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Carta para Migalhas

São Paulo, 24 de fevereiro de 2017

Senhor Diretor:
I. Atraído pela excelência do debate suscitado por dúvida de um
leitor de Migalhas — a forma correta qual seria: “Subsume ou Subsome?”
—, cuja resposta saiu à luz em 2.2.2017, na página virtual
Gramaticalhas, sob os auspícios de José Maria da Costa, insigne jurista e
mestre em linguagem, peço vênia para, terceiro de boa-fé e
interessado, aduzir breves razões acerca do ponto controverso.
Faço-o também num como preito de gratidão e homenagem
àquele benemérito cultor e paladino das boas letras, com quem
contraímos (os que lidamos na esfera judicial) dívida insolúvel, bem
que imprescritível.
A substância da questão que pareceu inquietar o espírito do
aplicado consulente era se, de par com subsume, tinha foros de cidade
na língua portuguesa o emprego de “subsome”, como forma verbal de
subsumir, na terceira pessoa do singular do presente do indicativo.
A lição do abalizado Professor — que se ocupara já do tema em
sua prestantíssima obra Manual de Redação Profissional (3a. ed., p. 1151;
Millennium Editora) — desatou pontualmente a dúvida. Advertiu,
contudo, que, no tocante à conjugação do verbo subsumir, não se
encontravam “grandes subsídios”.
Não há que dizer contra a exação deste asserto: com efeito, salvo
engano (de que me dou pressa a pedir escusas), nenhum gramático,
lexicógrafo ou filólogo de inconcussa nomeada ainda tratara “ex
professo”, entre nós, a flexão do aludido verbo.
A tese, que pretende justificar a forma “subsome” por semelhança
com o verbo sumir (que faz some na 3a. pessoa do singular do presente
do indicativo), carece, ao parecer, de bom fundamento nos padrões da
vernaculidade.
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Deveras, dificilmente alguém, mesmo após ter percorrido de


espaço a literatura jurídica, terá acertado com um só lugar onde a
forma vicária “subsome” aparecesse na acepção em que o estilo do foro
emprega o verbo subsumir: “enquadrar um fato na lei, gênero ou espécie” (cf.
Leib Soibelman, A Enciclopédia do Advogado, 3a. ed., p. 337). É a forma
subsume a que tem aí voga desembaraçada e prevalente. Haja vista os
exemplos seguintes:

1. “Por ser típico é que o fato pode produzir efeitos jurídico-penais.


Pois não há pena sem o antecedente da descrição legal em que se
subsume a conduta humana” (José Frederico Marques, Curso
de Direito Penal, 1956, vol. II, p. 47; Edição Saraiva; São
Paulo).
2. “Portanto, por exemplo, a subtração de coisa com a simples
intenção de usá-la (furto de uso) é fato irrelevante para a nossa
legislação penal, pois não se subsume à norma penal incrimindora
do art. 155” (Damásio E. de Jesus, Codigo Penal Anotado, 18a.
ed., p. 33; Editora Saraiva; São Paulo).
3. “A adequação típica imediata ocorre quando o fato se subsume
imediatamente no modelo legal, sem a necessidade da concorrência
de qualquer outra norma (…)” (Cezar Roberto Bitencourt,
Tratado de Direito Penal, 10a. ed., vol. I, p. 324; Editora
Saraiva; São Paulo).

II. O argumento, impressionável ao primeiro aspecto, de que


subsumir devia conjugar-se pelo paradigma sumir (de que é composto)
não se mostra atendível, “data venia”. É que nem todas as formas
cognatas seguem à risca seu modelo de conjugação. Algumas caem
sob a regra geral: consumir é composto de sumir, que lhe serve de
modelo; o que também ocorre com os verbos construir e instruir, que
derivam do mesmo radical latino (“struere”); têm, por isso, idêntica
desinência nos tempos e modos verbais: constrói, constroem; destrói,
destroem. Outras, no entanto, constituem exceção: instrui (que provém
da mesma raiz latina (“in + struere”) discrepa daqueles cognatos na
forma verbal da 3a. pessoa (instrui e não “instrói”). Subsumir está nesse
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caso: embora derivado de sumir, dele se afasta na conjugação das


terceiras pessoas do presente: subsume(m).
É no falar comum que está a gênese desse fenômeno linguístico;
ou, por melhor dizer, no uso, “que é o árbitro, o senhor e o regulador único do
falar” (José de Sá Nunes, Aprendei a Língua Nacional, vol. II, p. 124).
Eis por que a ninguém lembra dizer “presome” (em vez de
presume), ou “assome” (por assume), ao empregar a 3a. pessoa dos verbos
presumir e assumir, conquanto fale e escreva consome (3a. pessoa do
presente de consumir) e tenham esses verbos uma só e a mesma origem:
“con + sumere”, “prae + sumere” e “ad + sumere”).

III. À luz da tradicional fraseologia jurídica, da prática reiterada do


foro e da lição de acatados modelos do bom dizer, é preferível pois a
forma verbal subsume — que é moeda boa e corrente — à outra
(“subsome”), inusitada, desnecessária e de ressaibo clandestino.
Em suma, para exprimir a ideia de adequação do fato concreto
ao paradigma legal, não andará mal-avisado aquele que falar e
escrever: que se subsume ao tipo legal.
Para aferir a tipicidade da imputação, recorrem os mais dos
penalistas à vasta sinonímia de verbos: Subsumir-se a (ou em), aceder a,
adaptar-se a, adequar-se a(*), afeiçoar-se a, amoldar-se a, coadunar-se com,
conformar-se a (ou com), compadecer-se com, corresponder a, frisar com,
enquadrar-se em, responder a, etc.
Por não dilatar sobremodo este artiguelho, aqui faço ponto,
prezado e ilustre Diretor de Migalhas. Saúdo-o com todas as veras e
agradeço-lhe a generosa acolhida em seu portal de informação e
cultura. Congratulo-me também com os milhares de leitores que se
honram de frequentar essa prestigiosa fonte de saber e comunicação.
Cordialmente,
Carlos Biasotti
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(*) Sobre a exão do verbo adequar vem a propósito o magistério de


Arnaldo Niskier: “O verbo adequar é defectivo, só possui as formas
arrizotônicas, isto é, aquelas cujo acento tônico não recai sobre a raiz do
verbo. Portanto, não existe adequo, adequas, etc.; utilize nesses casos o
verbo adaptar ou ajustar” (Questões Práticas da Língua Portuguesa,
1992, p. 75; Consultor; Rio de Janeiro).

Carlos Biasotti
Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

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