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EDIÇÃO E

ESTRUTURA
TEMPORAL DA
NARRATIVA

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O Q U E É E S T R U T U R A N A R R AT I VA ?
A estrutura narrativa é a forma com que uma
história é contada e passada para o papel ou
para as câmaras.
Com uma boa estrutura, o guionista consegue
organizar suas ideias e pesquisas e construir a
história de maneira racional e compreensível do
início ao fim.
Normalmente composta por três atos, introdução,
desenvolvimento e conclusão, a estrutura
narrativa conta com o apoio de pontos de viragem
ou seja, momentos de conflito que mudam o rumo
da história e fazem com que ela avance em
direção ao fim.
Quais os principais elementos da
narrativa?
Alguns elementos são importantes para que a história seja contada e, listá-los pode ser uma boa forma de
construir sua estrutura narrativa. São eles:
•narrador: o narrador é quem conta a história. Existem três tipos de narrador, o onisciente e onipresente que
conhece a totalidade do enredo e utiliza a narração em 3ª ou 1ª pessoa, o narrador observador, que não
interfere no enredo e conta a história com distanciamento e o personagem ou participante da história que
conta os acontecimentos em 1ª pessoa;
•enredo: é a trama que se desenrola ao longo da história;
•personagens: são aqueles que compõem a narrativa e participam do enredo. Os personagens podem
ser principais, são os protagonistas e antagonistas, ou secundários, como os coadjuvantes;
•tempo: é a duração dos acontecimentos. O tempo pode ser cronológico, ou seja, contado por horas, dias e
anos, ou psicológico, quando se refere às vivências dos personagens.
•espaço: trata-se do local em que se passa a narrativa. O espaço pode ser físico, social ou psicológico.
Quais as possibilidades
de estrutura narrativa?
A forma com que a história é contada também permite diversas
possibilidades e pode ser classificada em uma estrutura simples e
linear ou em estruturas mais complexas. A seguir, listamos alguns
tipos de estruturas narrativas:
•linear: a narrativa segue um fio condutor que se desenvolve
sequencialmente em começo, meio e fim, sem que ocorram
grandes desvios. É a estrutura mais simples e a mais utilizada
em anúncios publicitários, por exemplo;
•dupla: essa estrutura acompanha duas histórias independentes
que podem ou não se cruzar ao longo do enredo;
•inserção: utiliza a justaposição de planos com tempos e espaços
diferentes. Recorre ao recurso de flashbacks para criar um linha
temporal.
NARRATIVA LINEAR
Ação percorrida por um único fio condutor que se desenvolve de maneira sequencial do
princípio ao fim sem complicações ou desvios do caminho traçado. A narrativa de estrutura
linear é a de mais fácil leitura e é concebida de modo a respeitar todas as fases do
desenvolvimento dramático tradicional. O esquema que se obedece é aproximadamente o
seguinte:
• introdução ambiental;
• apresentação das personagens;
• nascimento do conflito;
• consequências do conflito;
• golpe de teatro resolutório.

Este esquema da narrativa linear repete segue à letra o que era a estrutura base do romance
psicológico do século XIX. Incluem-se nesse tipo de narrativa aquela nas quais o elemento
poético e metafórico é reduzido ao mínimo e os motivos de interesse residem exclusivamente
na fábula (story), excetua-se os eventuais casos de erosão dentro do referido esquema - que
se constituem uma exceção à regra.

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Exemplo

O filme é um drama
romântico reproduz a
biografia da escritora
Jane Austen, focada na
sua juventude, antes da
fama, quando teve um
romance com um jovem
irlandês.

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https://youtu.be/YOYXEEcrIjs
A ELIPSE NARRATIVA
• Os guionistas têm à sua • A utilização da elipse
disposição uma extensa narrativa tem vindo a evoluir
gama de ferramentas que em paralelo com o conjunto
podem utilizar para da linguagem
enriquecer as suas obras. cinematográfica e
Uma das mais importantes audiovisual. Os espectadores
é a elipse narrativa, uma contemporâneos entendem (e
ferramenta que é tão exigem) elipses cada vez mais
omnipresente que muitas sofisticadas.
vezes se torna invisível.
O QUE É UMA ELIPSE NARRATIVA?
• Elipse é originalmente um termo literário que significa a omissão
de uma palavra ou palavras que podem ser inferidas facilmente a
partir do resto do texto existente.
• Da mesma forma, uma elipse narrativa é uma omissão
intencional de alguns eventos ou informações de uma estória.
• Apesar desses factos fazerem parte da cadeia narrativa o autor
escolhe não os incluir explicitamente. Cabe ao espectador usar a
lógica e a imaginação para reconstituir os factos omitidos a partir
dos que foram mantidos na narrativa.
• Uma elipse é uma omissão intencional de eventos ou
informações de uma estória, que o espectador pode
imaginar a partir dos que foram mantidos na narrativa.
TIPOS DE ELIPSES
Marcel Martin, no livro A Linguagem Cinematográfica 1, distingue
entre dois tipos de elipses:
•aquelas que, segundo Martin, são inerentes a todas as formas
narrativas, pois se destinam a eliminar “os pontos mortos ou inúteis
da acção“. A estas eu chamaria elipses funcionais, dado que
Martin não lhes dá uma designação específica;
•e as que ele define como elipses expressivas, “porque visam um
efeito dramático ou são geralmente acompanhadas de um
significado simbólico”.
AS ELIPSES FUNCIONAIS
Alfred Hitchcock terá dito, de forma lapidar:
As elipses funcionais servem
“O que é o drama senão a vida com as partes
precisamente para eliminar as aborrecidas removidas”.
partes aborrecidas, ou, como
Martin especifica, os “pontos
mortos ou inúteis” de uma estória.

Através delas removemos os


pontos mortos da ação, de forma a
ganhar tempo e aproveitar melhor
a atenção dos espectadores, que é
sempre limitada.
Exemplo
• Vejamos um exemplo deste tipo de elipse funcional: uma sequência narrativa em que um personagem decide
visitar a namorada.
• Na sequência real dos acontecimentos ele iria pegar na chave do carro, sair de casa, descer as escadas,
atravessar a rua, entrar no carro, ligar o carro, fazer o trajecto, parar em todos os semáforos, eventualmente
ouvir música no carro, estacionar, sair do carro, caminhar, tocar à campainha do prédio, e por aí adiante.
• Vejamos como essa sequência poderia ser escrita, usando uma elipse temporal simples.
• Através de uma elipse funcional saltamos simplesmente de um local para o outro, eliminando toda uma viagem que nada
acrescentaria à nossa estória.
Em tempo real
• Há um tipo de narrativas audiovisuais que parece ser uma exceção ao
uso das elipses: aquelas que pretendem contar os eventos em tempo real.
• Nestas obras cada minuto do filme corresponde, supostamente, a um
minuto na “vida real”. Tudo acontece no filme ao mesmo ritmo que
acontece na realidade.
• Normalmente estes filmes são realizados de forma a simular uma
sequência de imagem contínua, sem cortes no tempo. Estas experiências
narrativas foram inauguradas no cinema com o filme A Corda, realizado
por Alfred Hitchcok em 1948, e retomadas mais recentemente em obras
como Birdman ou 1917 2.

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Por exemplo, na série 24, cada temporada
é composta por vinte e quatro episódios de
uma hora, que cobrem em suposto tempo
real um período de vinte e quatro horas na
vida do protagonista Jack Bauer.
Mas como a narrativa de 24 acompanha
várias linhas de ação em paralelo, quando
saltamos de uma trama para outra são
introduzidas elipses temporais.
Como é óbvio, enquanto acompanhamos
um personagem não estamos a ver os que
os outros fazem – por exemplo, não os
vemos usar a casa de banho – mas
podemos usar a nossa lógica e imaginação
para preencher essas lacunas .
Saltos no
tempo
Uma das principais utilizações das elipses é
a demonstração de significativos saltos no
tempo.
Talvez a mais famosa de todas seja a que
Stanley Kubrick usa num dos meus filmes
favoritos, 2001: Uma Odisseia no Espaço.
É a famosa cena em que um dos nossos
antepassados hominídeos, depois de
aprender a usar um osso como arma, o atira
ao ar. Na queda, o osso transforma-se numa
nave espacial em órbita da Terra, num
extraordinário salto temporal de centenas de
milhares de anos.

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https://youtu.be/mDot3SzLg7Y
Gerir o ritmo da ação
• O uso criterioso de elipses pode ser a base para
criar Montagens que fazem uma estória avançar de
forma muito rápida. O truque é selecionar com muito
cuidado quais as cenas que devem figurar.
• Neste tipo de sequências de imagens a imaginação e
envolvimento do espectador é puxada ao máximo. Não
podemos manter a sua atenção neste nível durante os
90 minutos de um filme – ninguém aguenta este nível
de digestão de informação por muito tempo – mas pode
ser uma maneira de acelerar o ritmo pontualmente.
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Um excelente exemplo é a sequência de montagem da equipa de ladrões, em Ocean’s Eleven.

https://youtu.be/mDot3SzLg7Y
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Dar ideia da passagem do tempo
• Por vezes queremos dar um salto no tempo na nossa estória,
mas não o queremos fazer num único momento. Nesse caso,
uma sequência de cenas ligadas por elipses parciais pode
mostrar essa passagem de tempo de uma forma muito eficaz.

• Notting Hill, a popular comédia romântica de 1999, mostra-nos


um muito curioso exemplo desta solução. Um ano é
concentrado num plano sequência único que passa pelas
quatro estações enquanto um deprimido Hugh Grant percorre
um mercado de rua ao som de Ain’t No Sunshine.
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https://youtu.be/Ce_BXD_ONQ8
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Os autores do inovador filme de
1941, Citizen Kane – O Mundo A
Seus Pés, Herman J. Mankiewicz,
Orson Welles e John Houseman,
criaram uma demonstração genial
desta forma de usar as elipses na
famosa sequência dos pequenos
almoços.

https://youtu.be/CMkPIW22bq4
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Criar suspense
• Um dos efeitos mais frequentes da ocultação de
informação através de uma elipse é a criação de um
efeito de suspense, que eu defino como curiosidade
tingida de ansiedade.
• Quanto mais crucial para o bem estar ou segurança de
um personagem for a informação omitida, maior será o
suspense sentido pelos espectadores. Este efeito é
muitas vezes usado nos chamados ganchos, ou seja,
naquelas cenas de tensão que ficam por concluir
imediatamente antes de um intervalo ou do final de um
episódio televisivo. 20
Um grande exemplo
disso pode ser
encontrado no final
de Halloween, filme de
1978 que marcou
indelevelmente todos
os subsequentes filmes
de terror, criando
quase sozinho um sub-
género, os slasher
movies.

https://youtu.be/RTsRR43AUMY
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Contornar limitações culturais
• Muitas vezes, somos obrigados a ocultar alguns tipos de
informação por razões culturais ou de censura.
• As elipses são nesse caso usadas para omitir da nossa estória
cenas consideradas potencialmente chocantes, incómodas ou
ofensivas para os públicos a que os filmes se destinam. Essas
cenas caem normalmente no âmbito do sexo, violência, ou
tabus culturais.
• Por exemplo, as cenas românticas são muitas vezes
interrompidas antes da concretização do ato sexual. E mesmo
quando este é mostrado, isso normalmente é feito de forma
muito limitada e “elíptica”, exceto em filmes para adultos ou
obras mais radicais.
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O guionista Scott Frank e o realizador Steven Soderbergh demonstram-no de forma sublime nesta
sequência do filme Out of Sight – Romance Perigoso de 1998.

https://youtu.be/3qxH0R_k3zI
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COMO INDICAR AS ELIPSES NUM GUIÃO
• Pelo simples facto de dividirmos o guião em cenas já estamos
automaticamente a inserir elipses na narrativa.
• Como é sabido, devemos começar uma nova cena sempre que:
• há uma mudança de local da ação;
• a ação continua no mesmo local mas há um salto no tempo.
• Dessa forma, ao introduzir um novo Cabeçalho, que marca o início de
uma nova cena, estamos quase sempre a introduzir algum tipo de elipse
na narrativa.
• No entanto, os espectadores do filme ou do episódio de televisão não vão
ter os Cabeçalhos do guião para os orientar.

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• Por isso, pode ser conveniente incluir no guião formas visuais para os
ajuda a acompanhar os saltos no tempo. Vejamos algumas delas:
• Mudanças óbvias do local da ação – quase sempre que mudamos de
um local para o outro estamos a avançar na cronologia da nossa
estória.
• Mudanças de trama – quando acompanhamos várias tramas em
paralelo, a mudança de uma para outra é muitas vezes aproveitada
para marcar passagens de tempo ou introduzir outros tipos de elipses.
• Dia e noite – a mudança do dia para a noite, e vice-versa, é um dos
indicadores mais óbvios de que o tempo está a avançar na nossa
estória. Essa é uma das razões porque essa informação é sempre
incluída nos Cabeçalhos das cenas.
• A passagem das estações – sinais como a alternância do sol para a
chuva, a neve, a queda de folhas, etc, podem ajudar a indicar a
passagem de tempo.
• Transformação humana – sinais fisionómicos como a presença ou
ausência de barba, mudanças de cortes de cabelo e penteados,
envelhecimento físico, uma gravidez, também ajudam a identificar a
passagem do tempo. 25
• Mudanças de roupa – a alteração do guarda-roupa dos personagens é também uma indicação
visual de mudança do tempo. Normalmente não precisamos de o indicar – o departamento de
guarda-roupa trata disso – mas se, por exemplo, apresentámos a nossa protagonista no inverno e
agora estamos no verão, uma forma fácil de o explicitar é através da descrição das roupas dela em
cada situação.
• Degradação da roupa – da mesma forma, a degradação das condições de uma peça de roupa de
um personagem pode ajudar a indicar a passagem do tempo. Por exemplo, a camisa
impecavelmente branca que, mais tarde, fica suja de sangue; ou uns sapatos que vemos comprar
e depois nos são mostrados com um buraco na sola.
• Adereços – embora possa ser uma solução preguiçosa, não devemos esquecer a possibilidade de
usar elementos óbvios como os mostradores de um relógio, as folhas de um calendário, uma vela
derretida, entre outros adereços.
• Sinais físicos no meio ambiente – transformações significativas de locais podem ajudar a
identificar o sentido da passagem do tempo. Por exemplo, ver uma casa nova e, noutra cena, vê-la
já destruída por um incêndio,
• Símbolos – árvores de Natal abandonadas, o vento que apaga umas pegadas na areia, um osso
que se transforma numa nave espacial… Encontrar formas interessantes de mostrar a passagem
do tempo vai seguramente enriquecer o nosso guião.
• Legendas – finalmente, usar uma legenda sobreposta à imagem, como “Uma semana depois”,
pode ser a maneira mais simples e económica de indicar um salto temporal, se não quisermos
perder demasiado tempo com essa situação.
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