Análise de “Meu bom juiz” - música de Bezerra da Silva

composta por Beto Sem Braço e Serginho Meriti – Leonardo

Silva Rocha (Universidade Federal de São Paulo)
A letra “Meu bom juiz” tem como cena enunciativa o julgamento de um homem e a
interpelação do eu lírico a um juiz, antes que este último (o doutor) dê o veredicto. A
voz poética se coloca como defensora e advoga a favor deste homem diante do
tribunal. As palavras juiz, martelo, sentença e senhor marcam o contexto de uma
sessão jurídica.

A defesa do homem se dá na ênfase de que ele é alguém importante para a

comunidade em que vive e apesar de ser acusado, age em prol do povo e tem apreço
dos moradores de onde vive. Durante a oratória do defensor, nota-se que a persuasão
ocorre buscando emocionar quem é responsável pelo ato de julgar. Nisso,
compreende--se que um defensor iletrado e vindo do morro só poderia usar o apelo
emocional para convencer alguém que pertence ao âmbito de letrados do código
penal, o que está bem ilustrado no refrão da letra.

No entanto, mesmo advindo das camadas sociais que não tem o domínio dos usos
formais da linguagem jurídica, percebe-se a adaptação da linguagem dita informal à
esfera que exige uso de maior formalidade por parte do enunciador. Ou seja, a fala do
defensor se adequa ao contexto de enunciação em que ocorre e preserva o tom de
formalidade. Observa-se isso nas expressões “meu bom juiz’’, “em prol”, “muito legal”
(duplo sentido de legalidade e algo bom) etc.

Concluindo, vê-se que, no texto, o enunciador se apresenta como um advogado, um

clamor coletivo (o povo) que parte em defesa de um homem perante a lei republicana
e burguesa que não conhece as leis e a realidade do morro. Como bem demonstram
os versos “Meu bom Doutor, o morro é pobre e a pobreza / Não é vista com franqueza
/ Nos olhos desse pessoal intelectual”.

O samba se personifica e se torna a voz que denuncia os problemas do povo pobre do

Morro do Juramento que necessita de um líder que faz o que o Estado não cumpre.
Assim, o samba (o lamento do povo do Morro do Juramento) também conscientiza
aqueles que vivem nas camadas prestigiadas da sociedade e desconhecem a
desigualdade do próprio lugar onde vivem.