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Como se sabe, a lei, a doutrina e a jurisprudência assentaram o entendimento

de que a habilitação consubstancia-se na fase em que se analisa a aptidão dos


licitantes – isto é, a fase onde se apuram as qualificações subjetivas dos
licitantes necessárias à participação.
 
Considerando-se a finalidade à que se propõe – examinar a suficiência ou
insuficiência das condições subjetivas do licitante (e não os diversos graus de
suficiência) – a lógica impõe que as decisões sobre a habilitação pendam,
exclusivamente, entre o sim ou o não, inadmitindo-se gradações de quaisquer
ordens.[1]
 
Neste contexto, e apesar do tema ter merecido cuidadosa disciplina na Lei
8.666/93, a matéria é permeada por inúmeros questionamentos, ora dizendo
eles com a fase interna; ora com a fase externa do processamento do certame
 
O estudo in voga tem a pretensão de analisar muito brevemente as exigências
habilitatórias oponíveis às pessoas físicas.
 
Embora não se trate de tema deveras complexo, dúvidas têm sido levantadas,
por aplicadores mais atentos, sobre a relação de documentos habilitatórios
exigíveis das pessoas físicas. Afinal, deveria impor-se a elas as mesmas
exigências prescritas às pessoas jurídicas?
 
Desde logo, a resposta negativa se impõe. Admitir interpretação em sentido
diverso, seria o mesmo que preordenar o procedimento licitatório à
malversação da isonomia, ora por inviabilizar, em absoluto, a participação de
pessoas físicas; ora por legitimar deflagração certames exclusivos para
pessoas físicas.
 
Por isto, não se pode conceber que as dissimilitudes havidas entre os
documentos habilitatórios a serem exigidos, criasse restrições incompatíveis
com a livre participação de interessados, sejam eles pessoas físicas ou
jurídicas.
 
Infelizmente o legislador ordinário não teve o cuidado de, expressamente,
indicar os documentos exigíveis apenas de pessoas físicas. Limitou-se apenas
a fazer risível menção a três deles: à cédula de identidade (inc. I, do art. 28), à
prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (inc. I, do art. 29) e
Certidão negativa de execução patrimonial (inc. II, do art. 31, in fine).
 
Não se sabe ao certo, quais motivos levaram o legislador a adotar essa
postura. Elucubra-se que o tenha feito, por entender que um raciocínio primário
pudesse, de plano, isentar as pessoas físicas do cumprimento de todas as
exigências que sejam incompatíveis com a sua natureza jurídica. Ora, não
seria razoável supor que para participar de prélios públicos as pessoas físicas
devessem produzir documentos juridicamente inexistentes para si.
 
Por isto, a concreta verificação da compatibilidade entre os requisitos jurídicos,
fiscais, técnicos ou econômico-financeiros exigíveis desta particular categoria
de licitantes deve pautar-se na razoabilidade. Por razoável deve-se entender
tudo aquilo que não se apresente como irracional, absurdo, incongruente,
logicamente desconectado da realidade e de sua finalidade.
 
Não é por razões distintas destas que o Tribunal de Contas da União (TCU)
entendeu não ser exigível dos produtores rurais (pessoas físicas), balanço
patrimonial e demonstração de índices contábeis, observe-se:
Voto
(...)
5. Com relação à habilitação econômico-financeira prevista no item 9.1.3.1
do edital, a Ceagesp foi questionada sobre o tratamento a ser dispensado
aos produtores rurais pessoas jurídicas e àqueles que, cumulativamente,
tenham participação em outra pessoa jurídica nas atividades de
comercialização de frutas, legumes ou verduras (item 9.1.4.1 do edital).
Foi ainda indagado se os produtores rurais pessoas físicas não deveriam
comprovar sua capacidade financeira, ainda que de forma simplificada.
6. Acolho as ponderações da Secex/SP, no sentido de que não se justifica a
aplicação, à espécie, das regras de simplificação e favorecimento aplicadas às
microempresas e empresas de pequeno porte da Lei Complementar 123/2006,
porquanto as prerrogativas de tratamento favorecido para comprovação de
regularidade fiscal por parte dessas empresas não se estendem à qualificação
econômico-financeira, muito menos no sentido de isentá-las dessa exigência.
7. No que diz respeito à necessidade de comprovação de solvência dos
produtores rurais pessoas físicas, o edital, no item 9.1.3.1, faz essa
exigência somente em relação às pessoas jurídicas, requerendo o
fornecimento dos índices de liquidez geral, solvência geral e liquidez corrente
acima de 1 (uma unidade), e caso contrário (valor menor do que 1), patrimônio
líquido correspondente a 10% do valor da contratação.
8. Perfilho o posicionamento da Secex/SP, ao considerar dispensáveis a
exigência de patrimônio líquido mínimo (alínea “b” do item 9.1.3.1 do edital),
vez que o próprio edital (item 14) condiciona a celebração do contrato ao prévio
pagamento de outorga equivalente a 20% do valor do contrato, que por sua vez
corresponde a duas vezes o patrimônio líquido exigido, que é de 10% do valor
do contrato. Como consequência, considerado dispensável igualmente a
exigência de índices de liquidez e solvência (alínea “a” do item 9.1.3.1 do
edital), pois quaisquer que sejam eles, o edital admite a habilitação do licitante,
na, no caso de atingimento do PL mínimo:
9.1.3.1. A capacidade financeira do licitante, salvo se for produtor
rural, com vistas aos compromissos que terá que assumir caso lhe seja
adjudicado o objeto do certame será apurada da seguinte forma:
a) Através da análise do balanço patrimonial e demonstrações contábeis,
referentes ao último exercício social, já exigíveis e apresentáveis na forma da
lei, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo
ser atualizados por índices oficiais quando encerrados há mais de 3 (três)
meses da data de apresentação da proposta, comprovando índices de Liquidez
Geral - LG, Liquidez Corrente - LC e Solvência Geral - SG, iguais ou superiores
a 1 (um) , resultante da aplicação da seguinte fórmula: (...)
b) Caso a licitante apresente resultado inferior a 1 (um) em qualquer dos
índices de LG, LC e SG, deverá comprovar patrimônio líquido de 10% do valor
global da contratação[2] (sem grifos no original).

 
Neste contexto, é desarrazoado inviabilizar a participação de pessoas físicas
apenas porque estas não podem elaborar o balanço patrimonial por exemplo,
mas é razoável delas exigir a apresentação de atestados de capacidade
técnica.
 
A partir da premissa é possível estabelecer, in abstracto, quais documentos
habilitatórios seriam exigíveis de pessoas físicas, observe-se:
 
 
Ressalte-se, em linhas finais, que não se trata aqui de mitigar exigências em
favor das pessoas físicas em flagrante violação ao princípio da isonomia, mas
antes e tão somente reconhecer os limites jurídicos, intransponíveis (diga-se),
que circundam a pessoa de direito em espécie, notadamente, no tocante à
produção de certos tipos de documentos.
 

[1]
 SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo de acordo
com as Leis 8.666/93 e 8.883/94. Malheiros: São Paulo, 1994. p. 108.
[2]
 TCU. Acórdão 8.330/17 – Segunda Câmara.

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