cinco dezenas de
cientistas apresentou como proposta um “mapa
das estradas” para a conservação dos insectos,
com as seguintes recomendações: “Dar passos
agressivos no sentido de reduzir as emissões de
gases com efeito de estufa”, preservar mais áreas
naturais como refúgio para os insectos e impor
um controlo mais estrito das espécies exóticas.
“Há muitas acções possíveis, independente-
mente do resultado final, que serão boas práticas”,
disse David Wagner. “Tudo o que se relacionar
com o clima estará no topo da minha lista. Se se re-
duzir o uso de pesticidas para fins estéticos, como
nos relvados, será uma vitória para o planeta.”
Uma das poucas organizações do mundo que
se dedicam expressamente à conservação de in-
vertebrados é a Sociedade Xerces, sediada em
Portland. Esta sociedade foi baptizada em home-
nagem à Glaucopsyche xerces, uma borboleta en-
démica da península de São Francisco que se ex-
tinguiu na década de 1940 devido à urbanização.
Certo dia, acompanhei o director da Xerces,
Scott Black, em visitas a alguns dos seus projectos
cooperativos no vale central da Califórnia. Enquan-
to conduzia o automóvel, Scott lembrou-se de um
dos seus primeiros amores, um Mustang comprado
quando era adolescente, em 1979. Era preciso lavá-
-lo constantemente, pois ficava cheio de insectos
mortos no pára-brisas. Agora, Scott raramente pre-
cisa de raspar insectos do seu carro. Este fenómeno
Ficam sem alimento, sem estímulos ambientais e tem sido tão amplamente notado que se tornou co-
tudo começa a desmoronar-se.” nhecido como o “efeito pára-brisas”.
Quilómetro após quilómetro, fomos passando
para inverter estas tendên-
O Q U E S E P O D E FA Z E R por campos plantados. O meu interlocutor abana-
cias sinistras? Tudo depende das causas. Se forem, va a cabeça. As explorações agrícolas do vale costu-
sobretudo, as alterações climáticas, só uma acção mavam estar rodeadas por secções com erva onde
global de redução das emissões pode fazer a dife- os insectos se refugiavam. Agora, tendem a ser ara-
rença. Se os pesticidas ou a perda de habitat forem das uniformemente. “Só vejo ausência de habitat.”
os principais culpados, então as acções regionais ou Acabámos por chegar a Bixler Ranch. Nesta
locais podem ter grande impacte. herdade de 520 hectares, cultivam-se amêndoas e
Num esforço para proteger os polinizadores, mirtilos e os seus proprietários decidiram traba-
a União Europeia baniu a maioria dos pesticidas lhar com a Xerces para plantar sebes vivas e devol-
neonicotinóides, que vários estudos associaram a ver à paisagem alguns habitats perdidos ao longo
declínios de aves e insectos. No Outono passado, o de mais de meio século de agricultura intensiva.
governo alemão adoptou um “programa de acção Uma sebe foi plantada. Arbustos mais altos como
para a protecção dos insectos”, que pedia o res- roseiras silvestres e sabugueiros alternavam com
tauro de habitats, o fim do uso de insecticidas em outros mais pequenos. O dia estava quente e mui-
determinadas áreas e da produção de glifosato. É tas plantas pareciam sequiosas. Mesmo assim,
possível que este herbicida esteja a eliminar plan- várias abelhas zumbiam nas imediações. “Se to-
tas essenciais para a subsistência dos insectos e as marmos estas acções, elas vêm”, disse Scott.
investigações sugerem que também poderá afec- “As plantas e os insectos formam o tecido deste
tar o respectivo sistema imunitário. “Não podemos planeta”, prosseguiu. “Estamos a rasgá-lo em pe-
viver sem insectos”, sublinhava o plano de acção. daços e precisamos de cosê-lo novamente.” j

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