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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE ENSINO

DISCIPLINA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: ORGANIZAÇÃO E POLÍTICAS


PÚBLICAS

TRABALHO FINAL

OCTÁVIO AMARAL MACHADO


CURSO DE LICENCIATURA EM MÚSICA

PROF. DR. FERNANDO RIPE

PELOTAS
2023

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Música: uma mediadora para a Inclusão

Introdução

Este trabalho reflete as experiências que foram vivenciadas durante a disciplina de


Estágio I e II em uma turma do Colégio Municipal Pelotense, na cidade de Pelotas – RS. Nesta
ocasião, percebendo muito concretamente a diversidade de identidades dos alunos, com as suas
demandas, conflitos familiares e pessoais, pude constatar que a aula de música pode – e deveria
– ser sempre espaço facilitador para alcançar-se a Inclusão Escolar.

O texto será dividido em duas partes. Na primeira, trarei alguns conceitos sobre o tema
a partir de uma pequena revisão de literatura e, depois, partindo do relato de experiência,
mostrarei de que forma e com quais mecanismos foi possível integrar um aluno em particular,
que chamaremos de X, na sala de aula, visto que, aparentemente, o aluno em questão não
apresentava nenhuma deficiência física ou mental.

O que é a Inclusão?

De acordo com Veiga Neto e Lopes (2011, p. 121), o interesse pelo tema da Inclusão é
recente. Foi a partir da década de novena, atravessando o início do século, que se observou uma
maior intensidade no uso político e educacional do termo Inclusão e se começou a produzir
muito trabalho sobre. Todavia, o termo abarcava tão-somente as necessidades dos deficientes
físicos e/ou mentais quando, na verdade, na Inclusão todos deveriam ser atendidos.

De início, essa palavra designava uma alternativa capaz de


resolver vários problemas educacionais, principalmente os que
envolviam a participação de pessoas com deficiência na escola.
E, na medida em que a escola vem sendo vista, desde há muito,
como uma instituição capaz de contribuir decisivamente para
resolver quase todos os problemas sociais, a inclusão escolar
seria decisiva para a ampliação da participação de todos em
uma sociedade melhor, mais justa, etc. Vários estudos já
abordaram e problematizaram esse tipo de raciocínio
reducionista e primário (Veiga Neto e Lopes 2011, p. 121).

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A Inclusão Escolar seria, em última análise, um meio para alcançarmos uma sociedade
mais inclusiva e, por isso, democrática. Desta forma, a criança, desde os anos iniciais, veria
com naturalidade as diferenças e a aceitação do que foge do padrão seria parte de sua vivência.

Devemos também considerar que ‘’nos últimos anos, os princípios ligados à educação
inclusiva assumiram, como consequência da sua incorporação em diferentes documentos
internacionais, proporções hegemônicas na educação’’ (Florian, 1998 apud Freire p. 5)’’. E,
por isso, dado à novidade da discussão, muitos professores, principalmente os que atuam há
anos no magistério, não se mostram sensíveis às necessidades individuais de seus alunos,
tratando-os como produtos, qualificando-os e subjugando-os à sua maneira quando não
considerando-os como um grupo sem individualismos. Um exemplo claro desta postura
encontramos em certas colocações que compartilham, mais ou menos, deste teor: ‘’esse aluno
aí não tem jeito’’, ‘’já rodou muitas vezes comigo’’, ‘’é impossível’’, ‘’é a pior turma da
escola’’, etc. Não percebem, porém, que, talvez, a raiz dos problemas de disciplina, por
exemplo, que, não vamos negar, existem, podem estar atrelados justamente à falta de iniciativas
inclusivas que, em suma, não significa ‘’aceitar a todos’’ numa sala de aula e ‘’problema
resolvido’’. Iniciativas forçadas como estas, de diferenciação a partir do professor para o aluno,
ao contrário do que se pensa, mais colabora para a exclusão. A diferenciação parte do aluno ao
aprender. Daí, o ensino se dará naturalmente, sem ‘’sobrecarregar inutilmente o professor (para
produzir atividades e acompanhar grupos diferentes de alunos) e alguns alunos (para que
consigam se “igualar” aos colegas de turma). (Montoan, 2003, p. 39)

É necessário entender que existem diferenças naturais tais como grupos, ‘’tribos’’ e
trata-los sem juízos de valor e pré-conceitos pois de acordo com Sofia Freire (2008, p. 5):

A inclusão é um movimento educacional, mas também social e político


que vem defender o direito de todos os indivíduos participarem, de uma
forma consciente e responsável, na sociedade de que fazem parte, e de
serem aceites e respeitados naquilo que os diferencia dos outros. No
contexto educacional, vem, também, defender o direito de todos os
alunos desenvolverem e concretizarem as suas potencialidades, bem
como de apropriarem as competências que lhes permitam exercer o seu
direito de cidadania, através de uma educação de qualidade, que foi
talhada tendo em conta as suas necessidades, interesses e
características.

Em suma, é na diversidade que o trabalho do docente pode enriquecer o ambiente


escolar, sem forçar uma inclusão forjada ou distante da própria realidade discente.

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A aula de Música como um meio para a Inclusão

Na turma em questão, o aluno ‘’deslocado’’ teria sido transferido de uma sala para a
outra por problemas de disciplina. O mais curioso, no entanto, era a sua postura no novo
ambiente. Sempre muito reservado, calado e até mesmo assustadoramente aborrecido com a
aula. Nas primeiras tentativas de encaixá-lo percebi que os colegas não entendiam o motivo de
sua presença ali, sendo que há alguns anos já haviam ‘’formatado’’ a sala de aula da maneira
anterior à chegada do novo colega indesejado. Nestes momentos, talvez, minha postura tenha
sido a de ‘’forçar uma inclusão’’ sem deixar que ela acontecesse naturalmente porque, por
exemplo, quando sugeria que fizessem dupla, ninguém a queria fazer com o ‘’estranho’’;
quando pedia que todos se levantassem para participar de uma atividade em conjunto, X não se
apresentava disposto, sempre acabrunhado. Com isso, como quase sempre, fui tomado de
curiosidade. Por quê aquele aluno não participa? Seria ele ‘’preguiçoso’’, ‘’mal-educado’’,
‘’desinteressado’’?

Mais tarde, conversando com o professor titular, percebi que o ‘’erro’’ estava justamente
na mudança de turma. A postura do aluno X era totalmente o oposto na turma ao lado,
anteriormente, onde também seu irmão estava. Era comunicativo, participativo e, disseram-me,
até mesmo ‘’incomodativo’’. O erro teria sido este ou os professores não estavam sabendo lidar
com o problema da exclusão dos colegas em relação ao novo ‘’estranho’’?

Fui me aproximando, aos poucos. Comecei a travar uma relação mais amigável e
‘’puxando assunto’’ despretensiosamente. Depois de um tempo, X já estava bem mais
interessado nos conteúdos musicais e trazia suas experiências para a turma. Era filho de músico
e tinha uma grande sensibilidade artística. Penso que se não fosse esta aproximação, jamais
teria aproveitado de suas habilidades.

Depois de um tempo, bem mais à vontade, pela aproximação que se travou entre
professor-aluno, X já participava. Perguntava, trazia comentários para as aulas e até se
comunicava com os colegas. Ademais, na prática musical em conjunto, quando todos os alunos,
em círculo, harmonizavam as diferentes partes de uma mesma música, responsabilizando-se
uns pelos outros. O aluno X se sentia valorizado por ser altamente musical.

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Teresa Mateiro em seu Pedagogias da Educação Musical, comentando um importante
e atual pedagogo trás uma colaboração muito pertinente para o envolvimento natural que a
música pode suscitar no aluno.

Wuytack (2005), sua pedagogia musical e a sua perspectiva de ensinar


música podem ser resumidas através do seguinte pensamento milenar
chinês: “Diz-me, eu esqueço; mostra- -me, eu recordo; envolve-me, eu
compreendo”. Assim, o aluno adquire uma compreensão musical mais
profunda quando está totalmente envolvido com a atividade musical da
qual está participando, o que implica também uma compreensão
intelectual dessa atividade. Dando sentido às expressões diz-me,
mostra-me envolve-me do pensamento citado, o aluno primeiro ouve e
observa para, depois, executar. Assim, no que tange a proposição de
uma determinada atividade, o professor deve apresentá-la verbalmente,
passando para a sua demonstração e, finalmente, para o envolvimento
prático e ativo de todos os alunos participantes. Essa maneira de ensinar
revela um significativo interesse cognitivo na prática pedagógica do
professor, pois desenvolve nos alunos uma elevada concentração e a
consciência da atividade que realizarão posteriormente, o que leva a
uma aprendizagem mais eficiente. (apud Mateiro, 2011, p. 315)

Considerações Finais

A experiência no Colégio Municipal Pelotense demonstrou que a disciplina de História


da Música pode ser um meio de Inclusão. Foi o que sucedeu com o aluno em questão, aqui
servindo de exemplo, mas que envolveu toda a turma. Recordo-me que nas primeiras aulas,
ainda com a barreira do estranhamento natural, os alunos resistiam um pouco. É justo, dado às
circunstâncias. Uma aula de música através da música pede, necessariamente, a exposição. É
preciso cantar, pular, expressar-se corporalmente e realizar as atividades era, a princípio, um
afrontamento duplo: ao sistema anterior e à personalidade individual. Um afrontamento ao
sistema porque estavam acostumar à uma aula de ‘’copia e cola’’, sem sentido, e à
personalidade porque deixavam de lado todos os ‘’dispositivos’’ de segurança do ser-humano.
Enfim, foi um momento muito enriquecedor e pretendo retornar logo à sala de aula para
colaborar para um mundo mais inclusivo e musical.

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Referências

VEIGA-NETO, A; LOPES, M. Inclusão, exclusão, in/exclusão. verve, 20: 121-135, 2011.


Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/verve/article/view/14886/11118

FREIRE, S. Um olhar sobre a Inclusão. Revista da Educação, Vol. XVI, nº 1, 2008

MATEIRO, T.; ILARI, B. (Org.). Pedagogias em educação musical. Curitiba: Ibpex, 2011.

MONTOAN, M. T. Inclusão escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo. Moderna,
2003

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