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Atividade proposta por Carla Coscarelli e Daiane Evelyn

e desenvolvida pela equipe do Redigir FALE/UFMG

Totonha
(Material do aluno)

Converse com seus colegas:


1. Você acha importante ser alfabetizado? Por quê?
2. Quem você acha que precisa ser alfabetizado? Todo mundo? Explique.
3. Agora leia o conto “Totonha”, personagem criada pelo escritor Marcelino Freire, tentando
perceber o que ela pensa a respeito disso.
Atividade proposta por Carla Coscarelli e Daiane Evelyn
e desenvolvida pela equipe do Redigir FALE/UFMG

Totonha1
Marcelino Freire

Capim sabe ler? Escrever? Já viu cachorro letrado, científico? Já viu juízo de valor? Em
quê? Não quero aprender, dispenso.
Deixa pra gente que é moço. Gente que tem ainda vontade de doutorar. De falar
bonito. De salvar vida de pobre. O pobre só precisa ser pobre. E mais nada precisa. Deixa
eu, aqui no meu canto. Na boca do fogão é que fico. Tô bem. Já viu fogo ir atrás de sílaba?
O governo me dê o dinheiro da feira. O dente o presidente. E o vale-doce e o vale-
linguiça. Quero ser bem ignorante. Aprender com o vento, tá me entendendo? Demente
como um mosquito. Na bosta ali, da cabrita. Que ninguém respeita mais a bosta do que eu.
A química.
Tem coisa mais bonita? A geografia do rio mesmo seco, mesmo esculhambado? O
risco da poeira? O pó da água? Hein? O que eu vou fazer com essa cartilha? Número?
Só para o prefeito dizer que valeu a pena o esforço? Tem esforço mais esforço que o
meu esforço? Todo dia, há tanto tempo, nesse esquecimento. Acordando com o sol. Tem
melhor bê-á-bá? Assoletrar se a chuva vem? Se não vem?
Morrer, já sei. Comer, também. De vez em quando, ir atrás de preá, caruá. Roer osso
de tatu. Adivinhar quando a coceira é só uma coceira, não uma doença. Tenha santa
paciência!
Será que eu preciso mesmo garranchear meu nome? Desenhar só pra mocinha aí
ficar contente? Dona professora, que valia tem o meu nome numa folha de papel, me diga
honestamente? Coisa mais sem vida é um nome assim, sem gente. Quem está atrás do
nome não conta?
No papel, sou menos ninguém do que aqui, no Vale do Jequitinhonha. Pelo menos
aqui todo mundo me conhece. Grita, apelida. Vem me chamar de Totonha. Quase não mudo
de roupa, quase não mudo de lugar. Sou sempre a mesma pessoa. Que voa.
Para mim, a melhor sabedoria é olhar na cara da pessoa. No focinho de quem for.
Não tenho medo de linguagem superior. Deus que me ensinou. Só quero que me deixem
sozinha. Eu e minha língua, sim, que só passarinho entende, entende?
Não preciso ler, moça. A mocinha que aprenda. O doutor. O presidente é que precisa
saber o que assinou. Eu é que não vou baixar minha cabeça para escrever.
Ah, não vou.

Com base na leitura do texto, responda às seguintes perguntas:

4. De acordo com Totonha, ser alfabetizado é importante para quem?


5. Para ela própria a alfabetização é importante? Por que ela não quer aprender?
6. O fato de ser analfabeta não torna Totonha ignorante. Em alguns momentos, a
personagem mostra justamente o contrário. Encontre algumas passagens e/ou expressões
no texto que comprovem isso.
7. Por que ela diz que “o pobre só precisa ser pobre”? O que ela quer dizer com isso? Você
concorda com ela?
8. Com quem Totonha parece estar falando? Que elementos do texto te levam a pensar
assim?

1
FREIRE, Marcelino. Totonha. In: ___ Contos Negreiros. 9a. ed. Rio de Janeiro: Record, 2015. p.79-81.
Atividade proposta por Carla Coscarelli e Daiane Evelyn
e desenvolvida pela equipe do Redigir FALE/UFMG

9. O que a personagem sugere com os seguintes questionamentos: “O que eu vou fazer com
essa cartilha? Número? Só para o prefeito dizer que valeu a pena o esforço?”?
10. No trecho “Todo dia, há tanto tempo, nesse esquecimento”, a que esquecimento a
personagem se refere?
11. Quando a personagem diz “Tem melhor bê-á-bá?”, a que ‘bê-á-bá’ ela está se referindo?
12. O que Totonha sugere com a seguinte passagem: “Coisa mais sem vida é um nome assim,
sem gente. Quem está atrás do nome não conta? No papel, sou menos ninguém do que
aqui, no Vale do Jequitinhonha.”?
13. No trecho “Para mim, a melhor sabedoria é olhar na cara da pessoa.”, que substantivos
poderiam ser usados para nomear essa sabedoria?
14. O que seria propriamente a ‘linguagem superior’ quando a personagem diz “Não tenho
medo de linguagem superior.”?
15. A expressão “baixar minha cabeça”, nesse texto, é ambígua. Explique os possíveis
sentidos que ela expressa.
16. Totonha representa muitas outras pessoas que vivem os mesmos problemas que ela.
Quem seriam essas pessoas? Ao dar voz a essa personagem, quais parecem ser as
intenções de Marcelino Freire?
17. Será que você conseguiria convencer a Totonha a se interessar pelo mundo alfabetizado?
Faça uma resposta para a Totonha, tentando convencê-la da importância da escrita.
Atividade proposta por Carla Coscarelli e Daiane Evelyn
e desenvolvida pela equipe do Redigir FALE/UFMG

Totonha
(Material do professor)

Objetivos:
● Questionar a noção de alfabetização e a sua importância, a partir do conto “Totonha”, de
Marcelino Freire;
● Refletir acerca de problemas sociais;
● Produzir uma dissertação argumentativa que estabeleça uma interlocução com o conto de Freire.

Converse com seus colegas:


1. Você acha importante ser alfabetizado? Por quê?
2. Quem você acha que precisa ser alfabetizado? Todo mundo? Explique.

Professor, promova uma breve discussão para saber o que os alunos pensam sobre saber ler e
escrever a modalidade escrita da língua. Isso para que, posteriormente, eles verifiquem se as
respostas deles entrarão em conflito com o pensamento da narradora-personagem do conto a ser
trabalhado nesta atividade.

3. Agora leia o conto “Totonha”, personagem criada pelo escritor Marcelino Freire, tentando
perceber o que ela pensa a respeito disso.

Professor, será muito enriquecedor se for possível a reprodução do vídeo em que o próprio autor
faz a leitura de seu conto, disponível neste link: <
http://www.youtube.com/watch?v=WIv1KfwIstQ>. Acesso em 31/07/2017. Caso não haja internet
na sala de aula, você pode salvar o vídeo em casa e levar para a sala ou pode apenas gravar a
voz do autor contando a história de Totonha, já que as imagens do vídeo não são tão importantes
para a compreensão do texto. Outra opção é pedir que os alunos leiam o texto em voz alta,
escolhendo um tom que melhor caracterize a personagem Totonha. Será que ela tem um tom
calmo, complacente ou indignado, contundente?
Atividade proposta por Carla Coscarelli e Daiane Evelyn
e desenvolvida pela equipe do Redigir FALE/UFMG

Totonha2
Marcelino Freire

Capim sabe ler? Escrever? Já viu cachorro letrado, científico? Já viu juízo de valor? Em
quê? Não quero aprender, dispenso.
Deixa pra gente que é moço. Gente que tem ainda vontade de doutorar. De falar
bonito. De salvar vida de pobre. O pobre só precisa ser pobre. E mais nada precisa. Deixa
eu, aqui no meu canto. Na boca do fogão é que fico. Tô bem. Já viu fogo ir atrás de sílaba?
O governo me dê o dinheiro da feira. O dente o presidente. E o vale-doce e o vale-
linguiça. Quero ser bem ignorante. Aprender com o vento, tá me entendendo? Demente
como um mosquito. Na bosta ali, da cabrita. Que ninguém respeita mais a bosta do que eu.
A química.
Tem coisa mais bonita? A geografia do rio mesmo seco, mesmo esculhambado? O
risco da poeira? O pó da água? Hein? O que eu vou fazer com essa cartilha? Número?
Só para o prefeito dizer que valeu a pena o esforço? Tem esforço mais esforço que o
meu esforço? Todo dia, há tanto tempo, nesse esquecimento. Acordando com o sol. Tem
melhor bê-á-bá? Assoletrar se a chuva vem? Se não vem?
Morrer, já sei. Comer, também. De vez em quando, ir atrás de preá, caruá. Roer osso
de tatu. Adivinhar quando a coceira é só uma coceira, não uma doença. Tenha santa
paciência!
Será que eu preciso mesmo garranchear meu nome? Desenhar só pra mocinha aí
ficar contente? Dona professora, que valia tem o meu nome numa folha de papel, me diga
honestamente? Coisa mais sem vida é um nome assim, sem gente. Quem está atrás do
nome não conta?
No papel, sou menos ninguém do que aqui, no Vale do Jequitinhonha. Pelo menos
aqui todo mundo me conhece. Grita, apelida. Vem me chamar de Totonha. Quase não mudo
de roupa, quase não mudo de lugar. Sou sempre a mesma pessoa. Que voa.
Para mim, a melhor sabedoria é olhar na cara da pessoa. No focinho de quem for.
Não tenho medo de linguagem superior. Deus que me ensinou. Só quero que me deixem
sozinha. Eu e minha língua, sim, que só passarinho entende, entende?
Não preciso ler, moça. A mocinha que aprenda. O doutor. O presidente é que precisa
saber o que assinou. Eu é que não vou baixar minha cabeça para escrever.
Ah, não vou.

Com base na leitura do texto, responda às seguintes perguntas:

4. De acordo com Totonha, ser alfabetizado é importante para quem?

Segundo a personagem, são apenas pessoas de outras classes sociais, diferentes da dela, que
precisam ser alfabetizadas. Como ela mesma exemplifica: o doutor, a professora, o presidente.

5. Para ela própria a alfabetização é importante? Por que ela não quer aprender?
2
FREIRE, Marcelino. Totonha. In: ___ Contos Negreiros. 9a. ed. Rio de Janeiro: Record, 2015. p.79-81.
Totonha não dá importância para isso. Pelo contrário, ela reforça o tempo todo que pode viver
2
muito
FREIRE, bem não
Marcelino. sendoIn:alfabetizada.
Totonha. A personagem
___ Contos Negreiros. nãodequer
9a. ed. Rio aprender
Janeiro: Record,porque acha que existem
2015. p.79-81.
coisas na vida dela que são muito mais valiosas do que a leitura da palavra escrita. Saber

2
FREIRE, Marcelino. Totonha. In: ___ Contos Negreiros. 9a. ed. Rio de Janeiro: Record, 2015. p.79-81.
Atividade proposta por Carla Coscarelli e Daiane Evelyn
e desenvolvida pela equipe do Redigir FALE/UFMG

sobreviver nas condições precárias em que vive; saber contornar os percalços da vida e conviver
com as pessoas ao seu redor é o que verdadeiramente importa para ela.

6. O fato de ser analfabeta não torna Totonha ignorante. Em alguns momentos, a


personagem mostra justamente o contrário. Encontre algumas passagens e/ou expressões
no texto que comprovem isso.

O texto sugere que Totonha é analfabeta, no entanto a personagem não se revela como uma
ignorante. Ela tem uma percepção aguçada e poética da realidade que a cerca, mencionando até
mesmo expressões do universo letrado, como se pode ver nos seguintes exemplos:
- “A química.”
- “A geografia do rio mesmo seco...”
- “O risco da poeira?”
- “O pó da água?”
- “Coisa mais sem vida é um nome assim, sem gente.”

7. Por que ela diz que “o pobre só precisa ser pobre”? O que ela quer dizer com isso? Você
concorda com ela?

Porque, segundo ela, o governo fornece o que ela precisa para suprir suas necessidades básicas
de sobrevivência, como podemos verificar na seguinte passagem: “O governo me dê o dinheiro
da feira. O dente o presidente. E o vale-doce e o vale-linguiça.”.

8. Com quem Totonha parece estar falando? Que elementos do texto te levam a pensar
assim?

Totonha está falando com uma professora, como podemos perceber no trecho: “Dona professora,
que valia tem o meu nome numa folha de papel, me diga honestamente?”, em que a personagem
indaga a professora. No entanto, os alunos podem verificar outras possibilidades de
interlocução. Podem falar, por exemplo, que ela está falando consigo mesma, num desabafo. Ou
que ela está falando para quem quiser ouvir.

9. O que a personagem sugere com os seguintes questionamentos: “O que eu vou fazer com
essa cartilha? Número? Só para o prefeito dizer que valeu a pena o esforço?”?

Com essa fala a personagem faz uma crítica ao governo. Aqui, o professor pode fazer também o
seguinte questionamento aos alunos: De que adianta aprender a ler e a escrever, conforme
propõe o governo, se, muitas vezes, a pessoa continua no semianalfabetismo, o que chamamos
hoje de analfabetismo funcional (aquele em que a pessoa sabe ler, mas não entende o que lê)? Ou
ainda uma possível crítica a respeito da intenção de governos em ensinar uma pessoa a ler e a
escrever apenas pelo fato disso possibilitar o voto nas eleições políticas, mesmo que sejam
analfabetas funcionais.

10. No trecho “Todo dia, há tanto tempo, nesse esquecimento”, a que esquecimento a
personagem se refere?

A personagem diz ser do Vale do Jequitinhonha, região do norte de Minas Gerais, como sabemos,
é uma região que obtém pouca atenção das autoridades. Portanto, esse esquecimento é do
Atividade proposta por Carla Coscarelli e Daiane Evelyn
e desenvolvida pela equipe do Redigir FALE/UFMG

governo, pois deixa a desejar a educação, a alimentação, a saúde, ou seja, esquece dos
problemas que essa região enfrenta, principalmente por conta da seca que costuma castigar esse
lugar.

11. Quando a personagem diz “Tem melhor bê-á-bá?”, a que ‘bê-á-bá’ ela está se referindo?

Refere-se ao ‘bê-á-bá’ da vida, ou seja, aprender a enfrentar os problemas e ainda assim


sobreviver diante deles. Como a própria personagem exemplifica, é saber se a chuva vem, se não
vem, se o filho está doente ou não, enfim, esse ‘bê-á-bá’ a que ela se refere é o de saber ler a vida
cotidiana, o que para ela é muito mais importante que saber ler a palavra escrita.

12. O que Totonha sugere com a seguinte passagem: “Coisa mais sem vida é um nome assim,
sem gente. Quem está atrás do nome não conta? No papel, sou menos ninguém do que
aqui, no Vale do Jequitinhonha.”?

Ela demonstra que não é ser alfabetizada que vai torná-la uma pessoa de verdade. Segundo ela,
personalidade, sabedoria, caráter vão muito além de uma assinatura. Lá no Vale do
Jequitinhonha, por exemplo, ela não precisa de nada disso para ser reconhecida. “Nome, assim,
sem gente” é apenas um nome escrito em um papel, nada mais. Gente, para Totonha, é o que a
pessoa realmente é, independente do seu grau de instrução institucionalizado.

13. No trecho “Para mim, a melhor sabedoria é olhar na cara da pessoa.”, que substantivos
poderiam ser usados para nomear essa sabedoria?

Nessa parte, o professor pode ser bem flexível, desde que haja coerência nas explicações dos
alunos. Os substantivos poderiam ser humildade, simplicidade, verdade, honestidade,
sinceridade, entre outros.

14. O que seria propriamente a ‘linguagem superior’ quando a personagem diz “Não tenho
medo de linguagem superior.”?

Seria a linguagem dos ditos “bem instruídos”, das pessoas que exercem algum cargo de poder na
sociedade. Como, por exemplo, a linguagem da professora, do presidente e do doutor.
Provavelmente, ela está se referindo à modalidade escrita padrão da língua portuguesa.

15. A expressão “baixar minha cabeça”, nesse texto, é ambígua. Explique os possíveis
sentidos que ela expressa.

De acordo com o contexto, ela pode se referir ao ato de abaixar a cabeça para escrever, ou então
pode se referir ao ato de se colocar como inferior diante dos ditos “bem instruídos”. Ela
demonstra, assim, que ser analfabeta não tira a sua dignidade, pois detém conhecimentos que,
para ela, são muito mais importantes do que esse.

16. Totonha representa muitas outras pessoas que vivem os mesmos problemas que ela.
Quem seriam essas pessoas? Ao dar voz a essa personagem, quais parecem ser as
intenções de Marcelino Freire?

Marcelino Freire, antes mesmo de criar uma personagem, deve ter pensado em fazer uma crítica.
Atividade proposta por Carla Coscarelli e Daiane Evelyn
e desenvolvida pela equipe do Redigir FALE/UFMG

E foi por meio dela que ele construiu toda a história e o contexto de vida de Totonha. Portanto,
por trás dessa história, que parece cômica, há uma crítica às más intenções governamentais, ao
desleixo do governo com determinadas questões sociais, à ausência de educação, saúde,
alimentação e infraestrutura onde deveria haver, assim como à ausência da ação das autoridades
nesses lugares.

17. Será que você conseguiria convencer a Totonha a se interessar pelo mundo alfabetizado?
Faça uma resposta para a Totonha, tentando convencê-la da importância da escrita.

Professor, nessa parte você pode pedir aos alunos que façam uma resposta a tudo isso que
Totonha declarou. Eles podem responder oralmente ou por escrito, mas como ela não sabe ler,
talvez seja mais interessante estimular os alunos a produzirem suas respostas em forma de áudio
ou de vídeo. Eles podem falar sobre os prazeres da leitura literária, sobre a possibilidade de
Totonha buscar os seus direitos como cidadã por meio da leitura de textos jurídicos etc.

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