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Revista Exame
Indicadores grandiosos cercam a operação da Avon, a maior empresa de cosméticos do
país. Sua força de vendas -- a mais numerosa do mercado brasileiro no porta-a-porta e
também entre os 143 países onde a multinacional americana atua -- conta com 800 000
revendedoras. A cada 19 dias, esse exército feminino, levando na bolsa 5 milhões de
novos catálogos, aborda 21 milhões de consumidoras. Para satisfazer o rentável pecado
da vaidade, a Avon oferece 2 500 produtos que vão dos tradicionais cosméticos a
roupas, sapatos, utensílios domésticos e outros artigos fabricados por terceiros. No ano
passado, a empresa vendeu 500 milhões de itens, uma quantidade só superada pela
matriz.
A Avon recebe uma média diária de 50 000 pedidos de revendedoras. Desse total,
76,6% foram atendidos com o padrão de excelência em 2002. O índice vem crescendo
ano a ano (veja quadro) e é considerado bom. "Para empresas que atendem o varejo,
trabalhar com percentuais de até 98% é comum", diz Gilberto Sarian, diretor de
logística da consultoria paulista Integration. "Mas essas corporações não lidam com 800
000 clientes." A Natura, a maior concorrente da Avon na venda direta, possui 300 000
revendedoras. Outras empresas de cosméticos, como a LOréal e a Nivea, distribuem os
produtos apenas no varejo. Além disso, todas trabalham com diversidade menor. (A
Natura, por exemplo, mantém uma média de 500 produtos em catálogo.) "Quanto maior
a variedade de linhas e o número de clientes, mais complexo é o desafio de alcançar a
excelência no serviço", diz Dario Gaspar, diretor da consultoria de gestão A.T. Kearney.
O RELÓGIO E A CALCULADORA
Como não cogita reduzir o quadro de revendedoras nem enxugar a linha de produtos,
fatores tidos como segredo do sucesso do negócio, a Avon montou uma operação de
guerra para brigar pelo pedido perfeito. O movimento começou em 1998, quando a
matriz concluiu que os indicadores que possuía eram insuficientes para medir a
satisfação das revendedoras com o serviço prestado. Até então, a empresa monitorava
apenas a disponibilidade de produtos. "Essa medida continua a ser importante", diz João
Alberto Hansen, diretor de gestão da qualidade e engenharia de produto da Avon. "A
diferença é que deixou de ser a única."
Uma vez definidos os demais fatores que deveriam ser monitorados, como atrasos na
entrega, produtos danificados e qualidade de arrumação das caixas, cada subsidiária
ficou livre para traçar sua estratégia para chegar ao pedido perfeito. Foi então que os
executivos da operação brasileira, na época sob o comando do nicaragüense
naturalizado brasileiro Amílcar Meléndez, atual responsável pela América Latina,
decidiram criar times encarregados da melhoria de cada variável. Para que a idéia
funcionasse, era preciso conseguir o comprometimento dos 4 000 funcionários da
empresa.
O passo inicial foi vincular a conquista do índice determinado pela matriz à bonificação
anual variável, implantada na Avon para todos os funcionários. Outro foi tentar fazer
com que eles sentissem na pele a frustração de uma revendedora ao receber um pedido
imperfeito. Para sensibilizá-los, os executivos recorreram a um truque: prometeram ao
pessoal que todos ganhariam um relógio da empresa. Os chefes foram instruídos a criar
durante alguns dias uma atmosfera de expectativa em torno do presente. Finalmente
uma caixa foi depositada sobre a mesa de cada funcionário. Mas dentro dela, no lugar
do relógio, havia uma calculadora. "Nada de errado com a calculadora", diz Hansen.
"Mas não era aquilo que eles estavam esperando."
MOTORISTA GENTIL
Uma das primeiras medidas tomadas pela Avon para diminuir a incidência de
problemas foi modificar o formulário de pedidos utilizado pelas revendedoras. O
formulário antigo, usado até 1999, tinha 28 páginas, 14 delas tomadas por códigos dos
produtos. A regra era escarafunchar até localizar os artigos desejados e marcar com
números e traços as quantidades. "Precisava ser um doutor para preencher aquilo sem
errar", diz Eduardo Fernandes, diretor de treinamento e projeto de vendas da Avon. Na
hora do processamento, realizado manualmente com a ajuda de uma caneta óptica, os
equívocos também eram freqüentes. A solução: o formulário foi simplificado e reduzido
para quatro páginas e a leitura passou a ser realizada automaticamente por um scanner.
Parece simples, mas, para que as revendedoras se acostumassem com a mudança, foi
preciso que cada uma das 600 gerentes de setor da Avon gastasse quatro horas
explicando a suas equipes a nova forma de anotar os pedidos. "Quem vende a marca há
30 anos es tranhou a mudança", diz Fernandes. Maria Nair Malvestiti, de 70 anos,
revendedora da Avon há 37, reluta em ver vantagens no novo formulário. "Preferia o
antigo, o dos risquinhos", diz ela. Desde 2000, no entanto, o índice de erros no
processamento de pedidos foi praticamente zerado.
DIA DE EMPACOTADOR
Há ainda outros problemas que prejudicam a meta do pedido perfeito. No centro de
distribuição em Osasco, onde a Avon mantém uma linha manual de separação de
produtos, a média de erros cometidos pelos funcionários foi de 3,6 por mês em
dezembro de 2002. Em agosto de 2000 era de 6,2. A redução foi conquistada à custa de
várias mudanças. Uma delas foi realizada no segundo semestre do ano passado, após a
gravação do trabalho realizado por um separador da linha durante 15 minutos. O vídeo
foi apresentado aos outros 800 separadores e eles mesmos identificaram os principais
defeitos na rotina de trabalho.
Um deles era bater o olho no código do produto a ser separado e ignorar sua descrição.
"Trocar um código é fácil", diz Carlos Eduardo Coimbra, gerente de expedição da
Avon. "Trocar um touca de banho por um vidro de perfume é mais difícil."
Aparentemente, não há mistério em seguir a recomendação. Uma breve visita a uma das
13 linhas de separação do centro de distribuição pode mudar essa idéia. Cada separador
trabalha numa estação com 60 itens de produtos estocados numa prateleira à sua frente.
Embaixo da prateleira circula uma esteira com as caixas que ele deve preencher. O
funcionário tem poucos minutos para apertar um botão, deter a caixa que passa na
esteira, pegar dentro dela a lista de produtos e conferir se pede ou não algum item da sua
estação. A forma como esses produtos são colocados nas caixas é crítica. O custo de
uma embalagem danificada pode variar de 2 a 40 reais.
Márcia, revendedora da Avon há três anos, também notou outra mudança. "Minhas
dores de cabeça com a falta de produtos diminuíram", diz. A disponibilidade de
mercadoria, um dos fatores de maior impacto no pedido perfeito, foi especialmente
atacada. "Abandonamos a idéia de que deixar de entregar um produto é permitido", diz
Hansen. Aumentar os estoques? Seria a solução mais fácil, mas traria custos
intoleráveis. Foi preciso que a fábrica respondesse mais rapidamente às abruptas
oscilações de demanda inerentes ao negócio de venda direta (a cada 19 dias, a Avon
coloca em promoção metade de seu catálogo). Parte dessa agilidade deve ser atribuída
ao kaizen, método de gestão japonês que prega a melhoria contínua dos processos.
Desde janeiro do ano passado, quando o kaizen começou a ser disseminado na empresa,
cerca de 200 funcionários, além de alguns fornecedores, sugeriram melhoria em
processos de produção. O tempo de preparação de algumas máquinas, por exemplo, caiu
em até 60%.
O pedido perfeito também passou a exigir respostas mais rápidas dos 340 fornecedores
da Avon. Em 2001, na campanha de lançamento de um novo creme da linha Renew, a
Wheaton, fabricante de embalagens, precisou importar às pressas mais volumes de um
corante usado para pintar o pote fosco do creme. "Nos dois dias em que aguardamos a
chegada do corante, pintamos o pote com uma cor similar e fizemos várias entregas para
que a produção da Avon não parasse", diz Renato Massara Júnior, presidente da
Wheaton. Outros fornecedores envolvidos na fabricação do creme também tiveram de
se desdobrar. Após 40 dias, quando a campanha de lançamento foi encerrada, a Avon,
que estimara uma venda de 400 000 unidades do produto, havia vendido 1,2 milhão.
"Não houve revendedora que tenha ficado sem um pote", afirma Eneida.
CAUSA E EFEITO
A melhoria do índice de pedidos perfeitos... (em %)
2000 55,5
2001 66,4
2002 76,6
...é uma das razões do aumento da força de vendas da Avon (em número de
revendedoras)
2000 640 000
2001 700 000
2002 800 000
Fonte: empresa
NOS MINIMOS DETALHES
Na busca da qualidade total no serviço, a Avon identificou muitos pontos críticos nos
seus processos de suprimentos, produção e distribuição. Veja alguns dos problemas
encontrados e as soluções já implantadas:
1. PEDIDOS INCORRETOS As revendedoras cometiam erros ao preencher o
formulário de compra, que era extenso e confuso. O processamento desses pedidos na
Avon, feito manualmente com uma caneta óptica, também gerava falhas.O formulário
foi simplificado e reduzido de 28 para 4 páginas. A leitura dos pedidos passou a ser feita
automaticamente por scanner
2. FALTA DE PRODUTO Uma das causas do problema era a demora na preparação
das máquinas das linhas de produção. Com o uso do kaizen, método de gestão japonês
para melhoria contínua dos processos, a Avon reduziu em até 60% o tempo de
preparação de alguns equipamentos. Assim, eles ficaram mais tempo disp oníveis para a
fabricação dos cosméticos
3. VAZAMENTOS Por falta de ajustes corretos nas máquinas de fechamento das
tampas, muitas bisnagas, vidros e potes saíam das fábricas mal vedados. Para minimizar
os vazamentos, a Avon aumentou a freqüência das vistorias nas linhas de produção
4. ERROS NA SEPARAÇÃO E ARRUMAÇÃO DOS PRODUTOS NA CAIXA No
centro de distribuição, os funcionários podem falhar ao selecionar os produtos que
devem compor o pedido. Eles também podem acomodá-los de maneira inadequada nas
caixas e, com isso, danificá-los. Para reduzir o índice de erros, como troca de produtos e
estragos nas embalagens, os funcionários foram treinados de acordo com um novo
processo de separação de produtos
5. ATRASO NA ENTREGA A Avon passou a exigir das empresas que fazem o
transporte de produtos para os centros de distribuição que os caminhões fossem 100%
rastreados. Além disso, os funcionários das transportadoras responsáveis pela entrega às
revendedoras são treinados periodicamente e participam de programas de incentivo