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PSICOTERAPIA TRANGERACIONAL

USANDO TECNICAS PSICODRAMÁTICAS


Uma perspectiva multidisciplinar
Manuela Maciel (2007), Portugal

RESUMO

A autora apresenta uma perspectiva da psicoterapia transgeracional, usando técnicas


do psicodrama com fundamentos teóricos que ajudam a explicar alguns temas e
padrões que observam na sua prática clínica. Usando uma abordagem transdisciplinar
que vai do macro ao micro, integra diferentes teorias da realidade: a teoria do caos,
teoria morfogenética, neurobiologia, inconsciente colectivo, co-inconsciente,
aprendizagem social e a própria teoria da Psiogenealogia. Descreve as técnicas que
usa em psicoterapia transgeracional como o genosociograma, o átomo familiar,
esculturas em miniatura e técnicas de psicodrama.
Este artigo termina com um estudo de caso, que ajuda a ilustrar estes padrões, teorias
e a aplicação destas teorias a este modelo de psicoterapia.
Pesquisa cientifica sobre a eficácia destes métodos é recomendada.
.

II. Introdução

Factos clínicos e científicos estão a demonstrar que quer os ascendentes vivos quer os
falecidos da nossa família são realmente influentes não só como “objectos internos”
(como os psicanalistas os denominam) mas também como forças vivas, campos de
informação que estão tão activos como o nosso próprio código genético.

Ilustrando o interesse crescente no campo das ligações transgeracionais, Kellerman


escreveu que a literatura professional sobre a transmissão transgeracional sobre o
trauma do Holocausto cresceu para um corpo vasto de conhecimento psicológico único
com mais de 400 publicações. (Kellermann, 2000).

Padrões repetitivos na família e fenómenos como “sindrome do aniversário” ou


“lealdades invisíveis” estão a ser estudados e explicados de acordo com diferentes
modelos teóricos.

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II. Abordagem Teórica

A Transdisciplinaridade é globalmente aberta. Níveis de Realidade são inseparáveis de


níveis de percepção, e estes últimos níveis descobriram a verticalidade dos níveis da
transdiciplinaridade.

A Transdisciplinaridade propõe uma nova visão e uma experiência vivida. É uma forma
de auto-transformação orientada para o conhecimento do “self”, da unidade do
conhecimento, e a criação de uma nova arte de viver.

(Basarab Nicolescu,1996)

Num dos seus mais recentes trabalhos publicados, Blatner (2007) afirma que uma
teoria, para ser útil, tem de ser flexivel o suficiente para se adaptar e ajudar a explicar
uma grande variedade de fenómenos.
Naturalmente seria desejável que seja encontrada uma maior coordenação e coerência
entre as várias teorias, mas a falta de um claro consenso nesta fase, não deve servir de
obstáculo á apreciação cruzada das varias teorias. Desta forma, de um ponto de vista
de compreensão meta-teórico e transdisciplinar, devemos dar as boas vindas á
presença de várias teorias-componentes, frequentemente em diferentes níveis de
análise e incidentes em diferentes focos da realidade. (ver imagem 1)

Imagem 1 – Perspectiva Transdisciplinar de Abordagens Sistémicas

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Co-Inconsciente e
Aprendizagem Social
Grupos
Transgeracion
Incosciente
al
Colectivo
Familia |
Sociedade
individuo
Humana
Neurobiol
ogia
Seres vivos

Campos
Morfogenéticos
Ecossistema

Teoria do Caos
Cosmos

A pesquisa intradisciplinar, refere-se no máximo, a um único nível de realidade; mais


frequentemente, só se refere a fragmentos de um nível de realidade. Ao contrário, a
transdisciplinaridade refere-se às dinamicas engendradas pela acção de diferenes
níveis de realidade em simultaneo. Neste sentido a disciplinariedade e a
transdisciplinariedade, não são antagónicas mas complementares. (Basarab
Nicolescu,1989).

Seguindo a mesma linha de pensamento, Kellermann (2001) sugeriu que a transmissão


de trauma deveria ser compreendido dentro de um modelo teórico integrado mais
abrangente. Esse modelo deveria reconhecer a interacção dos diferentes níveis de
influência transgeracional, sugerindo que a transmissão de traumas é causado por um
complexo de factores relacionados, incluindo a predisposição biológica,
desenvolvimento da história familiar, influências familiares e situação social.

Vamos assim apresentar algumas das teorias mais pertinentes que poderão ajudar a
compreender as ligações transgeracionais e que poderão enriquecer a forma como
percebemos e praticamos a terapia transgeracional.
Estes modelos teóricos irão ser apresentados por ordem de um ponto de vista
epistemológico., de um nível de percepçaõ mais abstacto e global, para um nível mais
concreto e específico (ver imagem 1)

Teoria do Caos

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“ A Teoria do Caos olha para as dinâmicas dos padrões- sistemas e processos – de
uma forma mais básica, permitindo paralelismos e generalizações a níveis mais
profundos, talvez oferecendo “insights” e ligações mais universais” (Reimer,R.,
Guerreiro, J. e Riding-Malon,R., 2007).
Os recentes desenvolvimentos da Teoria do Caos e o entendimento dos fractais
(Mandelbrot 1975, 1982, 1997) poderão esclarecer as intermináveis repetições dos
mesmos eventos familiares. A Teoria do Caos foi aplicada em diversos domínios como
a análise de estruturas e a natureza dos padrões.
Pode também ajudar-nos a compreender as repetições fatais, tais como a replicação
das células cancerígenas.
Conceitos da Teoria do Caos tais como afinidade, imprevisibilidade, ressonância,
organização pessoal e equilíbrio. (Remer et al, 2007 1) poderiam ser muito úteis quando
aplicados a vários fenómenos no sistema social da família.

Acontecimentos marcantes como a perda e morte e outros eventos traumáticos na


família, podem causar rupturas severas nos padrões dos sistemas e assim alterar suas
trajectórias

Teoria Campos Morficos e Ressonância Mórfica

“ A Telepatia é normal, não paranormal, natural e não sobrenatural, e é também comum


entre pessoas, especialmente pessoas que se conhecem bem”
(Sheldrake, Fevereiro 2005).

A pesquisa de Sheldrake, doutorado em Biologia, é muito importante para a


compreensão do fenómeno transgeracional uma vez que ele provou a existência do
conceito dos campos morficos, que ele define como “tipo de hábitos aprendidos dentro
de um grupo, onde padrões de informação tendem a ser transmitidos de forma
inconsciente e de uma certa forma telepática”. Este fenómeno já tinha sido provado
entre pessoas que são emocionalmente relacionadas e também com animais. Os
campos mórficos de grupos sociais conectam membros de um grupo mesmo quando
estes estão muitos quilómetros afastados, e proporcionam canais de comunicação
através dos quais os organismos podem se manter em contacto à distância. Eles
ajudam a fornecer uma explicação para a telepatia – uma comunicação entre grupos de
pessoas que podem não estar no mesmo espaço fisico. Sheldrake (2005) recolheu

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muitas evidências que muitas especies de animais são telepáticos, e a telepatia parece
ser um meio normal de comunicação.
Telepatia significa literalmente “Sensação distante” . Este termos é a versão reduzida
de Telepatia Mental, e refere-se á leitura de mentes ou comunicação mente-com-
mente. O termos foi criado pelo físico Frederick W. H. Myers (1882) que era um
académico clássico e um dos fundadores da psicologia moderna.

Ressonância Mórfica é outro conceito proposto por Sheldrake (1981) e que ele define
como “a base da memória na natureza”. A ideia de interconexões do tipo telepático
entre organismos e de memórias colectivas entre espécies. A informação de
ressonância mórfica é transmitida sem limitações de tempo e espaço, sem perda de
energia, e presumivelmente sem perda ou alteração de conteúdo, através de uma
replicação semelhente à do DNA. Assim está criado espaço para a transmição de
informação física e psíquica.

Neurobiologia

Existe uma base neurobiologica de interconectividade. A linguagem, a aprendização


por imitação e a empatia estão ligadas, e enraízadas em “células espelho” cuja função
é “representação em acção”, dentro do cérebro de comportamentos observados nos
outros.
“Padrões de distribuição de activação neural ocorrem quando os indivuduos trocam
(através de encontros) as suas representações de acção. Isto produz significados
partilhados de objectos, acções e situações sociais, como parte da nossa evolução
partilhada como mamíferos sociais. Estas representações (que são largamente
inconscientes) têm um papel funcional na consciência interpessoal, fundamentado o
conceito Moreniano de “Tele” (Ed Hug, 2007)
Tassin (2005), neurobiologo, observou que certos tipos de dados, tais como memórias
de eventos traumáticos, podem ser armazenados não de um modo “cognitivo” mas de
um modo “analógico” que ocorre dentro de milisegundos, sem tomada de consciência.
Assim começamos a ver a base neurobiologica do conceito de “co-inconsciente”, onde
a informação converge sem que qualquer pessoa esteja consciente dos factos ou
consciente dos traumas ou dos “factos proibidos”, dado que estão impregnados na
comunicação.

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Mesmo que essas memórias possam estar para além da tomada de consciência, elas
podem actuar em nós, sem o nosso conhecimento. Até ao ponto de sermos
condicionados por estas memórias inconscientes, podemos ser até como marionetes
puxados por fios que estão fora da “vista do público” para além e por cima das nossas
cabeças e da nossa consciência

Poderão haver mais fatores biológicos (ou Bio-Eléctricos), envolvidos na transmissão


transgeracional. Á medida que a ciência médica e a investigação progridem na
descoberta da composição biológica a eléctrica da célula, iremos aprender mais sobre
os vastos e variados mecanismos, pelos quais padrões trangeracionais,
intergeracionais e memórias são passadas sucessivamente.(Tassin, comunicação
pessoal 2005-2006; Panksepp et al 2002; Shedrake 1995; Suomi and Levine 1998;
Vincent 2003; Yehuda et al 1998).
Por exemplo, poderemos vir a saber mais sobre o modo como algumas partes da célula
arquivam emoções, ou como o trauma afecta as células reprodutivas ou mesmo o DNA.
Numa perspectiva evolucionista, poderemos colocar a hipótese – e futuras pesquisas
poderão vir a esclarecer – que a selecção natural poderá favorecer não só a retenção
dos melhores genes mas também reter informação transgeracional acerca de ameaça,
perigo, necessários á sobrevivência. (Schutzenberger,2007).

Inconsciente Colectivo

Inconsciente Colectivo, é um termo da psicologia analítica originalmente criado por Carl


Jung. Enquanto Freud não distinguia entre a “psicologia individual” e a “psicologia
colectiva”, Jung distinguiu o inconsciente colectivo do inconsciente pessoal particular a
cada ser humano. O inconsciente colectivo também é conhecido como sendo “um
reservatório de experiências da nossa espécie”.
O Inconsciente colectivo é uma parte da mente inconsciente comum a todos os seres
humanos De acordo com Carl Jung, o inconsciente colectivo contém arquétipos,
predisposições mentais universais que são passados transgeracionalmente mesmo
sem a experiencia vivida correspondente.

Tal como as ideias de Platão, os arquétipos não têm origem no mundo dos sentidos,
mas existem indepedentemente desse mundo e são conhecidos directamente através
da mente.

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Sincronicidade, é outro conceito relevante na análise transgeracional, refere-se a
coincidências significativas, tal como as descritas nos escritos de Jung, que abrem as
portas ás verdades transcendentes, da mesma forma uma crise abre a porta ao
inconsciente colectivo, e liberta um arquétipo que revela uma verdade profunda que se
ocultou da consciência.

Co- Inconsciente e Tele

‘Um estado co-consciente ou co-inconsciente não podem ser propriedade de um


individuo isolado. Serão sempre uma propriedade comum”. (J.L. Moreno 1946/1980:
VII)

Anne Schutzenberger sublinha que o conceito de Moreno de co-inconsciente não é o


mesmo de inconsciente colectivo e Jung: o conceito de Moreno refere-se agrupos mais
restritos e não se generaliza a toda uma sociedade. É importante não confundir esta
terminologias diferentes. (A nossa história familiar não é a mesma que o nosso folclore
cultural, mesme se algumas vezes existe sobreposição entre uma família e a sociedade
no geral e a sua cultura).

Moreno tinha esta ideia de co-inconsciente e co-consciente de família ou grupos de


amigos próximos ou equipas de trabalho e sentiu que era uma ideia chave e importante
para o mundo e para a terapia e psicodrama. (Anne Schutzenberger)

Tele é o termo usado por Moreno para o que é medido pela Sociometria, referindo-se a
padrões de atracção recíproca.
Verificamos que quando a tele é fortemente positiva são observados fenómenos do tipo
telepático. (Blatner, 1994)

Cognitivo-Comportamental e Aprendizagem Social


Como pertencemos a um contexto cultural e social ao longo das nossas vidas,
aprendemos uma série de valores, comportamentos e soluções modeladas por outros
que viveram antes de nós ou ao nosso redor.Um dos mais poderosos mecanismos de
socialização é a aprendizagem vicariante, por observação dos outros. Este conceito foi
inicilmente apresentado por Albert Bandura (Gleitman, 1993, depois de realizar muitas
experiências onde compreendeu que a imitação acorre mesmo sem reforço. Desta
forma uma criança que observa os valores comportamentais e cognições de alguém

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considerado um modelo (ex: pai, mãe, ídolo) irá reproduzir os mesmos padrões quando
exposto a situações com características semelhantes.
Desta forma, em contexto terapeutico a consciencia progressiva de padrões aprendidos
(através de reforços positives ou negatives, ou punições) poderão ajudar a clarificar o
entendimento de padrões cognitivo-comportamentais repetidos na família.

Psicogenealogia e Teorias Transgeracionais

O domínio do transgeracional começou por ser estudado por autores como Freud, que
foi o primeiro a falar de “alma colectiva”, para não falar dos Shamans com quem Bert
Hellinger aprendeu e adaptou o seu método de constelações familiares na sua missão
em Africa.

Outros conceitos importantes nesta area são o que Schutzenberger chama de


“psicogenealogia” or o que Boszorményie Nagy chama de “ lealdades invisíveis”. As
lealdades invisíveis são lealdades psicológicas a pessoas de gerações anteriores com
quem existiram alguns “assuntos inacabados”, decorrentes de acontecimentos
considerados traumáticos.

O que acontece é que as gerações seguintes tenderão a repetir o “script de vida” da


pessoa original ou relação, repetindo inconscientemente o mesmo padrão, sem terem
sequer conhecimento do trauma original (frequentemente um “segredo de família”).
Outros conceitos relevantes são os de “síndrome do aniversário” (Hildgard, J. 1989), e
da “criança de substituição” (Schutzenberger). Todos estes conceitos estão
relacionados com fenómenos que aparecem relacionados com padrões repetitivos de
“assuntos por resolver” (Zeigarnick,1927), como trauma e morte e da “simetria do
Amor” (Hellinger,1998), lealdades invisiveis, segindo a regra de “tarefas inacabadas”
que estão á procura de um fecho, que só pode acontecer quando o verdadeiro
significado destes padrões é clarificado.

Da nossa experiência clínica e pesquisa, os traumas mais comuns


que parecem afectar a trajectória da família são:
 Mortes prematuras (incluindo abortos, e nados-mortos, etc)
 Eventos trágicos (guerras, catástrofes naturais, etc)
 Homicidios
 Suicidios
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 Exclusão de pessoas da família
 Pessoas desaparecidas
 Situações injustas na família (injustiça) (tais como traições ou divisão injusta de
bens ou afectos)
 Divórcios conflituosos
 Doenças graves ou deficientes
 Mudança de país, nacionalidade, sistemas político ou religioso

Só trazendo consciência sobre estes traumas da história familiar, e da eventual


existência de “lealdades invisíveis” é que se libertam da repetição compulsiva destes
padrões, a que chamamos de fado ou “destino” ou até “karma transgeracional”.
Deverá no entanto ficar claro que os eventos familiares descritos acima não são
necessáriamete traumáticos e que existe um elevado grau de imprevisibilidade de
como estes irão afectar a transmissão transgeracional.

Metodos na Terapia Transgeracional

Poderemos usar vários métodos para o trabalho transgeracional, tanto num contexto de
terapia individual como num contexto de terapia de grupo.
Os métodos principais são:
- Genosociograma - um método de papel e lapis desenvolvido por Schutzenberger, que
é um genograma que enfatiza os fenómenos sociométricos e as lealdades invisíveis
dentro de uma família (que poderá ir até á 7ª geração anterior). O genosociograma é
uma investigação profunda rápida e muito útil para problemas familiares não resolvidos
e para padrões repetitivos. Permite ao terapeuta e ao cliente traçarem - - as
similaridades e ligações entre traumas, doenças e acidentes que ocorrem através das
gerações. Poderá, por exemplo, incluir ocorrências do “síndrome de Aniversário” e
lealdades familiares invisiveis.
Este trabalho é também a elaboração da história familiar – tipo uma novela –
acompanhando de 3 a 8 gerações, traçando e analisando caminhos, através dos
eventos que os marcaram. O olhar para o passado da história familiar, permite ao
cliente ver como o seu próprio passado individual é influenciado pelos caminhos de
outras pessoas significativas na sua história familiar. O genosociograma mostra até que
ponto um individuo é o produto de uma história familiar, em relação à qual ele procura
tornar-se autónomo.

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- O Átomo Familiar e a reconstrução do átomo familar
O “Átomo familiar” (J L Moreno,1946) ou a “constelação familiar” (Hellinger,1998)
poderão ser representados com pessoas reais ou com objectos em miniatura
escolhidos pelo cliente e que irão concretizar e representar os principais papeis
complementares e os mais significativos elementos da família relacionados com o
cliente e a sua pecepção.
Tabém se revela terapeutico pedir novas “formas” ideais para o átomo familiar
(conceito de realidade suplementar de Moreno) que procurem soluções sistémicas e
harmoniosas tanto para os familiares como para o cliente. Estes novos átomos criam
novos caminhos de informação, novos campos morfogénicos que eventualmente abrem
caminho para uma nova realidade, um novo equílibrio.

- Miniaturas e pequenos bonecos


Há objectos que podem ser muito úteis para o cliente representar o “átomo familiar” tal
como o percepciona e também como o idealiza. Isto é particularmente útil em contexto
terapeutico individual embora também possa ser utilizado em contexto de grupo.

Casson (2007) diz sobre o psicodrama com miniaturas “ O carácter lúdico do método
atrai, energiza, liberta a pessoa para explorar dificuldades, resolver problemas e
encontrar novas soluções, descobrindo recursos e pontos de vista para os quais não
estavam despertos”

- Técnicas do Psicodrama
Após a compreensão/diagnóstico dos padrões repetitivos, poderemos usar várias
técnicas do psicodrama, tanto num grupo como em “psicodrama a dois”. A clarificação,
a libertação catártica e a devolução de padrões “congelados” no corpo-emoções-mente
é possível a partir da utilização de técnicas de psicodrama,tais como treino de papel,
troca de papel, solilóquio, espelho,etc.
Frequentemente a “reparação” de lealdades invisíveis que estão a ser prejudiciais ao
individuo vem através do diálogo com o parente identificado e com um ritual simbólico
de “devolver” o peso a quem realmente pertence.
O Psicodrama abre portas para o fecho das “situações inacabadas”, como por exemplo
dizendo adeus ou fazendo o luto pela perda de um antepassado e/ou pelo treino de
novos e mais autênticos papeis sociais.
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Caso Clínico C. – Exemplo de uma pequena terapia transgeracional

1ª Sessão:

C., uma jovem mulher, magra, de 19 anos que acabou de terminar o 12º Ano.
Apresenta sintomas de depressão ligeira, com dificuldades de longo-prazo para tomar
decisões (por exemplo, relativamente á escolha da Universidade e ao curso a
escolher), alguns traços moderados obssessivos-compulsivos (perfeccionismo e rituais
compulsivos), dificuldade em estabelecer relacionamentos amorosos com homens, um
relacionamento fusional com uma mãe ansiosa e depressiva, grande tristeza e
desapontamento por não ter mantido contacto com o pai (passava 1 ano desde que
tivera o último contacto entre eles, para além de que não recebe qualquer apoio
financeiro do pai).
A técnica usada nesta sessão foi uma entrevista com a construção de um
Genosociograma (ver imagem 2). Como resultado tanto a paciente como o terapeuta
ficaram mais conscientes do seguinte:
 Aos 9 anos a C. passou a ser filha de pais divorciados, e a mãe de C. sentiu-se
rejeitada e abandonada pelo pai de C.;
 C. e a mãe estabeleceram um relacionamento crescente e fusional;
 O mesmo padrão fusional existiu entre a sua mãe e avó, e também uma relação
muito conflituosa entre avós.
 De uma maneira similar a sua mãe tinha a percepção do avô como um pai
distante e persecutório.
 A avó materna perdera a sua própria mãe muito jovem, e pouco tempo depois
também o seu pai, mas C. afirma inicialmente desconhecer as causas da sua morte
(no entanto mostra algumas tensões não verbais quando fala destas mortes
prematuras);
 As familias do seu pai e mãe mostram claramente valores e vocações diferentes
e ela mostra-se identificada com ambos os lados. Lealdades invisíveis parecem ocorrer
tanto em relação ao pai (ex: os mesmo rituais compulsivos) e com a avó mencionada
acima (ex. traços físicos e psicológicos similares).

2ª Sessão
C. veio com a mãe á sessão e a terapeuta convidou a mãe para se juntar á sessão com
C. A terápeuta perguntou-lhe qual a sua percepção de C. e da história familiar.

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A mãe queixou-se da distância do ex-marido e do seu comportamento negligente em
relação a C., mostrando um grande envolvimento emocional e sentimento de rejeição
por ele após 10 anos de separação. Ela diz que irá ter uma cirurgia ao coração
brevemente e mostra sinais evidentes de depressão. Acerca da história familiar a mãe
revela um segredo de família, nunca antes contado a C.: a bisavó de C. – mãe da avó
materna – cometeu suicidio aos 37 anos quando estava grávida do seu 3º filho e
quando descobriu que o seu marido tinha outra mulher (“quebra-coração” amoroso). Foi
também, com uma idade próxima, 38 anos que a mãe de C. se divorciou e deprimiu
(“coração-partido”). A mãe também revelou que a sua mãe teve de brigar com o seu pai
quando estava grávida dela própria porque ele queria que ela interompesse a gravidez
do seu 3º filho, o mesmo que tinha acontecido com a sua avó….
A mãe sempre sentiu o seu próprio pai como distante e também persecutória em
relação a ela e também desenvolveu uma relação tensa embora fusional com a sua
própria mãe.
As técnicas usadas nesta sessão foram: completar o genosociograma, o átomo familiar
com objectos em miniatura, tanto para a mãe como para a filha. Como resultado, tanto
a mãe como a filha ficaram mais conscientes dos padrões familiares repetitivos de
rejeição e desconfiança em relação aos homens e as feridas de amor envolvidas,
associadas à depressão.
Também foi revelado o padrão em que a mãe se torna fusional com a filha, numa
espécie de aliança contra o pai (padrão repetido nas 3 gerações estudadas)
Ficou claro que a C. e a sua mãe tem lealdades invisíveis em relação a ambas as
famílias da mãe e do pai e também perceberam que o conflito e as diferenças
percepcionadas criaram conflitos internos que eventualmetne levaram ás dificuldades
na tomada de decisões.

3ª Sessão
C. veio com o seu pai, que revelou que também se sentia muito triste por estar afastado
da filha e deseja uma aproximação. Ele argumenta extensivamente porquê é que ele se
sentiu afastado pela sua ex-mulher e pela filha.
As técnicas usadas nesta sessão foram dialógo e átomo familiar pelo pai. Como
resultado deste encontro entre pai e filha, eles decidiram encontar-se mais e o pai
comprometeu-se a apoiar C. financeiramente.

4ªa Sessão
C. sentiu-se muito melhor de todos os sintomas relacionados coma primeira sessão. Ela até já
tinha decidido os seus estudos universitários, e parecia muito feliz por estar mais próxima do
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seu pai e da sua nova meia irmã. A sua mãe já não vai ser operada ao coração (!) e estava a
sentir-se muito melhor. Isto faz com que C. Se sinta menos preocupada e menos fusional com
a sua mãe.

Como recursos técnicos, usámos Psicodrama bipessoal entre C. e a sua avó e também com o
o seu pai para libertar as evidências de lealdades invisíveis disfuncionais.
Os resultados foram que que C. tornou-se mais consciente destas lealdades inisiveis e foi
capaz de se libertar de alguns padrões tais como os rituais compulsivos (do pai) e a
desconfiança acerca dos homens/pai (da parte das antepassadas da mãe).

Sessão de Follow-Up
Dois meses após, C. apareceu mais confiante acerca de um novo namorado. Ela falava dos
seus estudos em desenho gráfico, e relatou que vê o pai mais frequentemente, e mantêm um
relacionamento mais harmonioso. A mãe já não está deprimida e tem um namorado. Ela
também revelou que finalmente a sua mãe reconheceu que o seu próprio pai mostrou alguns
sinais de afecto mas que ela não os queria aceitar e que ela própria acabou por afastar o
próprio marido, de facto tal como a sua irmã (divorciada 2 vezes), ambas sendo influenciadas
pelo mesmo evento traumático com a sua avó.

Image 2 - Relevant extract of the Genosociogram

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Conclusões

Os resultados ilustrados acima pelo caso clínico apresentado é apenas um exemplo


representativo dos resultados de 20 anos de experiência clínica usando terapia
transgeracional. Os resultados da psicoterapia transgeracional são frequentemente
muito impressionantes porque as pessoas passam a estar conscientes deste padrões
que têm estado a ser repetidos na família, uma geração após a outra, e entendem que
eles próprio já não têm de repetir parara honrar e ser leais aos seus amados e
traumatizados antepassados. Sugere um Stress Pós-Traumático que é transmitido
tanto filogenética como ontogeneticamente, com multiplos factores a ter em conta pelas
teoria mencionadas neste artigo, que tendem a reforçar os hábitos adquiridos do
sistema familiar.

Não é inevitável aceitar-se este fado sobre nós e que nós tenhamos que ser
perseguidos e controlados pelos “fantasmas” das gerações precedentes. Quando uma
“lealdade invisível” está a condicionar a nossa liberdade e a acorrentar-nos, é
necessário torna-la visível e parar indesejáveis, infelizes, pouco saudáveis – mortais ás
vezes – repetições de traumas, mortes ou doenças.

“Recuperando a história familiar através de conversas com familiares e fazendo


pesquisa para descobrir as histórias abertas e escodidas, poderão ajudar uma pessoa
a tornar-se mais madura, a libertar-se, a ser, a pensar, a avaliar ou reavaliar, a escolher
e a tornar-se a sua própria pessoa – lembrando-se do passado, mas livre de escolher o
seu próprio futuro (Schutzenberger,2007).

Através do psicodrama, do átomo familiar e do genosociograma temos poderosas


ferramentas para decifrar e transformar esta outrora rede invisível de fenómenos, de
libertar alguns “enredos” e a reforçar os recursos dos nossos pacientes.

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